Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS
Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso
de professores de Espanhol Língua Estrangeira
Leandro da Silva Gomes Cristóvão
RIO DE JANEIRO
2010
Leandro da Silva Gomes Cristóvão
Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso
de professores de Espanhol Língua Estrangeira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola)
Orientadora: Profa. Dra. Ma. Mercedes Riveiro Quintans Sebold
RIO DE JANEIRO
2010
CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes.
Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores
de Espanhol Língua Estrangeira / Leandro da Silva Gomes Cristóvão – Rio de Janeiro: UFRJ
/ Faculdade de Letras, 2010.
xi, 96 f.: il.; 29,7 cm
Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2010.
1. Espanhol. 2. Análise do Discurso 3. Estudos Linguísticos Neolatinos – I. Sebold,
Maria Mercedes Riveiro Quintans. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras, Letras Neolatinas. III. Título.
Leandro da Silva Gomes Cristóvão
Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso
de professores de Espanhol Língua Estrangeira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola)
Aprovado em:
____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold – Orientadora
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
____________________________________________________________
Profa. Dra. Tânia Reis Cunha
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
____________________________________________________________
Profa. Dra. Vera Lúcia de Albuquerque Sant’Anna
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
____________________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina – Suplente
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria del Carmen Fátima González Daher – Suplente
Universidade Federal Fluminense – UFF
Para todos os que foram, são e serão meus professores.
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Paulo Freire
AGRADECIMENTOS
À força divina que habita dentro de mim, pela oportunidade da vida. À Mercedes Sebold, pela possibilidade da convivência intelectual e pessoal. Foi um privilégio trilhar essa estrada em sua companhia. À Vera Sant’Anna, pelo batizado na vida da pesquisa. Ter seu nome, mais uma vez, registrado em minha história é uma alegria sem tamanho. À Tania Cunha, pelo agradável e breve encontro. Os quatro meses de convivência foram suficientes para querer tê-la aqui comigo. Aos meus queridos ausentes-presentes, Maria das Graças Cristóvão, Alípio Cristóvão e Antonia Cristóvão, pelo apoio invisível. Ao meu pai, Artur Cristóvão, e à minha tia, Maria Helena Cristóvão, pelo constante carinho, crédito e admiração. A essas duas pessoas, TUDO é a palavra; sem elas NADA teria acontecido. À Maria da Penha de Oliveira, minha “boadrasta”, pela alegria e apoio constantes. Aos meus irmãos, Rodrigo Cristóvão, Diogo Cristóvão e Juliana Cristóvão, pela companhia na vida. Ao André Bern, pela difícil tarefa de conviver diariamente comigo e por me mostrar, sempre, que “é impossível ser feliz sozinho”. Aos amigos Simone de Oliveira e Antonio Ferreira, pelo privilégio de poder chamá-los de melhores amigos. Às amigas Silvana Bezerra, Suzana Barroso e Ana Shirley Izidoro, por, na reta final, acompanharem esse trabalho mais de perto. Aos professores que participaram da confecção do corpus, pela disponibilidade. À Priscila Santos, que se dispôs a transcrever os dados da pesquisa em tempo exíguo. A todos os meus alunos, de todas as instituições em que trabalhei, por me ensinarem.
¡Muchísimas Gracias!
RESUMO
CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes Cristóvão. Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores de Espanhol Língua Estrangeira. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Esta dissertação visa a enfocar práticas identitárias de professores de espanhol língua estrangeira (ELE) a partir de uma abordagem discursiva, instrumentalizada pela noção de ethos discursivo (Maingueneau, 1997, 2005, 2008). É proposta uma perspectiva de análise que intersecta conceitos da Análise do Discurso de linha francesa (AD) e dos Estudos Culturais, o que dá ao trabalho um caráter interdisciplinar. Parte-se da ideia da fragmentação e da fluidez das identidades sociais na contemporaneidade (Bauman, 2001, 2005; Hall, 2006), assim como de uma visão de discurso e de sujeito como ideologicamente marcados, para se propor a análise das práticas identitárias de três professores de ELE da cidade do Rio de Janeiro, participantes de um grupo de discussão. Levantando-se a hipótese de que as identidades docentes em questão respondem à fragmentação e fluidez dos tempos contemporâneos, busca-se identificar as estratégias discursivas utilizadas pelos sujeitos da pesquisa a fim de sustentarem um tal ethos, uma imagem de si construída pelo dizer. As análises apontam para (1) um constante trabalho discursivo dos professores no sentido de fixação de um ethos e (2) uma inevitável flexibilização dessa imagem discursiva, dada a fragilidade de toda e qualquer identidade. Palavras-chave: Discurso e Identidade. Ethos discursivo e Práticas Identitárias. Ensino de ELE.
RESUMEN
CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes Cristóvão. Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores de Espanhol Língua Estrangeira. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
Este trabajo de investigación tiene el objetivo de enfocar prácticas de identidad de profesores de español lengua extranjera (ELE) desde un enfoque discursivo, instrumentalizado por la noción de ethos discursivo (Maingueneau, 1997, 2005, 2008). Se propone una perspectiva de análisis que intersecta conceptos del Análisis del Discurso francés (AD) y de los Estudios Culturales, lo que le atribuye a la investigación un carácter interdisciplinario. A partir de la idea de fragmentación y de fluidez de las identidades sociales en la contemporaneidad (Bauman, 2001, 2005; Hall, 2006), y también de una visión de discurso y de sujeto como ideologicamente marcados, se propone el análisis de las prácticas identitarias de tres profesores de ELE de la ciudad de Río de Janeiro, participantes en un grupo de discusión. El trabajo mueve la hipótesis de que las identidades docentes en cuestión responden a la fragmentación y fluidez de los tiempos contemporáneos y propone identificar las estrategias discursivas que utilizan los sujetos de la investigación con el fin de sostener un dicho ethos, una imagen de sí que se construye por el decir. Los análisis indican (1) un constante trabajo discursivo de los profesores en el sentido de la fijación de un ethos y (2) una inevitable flexibilización de esa imagen discursiva, puesta la fragilidad de toda y cualquier identidad. Palabras clave: Discurso e Identidad. Ethos discursivo y Prácticas de Identidad. Enseñanza de ELE.
ABSTRACT
CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes Cristóvão. Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores de Espanhol Língua Estrangeira. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. This dissertation aims to focus on identity practices of teachers of Spanish as a Foreign Language by means of a discourse approach which makes use of the notion of discourse ethos (Maingueneau, 1997, 2005, 2008) as an analytical tool. It proposes an analytical perspective which combines concepts from French Discourse Analysis as well as Cultural Studies, thus reflecting an interdisciplinary character. Based on the idea of the fragmentation and fluidity of the social identities in the contemporaneity (Bauman, 2001, 2005; Hall, 2006), in addition to a view of discourse and subject as being ideologically marked, this study sets forth an analysis of the identity practices of three teachers of Spanish as a Foreign Language in the city of Rio de Janeiro, which took part in a discussion group. By considering the hypothesis that the teaching identities in question respond to the fragmentation and fluidity of the contemporary times, it seeks to identify the discourse strategies which are used by the subjects of the research so as to sustain a certain ethos, in other words, a self-image created by speech. The analyses lead to (1) a constant discourse work by the teachers towards the establishment of an ethos and (2) an inevitable flexibilization of such a discourse image due to the fragility of each and every identity.
Keywords: Discourse and Identity. Discourse Ethos and Identity Practices. Teaching of Spanish as a Foreign Language.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12
1- CONCEITOS E NOÇÕES ....................................................................................... 16
1.1- A ANÁLISE DO DISCURSO ....................................................................... 16
1.2- A NOÇÃO DE ETHOS DISCURSIVO ....................................................... 20
1.3- IDENTIDADES E PRÁTICAS: AS PRÁTICAS IDENTITÁRIAS ......... 24
1.4- ETHOS E PRÁTICAS IDENTITÁRIAS .................................................... 27
2- MEMÓRIAS DO ENSINO DE ESPANHOL NO BRASIL .................................. 29
2.1- O ENSINO DE ELE NO BRASIL ................................................................... 29
2.2- OS DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA AO ENSINO DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS NO BRASIL E O ENSINO DE ELE ....................................... 33
2.2.1- Os Parâmetros Curriculares Nacionais ............................................ 33
3.2.2- As Orientações Nacionais para o Ensino Médio ............................... 37
3- ASPECTOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 42
3.1- A CONSTITUIÇÃO DO CORPUS .................................................................. 42
3.2- RECORTE DO CORPUS E PARÂMETROS DE ANÁLISE ....................... 48
4- ANÁLISE ................................................................................................................... 51
4.1- DOCENTE A: A PROFESSORA CÉTICA? .................................................. 51
4.2- DOCENTE B: O PROFESSOR-PADRÃO? ................................................... 58
4.3- DOCENTE C: A PROFESSORA OTIMISTA? ............................................. 65
4.4- E A FORMAÇÃO? ............................................................................................ 69
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 75
ANEXOS .................................................................................................................... 81
Anexo 1: Roteiro para entrevista-piloto .................................................................. 81
Anexo 2: Convenções para transcrição de dados ................................................... 84
Anexo 3: Transcrição das apresentações feitas pelos informantes ....................... 85
Anexo 4: Transcrição dos temas do grupo de discussão usados na análise ......... 87
INTRODUÇÃO
Gostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar, talvez durante anos. Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível. Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, sem ser percebido, em seus interstícios, como se ela me houvesse dado um sinal, matando-se, por um instante, suspensa. Não haveria, portanto, começo; e em vez de ser aquele de quem parte o discurso, eu seria, antes, ao acaso de seu desenrolar, uma estreita lacuna, o ponto de seu desaparecimento possível. (Foucault, 2009: 5)
Este texto de Foucault inicia a obra A ordem do discurso, sua aula inaugural
proferida em 1970, no Collège de France. O autor começou do começo. Seguindo sua trilha,
também começarei do começo; passarei pelo meio, e chegarei ao final. O caminho não é tão
longo (aproximadamente 100 páginas), mas está cheio de curvas sinuosas e de pequenos
atalhos. Cuide-se para não se perder. Boa viagem!
Meu ingresso no programa de Letras Neolatinas se deu em março de 2008, após
apresentar um pré-projeto de pesquisa que propunha uma continuação da pesquisa Formação
do professor e leitura em língua espanhola: qual o lugar da atividade extensionista?
realizada entre os anos de 2005 e 20061. A proposta era a de, a partir de novos dados, ampliar
a análise realizada anteriormente sobre a relação entre as atividades extensionistas
desenvolvidas pela UFRJ e a formação de professores de espanhol língua estrangeira
(doravante, ELE). Já naquele momento, ainda que de forma não tão consciente, buscava
entender o sujeito professor de ELE.
Com o passar do tempo, a conclusão de algumas disciplinas, a realização de
determinadas leituras e as constantes reuniões de orientação fizeram-me mudar a proposta de
trabalho a ser desenvolvida. Foram fundamentais, nesse sentido, as leituras do sociólogo
polonês Zygmunt Bauman. Não saía de minhas ideias a metáfora criada pelo autor para
simbolizar as relações sociais na chamada pós-modernidade. Com uma série de livros em
cujos títulos o adjetivo “líquido” estava presente, Bauman (2001: 9) entende que “fluidez e
liquidez são metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase, nova
de muitas maneiras, na história da modernidade”. Desse modo, líquidos são os tempos, os
1 Trata-se de minha monografia de especialização, defendida na UERJ, em 2006. O trabalho foi realizado em parceria com Viviane Pereira da Silva, sob orientação da Profa. Dra. Vera Lúcia de Albuquerque Sant’Anna.
amores, as vidas e também as identidades. Pronto, havia encontrado a temática que gostaria de
estudar, a das identidades líquidas.
Se por um lado encontrava-me bastante motivado a empreender uma pesquisa que
levasse em conta essa questão, por outro não conseguia relacioná-la aos estudos linguísticos e
às reflexões sobre o ensino de ELE. Assim, acabei abandonando o adjetivo “líquido” e
ficando com o substantivo “identidade”. Conheci uma gama de textos e estudos que tratavam
das questões da identidade relacionadas com a aprendizagem de línguas estrangeiras, muitos
dos quais reunidos em Coracini (2003) e Signorini (2006). Trilhando esse caminho, preparei
um projeto para o desenvolvimento da pesquisa, cursei a disciplina Língua Estrangeira e
Subjetividade, oferecida pela orientadora Profa. Dra. Mercedes Sebold, e cheguei a gravar
um piloto de corpus para efetivar as análises.
A ideia centrava-se na dinâmica identidade/alteridade relacionada às performances
identitárias de professores de espanhol como língua estrangeira. Isso se devia a alguns
incômodos que sempre estiveram presentes no exercício de minha função. Que autoridade
tenho eu, um cidadão brasileiro, no que se refere à língua e às construções culturais dos países
hispânicos? Que identidades construo diante de meus alunos? Ter como função ensinar uma
língua estrangeira e apresentar expressões culturais outras traz alguma consequência para a
relação que mantenho com a minha língua e com a cultura de meu país? De que maneira,
pensando em todas estas questões, os alunos me observam? Ou seja, que identidade(s)
performatizo diante de meus alunos?2
O início da leitura do corpus coincidiu com a minha participação na disciplina
Práticas Discursivas Mono e Multiculturais na Mídia, oferecida pela Profa. Dra. Branca
Falabella, do Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada. Nela, tive a oportunidade de
discutir as questões identitárias da forma como me interessavam no primeiro momento.
Constavam da bibliografia do curso, inclusive, alguns textos de Bauman.
