Estudos no Antigo Testamento - Leis
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Graduação a Distância
Teologia
ESTUDOS NO AT - LEIS
Professor Dr. José Roberto Cristofani
Apresentação do docente
Queridos Participantes!
Sou o professor José Roberto Cristofani. Pastor Presbiteriano hávinte e cinco anos e tenho Doutorado em Antigo Testamentopela Escola Superior de Teologia (EST/UFRGS). Gosto delecionar Antigo Testamento e as disciplinas a ele relacionadas.Fiz um curso de Pós-Graduação em “Informática na Educação –EAD” na Universidade Estadual de Londrina, e me apaixoneipor tecnologia educacional, tanto que desenvolvo uma “Cartilhade Alfabetização em Hebraico Bíblico”, com muitos recursosmultimídia, no meu programa de Pós-Doutorado em LinguísticaAplicada pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Espero que vocês também se apaixonem pelo Antigo Testamento e pelo Ensino a Distância. Estareisempre à disposição de vocês.
Um forte abraço!Com carinhoPastor Cristofani
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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Introdução
Os judeus de fala grega traduziam a palavra TORAH por NOMOS. Da Septuaginta
(LXX) e do Judaísmo alexandrino-helenista o Novo Testamento assumiu essa linguagem.
Especialmente a teologia paulina, quer dizer o que a teologia cristã posterior fez disso,
interpretava esse NOMOS cada vez mais como ‘lei’.
Nos escritos cristãos chegou a ser então traduzido como ‘LEI’, para destacar unívoca
e acentuadamente o acontecimento de salvação cristã e, com isso, o mal-entendido de que o
conteúdo da Torah, ao contrário, seria exclusivamente legal.
Situação que está viva até hoje. Escrevem de “lei e os profetas”, com o que se teria
que entender TORAH e NEBIIM. Mas TORAH é, não só lei, mas sim primeiro sedimento da
revelação divina, a qual não se esgota na lei.
Encontram-se nela tanto mandamentos e leis como também narrações de tendências
ensinadoras-religiosas, as quais deixam compreender a emanação e imanências divinas
compreensivas também como acontecimento gracioso-misericordioso, pois sem graça divina.
É falso querer classificar o Judaísmo como mera ‘religião de lei’. A designação ‘Lei’
para a religião judaica foi provocada essencialmente pela antiga tradução grega da Bíblia,
tradução essa que reproduziu a palavra ‘Torah’ por Nomos = lei, enquanto, que na realidade,
significa ensino; esse erro foi utilizado, nos primórdios da Igreja, para desvalorizar o Judaísmo
como religião de lei em contraste ao Cristianismo como religião da graça.
Cerca de trezentas e quarenta vezes aparece essa expressão (a lei) em todas as
traduções alemãs da Escritura (como designação para o total da Bíblia Hebraica ou os Cinco
Livros de Moisés); cerca de duzentas vezes no Antigo Testamento e cento e quarenta vezes
no Novo Testamento. Isso, porém, é fundamentalmente falso - tanto a respeito do conteúdo
como lingüisticamente, pois o que está sendo traduzido está no texto original “Torah” e
significa, na sua tradução correta, “ensino” ou “instrução”. Ela contém, só quantitativamente,
muito mais anúncio, promessa, cumprimento, história de salvação que propriamente “leis”,
regulamentos e prescrições, os quais todos estão destinados um ethos humano e justiça social.
Mais que dois terços da Bíblia Hebraica não têm nada a ver com legalismo, sendo dedicados
ao agir de Deus com o seu povo de Israel. No sentido cristão da palavra, a Torah é, antes de
tudo, principalmente “evangélica”, o anúncio alegre do amor de Deus e da liberdade de todos
os filhos de Abraão.
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
No Judaísmo, aprender e ensinar são processos permanentes, o termo para “aprender
por toda a vida” pertence aos fundamentos básicos do Judaísmo. Aprender no mundo para o
mundo segundo a orientação de Deus.
Há uma continuidade ininterrupta da tradição da instrução (Torah) de Deus até na
família, como lugar do aprender judaico tradicional. Essa transmissão garante a manutenção
da doutrina e tradição, efetivando a criação de identidade. “O verdadeiro pai é aquele, não
que gera as pessoas, mas sim que as educa”, diz um texto judaico.
De fato, o aprender desempenha um importante papel no Judaísmo desde a época
de Esdras (458-398 a.C.). O aprender e a comunidade são partes essenciais do Judaísmo.
Aprender comumente conta como medida pedagógica essencial, em que não só o princípio
de juntos, mas também o de um com o outro como processo recíproco de aprender, também
entre discípulos e professores. Disso resulta que o discurso e diálogo são partes indispensáveis
do aprender.
Assim, este curso dá uma visão geral da Torah como fonte de aprendizagem da
“instrução” de Deus no Antigo Testamento.
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Aula 01
QUESTÕES INTRODUTÓRIASAO PENTATEUCO
DEFINIÇÃO DE TORAH
A palavra hebraica transliterada por Torah indica, em primeiro lugar, os cinco
primeiros livros do Antigo Testamento, denominado Pentateuco (livro em cinco partes =
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio).
No judaísmo há outras designações, como por exemplo, Torah de Moisés (Esdras
7.6) ou livro da Torah de Moisés (Josué 8.31). Torah também é utilizada para designar o
rolo sobre o qual os cinco livros são compilados, e pelo menos uma cópia desses livros é
depositada na arca de cada sinagoga judaica, servindo de base para leituras que acompanham
o calendário religioso judaico.
Na Bíblia Hebraica e nos escritos rabínicos, Torah se refere mais a um processo de
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aprendizado do que propriamente um código legal. Esse sentido puramente legal veio através
da Septuaginta (LXX), tradução grega da Bíblia Hebraica, que verteu o termo hebraico Torah
pelo equivalente grego “nomos” (lei).
Em outras instâncias da Bíblia Hebraica Torah pode
significar “lei, mandamento” (Deuteronômio 1.5); declaração
profética (Isaías 1.10); conselhos dos sábios (Provérbios 13.4);
instruções sobre conduta (Gênesis 26.5); regras acerca do culto
religioso (Levítico 6.9), entre outros. Entretanto, a palavra Torah é
derivada de um verbo hebraico que significa “lançar, atirar (uma
flecha), alvejar”. Assim, significa, primordialmente, “orientação,
instrução” (2 Reis 12.2) no sentido de ser o conteúdo da instrução
de Deus para seu povo.
Portanto, podemos dizer que a palavra Torah significa muito
mais que os preceitos e regulamentos. Inclui tudo o que Deus revelou a seu povo.
O PENTATEUCO
Pentateuco ou os “cinco
primeiros livros do Antigo Testamento”
se constitui dos livros: Gênesis, Êxodo,
Levítico, Números, Deuteronômio. De
fato, o Gênesis narra as origens do
universo e do gênero humano até a
formação do povo de Israel na sua
estada no Egito. O Êxodo narra a saída
dos israelitas do Egito, conduzidos por
Moisés aos pés do Sinai, para aí
receberem de Deus a sua lei religiosa e
civil e se constituírem, por meio de um pacto sagrado (“testamento”), em peculiar “povo de
Deus (Javé).” O Levítico regula o culto religioso à maneira de ritual, dirigido especialmente
aos levitas, que formavam o clero consagrado ao serviço do santuário. O livro de Números
recebe o nome dos recenseamentos do povo contidos na primeira parte, estendendo-se,
depois, em referir fatos e providências legislativas correspondentes a cerca de quarenta anos
de vida nômade no deserto da península sinaítica. No Deuteronômio, ou segunda lei, emanada
pelo fim da jornada no deserto, Moisés retoma a legislação precedente para adaptá-la às
novas condições de vida sedentária, em que o povo viria a se encontrar com a conquista
iminente da Palestina.
Vejamos em linhas gerais o conteúdo de cada livro acompanhando literalmente os
escritos do Bispo Alexander da Igreja Cristã Ortodoxa Russa.
Rolo da Torah
Rolos dos Cinco Livros da Torah
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Gênesis
O Gênesis narra as primeiras origens do mundo, do gênero humano, do povo hebreu,
tudo relacionado com Deus, com sua revelação, com seu culto. Deus cria o universo, revela-
se aos primeiros homens, Deus escolhe uma família (Abraão e sua descendência), para no
seio dela conservar e desenvolver as sementes da primitiva revelação e a verdadeira religião,
no intuito de preparar a solene revelação do Sinai, narrada no Êxodo.
A criação do céu e da terra (1.1-2.3) é como que o prólogo do grandioso drama,
que se divide em duas partes, e tem por protagonistas os cinco grandes patriarcas: Adão e
Noé, patriarcas do gênero humano; Abraão, Isaac e Jacó, patriarcas do povo hebreu.
O todo é enquadrado pelo autor sagrado em dez tábuas genealógicas (Gênesis 2.4,
5.1, 6.9, 10.1, 11.10, 11.27, 25.12, 25.19, 36.1, 37.2) dispostas de tal modo que, após ter
registrado os ramos secundários da propagação humana, volta a narrar difusamente os destinos
do ramo patriarcal, isto é, da descendência eleita, portadora da revelação divina e da
verdadeira religião.
O Gênesis abrange na sua narração uma longa série de séculos, e colocando (no
tronco principal das suas genealogias) ao lado dos nomes também números de anos, forneceria
os elementos de uma cronologia. Infelizmente as cifras não parecem bem conservadas, porque
nos números dos capítulos 5 e 11 os três textos independentes: o hebraico, o samaritano e o
grego divergem entre si. Baseando-se sobre o seu texto, os gregos do império bizantino
colocavam a criação do homem 5508 anos a.C. Os hebreus ainda usam uma era que no
mesmo período conta 3760 anos. As ciências antropológicas exigem um tempo assaz maior
para a existência do homem sobre a terra. A Bíblia não é contrária a resultados certos de tais
ciências, também porque as listas genealógicas do Gênesis poderiam ser incompletas, ou
seja, com omissões de elos intermediários.
Do nascimento de Abraão à descida dos israelitas ao Egito - 290 anos (Gênesis
21.5 + 25.26 + 47.28), a cronologia respectiva é mais ou menos certa. Para a cronologia
absoluta (baseada na era vulgar) ter-se-ia um ponto fixo no sincronismo de Abraão com
Hamurabi, o célebre rei da Babilônia, cujo famoso código de leis foi descoberto em 1902. A
identificação, porém, de Amrafel, rei de Senaar (Gênesis 14.1), com Hamurabi da Babilônia,
é hoje mais do que duvidosa; tampouco a data do reinado deste último está definitivamente
fixada; atualmente tende-se a colocar-lhe o início por volta de 1728 a.C. Tomando como
ponto de partida a data em que os israelitas saíram do Egito sob o faraó Mernefta pelo ano
de 1200 a.C., e remontando o curso dos séculos com os dados da própria Bíblia (Êxodo
12.40 e passagens acima citadas), Abraão teria nascido por volta de 1900 a.C., mas não é
certo qual seja o faraó do Êxodo.
Muitas páginas do Gênesis têm correspondência nos monumentos babilônicos e
egípcios: nos primeiros, a história primitiva, isto é, os primeiros 11 capítulos; nos egípcios, o
resto, especialmente a história de José (37-50). Com os dois primeiros capítulos (a criação)
têm algo de semelhante a vários poemas babilônicos entre si discordantes e que são uma
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fantasiosa mitologia de crasso politeísmo. Também a tradição babilônica conhece dez reis,
como Gênesis 5, e dez patriarcas, de vida longuíssima, antes do dilúvio. Este cataclismo foi
narrado em muitas lendas babilônicas, uma das quais foi inserida no poema “Gilgamesh,”
assim chamado por causa do herói protagonista. Os pontos de contato com a narração bíblica
(Gênesis 7.8) são numerosos e típicos. A narração da torre de Babel (Gênesis 11.1-9) é toda
tecida de elementos babilônicos; mas um paralelo exato não foi ainda encontrado na literatura
cuneiforme. Nada ainda se encontrou nessa literatura de verdadeiramente análogo à narração
do paraíso terrestre e da queda do homem (Gênesis 3).
Nos monumentos, egípcios temos representadas muitas cenas semelhantes às narradas
no Gênesis 12.37-50.
Êxodo
O segundo livro do Pentateuco toma o nome de Êxodo à saída dos hebreus do
Egito, onde, depois dos bons tempos de José, passaram a sofrer a mais dura escravidão.
Esse acontecimento, porém, nada mais foi do que o prelúdio de fatos muito mais importantes
na vida dos filhos de Israel, os quais, de um conglomerado de famílias que eram, recuperando
a liberdade, conquistaram verdadeira unidade de nação independente e receberam uma
legislação especial, uma forma de vida moral e religiosa, pelas quais se distinguiram de todos
os outros povos da terra.
Com toda facilidade compreender-se-á a importância desse livro, sobretudo em se
pensando que, se a história civil das nações, mormente as antigas, acha-se intimamente
vinculada à religião e esta à moral, isso jamais foi tão verídico como a respeito dos hebreus.
As leis contidas no Êxodo formam a essência da vida civil e religiosa do povo eleito.
É bem verdade que, em todas essas leis e, especialmente nas do chamado código da
aliança (21.23), foram encontradas analogias notáveis no código de Hamurabi (rei babilônico,
que viveu alguns séculos anteriormente a Moisés), que foi descoberto, traduzido e publicado
pelo dominicano Pe. Scheil, em 1902. De tais analogias não se infere, porém, em absoluto,
como pretendem alguns, a dependência do código mosaico do babilônico. Elas têm sua
explicação adequada nos fatores comuns às duas sociedades, israelita e babilônica, tão
próximas no tempo, no lugar e também na origem, pois os patriarcas do povo hebreu
procediam do vale do Tigre.
Realmente, na legislação decretada no Sinai, nem tudo foi criado desde a raiz; muitos
usos e costumes já introduzidos na prática social foram confirmados pela aprovação divina.
De resto, também nas famosas leis romanas das doze tábuas descobrem-se semelhanças
com o código mosaico, sem que ocorra a alguém o pensamento de querer estabelecer um
parentesco entre as primeiras e o segundo. Providências semelhantes surgem espontaneamente
de necessidades sociais do gênero. No decálogo, porém, e na doutrina religiosa que lhe
forma a base inconcussa (Êxodo 20.2-17), reside a verdadeira prerrogativa do povo de
Israel; nada de semelhante se encontra em nenhum outro povo. Citam-se, é certo, da literatura
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egípcia; certas desculpas espirituais como: “Não cometi injustiça, não roubei, não matei”
etc., ou da Babilônia, os ex-conjuros, onde se pergunta se o exorcizado ultrajou alguma
divindade, se desprezou pai e mãe, se mentiu ou praticou obscenidades etc. Mas não há
proporção entre os protestos de um particular para evitar o castigo (finalidade daquelas
fórmulas rituais) e a autoridade soberana que impõe a lei a todo um povo. Entre os próprios
egípcios e babilônios, nada há de correspondente, na legislação, àquelas fórmulas cerimoniais.
O decálogo de Moisés não tem rivais no mundo.
Pelas razões citadas, os acontecimentos narrados no Êxodo tiveram um eco enorme
na memória das tribos israelitas. Em quase todas as páginas do Antigo Testamento são
recordadas a libertação da escravidão do Egito, a prodigiosa passagem do mar Vermelho, os
golpes tremendos com os quais foi dominada a tenaz oposição do opressor egípcio, as
grandiosas manifestações divinas no Sinai, o sustento milagroso de um povo tão numeroso
no deserto. Daí Israel deduzia os motivos mais fortes para ser grato e fiel a Deus e conservar
uma confiança inabalável na sua providência soberana e nos seus próprios destinos.
A cronologia do Êxodo, ou seja, o ano em que os hebreus saíram do Egito está
naturalmente ligado à história desse país. Mas, já que a Bíblia não fornece os nomes dos dois
faraós, o da opressão (Êxodo 1.8, 2.23) e o da saída (Êxodo 14.5), duas opiniões diversas
se equilibraram entre os doutos, com autoridade e número de defensores quase iguais. Para
uns, o opressor seria Totmés III (1500-1450) e o outro Amênofis II (1447-1420), da XVIII
dinastia; para outros, no entanto, Ramsés II (1292-1225), da XIX dinastia, teria oprimido os
hebreus, e seu sucessor, Mernefta (1225-1215); tê-los-ia libertado. A segunda opinião, que
estabelece o século XIII a.C. para o Êxodo, parece-nos mais condizente com o texto (Êxodo
1.11) e mais coerente com outros dados da história sagrada e profana.
Levítico
Esse livro traz o nome de Levítico, por tratar quase exclusivamente dos deveres
sacerdotais. Poder-se-ia compará-lo a um ritual.
Com exceção de dois trechos históricos (Levítico 8.10, 24.10-23), compõe-se
inteiramente de leis que visam à santificação individual e nacional. Santificação ritual e exterior,
que, porém, simboliza e promove certa santidade interior e moral. Toda a matéria pode ser
dividida em cinco partes:
Primeira Parte: Leis relativas aos sacrifícios (1.7). Os sacrifícios são de cinco
espécies; duas séries de leis: 1ª série - o rito de cada sacrifício (1.5), holocausto (1), oblação
de vegetais (2), sacrifício salutar (3), sacrifício expiatório (4), sacrifício de reparação (5). 2ª
série - direitos e deveres dos sacerdotes em cada espécie de sacrifícios (6-7).
Segunda Parte: Consagração dos sacerdotes (8.9). Nadab e Abiú são punidos por
terem usurpado um ofício sagrado (10.1-7). Várias prescrições para os sacerdotes (10.8-
20).
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Terceira Parte: Leis sobre a pureza legal (11.16) dos alimentos (11), da puérpera
(mulher após o parto) (12), da lepra nas pessoas (13.1-46, 14.1-32), nas vestes (13.47-59)
e casas (14.33-57); sobre a gonorréia (15). Rito para o dia solene de expiação (16).
Quarta Parte: Leis sobre a santidade (17.23): a) do povo (17.20); matança dos
animais, uso do sangue, unicidade do santuário (17); prescrições que regulam os atos sexuais
(18); várias prescrições religiosas e morais (19); punição para os transgressores (20); b) dos
sacerdotes: núpcias e luto (21.1-15); irregularidades (21.16-24); impureza cerimonial (22.1-
16; qualidades das vítimas (22.17-30); conclusão (22.31-33); c) dos dias festivos: solenidades
anuais e o sábado (23).
Quinta Parte: Determinações diversas: lâmpadas no santuário e pães da apresentação
(24.1-9); pena para o blasfemador (24.10-23); prescrições para o ano sabático e jubileu
(25); promessas e ameaças relativas a observância da lei (26); votos e dízimos (27).
O sacrifício, o ato mais sagrado da religião, isto é, oferecer a Deus vítimas, animais
ou vegetais, não foi instituído por Moisés, mas remonta às próprias origens da humanidade
(Gênesis. 4.3-4). Moisés encontrou o seu uso estabelecido e arraigado entre todos os povos.
Nas tabuinhas recentemente descobertas em Ras Shamra (antiga Ugarit), na Fenícia
setentrional, anteriores alguns séculos a Moisés, são mencionadas espécies idênticas de
sacrifícios, até mesmo com nomes iguais (afinidade das duas línguas) aos do Pentateuco.
Moisés, com suas leis, só regulamentou e consagrou ao culto do verdadeiro Deus um cerimonial
já praticado, deixando ainda toda essa legislação dos sacrifícios separada das condições
essenciais do pacto celebrado entre Deus e o seu povo (Êxodo 19.23). Nesse sentido deve-
se entender aquele protesto do próprio Deus contra os judeus, por boca de Jeremias (7.22-
23): “Em matéria de sacrifícios e holocaustos, eu nada disse e nada ordenei aos vossos
pais ao tirá-los do Egito; dei-lhes somente esta ordem: Escutai a minha voz; eu serei
vosso Deus e vós sereis o meu povo”, cf. Êxodo 19.5).
Nada, portanto, impede atribuir-se ao próprio Moisés a legislação cerimonial do
Levítico, embora seja óbvio que não a tenha escrito toda de uma vez e se tenha servido, para
a fixar, da obra de algum sacerdote ou levita de profissão. Nem se exclui que algumas destas
leis tenham recebido em tempos posteriores modificações e acréscimos.
Números
O quarto livro do Pentateuco recebeu o nome de Números (em grego Arithmoi, que
aqui tem o sentido de “recenseamentos”) por causa dos “recenseamentos” (1.1-4.26), que
são próprios deste livro e que lhe dão a sua feição particular. Contém, além disso, alguns
fatos que se ligam imediatamente aos acontecimentos narrados no Êxodo, e leis semelhantes
às do Levítico. Pode ser dividido facilmente, de acordo com os lugares e tempos, em três
partes: no Sinai (1.1-10.10); viagens através do deserto (10.11-21.35); na margem oriental
do Jordão (22.36).
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Primeira Parte: No Sinai: disposições para a partida: 20 dias. Recenseamento das
tribos e respectivas posições no acampamento (1.2). Os levitas: seu destino e recenseamento;
divisão por famílias e por ofícios. Leis: banimento dos impuros, restituições, ciúmes, nazireato,
bênção litúrgica. Últimos fatos: donativos dos chefes das tribos ao santuário, consagração
dos levitas, segunda Páscoa (9.1-14), sinais para a partida e para a parada, as trombetas
(9.15-10.10).
Segunda Parte: Viagem através do deserto: Do Sinai a Cades: partida e ordem de
marcha (10.11-36), murmuração do povo, as codornizes, a lepra de Maria, irmã de Moisés.
Parada em Cades: missão dos doze exploradores e queixas do povo; leis sobre as oblações
e primícias, sobre o sábado e os filactérios; sedição de Coré, Datan e Abirão, e sua punição
e confirmação do sacerdócio na família de Arão; relações entre sacerdotes e levitas,
emolumentos de uns e de outros; a água lustral; sedição do povo por falta de água (20.1-13).
De Cades ao Jordão: os edomitas negam passagem pelas suas terras; morte de Aarão (20.14-
29); queixas do povo e castigo, a serpente de bronze (21.1-9); vitória sobre os amorreus e
conquista de Basan (21.10-35).
Terceira Parte: Na margem oriental do Jordão: cerca de cinco meses. A matéria
desta parte, mais por ordem lógica do que por ordem do texto, pode ser assim agrupada:
últimos encontros com os povos da Transjordânia; Balaão e seus vaticínios (22.24);
prostituição a Beelfegor (25); guerra santa contra os madianitas e leis sobre a divisão dos
despojos (31); lista das etapas (33). Grupo de leis: herança (27.1-11), festas e sacrifícios
(28.29), votos (30). Disposições para a ocupação da terra prometida. Segundo recenseamento
(26); nomeação de Josué (27.12-23). Distribuição da Transjordânia (32); normas para a
ocupação e distribuição da Cisjordânia (33.50-34.12); designação das cidades levíticas e
de refúgio (35); disposições para manter inalterada a primitiva distribuição (36).
A julgar pelo resumo, o presente livro compreende um período de cerca de trinta e
oito anos e meio. Sobre a maior parte desse período (os trinta e oito anos no deserto) narra-
nos apenas uns poucos fatos, mas muito notáveis pelo significado religioso, como a serpente
de bronze, a sedição de Coré, os vaticínios de Balaão, a água brotada da rocha; fatos dos
quais os apóstolos no Novo Testamento tiraram utilíssimas lições (1 Coríntios 10.1-11;
Hebreus 3.12-19; João 3.14-15). No centro do drama acham-se dois fatos semelhantes
entre si, duas sedições do povo contra Moisés, executor das ordens divinas; a primeira (14),
originada pela repugnância em empreender a conquista da Palestina; a segunda (20), por
falta de água. Conseqüência ou punição da primeira foi a longa demora da nação inteira no
deserto da península sinaítica; a segunda deixou a mais profunda impressão na consciência
nacional e na literatura posterior (cf. Salmo 80.94-105), envolvendo o próprio Moisés, que
por um instante duvidou da clemência divina e por isso teve de deixar a outros o remate de
sua obra, a conquista de Canaã (cf. Deuteronômio 32).
O livro dos Números é importante para a literatura porque, entre outras coisas,
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conservou fragmentos de antiqüíssimos cânticos populares (21.23-24), com a indicação de
coleções - já existentes, como “o Livro das guerras de Javé” (21.14), do qual não se tem
outra menção.
