Estudos Literários Comparados ANTÓNIO CAMPOS

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ESTUDOS LITERÁRIOS COMPARADOS | E-fólio B A análise comparativa da obra literária pede ao investigador que tenha presente aspetos históricos, políticos, culturais, entre outros, em que as obras estudadas foram realizadas. Princípio de abordagem semelhante deve orientar o estudo do tema. Com isto dizer que a temática aconselha (senão obriga) o investigador a complementar a análise literária com o conhecimento do período cultural de produção da obra, de modo a apreender todos os seus elementos, toda a sua função e não apenas um elemento em particular. Conforme Machado e Pageaux (1988: 115), o tema reporta-se aos elementos que consti- tuem e explicam o texto literário, que ordenam, geram e possibilitam realizar o texto. Para exemplo de tema e motivo, sugere-se a obra Antígona, de Sófocles. Sobre o tema literário, sublinhar esse clássico exemplar da tragédia grega, que gira em torno de cren- ças e valores, aspetos de índole religioso, éticos e políticos. Por vezes é difícil encontrar designação ideal para tema, quando este não se enquadra nos chamados temas universais, como o amor, o mar, a guerra, a morte, por exemplo, embora essa “pertença universalidade” possa ser questionada, quando se reconhece a sua subjetividade, de acordo com cenários muito particulares, associados a especifici- dades e contextos históricos, culturais e geográficos (Machado e Pageaux, 1988: 117). Aparentemente Antígona não é excepção, mais do que encontrar essa feliz palavra, inte- ressa enquadrar o tema, a reflexão sobre o homem, que se desenvolve a partir da disputa de consciências entre princípios religiosos e as leis do estado e da cidade. O sentimento de compaixão e o conceito de justiça norteiam a obra. Note-se que nos encontramos no limiar do motivo, em parte, já no seu campo, sublinhando-se essa ténue barreira que existe entre tema e motivo literário, que com facilidade se misturam e confundem. Tentado a encontrar na obra o motivo potenciador da ação, ou do texto literário, eis que se impõe a explicação de Machado e Pageaux (1988: 116) sobre motivo, “como tudo aquilo que não intervém no plano das estruturas, dos princípios organizadores do texto”. No entanto, o motivo tem uma relação embrionária com o tema, passando, em certa medida, a ser também literário, considerando-se, neste caso, a oposição, o esgrimir de argumentos entre Antígona e Creonte, novo Rei de Tebas. O motivo, sendo algo vasto e genérico, encontra-se na discórdia e no conflito, que passa a alimentar o tema. Também o mito partilha algumas semelhanças com o tema, na medida em que ambos tendem a estruturar o texto. Tal como o tema, é anterior à literatura, e dela inseparável, pois encontra na literatura meio privilegiado para difusão. O mito é narrativa fabulosa, é e conta uma história, é saber e explicação. É valor ético, assumindo-se como linguagem Estudos Literários Comparados António Campos (1102410)

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ESTUDOS LITERÁRIOS COMPARADOS | E-fólio B

A análise comparativa da obra literária pede ao investigador que tenha presente aspetos

históricos, políticos, culturais, entre outros, em que as obras estudadas foram realizadas.

Princípio de abordagem semelhante deve orientar o estudo do tema. Com isto dizer que

a temática aconselha (senão obriga) o investigador a complementar a análise literária

com o conhecimento do período cultural de produção da obra, de modo a apreender

todos os seus elementos, toda a sua função e não apenas um elemento em particular.

Conforme Machado e Pageaux (1988: 115), o tema reporta-se aos elementos que consti-

tuem e explicam o texto literário, que ordenam, geram e possibilitam realizar o texto.

Para exemplo de tema e motivo, sugere-se a obra Antígona, de Sófocles. Sobre o tema

literário, sublinhar esse clássico exemplar da tragédia grega, que gira em torno de cren-

ças e valores, aspetos de índole religioso, éticos e políticos.

Por vezes é difícil encontrar designação ideal para tema, quando este não se enquadra

nos chamados temas universais, como o amor, o mar, a guerra, a morte, por exemplo,

embora essa “pertença universalidade” possa ser questionada, quando se reconhece a

sua subjetividade, de acordo com cenários muito particulares, associados a especifici-

dades e contextos históricos, culturais e geográficos (Machado e Pageaux, 1988: 117).

Aparentemente Antígona não é excepção, mais do que encontrar essa feliz palavra, inte-

ressa enquadrar o tema, a reflexão sobre o homem, que se desenvolve a partir da disputa

de consciências entre princípios religiosos e as leis do estado e da cidade. O sentimento

de compaixão e o conceito de justiça norteiam a obra. Note-se que nos encontramos no

limiar do motivo, em parte, já no seu campo, sublinhando-se essa ténue barreira que

existe entre tema e motivo literário, que com facilidade se misturam e confundem.

Tentado a encontrar na obra o motivo potenciador da ação, ou do texto literário, eis que

se impõe a explicação de Machado e Pageaux (1988: 116) sobre motivo, “como tudo

aquilo que não intervém no plano das estruturas, dos princípios organizadores do

texto”. No entanto, o motivo tem uma relação embrionária com o tema, passando, em

certa medida, a ser também literário, considerando-se, neste caso, a oposição, o esgrimir

de argumentos entre Antígona e Creonte, novo Rei de Tebas. O motivo, sendo algo

vasto e genérico, encontra-se na discórdia e no conflito, que passa a alimentar o tema.