Conforme apresentado no capítulo de metodologia (cf. cap. 3), no momento da leitura
do corpus-piloto mais uma vez o trabalho ganhou novos rumos. Ao invés da relação
identidade – língua estrangeira, o trabalho seguiu pela dicotomia discurso – identidade,
configurando-se como uma pesquisa que trataria de práticas identitárias de professores de
ELE.
Nesse sentido, para esta dissertação, minhas indagações giram em torno da relação
discurso – identidade docente. Proponho um estudo de caráter interdisciplinar, ao qual
2 Estas perguntas não serão respondidas por este trabalho.
contribuem conhecimentos da área dos estudos do discurso e das ciências sociais. Seu
principal objetivo é entender as estratégias discursivas empreendidas por sujeitos-professores
de ELE para construírem e sustentarem suas identidades. Para tanto, mobilizo a noção de
ethos discursivo, apresentada por Maingueneau (1997, 2005, 2008), relacionando-a à
problemática identitária. Para essa última, além das propostas de Bauman (2001, 2005),
considero, em especial, os estudos de Hall (2006).
A relação entre a noção de ethos e a questão identitária, explicitada com mais detalhes
no capítulo de exposição teórica (cf. cap. 2), mostra-se bastante frutífera para a investigação
empreendida. Enquanto a primeira trata da imagem que um determinado enunciador constrói
de si a partir de seu dizer, a segunda vê a construção das identidades como práticas sociais em
que se engajam os indivíduos cotidianamente. Dessa forma, configura-se um jogo identitário,
impulsionado, principalmente, pelas práticas discursivas.
A análise que proponho é realizada a partir da observação de três professores de ELE
da cidade do Rio de Janeiro, participantes de um evento – um grupo de discussão –
organizado por mim. Nesse grupo são discutidas questões relacionadas ao ensino de ELE no
Brasil.
Minha proposta é a de (1) verificar as estratégias linguístico-discursivas de que se
valem os sujeitos postos em análise na construção de suas imagens discursivas, ou seja, de
seus ethé, e (2) perceber se tais estratégias sustentam um único ethos, durante todo o evento.
Nesse sentido, levanto a hipótese de que as identidades docentes em questão respondem à
fragmentação e fluidez dos tempos contemporâneos e de que, por isso, as estratégias
discursivas de sustentação de um tal ethos, mostram-se ineficientes.
Acredito, com este trabalho, contribuir de diferentes maneiras à comunidade
acadêmica e profissional em que me insiro. Isto é, pretendo colaborar ao desenvolvimento de
um instrumental teórico-metodológico de análise de práticas discursivo-identitárias, bem
como promover o conhecimento de questões relativas ao ensino e ao professor de ELE no
Brasil.
Gostaria de salientar que procuro refletir teoricamente sobre essas práticas de
identidade dos professores em questão, localizando-as numa situação sociohistórica
específica. Informo aos meus leitores que, invariavelmente, as minhas identidades de
professor e pesquisador circunscrito à área dos estudos do discurso comparecem nas
construções discursivas que efetuo. Portanto, não tenho o compromisso de instituir
“verdades”, já que entendo que os significados sociais que produzo são localmente situados e
dependentes de minhas estratégias discursivas. Desse modo, todo o conhecimento produzido
por mim neste trabalho está aberto a novas reflexões e suscetíveis a novos questionamentos.
Com o objetivo de apresentar e discutir as questões suscitadas pelas práticas
identitárias dos sujeitos-professores em questão, este texto está organizado em quatro
capítulos, além desta Introdução, da seção de Considerações Finais e dos Anexos.
Inicio minha revisão da literatura no capítulo 1, discorrendo sobre a perspectiva
francesa da Análise do Discurso. Para isso, traço um breve histórico de seu surgimento e de
como se insere nos estudos da linguagem. Posteriormente, trato de seus três conceitos
fundadores: discurso, ideologia e sujeito. Também nesse capítulo, apresento a noção de ethos
discursivo, seguindo, principalmente, as propostas de Maingueneau (1997, 2005, 2008). Em
seguida apresento a questão identitária, mostrando como se deu seu entendimento em
momentos anteriores até que se chegasse a vê-la como prática e não como produto. Por fim,
relaciono essas duas noções, a de ethos discursivo com a de práticas identitárias.
No capítulo 2, o de contextualização, além de um breve panorama do ensino de
espanhol no Brasil, são observadas algumas vozes presentes na história desse ensino e
marcadamente enunciadas nos discursos dos sujeitos participantes desta pesquisa. Refiro-me a
alguns textos legais que mencionam o ensino da língua espanhola, assim como alguns
documentos de referência nacional que tratam da questão do ensino das línguas estrangeiras.
É no capítulo 4 que apresento os procedimentos metodológicos da pesquisa,
descrevendo a composição e os recortes por que passaram tanto o corpus-piloto como o que,
efetivamente, foi objeto de análise.
Reservo ao capítulo 5 a análise dos dados. Divido-o em quatro seções e analiso
excertos da transcrição do grupo de discussão. A seleção desses fragmentos teve como
parâmetro o alcance dos objetivos propostos pelo trabalho. Durante as análises são
identificadas as estratégias discursivas dos docentes em questão para a construção e
sustentação de seus ethé.
Passo, então, ao texto.
1- CONCEITOS E NOÇÕES
teoría (Del gr. θεωρία). 1. f. Conocimiento especulativo considerado con independencia de toda aplicación. 2. f. Serie de las leyes que sirven para relacionar determinado orden de fenómenos. 3. f. Hipótesis cuyas consecuencias se aplican a toda una ciencia o a parte muy importante de ella. 4. f. Entre los antiguos griegos, procesión religiosa. (RAE, 2001)
Neste capítulo, discuto os conceitos teóricos que fundamentam a pesquisa.
Caracterizado pela interdisciplinaridade, este trabalho recorre a ferramentais de diferentes
áreas do conhecimento, mais especificamente àquelas que têm a subjetividade como foco.
Primeiramente, apresento a proposta da Análise do Discurso de linha francesa3 (doravante
AD), situando-a nos estudos da linguagem como uma perspectiva que entende a linguagem
como o “lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da
sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais” (Brandão, 2004:
11). Após o breve histórico e a exposição de conceitos fundamentais para seu entendimento,
enfatizo a noção de ethos. São fundamentais, nesse sentido, os trabalhos de Maingueneau
(1997, 2005, 2008).
Isso feito, discuto a noção de identidade à luz dos Estudos Culturais e da Sociologia
que, a meu ver, se entrecruzam com a perspectiva discursiva adotada no trabalho. Para isso,
recorro, principalmente, aos textos de Hall (2006) e Bauman (2001, 2005).
1.1- A ANÁLISE DO DISCURSO
Por ser um estudo de base linguística, esta pesquisa não poderia deixar de considerar o
trabalho de Ferdinand de Saussure, intelectual do início do século XX que instituiu a
Linguística como ciência. Dentre suas grandes contribuições, ressaltamos sua lógica
dicotômica no entendimento do fenômeno da linguagem: paradigmas e sintagmas, sincronia e
diacronia, língua e fala. Interessa-me mais de perto esta última.
Na visão saussuriana, a dicotomia língua (langue) e fala (parole) é fundamental. Ela
está baseada na oposição social e individual, respectivamente. Enquanto à primeira estão
associadas as noções de acervo linguístico, instituição social e sistematicidade, para a segunda
concorrem as ideias de multiplicidade, irredutibilidade e heterogeneidade. Por sua 3 Esta especificação é necessária para delimitar o escopo do quadro teórico a ser utilizado. O termo análise do discurso também abarca outras correntes, cujas bases epistemológicas diferenciam-se das da escola francesa.
inconstância, a fala não está na pauta da proposta de Saussure. Ainda que esteja sempre
relacionada à língua, a parole não é passível de um estudo sistemático por caracterizar-se
como “combinações individuais, dependentes da vontade dos que falam” (Saussure, 1970:
28).
O tratamento dado a essa questão recebeu muitas críticas. A suposta organização da
língua, não encontrada na fala, foi contestada por correntes teóricas posteriores ao
estruturalismo saussuriano. Tais perspectivas tratam a língua “como algo concreto, fruto da
manifestação individual de cada falante, valorizando dessa forma a fala” (Brandão, 2004: 7).
Constrói-se então uma oposição entre um núcleo duro dos estudos linguísticos e outro mais
flexível, “cujos contornos instáveis estão em contato com as disciplinas vizinhas (sociologia,
psicologia, história, filosofia, etc.)” (Maingueneau, 1997: 11). Enquanto o primeiro se dedica
a descrições formais de usos linguísticos, dentre os quais se pode citar como exemplo a teoria
gerativa, o segundo afirma “a dualidade radical da linguagem, a um só tempo, integralmente
formal e integralmente atravessada pelos embates subjetivos e sociais” (Maingueneau, 1997:
12). A AD situa-se nesse segundo grupo4.
Surgida na França, na década de 60, a AD foi impulsionada principalmente pelo
filósofo Michel Pêcheux. Suas primeiras preocupações estiveram relacionadas a questões
políticas, às lutas de classes e aos movimentos sociais. Pêcheux acreditava que através das
práticas e discursos das classes dominantes era possível depreender como funcionava sua
ideologia. Surgia assim o projeto da AD, numa convergência linguística e sócio-ideológica, a
partir de uma articulação da linguística, do marxismo e da psicanálise.
Tendo como fundamental a questão do sentido, a Análise do Discurso se constitui no espaço em que a Lingüística tem a ver com a Filosofia e com as Ciências Sociais. Em outras palavras, na perspectiva discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história. (Orlandi, 2005: 25)
Dessa forma, o projeto da AD está marcado epistemologicamente pela
interdisciplinaridade, buscando um entendimento discursivo de processos ideológicos. Alguns
conceitos são cruciais para a compreensão de sua proposta, em especial os de ideologia,
sujeito e discurso.
4 Reconheço a simplificação causada por esta visão dual e não ignoro que haja inúmeras discussões acerca da questão. Uso-a aqui como mais uma forma de mostrar a especificidade da perspectiva teórica adotada no trabalho.
O conceito de ideologia, surgido no século XIX, nasce como sinônimo da atividade
científica que buscava entender a atividade do pensar. Objeto de numerosas definições, o
termo está ligado ao ideário, ao conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas e de visões
de mundo de um indivíduo ou de um grupo (Chauí, 1988). Ao longo dos anos, o termo foi re-
significado. O alemão Karl Marx é um marco importante nesse processo.
Na visão marxista, a ideologia é um instrumento de dominação de classe. O autor a
concebe como uma consciência falsa, proveniente da divisão entre o trabalho manual e o
intelectual. Nessa divisão, surgem os ideólogos, que passam a operar em favor da dominação
entre as classes sociais. Assim, a ideologia gera a deturpação e o silenciamento da realidade
em favor da classe dominante, fazendo com que “o discurso se caracterize pela presença de
lacunas, silêncios, brancos que preservam a coerência do seu sistema” (Brandão, 2004: 22).
Tributário das formulações marxistas, o filósofo francês Althusser propõe uma
releitura do termo ideologia, distinguindo “uma teoria das ideologias particulares, que
exprimem posições de classes, de uma teoria da ideologia geral que permitiria evidenciar o
mecanismo responsável pela reprodução das relações de produção, comum a todas as
ideologias particulares” (Mussalim, 2004: 103). Interessando-se em especial pela segunda
teoria, Althusser entende que a ideologia é a forma pela qual o indivíduo vive sua relação com
as condições reais de existência. Nesse sentido, a ideologia deve ser vista não como um
conjunto de ideias, mas como “um conjunto de práticas materiais que reproduzem as relações
de produção” (Mussalim, 2004: 103). A ideologia se materializa nos atos concretos,
assumindo uma função moldadora das ações dos sujeitos. É através dos sujeitos, portanto, que
a existência da ideologia será possível.
A AD se vale dessa visão do conceito. Partindo da teoria da ideologia geral de
Althusser, a AD entende que a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos
sentidos. Segundo Orlandi (2005: 46), “o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia
para que se produza o dizer”. Desse modo, “a ideologia não é a ocultação, mas função da
relação necessária entre linguagem e mundo” (Orlandi, 2005: 47). Ou seja, se não há
ideologia, não há sujeito; e se não há sujeito, não há discurso. Parte daqui uma formulação
crucial da AD: todo discurso é marcado ideologicamente.
A determinação ideológica revela-se, em toda sua plenitude, no componente semântico do discurso. As formações ideológicas presentes numa dada formação social determinam formações discursivas. Estas materializam aquelas. Estabelecem um conjunto de temas e de figuras com que o “indivíduo” fala do mundo exterior e interior (Fiorin, 1997: 76)
Passo, agora, à noção de sujeito. Para tanto são necessárias, no âmbito da AD, algumas
considerações acerca da psicanálise lacaniana. O psicanalista francês Jacques Lacan, fazendo
uma releitura de Freud, propõe a clivagem do conceito de sujeito. Recorrendo ao
estruturalismo linguístico e antropológico, uma vez que se apropria das perspectivas de
Saussure e Lévi-Strauss, Lacan reafirma a divisão do sujeito entre o consciente e o
inconsciente e propõe um olhar mais atento e preciso a este último. Com isso, se distancia,
assim como seu antecessor, de uma visão de sujeito como entidade homogênea e centralizada.