Deuteronômio
O quinto e último livro do Pentateuco foi chamado Deuteronômio, isto é, “segunda
lei,” talvez porque assim tenha sido traduzida, embora inexatamente pelos setenta (LXX),
uma frase hebraica em 17.18. No entanto, convém-lhe perfeitamente esse nome. O livro não
é uma simples repetição da legislação contida nos livros precedentes, mas além de leis novas,
oferece complementos, esclarecimentos e modificações às primeiras. É, de certo modo, uma
segunda lei, promulgada no fim da longa peregrinação dos israelitas, paralela à lei dada no
Sinai e destinada a regular mais de perto a vida do povo escolhido, no solo da Terra Prometida
à qual eles estavam para chegar e dela tomar posse definitiva. Não é, porém, simples
enumeração de leis e determinações; o que caracteriza esse livro, o que lhe constitui a alma,
é um ardente sabor oratório. O hagiógrafo nos faz ouvir um Moisés que exorta, encoraja,
invectiva; inculca a observância das leis, a começar dos grandes princípios morais; apela
para os mais poderosos motivos, evoca a glória do passado, a missão histórica de Israel, os
triunfos do porvir. Na mente do autor sagrado temos o testamento definitivo que o grande
guia e legislador deixa ao povo de Deus às vésperas da sua morte. Pelo estilo, o Deuteronômio
é um discurso, ou melhor, vários discursos, dirigidos por Moisés aos israelitas. Deduz-se daí
a divisão do livro em quatro partes:
Primeira Parte: 1° discurso (1.4): olhar retrospectivo aos fatos acontecidos desde
a partida do Horeb até as últimas conquistas da Transjordânia; exortação geral à observância
da lei (4.1-40).
Segunda Parte: 2° discurso: renovação da lei (4.44-26.19). Princípios gerais: o
Decálogo (5), o culto e o amor ao único Deus verdadeiro (6), guerra à idolatria (7), benefícios
de Deus, censura da infidelidade anterior de Israel, promessas e ameaças (8.11).
Leis especiais: Deveres religiosos. Unicidade do santuário e disposições relativas
(12.1-28); contra a apostasia (12.29-13.18); alimentos e dízimos (14); ano da remissão
(15); as três grandes solenidades anuais (16.1-17).
Direito público. Juízes (16.18-17.13), rei (17.14-20), sacerdotes (18.1-8),profetas
(18.9-22); homicídio involuntário (19), guerra (20), homicídio por mão desconhecida (21.1-
9). 3) Direito familiar e privado. Grande variedade; os pontos principais são: matrimônio
(21.10-14, 22.13-23,) e filhos (21.15-20), o divórcio (20.1-4), levirato (25.5-10), deveres
de humanidade (22.1-12, 23.16-20, 24.6-25), honestidade (25.11-19), votos (23.22-24),
primícias e dízimos (26).
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Terceira Parte: 3° e 4° discursos: ordem de promulgar a lei em Siquém, maldições
para os transgressores (27), ameaças e promessas (28). Exortação à observância da lei,
com a recordação dos fatos históricos, das promessas e das ameaças (29.30).
Quarta Parte: Apêndice histórico, últimas disposições de Moisés, nomeação de
Josué, seu sucessor (31); cântico de Moisés (32), bênção das doze tribos (33), morte de
Moisés (34).
Amor de Deus, beneficência, alegria no cumprimento do dever, eis as principais
características do Deuteronômio, princípios inculcados e repetidos com solicitude incansável.
Por isso, perpassa-o um sopro ardente de sincera e profunda piedade para com Deus e uma
ternura simpática pelo homem, que edifica e comove. Há páginas que se aproximam da
sublimidade divina dos ensinamentos evangélicos, mais do que quaisquer outras.
PENTATEUCO SAMARITANO
Em 722 a.C. os assírios conquistaram Samaria, levando para o cativeiro 27.290
israelitas. Para repovoar a região vieram outros povos, como nos declara II Reis 17.24. De
acordo com Esdras 4.2, 9 e 10 posteriormente chegaram outras pessoas com essa mesma
finalidade. A mistura desses povos com os israelitas resultou nos samaritanos.
Por questões de discórdia com os judeus os samaritanos fundaram um sacerdócio
rival no Monte Gerazim, perto de Siquém, hoje Nablus. Nesta ocasião o Pentateuco foi
levado a Samaria por Manassés.
O manuscrito mais antigo do Pentateuco samaritano data de meados do século XIV
e trata-se de um fragmento de um pergaminho - o rolo chamado Abisa. O códice do Pentateuco
samaritano mais antigo traz uma nota sobre ter sido vendido em 1149-1150 d.C., embora
fosse muito mais velho. A Biblioteca Pública de Nova Iorque abriga outro exemplar que data
cerca de 1232 d.C. Imediatamente após a descoberta desse exemplar, em 1616, o Pentateuco
samaritano foi aclamado como superior ao Texto Massorético (texto hebraico padrão
estabelecido pelos rabinos massoretas por volta dos séculos VI e X d.C.). Porém, após um
cuidadoso estudo, foi reconhecido como tendo valor inferior no estudo do texto vétero-
testamentário. Só recentemente esse documento re-obteve um pouco de sua antiga
importância, ainda que seja considerado até hoje de menor importância do que o texto
massorético da Lei. A importância do texto do Pentateuco samaritano pode ser avaliada pelo
fato de apresentar 6.000 variantes em relação ao Texto Massorético, e em sua maior parte
constituem diferenças ortográficas de valor insignificante. No texto samaritano o monte
Gerazim é o centro de adoração (em oposição a cidade judaica de Jerusalém), acréscimos
aos relatos de Êxodo 20.2-17 e Deuteronômio 5.6-21. Às vezes o Pentateuco samaritano e
a Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento) concordam a respeito de certa redação
que, todavia, é diferente do Texto Massorético; provavelmente isso se deva a que aqueles
20
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
tragam um texto mais antigo. No entanto, o Pentateuco samaritano reflete certas tendências,
como inserções dos samaritanos, repetições das ordens de Deus, impulsos no sentido de
modernizar certas formas verbais antigas e tentativas de simplificar as partes mais difíceis da
redação hebraica.
Diferenças entre o Pentateuco Samaritano e o Massorético
a) Correções para a concordância de passagens
paralelas. No Pentateuco Samaritano há várias interpolações para
que o Êxodo 20 e o Deuteronômio cinco possam concordar.
b) Adições explanatórias ao texto: Às palavras de Gênesis
7.3 “Também das aves dos céus” o Pentateuco Samaritano
acrescenta a frase “que são limpas”.
c) Mudança de algumas letras para conseguir um melhor
sentido: em Gênesis 49.10 encontra-se “O cetro não se arredará
de Judá, nem o legislador dentre os seus pés, até que venha Siló”.
Mudando a letra D para R, o Pentateuco Samaritano alterou a
frase “dentre seus pés” para “dentre seus padrões”.
d) Mudanças visando a resolver problemas históricos, no
Texto Massorético Êxodo 12.40 afirma “o tempo que os filhos de
Israel habitaram no Egito foi de 430 anos”. O Pentateuco
Samaritano adicionou a frase “e na terra de Canaã”, depois da
palavra Egito.
e) Encontram-se 21 mudanças deliberadas, que apóiam
as idéias sectárias dos samaritanos. Assim, a frase “Monte Ebal”, de Deuteronômio 27.4 foi
mudada para “Monte Gerazim” etc.
ATIVIDADEAs atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Sala Virtual - Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio-
ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas,
utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.
Pentateuco Samaritano –
Fragmento
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
21
Aula 02
CÓDIGOS LEGAIS NOANTIGO TESTAMENTO
As leis que encontramos no Antigo Testamento são muitas e espalhadas por todo o
Pentateuco. Com exceção de alguns poucos textos, todo o conjunto legislativo da Bíblia se
encontra aí.
Assim, convém ressaltar as partes do Pentateuco nas quais há verdadeiros códigos
legislativos que são em número de seis, assim chamados: Código da Aliança; Código Cultual;
Código Deuteronômico; Decálogo; Código de Santidade e Código Sacerdotal. Para o que
segue traduzimos, em grande parte, um artigo de Luis Vegas Montaner, complementando e
modificando onde achamos necessário.
22
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
CÓDIGO DA ALIANÇA (ÊXODO 20.22 – 23.19)
O chamado Código da Alianza pertence aos séculos IX e VIII a.C. com tradições
que remontam, em sua origem, ao período de Moisés.
Esse Código é formado por um conjunto de leis de caráter bem jurídico. Seu interesse
pelos animais no trabalho, pelos trabalhos nos campos e nas vinhas, etc. supõe que o
sedentarismo já era um fato consumado. Suas leis são algumas vezes casuísticas, outras vezes
imperativas ou apodíticas. Nota-se a presença de leis que remontam às origens do povo e
outras muito mais antigas, segundo se pode deduzir da comparação destas com aquelas de
outros códigos legais do Antigo Oriente. Pressupõe uma sociedade com uma autoridade
politicamente frágil, porém com fortes tradições religiosas.
O Código da Aliança é uma coleção de mandamentos cultuais, preceitos legais e
instruções religiosas e morais recopiladas conforme um plano determinado: evitam o luxo na
construção do altar e na centralização do culto.
CÓDIGO CULTUAL OU DECÁLOGO RITUAL (ÊXODO 34.10-26)
O assim chamado Código cultual ou Decálogo ritual pertence ao século IX a.C.
Nele um compilador apresenta uma continuação da “quebra das tábuas da lei” como se fosse
uma continuação do Código da Aliança. Contudo, até certo ponto, parece ser uma recensão
desse código, conforme se pode ver nos capítulos 20-24.
As duas versões das “palavras da Aliança” apresentam em si muitos detalhes comuns,
de maneira que se pode dizer que os versículos 11-26 se constituem como uma segunda
recensão de uma parte da lei cultual do Código da Aliança (Êxodo 22.29-30; 23.12.15-19).
O peculiar de toda a legislação de Israel é a mistura entre o sagrado e o profano. O caráter
de suas festas é claramente agrícola.
CÓDIGO DEUTERONÔMICO (DEUTERONÔMIO 12-26)
Este código pertence à segunda metade do século VII a.C. e constituí o núcleo
substancial do Deuteronômio por conter a exposição da lei mosaica. Seu estilo oratório e
homilético difere muito do estilo legislativo do Código da Aliança. As leis não estão
ordenadas, senão que é uma mistura que se deve, possivelmente, à redação de vários
elementos combinados.
Pode-se distinguir as seguintes seções:
Legislação da vida religiosa: (Deuteronômio 12.1-16.17), que compreende
aproximadamente à metade do total e insiste principalmente na centralização do culto em
Jerusalém como o meio mais eficaz para manter ou restaurar a pureza da religião javista
ameaçada pela influência da religião cananéia. Contém leis sobre a unidade do santuário
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
23
(12.1-32); sanções contra a idolatria (13.1-18); preceitos relativos a santidade dos indivíduos
(14.1-29); obrigações do ano sabático (como o cancelamento de dívidas e a libertação de
escravos hebreus no sétimo ano), consagração dos primogênitos e a observância das três
grandes festas anuais (15.1-16,17).
Legislação relativa às instituições sociais: juízes, reis, sacerdotes e profetas
(16.18-18,22).
Direito criminal, familiar e social: (19.1-25,19), onde se destacam diversas leis
humanitárias. Isenção do serviço militar, prescrições higiênicas para os acampamentos,
utilização de pesos e medidas honestas, limitação do número de açoites aplicáveis a um
delinqüente, considerações para com os estrangeiros, órfãos, viúvas, escravos e outras
pessoas, etc.
Conclusão parenética (capítulo 26).
Sem separar totalmente esses elementos do seu contexto anterior e posterior, é evidente,
entretanto, que em Deuteronômio 12-26 contém a parte propriamente legislativa da obra.
Certas disposições do Código da Aliança
são retocadas com um espírito novo. Assim, se
rechaça a multiplicidade de lugares de culto como
contrária à pureza da fé Javista, insistindo nas leis
de centralização religiosa; por outra parte, o
Código Deuteronômico demonstra uma maior
tendência ao humanitarismo, podendo considerar-
se uma revolução social em favor do ser humano.
O documento é fruto de um vigoroso movimento
de restauração levado a cabo por sacerdotes e levitas (e talvez também profetas) conscientes
da eleição privilegiada de Israel e da aliança amorosa estabelecida por Javé, que tem feito
deles uma comunidade sagrada.
A data de composição do Código permanece incerta, mas a sociedade que ele regula
é uma sociedade já solidamente sedentária, organizada, regida por una autoridade central e
dedicada ao comércio.
A obra deuteronômica, portanto, recolheu antigas tradições mosaicas agrupando-as
em torno da idéia fundamental da centralização do culto. Esta nova tendência se concebeu
perfeitamente pela época em que os profetas recordaram as promessas feitas para a dinastia
davídica e no tempo em que a presença da Arca no templo de Jerusalém havia assegurado o
prestígio da cidade e do templo. A redação final do Código Deuteronômico, portanto, pode
situar-se no século VII a.C., como reação à implantação dos cultos estrangeiros por parte
de Manassés e antes da reforma de Josias em 621 a.C.
Rabinos examinando a Torah
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
DECÁLOGO (ÊXODO 20.2-17; DEUTERONÔMIO 5.6-21)
O Decálogo conheceu duas redações: uma nos séculos VIII-VII a.C. e outra, com
ligeiras variantes inseridas nas narrações do Sinai até o final do século V a.C.
As palavras do chamado Decálogo “ético” foram transmitidas em duas passagens
diferentes que, salvo pequenas diferenças, concordam entre si e podem ser consideradas
como duas redações de um mesmo texto básico.
Confrontando o Decálogo com enumerações semelhantes do Oriente antigo pode-
se notar imediatamente a dimensão ética do primeiro pelo caráter de obrigatoriedade interna
que imprime a seus preceitos.
A legislação mesopotâmica e egípcia desconhece a “ingerência” de Deus na vida
privada e pública por meio da consciência moral. O Decálogo é o documento em que se
baseia a estipulação da Aliança entre Deus e seu povo (Êxodo 24.1-8).
A palavra “Decálogo”, derivada do grego, se aplica aos Dez Mandamentos (“as dez
palavras” em sua designação bíblica) que Moisés recebeu de Deus no Monte Sinai.
O Decálogo é a lei fundamental da religião judaica e é considerado de origem divina.
Deus mesmo o escreveu em duas tábuas de pedra (tábuas do testemunho: Êxodo 24.12;
31.18; 32.16), chamadas também de “tábuas da aliança” (Deuteronômio 9.9, 11). No terceiro
mês depois da libertação de Israel do Egito foi entregue a Moisés.
As tábuas da lei foram guardadas na arca sagrada chamada de “arca do
testemunho” (Êxodo 25.16) ou “arca da aliança”, pois o Decálogo constituía uma aliança
entre Deus e seu povo.
O Decálogo é um pequeno código religioso e moral que prescreve, em forma de
breves proibições categóricas, os deveres do israelita para com Deus (os primeiros cinco
mandamentos) e com o próximo (os cinco últimos mandamentos). Os preceitos do Decálogo
são anteriores à forma literária do mesmo e constituem normas fundamentais em toda
sociedade humana.
A forma atual do Decálogo aponta para diversas recensões de um texto mais antigo
que serviu de base. Nesse Decálogo “primitivo” (ou mosaico) os preceitos estavam
provavelmente formulados na forma afirmativa, como se pode ver ainda no primeiro, sexto,
sétimo, oitavo e nono mandamentos (Êxodo 20.7,13-16).
O Decálogo mosaico dá preferência à moral sobre o culto, em consonância com a
doutrina dos profetas. Daí o nome de “Decálogo ético”.
DECÁLOGO “ÉTICO” (ÊXODO 20.2-17, CF. DEUTERONÔMIO 5.6-18)
Do primeiro mandamento, que é na realidade uma introdução, a tradição judaica
deduz o preceito positivo da crença na existência de Deus. A primeira pessoa (eu) indica que
se trata de um ser consciente e não de uma divindade cega como a natureza. A menção da
libertação do Egito se interpreta no sentido de que Deus intervém no destino humano.
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
25
O segundo mandamento começa, segundo o Talmud, o Midrash e o Targum, com
Êxodo 20.3: “Não terás outros deuses diante de mim …”. Indica a unidade de Deus e sua
espiritualidade (proibição de adorar a Deus em representações tangíveis, como figuras
humanas, representações de astros e de animais). Com respeito ao castigo até a terceira ou
quarta geração, os rabinos declaram que o castigo cairá sobre os filhos que imitam a maldade
dos seus pais. Em outro lugar do Pentateuco (Deuteronômio 24.16) se afirma que os pais
não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela dos pais.
O terceiro mandamento proíbe pronunciar o nome divino para coisas vãs com
falsidade. Os rabinos proíbem, de acordo com essa sentença, os juramentos falsos e até
pronunciar o nome divino em ocasiões que não sejam de vital importância e solenidade.
O quarto mandamento, que aparece com motivação diferente em Deuteronômio 5.15,
ressalta que a observância do sábado era um costume antigo dos israelitas, posto que emprega
a palavra “recorda, lembra” (trocada em Deuteronômio 5.12 por “guarda”). A palavra
“sábado” (hebr. shabat) provém de uma raiz que significa repouso, abstenção de trabalho.
Entretanto, tal abstenção não se considera como preceito meramente negativo, senão que
implica sua santificação. Neste mandamento se santifica também o trabalho como mandamento
divino (“seis dias trabalharás”).
O Decálogo não indica qual classe de trabalho deve ser suspenso no dia se sábado,
porém Bíblia menciona como proibida várias classes de atividades: trabalhos agrícolas,
comerciais e cozinhar. A Mishná estabeleceu sobre essa base 39 classes de atividades que se
consideram como trabalho e posteriormente as proibições se tornaram mais rigorosas e outras
foram acrescidas, atos que poderiam levar o homem até uma infração da lei sabática. De
grande importância cultural é a insistência, pela primeira vez na história da humanidade, de
que também o servo e até o animal devem repousar um dia na semana. A observância do
sábado foi, sem dúvida, o que mais contribuiu para a manutenção das tradições judaicas.
O quinto mandamento é uma transição das obrigações para com Deus para aquelas
que temos com os homens. O respeito aos pais é obrigatório até mais além da vida e supõe
a afirmação da continuada existência do povo baseada na família.
Os cinco mandamentos restantes concernem às obrigações para com o próximo.
São breves e facilmente inteligíveis. O último mandamento tem um texto ligeiramente distinto
em Deuteronômio 5.18, em que para a mulher se emprega um verbo específico, “desejar”,
em lugar da repetição de “cobiçarás”.
Nessa forma breve e lapidária (texto hebraico tem 120 palavras), o decálogo vem a
constituir-se um código moral que foi aceito universalmente. Os Pais da Igreja, inclusive,
consideravam o Decálogo como “o coração da Lei”.
O Decálogo do Deuteronômio tem certas discrepâncias menores ortográficas e
estilísticas. Já mencionamos duas variantes léxicas no quarto e décimo mandamento. Em dois
lugares (5.12 e 16) o Deuteronômio agrega a fórmula “como YHWH teu Deus tem ordenado”.
Em 5.16 acrescenta “para que te vá bem”. Em 5.14 adiciona “para que descanse teu servo e
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
tua serva como tu”. Deuteronômio 5.18 menciona também a terra entre o que não se deve
cobiçar.
A variante mais importante é o motivo que se dá para a santificação do sábado. Em
Êxodo 20.10-11 está relacionada com a criação da terra (“porque em seis dias fez YHWH o
céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e descansou no sétimo dia”), enquanto que em
Deuteronômio 5.15 tem uma motivação histórica e social (“e te lembrarás de que fostes
escravo no Egito, e YHWH, teu Deus, te tirou dali com mão forte e braço estendido; por isso
YHWH, teu Deus, tem mandado guardar o dia do sábado”).
CÓDIGO DE SANTIDADE (LEVÍTICO 17-26)
O Código de Santidade data dos tempos do exílio babilônico no século VI a.C.
Esse código é assim chamado por sua insistência na santidade como limpeza cultual
e ética, semelhante àquela do próprio Deus. Esta santidade será salvaguardada pela separação
de toda superstição pagã e pelo afastamento dos cultos estrangeiros. A forma literária das
leis é a do oráculo dado por boca de Moisés e os preceitos vêm acompanhados de fórmulas
exortativas e extensos discursos. Esse corpo legal independente, no qual é difícil perceber
uma lógica interna e coerente, é muito próximo da mentalidade do profeta Ezequiel e pode
ter sido composto durante o exílio, a partir de materiais mais antigos. Por exemplo, antigas
leis familiares e matrimoniais próprias de uma vida seminômade são posteriormente adaptadas
em recensões sucessivas (cf. capítulos 18 e 20).
O código contém prescrições para o emprego do sangue (cap. 17), leis sobre a
santidade da vida social, sobre o matrimônio e a vida sexual (caps. 18-20), leis reguladoras
da vida religiosa, das festas, ano sabático e jubileu (caps. 21-25), e uma conclusão parenética,
onde se enumeram as bênçãos reservadas aos fiéis observadores das leis e as maldições aos
transgressores (cap. 26).
Há numerosas semelhanças entre este código e o código deuteronômico: ambos
terminam com um capítulo de bênçãos e maldições, ambos constam de coleções particulares
e ambos contêm prescrições relativas ao lugar do sacrifício. Porém, também, existem
divergências, pois o Código de Santidade se interessa mais pelos preceitos rituais e pelo
sacerdócio, e sua regulamentação do matrimônio e das relações sexuais são mais detalhadas.
CÓDIGO SACERDOTAL: (DISPERSOS POR TODO O PENTATEUCO)
O Código Sacerdotal pode ser datado do século V a.C., mas inclui algumas leis
antiqüíssimas, anteriores a Moisés.
O conteúdo da coleção é muito variado e a conexão não é muito clara. O código
reúne materiais antigos e outros muito mais recentes, todo ele em uma sucessão cronológica
contínua e exata. De fato, o documento “sacerdotal” se converte na espinha dorsal de todo o
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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Pentateuco e é a única das “fontes do Pentateuco” que chegou íntegra até nós. Junto com as
seções narrativas ocupam lugar destacado os preceitos legais de todo tipo.
Existe nesse documento uma grande preocupação por estabelecer historicamente a
origem de numerosas instituições legislativas, como o descanso sabático, a circuncisão, a
instituição da Páscoa, a aliança do Sinai e, sobretudo, a origem do sacerdócio e do culto
israelita. Pode-se dizer que a história está penetrada de uma preocupação jurídico-cultual.
Seus textos, portanto, se revestem de um
caráter particularmente ritual, sacerdotal e moral,
pondo em relevo a natureza teocrática da
legislação de Israel. A lei do trabalho e da
fecundidade se põe em relação com o descanso
sabático (Gênesis 1.28; 2.3). Abraão, o primeiro
a gozar a aliança com Deus, tem que se sujeitar ao
preceito da circuncisão (Gênesis 17.9-14).
Imediatamente depois da teofania do Sinai se dão
as normas para a construção do Tabernáculo com a Arca que contém (Êxodo 25-27), assim
como para o sacerdócio que assegura o serviço litúrgico do santuário (Êxodo 28-29; Levítico
8-10). Antes de entrar na Terra Prometida são ditadas as leis relativas à divisão (Números
32) e a parte que corresponde aos levitas (Números 35).
O Código Sacerdotal, ainda que cronologicamente, é o último código que foi
redacionado, (sua redação definitiva parece ser da época do Exílio ou imediatamente posterior,
até meados do século V a.C.), contém elementos legislativos que são anteriores ao desterro
e inclui algumas leis antiqüíssimas, anteriores a Moisés, como aquela relativa ao sábado
(Gênesis 2.3), as prescrições a Noé (Gênesis 9.3-6) e o rito da circuncisão no pacto com
Abraão (Gênesis 17.10-14).
Outras unidades menores: Nesse conjunto histórico-legislativo tem-se intercalado
outras unidades legislativas. Lei dos sacrifícios (Levítico 1-7), lei da pureza (Levítico 11-16)
e ordenação sobre as festas (Números 28-29). Resta, ainda, uma série de pequenas
disposições que talvez se possa atribuir a uma obra de conjunto, paralela a do Código
Sacerdotal: cf. Êxodo 10.1-10 (altar dos perfumes); 22-25 (azeite da unção); Levítico 27.28-
29 (anátema); Números 9.9-12 (Páscoa); 10.1-10 (instrumentos de música), etc.