Também o mito partilha algumas semelhanças com o tema, na medida em que ambos

tendem a estruturar o texto. Tal como o tema, é anterior à literatura, e dela inseparável,

pois encontra na literatura meio privilegiado para difusão. O mito é narrativa fabulosa, é

e conta uma história, é saber e explicação. É valor ético, assumindo-se como linguagem

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de um grupo, associando-se, por vezes, a tipos de personagens (Machado e Pageaux,

1988: 126 e 127). Alguns exemplos de mitos/tipos: Mitológico - A mitologia grega é ri-

quíssima, tratando a relação dos homens com os deuses. No mar Egeu, onde acontece-

ram incontáveis batalhas, apelava-se a Poseidon, Deus do Mar, que comandando corren-

tes, ventos e tempestades, usava esse poder por vingança ou em auxílio dos homens. A

épica guerra de Tróia é bom exemplo, e inspiração para literatura e cinema; Literário -

Don Juan, surge nas suas lendas como sedutor incorrigível. Fonte de inspiração literária

e tema fecundo para os estudos comparativistas; Histórico - Cristóvão Colombo, desco-

briu a América e conquistou uma imagem de homem justo e humanista. Há também um

grande interesse literário por Colombo e pelas suas fantásticas viagens; Bíblico - Jesus

Cristo, centro da religião cristã, mobilizador de massas. É sobretudo a sua “presença e

orientação espiritual” que se destaca, e interessa para a análise que se apresenta.

Assumindo o mito bíblico, a religião cristã, representada por Jesus Cristo, como exem-

plo para mito/tipo, que se particularize na sua relação com outras realizações, chamando

ao assunto intertextualidade, até multidisciplinaridade, reconhecer-lhe, desde logo, dife-

rentes abordagens: No cinema Mel Gibson promoveu “A Paixão de Cristo”, enquanto

Roberto Carlos fez da canção “Jesus Cristo” oração. É matéria de teatro, arte sacra...

Cristo foi pintado por incontáveis artistas, como os renascentistas Rafael (Deposição de

Cristo) ou Michelangelo (O Juízo Final), mas é na literatura que o mito em redor de

Cristo se desenvolve fervorosamente, questionando-se inclusivamente a sua existência.

As obras e os escritos literários multiplicam-se: Desde logo a própria Bíblia, o livro

mais vendido, também Jesus Cristo - A Verdadeira História, de Jorge Blaschke, ou o

Código Da Vinci, de Dan Brown, em ambos os casos, obras geradoras de controvérsia.

Auxiliado por Machado e Pageaux (1988), sublinhar alguns aspetos do mito, que justifi-

cam a relação da escolha, até pela história que se conhece de Cristo e da religião cristã.

Religião significa crença, culto prestado à divindade, a algo superior, a Deus, a Cristo.

Nesse sentido, encontra-se com o mito, que “é uma narrativa que dá sentido ao univer-

so” e “mostra como se ordenam as relações do homem com o mundo”. Apresenta-se

como “um sistema de valores”. Para Roland Barthes, o mito compõe os elementos

essenciais de uma “ideologia”. Consegue preencher o vazio e a frustração existencial

do grupo fundador ou seguidor (dos crentes), assim como eliminar as clivagens entre di-

ferentes componentes sociais, e nesse caso é recompensador, assumindo-se como verda-

deiro, e tanto mais se renova quanto é alimentado, seja por meio de devoção, seja por

intermédio de diferentes abordagens, controversas ou não, como aquelas aqui referidas.

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Bibliografia:

Dicionário da Língua Portuguesa Porto Editora, Lda. Livraria Arnado, Lda. Emp. Lit. Fluminense, 1987;

MACHADO, Álvaro Manuel, PAGEAUX, Daniel-Henri, “Temas” pp 115-123, “Mitos” pp 125-138, in Da Literatura Comparada

à Teoria da Literatura, Lisboa, Edições 70, 1988;

MACHADO Álvaro Manuel, “O tema do mar no mito de Prometeu. Vitor Hugo e Antero”, Carnets I, La mer… dans tous ses états,

Janvier, 2009, pp. 131-137, http://www.apef.org.pt/carnets/2009/machado.pdf, URL:

revistas.ua.pt/index.php/Carnets/article/download/412/376 [Página acedida a 01/01/2012];

PIRES, Antônio Donizeti, “Lugares Comuns da Lírica, Ontem e Hoje”, 2007, URL:

www.revistas.ufg.br/index.php/lep/article/download/11573/7587 [Página acedida a 30/12/2011];

SÓFOCLES, Antígona, eBooksBrasil.com, digitalização do livro em papel, Clássicos Jackson, Vol. XXII, 2005 URL:

http://www.ebooksbrasil.org/ebookspro/antigone.exe [Site acedido a 08/10/2011];

A Lenda de Don Juan, http://pt.wikipedia.org/wiki/Don_juan [Página acedida a 30/12/2011];

Jesus, http://pt.wikipedia.org/wiki/Jesus_cristo [Página acedida a 30/12/2011].

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