Para Lacan, o inconsciente se estrutura como uma linguagem, “como uma cadeia de
significantes latente que se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre,
sob as palavras, outras palavras” (Mussalim, 2004: 107). Essas outras palavras seriam o
objeto de estudo do analista, o discurso do outro, do inconsciente. Tal inconsciente, lugar
desconhecido, estranho, de onde emanam os discursos dos outros, é definidor do sujeito, de
sua identidade. Assim, o sujeito é visto como uma representação, a partir do discurso do
outro.
A AD, seguindo a perspectiva de Lacan, entende que o sujeito não é livre para dizer o
que quer; é visto antes “como aquele que ocupa um lugar social e a partir dele enuncia,
sempre inserido no processo histórico que lhe permite determinadas inserções e não outras”
(Mussalim, 2004: 110). Assim, a AD entende que o indivíduo, interpelado como sujeito pela
ideologia, é marcado pela incompletude e pelo descentramento.
Atravessado pela linguagem e pela história, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem acesso a parte do que diz. Ele é materialmente dividido desde sua constituição: ele é sujeito de e é sujeito à. Ele é sujeito à língua e à história, pois para se constituir, para (se) produzir sentidos ele é afetado por elas. (Orlandi, 2005: 49).
Observadas essas duas noções fundamentais para a teoria da AD, da forma como
foram concebidas inicialmente, passo ao conceito de discurso, decorrente dessas noções.
Todo ato comunicativo se constitui de discursos. Produzir um discurso implica
enunciados dirigidos a alguém, construídos de determinada forma, num determinado contexto
histórico-social e em determinadas circunstâncias comunicativas. A produção do discurso
ocorre numa situação de enunciação, delimitada num certo espaço e tempo, tendo como
participantes os coenunciadores: um enunciador e seu co-enunciador5.
5 Para fins elucidativos, retomo a diferenciação proposta por Maingueneau: “não falaremos mais de “destinatário”, mas de co-enunciador. Empregado no plural e sem hífen, coenunciadores designará os dois parceiros do discurso (2005: 54).
Segundo Charaudeau & Maingueneau (2006) todo discurso, entendido como uma
forma de conceber a linguagem, possui algumas características essenciais:
- o discurso é uma unidade transfrástica, ou seja, está além da frase, uma vez que se
submete a regras de um determinado grupo social;
- todo discurso é orientado a um fim, no tempo e no espaço;
- todo discurso pressupõe ou implica uma ação que visa a produzir modificações nos
receptores;
- o discurso é interativo, ou seja, pressupõe troca de informação entre os participantes;
- o discurso sempre acontece dentro de um contexto sócio-histórico;
- o discurso sempre revela a atitude, o posicionamento daquele que o enuncia;
- o discurso é legitimado por normas particulares;
- todo discurso é um interdiscurso, isto é, está sempre inserido em outros discursos.
A AD concebe o discurso como uma manifestação, uma materialização de uma
ideologia. Nessa visão, como já foi exposto, a fonte dos discursos é uma subjetividade
marcada pela atividade ideológica e constituída na dinâmica identidade-alteridade. “Trata-se
de um sujeito social que, inserido na memória e na história, não pode ser concebido fora das
relações com um outro compreendido como constitutivo tanto do sujeito quanto das
identidades” (Dominguez, 2004: 22)
Esta pesquisa se baseia nessa concepção da AD, que relaciona a linguagem ao
contexto sócio-histórico em que ela se insere. O linguístico está aqui sempre relacionado ao
histórico-social.
Tendo explicitado o histórico e a epistemologia da visão teórica do trabalho, passo à
apresentação da noção utilizada nas análises empreendidas: a noção de ethos discursivo.
1.2- A NOÇÃO DE ETHOS DISCURSIVO
O objetivo deste trabalho é observar práticas discursivas, historicamente inscritas, que
permitem observar práticas identitárias de uma certa profissão. Para isso, num primeiro
momento, fiz uma reflexão sobre as práticas discursivas. Na seção que agora se inicia, trato da
noção discursiva que instrumentaliza a análise proposta, o ethos, para depois passar ao estudo
de como se constroem as práticas identitárias.
O termo ethos vem do grego e significa “personagem”. Aristóteles, um dos primeiros a
usar o termo, entende-o como sendo a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso
para exercer uma influência sobre seu alocutário (destinatário, co-enunciador). Aristóteles
fazia referência às modalidades verbais da apresentação de si, na interação verbal.
Maingueneau (2008: 13) afirma que
escrevendo sua Retórica, Aristóteles pretendia apresentar uma techné cujo objetivo não é examinar o que é persuasivo para tal ou qual indivíduo, mas para tal ou qual tipo de indivíduos. A prova pelo ethos consiste em causar boa impressão pela forma como se constrói o discurso, a dar uma imagem de si capaz de convencer o auditório, ganhando sua confiança.
O conceito é utilizado em algumas perspectivas teóricas, entre elas a Retórica, a
Pragmática e a AD.
Na perspectiva da Retórica, o ethos é a imagem de si que o orador produz em seu
discurso. A preocupação está, neste caso, na credibilidade do enunciador. Albert W. Halsall
desenvolveu uma perspectiva relacional da tradicional Retórica com os princípios da
narratologia. Ao tratar do ethos, o autor propõe a questão da confiança no narrador. Segundo
Amossy (2008: 21):
Toda comunicação está fundada em uma confiança mínima entre os protagonistas, e cabe a uma retórica narrativa, segundo o outro, determinar como a enunciação contribui para criar, no enunciatário, uma relação de confiança fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencer.
A Pragmática, e aqui me refiro aos trabalhos do linguista francês Oswald Ducrot na
área da semântica, entende que as modalidades do dizer permitem conhecer melhor o locutor -
a imagem construída por ele - do que aquilo que ele pode afirmar sobre si mesmo. Ducrot foi
o primeiro autor, dentro das ciências da linguagem, a integrar o termo em suas análises, ainda
que não tenha desenvolvido profundamente sua reflexão. Ao tratar da questão, enfatiza a
relação não-direta do ser empírico situado fora da linguagem, o locutor “λ”, com o
participante do que chama ficção discursiva, o locutor “L”, o sujeito da enunciação.
Analisar o locutor L no discurso consiste não em ver o que ele diz de si mesmo, mas em conhecer a aparência que lhe conferem as modalidades de sua fala. É nesse ponto preciso que Ducrot recorre à noção de ethos: o ethos está ligado a L, o locutor como tal. (Amossy, 2008: 15)
Na perspectiva da AD, em especial nos trabalhos de Maingueneau (1997, 2005, 2008),
o enunciador deve legitimar seu dizer; em seu discurso, ele se atribui uma posição
institucional e marca sua relação a um saber. A palavra vem de alguém que, por meio dessa
palavra, demonstra possuir determinadas características. Por meio do discurso, o enunciador
faz sentir certo comportamento. Isto é, “por meio da enunciação, revela-se a personalidade do
enunciador” (Maingueneau, 2005: 98).
Ao tratar da noção, Maingueneau (2008) propõe um esquema, aqui reproduzido, para
que se entenda a construção de um ethos efetivo. Participam desse processo, as noções de
ethos pré-discursivo, ethos discursivo, dividido entre ethos dito e ethos mostrado, e a de
estereótipos sociais. Vejamos o esquema:
ethos efetivo
ethos pré-discursivo ethos discursivo
ethos dito ethos mostrado
estereótipos ligados aos mundos éticos
O entendimento do esquema acima se inicia pela noção de ethos pré-discursivo. Essa
noção não pode ser aplicada a todas as situações, já que ela se refere à representação da
pessoa do locutor6, anterior a sua tomada de turno. Há casos em que não existe qualquer
referência ou informação sobre aquele que diz. O ethos pré-discursivo é uma posição extra-
discursiva, que pode ser consolidada, retificada, retrabalhada ou atenuada. Isso se dá já na
cadeia discursiva, espaço em que atua a noção de ethos discursivo.
O ethos discursivo, segundo o esquema apresentado, divide-se em ethos mostrado e
ethos dito. Esse último refere-se a uma evocação direta ou não da própria enunciação por
parte do enunciador. Frases do tipo Eu, esse que vos fala ou metáforas e alusões indiretas
evidenciam essa referência direta. Porém “a distinção entre ethos dito e mostrado se inscreve
nos extremos de uma linha contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida
entre o “dito” sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação” (Mainguenau: 2008, 18).
6 Neste caso, refiro-me, usando a nomenclatura de Ducrot, ao locutor λ, a pessoa empírica que se situa fora da linguagem.
Relacionada às noções discursivas e pré-discursivas apresentadas, encontramos no
esquema uma referência a estereótipos ligados aos mundos éticos. Esse elemento é
fundamental para a construção do ethos. Para a AD, a imagem discursiva de si é ancorada em
estereótipos de uma determinada cultura; tais estereótipos são entendidos como um arsenal de
representações coletivas que determinam, parcialmente, a apresentação de si.
O ethos implica, com efeito, uma disciplina do corpo apreendido por intermédio de um comportamento global. O caráter e a corporalidade do fiador provêm de um conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, sobre as quais se apóia a enunciação que, por sua vez, pode confirmá-las ou modificá-las. (Maingueneau, 2005: 99)
Uma das grandes contribuições da AD, em especial de Maingueneau, para a noção de
ethos é entender que uma certa imagem discursiva de si não está presente unicamente em
enunciados orais, como fez pensar a retórica clássica. Na escrita também é possível que uma
voz e um corpo enunciativos se manifestem, criando uma personalidade enunciativa. “A
leitura faz, então, emergir uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é
dito” (Maingueneau, 2005: 98).
É nesse sentido que se reconhece a instituição de um fiador, cuja representação se
encarrega pela responsabilidade e confiabilidade do enunciado, ao qual – enquanto ser do
discurso – são associados um caráter e um corpo.
Em correspondência a um conjunto de traços psicológicos que o co-enunciador atribui
ao enunciador em função do seu modo de dizer, o caráter se estabelece em acordo com os
estereótipos ligados aos mundos éticos, mencionados anteriormente. Também assim, a
representação do corpo se dá pela atribuição do co-enunciador ao enunciador da corporalidade
representativa de uma maneira específica de estar no mundo, incluindo desde vestimentas até
os movimentos no espaço social.
Toda a exposição teórica da noção de ethos, assim como acontece com todas as noções
apresentadas por Maingueneau, seguindo a tradição dos estudos da AD, é desenvolvida a
partir de corpora escritos. Neste trabalho, os dados que analiso são excertos de falas de três
professores participantes de um debate. Por serem amostras do registro oral, os dados
apresentam todas as características desta modalidade da língua, tais como: fragmentação,
incompletude, pouca elaboração, descontinuidade, repetições excessivas, correções e
reformulações. De maneira alguma, tais características impossibilitam uma análise completa e
significativa.
Mesmo não se tratando do tipo de corpus mais comum nos trabalhos de AD, as noções
e conceitos apresentados também são aplicáveis na pesquisa. A análise proposta, por ter um
viés discursivo, observa as subjetividades construídas na enunciação. Ou seja, não são
analisados, nesta pesquisa, os indivíduos empíricos envolvidos no evento; são observados os
sujeitos enunciativos, os coenunciadores.
A escolha da noção de ethos discursivo se deu por ser este um estudo que trata de
práticas identitárias. O ethos pareceu-me, dentro das possibilidades oferecidas pela AD, a
noção mais produtiva (ainda que alguns de seus desdobramentos não tenham sido
aproveitados), já que procuro entender como se constroem as identidades dos docentes em
questão. Nesse sentido, para a complementação da perspectiva discursiva, parece-me
importante, apresentar, numa perspectiva mais sociológica, o conceito de identidade presente
no trabalho. Passo, então, a esta reflexão.
1.3- IDENTIDADES E PRÁTICAS: AS PRÁTICAS IDENTITÁRIAS
Ao trabalhar com a noção de discurso anteriormente apresentada, vou ao encontro de
uma concepção de linguagem como prática social, por meio da qual os indivíduos agem no
mundo. Ou seja, o discurso não é entendido como representante de uma realidade previamente
estruturada; é, antes, um produtor de realidade, de modos de vida (Moita Lopes, 2003). Os
discursos não só representam a vida social, mas também as constituem. Quando se engajam
na construção do significado, os indivíduos estão agindo no mundo por meio do discurso em
relação a si próprio, à alteridade e às práticas sociais, e assim, se constituem e constituem os
outros. Nesse sentido, os significados são resultados dos processos sociointeracionais em que
nos envolvemos, isto é, os objetos sociais não são dados no mundo, mas são construídos,
negociados, reformulados pelos seres humanos em seus esforços de produzir sentidos.
O foco principal deste trabalho é a análise de práticas discursivas desencadeadoras de
práticas identitárias de três indivíduos participantes de um grupo de discussão. O uso
insistente do termo prática não é aleatório e está diretamente relacionado não só ao que
entendo por discurso, mas também ao que entendo por identidade. Assim como Tadeu da
Silva (2009: 76), entendo que “identidade e diferença partilham uma importante
característica: elas são o resultado de atos de criação lingüística”. Ou seja, neste trabalho,
sempre que me refiro aos termos discurso e identidade, verdadeiramente, refiro-me a práticas
discursivas e identitárias.
Para que a ideia das identidades entendidas como práticas fique mais clara, apresento,
a seguir, um breve panorama de como o termo foi entendido ao longo do tempo, pontuando
alguns momentos mais significativos.
Ao longo da história, algumas foram as concepções existentes para o conceito de
identidade. Stuart Hall (2006) historiciza a noção, atribuindo ao sujeito três concepções bem
demarcadas: o sujeito do Iluminismo, cujo centro essencial era a identidade única da pessoa,
sua essência; o sujeito sociológico, definido a partir de sua posição em sociedade; e o sujeito
pós-moderno, cuja identidade não é fixa, mas sim fragmentada, em fluxo e fraturada.