AS LEIS NOÁICAS
Há um conjunto de leis que merece ser mencionado sob o nome do patriarca Noé.
São normas obrigatórias para toda a humanidade, frente à legislação mosaica específica para
o povo judeu. Tais leis afetam, pois tanto os patriarcas antediluvianos, anteriores a lei de
Moisés, como os povos estrangeiros em geral.
Rabinos e a Torah
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
Pode-se considerar o fundamento do direito natural, base do direito internacional
elaborado posteriormente.
Tais leis derivaram os rabinos, pelo método hermenêutico, de certas passagens da
Bíblia, e não há uniformidade em relação a elas. A tradição que é geralmente aceita, considera
que os seguintes mandamentos religiosos devem ser observados universalmente, mesmo que
não judeus: 1) Proibição da idolatria; 2) Proibição do adultério e incesto; 3) Proibição do
assassinato; 4) Proibição da blasfêmia; 5) Proibição do roubo; 6) Proibição da injustiça
social; 7) Proibição de consumir a carne de um animal vivo.
O último desses mandamentos é considerado posterior ao Dilúvio (Gênesis 9.4),
porém o Talmud se refere com freqüência às sete leis dos filhos de Noé, a diferença daquelas
que eram obrigatórias unicamente para os judeus.
Com respeito aos mandamentos divinos mencionados em Gênesis e que não foram
incorporados nas leis noáicas, como, por exemplo, a circuncisão, os rabinos dizem que não
são obrigatórias para os não judeus, se não se repetiram no Sinai.
TIPOS DE LEIS NO ANTIGO TESTAMENTO
A lei do Antigo Testamento nasce, via de regra, da experiência de Deus com seu
povo. Isso revelam as leis mais características do Antigo Testamento.
LEIS CASUÍSTICAS
Algumas leis vétero-testamentárias são muito parecidas com as leis de outros povos
do Antigo Oriente e podem ser denominadas de “casuísticas”, isto é, leis que consideram
situações muito específicas e orientam na resolução de conflitos. Uma lei desse tipo, por
exemplo, é a que se refere às ações criminais (Êxodo 21.20).
LEIS APODÍTICAS
Há, também, outras leis que têm um caráter mais absoluto e são denominadas de
“apodíticas”, ou seja, são preceitos mais absolutos e servem para situações das mais variadas,
como por exemplo, o Decálogo (Êxodo 20.1-17; Deuteronômio 5.6-22), que proíbe o culto
a outros deuses, o homicídio, etc.
As leis “apodíticas” desse tipo constituíam o núcleo da renovação de fé que fazia
Israel a cada sete anos na festa dos tabernáculos (Deuteronômio 31.9-13).
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ATIVIDADEAs atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Sala Virtual - Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio-
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Aula 03
CÓDIGOS LEGAIS NOANTIGO ORIENTE
As descobertas arqueológicas trouxeram a lume uma série de documentos e artefatos
que continham diversos códigos legislativos de povos vizinhos a Israel. Os estudiosos
mostraram através de sua análise os pontos de contatos entre esses registros e as partes
legais do Antigo Testamento. Aqui também, para o que segue, traduzimos Luis Vegas Montaner,
com as devidas modificações e complementos.
CÓDIGOS ORIENTAIS
Até princípios do século XX Moisés era considerado o primeiro legislador e o
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
conjunto legal do Pentateuco a primeira legislação da humanidade. Porém, a descoberta
do Código de Hamurabi (1901-1902) fez retroceder em uns cinco séculos esta prioridade
legislativa, e a partir de meados do século XX as sucessivas descobertas retrocederam
ainda mais a antiguidade cronológica: o Código Sumério de Lipit-Istar em 1947, o Código
Babilônico de Esnunna, também chamado de Bilalama, em 1947-1948, e o Código
Sumério de Ur-Nammu em 1952. Um pequeno fragmento conservado deste último
constituiu o código mais antigo conhecido até esta data, ainda há esperança de poder
encontrar cópias de outros códigos mais antigos, devido a difusão da mentalidade e da
prática jurídica em todo o Oriente desde os tempos mais remotos. O Oriente manifesta um
claro interesse histórico pelo direito, que se plasma na contínua transmissão e sucessivas
cópias dos códigos. Todos os que conhecemos são cópias, exceto o Código de Hamurabi.
Porém, também deste, cujo original se possui, numerosas cópias parciais têm sido
encontradas, inclusive algumas da época neobabilônica.
De grande interesse para o estudo comparativo são algumas compilações de artigos
ou grupos de leis, como as Leis Paleo-assírias (ou capadócias), as Leis Meso-assírias e as
Leis Neobabilônicas. O quadro dos conhecimentos fica completo e iluminado pelas Leis
Hurritas (textos de Nuzi) e pelas Leis Hititas.
Para sua comparação com as leis bíblicas seria muito interessante dispor de
compilações legais da Alta Mesopotâmia, Egito e Canaã, que são, respectivamente, país de
origem, residência e ocupação dos israelitas. Todavia, Alta Mesopotâmia só deixou de legado
contratos esparsos, fora os textos já citados de Nuzi; em Mari, apesar da grande quantidade
de documentos, não surgiu nenhuma recopilação de leis; Egito não tem conservado nem códigos
nem compilações de leis civis e, finalmente, Canaã não tem oferecido quase nada; na antiga
cidade Cananéia de Ugarit falta documentação, da mesma forma que em Mari.
Procedemos seguidamente a uma breve descrição dos distintos códigos e conjuntos
legais orientais, tendo em conta que esses textos não são códigos na acepção moderna do
termo, senão coleções de jurisprudência nas quais os juízes puderam se inspirar ao pronunciar
o direito. Isso explica a oposição bastante freqüente entre as normas ditadas nos mesmos e
a prática jurídica real nas sociedades de seu tempo.
Ademais, deve se ter em conta que a validade da legislação oriental, incluso a israelita,
não se baseia no fato de estar escrita, senão que a jurisprudência oral é vinculante. As coleções
legais se inserem em contextos narrativos mais amplos e a função de sua transmissão escrita
é fundamentalmente a de recordar e guiar a quem tem que aplicar a lei.
CÓDIGO DE UR-NAMMU
Os dois fragmentos de um pequeno tablete de argila, achada em Nippur durante as
escavações americanas de 1899-1900 e decifrada em 1952 por S. N. Kramer, representam
uma cópia tardia (cerca de 1700 a.C.) e mal conservada do original, que no conjunto abarca
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
33
oito colunas de 45 linhas cada uma. No prólogo, onde aparece o nome de Ur-Nammu,
fundador da III dinastia de Ur (cerca de 2050 a.C.), se recordam suas conquistas e reformas.
O texto das leis, que talvez se iniciasse no dorso do tablete, está tão deteriorado que só
cinco delas podem em certo modo reconstruir-se: ordália (sentença) no rio; devolução de um
escravo a seu dono; compensação legal, mediante certo preço, por lesões corporais. Por
conseguinte, no código mais antigo não está em vigor a lei do Talião. A forma das leis é
condicional: “se um homem…”.
CÓDIGO DE ESNUNNA (BILALAMA)
Esse código, procedente de Tell Harmal (nos arredores de Bagdá), antigo povoado
do pequeno estado amorreu de Esnunna, consta de dois tabletes, quase idênticos, que são
cópias de um arquétipo comum. Descobertos em 1945 e 1947 e publicadas por A. Goetze.
No tablete A aparece o nome de Bilalama, rei de Esnunna, que, evidentemente, é o autor do
código e que é conhecido como um dos primeiros reis da cidade (até 1950 a.C.). O idioma
não é o sumério, como no código de Ur-Nammu, mas acádico. Os 59 artigos legais que se
pode ler se referem a uma extensa gama de temas (aqui também não aparece a lei do Talião)
e suas leis serão aplicadas, todavia, nos tempos de Hamurabi, indício claro de que em toda
Mesopotâmia regia uma unidade quanto ao procedimento civil e penal.
CÓDIGO DE LIPIT-ISTAR
Promulgado por volta dos séculos XX-XIX a.C. por Lipit-Istar, quinto rei da dinastia
de Isin, consta de um prólogo, 43 artigos legais e um epílogo. E. Szlechter publicou todo o
material. Os tabletes estão escritos em sumério, na primeira metade do II milênio. O prólogo
declara a eleição divina do rei para governar e para estabelecer a eqüidade e justiça.
Semelhante ao conteúdo do Código de Ur-Nammu, as leis se iniciam com a expressão
condicional “se um homem…”. Os temas tratados são: aluguel de bois e barcas, bens imóveis,
escravos, impostos, sucessão e patrimônio. Na ordenação das matérias jurídicas, este código
oferece muitos pontos de contato com o Código de Hamurabi. O epílogo reitera a vontade
do legislador de criar justiça, recorda a ereção da estela em que figura o código e bendiz a
quem a respeita, invocando maldições contra quem não o faz.
CÓDIGO DE HAMURABI
Hamurabi (1792-1750 a.C. segundo a cronologia larga, comumente aceita, ou mais
de meio século depois segundo a cronologia curta), sexto rei da primeira dinastia de Babilônia,
conseguiu estender seu pequeno domínio até fazer dele um império que abarcava Acad, Sumer,
Elam, Esnunna, Mari e Asur (praticamente toda a Mesopotâmia).
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
A obra mais duradoura desse rei, feita ao final do seu reinado é
o Código que leva seu nome, do qual possuímos uns quarenta fragmentos
de cópias contemporâneas e posteriores (do século XVIII ao VI a.C.),
o texto completo gravado em uma estela de diorita de 2.25 m. de altura
e presidido por um baixo relevo que representa a Hamurabi em pé
recebendo de Samas, deus da justiça, os signos do poder. Nesta estela,
achada quebrada três pedaços durante as escavações francesas de Susa
(1901-1902) por M. J. de Morgan e atualmente no museu de Louvre de
Paris, se encontram gravados 282 parágrafos que abarcam todo o direito
público e privado em vigor por aquele tempo na Babilônia.
A promulgação deste código aparece como uma reforma
destinada a unificar o país no plano político e social mediante a adoção
de uma jurisprudência comum. Seus artigos, que estão redigidos de forma
casuística (“se…”), abarcam numerosos temas: ultrajes contra a
magistratura, delitos contra a propriedade, bens, comércio, família,
violência contra as pessoas, atividades profissionais, exploração agrícola,
salários, escravos.
LEIS PALEO-ASSÍRIAS (CAPADÓCIAS)
Procedem da antiga Capadócia (Ásia Menor), onde floresceram numerosas colônias
comerciais assírias entre o III e o II milênio a.C., e ilustram a vida e a mentalidade assíria.
O conhecimento destas leis representa uma confirmação a mais do antiqüíssimo costume
jurídico da Mesopotâmia, que também domina fora da área mesopotâmica propriamente
dita. Ademais, de numerosos textos de conteúdo econômico, se acharam três fragmentos
de tabletes em escrita cuneiforme que contêm as mais antigas leis processuais: trata do
procedimento ante el karum, quer dizer, o órgão representativo da corporação de
comerciantes das cidades-colônia.
LEIS MESO-ASSÍRIAS
Essa denominação, que indica uma
datação aproximada, se baseia na escrita. Alguns
autores as situam com maior exatidão na época
de Tiglatpileser I (1114-1076 a.C.). Estas leis se
encontram em uma dezena de table tes
fragmentários, procedentes das escavações
alemãs de Asur nos começos do século XX e que
atualmente se conservam no museu de Berlim.
Código de Hamurabi
Tabletes Cuneiformes
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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Procedem de várias fontes e seu conteúdo remonta há vários séculos antes (século XV a.C.).
No conjunto se trata de uma centena de artigos que oferecem muitos pontos de contato com
o direito fundamental sumero-babilônico, porém, também, alguns aspectos novos, seguramente
por influência do norte, especialmente dos hititas.
LEIS NEO-BABILÔNICAS
No conjunto se trata de 16 artigos (só 9 deles bem conservados) de um tablete do
British Museum em escrita neobabilônica, conhecidos desde 1889. Na coluna 6 parece que
se pode ler o nome de Assurbanipal (668-626 a.C.), o que ofereceria uma datação mais
exata. Talvez se trate de um projeto de código, cujos temas são matrimônio, dote e compra
e venda de escravos. Os artigos começam com a fórmula “um homem que…”.
TEXTOS DE NUZI
Entre os milhares de tabletes (documentos procedentes de arquivos familiares escritos
em acádico de importação) do século XV a.C. achadas em dois dos estratos superiores de
Nuzi (centro da civilização hurrita) aparecem contratos matrimoniais e comerciais – faltam
textos legislativos –, e ademais alguns textos chamados “Textos de trâmite civil” (processos
judiciais e familiares). Estes textos recordam as leis assírias antigas e apresentam pontos de
contato com os usos do Antigo Testamento no período dos Patriarcas.
LEIS HITITAS
Dois dos 13.000 tabletes encontradas em Bogazköy (antiga Hattusas, capital dos
hititas), no curso das escavações alemãs de 1906-1907 e 1911-1912, contêm 200 artigos
legais, escritos em hitita cuneiforme e conservados no museu de Constantinopla, que começam
com a condicional “se”. O tablete 1 tem por título “Se um homem”, e o tablete 11 se intitula
“Se uma vinha”. Ainda que, ao publicá-las em 1922 Fr. Hrozny as tenha denominado “código”
e deu aos artigos uma numeração correlativa, posteriormente J. Friedrich negou que se tratasse
de um código e propôs considerá-las uma compilação privada para uso de juristas, oferecendo
uma numeração diferente. O conteúdo se refere aos seguintes temas: matrimônio, divórcio,
levirato, homicídio, compensações, feudos e propriedades rústicas, campos, trabalho, frutos,
escravos, etc. Não está vigente a lei do Talião. Os hititas, de origem e língua indo-europeus,
tiveram muitos contatos com as demais culturas mesopotâmicas: o estudo das leis hititas
tende a por de manifesto as peculiaridades e as concordâncias com as demais leis orientais.
Se compararmos com os códigos e leis orientais citados, podemos comprovar que o
núcleo civil da Bíblia (Código da Aliança) oferece muitas semelhanças com o direito oriental,
especialmente com o Código de Hamurabi e com as leis meso-assírias. Alguns exemplos:
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
Lei do Talião (Êxodo 21.23-25; Levítico 24.17-20; Deuteronômio 19.21 e Código
de Hamurabi 196.197.200);
Pena de Morte infligida ao autor de um rapto (Êxodo 21.16 e Código de Hamurabi
14);
Indenização equivalente prevista quando um pastor deixa pastar seu gado no campo
de outro sem a concordância do proprietário (Êxodo 22.4 e Código de Hamurabi 57);
Libertação de Escravo depois de vários anos (Êxodo 21.2 e Deuteronômio 15.12:
depois de seis anos; Código de Hamurabi 117: ao cabo de três anos);
Responsabilidade Civil do agressor (Êxodo 21.18-19, Código de Hamurabi 206 e
Leis Hititas 16);
Restituição de um Bem emprestado, incluso se este foi roubado (Êxodo 22.6-8 e
Código de Hamurabi 125);
Aborto ocasionado por golpes (Êxodo 21.22-23, Código de Hamurabi 209-210,
Leis meso-assírias 21.50 e Leis Hititas 17);
Magia (Êxodo 22.17; Levítico 20.27, etc., e Leis meso-assírias 47);
Danos causados pelo gado (Êxodo 21.28-32, Código Bilalama 54 e Código de
Hamurabi 250-252);
Juízo de Deus ou sentença - ordália (Números 5.11ss. e Leis meso-assírias 17.22.24;
cf. Código Ur-Nammu 1).
Sobre outras passagens bíblicas que oferecem semelhanças com o Código de
Hamurabi podemos citar:
Falso testemunho (Deuteronômio 19.16-19 e Código de Hamurabi 3-4);
Condenação à morte da mulher adúltera e de seu cúmplice (Levítico 20.10;
Deuteronômio 22.22 e Código de Hamurabi 129).
Por outro lado, os costumes da época patriarcal mostram claras concomitâncias
com a legislação hurrita de Nuzi, visto Haran, berço dos patriarcas, ser um dos centros
hurritas mais importantes. Vejamos os exemplos:
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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Adoção como herdeiro de um estranho quando alguém não pode ter filhos próprios
como herdeiros, cf. Gênesis 15.2-3 (a instituição da adoção não aparece na lei mosaica); se
posteriormente nasce um filho próprio, este passa a ser o herdeiro principal (cf. Gênesis
15.4), recebendo o dobro em herança;
Concubinato, mediante o qual a esposa sem filhos devia procurar para seu marido
uma escrava que lhe daria descendência (cf. igualmente Código de Hamurabi 145-146), cf. o
caso de Sarai em Gênesis 16.1ss e o de Raquel em Gênesis 30.3;
Maior proteção e posição superior da esposa se tivesse o status jurídico de irmã,
cf. Gênesis 12.10-20; 20.1-18; 26.6-16;
Venda por parte de um filho do seu direito de primogenitura (cf. Gênesis 25.31-34)
ou modificação desse direito pelo pai (cf. Gênesis 48.13-20; 49.3s);
Validez legal do testamento oral do pai no leito de morte, cf. Gênesis 27.2;
Presentear uma serva a uma noiva, cf. Gênesis 29.24,29;
Possessão de ídolos domésticos significava a participação na herança paterna, cf.
Gênesis 31.19.
Em suma, a lei do talião está em pleno vigor no Antigo Testamento e no Código de
Hamurabi. A Bíblia conhece várias causas para a pena de morte, entre elas a motivada por
feridas aos pais (Êxodo 21.15), que o Código de Hamurabi (195) castiga só com o amputar
as mãos. Em geral, os códigos sumérios e as leis hititas mostram menos rigor, enquanto que
as leis bíblicas compartilham a severidade das leis meso-assírias. Por outro lado, assim como
é evidente que outros códigos, como o de Esnunna, reflitam a estrutura jurídica de uma
sociedade urbana, as leis do Antigo Testamento conservam evidentes princípios tribais (por
exemplo, vingança do cabeça de família, etc.).
A lei ocupa um lugar central tanto em Israel como na Mesopotâmia. Há leis comuns
a ambas as sociedades, inclusive em sua formulação. Um exemplo significativo:
Um boi acostumado a dar coices. As autoridades levam o assunto ao conhecimento
do proprietário, porém este não lhe corta os chifres. O boi mata um homem, o proprietário
pagará dois terços de uma mina de prata. (Código de Esnunna 54). Se um boi que vai pelo
caminho, dá coice e mata um homem, do ocorrido não cabe reclamação. Se o boi de um
homem tem costume de dar coices e o conselho municipal o notifica desse fato e ele não
corta os chifres nem o amarra: e se esse boi dá um coice em um membro da aristocracia
causando sua morte, o dono pagará meia mina de prata; se for a um servo, pagará um terço
de uma mina de prata. (Código de Hamurabi 250- 252).
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Se um boi chifra um homem ou uma mulher causando sua morte, o boi será
apedrejado. Porém, seu dono será absolvido. Todavia, se antes o boi já fizera isso, tendo
sido advertido seu dono, que não o prendeu, e ele mata um homem ou uma mulher, o boi
será apedrejado e seu dono será morto. Se ao invés da pena de morte as vítimas pedirem
um valor como resgate pela vida, o dono do boi pagará a importância imposta. Se o boi
chifrar uma criança, se aplica a mesma lei. Se o boi chifra um escravo ou escrava, seu dono
pagará trinta siclos de prata ao dono do escravo ou escrava e o boi será apedrejado.
(Êxodo 21.28-32).
As leis mesopotâmicas, fora a multa que o dono deve pagar, não contemplam nenhum
castigo para o boi. A lei hebraica prescreve que o dono seja executado (ainda que segundo
Êxodo 21.30 caiba o resgate monetário) e que também o boi seja apedrejado.
Ainda que similares essas leis refletem a diferença básica entre os sistemas legais
israelita e mesopotâmico. Os códigos da Mesopotâmia são essencialmente seculares,
enquanto que tratam somente de assuntos concernentes à conduta de um ser humano
com respeito a outro.
A relação entre o humano e o divino não está regulada, nem há sanções religiosas
que respaldem as leis seculares. Na legislação de Israel se produz uma mescla de lei e religião.
Toda lei deriva em última instância de Deus. As violações da lei religiosa são passíveis
de castigo pelos tribunais humanos, e se aplicam sanções religiosas além das seculares.
A lei mesopotâmica não contém previsões com respeito ao boi em si. A lei israelita
exige que o boi seja apedrejado, sem que se possa comer sua carne. A lei israelita se baseia
no princípio de santidade da vida humana em relação com a idéia da divindade expressa em
Gênesis 9.5s:
“Pois, em verdade, eu pedirei conta do vosso sangue como das vossas almas: da mão
de qualquer animal as reclamarei; reclamarei assim a alma do homem da mão do homem,
da mão de cada irmão seu. Quem derramar sangue do homem, pelos homens seu sangue
será derramado; pois a imagem de Elohim fez o homem”.
Na lei sob consideração essa idéia encontra plena expressão no castigo sofrido pelo
boi.
Um traço característico das leis do Antigo Testamento em relação às demais leis
orientais é a insistência em recordar que são de origem divina, o que motiva também sua
observância. A figura do legislador Moisés é distinta dos legisladores orientais, que proclamam
sua plena autoridade e recordam sua eleição divina só como apoio dessa autoridade. No
direito bíblico predomina a forma condicional, que é a normal dos códigos orientais; porém
também é muito freqüente a forma apodítica (imperativa), sobretudo nos pronunciamentos
legais de caráter moral (mais que na aplicação particular da casuística legal), a tal ponto que
Albrecht Alt a considerou como forma exclusivamente israelita. A forma apodítica, entretanto,
ocorre também em alguns tratados de vassalagem hitita e é freqüente na literatura não legal
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do Antigo Oriente (quer dizer, diretrizes morais, composições sapienciais ou fórmulas de
maldição). Quanto à temática, não deve causar estranheza a ausência na legislação israelita
de expressões jurídicas que figuram em outros textos, como, por exemplo, as que tratam do
tráfico fluvial ou do comércio marítimo.
A característica geral dos códigos bíblicos é seu sentido religioso. É evidente que na
redação entraram diversos fatores naturais: condições geográficas, econômicas, sociais,
culturais e psicológicas. Porém, o fator principal é o religioso. A religião intervém como freio
e como orientação positiva. Israel é uma teocracia, cuja autoridade suprema reside em Deus.
O chefe visível e temporal é um mandatário da divindade. Por isso se concebe que Deus
mesmo dite as leis a Moisés. Os códigos hebreus, não tão elaborados no aspecto técnico-
jurídico como os orientais, desenvolveram em muito maior medida que os orientais, o aspecto
religioso. As prescrições religiosas serviram para preservar o povo do politeísmo, as morais
para conservar uma moralidade sã e elevada, as culturais para tributar a Deus um culto digno
e as penais para excitar no povo a consciência do pecado, oferecendo a possibilidade de
arrependimento.
ATIVIDADEAs atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Sala Virtual - Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio-
ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas,
utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.
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Aula 04
UMA LEITURA DOLIVRO LEVÍTICO
Nesta aula transcrevemos, com algumas omissões, um artigo1 do Dr. Erhard S.
Gerstenberger2 sobre o livro do Levítico, com um exemplo de leitura de um livro da Torah,
nem sempre tão apreciado pelo povo de Deus.
Atenção especial merece a segunda parte desse artigo em que o autor trata da vida
em comunidade e das prescrições do Levítico para essa determinada situação.
A terceira secção do Pentateuco, intitulada “Ele chamou” nos manuscritos hebraicos,
1 http://www.staff.uni-marburg.de/~gersterh/Leviticus-portugues.htm2 O Dr. Gerstenberger lecionou Antigo Testamento na EST – São Leopoldo e atualmente leciona em Marburg, Alemanha. Tive oprivilégio de ter o Dr. Gerstenberger em um dos meus colóquios de doutorado, cujas observações muito contribuíram para o desenvol-vimento de minha pesquisa.
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“Torá dos Sacerdotes” em escritos rabínicos, “Terceiro livro de Moisés” em muitas traduções
contemporâneas, e “Leviticus” na transmissão latina por um lado faz parte de composições
literárias maiores por outro se divide em blocos temáticos mais ou menos independentes.
