Eterno Nelso nGonçalves

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32 Segunda-feira, 25 de maio de 2009 CULTURA Jornal de Brasília CONTINUAÇÃO DA CAPA Biografia controversa O jovem Nelson Gonçalves, antes do vício em cocaína. Ao lado, "Seu Nelson" com o pupilo Lobão: "Para gostar do Nelson tem que se entender o Nelson. Eu mesmo, só vim a conhecer seu repertório quando fiquei amigo dele" Cristiano Bastos [email protected] N os anos 80, Lobão foi o "jovem artista" que conviveu mais próximo a Nelson Gonçalves. Dele, o Metralha gravou a sob me- dida A Deusa do Amor e a lupina Me Chama. Lobão nunca vai esquecer o dia em que conheceu o baluarte: "Todo deferente fui me apresentar": ’Como vai, Seu Nelson?’ O velho malandro emendou: Seu Nelson é o c...! Sou você anteontem’", não pou- pou – alusão óbvia à queda que ambos um dia tiveram pela cocaína. Divertida foi a circunstância na qual o diálogo "se travou". A finada revista Manchete os uniu num típico fait-divers sobre "artistas que tinham cheirado pó". Lobão saíra da prisão. Tornaram-se chapas. Ainda hoje, se delicia com o lema do seu "amigão": "Onde houver botequim, p u t e i ro e vio- lão haverá Nelson Gonçalves cantando uma canção", declama em conversa ao telefone com o Jornal de Brasília , emulando o vozeirão de Nelson. Enquanto falamos de Nelson (te- ma de seus prediletos), ele aproveita para narrar um caso, segundo ele, contado pelo próprio boêmio – o episódio no qual, em seus seus "tem- pos de ventura", Nelson teria se- questrado um colombiano por dois meses e, sob a mira de um revólver, obrigado o homem a produzir dois quilos de cocaína pura. "Ele ficou dois anos sem sair de casa, chei- rando. Isso no tempo em que a cocaína ainda não era ’escândalo’. Hoje é um tabu muito maior." Segundo Lobão, Nelson, que até o final gravou na RCA Victor, man- tinha a voz muito boa até pouco antes de morrer. Outra memória é ter regravado com ele Normalista, em- bora desconheça o paradeiro do re- gistro fonográfico. "Para gostar do Nelson tem que se entender o Nel- son. E, para se entender o Nelson, tem que se conhecer o Nelson. Eu mesmo, só vim a conhecer seu re- pertório quando fiquei amigo dele." Atualmente, na opinião de Lo- bão, a dificuldade maior é o tipo de música que Nelson fazia: ficou re- servada a uma época, a uma maneira de cantar, assim como as termino- logias utilizadas nas canções. "Nelson era parte de uma geração que foi atropelada pelo cool jazz e pela bossa nova. Desde então, o gênero de can- tor sanguíneo não voltou à voga. Acabou a figura do cantor masculino no Brasil. O resto é mulher." Nelson Gonçalves deveria ter si- do o "milionário da canção no Brasil", como Elvis e Sinatra: "Na RCA, ele escarrava no tapete, talagões enor- mes, depois dizia: ’Posso cuspir nesta p... à vontade. Fui eu mesmo que paguei por isto’". O roqueiro retrata uma história que ilustra bem a per- sonalidade de Nelson: "Dia desses fui a São Paulo e, coincidentemente, peguei o mesmo chofer que conhecia Nelson Gon- çalves. Ele me contou que, certa vez, já de saco cheio, a caminho de um show, o Metralha perguntou: ’Eu quero saber a quantos quilômetros fica o local do show’. O motorista respondeu: ’Fica a 200 km, Seu Nel- son’. E ele: ’Você jura que é 200 km mesmo?’