Essas visões das identidades estão profundamente marcadas pelos momentos
históricos em que se inserem. A concepção de sujeito no Iluminismo, por exemplo, relaciona-
se à perspectiva racionalista e centralizada no homem, presente nesse momento. O sujeito é
visto como um “indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão,
de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior” (Hall, 2006: 10).
Já no século XX, as perspectivas sociológicas relacionam a identidade não somente a
um núcleo interior do sujeito, mas também à sua exterioridade. Dito de outra forma, inicia-se
a relação sujeito – classe social. “A identidade, então, costura (ou para usar uma metáfora
médica, “sutura”) o sujeito à estrutura” (Hall, 2006: 12).
Diferentemente dessas duas perspectivas, a partir da 2ª metade do século XX,
momento aqui denominado contemporaneidade, o entendimento das identidades “perde as
âncoras sociais que o faziam parecer “natural”, predeterminado e inegociável” (Bauman,
2005: 30). As identidades passam a ser vistas como fragmentadas e mutantes. Tal
entendimento encontra sentido na metáfora de liquidez, segundo a qual vivemos no momento
da modernidade líquida, em que “o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (...)
não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas mudanças” (Bauman, 2001:
14). Dessa forma, falamos não mais de identidade, mas de processos identificatórios. Falamos
não mais de identidade, mas de identificação. Falamos, pois, de uma prática7.
E quais seriam as razões para que ocorresse a fragmentação de algo, anteriormente
visto como tão sólido? São inúmeras as possibilidades de respostas para a questão. Aqui,
apresento os argumentos que giram em torno do fenômeno da globalização.
7 Alguns autores (Bauman, 2005; Hall, 2009) chamam de “identificação”, o que chamo aqui de práticas identitárias. De todo modo, está presente nas duas denominações a ideia de processo, e não a de fim. Hall diz que “(...) a identificação (é vista) como um processo nunca completado – como algo sempre “em processo” (2009: 106).
Pensemos, por exemplo, na forma como, ainda na Idade Média, tinha-se acesso às
informações. Cada exemplar de um livro era escrito manualmente – havia pouquíssimos
volumes, lidos por um seleto grupo de pessoas. Com a invenção da imprensa, no século XVI,
o número de leitores cresceu, mas ainda timidamente. Nos últimos tempos, com a chegada da
informática, textos e imagens estão disponíveis a um clique do mouse. Um e-mail cruza
oceanos em segundos. O encurtamento das distâncias e a diminuição do tempo que levamos
para executar determinadas atividades são os principais impulsos da globalização, fenômeno
que resulta na compressão de distâncias e de escalas temporais.
Os limites geográficos entre os países já não separam os indivíduos que os constituem.
Segundo Bauman (2005) “globalização significa que o Estado não tem mais o poder ou o
desejo de manter uma união sólida e inabalável com a nação”. Hoje podemos falar de uma
cidadania global, uma nova sensação de estar no mundo.
Sobre essa questão, Hall (2006) argumenta que o processo de globalização instaura
algumas contradições. Segundo o autor, as identidades nacionais percorrem dois caminhos em
sentidos distintos: paralelamente à desintegração das identidades, ocorrem movimentos de
resistência e reforço dessas mesmas identidades. Desse embate, surgem novas subjetividades;
identidades misturadas, híbridas.
A globalização é uma forma de mudança radical e irreversível; é uma grande
transformação que afetou as estruturas sociais, as relações entre os Estados, a subjetividade
coletiva, a produção cultural, a vida cotidiana e as relações entre o “eu” e o “outro” (Bauman,
2005). Nossa(s) identidade(s), hoje, se performatizam num mundo multicultural, por uma
ótica de mudança e transitoriedade (Moita Lopes, 2003).
O contato com o outro não é uma novidade. O específico do mundo contemporâneo é
a exacerbação desse contato com vários outros, o que dificulta cada vez mais que nos
circunscrevamos a um modelo de identidade única, fixa. A identidade, na contemporaneidade,
é tida como plural. Não somos mais um, somos múltiplos e fragmentados.
Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos por toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. (Bauman, 2005: 17)
Nessa perspectiva, os indivíduos respondem sempre ao contexto em que se encontram
– e os outros com quem interagem fazem parte desse contexto. Já não se tem muito controle
sobre o ser, sobre quem se é, uma vez que a questão identitária, vista como prática e processo,
assume cada vez mais o caráter de fugacidade. Faz-se necessário ter um repertório cada vez
mais amplo de sentidos e de discursos, e ter identidades cada vez mais flexíveis, que possam
responder a essa multiplicidade de contextos.
1.4- ETHOS E PRÁTICAS IDENTITÁRIAS
Para finalizar este capítulo, retomo as duas principais noções a serem usadas nas
análises empreendidas: a de práticas identitárias e a de ethos discursivo.
Ao referir-me às práticas identitárias, oponho-me a qualquer entendimento do conceito
de identidade enquanto essência do sujeito. O vocábulo prática, entendido como processo,
aponta para uma concepção discursiva e social das identidades, tidas como mutáveis,
fragmentadas e múltiplas.
Conforme apresentado anteriormente, entendo por ethos discursivo a imagem que um
determinado enunciador constrói de si, a partir de seu dizer. Ou seja, parto do princípio de que
do dito – da materialidade discursiva – é possível acessar imagens8 daquele que diz.
Chamo a atenção ao uso não-aleatório que faço no parágrafo acima do termo
“imagens”, flexionado no plural. Essa escolha linguística reflete a relação que estabeleço
entre a noção de ethos e a de prática discursiva.
O estabelecimento de um tal ethos, seguindo a proposta de Maingueneau (1997, 2005,
2008), se dá pela relação da materialidade linguística de uma produção discursiva com
determinados estereótipos sociais. Inúmeros trabalhos (Martins, 2007; Moraes, 2008;
Romualdo, 2008, entre outros) empreenderam análises próximas a que proponho aqui, usando
a mesma noção9. Em tais trabalhos são percebidos ethé de diferentes naturezas, como o do
homem trabalhador, o da mãe relapsa e o do intelectual meticuloso.
À primeira vista, pode-se pensar que a identificação de um ethos trabalha com uma
concepção essencialista das identidades. Ou seja, se ao final de um trabalho de análise chega-
se à determinação de uma imagem de um dado fiador, o analista busca a essência do dizer de
um dado enunciador. Consequentemente, busca a essência do locutor λ, a pessoa empírica que
se situa fora da linguagem, retomando, mais uma vez, a nomenclatura de Ducrot.
8 Uso como sinônimas as expressões ethos discursivo e imagem discursiva.
9 Tal proximidade está no uso da noção de ethos e não no trabalho com professores.
Ainda que o raciocínio acima não seja de todo errado, há nele alguns pontos frágeis. É
nessa fragilidade que me encontro. Certamente, o trabalho com a noção de estereótipos pode
dar às análises essa visão essencialista. Porém, a noção de práticas identitárias apresentada
faz-nos perceber que a construção de um ethos também é uma prática. Numa mesma
enunciação, um determinado enunciador pode construir diferentes ethé, de acordo com as
situações discursivas que empreende e nas quais está inserido. Ou seja, o que proponho aqui é
uma concepção não essencialista, uniforme e fechada do ethos. Assim como as identidades,
entendo que a construção de um determinado ethos também se dá de forma múltipla,
fragmentada e, por vezes, contraditória, assim como acontece nas práticas identitárias.
Para encerrar o capítulo, cito um dos estudos mencionados anteriormente, cujo
objetivo era o de fazer uma análise do ethos construído pela militante política Patricia Galvão,
a Pagu, em sua autobiografia. Moraes (2008) identificou no discurso de Pagu, um fiador que
buscava desconstruir a imagem (o ethos pré-discursivo) de mãe relapsa, associada a ela. Em
sua análise, a autora identifica no discurso de Pagu o reforço de alguns traços identitários –
alguns ethé – que, em princípio, ela gostaria de negar. Em outras palavras, a construção de seu
ethos não foi realizada de forma linear e fechada, mas antes múltipla e contraditória. Ao
comentar sua análise a autora afirma que
o material analisado reforça uma tese da AD, respaldada pela psicanálise: a de que os sujeitos, em si mesmos, não são homogêneos. A pessoa real Pagu (se se quisesse falar dela como indivíduo no mundo) não é tão-somente a Pagu revolucionária (caracterizada, por exemplo, na minissérie televisiva), tampouco a Pagu caracterizada na autobiografia. O sujeito no mundo seria simultaneamente as duas coisas e provavelmente tantas outras. (Moraes, 2008: 116)
Complemento a citação afirmando que assim como o indivíduo no mundo, o ethos, o
“indivíduo do discurso”, também pode ser duas coisas e provavelmente tantas outras.
Assim, fecho o capítulo, tendo passado pelos conceitos e noções importantes para o
entendimento do trabalho. Passo agora à contextualização do corpus utilizado. Nela, traço um
breve histórico do ensino de espanhol no Brasil e apresento algumas vozes que esse histórico
parece fazer falar.
2- MEMÓRIAS DO ENSINO DE ESPANHOL NO BRASIL
contexto (Del lat. contextus). 1. m. Entorno lingüístico del cual depende el sentido y el valor de una palabra, frase o fragmento considerados. 2. m. Entorno físico o de situación, ya sea político, histórico, cultural o de cualquier otra índole, en el cual se considera un hecho. 3. m. p. us. Orden de composición o tejido de un discurso, de una narración, etc. 4. m. desus. Enredo, maraña o unión de cosas que se enlazan y entretejen. (RAE, 2001)
Por ser esta uma pesquisa situada no escopo da AD, faz-se necessário identificar o
contexto10 em que os discursos a serem analisados foram construídos, uma vez que “fora de
contexto, não podemos falar realmente do sentido de um enunciado” (Maingueneau, 2005:
20). Neste capítulo, além de um breve panorama do ensino de espanhol no Brasil, mais
especificamente no Rio de Janeiro, são observadas algumas vozes presentes na história desse
ensino e marcadamente enunciadas nos discursos dos sujeitos participantes desta pesquisa.
Refiro-me a alguns textos legais que mencionam o ensino da língua espanhola, assim como
alguns documentos de referência nacional que tratam da questão do ensino das línguas
estrangeiras: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, PCNEM e PCN+) e as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (OCEM)11.
Sobre estes últimos, os documentos, faço uma primeira observação. Ao trazê-los à
pesquisa, não proponho uma análise exaustiva dos mesmos, mas sim, procuro identificar neles
os pontos mais relevantes para a discussão analítica aqui proposta. Sobre o primeiro,
considerando os três volumes indicados, ressalto as discussões sobre a transversalidade na
educação e sobre a leitura como habilidade a ser privilegiada em aulas de língua estrangeira
nas escolas de educação básica. Quanto às OCEM, proponho uma reflexão sobre as
especificidades do ensino de língua espanhola, objeto de análise de uma de suas seções.
2.1- O ENSINO DE ELE NO BRASIL
10 Ao usar o termo contexto estou ciente do duplo significado que possui dentro do quadro da AD, podendo significar tanto o contexto linguístico (também denominado co-texto), quanto o extra-linguístico, a situação de comunicação. Neste capítulo, refiro-me à segunda acepção do termo.
11 Não existe um consenso no uso dessas siglas. A escolha por essas foi feita a partir de consulta ao site do Ministério da Educação (http://portal.mec.gov.br) e de observação de como, em sua maioria, são citados tais documentos em trabalhos acadêmicos.
A expansão do ensino de língua espanhola no Brasil nos últimos 20 anos é visível.
Esta demarcação no tempo, coincide com o advento do Mercosul, na década de 90. É inegável
que a assinatura e a implementação do Mercado Comum do Sul desenfrearam o ensino da
língua espanhola em nosso país, dando espaço a inúmeras ações de políticas linguísticas.
Segundo Hamel (1993: 8), a atividade de política linguística pode ser interna ou
externa. Sobre a última, a autor diz que “se refere ao papel de cada língua, isto é, seus usos e
funções num contexto multilingüe12”. Como exemplo, em nosso contexto, pode-se citar a tão
comentada lei 11.161, de 5 de agosto de 2005, que torna obrigatória a oferta da língua
espanhola, em horário regular, nas escolas públicas e privadas brasileiras que atuam no nível
do Ensino Médio13. Antes de chegar aos fatos mais atuais, proponho um percurso pela história
do ensino dessa língua no contexto brasileiro, ressaltando os momentos mais relevantes.
A primeira grande e registrada referência ao ensino de espanhol no Brasil data do ano
de 1919, quando Antenor Nascentes, primeiro professor de Língua Espanhola do Colégio
Pedro II, defende sua tese – requisito do concurso público da instituição naquele momento – e
assume a cátedra de Língua Espanhola. Sua permanência como professor dessa disciplina vai
até o ano de 1925, quando o docente é transferido para a cadeira de língua portuguesa
(Freitas, 2010).
Outra referência importante é a substituição no currículo da educação brasileira, por
motivos diplomáticos, da língua alemã pela espanhola, durante a 2ª Guerra Mundial, por
determinação do então presidente Getúlio Vargas. A situação permaneceu desta forma até o
ano de 1961, quando a assinatura da lei n° 4124/61, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), deixou a cargo de cada instituição de ensino a decisão pela língua a ser
ensinada. Uma nova versão da LDB, assinada em 1971, lei n°5692/71, por não mencionar a
língua espanhola, fez valer a preferência pelo inglês e pelo francês como línguas veiculares
(Durán & Freitas & Barreto, 2006).