DISCURSOS DO LIVRO DE LEVÍTICO
Quais, então, as formas do discurso no livro Levítico que nos podem dar uma idéia
das situações comunicativas? Como podemos descrever os gêneros usados em que tipo de
comunicação social e eclesial? Na sua maioria, quer me parecer, as entidades textuais existentes
no livro cumprem funções de instrução e exortação. Usam uma linguagem de informar, orientar,
educar e guiar indivíduos dentro de uma audiência. Falam do sacerdote que faz o serviço,
neutralmente na terceira pessoa. Nunca dirige a ele uma alocução direta. Também o dono do
sacrifício via de regra aparece como “ele”, “alguém que ...”. Poucas vezes, porém, este dono
do sacrifício recebe tratamento direto: “Quando ofereceres uma oblação ...” (Lv 2,4); “Se a
tua oferenda for ...” (2,5.7.14). Em outros instantes uma pluralidade de ouvintes fica
endereçado: “Nenhuma das oblações que oferecerdes ...” (2,11); “Não comereis gordura
...” (7,22); “não comereis sangue ...” (7,26). Nestes trechos a língua neutral, descritiva,
quase jurídica recede dando espaço a uma alocução mais pessoal, calorosa, emocional. O
mesmo fenômeno se pode observar no livro de aliança (Êxodo) bem como no Deuteronômio.
Sempre é sinal inequívoco de uma transição a um discurso homilético.
Já nos referimos às regras nítidas de como fazer uma oferenda a Javé em determinadas
situações, trazendo diversos animais e materiais ao altar do templo único. A linguagem é
fatual, usando formas imperativas dos verbos, enumerando o que se deve fazer nos momentos
depois da matança do animal. As prescrições focalizam em pontos cruciais do ritual: como
tratar o cadáver do animal sacrificado, especialmente o seu sangue. Ai ninguém se deve enganar
fazendo coisa ilícita (cf. Lv 10; Nm 16) para assegurar a aceitação da oferenda por parte de
Javé. Outro ponto de atenção freqüentemente é o salário do oficiante junto com o altar (cf.
Lv 2,3.10; 5,13; 6,9-11.18; 7,6-10.14.31-36).
As leis da pureza (Lv 11 – 15) mostram uma dição igualmente exortativa. Obviamente
são instrução religiosa também, mesmo sem ligação íntima com o culto sacrificial. Os pontos
tratados provém da vida diária: a refeição correta na luz da santidade de Deus que obriga os
crentes a abstenções de certos animais. Fluxos genitais são incompatíveis com a esfera de
Javé, da mesma forma a aparência de certos fungos nos textos ou na parede da moradia
precisa ser combatida. Todas essas cautelas se encontram de uma ou outra maneira em muitas
culturas e religiões (cf. Mary Douglas). Remontam a ansiedades arcaicas da história da
humanidade. Chama atenção, no entanto, que no caso vigente o capítulo sobre a comida
pura (Lv 11) usa se o tratamento direto a uma audiência maior, as instruções enumeradas são
“... podereis comer” – “os seguintes considerareis impuros“ etc. pelo capítulo todo. As
refeições de carne e os contatos perigosos com bichos “que rastejam a terra“ desta forma
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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recebem muita ênfase. O comportamento certo foi ensinado, como parece, em lições especiais,
por pessoal erudito, pois existiam afinadas diferenciações na matéria. Os outros regulamentos
a respeito de fluxos sexuais, doenças ominosas da pele, aparência de fungo (Lv 12 – 15)
também exigem conhecimentos detalhadas. Mas ali predomina um discurso factual, científico,
meramente informativo em vez de diretamente exortativo. Só algumas vezes transparece uma
segunda pessoa plural (p. ex. Lv 14.34; 15,31), e a emoção do professor talvez irrompe em
uma advertência culminante como esta, ainda em discurso descritivo: “O leproso portador
desta enfermidade trará suas vestes rasgadas e seus cabelos desgrenhados; cobrirá o bigode
e clamará: ‘Impuro! Impuro!’” (Lv 13.45). Avaliamos tal modo de instruir em linguagem
neutra, descritiva, mas também diretiva, como uma maneira distinta de ensino, face ao
tratamento direto de indivíduos ou da comunidade.
A mesma oscilação entre alocuções diretas e indiretas vemos na grande conglomeração
de materiais catequéticas encontradas em Lv 16 – 25, tradicionalmente atribuídas a uma
fonte “H” (“Heiligkeit” = [lei da] santidade). Os temos abordados são os mais diversos, o
teor de instrução, porém, permeia o corpo todo desses textos. Lidamos, então, todavia com
temas de ensino cultual para um determinado grupo. As diferenças de alocução, entretanto,
chamam a nossa atenção. Lv 16; 21; 22 quase completamente se dirigem à classe sacerdotal,
Aarão sendo a cabeça lendária dela. Conseqüentemente (pressupondo a prioridade da
assembléia de todos os crentes) Moisés recebe instruções a respeito do pessoal sagrado,
falando sobre “eles” e não “a eles” diretamente. Apenas nas margens dos textos a congregação
entra no cenário, como em Lv 16.29-36: “Isto será para vós lei perpétua“ ou Lv 22,29-33:
“Guardareis os meus mandamentos e os praticareis. Eu sou Javé“ (v. 31). Aí se sente a
admonição solene da comunidade plena. Na verdade, as ordenações referentes ao pessoal
sagrado são para assim dizer encaixadas por instruções comuns ao povo todo. No corpo
desses textos há prescrições para os sacerdotes mesmos como eles se devem guardar de
impurezas (Lv 21), tratar da comida sagrada, discernir bons e maus animais (Lv 22) e conduzir
os ritos de purificação anual, especialmente do bode expiatório (Lv 16). A coisa importante
para nós é observar, que todas essas prescrições, embora sendo matéria profissional e em
muitas religiões arcana mesmo, aqui ficam expostas para a congregação. É ela, de fato, que
tem que conhecer também tais rituais e regulamentos, não somente os portadores do cargo.
Muito significante, por outro lado, fica o tratamento direto à comunidade nos outros
capítulos exortativos do bloco sob discussão. Lv 18; 19; 23; 25; 26 se dirigem plenamente,
face-a-face, cara-a-cara à assembléia de fiéis.
Eu sou Javé vosso Deus. Não procedereis como se faz na terra do Egito, onde habitastes;
não procedereis como se faz na terra de Canaã, para onde vos conduzo. ... Eu sou
Javé vosso Deus. Guardareis as minhas leis e os meus juízos: quem os cumprir
encontrará neles a vida. Eu sou Javé. Nenhum de vós se aproximará de sua parenta
próxima para descobrir a sua nudez. Eu sou Javé. (Lv 18,2-3.4b-6).
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
“Sede santos, porque eu, Javé, vosso Deus, sou santo.” (Lv 19,2). “No sétimo
dia não fareis trabalho algum. Onde quer que habiteis, é sábado de Javé. Estas são as
solenidades de Javé, as santas assembléias, às quais convocareis os israelitas.” (Lv 23,3-4).
“Durante seis anos semearás o teu campo; durante seis anos podarás a tua vinha e recolherás
os produtos dela. Mas no sétimo ano a terra terá seu repouso sabático, um sábado para
Javé.” (Lv 25,3-4). “Não fareis ídolos ... Se vos conduzirdes segundo as minhas leis, se
guardardes meus mandamentos e os praticardes, então vos darei as chuvas no seu devido
tempo, e a terra dará os seus produtos ...” (Lv 26,1a.3-4). È bem claro: Nestes capítulos de
admoestação direta, seja ela articulada no singular das pessoas individuais ou no plural
englobando a congregação toda, encontramos o coração da mensagem do livro Levítico.
Enxergamos pregadores, que na sucessão, e conforme o modelo de Moisés, colocam a sua
plena força com toda a sua capacidade teológica e espiritual na alocução da comunidade
israelita / judaica. Falam com autoridade de Javé. Conjuram a santidade de Deus. Fazem
lembrança da história sagrada desde o êxodo do Egito. Impõem normas centrais de vida e
culto. Exigem a obediência à Torá. Prometem uma vida rica. Advertem contra a apostasia.
Ameaçam com a ira de Javé. Em breve, esses pregadores se encontram face-a-face da
congregação, lidando com os assuntos centrais da fé javista. Eles se empenham vigorosamente
para orientar e edificar a congregação com os meios de uma retórica catequética.
CONTEÚDOS PRINCIPAIS
Vale a pena olhar brevemente os conteúdos principais dessa catequese. Assunto de
comportamento sexual dentro da família bem como no âmbito da comunidade dos crentes
ocupa lugar destacado (Lv 18, cf. Lv 20, onde a mesma matéria é tratada de uma maneira
mais jurídica, usando uma mistura de estilos). As normas éticas, isto é, orientando o
comportamento diário no contexto da comunhão humana e das criaturas, predominam o
capítulo Lv 19, talvez o trecho mais significativo neste campo de todo o Antigo Testamento.
Lv 23 e 25, por sua vez regulam as festas e sábados, inclusive a instituição fenomenal do ano
do jubileu, ou seja, da manumissão de escravos e do resgate de propriedades penhoradas.
“Neste ano do jubileu, tornareis cada um à sua possessão“ (Lv 25,13). Tal ato de correção
de desequilíbrios sociais tem precedências no antigo oriente e as suas conseqüências na
história humana tem sido enormes. Resta apontar ao capítulo Lv 26 onde bênçãos e maldições
resultantes do comportamento adotado pela comunidade são elaboradas, em discurso direto
aos ouvintes. Em todos esses casos a pregação tematiza assuntos extremamente importantes
para o povo judaíta no contexto do império persa. Quer me parecer, que cada um desses
assuntos toca no centro da essência e da identidade da “assembléia de Javé“: a aderência às
normas tradicionais recebidas por Moisés; a fidelidade ao Deus santo e misericordioso; as
cautelas sexuais que serviram de ajudas contemporâneas para ficarem “puros“; os sábados e
as festas dando a necessária firmeza aos dispersos crentes; o cuidado pelos fracos na
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congregação etc. Dá para dizer, neste ponto, que os capítulos abordados em cima de maneira
muito especial revelam uma atividade e arte homilética cultivada dentro da comunidade judaica,
comunicando as ordenações de Javé aos crentes, assim estabelecendo os fundamentos de fé
e da vida para os judeus da época.
Aqueles capítulos do livro Levítico ainda não mencionados caem um pouco fora dos
esquemas de ensino religioso até agora traçados. São eles por um lado Lv 8 – 10 e 24, por
outro Lv 27. Os primeiros quatro parágrafos utilizam uma linguagem quase narrativa, embora
de cunho mais litúrgico. O tema é a instalação de Aarão e de seus filhos como “arque-
episcopos“ do sacerdócio israelita-judaico, bem como a aberração fatal do caminho ritual
certo já da segunda geração da família consagrada (Lv 8 – 10). Também Lv 24 contém –
depois de provisões mistas referente a lâmpadas sagradas e pão divino - um pouco de narração
sobre um israelita que briga e amaldiçoa a Javé (vv. 10-12). O desenvolvimento desse cenário
(vv. 13-22), no entanto, mostra claramente, por que as poucas linhas narrativas foram incluídas
no texto. Elas servem finalidades ilustrativas. Quer dizer: Lv 24 como um todo, cabe bem
dentro do quadro da instrução religiosa proposta como parâmetro geral do livro Levítico.
Na última análise, a mesma coisa pode ser constatada a respeito dos capítulos Lv 8 – 10:
Formalmente são um tipo de narração, isto sim. Mas no fundo elas funcionam como material
didático dentro da grande pintura, demonstrando as origens do culto do segundo templo.
Moisés recebeu, no seu tempo primordial, todas as regras relevantes para que os israelitas /
judeus pudessem conduzir o seu culto sacrificial no lugar certo. Para mostrar e comprovar o
funcionamento real desse culto às comunidades da época persa os autores contam
minuciosamente, em uma linguagem cúltica, como o primeiro serviço a Javé foi inaugurado no
templo, isto é, no seu modelo arcaico, a tenda de encontros. Moisés, como o mediador
principal entre Javé e comunidade, não sendo um sacerdote ele mesmo (!), tem a autoridade
especial de dar a iniciação (unção; investidura, etc.) pois Javé a ele tinha revelado os
pormenores desses atos rituais (Lv 8, esp. vv. 35-36). Os pregadores tardios descrevem
cada detalhe importante dessa inauguração em termos litúrgicos, com Moises sendo o único
agente legitimado. Depois, Aarão e os seus filhos têm direito de administrar as tramitações
do sacerdócio por própria conta (Lv 9) mas sempre sob controle do ofício maior ou seja,
dos mediadores da Torá (Lv 10). O episódio da inauguração dos sacerdotes, então, é nada
mais nada menos do que uma ilustração apta, na boca dos pregadores ou recitadores de
Torá, para comprovar ao povo da judéia do século quinto a.C. a legitimação do culto vigente.
Lv 8 - 10 basicamente servem aos mesmos fins como os poucos versículos Lv 24,10-12. –
Coisa diferente temos que dizer a respeito de Lv 27. Aqui nos enfrentamos, aparentemente,
um apêndice ao livro de Levítico. Por um lado, Lv 26 com as suas promessas e ameaças
constitui um forte término à coleção de instruções. Por outro lado, os assuntos abordados
em Lv 27 realmente pertenceriam junto com as leis sacrificais. Dedicar uma pessoa ou uma
coisa a Javé era uma vez procedimento normal, como as estórias de Hannah (1 Sm 1 – 2),
Jefte (Jz 11) ou Micas (Jz 17) claramente mostram. Na época tardia do segundo templo
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
tornou-se costume o resgate, por pagamento em dinheiro aos sacerdotes (cf. Lv 5,14-19; Ex
30,11-16), da coisa ou pessoa voltada ao Senhor. Esse último capítulo do nosso livro fala
das tarifas a serem pagas nestes casos. Se ou não tais tabelas também foram usadas em
discurso público, diante da congregação, não podemos dizer. Talvez apenas constavam nos
rolos sagrados para serem consultados na prática do resgate.
Resumindo, devemos focalizar uma vez aquelas situações alegadas freqüentemente
de ensino e pregação que podem ter sido a matrix creativa, produzindo as alocuções antes
de serem escritas e colecionadas em manuscritos e rolos de referência. É legítima e plausível
de pensar da maneira proposta em pregações individuais como fontes de origem para os
capítulos do Levítico? Acho eu que sim. Embora existia, na época antiga do Oriente, de vez
em quando uma certa mania de escrever e preservar por escrito muita coisa desde o segundo
milênio a.C. e.g. na Babilônia, o hábito de usar as letras no meu ver não ainda tinha produzido,
no quinto século a.C., uma literatura particular na província de Judah. Parece que uma classe
profissional de escribas utilizava a escritura apenas para apoiar os retores ou talvez recitadores
públicos. Isso significa: As coleções de textos serviram para fins coletivos, não particulares.
Se isso for correto, como podemos imaginar as citações daquelas passagens homiléticas que
acabamos de estudar? As suas formas, os conteúdos e gêneros sendo didáticos dá para
presumir oportunidades, na sociedade antiga, de ensino e instrução que transparecem fora
do livro Levítico. A educação dos jovens oferecia situações relevantes (cf. Pr 1 – 9). Mas
enquanto estamos lidando, nos textos do nosso livro, com materiais obviamente pertencentes
à Torá é melhor pensar na comunidade toda como receptora do verbo divino (cf. Ne 8; Dt
29 – 30). Se aceitarmos essa localização das entidades textuais que identificamos em cima,
seria bom saber, que tipo de reunião deu luz à tal retórica homilética. Lv 23,3b.4.14 fala de
“santas assembléias” a serem convocadas “onde quer que habiteis”. Ne 8,1-2 pensa em
“todo o povo”, homens, mulheres, crianças capazes de entenderem as palavras, reunindo-se
numa porta da cidade de Jerusalém. Logicamente seria a população dessa cidade que forma
uma congregação para ouvir a leitura especial de sete dias, a seis horas por dia. Jer 7,2 visa
à porta do templo como lugar de encontro para fazer prédica da palavra, Jer 44,1 deixa
congregar-se os judeus dispersos no Egito inteiro.
Imprecisas são também as delimitações das assembléias pressupostas em Dt 1,3;
5,1; 27,1; 29,1.9-14; Js 24,1; 2Cr 15,3; 17,7-9 etc. A única afirmação que podemos fazer é
a seguinte: Na época pós-exílica começavam em Judá e provavelmente também nas aldeias
da diáspora judaica as reuniões populares sob liderança de pregadores e sacerdotes
desempregados fora de Jerusalém. A leitura de textos da Torá fez elemento central das
assembléias que aconteceram em dias festivos do ano agrícola. O sábado já se visa como dia
de reunião (Lv 23,3). A comunicação (e interpretação) da Torá tem contornos de exortação.
Mas provavelmente outros elementos como narração das grandes estórias do passado,
louvores a Javé (cf. Dt 26,5-9; Sl 136) fizeram parte de uma ou outra reunião. Não sabemos
nada de certo. Os nossos textos estudados sugerem, no entanto, que havia alocuções mais
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fatuais, informativas bem como aqueles que vivem de uma emoção profunda, tratando
diretamente os ouvintes, chamando eles e elas a decisões pessoais e coletivas em prol de
Javé e as suas ordenanças. Talvez existissem, na verdade, reuniões diferentes. Conforme as
evidências escassas que temos ainda dá para constatar que tais reuniões em todos os casos
eram cultos a Javé, seja de cunho educativo ou existencial chamando por decisões radicais
ou até conversões.
A VIDA COMUNITÁRIA
Com o fim da monarquia em Judá depois da vitória decisiva dos exércitos babilônicos
no ano 587 a.C. os judaítas tinham que encontrar novas formas de organização social e
religiosa. Se bem que as famílias, os clãs, as aldeias e cidades continuavam a funcionar em
moldes tradicionais, sob tutela da administração militar alheia de um governo imperial longe
da terra santa, faltava a proteção e o cuidado de um estado próprio. Via de regra, regências
forasteiras não dão bem a um povo pequeno e não são agradáveis às minorias. Os interesses
dos imperadores diminuem antes de favorecerem às expectativas de vida de povos subjugados.
Lamenta o Neemias, governador da graça persa:
Eis que estamos hoje escravizados e eis que no país que havias dado a nossos pais
para gozarem de seus frutos e de seus bens, nós estamos na escravidão. Seus produtos
enriquecem os reis, que nos impuseste, pelos nossos pecados, e que dispõem a seu
arbítrio de nossas pessoas e de nosso gado. Achamo-nos em grande aflição. (Ne 9,36s)
O livro de Levítico, contrariando a aparência seca e estéril de suas prescrições, tem
muito a dizer referente à vida do tempo antigo. É, de fato um manancial de informações sobre
o dia-a-dia dos judaítas da época persa. É verdade, que não tematiza explicitamente
acontecimentos “normais” ou “regulares” do cotidiano. Mas focalizando naquelas áreas onde
a vida “normal” se encontra com a esfera divina, com o sagrado que está presente em todos
os lugares, o nosso livro entre as linhas conta as estórias dramáticas da existência humana. A
experiência da vida “normal” fica acessível para qualquer um em qualquer tempo. Essa
experiência, conforme Levítico, inclui trabalho duro (cf. Lv 23,3; 25,39; 26,20), amor e
ódio, alegria e tristeza, convivência sadia e satisfatória ou perturbada (cf. Lv 5,15-19; 19,11-
18.32-34; 24,10-11) – o campo pleno das atividades humanas. É verdade, obviamente, que
os autores e transmissores do Levítico tomam posição. Eles julgam a vida da sua perspectiva
espiritual. Deixam fora de consideração muita coisa “profana”, que fica tratada e.g. nos livros
de aliança (Ex 21 – 23) e em partes do Deuteronômio (Dt 22 – 25). A lei civil e criminal com
as suas prescrições, inclusive as ordenações referentes ao matrimônio, mal recebem atenção
no livro Levítico. Mesmo assim, a vida plena da comunidade está em foco, sempre sob aspecto
da presença santa de Javé, e da nova organização social e eclesial dessa comunidade de fieis
dispersa no mundo afora.
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
Olhando brevemente setores específicos de vida, notamos a importância dos contatos
com a natureza. As terras cultivadas são propriedade divina, não humana. Por isso, sempre
estão sob a vigilância de Javé. Devem receber anos de “descanso” na analogia do sétimo dia
para humanos e animais domésticos (cf. Lv 25,2-3.23). Árvores frutíferas têm que receber
um tratamento quase como filhos: “Considerareis os seus frutos como se fossem o seu
prepúcio.” (Lv 19,23-25). Por outro lado, coisas e bichos não compatíveis com a santidade
do criador (como isto é possível? Deus não criou todos os seres?) não podem servir de
comida nem devem ser tocados pelas pessoas. Já, esses primeiros campos de atividades, o
trabalho na roça, restrito para seis anos, e o contato com bichinhos impuros e cadáveres de
animais maiores (cf. Lv 11,20-43) nos deixam um pouco irritados. Como seria possível realizar
tais regras na luta diária pela sobrevivência? Talvez trata-se apenas de estipulações ideais,
não rigidamente implementadas. Mas quem é que estava atrás dessas exigências de uma vida
pura, impecável em termos de pureza cultual? Eram os sacerdotes? Ou outros líderes da
comunidade obcecados pela idéia de serem santos? Em algumas leis de pureza, principalmente
quando estavam em jogo perigosas doenças que podiam sinalizar um castigo especial de
Deus, os sacerdotes aparecem nos textos. Eram eles que tinham que averiguar os sintomas
ominosos e pronunciar o julgamento: “É impuro!” “É puro!” bem como conduzir ritos de
purificação propícios (cf. Lv 13 – 14). Aí, certamente enxergarmos gente interessada em tal
legislação e costume.
Mas isso ainda não significa que os sacerdotes eram a única fonte ou origem de
regulamentos de pureza. É mais provável, conforme observações antropológicas, inclusive
da nossa época, que muita gente sentia a necessidade de tomar precauções diante as forças
imundas ou simplesmente incompatíveis com o divino. Então, os profissionais, lidando com
essa matéria tomaram conta de expectativas e ansiedades gerais, tornando-se administradores
dos mecanismos de proteção e de vigilância. Eram eles, que na última análise, colecionavam,
codificavam e administravam as prescrições, isto sim. Por outro lado, sabemos bem da nossa
própria experiência, que estipulações ideais, digamos no campo da medicina ou ética referente
ao comportamento saudável e perfeito são uma coisa. A realidade vivida diariamente é bem
outra. Basta, por isso, neste momento lembrar-se da vivência dos judaítas do século 5 a.C.
Lidavam eles e elas com as instruções cultuais da sua comunidade religiosa, aderindo ao
deus libertador e misericordioso Javé. Especialmente aqueles textos de tratamento direto
aos membros da comunidade, sendo um verdadeiro catequismo para a vida na luz da santidade
de Deus, se impressionavam à consciência dos crentes, exigindo obediência contínua.
Dentro desses textos, como já vimos, se destacavam as normas para refeições
(comida pura, ou, como se diz hoje: kosher; Lv 11, cf. Dt 14), as relações sexuais (Lv 18)
e o comportamento inter-humano (Lv 19). Isso significa: Nestes pontos a sensibilidade
diante as exigências por uma vida correta, provavelmente estava bem alta e afinada. A
cozinha está na mira: Certos animais mamíferos, aquáticos e voadores são edíveis, outros
não. Até alguns poucos insetos pertencem à primeira categoria: “Dentre eles podereis comer
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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os seguintes: as diferentes espécies de locustídeos, de gafanhotos, de acrídios e de grilos.”
(Lv 11,22). Causa para aborrecimento maior era a comida de porco (v. 7: os arqueólogos
insistem que houve bastante criação deste animal no antigo Israel: W. Houston) que persiste
no judaísmo e no islã até hoje. O dormitório dava razão de se preocupar com a pureza.
Relações sexuais entre parentes estavam proibidas (Lv 18) embora sempre a ligação
matrimonial entre primo e prima no lado paterno era união preferida. Interessantemente, o
horror dos homens de se manchar com o sangue da mulher menstruada (Lv 18,19; cf.
15,19-24; 20,18) era grande e completamente irracional. Remonta a tabus arcaicos
tipicamente masculinos. Nestes dois campos de comportamento referentes à mesa e à cama,
as mulheres certamente eram diretamente envolvidas como donas da casa. Mesmo assim
os homens parecem ter enfrentado a responsabilidade maior, por que eles cuidavam do
assado (cf. Gn 18,7; 1 Sm 1,4-5) da carne.