. O motóra: ’Sim, claro’." Seguiram viagem batendo papo. No meio da estrada, entre vales e montanhas, de repente ele metra- lhou: "Pára, pára, pára!". No meio do nada, abismado o cara só consegiu falar: "Mas porque, Seu Nelson?!". Ele respondeu: "Eu estava contando o velocímetro. Aqui são 200 qui- lômetros. É aqui que vou cantar. Não vou mais a lugar nenhum". Abriu a porta e começou: "Boêmia...". Nelson, Brasília e a suposta filha Lilian Gonçalves, empresária que toca, em São Paulo, o Bar do Nelson (em homenagem ao boêmio), nasceu de família pobre num pequeno mu- nicípio de Minas Gerais. Ainda crian- ça, na década de 50, partiu com a família para viver na promissora Bra- sília. A capital do País, nesse tempo, estava em construção. Sua mãe, po- rém, logo arrumou um emprego, como cozinheira do presidente Jus- celino Kubitschek, no Catetinho. Sua habilidade logrou reconhecimento de vários políticos, em particular, de JK. Lilian passou sua infância trabalhan- do. Aos 16 anos, foi eleita Miss Bra- sília. Indignados, porém, seus pa- rentes a denunciaram como menor de idade; e ela não recebeu a láurea. Este episódio da vida da em- presária, foi retratado na obra A Vida Brilhando em Neon, que, por sua vez, foi parar na minissérie JK, de Maria Adelaide Amaral, exibida pela Glo- bo em 2006. No mesmo ano, Lilian deixou vir a público um segredo que guardava desde a puberdade. Num moribundo bilhete, escrito pela mãe, pouco antes de morrer, a revelação: Lilian, na verdade, era filha de Nel- son Gonçalves. Ela, porém, resolveu tocar nesse assunto apenas num de seus últimos shows, no restaurante Scandall, um dos badalados esta- belecimentos de Lilian – que au- to-intitula-se Rainha da Noite. Supostos pai e filha acreditaram na versão de Maria Gonçalves Lima, a mãe de Lilian. Todavia, como foi guardar para si mesma o segredo da paternidade? "Toda minha vida, aprendi a conviver sem a presença de um pai. Além disso, queria me so- bressair, comercialmente, por mérito meu. A reação dele, quando contei, foi simples: disse-me que já sabia. Só não sabia que se travatava de mim: ’Bem, então, com você são nove’." CAUSOS DO NELSON "Nelson Gonçalves deu um show e recebeu o cachê em dinheiro. No carro, a caminho do hotel, pediu para o motorista acender a luz. Começou a contar. O chofer observava. Quando Nelson parou, o cara falou: ’Pôxa, seu Nelson, o senhor ganhou isso tudo para cantar uma hora. Eu trabalho 12 por dia, levo 30 segundos para contar a miséria que ganho’. O Metralha mandou o carro parar, desceu e chamou o motorista. Desafiou: ’Cante A Volta do Boêmio agora, que te dou o meu cachê inteiro’. O homem petrificou. Nelson: ’Canta p...!’. O sujeito, então, disse timidamente: ’Eu não sei cantar’. Só que ele não deixou barato: ’Não tenha inveja de mim, nem fique olho no quanto ganho. Trabalho 20 horas por dia para fazer esse show de uma hora. Eu sei dirigir carros. Se der um treco em ti, eu o levo para o hospital. Porém, se der um treco em mim, tu não canta. É ou não é?" (Contado pelo crooner Paulo Rodrigues) "Caetano Veloso, em 1975, era criancinha quando, do AM de sua casa, ouviu irradiar Maria Bethânia, de autoria do recifense Capiba. Ficou tocado com a interpretação de Nelson; achou tão bonito nome e melodia da canção, que sugeriu à mãe o pusesse na irmã. É, também, a música que Nelson cantou para Frank Sinatra para mostrar-lhe seu famoso ’ré gravíssimo’, o qual o old blue eyes tanto esperara ouvir. Sinatra não satisfizera-se. No Morro da Urca, onde ensaiava, Nelson interrompeu o trabalho e sacou Maria Bethânia grave do início ao fim. O The Voice ficou deleitado" (Contado pelo jornalista e produtor José Messias) FOTOS: DIVULGAÇÃO Lilian Gonçalves com seu "pai" O cantor compatilha sabedoria com Milton Nascimento e Chico Maysa e Nelson Gonçalves: duas vidas polêmicas Leia mais no