Celada (2005: 3) aponta para a erudição relacionada ao estudo da língua espanhola
nesse momento. Segundo a autora, “es preciso reconocer que, (…) para ciertos grupos de
determinadas generaciones, el español funcionó como una lengua de cultura por lo que
representaba en términos de acceso a bienes culturales, especialmente a la literatura”. A
autora comenta também o interesse pelo estudo do espanhol de determinados grupos como,
por exemplo, interessados em determinada área de conhecimento cujas publicações eram
12 A tradução das citações de textos que foram consultados em espanhol é de minha responsabilidade.
13 Mais adiante retomo a questão da lei 11.161, aprofundando seu tratamento.
feitas em língua estrangeira distante e traduzidas ao espanhol. Ou seja, o estudo da língua
espanhola, em outros momentos, parecia ser do interesse de poucos e selecionados indivíduos.
Datam da década de 80, as primeiras iniciativas de incentivo ao ensino de língua
espanhola no Brasil, em especial no Rio de Janeiro. Em 1981, é fundada a primeira associação
brasileira de professores de espanhol, a APEERJ14, sob a presidência de Maria de Lourdes
Cavalcanti Martins, então professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1986, ocorre a inclusão da língua
espanhola entre as opções de língua estrangeira (com o inglês e o francês) nos exames do
vestibular do Rio de Janeiro. Em 1989, ainda que na prática tenha sido diferente, passa a ser
obrigatório o ensino do espanhol no currículo das escolas de ensino médio, no contexto
carioca (Durán & Freitas & Barreto, 2006).
A abertura do mercado brasileiro na década de 90 pelo governo de Fernando Collor de
Mello e o Tratado de Assunção marcaram uma virada nas perspectivas do ensino de espanhol
no Brasil (Reatto & Bissaco, 2007). Se há algum tempo, essa língua ocupava uma posição
secundária entre as línguas estrangeiras estudadas no país, nesse novo momento, é possível
afirmar, passou a ocupar posição quase semelhante à língua inglesa, ainda que faltem dados
seguros que comprovem a situação. Sobre essa mudança de perspectiva, vale uma reflexão do
“lugar” ocupado pela língua espanhola no Brasil antes do Mercosul e de como esse “lugar” foi
re-significado, graças a fatores políticos e econômicos.
Ainda que não seja certo dizer que o único motivo da relevância do aprendizado do
espanhol no Brasil é o estabelecimento do Mercosul, é inegável a influência do acordo para a
“comercialização” dessa língua no contexto brasileiro. Visava-se, nesse momento, ao
desenvolvimento social e econômico. A língua espanhola passava a ser um capital simbólico,
valendo-me do conceito de Bourdieu15, fortemente relacionado às atividades político-
econômicas. Uma onda mercadológica transformou o ensino da língua espanhola num bem de
consumo (Freitas, 2010). Cursos livres de idiomas que antes somente ofereciam o inglês
passaram a oferecer também o espanhol. Várias editoras, nacionais e estrangeiras (em
especial, as espanholas) iniciaram produções em série de materiais didáticos de espanhol;
situação bastante diferente da primeira metade do século XX, quando somente havia duas
14 Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro (cf. http://www.apeerj.org.br/).
15 Para Bourdieu, o capital simbólico é uma medida do prestígio/distinção que um indivíduo ou instituição possui em determinado campo. Esta marca quase invisível de distinção permite que um indivíduo desfrute de uma posição de proeminência, reforçada pelos signos distintivos que reafirmam a posse deste capital (Silva, 1995).
obras sobre a língua espanhola: a Gramática de língua espanhola para uso dos brasileiros de
Antenor Nascentes (1934) e o Manual de Español de Idel Becker (1945).
Atualmente, desde a LDB de 1996, lei n° 9394/96, as línguas estrangeiras fazem-se
obrigatórias a partir do terceiro ciclo da educação fundamental. As escolas são livres para
escolher a língua que vão oferecer. No ensino médio, a lei determina que seja incluída uma
língua estrangeira moderna, escolhida pela comunidade escolar e uma segunda de caráter
optativo.
A principal discussão, na atual conjuntura do ensino de espanhol no Brasil, gira em
torno à lei 11.161, de 05/08/2005. Segundo a normativa, “o ensino da língua espanhola, de
oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado,
gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio” (Brasil, 2005). A lei provocou
movimentos contrários e a favor. Enquanto festejava-se em países hispanofalantes a grande
oferta de empregos no Brasil (Durán & Freitas & Barreto, 2006), no contexto brasileiro, a lei
foi recebida com significativas ressalvas16.
As principais questões levantadas pelo coletivo de professores no contexto brasileiro
giram em torno das especificidades do ensino de espanhol na educação regular e da formação
de professores para atuarem nas escolas. Sobre a primeira questão, discutem-se as imprecisões
expressas na lei sobre como a língua espanhola deve ser ensinada. Os artigos 3 e 4 são aqueles
que abordam essa questão. Vejamos:
Art. 3.º Os sistemas públicos de ensino implantarão Centros de Ensino de Língua Estrangeira, cuja programação incluirá, necessariamente, a oferta de língua espanhola. Art. 4.º A rede privada poderá tornar disponível esta oferta por meio de diferentes estratégias que incluam desde aulas convencionais no horário normal dos alunos até a matrícula em cursos e Centro de Estudos de Língua Moderna. (Brasil, 2005)
As ressalvas feitas à questão tratam dos objetivos que são propostos pelo texto de lei,
quanto à disciplina que será ensinada nas escolas. O texto parece não se preocupar com as
diferenças entre “aulas convencionais” e “matrícula em cursos de Centro de Estudos de
Língua Moderna”. A presença de uma disciplina no currículo escolar prevê toda uma relação
com a filosofia educacional e com o projeto político a ser desenvolvido pela instituição, o que
16 Por mais que essa não seja uma questão levantada na análise que proponho nessa pesquisa, parece-me importante mencionar algumas discussões que a implementação da lei vem suscitando.
se diferencia bastante dos objetivos a serem alcançados por centros de ensino de línguas
estrangeiras.
Outra questão também bastante discutida é a falta de profissionais bem qualificados
para atuar nesse mercado, em princípio, tão promissor. Na tentativa de solucionar a questão,
instituições estrangeiras tomaram a iniciativa de preparar cursos de formação de professores,
em curto prazo, como o projeto ¡OYE!, Espanhol para Professores (SP, 2006) e o acordo
assinado entre o MEC e o Instituto Cervantes (MEC-IC, 2009). Também alvo de inúmeras
críticas, esses projetos não parecem se preocupar com o ensino da disciplina Língua
Espanhola na escola regular brasileira, uma vez que não fazem parte da confecção de suas
propostas os principais agentes na formação de professores no Brasil: as universidades
brasileiras.
A exposição feita não procurou esgotar todas as fontes que remontam a história do
ensino de espanhol no Brasil, mas sim, ressaltar alguns pontos importantes que possibilitam
entender de que forma essa história foi se construindo no decorrer do tempo.
2.2- OS DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA AO ENSINO DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS NO BRASIL E O ENSINO DE ELE
Nesta seção, objetivo apresentar alguns documentos oficiais que tratam do ensino de
línguas estrangeiras no Brasil, apresentando suas características mais relevantes a esta
pesquisa. Num primeiro momento, trato dos Parâmetros Curriculares Nacionais, considerando
seus três volumes publicados, para depois apresentar as Orientações Curriculares para o
Ensino Médio.
2.2.1- Os Parâmetros Curriculares Nacionais
É com imensa satisfação que entregamos aos professores das séries iniciais do ensino fundamental os Parâmetros Curriculares Nacionais, com intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva escolas, pais, governos e sociedade e dê origem a uma transformação positiva no sistema educativo brasileiro. (PCN, 1998: 19)
Com estas palavras o então ministro da educação e do desporto, Paulo Renato Souza,
apresenta aquele que seria um dos documentos de políticas educacionais mais discutido em
todo o país nos últimos anos, os PCN. Tendo como objetivo “criar condições, nas escolas, que
permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados
e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania” (PCN, 1998: 19), os PCN
possibilitam uma observação sobre o que se espera do trabalho dos professores atuantes no
ensino fundamental das escolas brasileiras.
O documento está dividido em três publicações. A primeira delas, os PCN, divide-se
em oito volumes, estabelecidos segundo áreas de conhecimentos tidas como necessárias aos
alunos do ensino fundamental: áreas de língua portuguesa, língua estrangeira, matemática,
ciências naturais, história, geografia, arte e educação física. Soma-se a esses um volume
paralelo denominado Temas Transversais, cujo objetivo é o de estabelecer relações
interdisciplinares a partir de questões presentes no cotidiano do cidadão comum, tais como,
ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, entre outros.
A segunda publicação, os PCNEM, editada em livro único, divide-se em 4 partes. A
primeira destina-se à apresentação do documento, apresentando suas bases legais e
reproduzindo os textos da LDB e das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
A segunda, à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, incluindo as seguintes sub-
áreas: conhecimentos de Língua Portuguesa, Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna,
Conhecimentos de Educação Física, Conhecimentos de Arte e Conhecimentos de Informática.
Logo após, apresenta-se a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias,
subdividida em Conhecimentos de Biologia, Conhecimentos de Física, Conhecimentos de
Química e Conhecimentos de Matemática. Por fim, a terceira parte apresenta as Ciências
Humanas e suas Tecnologias, subdividida em Conhecimentos de História, Conhecimentos de
Geografia, Conhecimentos de Sociologia, Antropologia e Política e Conhecimentos de
Filosofia. Diferentemente da primeira publicação, os PCNEM compõem-se de textos muito
breves, com poucas reflexões e discussões.
A terceira publicação, os PCN+, tem sua organização bastante parecida com a segunda
publicação. Seu objetivo é o de complementar os PCNEM, ampliando o grau de profundidade
e detalhamento das discussões apresentadas, tornando-se assim, equiparável ao primeiro
volume.
Cumprindo os objetivos deste capítulo, trato, de forma mais específica das seções
destinadas à língua estrangeira. Nas três publicações, nessas seções, encontram-se, em maior
ou menor medida, considerações teóricas sobre o processo de ensino-aprendizagem de línguas
e discussões de cunho mais prático, tais como orientações didáticas, proposição de conteúdos
e formas de avaliação. Passemos às considerações sobre os documentos.
De que maneira os discursos produzidos pelos cidadãos de uma dada sociedade
influenciam e/ou criam modos de vida? Eis a questão levantada pela corrente
socioconstrucionista (ou interacionista). Segundo esta perspectiva teórica, existe uma relação
sempre presente entre saberes (discursos) e subjetividades (identidades). Ou seja, toda e
qualquer produção discursiva interfere na construção das identidades sociais. As construções
de significado não podem, segundo tal perspectiva, ser analisadas sem que se leve em conta o
contexto em que se produzem. Percebe-se o significado como sendo construído e
compartilhado socialmente. Nesse sentido, Moita Lopes (2003: 23) afirma:
Essa compreensão coloca como ponto central o fato de os significados serem compreendidos como resultado dos processos sociointeracionais em que nos engajamos no dia-a-dia no esforço conjunto de entender a vida à nossa volta.
Entender a linguagem dessa maneira pressupõe uma grande mudança nos padrões
clássicos de ensino de uma língua estrangeira. Preocupações como os usos reais do idioma e
sua relevância num dado espaço social substituem a preocupação excessiva com as estruturas
gramaticais da língua ou o elenco de situações comunicativas de possíveis usos linguísticos. É
com base nesses pressupostos teóricos que os PCN de língua estrangeira dão especial atenção
aos temas transversais e à habilidade da leitura.
Ao propor caminhos ao professor de língua estrangeira, os PCN inserem essa
disciplina no contexto maior da instituição escolar. Num movimento interdisciplinar, a
disciplina língua estrangeira atenta-se à formação do aluno como cidadão atuante no meio
social. Nesse sentido, cabe pensar de que forma a língua estrangeira pode contribuir para essa
formação. Sobre a questão, vejamos:
A aprendizagem de Língua Estrangeira oferece acesso a como são construídos os temas propostos como transversais em práticas discursivas de outras sociedades. É uma experiência de grande valor educacional, posto que fornece os meios para os aprendizes se distanciarem desses temas ao examiná-los por meio de discursos construídos em outros contextos sociais de modo a poderem pensar sobre eles, criticamente, no meio social em que vivem (PCN, 1998: 43)
Percebemos na citação acima a importância que se dá ao movimento
identidade/alteridade na aprendizagem da língua estrangeira. Os discursos, tidos como
construtos sociais (Moita Lopes, 2003), participam da construção, como já apontamos, dos
significados que circulam numa dada sociedade. A observação de produções discursivas de
outra sociedade provoca questionamentos sobre como são produzidos tais discursos em nossa
sociedade. Assim, compreende-se a aprendizagem da língua estrangeira como uma viagem de
ida e volta. Paraquett (2005: 380) afirma que a aula de língua estrangeira
é um laboratório para o amadurecimento, o reconhecimento e a aceitação do eu e do outro. Mas também pode ser muito perigosa quando se restringe a marcar as diferencias. É na aprendizagem de uma língua estrangeira que ultrapassamos a fronteira do que nos é estranho. Mas é preciso que essa seja uma viagem feita em seus dois sentidos, porque é perigoso levar o eu ao outro e deixá-lo lá, sem trazê-lo ao seu lugar de origem. Ensinar e aprender uma língua estrangeira é ensinar e aprender a ser o eu e não o outro.