O que importa mais, para o nosso próprio entendimento da presença de Deus
entre nós é o comportamento social. Aí os antigos judeus demonstram, nos textos de Lv 19
e 25 uma consciência extraordinária em comparação à literatura religiosa de todos os povos
e tempos.
Na verdade, a coleção de normas oferecida no livro Levítico só representa uma
amostra daquilo que foi considerado importante para os membros da comunidade saberem e
obedecerem na conduta de suas vidas. Os dez mandamentos da tradição deuteronomista
também dão regras principais e exemplárias do comportamento certo. Por acaso, já houve
tentativas escolares na nossa época, de isolar dois decálogos parecidos ao exemplo clássico
de Ex 20 e Dt 5 do texto amassado em Lv 19,11-18.26-36. Nos processos educativos, quer
dizer, conduzindo à socialização de jovens na comunhão do grupo familial e eclesial,
certamente se usavam listas de cinco ou dez “mandamentos” divinos destinados a sustentarem
a ordem interna. Na coleção maior de capítulos inteiros, composições e livros de materiais
relevantes encontramos da mesma forma prescrições exemplárias que demonstram um fato
básico: A vida antiga de dia em dia na roça, bem como na cidade, da madrugada até o
entardecer, estava por assim dizer embrulhada com o tecido divino de santidade. Por isso, o
trabalho, as refeições, a vida sexual e qualquer encontro com outras pessoas tinham que
obedecer às direções certas de Javé, Deus mesmo. A ordem humana tinha que corresponder
à ordem sagrada divina, porque esse Deus estava habitando no meio de seu povo. Os preceitos
sacrificiais, neste contexto, revelam os empenhos de restabelecer harmonias perdidas entre
Javé e os seus crentes, de eliminar forças más da sociedade, de fortalecer os laços com a
divindade e de garantir um bom funcionamento da vida espiritual na comunhão salvífica com
ela. Sacrifícios e (como nos mostra o saltério) preces eram meios de comunicação valiosíssimos
para os antigos judaítas como para os povos contemporâneos.
ORIENTAÇÕES ÉTICAS
O livro Levítico basicamente consiste de uma aglomeração de catequeses antigas,
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
usados na época pós-exílica entre os judeus da Palestina e da diáspora. Qual a estrutura das
comunidades, além daquilo que já enxergamos nos capítulos 2 e 3 acima? Continuava a existir
(até nas sociedades agrárias de hoje) a família patriarcal em que, aparentemente, mulher e
homem entre si dividiram os afazeres da esfera doméstica e extradoméstica (E.S.
Gerstenberger, Jahwe). As famílias conviviam em aldeias e cidadezinhas, que muitas vezes
consistiram de clãs. Trabalhavam, via de regra, na roça, para ganhar o sustento. Mesmo os
moradores de cidades fortificadas (a população de cada uma em Judá provavelmente na
época não excedeu uns 1000 habitantes), eram agricultores ou peões, operários, empregados,
biscateiros. Desde os tempos do reinado burocratizante já tinham começado a se desenvolver,
isto sim, nos meios urbanos, profissões distintas, ligadas principalmente à administração estatal,
incluindo artesões de diversos tipos (cf. 1 Sm 8.11-18). Esse desenvolvimento, depois do
colapso da monarquia, certamente continuava de maneira adaptada à nova situação:
Especialistas agora eram desejáveis principalmente a respeito da diferenciação econômica e
referente à emergente estrutura meio eclesial da comunidade judaica, a saber, a liderança
nova consistindo de escribas, liturgistas, sábios da Torá, sacerdotes, levitas, guardiães do
templo reconstruído. Ao todo, a vida da comunidade javista se lidava dentro de estruturas
ainda predominantemente agrárias e incipientemente urbanas. As paróquias de judeus
implicavam uma maioria de gente rural, liderada por uma minoria de especialistas das cidades,
entre elas Jerusalém teve lugar destacado.
O que, então, os agricultores e cidadãos de Judá e das aldeias judaicas na Babilônia,
no Egito, tinham que saber dos mandamentos de Javé, conforme o livro Levítico? Por acaso,
este livro no centro do Pentateuco, até hoje é considerado fonte principal de ensinamento
ético em meios do judaísmo ortodoxo. Contém, a saber, a maioria das prescrições divinas
inseridas na Torá inteira. Pressupondo agora não o uso isolado de coleções individuais do
livro em diversas congregações do judaísmo, mas sim, a fase final, quando o livro Levítico já
constituía entidade completa, em que vemos o seguinte quadro:
O membro da comunidade tinha que aprender, nas horas de catequese ou dentro do
culto ou em aulas separadas, uma grande parcela de regras cultuais. São as regras certas de
sacrifício, que abrem o livro (Lv 1 – 7). Elas explicam, como já mencionado acima, de modo
meticuloso, o procedimento de preparar o animal para que o sacerdote possa cumprir os
seus deveres de tratar do sangue e das partes do cadáver pertencentes a Deus. O crente
leigo até tem que distinguir os tipos de sacrifícios e suas finalidades. São o holocausto de boi,
cordeiro ou pomba (Lv 1), a oblação vegetariana, condizente, no meu parecer, também para
o serviço caseiro (E. S. Gerstenberger, Jahweh; Lv 2), e o sacrifício de comunhão com Deus
e os irmãos (Lv 3). Neste último tipo a oferenda podia ser feita de boi, carneiro ou cabrito;
uma boa parte do animal servia de refeição para o seu dono, que o trazia para o templo, e a
família dele (cf. 1 Sm 1). Isso acontecia no máximo uma ou duas vezes por ano (cf. 1 Sm
20,6). A dieta do povo estava frugal. Raramente incluía carne de animal sacrificado ou caçado.
Depois da instalação do lugar central para sacrifícios, foi legalizada a matança não-cerimonial,
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
51
longe do santuário de Jerusalém (Dt 12,20-25). Mesmo considerando essa situação, o membro
masculino da comunidade tinha que saber dos sacrifícios no templo, inclusive das suas
finalidades espirituais (Lv 4 – 7). Extinguir as conseqüências de transgressões e pecados era
um alvo principal para qualquer oferenda a Deus (Lv 4 – 5; 7). A idéia atrás desses rituais era
bem antiga, a saber, acalmar a divindade irada e restaurar um relacionamento agradável com
ela. As prescrições falam de vários tipos e graus de pecado, que os sacrifícios querem curar,
bem como diversas situações do sacrificador.
Se alguém pecar em um dos casos seguintes: Após ter ouvido a fórmula da imprecação,
tivesse o dever de dar testemunho, pois que viu ou soube, mas nada declarou e leva o peso
da sua falta; ou ainda se alguém tocar uma coisa impura, qualquer que seja, cadáver de
animal selvagem impuro, de animal doméstico impuro, de réptil impuro, e sem o seu
conhecimento se tornar impuro e responsável .... Se for responsável em um desses casos,
confessará o pecado cometido, levará a Javé, como sacrifício de reparação pelo pecado
cometido, uma fêmea de gado miúdo (cordeira ou cabrita) em sacrifício pelo pecado; e o
sacerdote fará por ele o rito de expiação, que o livrará do seu pecado. (Lv 5,1-6)
Todos esses pormenores o leigo e a comunidade toda tinham que lembrar? Não era
coisa demais e demasiadamente especializada em direção à classe profissional que tinha que
cuidar do sacrifício? As mesmas perguntas valem a respeito de capítulos que tratam mais
estritamente de assuntos relativos aos sacerdotes (cf. Lv 21 – 22). O leigo realmente tinha
que se preocupar com os defeitos físicos que excluíram alguém do sacerdócio (Lv 21,16-
21), se bem que as deficiências análogas de um animal destinado ao sacrifício (Lv 22,17-25)
tiveram uma certa significância para o leigo, embora a decisão sobre se ou não o animal
estaria aceitável sempre estava com o sacerdote mesmo. Da mesma forma, a conduta dos
sacerdotes no luto pessoal e diante de mortos familiares (Lv 21,1-12) certamente não era de
primeira importância para membros simples da comunidade. Considerando assim todo o
complexo dos mandamentos cultuais, temos que admitir uma certa preponderância de
interesses sacerdotais. Mas ao mesmo tempo, dá para refletir o contexto geral dessas
ordenações. Recebemos a impressão de que os sacerdotes, como mediadores entre Javé e
congregação, eram integrados na comunidade de “Israel”, e submetidos aos escribas e sábios,
como observamos antes. Por isso, essa “comunidade santa“, (cf. Lv 19,2 vs. 21,8) de certo
modo, retém o controle sobre a casta sacerdotal. Isso também vale no caso da remuneração
dos servidores de Javé (cf. Lv 7,13-14.31-34 etc.). Talvez era isso que causou, no antigo
Israel, a inclusão de matérias detalhadas de cunho sacerdotal nos catequismos populares da
comunidade pós-exílica.
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ATIVIDADEAs atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Sala Virtual - Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio-
ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas,
utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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Aula 05
LEI NO NOVO TESTAMENTO
Uma pergunta sempre freqüente feita pelos cristãos é acerca da sua relação com as
leis do Antigo Testamento. Há alguma lei que precisa ser observada ou Jesus a substituiu
toda?
Há quem defenda que a “lei de Deus” ainda está em vigor. Porém, não se trata da
“Lei de Moisés” (os decretos, os estatutos civis, as normas sacrificiais e quaisquer dos demais
preceitos que não estão incluídos na “lei de Deus”). Assim, se aceita algumas das leis dadas
a Israel, tais como: a da circuncisão, as leis morais e as relacionadas com os alimentos,
todavia desdenham dos demais mandamentos.
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
JESUS E A LEI
Uma linha de raciocínio sustenta a idéia de que Jesus não apenas veio revogar a lei,
mas também cumpri-la, isto é, Jesus veio mudar a lei do Antigo Testamento. Por outro lado,
uma linha de pensamento contrária à anterior defende a opinião de que Jesus veio dar o
“pleno significado” da lei vétero-testamentária.
A pedra de toque dessa disputa é Mateus 5.17-18:
17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. 18
Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum
passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido.
Para a primeira linha de argumentação Jesus não estava dizendo que “a lei e os
profetas” haviam de permanecer até os céus e a terra passarem, nem que veio dar aos mesmos
seu pleno cumprimento. Pelo contrário, este versículo deve ser considerado à luz de passagens
de construção gramatical semelhante, como as seguintes:
Porque eu não vim chamar justos, mas pecadores. (Mateus 9.13b)
Esta frase significa exatamente o seguinte: Não somente a chamar os justos, mas
também os pecadores.
Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. (Mateus
10.34)
Esta passagem quer dizer o seguinte: Não somente trazer paz, mas também espada.
Dessa forma, o texto: Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim
destruir, mas cumpri deve ser entendido assim: Não somente revogar, mas também cumprir
a lei.
Essa linha de argumentação permite deduzir que as frases citadas, tal como foram
construídas no grego, estabelecem uma relação de complementaridade e continuidade e não
de exclusão de um dos elementos da formulação.
Portanto, pode-se dizer que Jesus veio cumprir a lei e não apenas revogá-la, pois se
tivesse vindo somente revogar a lei, não precisaria tê-la cumprido. E cumprindo a lei e os
profetas, estes passaram. E se a lei e os profetas não passaram ao Jesus cumpri-los, Jesus
teria de morrer e ressuscitar uma e outra vez. Mas Ele cumpriu a lei de uma vez por todas
como se pode ler em Lucas 24.44:
Depois lhe disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco, que
importava que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, nos
Profetas e nos Salmos.
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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Ademais, a palavra grega que se traduz por “cumprir” é “pleroo”, que significa,
entre outras: “completar, fazer o que um profeta falou, cumprir uma profecia” (Mateus
1.22; 2.15, 17, 23); “acabar o que foi exigido” (Mateus 3.15; Marcos 1.15; Lucas 7.1);
“chegar ao topo” (Mateus 13.48; 23.32; Lucas 3.5). Essas passagens mostram que em
nenhum lugar o termo “pleroo” pode ser traduzido dando a entender que Jesus em Mateus
5.17 veio dar pleno significado à lei e aos profetas.
Além disso, parece haver fortes indícios de que Jesus indicava uma mudança na lei,
como se pode desprender dos seguintes textos:
18 Respondeu-lhes ele: Assim também vós estais sem entender? Não compreendeis
que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, 19 porque não lhe
entra no coração, mas no ventre, e é lançado fora? Assim, declarou puros todos os
alimentos. (Marcos 7.18–19)
Confrontando estas palavras de Jesus com toda a legislação antico-testamentária
sobre a separação de alimentos em puros x impuros, fica claro que Jesus estava modificando
as leis relacionadas aos alimentos. (cf. 1 Timóteo 4.3-5)
Em outra ocasião Jesus indicou que o lugar de adoração seria mudado. Em João
4.21:
Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me, a hora vem, em que nem neste monte, nem em Jerusalém
adorareis o Pai.
A lei do Antigo Testamento determinava que os judeus deveriam adorar a Deus na
cidade de Jerusalém, que o próprio Deus escolhera (Deuteronômio 12.5, 11, 14, 18). Jesus
anunciou que isso iria mudar.
PAULO E A LEI
Antes1 de virem os proponentes das Novas Perspectivas de Paulo (NPP), os
acadêmicos tenham três maneiras de abordar a teologia de Paulo e a lei. De um lado do
espectro se encontrava a visão de NÃO-Lei, a qual não via uma continuidade entre o Antigo
e Novo Testamento no que se refere à lei e a graça. Estes pensadores são geralmente
dispensacionalistas e crêem que os cristãos não estavam debaixo de nenhuma lei, segundo
Romanos 6.14. Essa visão tem recebido ataques devido ao fato de não conseguir um consenso
com 1 João 3.4.
Do outro lado do espectro se encontra a Visão Editada-Antiga Lei, que sustém
uma continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento com respeito à lei e a graça, e crêem
1 Tradução de Las Nuevas Perspectivas de Pablo: Pablo y la Ley feita pelo autor.
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
que os cristãos estão ligados em certa medida à lei. Quer dizer, que os cristãos estão ligados
à lei de Moisés, porém de uma maneira “modificada” (editada). Primeiro, a lei foi editada por
Cristo, quando anulou sua maldição. Segundo, naquelas partes cerimoniais da lei que foram
cumpridas por Cristo, porém os aspectos morais da lei são um dever dos cristãos, não como
um meio de salvação, senão como uma regra que Deus deu para manter uma vida santa.
Devido à tensão que surge com alguns textos bíblicos como João 1.17, Romanos
6.14 e Gálatas 5.18, onde se menciona que os cristãos não estão debaixo da lei de Moisés,
surgiu uma visão intermediária, que é a Visão da Nova Lei. Essa visão está de acordo com
a NÃO-Lei, acrescentando que os cristãos não estão sob a lei de Moisés, mas que os cristãos
estão debaixo da nova lei de Cristo. A solução proposta por esta nova visão é compreender
uma superposição entre a lei de Cristo e a lei de Moisés. Isto se baseia tanto na lei de
Moisés, como na lei de Cristo se baseiam os mesmos mandatos, amar a Deus e a seu próximo
como a si mesmo (Mateus 22.40).
Essas três diferentes visões não são mantidas pelos pensadores da NPP, mas têm
sido mantidas pelos protestantes que crêem na inspiração divina das Escrituras, sua inerrância
e autoridade, e adotam a exegese gramático-histórica.
VISÃO DA NOVA PERSPECTIVA DE PAULO ACERCA DA LEI
Como visto, as Novas Perspectivas de Paulo (NPP) não é um movimento monolítico,
mas existem diversas ‘teologias.’ Com respeito à lei, existem duas visões principais, a de E.
P. Sanders e a de James Dunn.
Um dos piores efeitos da NPP é o rompimento com a soteriologia dos reformadores.
Na realidade, á a adoção de um evangelho diferente daquele pregado desde a Reforma, pois
redefine a justificação, rechaça a imputação, rechaça a perseverança dos santos, redefine a
justiça e redefine a igreja.
Quando Sanders e Dunn tentam definir termos como justificação, justiça, lei, obras
da lei, como todos aqueles que rechaçam a inspiração da Bíblia e a põem em pé de igualdade
com textos históricos, os leva a oferecer uma grande variedade de posições não ortodoxas,
como por exemplo:
O LEGALISMO
Para Sanders, o legalismo não era um problema no judaísmo do primeiro século e
Paulo não o mencionou. Segundo ele, Paulo não cria que a lei era impossível de ser cumprida
e que, portanto, o judaísmo não era uma religião legalista. Moisés Silva diz o seguinte com
respeito a Sanders:
De outra maneira, como alguém explica o fato de que Sanders cita passagens judaicas
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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que são clara evidência de legalismo e ainda mostra que existia um problema? O exemplo
mais claro vem da Sabedoria de Jesus ben Sirach, no qual Sanders discute no terceiro
capítulo do seu livro. Sob o título da expiação, Sanders nos diz que “Ben Sirach
compartilhava a crença geral de que a expiação é possível. Dentro das boas obras, duas
são destacadas como as que podem expiar nossas transgressões. São elas honrar ao
pai e dar ofertas.” Sanders então procede a citação de textos relevantes: “Qualquer
pessoa que honra a seu pai expia seus pecados… A água extingue o fogo; portanto as
ofertas expiam o pecado.” (Eclesiástico 3.3,30). Assombrosamente, Sanders passa por
cima de todas as implicações teológicas desses argumentos e continua a discutir o
“preciso significado adjuntado pelo autor do sistema de sacrifícios.” Sanders não oferece
explicação para mostrar que não se trata da auto-salvação.2
Dunn, por outro lado, entende as obras da lei como referindo-se à circuncisão, ao
sábado e às leis dos alimentos. De acordo com Dunn, Paulo não está refutando as “obras
que ganham o favor de Deus, como observâncias meritórias. Elas são por outro lado
‘marcas’ que servem para demonstrar um status dentro do pacto.”3 Dunn crê que o que
Paulo ataca em Gálatas é uma atitude que fazia a lei em distinguir o judeu do gentio.
Tanto Sanders como Dunn negam o legalismo e ao mesmo tempo o afirmam. Isso
vem, segundo Jack Hughes, de uma visão diferente da igreja4. A igreja é vista como uma
comunidade do pacto, em Cristo. O ser parte dessa comunidade não garante a salvação dos
indivíduos, porém os põem nas circunstâncias adequadas para serem salvos. Os crentes têm
a esperança da salvação futura enquanto obedecerem. Alguém entra na comunidade por fé e
se mantém por meio da obediência. Dessa visão sai o termo empregado por Sanders como
“Pacto de Lei” (Covenantal Nomism).
Dunn rechaça a doutrina da perseverança dos santos, segundo uma análise de Mike
Stallard. Segundo essa análise, Dunn ensina que um homem é posto dentro da comunidade
do pacto por meio da fé, porém se este indivíduo falha na obediência, perece no inferno5. As
similitudes com a teologia Católico-Romana são abundantes. A teologia católico-romana ensina
que através do batismo infantil uma pessoa entra na comunidade, e enquanto essa pessoa
obedece aos sacramentos, perseverará e será salvo. Isso é legalismo. Isso é salvação por
meio de obras.
Os proponentes das NPP negam legalismo nos escritos de Paulo, porém logo ensinam
a salvação pelas obras. A Bíblia ensina que o legalismo era um problema entre os judeus no
primeiro século? A resposta é Sim. Jesus mesmo declara,
8 Vós deixais o mandamento de Deus, e vos apegais à tradição dos homens. 9 Disse-
lhes ainda: Bem sabeis rejeitar o mandamento de Deus, para guardardes a vossa
tradição. Marcos 7. 8-9
2 Moisés Silva, The Law and Christianity, Página 348.3 Ibid. Página 346.4 Jack Hughes, The New Perspective’s View of Paul and The law, Página 271.5 Mike Stallard, Review of The Theology of Paul the Apostle by James Dunn, In: Journal of Ministry and Theology 2(2). 1998: 232.
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
O que dizem os proponentes da NPP? Dizem que Jesus nunca disse isso, e que
essas palavras foram adicionadas mais tarde6. Sanders escreve, “do material que mostra
conflito legal, qual é realmente do Cristo histórico? Sigo pensando que bem pouco é
dele.”7. Isso é um incrível rechaço da autoridade e inerrância da Bíblia.
Os fundadores da NPP não têm nenhum respeito pelas Escrituras. Quando alguma
passagem bíblica faz falhar seu entendimento, convenientemente negam sua autenticidade.
Segundo a análise de Stallard, usam termos como: “Paulo estava equivocado,” “Paulo
verdadeiramente não cria isso,” “Paulo nem sequer o escreveu,” para rechaçar essas passagens
que são conflitivas com suas interpretações8.
Apesar de a investigação histórica ser importante, a Bíblia deve ser tomada com
prioridade sobre os escritos extrabíblicos. A Bíblia sempre está correta porque é a Palavra
de Deus. Dizer que Moisés estava equivocado, é dizer que Deus estava equivocado. Dizer
que Paulo estava confuso, é dizer que o Espírito Santo estava confuso.
PAULO E A LEI SEGUNDO SUAS CARTAS
Os apóstolos e os anciãos reuniram-se em Jerusalém, juntamente com Paulo, para
determinar se os Fariseus estavam corretos ao exigir dos gentios que se circuncidassem e
observassem as leis de Moisés (Atos 15.5).
Deste Concílio resultou uma carta que foi enviada pelos dirigentes aos gentios
declarando que esta exigência dos Fariseus não tinha sido ordem dos dirigentes e que aos
gentios não se devia impor a lei de Moisés.
No Novo Testamento, quando os autores se referem à lei, o que eles querem dizer é
a lei que Deus deu a Israel, os mandamentos do Antigo Testamento. Jesus disse que os
judeus invalidavam a Palavra de Deus e os mandamentos quando violavam o que Moisés
havia dito (Marcos 7.8–13). Também Lucas ensinou que o que estava na lei de Moisés era a
lei do Senhor (Lucas 2.22–24). Paulo incluiu vários mandamentos que Deus havia dado a
Israel dentro da expressão “a lei”. (Romanos 2.20–23; 7.7; 13.8–10). O mesmo faz Tiago
(2.10–11) em que as expressões “a lei de Moisés”; “a lei de Javé” e “a lei” se referem todas
à mesma lei, a saber, a lei de Deus que foi dada a Israel (Deuteronômio 4.7–8).
Paulo comparou a lei a um casamento, mostrando que uma mulher está sujeita ao
seu marido enquanto este vive. Veja esta comparação em Romanos 7.4:
Assim também vós, meus irmãos, fostes mortos quanto à lei mediante o corpo de Cristo,
para pertencerdes a outro, àquele que ressurgiu dentre os mortos a fim de que demos
fruto para Deus.
6 E. P. Sanders, Jesus and Judaism, Página 175.7 Ibid. Página 93.8 Mike Stallard, Review of The Theology of Paul the Apostle by James Dunn, In: Journal of Ministry and Theology 2(2). 1998: 231-232.
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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A mesmo idéia aparece em Gálatas 2.19 “Pois eu pela lei morri para a lei, a fim
de viver para Deus.” E Romanos 7.6 completa:
Mas agora fomos libertos da lei, havendo morrido para aquilo em que estávamos retidos,
para servirmos em novidade de espírito, e não na velhice da letra.
Assim, por Jesus somos mortos para a lei e libertados dela, o que não significa que
a lei não tem poder sobre nós e não somos obrigados a observá-la. Se alguém pudesse
guardá-la perfeitamente, a lei teria produzido justiça. Porém, devido ao pecado, não se deu
assim. (Gálatas 2.21; 3.21–22).
Portanto, para os que crêem, Jesus é o fim (telos = consumação) da lei para a
justiça (Romanos 10.4), significando isso, que somos justificados pela fé e não por guardar a
lei.
Aqui em Romanos 10, Paulo apresenta o tema de que os judeus procuram estabelecer
sua própria justiça em lugar da justiça da fé em Jesus, como Paulo mesmo havia feito antes
de crer em Jesus (Filipenses 3.9).
Em outra passagem (Gálatas 3.19) o apóstolo mostra quanto tempo haveria de estar
vigente a lei:
Logo, para que é a lei? Foi acrescentada por causa das transgressões, até que viesse o
descendente a quem a promessa tinha sido feita; e foi ordenada por meio de anjos, pela
mão de um mediador.