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DVD resgata um dos maiores cantores do País às vésperas dos 90 anos de seu nascimento. Jornal de Brasília.

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32 Segunda-feira, 25 de maio de 2009C U LT U R A Jornal de Brasília

CONTINUAÇÃO DA CAPA

Biografia controversa

O jovem Nelson Gonçalves,antes do vício em cocaína. Aolado, "Seu Nelson" com opupilo Lobão: "Para gostar doNelson tem que se entender oNelson. Eu mesmo, só vim aconhecer seu repertórioquando fiquei amigo dele"

� Cristiano Bastoscristiano.bastos @jornaldebrasilia.com.br

N os anos 80, Lobão foi o "jovemartista" que conviveu maispróximo a Nelson Gonçalves.

Dele, o Metralha gravou a sob me-dida A Deusa do Amor e a lupina MeChama. Lobão nunca vai esquecer odia em que conheceu o baluarte:"Todo deferente fui me apresentar":’Como vai, Seu Nelson?’ O velhomalandro emendou: Seu Nelson é oc...! Sou você anteontem’", não pou-pou – alusão óbvia à queda queambos um dia tiveram pela cocaína.

Divertida foi a circunstância naqual o diálogo "se travou". A finadarevista Manchete os uniu num típicofait-divers sobre "artistas que tinhamcheirado pó". Lobão saíra da prisão.Tornaram-se chapas. Ainda hoje, sedelicia com o lema do seu "amigão":"Onde houver botequim, p u t e i ro e vio-lão haverá Nelson Gonçalves cantandouma canção", declama em conversa aotelefone com o Jornal de Brasília,emulando o vozeirão de Nelson.

Enquanto falamos de Nelson (te-ma de seus prediletos), ele aproveitapara narrar um caso, segundo ele,contado pelo próprio boêmio – oepisódio no qual, em seus seus "tem-pos de ventura", Nelson teria se-questrado um colombiano por doismeses e, sob a mira de um revólver,obrigado o homem a produzir doisquilos de cocaína pura. "Ele ficoudois anos sem sair de casa, chei-rando. Isso no tempo em que acocaína ainda não era ’escândalo’.Hoje é um tabu muito maior."

Segundo Lobão, Nelson, que atéo final gravou na RCA Victor, man-tinha a voz muito boa até poucoantes de morrer. Outra memória é terregravado com ele Normalista, em-bora desconheça o paradeiro do re-gistro fonográfico. "Para gostar do

Nelson tem que se entender o Nel-son. E, para se entender o Nelson,tem que se conhecer o Nelson. Eumesmo, só vim a conhecer seu re-pertório quando fiquei amigo dele."

Atualmente, na opinião de Lo-bão, a dificuldade maior é o tipo demúsica que Nelson fazia: ficou re-servada a uma época, a uma maneirade cantar, assim como as termino-logias utilizadas nas canções. "Nelsonera parte de uma geração que foiatropelada pelo cool jazz e pela bossanova. Desde então, o gênero de can-tor sanguíneo não voltou à voga.Acabou a figura do cantor masculinono Brasil. O resto é mulher."

Nelson Gonçalves deveria ter si-do o "milionário da canção no Brasil",como Elvis e Sinatra: "Na RCA, eleescarrava no tapete, talagões enor-mes, depois dizia: ’Posso cuspir nestap... à vontade. Fui eu mesmo quepaguei por isto’". O roqueiro retratauma história que ilustra bem a per-sonalidade de Nelson:

"Dia desses fui a São Paulo e,coincidentemente, peguei o mesmochofer que conhecia Nelson Gon-çalves. Ele me contou que, certa vez,já de saco cheio, a caminho de umshow, o Metralha perguntou: ’Euquero saber a quantos quilômetrosfica o local do show’. O motoristarespondeu: ’Fica a 200 km, Seu Nel-son’. E ele: ’Você jura que é 200 kmmesmo?’. O motóra: ’Sim, claro’."

Seguiram viagem batendo papo.No meio da estrada, entre vales emontanhas, de repente ele metra-lhou: "Pára, pára, pára!". No meio donada, abismado o cara só consegiufalar: "Mas porque, Seu Nelson?!".Ele respondeu: "Eu estava contandoo velocímetro. Aqui são 200 qui-lômetros. É aqui que vou cantar. Nãovou mais a lugar nenhum". Abriu aporta e começou: "Boêmia...".