Desta forma, temos a relevância tão perceptível do contexto social em que o aluno está
inserido ao aprender uma língua estrangeira. O contato com a alteridade possibilita, segundo a
visão dos PCN, uma melhor percepção de sua própria identidade.
Também numa perspectiva interacionista, os PCN encaminham sua opção pela
habilidade da leitura como a mais relevante para o ensino da língua estrangeira na escola.
Mencionam-se, principalmente, duas questões: a função social das línguas estrangeiras no
país e os objetivos realizáveis levando em consideração as condições existentes em nosso
contexto.
Moita Lopes (2001: 39), ao comentar sobre os objetivos de um aluno ao estudar o
inglês como língua estrangeira, questiona:
Por que insistir em preocupações com regras de uso ou da fala ou mesmo noções de cultura para tornar possível a competência comunicativa, quando se sabe que a maior parte dos alunos terá pouquíssimas chances de usar tal conhecimento? Ou seja, quantos alunos brasileiros, mesmo aqueles que freqüentam os cursos de línguas, realmente terão chance de usar inglês em contextos em que essas informações sejam verdadeiramente relevantes?
Na mesma linha de raciocínio, os Parâmetros dizem
Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngües, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à literatura técnica ou de lazer. Note-se também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pós-graduação) requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. (PCN, 1998: 20)
Ou seja, a escolha da habilidade da leitura se justifica por um raciocínio pragmático,
uma vez que é dela que, possivelmente, se servirão os aprendizes. O documento também
apresenta parâmetros para outras três habilidades (compreensão auditiva, produção escrita e
produção oral). Porém, como dissemos, o foco do texto está na compreensão do texto escrito.
A outra razão pela qual se dá o destaque à habilidade leitora são as condições de
trabalho existentes na maioria das escolas brasileiras. A falta de equipamentos de som e vídeo
necessários para a prática oral da língua, o excessivo número de alunos por turma e o pouco
domínio da oralidade da língua estrangeira por parte dos professores estão entre as razões que
fazem da leitura a prática de ensino mais possível, uma vez que exige menos condições para
que se efetive. Sobre tal questão, alguns teóricos posicionam-se contrariamente. Mesmo não
sendo meu objetivo confrontar visões sobre essa problemática, parece-me importante
mencioná-la:
A pesquisa sobre leitura teve (...) um lado perverso. O objetivo inicial do projeto era a leitura acadêmica, tendo como alvo alunos universitários da graduação e da pós-graduação, mas acabou, de forma equivocada, sendo estendido ao ensino médio e fundamental. Vários professores secundários brasileiros abraçaram a idéia como uma opção cômoda, “pouco trabalhosa” e de fácil controle disciplinar. Centrar o ensino de inglês no desenvolvimento da habilidade de leitura é ignorar que aprender uma língua faz parte da formação geral do indivíduo como cidadão do mundo e que entender o outro e como o outro interage auxilia nas relações interpessoais. Ninguém pergunta a ninguém “Em quantas línguas você lê?”, mas “Quantas línguas você fala?”. Anúncios de jornais requerem, em profissões diversas, pessoas que falem inglês. (Oliveira e Paiva, 2000: 27)
Voltando às considerações do documento, o modelo teórico de leitura presente é o
chamado leitura interativa. Segundo essa visão, no momento da leitura, ocorre uma interação
entre o autor e o leitor, mediada pelo texto, num processo de negociação. O significado de um
texto não estará contido na superfície do papel ou no leitor apenas, como faziam crer outras
concepções de leitura (a por decodificação e a psicolinguística, por exemplo). A comunicação
entre a informação do texto e o conhecimento prévio do leitor cria a significação. O termo
interacional adquire, nessa perspectiva, dois significados: o modelo é interacional porque (1)
prevê uma comunicação entre leitor e autor; e (2) se refere ao modo interacional de
processamento da informação. Assim, o leitor faz previsões sobre o texto com base em sua
experiência ou conhecimento prévio e verifica as informações contidas no texto de modo a
confirmar ou rejeitar suas previsões. De acordo com o modelo interacional, a leitura envolve a
interação entre o mundo do leitor, representado por seu conhecimento prévio, e o mundo do
autor, expresso no texto.
Passo, agora, às considerações sobre as OCEM.
2.2.2- As Orientações Curriculares para o Ensino Médio
As orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio foram elaboradas a partir de ampla discussão com as equipes técnicas dos Sistemas Estaduais de Educação, professores e alunos da rede pública e representantes da comunidade acadêmica. O objetivo deste material é contribuir para o diálogo entre professor e escola sobre a prática docente. (OCEM, 2006: 5)
O fragmento supracitado foi retirado da carta de apresentação das OCEM, assinada
pelos representantes do Ministério da Educação e da Secretaria de Educação Básica. Após a
publicação de outros documentos menos detalhistas, como os PCNEM e os PCN+, as OCEM
apresentam, de forma mais descritiva e teoricamente embasada, propostas e caminhos para o
professor atuante do Ensino Médio.
O documento encontra-se dividido em três volumes: Linguagem, Código e suas
tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas
tecnologias. Cumprindo os objetivos deste capítulo, trataremos, especificamente, da seção
Conhecimentos de Espanhol do volume de Linguagem, Código e suas tecnologias.
Por fazer referência a uma língua específica, algo não registrado antes em documentos
desse tipo, as OCEM de Conhecimentos de Espanhol fazem todas as suas observações
levando em conta as especificidades da língua espanhola. Há, inclusive, uma seção destinada
unicamente a tais especificidades.
Uma das primeiras questões colocadas pelo documento refere-se à profusão dos cursos
livres de idiomas e ao tipo de ensino por eles praticado. Algumas diferenças são estabelecidas
entre esse contexto e o da sala de aula de uma escola de educação regular. O documento
explica que
trata-se de experiências de natureza diferente, que não podem ser confundidas nem mesmo quando o ensino das línguas na escola é terceirizado. Não se trata de questionar ou criticar a atuação das escolas/academias de línguas, mas de fazer ver que não se podem identificar a proposta e os objetivos desses institutos com a proposta educativa e os objetivos do ensino de Línguas Estrangeiras no espaço da escola regular. (OCEM, 2006: 131)
As OCEM ressaltam a importância do caráter educativo do ensino de língua
estrangeira nas escolas. O professor deve ter em mente que sua disciplina deve estar integrada
às outras, assumindo um movimento interdisciplinar, em que questões de interesse social
estejam incluídas. Temáticas relacionadas à política, economia, educação, por exemplo,
devem fazer parte das propostas didáticas dos professores. Assim como nos PCN, a
transversalidade faz-se presente. Dessa forma, retoma-se a perspectiva multicultural da
aprendizagem de línguas, de acordo com a visão sócio-construcionista dos discursos, segundo
a qual “os professores são agentes – junto com os estudantes – da construção dos saberes que
levam um indivíduo a “estar no mundo” de forma ativa, reflexiva e crítica” (OCEM, 2006:
146).
O aprendizado da língua, neste documento, ultrapassa uma visão de linguagem como
forma de expressão e comunicação, mote de todo o discurso da abordagem comunicativa de
ensino de línguas. Ou seja, não se reduz a língua à função única da comunicação. Tampouco
desconsideram-se a complexidade do seu papel na vida humana e a subjetividade do seu
processo de aprendizagem. Privilegia-se uma visão de linguagem enquanto constituinte de
significados, conhecimentos e valores. A aprendizagem da língua estrangeira possibilita ao
aluno conhecer os significados construídos de uma sociedade diferente da sua, para que possa,
assim, construir novas visões sobre si mesmo. O contato com o estrangeiro, com a diferença,
provoca inevitáveis deslocamentos em relação à língua materna para que se chegue à língua
estrangeira. Dessa maneira, a aprendizagem de uma língua estrangeira, segundo as OCEM,
preza pelo movimento da alteridade. O movimento de olhar o outro cria novas formas de
olhar a si mesmo. Revuz (2006: 217) estabelece essa mesma relação quando diz que “toda
tentativa para aprender uma outra língua vem perturbar, questionar, modificar aquilo que está
inscrito em nós com as palavras dessa primeira língua”.
Como mencionamos anteriormente, as OCEM fazem algumas considerações sobre
características específicas da língua espanhola. São elas, a sua heterogeneidade e grau de
proximidade que mantém com o português.
No texto do documento, são levantados alguns números referentes ao espanhol. Essa é
a língua materna de mais de 330 milhões de pessoas em todo o mundo. São 19 países no
continente americano, um na Europa e um na África que a tem como idioma oficial. Isso faz
pensar na diversidade com que se depara o aprendiz dessa língua.
É comum observar, aponta-nos as OCEM, a partir de diferentes discursos, uma
preferência por parte de alunos, professores e autores de materiais didáticos de espanhol, pela
variedade peninsular do idioma. Percebe-se uma caracterização dessa variedade como a mais
pura, a primeira, a mais correta e das outras como decorrentes da primeira e, por isso,
diferentes, desviadas. Os materiais didáticos ajudam a reforçar essa crença, já que dão maior
importância, quase sempre, à variedade espanhola, apresentando outras variedades como
curiosidades da língua. Paraquett (2005: 378), ao tratar da abordagem cultural nos livros
didáticos de ELE diz que
O contexto cultural é utilizado, então, apenas como desculpa para a aquisição de expressões que facilitam a repetição de um modelo cultural específico, tomado como hegemônico, sem que considere o vastíssimo panorama cultural hispânico. Esse modelo é sempre oriundo do centro acadêmico produtor desses materiais, seja Madri, Salamanca, Barcelona ou Valladolid, os mais importantes e reconhecidos atualmente.
Ou assim se faz, ou se cria outra crença: é necessário o estabelecimento de um padrão
de língua para a comunicação, ou seja, um espanhol padrão. Sobre tal questão, o documento
posiciona-se contrariamente, afirmando que o ideal de homogeneidade leva à exclusão das
identidades de alguns países. O ideal da unidade leva à seleção de características de certas
variedades em detrimento de outras. “A homogeneidade é uma construção que tem na sua
base um gesto de política lingüística, uma ideologia que leva à exclusão” (OCEM, 2006:
135).
Diante da questão, o documento argumenta que mais importante do que pensar em
qual variedade ensinar, seria refletir sobre como ensinar uma língua tão plural, sem mitificar
suas diferenças ou reduzi-las a listas de palavras representativas do léxico comum em
determinada região.
Outra questão levantada é a da proximidade entre as línguas portuguesa e espanhola. A
problemática da proximidade leva a pensar, segundo as OCEM, em questões como: o grau de
proximidade/distância entre o português e o espanhol; as representações do espanhol como
língua fácil/difícil para brasileiros; o papel da língua materna no aprendizado de uma língua
estrangeira.
A proximidade entre as duas línguas fez valer (e ainda faz, em alguns casos) a crença
de que a dificuldade na aprendizagem da língua espanhola estava nos chamados “falsos
amigos”. Sobre isso, o documento argumenta que um trabalho de caráter comparativo deve
levar em conta outros níveis da língua, como o fonético-fonológico, morfológico, sintático,
pragmático e discursivo. Diz também sobre as conclusões a que a Pragmática e a Análise do
Discurso têm chegado sobre as diferenças/semelhanças entre o português e o espanhol.
Os percursos teóricos não param por aí, e novas formas de contraste surgem, com bases epistemológicas bastante diferentes, feitas sobretudo a partir da pragmática e da análise do discurso, que apontam questões cruciais que não a das simples semelhanças e diferenças no contraste termo a termo, estrutura a estrutura. (OCEM, 2006: 139)
Ao tratar dos efeitos da proximidade/distância nos processos de aprendizagem, as
OCEM apresentam caminhos metodológicos que diferem daqueles apresentados pelos PCN.
Não percebemos no documento um discurso explicativo sobre a preferência pela habilidade
da leitura. Ao tratar da problemática da língua materna na aprendizagem da língua estrangeira,
frequentemente, remete-se às habilidades de produção de língua. Vejamos:
Da idéia de que não é necessário fazer grande esforço para falar essa língua (que é causa dessa perigosa e enganosa sensação de competência espontânea), que traz para o Espanhol muitos dos que não conseguiram aprender o inglês, por exemplo, os aprendizes passam, muito rapidamente, à idéia de que é impossível aprender essa língua, impossível encontrar os pontos de separação em relação ao Português que garantam que não permanecerão nessa espécie de meio do caminho (OCEM, 2006: 140).
E também:
Ainda que possamos entender por que se dá (o portuñol), é preciso saber que uma coisa é reconhecer a sua existência, outra, muito diferente, é levar os alunos a encararem o estudo do Espanhol de forma a superá-lo e a não se contentarem com a mera possibilidade de atender às necessidades rudimentares de comunicação, via portuñol, que em geral longe está de qualquer forma usual de expressão na língua-meta. (OCEM, 2006: 141).
A partir de então, o documento aborda questões relativas aos procedimentos com o
ensino da língua, em especial sobre o tratamento do componente gramatical.
A posição das OCEM para a questão gramatical é a de que o conhecimento sistêmico é
necessário para a produção de enunciados na língua estrangeira a partir de uma perspectiva
discursiva. Isto é, “o foco na gramática deve voltar-se para o papel que ela desempenha nas
relações interpessoais e discursivas” (OCEM, 2006: 144).
Dessa forma, fecho a exposição dos documentos. Retomando os objetivos traçados na
introdução deste capítulo, não pretendi fazer uma análise exaustiva desses textos, mas sim,
uma breve exposição de suas propostas, já que estão constantemente presentes nos discursos
dos sujeitos envolvidos nesta investigação.