O fato de que a lei foi dada para por limites às pessoas, enquanto Jesus não vinha,
significa que quando veio, pôs fim à lei. Essa idéia é retomada alguns versículos adiante:
23 Mas, antes que viesse a fé, estávamos guardados debaixo da lei, encerrados para
aquela fé que se havia de revelar. 24 De modo que a lei se tornou nosso aio, para nos
conduzir a Cristo, a fim de que pela fé fôssemos justificados. 25 Mas, depois que veio
a fé, já não estamos debaixo de aio. (Gálatas 3.23-25)
A lei serviu como “aio” (pedagogo = paidagogos), literalmente um “tutor-condutor
de crianças”, um escravo responsável pelo cuidado das crianças de uma família, por exemplo:
levar e trazer da escola desde os seis aos dezesseis anos.
Na comparação paulina fica claro que a lei é o “aio” que conduzia as pessoas a
Jesus, como fazia o escravo com a criança ao conduzi-la até ao seu mestre. Aí terminava sua
tarefa, como a tarefa da lei.
A lei, por outro lado, impunha uma rígida separação entre judeus e gentios, circuncisos
e incircuncisos, porque estes últimos não praticavam as leis de Israel (Êxodo 12.48).
Relacionar-se com os gentios era, no conceito dos judeus, uma violação da lei, fato que
pode ser constatado em Atos dos Apóstolos:
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
10.28 e disse-lhes: Vós bem sabeis que não é lícito a um judeu ajuntar-se ou chegar-se
a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem devo chamar comum ou
imundo;
11.2 E quando Pedro subiu a Jerusalém, disputavam com ele os que eram da circuncisão,
3 dizendo: Entraste em casa de homens incircuncisos e comeste com eles.
16.3 Paulo quis que este fosse com ele e, tomando-o, o circuncidou por causa dos
judeus que estavam naqueles lugares; porque todos sabiam que seu pai era grego.
21.28 clamando: Varões israelitas, acudi; este é o homem que por toda parte ensina a
todos contra o povo, contra a lei, e contra este lugar; e ainda, além disso, introduziu
gregos no templo, e tem profanado este santo lugar.
A lei incluía somente a Israel (Deuteronômio 4.7–8; Êxodo 34.27–28; 1 Reis 8.9,
21), e não os gentios (Salmos 147.19–20; Romanos 2.14), sob seu regime.
Tal separação entre judeus e gentios foi superada por Jesus ao abolir a lei, conforme
lemos em Efésios 2.14–15:
14 Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede
de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, 15 isto é, a lei dos
mandamentos contidos em ordenanças, para criar, em si mesmo, dos dois um novo
homem, assim fazendo a paz,
ATIVIDADEAs atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Sala Virtual - Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio-
ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas,
utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.
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Aula 06
TORAH ORAL
Desde há muito o judaísmo mantém, além da Bíblia Hebraica, muitos outros escritos
e textos sagrados. Mas além de textos, o judaísmo também possui uma longa Tradição Oral,
que está formulada e preservada na memória do povo desde os primórdios de Israel. Essa
Tradição Oral, também conhecida como Torah Oral, tem o mesmo valor da Torah Escrita e
foi da mesma forma que esta, revelada a Moisés no monte Sinai.
A função da Torah Oral é definir, explicar e detalhar o sentido de termos e instruções
da Torah Escrita que nem sempre são definidos, explicados e detalhados. Assim, a Torah
Oral elabora, aprofunda e desenvolve leis e práticas que não são explicitamente estabelecidas
na Torah Escrita, onde as lacunas são preenchidas.
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
Parece claro que o próprio caráter da Torah Escrita é tal que seria impossível regular
a vida sem tradição oral que a acompanhasse desde o início. Seria igualmente verdade dizer
que a Torah Oral não chegou à plena expressão senão depois do período que seguiu a
destruição do Segundo Templo pelos romanos no ano 70 d.C., um acontecimento que
precipitou uma crise de maiores proporções na vida judaica.
A sobrevivência do judaísmo pós-catástrofe dependia, agora, de um novo centro
em torno do qual pudessem manter a identidade religiosa sem o Templo e culto de sacrifícios.
A solução veio pela revitalização da revelação de uma Torah Oral ao lado da Torah
Escrita. Assim, enquanto nos tempos do Templo a veneração era concentrada no culto de
sacrifícios, agora a própria vida era para chegar a ser um ato de venerar Deus através da
aplicação da Torah Oral e seus ensinamentos à vida cotidiana do judeu.
Foi Esdras que, durante o início do período do Segundo Templo, começou a tarefa
de organizar a comunidade judaica na Judéia ao redor das exigências da Torah e pôs os
fundamentos para o desenvolvimento do Judaísmo como uma religião de escritura. Foi ele
quem iniciou a tradição dos Escribas intérpretes que se dedicaram à correta interpretação da
Torah para garantir que ela pudesse propriamente ser aplicada à vida diária do povo
A COMPOSIÇÃO LITERÁRIA DA TORAH ORAL
A Torah Oral encontra expressão numa vasta formação de escritos rabínicos. Além
disso, esse corpo literário pode ser dividido em duas grandes categorias: A primeira contém
aquilo que conhecemos como tradição da Halaká ou legal do Judaísmo. O texto básico e
ponto de partida desta tradição é a Mishná, uma obra composta ao redor do ano 200 d.C.
no país de Israel.
A Mishná foi objeto de estudos, comentários e de ampliações em um processo
que resultou em dois Talmuds. O Talmud de Jerusalém (Talmud Yerushalmi) era produto do
país Israel cerca 400 d.C. Cerca de cem anos mais tarde, o Talmud Babilônico (Talmud
Babli) nasceu.
A ampliação da Halaká continuou a se expandir e, da necessidade de tratar novos
assuntos e situações emergiu mais um corpo de lei judaica que também faz parte da Torah
Oral – a literatura dos Responsa. Como o nome diz, ela consiste de réplicas a questões
específicas dirigidas a autoridades rabínicas. Os Responsa começaram depois da compilação
do Talmud Babilônico, quando os sábios receberam pedidos escritos para explicações de
passagens talmúdicas escuras e para decisões sobre assuntos de significância prática. Rábis
ortodoxos trabalham hoje numa tradição muito semelhante, tratam questões sobre muitos
assuntos contemporâneos.
Outra literatura que compõe a Torah Oral é a chamada Agadah. Essa tradição agádica
está composta de escritos rabínicos não-legais, que incluem comentários bíblicos, parábolas,
anedotas, legendas, folclore, ensinamentos éticos, aforismos e especulação teológica. O maior
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63
repositório da tradição agádica é a literatura do Midrash, compilada largamente na Palestina
durante vários séculos. Esse material deriva de homilias e sermões proferidos por sábios em
sinagogas e academias. O termo midrash (literalmente: busca) refere ao extrair de versos
bíblicos sentidos além do literal. Tipicamente, então, midrash interpreta um texto bíblico ou
grupo de textos de acordo com sua relevância ou significado contemporâneos.
AUTORIDADE DA TORAH ORAL
Dada a centralidade da Torah Oral no Judaísmo, resta, finalmente, inquirir a fonte de
sua autoridade dentro da estrutura da vida e tradição judaicas. Poder-se-ia argumentar que
fé na origem sinaítica da Torah Oral seria suficiente para estabelecer seu papel autoritativo.
Essa fé, porém, não está inteiramente sem problema. Quando várias fontes que tratam da
natureza da revelação sinaítica são postas lado a lado, está sendo confrontado com pontos
de vista que parecem estar em contradição direta um com o outro.
O Talmud de Jerusalém (tratado Peah 2:4), por exemplo, alega que aquilo que foi
revelado a Moisés no Sinai não era somente o Pentateuco, mas também a Mishná, as
discussões talmúdicas, a tradição agádica. Isso sugere que a autoridade da tradição oral
derive da fé de que uma linha direta e imediata possa ser traçada do corpo inteiro da Torah
Oral (incluindo todo conhecimento futuro) para a revelação original no Sinai.
A posição definida do Judaísmo Ortodoxo até o dia de hoje é que a Torah Oral
forma parte integral da revelação divina e é, por isso, considerada como normativamente
obrigatória.
Assim, a relação entre a Torah Escrita e a Torah Oral é um dos princípios da fé e
dos fundamentos a que se obriga todo judeu. Suas projeções são muitas não só dentro da
prática e discussões, mas também, na vida cotidiana. A Torah Oral não contém apenas ditos,
frases inteligentes e visão de mundo, senão também leis, instruções práticas e detalhes das
Mitzvot. Estas conduzem a própria vida.
AS FONTES DA TORAH ORAL
Segundo os adeptos da Torah Oral existem fontes de onde ela flui que são:
Fonte Divina
Do versículo “Estes são os estatutos e juízos e as leis (Toroth, plural de Torah)
que entregou Javé aos filhos de Israel no monte Sinai, por meio de Moisés” (Levítico
26.46), estudaram os sábios: “e as leis... ensina-nos que duas leis foram dadas a Israel, uma
escrita e outra oral... que foi entregue a Torah com suas regras, suas deduções e seus
comentários por meio de Moisés no Sinai” (Sifrá, BeJukotay 8:13). Em resumo: Moisés recebeu
no Sinai e nos transmitiu a Torah com suas regras, suas deduções e comentários.
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
Os Comentários
Os comentários têm como função explicar aqueles versículos e termos que não estão
suficientemente claros na Torah Escrita. A Moisés foi entregue um corpus de explicações
que resultou na modificação literal de versículos, ainda que por outro lado concordem mais
com o sentido desses versículos. Essas aclarações são explicações orais dos versículos da
Torah, as quais Aquele que entregou a Torah nos ensinou para o estudo de seus conteúdos.
As Regras
Com esse termo se define o conceito de “Halaká dada a Moisés no Sinai”. Essas
regras não têm por objetivo explicar os versículos mesmos, senão agregar ou explanar os
mandamentos e as proibições da Torah. Enquanto os comentários definem as palavras e
termos, as regras se prestam ao detalhamento da realização de um mandamento. Dentro do
marco destas regras também se encontram as especificações diversas que os próprios
versículos mencionam que Deus deu a Moisés, por exemplo, “matarás um animal como Eu te
tenho ordenado...”. Isto não é uma definição de termos, senão detalhe e especificação sobre
a realização de tal atividade.
As Deduções
Referem-se a um sistema de instrumentos ou métodos, através dos quais se extraem
da Torah Escrita soluções para problemas atuais. O postulado consiste em que a Torah de
Israel é uma entidade viva, a ela compete acompanhar o povo através das gerações e por
meio dela enfrentar as situações e as problemáticas que se apresentem para o povo. Portanto,
era necessário transmitir por meio de Moisés uma série de métodos ou instrumentos que
concretizem esse objetivo, esses métodos se denominam “as treze normas através das quais
se estuda a Torah”; essas normas servem de ajuda para o poder legislativo, quer dizer aos
sábios, criar, segundo um marco específico dessas normas, novas leis que sirvam às
necessidades do momento.
Esses três conceitos foram transmitidos a Moisés e formaram uma ampla gama de
leis diferentes: este é, sem dúvida, o primeiro componente, especificamente original, da
Torah Oral.
O conteúdo do resto dos componentes da Torah Oral não foi entregue a Moisés no
Sinai, mas tem seu ponto de partida nos ensinamentos dos sábios de todas as gerações. A
fonte que garante a autoridade e a validade de tais ensinos, que incluem os comentários
diversos, a legislação para diversos casos, etc. é o versículo que diz:
8 Se alguma causa te for difícil demais em juízo, entre sangue e sangue, entre demanda
e demanda, entre ferida e ferida, tornando-se motivo de controvérsia nas tuas portas,
então te levantarás e subirás ao lugar que o Senhor teu Deus escolher; 9 virás aos
levitas sacerdotes, e ao juiz que houver nesses dias, e inquirirás; e eles te anunciarão
a sentença do juízo. 10 Depois cumprirás fielmente a sentença que te anunciarem no
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
65
lugar que o Senhor escolher; e terás cuidado de fazer conforme tudo o que te ensinarem.
11 Conforme o teor da lei que te ensinarem, e conforme o juízo que pronunciarem,
farás da palavra que te disserem não te desviarás, nem para a direita nem para a
esquerda. (Deuteronômio 17.8-11)
Certamente o próprio doador da Torah nos transmitiu que em todo tipo de
problemática que se apresente, deve-se consultar os mestres da Torah em cada geração,
Deus é quem dá a autoridade e a validade das atividades legislativas.
HÁ NECESSIDADE DE UMA TORAH ORAL
Uma pergunta: Acaso necessita a Torah Escrita de um complemento que se denomina
Torah Oral?
O que falta na Torah Escrita para necessitar de tais complementos?
Por ser texto a Torah Escrita está sujeita a muitas interpretações e essas interpretações
podem não alcançar o significado pretendido pelo texto. Aliás, algumas interpretações podem
ir até em sentido contrário àquele que o texto quer transmitir.
Sendo a Torah Escrita a palavra de Deus, é necessário que seja clara, compreensível
e inequívoca, para que os leitores a possam cumprir cabalmente.
Assim, Deus entregou a Moisés a Torah Escrita e Ele mesmo a explicou oralmente a
Moisés a sua vontade e a intenção de cada versículo. A essa explicação da Torah Escrita
feita pelo próprio Deus a Moisés denomina-se Torah Oral, que depois Moisés transmitiu a
Josué, este aos anciãos, que por sua vez transmitiram a outros até os dias de hoje.
São esses os estatutos, os preceitos e as leis que o Senhor firmou entre si e os filhos de
Israel, no monte Sinai, por intermédio de Moisés. (Levítico 26.46)
Segundo os sábios a alusão a “leis” (toroth, plural de torah) em Levítico 26.46 se
refere a dois conjuntos de leis que foram entregues a Israel, um oral e outro escrito.
Portanto, o status de ambas as “Toroth”, Escrita e Oral, é o mesmo, a procedência
é a mesma e a autoridade é a mesma.
A Torah Oral não foi escrita porque isso geraria outra série de interpretações, o que
anularia seu propósito de ser a explicação última. É bem verdade que um resumo escrito da
Torah Oral foi feito, a Mishná. Contudo, outro texto precisou ser escrito para explicar a
Mishná. Esse novo texto chamou-se Guemará, que foi interpretada dando origem aos livros
Gueonim, Rishonim e Ajaronim.
Por outro lado, argumenta-se que a necessidade de uma Torah Oral se deve ao fato
de que a Torah Escrita apresenta muitas dificuldades para compreendê-la. Por exemplo, a lei
do Sábado diz:
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Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
9. Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; 10. mas o sétimo dia é o sábado
do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem
tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que
está dentro das tuas portas. 11. Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar
e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia do
sábado, e o santificou. (Êxodo 20.9-11)
O texto afirma “...não farás trabalho algum”, mas não define explicitamente o
que é “trabalho”. Assim, é lícito perguntar: O que foi proibido exatamente?
Em outros lugares da Torah Escrita foram detalhadas três atividades proibidas no
Sábado, “arar, colher, atravessar fogo”. Argumenta-se que, se todos os trabalhos foram
proibidos, porque detalhar três deles, e ao contrário, se somente essa três atividades foram
proibidas não haveria sentido em declarar que todo trabalho foi proibido. Por outro lado, a
Torah Escrita permitiu certas atividades para a preparação de alimentos em dias festivos,
contrário à lei do Sábado.
A explicação do mandamento vem, então, pela aceitação da Torah Oral que se pode
deduzir de textos como o transcrito abaixo:
32. Estando, pois, os filhos de Israel no deserto, acharam um homem apanhando
lenha no dia de sábado. 33. E os que o acharam apanhando lenha trouxeram-no a
Moisés e a Arão, e a toda a congregação. 34. E o meteram em prisão, porquanto
ainda não estava declarado o que se lhe devia fazer. 35. Então disse o Senhor a
Moisés: certamente será morto o homem; toda a congregação o apedrejará fora do
arraial. 36. Levaram-no, pois, para fora do arraial, e o apedrejaram, de modo que ele
morreu; como o Senhor ordenara a Moisés. (Números 15.32-36)
O texto narra um episódio no qual um homem apanha lenha em dia de Sábado. Por
esse ato o homem é preso e se perguntam os detentores do mesmo: Qual pena aplicar neste
caso? Perguntaram, pois ainda não sabiam. Sabiam da transgressão do Sábado, mas como
saberiam que apanhar lenha era uma transgressão do Sábado, senão através de uma Torah
Oral dada por Deus e conhecida por toda Israel.
Este exemplo, entre muitos outros, demonstra que há conceitos na Torah Escrita que
necessitam de esclarecimentos, o que falta nela deve ser buscado na Torah Oral.
Mais um exemplo da necessidade de contar com uma Torah Oral ao lado de uma
Escrita:
Por sete dias comereis pães ázimos; logo ao primeiro dia tirareis o fermento das
vossas casas, porque qualquer que comer pão levedado, entre o primeiro e o sétimo
dia, esse será cortado de Israel. (Êxodo 12.15)
Seis dias comerás pães ázimos, e no sétimo dia haverá assembléia solene ao Senhor
teu Deus; nele nenhum trabalho farás. (Deuteronômio 16.8)
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No primeiro texto se menciona “sete” dias e no segundo “seis”. Parte-se do
pressuposto de que não há contradição entre os textos, apenas que necessitam de uma
explanação que lhes ditem o exato significado. Portanto, há que ter uma Torah Oral para dar
tais explicações de modo coerente e claro.
A Mishná, o resumo escrito da Torah Oral, escrita muito tempo depois, reúne todos
os detalhes das regras transmitidas oralmente, como extensões das regras gerais que aparecem
na Torah.
Assim, por exemplo, com respeito à Cabana (Suká) a Mishná menciona e descreve
o que não está claro na Torah Escrita: a definição de cabana, materiais de construção, o teto,
as medidas mínimas e máximas, as pessoas obrigadas a sentar-se nela e os que estão isentos,
as regras relativas aos enfermos, atividades realizadas dentro da respectiva cabana, etc.
Pergunta-se, por outra parte, porque a Torah Escrita não menciona a Torah Oral, já
que esta se reveste de tamanha importância. Mais, além disso, questiona-se, também, sobre
a autoridade dos sábios que comentaram a Torah Escrita.
A resposta dos defensores da Torah Oral tem por base o seguinte texto da Torah
Escrita:
8 Se alguma causa te for difícil demais em juízo, entre sangue e sangue, entre demanda
e demanda, entre ferida e ferida, tornando-se motivo de controvérsia nas tuas portas,
então te levantarás e subirás ao lugar que o Senhor teu Deus escolher; 9 virás aos
levitas sacerdotes, e ao juiz que houver nesses dias, e inquirirás; e eles te anunciarão
a sentença do juízo. 10 Depois cumprirás fielmente a sentença que te anunciarem no
lugar que o Senhor escolher; e terás cuidado de fazer conforme tudo o que te ensinarem.
11 Conforme o teor da lei que te ensinarem, e conforme o juízo que pronunciarem,
farás da palavra que te disserem não te desviarás, nem para a direita nem para a
esquerda. (Deuteronômio 17.8-11)
Deus ordenou na Torah Escrita escutar a sentença do juiz (tribunal) acerca de temas
controversos. Sua sentença, cuja vigência provém da Torah, tem sido incorporada como
parte da Torah Oral. Assim, concluem que a Torah Escrita remete explicitamente, para entender
seus temas, à Torah Oral.
ATIVIDADEAs atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Sala Virtual - Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio-
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ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas,
utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.
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Aula 07
O MIDRASH E A LEI
A relevância da leitura da Torah não pode ser subestimada em qualquer nível, seja
ao nível exegético ou ao nível hermenêutico, pois a importância das leituras da Torah se
reveste de caráter interpretativo que interessa a todo leitor das escrituras do Antigo
Testamento.
O vínculo entre o texto e a pessoa que o lê pode ser mediado por uma série de
métodos que enriquecem esse contato. Porém, nenhum método pode substituir o fator
“relacionamento” com o Autor da Torah.
Em vista disso, transcrevo, nesta aula, um instigante e esclarecedor artigo de Elio
Passedo1 no qual o autor apresenta e descreve “Midrash”, não tanto quanto um método de
ler a Torah, mas como uma possibilidade de relacionamento com seu Divino Autor.
1 Perscrutar a Torah: Da Literatura Bíblica aos Mestres de Israel. Elio Passeto, Ratisbonne – Jerusalém. Tradução de HilárioMazzarollo.
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É importante frisar que esta aula está vinculada à anterior de forma inseparável.
Moisés recebeu a Torah do Sinai e a transmitiu a Josué, e Josué aos Anciãos, os
Anciãos aos Profetas, os Profetas aos Homens da Grande Assembléia. Estes diziam
três coisas: sede prudentes no julgamento, formai muitos discípulos e fazei uma cerca
ao redor da Torah.2
O Objetivo deste texto, diz o autor, é apresentar, mesmo se de modo não exaustivo,
uma prática que formou e nutriu o povo judeu durante a sua história: O MIDRASH3 (plural:
Midrashim). O dinamismo existente entre a Palavra de Deus revelada e o seu processo contínuo
de revelação no encontro que ocorre em quem nela busca, é o que caracteriza tal literatura.
É dela que nos ocuparemos neste estudo. Trata-se de um ato que não pode ser reduzido a
um mero sistema de interpretação, no qual cada momento é regulado e controlado, mas sim
de uma relação amorosa entre Aquele que se dá, revelando-se, e o homem que busca conhecê-
lo melhor.4
É ato de fazer viver uma Palavra que se concretiza no encontro entre Aquele que a
dá e o homem que a recebe.
O MIDRASH E SEU DESENVOLVIMENTO
É difícil determinar cronologicamente o nascimento do Midrash na história do povo
judeu; a história que a ele se refere, já o apresenta como uma prática, cujas raízes estão
inseridas num passado distante. É possível que seu aparecimento deva permanecer impreciso
historicamente, pois isto faz parte de um processo que se desenvolve conjuntamente com a
revelação e com a consciência que o povo judeu adquiriu da Palavra de Deus em sua história.
No entanto, é possível estudar a importância do Midrash e seguir seu desenvolvimento
já na própria Bíblia, percebendo a sua ulterior evidenciação nos Mestres de Israel.
O termo Midrash é empregado duas vezes no próprio texto da Bíblia; nos dois casos,
trata-se de uma referência não a textos bíblicos propriamente ditos, mas a textos extrabíblicos
: ”O resto dos atos de Abiá, seus feitos e seus atos estão escrito no comentário (Midrash)
do vidente Idô” (2 Cr.13,22). Uma segunda vez, no mesmo livro, 2Cr.24,27 : “...isso não
está escrito no comentário ao livro dos Reis?” (notar que a Bíblia de Jerusalém traduz:
comentário (TEB) por “Midraxe”).
Na realidade, a definição do termo Midrash é muito vasta. Vem da raiz DeRaSH que
2 Mishna Abôt, 1,1.3 Note-se que alguns temas aqui desenvolvidos serão retomados por P. Lenhardt; não se considere uma mera repetição, pois o enfoquedos dois estudos é diferente.4 O Midrash não é um comentário científico da Bíblia, e nem um jogo com o texto. Mesmo não excluindo um certo prazer de jogar comas palavras, é, de todo modo, uma tentativa de penetrar mais profundamente na linguagem da revelação. Trata-se essencialmente deuma freqüentação de fé no texto bíblico, com o objetivo de escutar Deus e entrar em comunicação com Ele. Pondo-se com cuidado naescuta do texto, prestando atenção até nos mínimos detalhes lingüísticos, procura-se sondar as profundezas da revelação, experimentara continuada presença de Deus e convencer-se da solidez de suas promessas. STEMBERGER, G., Il Midrash, Edizioni Dehoniane,Bologna, 1992, p.8.
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significa, entre outras coisas, buscar, pesquisar, examinar, estudar, expor, perscrutar, etc.
Esta raiz é empregada na Bíblia com uma certa freqüência; recebeu significados vários, alguns
com mudanças no decorrer do tempo, mas sempre girando em torno do conceito de busca,
estudo, indagação. Reparemos, contudo, como neste movimento, que é aparentemente
unilateral, existe ao mesmo tempo uma resposta, proporciona um encontro: “Buscai (DiR’SHu)
o Senhor e vivereis...” (Am. 5,6); “...a vós que buscais (DoR’SHei) a Deus, que viva
vosso coração” (Sl.69,33).