Nelson, Brasília e a suposta filhaLilian Gonçalves, empresária que

toca, em São Paulo, o Bar do Nelson(em homenagem ao boêmio), nasceude família pobre num pequeno mu-nicípio de Minas Gerais. Ainda crian-ça, na década de 50, partiu com afamília para viver na promissora Bra-sília. A capital do País, nesse tempo,estava em construção. Sua mãe, po-rém, logo arrumou um emprego,como cozinheira do presidente Jus-celino Kubitschek, no Catetinho. Suahabilidade logrou reconhecimento devários políticos, em particular, de JK.Lilian passou sua infância trabalhan-do. Aos 16 anos, foi eleita Miss Bra-

sília. Indignados, porém, seus pa-rentes a denunciaram como menorde idade; e ela não recebeu a láurea.

Este episódio da vida da em-presária, foi retratado na obra A VidaBrilhando em Neon, que, por sua vez,foi parar na minissérie JK, de MariaAdelaide Amaral, exibida pela Glo-bo em 2006. No mesmo ano, Liliandeixou vir a público um segredo queguardava desde a puberdade. Nummoribundo bilhete, escrito pela mãe,pouco antes de morrer, a revelação:Lilian, na verdade, era filha de Nel-son Gonçalves. Ela, porém, resolveutocar nesse assunto apenas num de

seus últimos shows, no restauranteScandall, um dos badalados esta-belecimentos de Lilian – que au-to-intitula-se Rainha da Noite.

Supostos pai e filha acreditaramna versão de Maria Gonçalves Lima,a mãe de Lilian. Todavia, como foiguardar para si mesma o segredo dapaternidade? "Toda minha vida,aprendi a conviver sem a presença deum pai. Além disso, queria me so-bressair, comercialmente, por méritomeu. A reação dele, quando contei,foi simples: disse-me que já sabia. Sónão sabia que se travatava de mim:’Bem, então, com você são nove’."

CAUSOS DO NELSON

"Nelson Gonçalves deuum show e recebeu ocachê em dinheiro. Nocarro, a caminho dohotel, pediu para omotorista acender aluz. Começou a contar.O chofer observava.Quando Nelson parou, ocara falou: ’Pôxa, seuNelson, o senhorganhou isso tudo paracantar uma hora. Eutrabalho 12 por dia,levo 30 segundos paracontar a miséria queganho’. O Metralhamandou o carro parar,desceu e chamou omotorista. Desafiou:’Cante A Volta doB oêmio agora, que tedou o meu cachêinteiro’. O homempetrificou. Nelson:’Canta p...!’. O sujeito,então, dissetimidamente: ’Eu nãosei cantar’. Só que elenão deixou barato: ’Nãotenha inveja de mim,nem fique olho noquanto ganho. Trabalho20 horas por dia parafazer esse show deuma hora. Eu sei dirigircarros. Se der umtreco em ti, eu o levopara o hospital. Porém,se der um treco emmim, tu não canta. Éou não é?" (Contadopelo crooner PauloRo d r i g u e s )

"Caetano Veloso, em 1975,era criancinha quando, doAM de sua casa, ouviuirradiar Maria Bethânia,de autoria do recifenseCapiba. Ficou tocado coma interpretação de Nelson;achou tão bonito nome emelodia da canção, quesugeriu à mãe o pusessena irmã. É, também, amúsica que Nelson cantoupara Frank Sinatra paramostrar-lhe seu famoso’ré gravíssimo’, o qual oold blue eyes t a n toesperara ouvir. Sinatranão satisfizera-se. NoMorro da Urca, ondeensaiava, Nelsoninterrompeu otrabalho e sacou MariaB ethânia grave do inícioao fim. O The Voice ficoudeleitado" (Contado pelojornalista e produtorJosé Messias)

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Lilian Gonçalves com seu "pai"

O cantor compatilha sabedoria com Milton Nascimento e Chico

Maysa e Nelson Gonçalves: duas vidas polêmicas

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