Tendo já exposto o contexto no qual se inserem as reflexões analíticas desta
dissertação, passo ao capítulo de Metodologia, em que serão apresentados os caminhos
percorridos para a confecção do corpus, seu recorte e análise.
3- ASPECTOS METODOLÓGICOS
metodología (Del gr. µέθοδος, método, y -logía). 1. f. Ciencia del método. 2. f. Conjunto de métodos que se siguen en una investigación científica o en una exposición doctrinal. (RAE, 2001)
O caminho que percorri até a constituição do corpus dessa pesquisa foi
consideravelmente longo. Para chegar à gravação de um grupo de discussão do qual
participaram três professores de espanhol conversando sobre questões relacionadas ao ensino
desta língua, precisei testar algumas outras possibilidades metodológicas.
Neste capítulo, apresento os encaminhamentos metodológicos da pesquisa, tratando da
constituição e do recorte do corpus, da apresentação dos sujeitos de pesquisa e da
metodologia seguida na seção de análise.
3.1- A CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
“Preciso conversar com os professores”. Esta afirmação esteve presente
constantemente em minhas ideias, durante os meses que antecederam a gravação do corpus da
pesquisa. Conforme apresentado no capítulo de Introdução, o tema de estudo deste trabalho
foi sendo construído aos poucos, conforme as leituras e as reuniões de orientação foram
acontecendo, configurando-se como tal, na metade do 1º semestre do ano de 2009.
Optei, num primeiro momento, pela constituição de um corpus que reunisse falas de
professores, através de entrevistas17. A primeira questão que me veio foi: que perfil de
professor desejo entrevistar? De que natureza seriam as práticas identitárias que gostaria de
observar? Pensei em professores da educação regular, primeiramente. Após algumas
reflexões, decidi por um perfil mais heterogêneo, optando por professores que já tivessem
passado por contextos de ensino variados. Acreditava que esse perfil traria grandes
contribuições ao estudo. Porém, não sabia exatamente como organizar esse evento de
pesquisa com os informantes. O que deveria perguntar? Resolvi, então, fazer uma gravação-
piloto.
17 Ao usar a entrevista como ferramenta, concebo-a numa perspectiva enunciativa da linguagem, como um evento dialógico. As respostas dadas às perguntas constroem um texto, sob a ótica discursiva (Rocha, Daher, Sant’Anna, 2004)
Para a realização da entrevista-piloto, preparei um roteiro de entrevista organizado por
blocos temáticos que orientaram a elaboração das perguntas, construídas a partir do
estabelecimento de objetivos, problemas e hipóteses. Pretendia verificar a coincidência ou não
entre as hipóteses e as respostas obtidas nas entrevistas (Daher, 1998).
Assim, o roteiro se dividiu em quatro blocos temáticos: (a) O professor e seu processo
de aprendizagem do Espanhol como língua estrangeira; (b) O professor e o seu fazer; (c) A
presença do Espanhol como língua estrangeira no currículo de formação básica; (d)
Identidade do professor e língua estrangeira (cf. Anexo 1). Nesse momento, não tinha muita
clareza quanto ao recorte que faria para analisar as práticas identitárias dos professores. Os
blocos temáticos foram sendo construídos a partir das leituras que vinha fazendo e das
discussões desenvolvidas na disciplina Língua Estrangeira e Subjetividade18 que cursava
naquele semestre.
A gravação foi realizada no dia 4 de junho de 2009 com Roberto19, professor de
espanhol de uma escola pública da rede estadual de ensino, formado por uma universidade
federal carioca. Roberto também trabalha como professor particular em algumas empresas,
além de dar aulas em um pré-vestibular comunitário. O professor tinha, então, 26 anos e
morava num bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Iniciamos a gravação às 22:20h e
terminamos às 22:56h20.
No momento da gravação, assumi minha posição de entrevistador, não interrompendo
o fluxo da fala de Roberto; somente me manifestava para esclarecer possíveis dúvidas sobre
as perguntas.
Ocorreu que, no decorrer da entrevista, alguns foram os momentos em que tive que me
conter para não falar, não discordar ou discutir com o entrevistado. Algumas afirmações de
Roberto me pareciam muito interessantes de serem discutidas. Comecei a duvidar, no meio da
gravação, de que as falas individuais de professores comporiam o meu corpus de análise. Se
as afirmações de Roberto me chamaram a atenção, imaginei que chamariam a atenção de
outros professores também.
18 A disciplina foi oferecida no primeiro semestre de 2009, sob a responsabilidade da Profa. Dra. Mercedes Sebold, conforme já informado na Introdução. Nela foram discutidas questões como a subjetividade no processo de aprendizagem de línguas estrangeiras, o entendimento social do conceito de identidade, e a noção de ethos discursivo apresentada pelos teóricos da AD.
19 Nome fictício.
20 Está presente neste trabalho a transcrição dos momentos mais relevantes da entrevista-piloto.
Terminada a entrevista, havia uma certeza: não era aquele o corpus que eu gostaria de
analisar. As ideias apresentadas por Roberto eram bastante interessantes e seria ótimo se
outros professores pudessem conversar sobre elas. Foi a partir dessa ideia que construí o
corpus definitivo da pesquisa. Para tanto, montei um grupo de discussão com três
professores21 de espanhol para conversarem sobre questões que surgiram na entrevista com
Roberto.
A escolha dos professores, cujos perfis são apresentados a seguir, possuía como
requisito o fato de que fossem docentes que já tivessem atuado em contextos de ensino
diversos, tais como ensino regular em escolas privadas e públicas, ensino não regular em
cursos livres de idiomas e preparatórios para concursos e ensino superior.
Foram contactados, através de uma consulta por e-mail, sete professores; obtive quatro
aceites. No dia da gravação, um dos quatro docentes, por motivos pessoais, não pôde
participar do evento, ficando o grupo composto por três informantes.
O grupo de discussão aconteceu em meu apartamento, num clima bastante informal,
no dia 19 de julho de 2009, das 15:43h às 17:04h. Durante a gravação, feita em áudio e vídeo,
não me manifestei. Posicionei-me fora do ângulo de visão dos informantes, fazendo alguns
apontamentos que me pareceram importantes.
Antes de iniciar o evento, pedi que cada participante, isoladamente22, fizesse uma
apresentação sua, seguindo os seguintes pontos: (1) Dados pessoais (os que achar relevantes);
(2) Início dos estudos de espanhol (Onde? Quando? Por quê? Como?); (3) Formação
acadêmica; (4) Área(s) de interesse em pesquisa (se for o caso); (5) Experiência profissional.
A partir deste material, obtivemos os seguintes perfis de informantes:
Docente A
É professora de língua espanhola há sete anos. Trabalha em duas escolas da rede
particular de ensino (em uma delas, com turmas de preparação para o Vestibular) e num curso
livre de idiomas, já tendo também trabalhado em empresas. Licenciada e Especialista em
Letras, A iniciou seu estudos de língua espanhola num curso livre de idiomas, sediado numa
universidade pública do Rio de Janeiro. Carioca, 29 anos e moradora de um bairro da zona
21 Roberto não participou desse evento.
22 Cada participante fez sua apresentação num espaço separado, sem a presença dos demais. Imaginei que, desta forma, se sentiriam mais à vontade para falarem de si mesmos. A transcrição dessas apresentações encontra-se no Anexo 3.
norte carioca, pretende iniciar o curso de mestrado na área de estudos linguísticos,
desenvolvendo trabalhos sobre a questão da compreensão leitora.
Docente B
É professor de língua espanhola há seis anos, tendo iniciado seus estudos de espanhol
num curso livre de idiomas. Trabalha em uma escola da rede federal de ensino, é carioca, tem
28 anos e mora num bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Já trabalhou em cursos livres de
idiomas, em escolas particulares de ensino regular e em universidades privadas e públicas
(nestas, como professor substituto). Licenciado, especialista e mestre em Letras, atualmente
desenvolve sua pesquisa de doutorado na área de estudos literários da América Hispânica.
Além da perspectiva literária, também se interessa por questões metodológicas de ensino
aplicado ao espanhol.
Docente C
É professora de língua espanhola e coordenadora pedagógica de uma escola pública do
Rio de Janeiro, além de trabalhar como professora substituta em uma universidade pública
carioca. Licenciada e mestre em Letras, C trabalha como professora há dez anos, tendo
iniciado seus estudos de língua espanhola na universidade. Já trabalhou em cursos livres de
idiomas, em cursos preparatórios para o Vestibular, em escolas privadas de ensino regular e
em universidades privadas. Carioca, 37 anos e moradora de um bairro da zona sul carioca,
pretende iniciar, em 2010, o curso de doutorado, pesquisando questões relacionadas à
Linguagem e ao Multiculturalismo.
Após as apresentações, iniciamos as discussões. Sentados em círculo, os professores
iniciavam as discussões a partir da leitura dos temas, escritos em tiras de papel. Foram no
total dez temas de discussão.
Os temas, como informei anteriormente, foram extraídos da entrevista-piloto, realizada
um mês antes do grupo de discussão. A seguir, encontram-se as transcrições das falas de
Roberto, seguidos dos temas propriamente ditos.
Excerto 1-E: eu tive espanhol na escola; e foi uma surpresa, porque era 8ª série, sempre foi o monopólio do inglês, desde a 4ª série até a 7ª, e na 8ª foi uma surpresa (...), o sistema escolar marca essa margem quando coloca um tempo só de aula pra essa disciplina, ou não aceita muito as propostas do professor.
Tema: O professor de espanhol ocupa na escola um lugar à margem, perante os professores
das outras disciplinas.
Excerto 2-E: no 6º período, já quase no final do curso, eu parei pra pensar o que eu faria realmente; se eu conseguiria ter um emprego dando aula de língua espanhola, já que existia aquele mito também de que o mercado de trabalho, ele era preenchido pelos professores nativos, né, que não necessariamente eram formados em letras, tudo isso.
Tema: O ensino de espanhol tem sido prejudicado por falantes nativos que se auto-
denominam professores.
Excerto 3-E: o professor tem que viver em formação continuada, em formação contínua, sempre buscando, renovando e atualizando sua prática (...), eu, como outros professores, dessa nova geração, digamos aí, uma geração que tá correndo mais atrás, tá lendo mais, tá tendo uma melhor formação nas universidades / eu acho que esse professor faz o diferencial.
Tema: Os estudos acadêmicos auxiliam a prática do professor.
Excerto 4-E: comecei a ter contato com certas teorias que seriam importantes para um professor de língua estrangeira, que até então eu nunca escutei no curso de graduação / mas eu confesso que saí dessa prática de ensino sem conhecer documentos importantíssimos para a formação de um professor, no caso os PCN, ainda não era a época das OCEM / mas os PCN nunca foram comentados durante a minha formação.
Tema: Documentos como PCN e OCEM são importantes para a formação do professor de
espanhol.
Excerto 5-E: esse curso foi o meu primeiro emprego /.../ depois, já formado eu procurei participar de processos seletivos / meu segundo emprego foi também num curso de idiomas / ao mesmo tempo, eu consegui através de uma indicação, trabalhar na primeira escola, era uma escola privada, eu trabalhava com turmas de ensino médio / e também pra mim já foi um outro universo aí, porque era uma escola diferente sempre do público que eu trabalhava antes, do cursinho / O grande choque foi como conseguir controlar 40 pessoas numa sala de aula, estando preocupado com o conteúdo a passar, com uma cobrança da escola, um livro enorme, coisas que num cursinho poderia até contornar melhor, devido o número de pessoas, de alunos ser mais reduzido.
TEMA: A escola, comparada ao curso de idiomas, é outro universo de ensino.
Excerto 6-E:
nós vivemos aqui cercados por inúmeros países que falam, né, a língua espanhola, eh, blocos econômicos / esses convênios que estão sendo feitos, Brasil-Argentina, da mesma forma que o espanhol é obrigatório aqui, o português tá sendo lá.
Tema: O espanhol é importante no Brasil porque vivemos cercados por países que falam essa
língua e pelos blocos econômicos que formamos com alguns desses países.
Excerto 7-E: isso pode partir já desde uma discussão com os alunos, seja ela em português ou espanhol, de um assunto do dia-a-dia, da realidade deles, e que possa ser desdobrado numa atividade mediante um texto, mediante uma canção, mediante uma reportagem, um vídeo, um filme que trate de assuntos, né, pertinentes àquela sociedade, à sociedade brasileira, à sociedade espanhola, à sociedade argentina, qualquer sociedade que você possa extrair dali algum assunto que contribua, né, uma discussão que contribua no desenvolvimento crítico desse aluno, como um sujeito que atua, opina na sociedade.
Tema: Ao se trabalhar com os temas transversais, o mais importante é a discussão do tema e
não a prática da língua.
Excerto 8-E: Se você não reflete, não pensa dessa forma o ensino de língua estrangeira, você volta a passar aquele ensino tradicional / não que ele não seja necessário em alguns momentos.
Tema: O ensino tradicional é necessário em alguns momentos.
Excerto 9-E:
Quando o professor leva uma atividade diferente, faz um teatro, ou coloca uma música, fica uma grande bagunça, que é isso que acontece, aquele professor é chamado à atenção, porque está atrapalhando a aula do outro.
Tema: Uma aula de espanhol precisa ser dinâmica; o que muitas vezes é confundido com
bagunça.