Esta indagação, progressivamente, se concentrará de modo exclusivo na Palavra de
Deus (isto é, o texto da Escritura). Esse processo não tem início somente quando a Bíblia
está concluída, mas nela mesma já encontramos testemunhos: ‘Os primeiros desenvolvimentos
do Midrash devem ser procurados na própria Bíblia, e na literatura que lhe é correlata:
versões, apócrifos, etc’.5
Os livros que vieram depois do Pentateuco o utilizaram como ponto constante de
referência; os Salmos reinterpretaram os textos bíblicos já existentes; os Profetas legitimavam-
se sucessivamente um ao outro.
Vejamos como o Sl.78 faz uma leitura da História de Israel, enriquecendo-a, contudo,
com uma interpretação que lhe é própria. Do mesmo modo, Ezequiel 16 interpreta a história
do povo hebreu a partir de seu início, passando pelo Êxodo, o Sinai, a aliança, etc. Os livros
das Crônicas fazem uma releitura, sobretudo dos livros dos Reis. Em Sb.16, 6-7, é evidente
a atualização do texto bíblico: “... que lhes recordava o mandamento de tua Lei. Com
efeito, todo aquele que se voltava para ele era salvo, não em virtude do que via, mas
graças a ti, o Salvador de todos”. O texto é uma explicação e atualização teológica de
Nm.21,9 no qual o enfoque, no entanto, é a serpente, meio que garante a cura : “Moisés fez
uma serpente de bronze e a fixou numa haste; e quando uma serpente mordia um homem,
este olhava a serpente de bronze e tinha sua vida salva”.
A busca conduzida a partir do livro, Palavra de Deus gera, assim, outros livros;
estes também são Palavra de Deus. É um desabrochamento do ato original da Revelação.
Não se trata de uma nova revelação, mas sim da única revelação que se renova. Esta busca
concreta da Palavra de Deus é animada por um espírito que quer compreendê-la, explicá-la,
torná-la compreensível à comunidade: “Buscai no livro do Senhor e lede...” (Is.34, 16).
Percebe-se, neste espírito, como o estudo torna a Torah conhecida e viva na oralidade de
sua interpretação.
Sem querer reduzir a tradução da Bíblia para o grego (a Setenta) a um Midrash é
legítimo, contudo, considerar esta versão como algo mais do que uma simples tradução.
Percebemos nesta obra o esforço de compreensão e de interpretação do texto, para dar-lhe,
em grego, o sentido exato.
5 BLOCH, R. Écriture et Tradition dans le judaisme, Aperçus sur l’origine du Midrash, in “Cahiers Sioniens” VIII,I, 1954, p. 23. -Traduzido para o português - Seminário de Sion - Ipiranga - SP.
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A literatura do Novo Testamento, sob um outro aspecto, baseando-se no texto da
Escritura ou na tradição oral de Israel, faz, por sua vez, um midrash à luz da fé em Jesus.
Podemos citar alguns exemplos de interpretação da Escritura trazidos pelo Novo Testamento,
ou de interpretação oral já existente que testemunham a prática midráshica: Mt.2,1-12
interpreta Nm.24, 17; também Os. 11,1 é interpretado por Mt.2,13-15, enquanto Jr.31,15 é
interpretado por Mt.2,16-18. A rocha da qual Moisés faz surgir a água, em Ex.17,5-6, será
interpretada como sendo o Cristo em 1Cor.10,4. Os nomes citados em 2Tm.3,8 não constam
dos textos bíblicos, mas são mencionados na tradição oral de Israel. Poderíamos acrescentar
muitos outros exemplos; mas nossa intenção aqui é demonstrar que, em grande parte, o
Novo testamento é tributário da dinâmica midrashica.6
O PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO E O MIDRASH
O que caracteriza o Midrash é o movimento de estudo da Escritura desenvolvido no
seio da comunidade judaica, sobretudo a partir do retorno do exílio: “Esdras, com efeito,
aplicara seu coração a perscrutar (liD’RoSH ) a Torah do Senhor, em pô-la em prática
e em ensinar as leis e os costumes em Israel” (Esd.7,10). Acerca deste exercício de busca
da Palavra, de sua indagação seguida de sua prática, afirma R. Bloch:
É este estudo - escavação da Torah, cujo objetivo era compreender o sentido de cada
palavra e penetrar o espírito do texto para libertar seu significado profundo e sua
aplicação prática, que se designa com o nome de Midrash.7
Este estudo da Palavra será progressivamente difundido em toda a comunidade de
Israel e será o nome que definirá o lugar no qual se instrui na Torah: Beit-Midrash (casa de
estudo; pl: beiteimidrash): “Aproximai-vos de mim, vós que não tendes instrução e
freqüentai a minha escola (beiteimidrash)” (Sir 51,23).
Não estamos, portanto, diante de um movimento que surge numa época pós-
bíblica, fruto da escola rabínica, mas diante do diálogo de Israel com seu Deus, na escuta
de sua Palavra, no seu estudo, na sua interpretação por meio da prática; esse
procedimento, que é parte integrante da vida do povo hebreu desde o momento de sua
revelação, é um movimento eterno.
Nada seria mais errôneo - e apto a falsear a compreensão das relações entre Escritura
e Tradição oral no Judaísmo - do que considerar o Midrash como uma criação tardia
do judaísmo rabínico.8
5 BLOCH, R. Écriture et Tradition dans le judaisme, Aperçus sur l’origine du Midrash, in “Cahiers Sioniens” VIII,I, 1954, p. 23. -Traduzido para o português - Seminário de Sion - Ipiranga - SP.6 Uma exposição detalhada acerca da literatura midrashica no N.T. e na literatura cristã requer um estudo à parte; aqui se limita,portanto, a mencionar sua existência.7 BLOCH, R. Écriture..., p.15; cf. nota 21.8 Ibidem, p. 24.
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Como já se disse, esse movimento de perscrutar a Torah, esta relação profunda com
a Palavra de Deus, a busca de sua compreensão por parte do homem que crê, já está presente
na Bíblia. Os mesmos textos bíblicos que evidenciam este fato são as testemunhas da
continuidade da revelação dos textos sagrados: são escritos gerados pelo próprio escrito.
Neste dinamismo dos textos escritos está intrínseca a oralidade da Palavra que, no ato da
revelação foi ouvida, e, de geração em geração, foi redescoberta e ensinada.
Este fato se torna mais perceptível, sobretudo, a partir do exílio da Babilônia, com a
restauração do Judaísmo sob a direção de Esdras e Nehemias. Não para registrar um início,
mas sim uma prática, lemos em Neh.8,8 : “Liam no livro da Lei de Deus, de maneira
distinta, explicando o sentido dela e faziam compreender o que era lido”. Este ato de
explicação ou de tradução do texto, não é somente uma ação técnica, neutra, mas traz consigo
uma interpretação do texto lido:
O Targum, em todo caso, não é somente uma tradução, mas ainda uma explicação e
freqüentemente uma expansão da Bíblia, no sentido da aggadah... muitos elementos
do Targum entraram no Midrash, e vice-versa, de modo que não houve um
desenvolvimento independente dos dois gêneros literários.9
Também lemos em Esd.7,10 : “Esdras, com efeito, aplicara seu coração em perscrutar
(liD’RoSH) a Lei do Senhor, em pô-la em prática e em ensinar as leis e os costumes em
Israel”. Acerca desse texto, afirma Herford:
Quando o objeto é a Torah, não se trata de buscar, mas de interpretar, e o resultado
deste ato é o Midrash.10
Esse trabalho de leitura e de estudo da Torah, juntamente com a preocupação de
explicá-la para ser compreendida por toda a comunidade, constitui o universo no qual se
desenvolve a tradição oral.11
O conjunto desses elementos será o pólo dominante na constituição do judaísmo
pós-exílico, no período do segundo Templo e, sobretudo, no período posterior. A tradição
oral, atribuída a Esdras, que representa a função dos Escribas (Sof’rim), dará origem ao
movimento farisáico12. Este será o principal continuador no interior do Judaísmo : “... se
aceitamos a divisão clássica do Judaísmo do segundo Templo como sendo de Fariseus,
Saduceus, Essênios, parece que o conceito de Torah oral tenha sido desenvolvido somente
9 STRACK, H.L. and Stemberger, G. Introduction to the Talmud and Midrash, Fortress Press, Minneapolis 1992, p.257.10 HERFORD, R. T., The Pharisees, Beacon Press, Boston 1962, p. 20.11 Sobre a Torah oral cf.: Safrai, S., Oral Torah, In: Compendia rerum Iudaicarum ad Novum Testamentum, The Literature of the Sages,Part One, Fortress Press, Assen 1987, pp.35-119.12 Não podemos precisar a data em que aparece o farisaísmo como um grupo, mas já a partir do terceiro século a. C. ele se torna umfenômeno importante : ‘... fundamentalmente, os fariseus veicularam uma tendência que se origina na época persa e compreende aatividade dos Sof’rim e dos comentadores dos dias de Esdras e depois’. STERN, M., The period of the Second Temple, in: A History ofthe Jewish People, edited by H.H. Ben Sasson, Harvard University Press 1976, p. 235. Veja-se também HERFORD, R. T., ThePharisees, pp. 18ss; FINKELSTEIN, L., The Pharisees vol I, The Jewish Publication Society of America, Philadelphia 1962, pp 73-81; NODET, E., Essai sur les Origines du Judaisme, Les Éditions du Cerf, Paris 1992, pp.13-44.
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entre os Fariseus”13. Posteriormente, será identificado com o rabinismo ou com os Mestres
de Israel : ‘As atividades atribuídas a Esdras, ou seja, o ensinamento da Torah e a
constituição das Ordenanças (TAKKANOT), seriam ligadas entre si como duas das
funções primárias do emergente movimento farisaico-rabínico’14.
A TORAH ORAL, UNIVERSO DO MIDRASH
É nesse contexto que a Torah escrita (Torah she-bihtav) será estudada e ensinada, e
ao seu redor florescerá o mundo da Torah oral (Torah she-be’alpê), cuja constituição é
intrinsecamente relacionada com a Torah escrita. A Torah oral nem se opõe à Torah escrita e
nem é um complemento dela: estas constituem duas expressões de uma mesma realidade.
São duas expressões de um único e mesmo ato de revelação. Como diz o Sl.62, 12 : “Deus
disse uma coisa, duas coisas que ouvi...”.
É, portanto, neste universo da Torah, em sua redação escrita e em sua oralidade,
que se situa o Midrash. E é justamente o Midrash que ilumina esta aparente dualidade de
existência de duas Torah (Torot): “O Senhor disse a Moisés: Escreve estas palavras”.
(Ex.34,27).
O Midrash parte deste texto para buscar outra conclusão: ‘Quando o Santo, bendito
Ele, deu a Torah a Israel, a consignou segundo a ordem: Bíblia e Mishnah, Talmud e Aggadah
(Midrash), como está escrito: “E Deus falou todas estas palavras” (Ex.20,1).
Comparando os dois versículos, o Midrash mostra a diferença importante que existe
entre si. Deus disse: “todas estas palavras“, isto é, tudo, o escrito e o oral; porém, no momento
de pô-las por escrito, disse a Moisés “Escreve estas palavras“, quer dizer, o Senhor não
disse a Moisés que escrevesse todas, mas somente uma parte; o resto é Torah oral’15.
A partir do período dos Mestres de Israel, a Torah se tornará, realmente, um elemento
centralizador da vida judaica. E, em sua forma escrita e oral, ela acabará envolvendo toda a
vida do povo. Tudo se orienta a partir dela. A vida da comunidade deve conter a Torah, e a
Torah, por sua vez, contém toda a vida da comunidade. Insistir-se-á na aplicação do texto
de Js.1,8: “Este livro da Lei não se afastará da tua boca, murmurá-lo-ás dia e noite, a fim de
que tenhas o cuidado de agir conforme tudo o que nele se acha escrito, porque então tornarás
prósperos os teus caminhos, então terás êxito”.
A leitura e a explicação da Torah feitas na sinagoga, no contexto litúrgico, e nas
casas de estudo, tornar-se-ão posteriormente, a escola rabínica, e constituirão16 o núcleo
principal da prática do Midrash.
13 Safrai, S., Oral Torah..., p.48.14 Gafni, I. M., in Compendia, p. 4; sobre o período rabínico, cf.: cap. I, pp.1-34.15 Êxodo Rabba 47.16 A literatura rabínica é rica de exemplos sobre o florescimento dos ‘Batei-Midrash’ em Israel : ‘Louvado seja o nome do homemchamado Josué ben Gamia, porque sem ele a Torah se teria perdido em Israel. No início, quando o pai tinha a obrigação de instruir ofilho, o órfão era privado da instrução. Foi Josué ben Gamia que fez uma nova lei que estabelecia que em cada cidade fosse instituída umaescola que todas os meninos eram obrigados a freqüentar’ (Baba Batra, 21a). Também o tratado Ketubot 105a fala de um grande númerode ‘Batei Midrash’ em Jerusalém.
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A Torah, sendo o centro que irradia a vida na comunidade e com a qual a comunidade
se ocupa, todas as questões referentes à existência lhe são dirigidas. Ela será perscrutada em
todos os sentidos. Esta é a razão pela qual existe um leque tão grande quanto diversificado
de ensinamentos midrashicos. A fonte inatingível da Torah será indagada incessantemente:
Ben Bag Bag dizia: Vira e revira (a Torah), pois tudo nela se encontra; contempla-a,
envelhece e consome-te nela, mas nunca te afastes dela, pois não tens porção melhor.17
A LITERATURA MIDRASHICA
Interessa sublinhar que este ato de envolver-se comunitariamente com a Torah - que
é o Midrash - é principalmente e, sobretudo, uma atividade religiosa que, além do material
midráshico que não é nomeado e se encontra no Talmud, constitui uma vasta literatura à
parte. A assim chamada “Literatura Midráshica” compreende, portanto, uma coleção de
comentários, por natureza orais, dos Mestres de Israel, e somente depois postos por escrito,
e que pode ser dividida em três grupos, segundo o conteúdo:
1. Tema Específico
Podemos encontrar uma série de comentários a respeito de um tema, bíblico ou não.
Apenas para exemplificar, citemos um dos Midrashim sobre o valor da criação do homem
como modelo de discussão interna dentro do próprio Midrash. Percebemos nele um
procedimento dentro da própria da Torah que busca harmonizar a discussão. O texto bíblico,
tomado em seu contexto, não diz tudo o que o Midrash lhe faz dizer:
‘Disse R. Simeão: Quando Deus se dispôs a criar o primeiro homem, os anjos do serviço
(liturgia) não estavam de acordo entre si que o criasse. Uns diziam: seja criado; outros
diziam: não seja criado. Como está escrito: “A misericórdia e a verdade se encontraram;
justiça e paz abraçaram-se“ (Sl.85,11) - A Misericórdia disse: seja criado, para que existam
obras de misericórdia. A Verdade disse: não seja criado, pois ele será totalmente mentiroso.
A Justiça disse: seja criado, pois assim haverá benevolência. A Paz disse: não seja
criado, pois ele será litigioso. O que fez Deus? Jogou a verdade por terra. Está escrito:
“... a verdade foi jogada por terra” (Dn.8,12). Os anjos protestaram contra tal gesto. A
verdade então se levantou, como está escrito: A verdade germina da terra” (Sl.85,12).
R. Yulkia disse: - Meod - (muito, referindo-se às palavras que Deus pronunciou ao
término de sua criação: tov meod, muito bom) é o conjunto das letras da palavra -adam-
(homem)18. Por isto é que está escrito: ”Deus viu quanto fizera, e eis que era muito bom”
(Gn.1,31), o que quer dizer: é bom o homem (tov meod = tov adam).
R. Huna disse: “enquanto os anjos discutiam entre si, Deus criou o homem e lhes
disse: esta discussão entre vocês é inútil, o homem já foi criado”.19
17 Mishna Abôt, 5,22.18 Em hebraico, tanto a palavra ‘Meod’ quanto a palavra ‘Adam’ são compostas com as letras ‘mem-alefdalet’. Isto permite que se joguecom as letras, mudando-as de lugar, transformando assim uma palavra em outra.19 Bereshit Rabba, 8.
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Partindo do tema ‘A criação do homem’, o Midrash evidencia outros valores da
vida: misericórdia, verdade, justiça e paz. Tudo isso busca racionalizar os pontos positivos e
negativos do homem. R. Yulkia, por sua vez, busca, por meio de um jogo de palavras, fazer
prevalecer a bondade.
O Midrash nos ensina que tais valores são dirigidos ao homem. Ele abre espaço a
uma discussão que lhe diz respeito, mesmo que sua existência já tenha sido decidida por
Deus.20
2. Livro da Bíblia
Há Midrashim a respeito de muitos livros da Bíblia. Estes comentam livros específicos
como, por exemplo, Gênesis Rabba, Êxodo Rabba, etc. Por vezes, é evidenciado o aspecto
homilético, outras vezes, o aspecto exegético, ou ambos ao mesmo tempo. Sua origem?
Pode ser a Sinagoga, com a interpretação feita a partir da leitura litúrgica do texto bíblico;
pode ser sobretudo o ‘Beit Midrash’, com uma interpretação voltada sobretudo para o estudo
e o ensino.
3. Conjunto de Livros da Bíblia
Um exemplo típico dessa forma de Midrash é o ‘Midrash Rabba’, comentário que
abrange os cinco primeiros livros da Torah. Segundo a estrutura bíblica, podemos distinguir
duas formas de Midrashim. Uma vai se ocupar principalmente da parte legal, legislativa da
Torah: é o ‘Midrash Halahah’, ou seja, a interpretação haláhica, legislativa da Torah. Sua
preocupação é, sobretudo, estabelecer as normas de conduta da vida prática comunitária.
A outra se preocupa, sobretudo, com a parte narrativa da Torah. Trata-se do ‘Midrash
Aggadah’. No entanto, deve-se dizer que esta distinção é muito genérica. Na realidade, as
duas formas coexistem freqüentemente, e nem sempre tal distinção é evidente. A relação
entre Halahah e Aggadah desenvolveu-se muito na tradição rabínica. A primeira, mais dura e
seca, a segunda mais suave. A primeira representa o apoio da vida, a outra o seu prazer, mas
ambas são necessárias. Um midrash, comentando Os.14,8, afirma:
“Farão o trigo reviver (ou reviverão como os grãos de trigo)” - esta passagem se refere
à Halahah; “como a vinha florescerão”- esta passagem se refere à Aggadah.21
Pode-se ainda contemplar o Midrash a partir de outro enfoque, observando-se,
sobretudo, o critério de Unidade e não de divisão que nele existe: o Midrash Homilético e
Exegético ao mesmo tempo. Homilético é o Midrash que se desenvolve a partir da leitura
sinagogal da Torah, feita nos sábados e dias de festa, isto é, do calendário litúrgico. O
20 Outros exemplos temáticos serão apresentados neste número [da revista].21 Levítico Rabba 1,2; cf. HEINEMANN J., The nature of Aggadah, in : Midrash and Literature, edited by Geoffrey H. Hartman andSanford Budick, Yale University 1986, pp.41-55.
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Exegético é o que se ocupa do texto bíblico de forma contínua, versículo por versículo, e às
vezes, palavra por palavra; este se desenvolve, sobretudo, nas escolas.22
O período de redação da literatura midráschica se espalha sobre uma época bastante
vasta. Seu início pode ser considerado contemporâneo ao Talmud, não se esquecendo,
entretanto, que o período redacional não reflete a época do material contido no Midrash. O
texto é sempre depositário de uma longa tradição oral que foi conservada por meio da vida
litúrgica ou do estudo. Mesmo os Midrashim mais tardios recolhem assim tradições e
ensinamentos que se originam no tempo do segundo Templo.
O ESPÍRITO DO MIDRASH
Uma das características do Midrash é sua audácia; o que não indica um espírito de
rebelião contra a Escritura, mas antes uma atitude de responsabilidade para com o povo ao
qual a Escritura foi dirigida.
Num primeiro momento da história bíblica, nos deparamos com o movimento profético
que se dirige ao povo em nome de Deus; o profeta é o ‘porta voz’ de Deus. O Midrash,
parcela da tradição oral, e que é levado em frente pelos Mestres de Israel, se caracteriza
pelo contato com Deus mediado pelo questionamento (indagação) de sua Palavra. O povo
não somente ouve a Palavra, mas a estuda; não é algo externo, mas interno; não a espera
passivamente, mas vai ao encontro dela (doresh).
O ato de se apropriar da Palavra por parte dos Mestres de Israel, que parece
expressar-se por meio do Midrash, nada mais é do que a manifestação da co-responsabilidade
do ser humano diante da revelação. Ele não se apodera da Palavra, pois o Midrash é a
demonstração de uma Palavra em processo contínuo de revelação. É uma afirmação que a
Palavra foi dada ao homem, e cabe a este conhecê-la.
Apresentamos um Midrash para ilustrar este aspecto: Os Mestres de Israel discutem
sobre a pureza de um forno:
‘R. Eliezer dizia que era puro. Os rabinos se opunham. R. Eliezer apresentou todo tipo
de prova, mas seus colegas as repudiaram. Disse R. Eliezer: - Se a Torah está de
acordo com minha opinião, que o alfarroba o demonstre. O arbusto se deslocou de
sessenta metros. Disseram seus colegas: Não aceitamos a prova do arbusto do
alfarroba. Eliezer rebateu: - Se a Torah está de acordo com minha opinião, que a
água da fonte o demonstre. A água então inverteu seu curso. Disseram os Mestres:
Não aceitamos a demonstração da água. Eliezer: - Se a Torah está de acordo com
minha opinião, que as paredes deste Beit Midrash o demonstrem. As paredes
começaram a inclinar-se. R. Yoshua apoiou-se contra as paredes e disse: — O que tem
vocês a ver com uma discussão entre Mestres? Então as paredes voltaram a seu lugar.
R. Eliezer insistiu: - Se a Torah está de acordo com minha opinião, que os céus se
22 Para um estudo completo deste tema cf.: STEMBERGER, G., Il Midrash, Edizioni Dehoniane, Bolonha 1992, pp. 11-67; veja-setambém STRACK, H.L. and STEMBERGER, G., Introduction to the Talmud..., pp.254-353.
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pronunciem. Saiu uma voz dos céus (Bat-Qol) e disse: Porque vocês não acatam a
palavra de R. Eliezer, que sempre tem razão quando interpreta a Torah? Levantou-se
então R. Yoshua e disse: Está escrito: “A Torah não está no céu” (Dt.30,12). O que
quer dizer: “não está no céu”? Respondeu R. Jeremias: ela nos foi dada no monte
Sinai, e por isto não aceitamos a voz celeste (Bat-Qol), pois está escrito: “a decisão
é de acordo com a maioria” (Ex.23,2). O que fez Deus naquele momento? Sorriu e
disse: Vocês me venceram, filhos, vocês me venceram, filhos!”.23
Além do aspecto da autoridade e da responsabilidade da comunidade
representada pela experiência do estudo e prática da Torah esse Midrash nos ensina um
outro aspecto ilustrado pelo seu final: “Vocês me venceram, filhos, vocês me venceram, filhos!”
O quer dizer essa maneira de exprimir que Deus se alegra que os seus filhos o tenham vencidos?
Os três elementos apresentados como prova de que Rabbi Eliezer tinha razão na discussão
simbolizam justamente a existência da Torah revelada aos homens filhos de Israel. No primeiro
exemplo a árvore é desenraizada para poder provar. Se tirar a Torah de sua realidade, se a
desenraizar de nada ela servirá, ela não será portadora de sua revelação, ela não será mais
testemunha de Deus… O segundo exemplo depende da inversão natural do curso d’água. Se
a água continuar a voltar, ela chegará até a sua fonte e a secará, pois ela não mais jorrará e
a fonte morre. Da mesma forma a Torah foi dada com uma finalidade, ela deve jorrar para
poder ser fonte de vida e não deve voltar à sua fonte, mas sempre emanar dela. E o terceiro
exemplo porta sobre os muros da casa de estudo. Se a casa de estudo fosse destruída para
dar exemplo da veracidade da interpretação de Rabbi Eliezer, não haveria mais no mundo a
Torah, pois sem estudo não há Torah no mundo e Deus teria falhado no seu projeto. Assim,
Deus sorri, pois seus filhos, se apoiando na sua Torah, puderam resistir às provas, e eles (os
filhos) vencendo Deus foi Deus quem se tornou o vitorioso dando sua Torah aos homens para
que ela seja estudada, compreendida e vivida pela comunidade.
ATUALIZAÇÃO - FORÇA DA TORAH E DEVER DA COMUNIDADE
O Midrash se desenvolve a partir da motivação de querer compreender em
profundidade a Palavra revelada. Vários modelos de sistemas podem ser aplicados para
defini-lo, mas, como já percebemos, sempre restará algo não explicado. Sua base é a vida
da comunidade, que muda incessantemente, enquanto o objeto é Deus que se revela. Nesse
tipo de relação, o espaço de descoberta é ilimitado; o homem vive dentro da Torah e o
Midrash é seu instrumento de trabalho. O tempo não é, evidentemente, ignorado.
Os Mestres de Israel conheciam a natureza cronológica da história, mas a revelação
era para eles um ato único, sem passado e sem presente por parte d’Aquele que se revela. É
sua compreensão, ao entrar na categoria do temporal, que a desdobra. De fato, é o homem
com sua realidade que fica circunscrito nos limites do tempo, e não Deus. Viver na Torah é
23 Baba Metzia, 59b.
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experimentar o infinito, o momento do eterno presente. Este é o caso dos Mestres de Israel:
o tempo não é relevante. ‘Não há anterior ou posterior na Torah’ (Pesahim 6b). Por isso é
que no Midrash os fatos e as datas são intercambiáveis e os personagens ultrapassam seu
tempo e são ultrapassados por si mesmos.
No diálogo seguinte, onde o temporal convive com o eterno, o próprio Deus participa:
‘Disse Rab Iehuda em nome de Rab: No momento em que Moisés subiu ao céu, encontrou
o Santo, bendito Ele, sentado e ornando as letras da Torah com coroas. Disse-lhe:
Senhor do Universo! Quem obriga tua mão (a fazer isto)? Respondeu-lhe: Virá um
homem, ao fim de muitas gerações, e seu nome será Akiba ben Josef; ele deduzirá de
cada mínimo sinal, por interpretação (liDeRoSH), montanhas e montanhas de
determinações práticas (halahôt). Disse-lhe Moisés: Senhor do Universo, faz-me ver
este homem. Disse-lhe então: Volta (desce ao mundo)! Moisés desceu e sentou-se na
oitava fila (de alunos na escola de R. Akiba), mas, não compreendendo o que estavam
dizendo, sentiu-se abatido. Eis que Akiba chegou a um ponto em que seus alunos lhe
perguntaram: Rabbi, de onde aprendeste isto? e ele respondeu: ‘É uma norma revelada
a Moisés no monte Sinai’ (halaha le-Mosheh mi-Sinai). Moisés então sentiu-se
reanimado, e retornou junto ao Santo, bendito Ele, e lhe disse: Senhor do Universo,
tens um homem como ele e dás a Torah por meio de mim? Respondeu-lhe: Cala. Este
é meu pensamento. (Moisés) disse ainda: Senhor do Universo, mostraste-me sua Torah
(seu ensinamento), mostra-me também a sua recompensa. Disse-lhe: Volta novamente.
E ele voltou e viu que (os romanos) estavam esquartejando sua carne (de Akiba)
como se faz na mesa do açougueiro. Então Moisés disse: Senhor do Universo: tal
Torah e tal recompensa? Ao que lhe respondeu: Cala, este é o meu pensamento” .24
Este midrash pode ser visto sob diversos aspectos, e nosso objetivo não é investigar
toda sua riqueza; não podemos, contudo, ignorar seu profundo ensinamento. O Midrash
descreve Deus e o Homem ocupando-se com a Torah. Isto demonstra como é livre o
espírito do Midrash e como suas fronteiras seguem as possibilidades infinitas da Palavra,
não se divorciando, no entanto, da realidade: suas conclusões não estão, de fato, fora da
realidade humana, mas em verdade, a tocam em sua existência concreta. ‘Tudo foi revelado
a Moisés’, até o que um futuro discípulo apresentará a seu Mestre já foi dito a Moisés no
monte Sinai”.25 O depositário, porém, não é Moisés. Depositário é o povo que foi o objeto
do dom, e as gerações que, na sucessão da história, vão dizendo, pela boca de Moisés, o
que Deus lhe revelou. O discípulo supera o Mestre, não porém por seus merecimentos. É
a força do novo, do ato presente da Palavra, que provoca esta superação na qual o discípulo
é somente um instrumento.
Com isso o Midrash ensina que o novo não destrói o antigo, mas o enriquece. Esta
dinâmica que caracterizou, em grande parte, o povo hebreu e que formou seu espírito, não se
encerra no passado. Foi a prática que precedeu e que engendrou os Mestres de Israel, e que
24 Menahot, 29b.25 J. Pea, 2, 6.
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continuou em sucessivas gerações. Por sua vez, esta é parte integrante da vida do povo em
nossos dias.
Nas Sinagogas, assim como nos Batei-Midrash, esta indagação e busca da Palavra
de Deus é intensa.
A tradição, ensinada com o coração, dá segurança ao presente; a realidade atual,
confrontada com a Palavra, produz o novo que orienta o povo em direção ao futuro.
ATIVIDADEAs atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Sala Virtual - Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio-
ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas,
utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.
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Aula 08
A INTERPRETAÇÃO DALEI NA ATUALIDADE
Ao nos perguntarmos pela interpretação atual da Torah é preciso ter em mente a
grande diversidade de interpretações que estimulam a nossa reflexão. Não é possível, aqui,
apresentar essa variedade de leituras da Torah. Por isso escolhemos uma “leitura feminista”
da lei do Antigo Testamento para servir de ilustração e ponto de partida para interpretações
pessoais da Torah.
O texto a seguir é de autoria de Nancy Fuchs-Kreimer e tem o título “Exegese
Feminista da Torah”1
Como as feministas pregam a Torah? Elise Goldstein pediu a cinqüenta-e-quatro
rabis femininas que comentassem sobre uma parshah diferente, a pequena seção que é lida
1 Condensado duma palestra proferida no Lutheran Theological Seminary, Philadelphia, Pennsylvania, EUA em 2002. Tradução dePedro von Werden, © 2007 International Council of Christians and Jews.
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na sinagoga. Descobri seis coisas que as rabis feministas fazem. Vou-lhes contar sobre essas,
depois de ter dito algo sobre o pregar judaico.
O pregar judaico sempre tentou manter-se bem perto do texto. O texto da Torah era
a nossa árvore básica da vida. A crença do Judaísmo é que cada palavra, cada sílaba, cada
espaço entre a palavra, cada lugar onde uma história chega mais perto à outra história, cada
coisa, tenham algo a ensinar. É justamente assunto de fazer as perguntas retas ao texto. A
única resposta que será inaceitável na exegese textual judaica é: “Oh, isso não importa! Era
simplesmente um erro.” A suposição é a de ter sentido. E o nome do jogo é descobrir o
significado. Desta maneira, a Torah crescia, mudando através dos séculos, e os pregadores
encontravam-na infinitamente adaptável aos seus tempos e necessidades.
Mas havia grande diferença entre o modo em que as pessoas pregavam a partir do
texto da Torah antes do período moderno de hoje, em todo o caso entre os judeus
progressivos. Os judeus ortodoxos ainda pregam no modo em que era pregado desde
sempre. Os judeus ortodoxos lêem a sua opinião de volta para dentro do texto, como se
seria isso o que o texto significava. O que fazemos nos círculos mais liberais, progressivos
da exegese judaica é distinguir entre o senso manifesto do texto e o nosso próprio midrash
dele, a nossa interpretação.
Como judeus vivemos numa cultura americana, na qual um monte de árvores estão
crescendo. E a gente pode-se afastar do texto. Os nossos ancestrais não tinham essa opção.
Os judeus durante muitos séculos não tinham escolha. Liam a Torah, porque esta era o único
texto disponível para eles. Mas não temos de ler as nossas vidas de volta nesse livro particular,
o qual muitos de nós entendem como sendo realmente um documento dum outro tempo e
lugar. Alguns de nós escolheram fazer isso. Naoumi Goldenberg, por exemplo, é cientista,
feminista, alguém nascida judaica. Diz: “Sabes o quê? A Bíblia é tão desesperadamente sexista,
é realmente irredimível para pessoas modernas, para feministas modernas.” Tais feministas
deixam a Bíblia para trás.
Muitas de nós fazem uma escolha diferente. Vemo-la como o nosso texto sagrado e
a nossa obrigação para lutar. E como Jacó, que luta com o anjo dizendo: “não ti vou deixar ir
até me abençoares”, dizemos a cada texto na Torah: “não ti vou deixar ir até me abençoares”.
É isso que as feministas dizem ao texto da Torah.
Uma rabi de nome Amy Elsberg chama o que fazemos de “Santa Hutspáh” [Santa
Insolência]. Sabemos que isso por vezes significa torturando o texto. Mas sabemos também
que isso é grande tradição para os rabis que fizeram isso durante séculos. Encontravam no
texto o que precisavam encontrar, e posso dar-vos muitos exemplos de como o midrash
tradicional no período rabínico justamente lera mal os textos na Torah. Vou dar um exemplo
específico. Na Torah, não há crença na vida após a morte. As pessoas morrem, indo ao
encontro de seus pais na terra, os seus corpos vão à terra. E os rabis no tempo de Jesus
criam fervorosamente na possibilidade da ressurreição do corpo. Esse conceito era inaudito
da Torah. Interpretavam mal as coisas que a Bíblia disse, assim que pudessem encontrar as
suas mais acalentadas crenças no texto.
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ESTRATÉGIAS DE LEITURA
Um quadro saudável de feministas está fazendo justamente isso, e o que vou fazer
agora é contar-vos o que fazem. A estratégia número um é: Nota a presença de mulheres no
texto! A estratégia segunda é: nota a ausência de mulheres no texto! Terceira estratégia é
criticar os textos duma perspectiva feminista, descobrindo reparo interno. “Reparar” é a
palavra que estou usando nas citações, porque a estou relatando à palavra hebraica, tiqún, a
qual significa reparar. Os judeus hoje falam sobre Tiqún ̀ Olám, o reparo do mundo quebrado.
Mas tiqún é realmente um fixar, um sarar, e o que as feministas encontram nos textos da
Torah pode ser algo profundamente sexista do nosso ponto de vista, mas que o texto tem
uma crítica interna sobre aquela mesma suposição. Por vezes pensamos que essa crítica está
na Torah, porque há o papel de Deus. E isso nos deleita. Quarta estratégia é criticar os
textos a partir duma perspectiva feminista, oferecendo explicitamente reparo externo. Podes
dar um sermão inteiro sobre o que simplesmente não é nada de bom da nossa perspectiva na
Torah. Quinta estratégia é pôr em foco um assunto de mulher num texto, algo que ninguém
jamais viu antes. E a sexta estratégia é enfatizar o que chamamos os valores da mulher. Quais
são os valores da mulher? Há tais valores? Há valores feministas?
Notemos a primeira estratégia - a presença das mulheres no texto. Quando
começamos ler a Torah, dizemos que ela é patriarcal. Vem dum tempo, quando as mulheres
eram o fundo do barril. E então somos surpreendidas, veja e olha o nosso deleite, um monte
de mulheres estão na Torah. Por vezes, não fazem tanto quanto gostaríamos. Nos círculos
feministas judaicos ouvimos todo o tempo sobre Míriam. Temos agora o tamborim de Míriam,
um objeto ritual judaico novo, porque Míriam segurou o tamborim quando cruzaram o Mar
Vermelho. Assim, os artistas fazem tamborins iluminados, e as pessoas os usam no culto.
Mas quando olhares na Torah, Míriam quase não está mencionada. Elevamo-la, para além de
onde está no texto.
Doutro lado, quando leres o Gênesis, há só poucas mulheres aí. E grande parte da
pregação feminista baseia-se no noticiar mulheres. Um exemplo: tome o relato duma mulher
não-judaica: Agar. Agar é uma pessoa fenomenalmente importante. E neste pequeno texto da
Rabi Michela Shekel, encontramos por quê: Agar dá nome a Deus. Abraão nunca o fez, nem
qualquer um o tinha feito. Através dos capítulos da Torah, Abrão necessita de sinais para
substancializar a sua aliança com Deus. Agar é um tanto mais suscetível, como confortável
com Deus. Que coragem! Agar chama Deus de “Êl Roí”, Deus que me vê. Isso é em resposta
a Deus chamando a sua criança de Ishmaêl, o que significa “Deus ouve”. Nomeando Deus,
Agar afirma que Deus vê também como ouve.
Assim, temos aqui a história de Ishmaêl, a quem entendemos na tradição sendo o pai
do povo árabe, o irmão de Isaac, que está sendo banido com a sua mãe, Agar. E esta
comentadora nota que Agar diz: Estou dando-Te um nome, Deus. Tu que me vês. E isso é a
única vez na Torah, até esse momento, que alguém ousara nomear Deus. E é a única vez na
Torah, totalmente, que mulher nomeie Deus.
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Estratégia número dois: Nota a ausência de mulheres no texto! O midrash tradicional
diz que um fogo preto não é sobre o fogo branco na Torah. E que tanta verdade está no fogo
branco como no fogo preto. O fogo preto são as letras e o fogo branco é o papel branco ao
redor delas, o pergaminho. Rabi Dayle Friedman nota uma história que não contém mulher
nenhuma. É uma das histórias que é dura para pregar, a história da morte dos filhos de Aarão.
O sacerdote chefe, Aarão, tinha dois filhos, Nadab e Abiú, e esses filhos trouxeram fogo
estranho a Deus. E Deus não gostou dele e assim os matou. A história está sendo usada para
mostrar que não devemos ter liturgia criativa. Não sabemos o que isso está fazendo na Torah.
Mas a próxima coisa que acontece é que Aarão está muito triste, obviamente, porque perdeu
ambos os filhos. Assim termina, sendo estranho porque não obtemos muito. Logo depois que
os filhos morreram, a próxima coisa que aconteceu no texto é que Deus dá as instruções
referentes ao oferecer de pecado para o Yôm Kipur. Rabi Friedman diz: Que linda
justaposição. Teus filhos morrem e a próxima coisa que Deus faz, antes de dar rahamans,
compaixão, Deus está-lhes contando: “e pecastes tanto que no Yôm Kipur tendes de fazer
isto, isso e aquilo”. Assim ela está dizendo: pode ser, se tivéssemos ouvido voz de mulher,
teríamos tido resposta diferente de Deus: ... pode ser, justamente pode ser, se mulheres
tivessem contado essa história no lugar de homens, a voz de Deus teria vindo para consolar
Aarão amando, antes de oferecer regras e instruções.
Como escutarmos ao silêncio da história, para as lamentosas vozes de mulheres,
poderemos transformar o nosso sentimento de perda, de doer e sarar, enquanto nada podia
apagar a perda de Nadab e Abiú. As vozes e os modos de mulheres poderiam ter oferecido
consolo aos seus amados sofrentes e talvez, por extensão, a desolados homens e mulheres
através dos tempos.
Friedman criou isso ex nihilo [do nada]. Estudou os rituais de lamentação femininos
do Oriente Médio, e sabia que ouve lamentadoras femininas. “Não só isso, mas no Oriente
Médio hoje, entre árabes e judeus, podes ver atualmente coisas que têm idade de 2000
anos. E vês o modo em que mulheres são conduzidas no seu lamento, nos seus funerais. Há
mulheres especiais na comunidade, conhecidas como lamentadoras. Lideram as outras mulheres
em profundas expressões visuais e audíveis de pesar.
Em seguida, criticar textos a partir de perspectiva feminista, descobrindo reparação
interna: Agora estamos chegando a ser mais sutis. Esse texto não é um que recobre pessoa
alguma. Rabi Rochelle Robins pregou sobre o Deuteronômio, a porção do texto em que o
país de Israel é descrito como manando leite e mel. Vossas traduções provavelmente dizem
fluindo, mas literalmente a palavra é manando, de onde vemos leite e mel. E olha e vê, o
nosso país é bem muito um corpo feminino.
Assim ela diz que uma tradição bíblica que personifica o país e as fronteiras como
mulheres a serem sexualmente desejadas, sendo para serem ocupadas, é um desafio para
sensitividades feministas. O Deuteronômio personifica o país como feminino, sendo o país
também entendido como feminino, criando um cenário nos desejos israelitas masculinizados.
Estudos no AT: Estudos nas Leis [B] - José Roberto Cristofani - UNIGRAN
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Eles, conseqüentemente, preparam-se a se moverem dentro, ocupando o país e corpo
feminino. A atitude ambivalente referente ao desejo está expressa na linguagem de
Deuteronômio 6,3, que insinua a dualidade do desejo e a pulsão inerente na síntese mental da
feminidade. Estamos entrando em matéria pesada aqui. Isso não é material de escola hebraico.
Rabi Robins argui que, porque o país que está manando com leite e mel no texto, assim
outros seres que estão manando com leite e mel são vistos nos mesmos modos em que o país
está visto. Essa equação de mulheres e país e a conseqüente objetivação de mulheres criam
uma situação pela qual vimos as mulheres como capazes de serem ou desejadas ou injuriadas.
A noção de que os israelitas nunca entram no país no fim do Deuteronômio, deixa-
nos com uma mensagem poderosa. Assim Robins a aproxima dizendo: olha onde a Torah
termina! O livro sagrado que lemos na sinagoga não é Yoshuáh [Josué]. Não lemos Yoshuáh
na sinagoga. É só em Yoshuáh, o livro seguinte, que entram no país e o conquistam. A Torah
atual termina no momento quando Moisés morre e olham de fora a esse não-conquistado,
não-ocupado. E então remontamos ao Gênesis. Terminamos a ultima palavra de que Moisés
morreu, sendo a próxima coisa que lemos: “no princípio Deus criou o céu e a terra”, lendo-
as próximas uma a outra, nunca conquistando o país na sinagoga.
Essa Rabi quer dizer, pode ser dentro do texto, que fazem a sua própria crítica
interna. Em algum nível podemos afirmar que o livro de Deuteronômio esteja sem vontade de
ter-nos entrando no país, nessas circunstâncias. Até o corpo estiver visto na sua integridade,
não estamos dispostos a entrar nele. A nossa entrada precisa ser uma parceria, uma reunião
gentil e mútua.
Laura Geller encontra texto que não tem qualquer reparo nele. O texto é sobre a
nidáh. Nidáh são as leis da menstruação. Conhecemos o texto, e não sei o que fazes com ele,
porque vives numa tradição que não observa essas leis. Os judeus ortodoxos aprendem aqui
as suas de por que têm de separar-se para os dias do círculo menstrual, e então a mulher tem
de ir para ser limpada na miqváh [piscina para banho ritual] e então voltar ao seu marido.
Assim, o que judeus liberais fazem com isso? O que judeus feministas fazem com isso? Uma
coisa que podemos fazer é justamente o descurar.
Para o cientista medieval Nachamides, é uma categoria mítica. Está toda sobre sujar,
contaminar, fonte de contágio. Maimônides, doutro lado, um bom sujeito sobre esse assunto
particular, diz que é justamente uma proibição legal, a qual originalmente era intenta para
refrear os receios mitológicos que penetravam na tradição da nossa gente das culturas pagãs
que a cercavam. Laura Geller disse: Porque não recompomos o ritual, mudamos a linguagem,
transformamos a comunidade? Vamos criar um ritual novo que vá celebrar a santidade presente
nas nossas vidas nesse momento importante de transição. Escrevamos uma bênção que diz:
“Agradeço-Lhe, Deus, por me ter feito mulher.” E quando vais à tua mãe dizendo: “Mãe
cheguei justamente a ter o meu primeiro período”, diremos: “vamos dizer a benção”! Essa
bênção não existe no Judaísmo tradicional. Dizem: “Agradeço-Lhe, Deus, para não me fazer
mulher.” Assim é tirar justamente a palavra “não”, transformando a bênção, transformando o
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ritual. Põe em foco um ponto de mulher: Rabi Eileen Schneider visa às leis da Kashrut. Um
monte da Torah são leis, e um monte do nosso pregar é história e ler novas histórias. Mas um
monte disso está encontrando sentido em leis. Assim, as leis da Kashrut são as leis de kósher,
quais alimentos poderás comer e o que não poderás comer. Na tradição ortodoxa, estudam
leis figurando como as observar, discutindo os detalhes e as particularidades delas. Mas na
nossa comunidade, aquelas leis não são vividas mais completamente, embora muitas vezes o
sejam numa versão mais modificada. Queremos também encontrar mais sentido nelas. Rabi
Schneider diz que está olhando para a questão de moças jovens e distúrbios alimentares. E
diz: “De que tratam os distúrbios alimentares? Tratam de estranhos assuntos de controle.” E
diz que Kashrut, as leis de kósher, são também sobre controle de alimento. Com distúrbios
alimentares, o controle é interno. Há um senso de que e que, se controlarmos o nosso comer,
seremos gente melhor. Com a Kashrut, o controle é externo. E em vez disso, não temos de
falar sobre o fim patológico do espetro, de gente que está com sérios distúrbios alimentares.
Poderíamos estar falando mais geralmente sobre a confusão da nossa cultura ao
redor de comer e alimento. Vamos, assim, olhar as leis da Kashrut. Com a Kashrut, temos
um controle externo. Estamos seguindo leis e tradições antigas que nos definem como povo.
Com os assuntos de comer, há um monte de pressão externa das perspectivas sociais. Com
a Kashrut, para judeus não tradicionais, há um aspeto voluntário. Uma decisão para dizer:
“Vou deixar que esse aspeto da minha vida seja ordenado por esse conjunto de regras que
estão fora de mim.” Rabi Schneider diz que observar kósher lembra-lhe todos os tempos de
que é judaica. Que pode elevar ao ato de comer. Que pode escolher as espécies de controles
que quer pôr em si mesma. E, paradoxalmente, movemo-nos de todo o estigma que mensagens
constantes da mídia puseram na necessidade simplesmente biológica. Como mulheres,
podemos sentir que estamos controlando a nossa Kashrut com alimento, não o alimento
controlando a nós.
E finalmente, número seis: ‘acentuar os valores femininos’. Há um monte de discussão
sobre que são os valores das mulheres e se há valores das mulheres, onde encontrá-los no
texto. Com valores de mulheres não queremos dizer que as mulheres nasceram com um gene
para esses valores. Mas antes que a experiência das mulheres tendia fazer com que mulheres,
através da sua experiência da sua vida, tenderiam mais nessa direção. E aqui há um caso
clássico de Carol Gilligan, de que as mulheres não só definem-se num contexto de
relacionamento humano, mas também consideram-se em termos da sua capacidade de cuidar.
O relacionamento humano é cuidar. O lugar da mulher no ciclo da vida humana é de nutridora,
guarda, ajudante, a tecelã daquelas redes de relacionamentos, nas quais, por sua vez, ela se
enfia. Mas enquanto as mulheres tomavam assim cuidado dos homens, os homens tendiam a
desvalorizar o cuidar.
Agora um midrash judaico tradicional, com que alguns de vós podem estar familiares.
Há a história de Abraão levar Isaac ao cume do monte. A próxima história diz que Sarah
morreu. Assim os rabis, isto é um antigo midrash judaico, perguntam; “o quê é a conexão?
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Quando morreu?” O midrash vem com uma resposta. Dizem: Satã foi à Sarah aparecendo-
lhe à guisa de Isaac. É isso quando Abraão está levando Isaac ao cume do monte. Quando
Sarah o viu, disse-lhe: “meu filho, o quê o teu pai te fez?” E ele respondeu a ela: “O meu pai
me levou monte acima e vale abaixo, para cima ao cume dum certo monte. Construiu um
altar, arranjou a lenha, amarrou-me em cima desta, tomou a faca para me abater, e se Deus
não teria dito: ‘Não estende a tua mão!’ eu teria sido logo abatido.” E ele não terminou a
história antes de que ela morreu.
Assim a tradição entende que Sarah morreu por causa de choque e mágoa, não
porque o seu filho morreu, mas sim porque o seu marido estivera disposto a matar ele, se
necessário.
Assim, por que essa parasháh chamada de “vida de Sarah”? Rona Shapira nota que
depois da morte de Sarah, Abraão chega a ser mais de um sujeito real. Pode ser que finalmente
está chegando a ser, pode ser que finalmente leu Carol Gilligan depois de todos esses anos.
E assim Abraão, diz, agora não está indo ao cume do monte amarrando o seu filho para
sacrifícios. Compra um pedaço de terra, tenta a conseguir o seu filho contratado para ser
casado, desposa outra vez ele mesmo, tem mais crianças e morre. Assim é isso um Abraão
novo, um Abraão diferente daquele que conhecemos, que era olhando para santidade no
cume do monte.
Essas são umas poucas provas de alguns dos seis modos diferentes em que o
comentário e a pregação feministas estão procedendo.
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