Excerto 10-E:
Sempre escutei que o professor deveria sentir algo diferente, ou mudar sua pronúncia, o seu aparelho fonador, se ele conseguisse perceber isso, essa mudança no seu aparelho fonador, ele estaria falando bem a língua, ou encarando bem o personagem. Quando eu estou falando em espanhol, nada mais é do que um verdadeiro teatro, que muda o tom de voz, acho que muda a postura, mexe mais a mão, encara mesmo esse personagem, fala mais alto /.../ e também tem essa questão do teatro de convencer o aluno que você como brasileiro ocupa um espaço, sendo professor naquele momento quando está falando espanhol, está representando uma outra cultura, está representando todo um sistema linguístico que ele pode dominar por completo ou não / então eu acho que é uma responsabilidade muito grande, de falar e errar, corrigir imediatamente /.../ eu sinto um clima diferente. É algo que dentro de mim, eu percebo uma diferença. O espanhol é algo que realmente é um papel, é uma encenação.
Tema: Quando dou aula de espanhol estou representando outra cultura que não é a minha.
Como se pode perceber, as frases que servem de tema para discussão não são
transcrições de fala, mas sim adaptações e reformulações das falas de Roberto. Estou
consciente de que ao reformulá-las, mudo, em certo modo, o tom de expressividade do
entrevistado. Tais mudanças tornaram os temas mais claros – tendo sido excluídas as marcas
de oralidade, como pausas e hesitações – e também mais contundentes, proporcionando, dessa
forma, reações mais perceptíveis.
3.2- RECORTE DO CORPUS E PARÂMETROS DE ANÁLISE
Até aqui, descrevi os caminhos percorridos para a montagem do corpus. Passo agora
ao momento posterior da gravação do grupo de discussão. Com ele já pronto e transcrito,
iniciei o processo de leitura dos dados.
As colocações dos sujeitos de pesquisa caminhavam por vários temas, desde sua
formação à sua experiência profissional, passando por políticas linguísticas, crenças presentes
no ensino de línguas estrangeiras, experiências pessoais de aprendizado da língua espanhola e
reflexões educacionais. Nesse momento, precisei delimitar as informações que interessavam
ao principal objetivo proposto pelo trabalho: entender como se constroem as identidades de
professores de ELE. Portanto, fiz um primeiro recorte do corpus. Procurei, entre todo o
material, os momentos em que os professores definiam, direta ou indiretamente, sua profissão.
Ou seja, busquei as passagens em que os docentes refletiam sobre o seu próprio fazer,
atribuindo-lhes características, determinando-lhes comportamentos ou exemplificando sua
atuação.
Após leitura exaustiva dos dados, alguns temas foram eliminados. Num primeiro
momento, foram excluídos “O espanhol é importante no Brasil porque vivemos cercados por
países que falam essa língua e pelos blocos econômicos que formamos com alguns desses
países” e “Quando dou aula de espanhol estou representando outra cultura que não é a
minha”. Após outras leituras mais atentas e sempre orientadas pelos objetivos propostos, mais
alguns temas foram eliminados, ficando o corpus composto, então, da apresentação dos
entrevistados e da discussão de cinco temas. São eles: “Documentos como PCN e OCEM são
importantes para a formação do professor de espanhol”; “Os estudos acadêmicos auxiliam a
prática do professor”; “O ensino de espanhol tem sido prejudicado por falantes nativos que se
autodenominam professores”; “O ensino tradicional é necessário em alguns momentos”; “Ao
se trabalhar com temas transversais o mais importante é a discussão do tema e não a prática da
língua”.
A exclusão dos temas não significa que ali não seria possível fazer uma análise das
práticas identitárias do professor. Tomei essa decisão levando em conta o recorte do corpus, o
de analisar as construções identitárias dos professores, quando estes falam / refletem sobre
isso; e a necessidade de organizar as informações obtidas. Nos dois primeiros temas
excluídos, os sujeitos trataram ora das políticas públicas e linguísticas que envolvem o ensino
da língua espanhola, ora de suas performances como falantes de língua estrangeira. O segundo
corte de temas respeitou um desdobramento não esperado da pesquisa, a questão da primeira
formação. Foram selecionados, então, temas em que essa questão aparecesse mais claramente.
Com o corpus já delimitado, composto agora de falas sobre a prática e a formação do
professor de ELE, iniciei um novo processo. A leitura, agora, partia para um olhar mais
analítico e comprometido com a perspectiva teórica da pesquisa: a AD. Para isso, precisava
buscar na materialidade discursiva dos dados, elementos que fornecessem pistas sobre as
práticas identitárias empreendidas pelos sujeitos. Dessa forma, entendia os dados não como
fontes de informações dos professores em questão. Via-os, antes, como movimentos
discursivos estabelecidos entre aqueles sujeitos, no entendimento “de um plano discursivo que
articula linguagem e sociedade, entremeadas pelo contexto ideológico” (Rocha & Deusdará,
2005: 308).
Como apresentei no capítulo de Introdução, objetivo verificar de que estratégias
discursivas se valem os professores em questão na construção e manutenção de seus ethé.
Dessa forma, a análise que empreendo não é a de uma marca linguística específica, mas sim
de pistas diversas que aparecem na materialidade linguístico-discursiva e que se relacionam
com os objetivos visados, levando em consideração a preocupação pelas questões identitárias
e a fundamentação teórica na AD. Tais pistas dizem respeito à relação do sujeito com o seu
dizer, determinante de suas escolhas linguísticas.
Nesse sentido, observou-se principalmente:
- as escolhas lexicais;
- risos, ironias e outras manifestações expressas por meio de marcas prosódicas e/ou
gestuais;
- discurso citado, em especial as ocorrências de discurso direto;
- uso das pessoas, especialmente o “ele” e o “você” não-determinados.
Tendo já apresentado e discutido a metodologia seguida pela pesquisa, no próximo
capítulo passo à análise dos dados.
4- ANÁLISE
análisis (Del gr. ανάλυσι�). 1. m. Distinción y separación de las partes de un todo hasta llegar a conocer sus principios y elementos. 2. m. Examen que se hace de una obra, de un escrito o de cualquier realidad susceptible de estudio intelectual. 3. m. Tratamiento psicoanalítico. (RAE, 2001)
Neste capítulo apresento as análises das sequências discursivas dos três informantes da
pesquisa. Organizei-o em quatro partes; as três primeiras referentes às participações dos
sujeitos da pesquisa no grupo de discussão, e a última à questão da formação dos professores.
Antes de iniciar, julgo necessário antecipar duas observações.
Primeiramente, friso que não está entre minhas propostas a análise de todas as
sequências discursivas, uma vez que a visão teórica que embasa a pesquisa não tende à
exaustividade analítica, em sua extensão ou completude (Orlandi, 2005). O número de
sequências analisadas tem como parâmetro o alcance dos objetivos propostos. Também por
este motivo, conforme indicado no capítulo de metodologia, alguns temas discutidos foram
excluídos da análise.
Em segundo lugar, cabe retomar uma consideração sobre o trabalho com a noção de
ethos. No decorrer e ao final da análise, seguindo a perspectiva teórica da pesquisa, cada
informante terá seus ethé identificados por meio de adjetivos extraídos de estereótipos sociais.
Ratifico que essa caracterização não se refere às pessoas empíricas, aos sujeitos A, B e C, de
fato. As adjetivações, isso sim, referem-se às imagens discursivas entrevistas no grupo de
discussão do qual participaram. Isto é, no trabalho com o ethos “trata-se da imagem de si que
o orador produz em seu discurso, e não de sua pessoa real” (Charaudeau & Maingueneau,
2006: 220)23.
4.1- DOCENTE A: A PROFESSORA CÉTICA?
escepticismo (De escéptico e –ismo). 1. m. Desconfianza o duda de la verdad o eficiencia de algo. 2. m. Doctrina de ciertos filósofos antiguos y modernos, que consiste en afirmar que la verdad no existe, o que, si existe, el hombre es incapaz de conocerla. (RAE, 2001)
2323 Neste fragmento os autores referem-se à concepção retórica da noção de ethos, cujo sentido também encontra eco na visão da AD.
Nesta seção, são analisadas as sequências discursivas da docente A. Inicio com alguns
trechos de sua apresentação, feita individualmente, sem a presença dos demais informantes.
Excerto 1-A: A- me formei em 2003 /.../ comecei a dar aula em EMPRESA / dava aula pra EMPRESÁRIO, não tinha dado aula em escola / depois comecei a dar aula em escola, uns três anos depois / tanto é que eu demorei a fazer licenciatura, porque eu já dava aula em empresa e não queria muito essa história de dar aula em escola / mas aí decidi terminar a licenciatura e comecei a dar aula em escola / a primeira escola onde dei aula foi no ((escola em que trabalhou)), na escola ((escola em que trabalhou)), pro ensino médio, aí fiquei apaixonada por escola / hoje em dia não quero mais... Excerto 2-A: A- agora resolvi fazer, um ano atrás, um curso de especialização / na ((universidade em que cursou a especialização)), pra continuar ESTUDANDO, né, porque eu acho que professor não pode ficar SÓ dando aula, a gente EMBURRECE dando SÓ aula / você tem que começar a progredir / aí pra começar a voltar a estudar, eu fiquei muito tempo parada, depois que me formei não estudei mais, comecei nessa especialização.
Notam-se nos fragmentos anteriores alguns primeiros indícios identitários da
professora. Chamo a atenção para duas estruturas utilizadas nos fragmentos: “essa história de
dar aula em escola” e “a gente emburrece só dando aula”. Conforme veremos a seguir, essas
frases de impacto são comuns no discurso da professora ao tratar das questões relacionadas à
educação.
No primeiro excerto, a docente divide sua atuação profissional em antes e depois do
curso de licenciatura. Ela afirma não ter se interessado pelo curso das disciplinas de formação
de professores, porque “já dava aula em empresa”. Sobre esse momento ela afirma que não se
interessava pelo trabalho na escola regular e para isso usa a expressão “essa história de dar
aula em escola”. É constante, na linguagem cotidiana, o uso dessa expressão, substituível por
outras como “esse papo”. Essas designações trazem ao enunciado um tom de ironia e
descrédito ao assunto a que se refere. Nesse sentido, vou ao encontro das acepções “mentira”
e “amolação”, encontradas em Ferreira (2004: não paginado). Ao fazer essa escolha léxica, a
professora parece trazer à atividade docente da escola regular uma carga de descrédito e
incerteza.
No discurso da professora, percebe-se, a princípio, que o curso de licenciatura mudou
sua concepção sobre o trabalho na educação regular, uma vez que ela afirma ter se
apaixonado por essa atividade. Porém, como veremos mais adiante, essa visão positiva sobre
a formação da licenciatura não se mantém durante toda sua participação no grupo de
discussão.
Posteriormente, ainda em sua apresentação, a docente antecipa sua visão sobre a
atividade de sua profissão. Ela afirma que a prática contínua da sala de aula sem o contato
com a academia traz como consequência o “emburrecimento”, valendo-me de expressão
próxima à usada pela informante. Percebe-se, assim, o descrédito votado à sala de aula como
espaço de construção de conhecimento. Interessante, nesse sentido, o uso do adjetivo “parada”
para expressar seu afastamento da academia, trazendo à sala de aula uma estaticidade no que
se refere à construção de conhecimento válido para o professor.
Em sua apresentação, anterior ao início da gravação do grupo de discussão, A parece
já apontar um certo ceticismo referente às discussões educacionais. Durante a análise, pode-se
perceber de que modo ela sustenta essa imagem discursiva de pessoa cética. Passo, então, às
participações da docente no grupo de discussão. Vejamos essas sequências discursivas:
Excerto 3-A: A- eles ((documentos como os PCN e as OCEM)) norteiam, né, você /.../ são / importantes, importantes é, né, porque ele vai nortear o caminho que ele pode, pode seguir, mas / é o que a gente tava falando aqui, às vezes nem sempre, às vezes, eles funcionam, né /.../ eu acho, eu num sei, eu sou um pouco CÉTICA com coisa de educação, dessas, dessas, desses modismos de educação, eu acho que é tudo TÃO no plano da fantasia, tem umas coisas que é tão no plano da fantasia que a gente que vive a REALIDADE / cê vai numa faculdade de EDUCAÇÃO, a professora lá falando dos MÉTODOS, “ai que lindo, que lindo” né, aí você chega com essas fantasias na cabeça, aí você começa, cê entra numa sala de aula com quarenta crianças te olhando, que num tão nem aí pra essas / né, pra tudo que você aprendeu, se é bonito... acho que a realidade é um pouco diferente.
Neste momento, discutia-se o tema “Documentos como PCN e OCEM são importantes
para a formação do professor de espanhol”. A sequência transcrita acima abre a discussão.
Chamo a atenção para o enunciado “eu num sei, eu sou um pouco cética com coisa de
educação, dessas, dessas, desses modismos de educação”. O uso do adjetivo cética para
qualificar-se a si próprio dá início a uma série de expressões que vão opor as reflexões dos
documentos em questão às práticas reais de educação. Ora referindo-se a perspectivas
teóricas, ora a atuantes da área educacional, o discurso da docente ao se referir à educação é,
predominantemente, negativo.
Toda essa sequência é construída a partir de oposições. Vejamos:
- as construções “coisa de educação”, “tudo tão no plano da fantasia”, “métodos” e
“fantasias na cabeça” para referir-se às reflexões educacionais opõem-se ao substantivo
“realidade” para tratar do efetivo trabalho do professor em sala de aula.
- os complementos circunstanciais “numa faculdade de educação” e “numa sala de
aula com quarenta crianças” se opõem a partir dos verbos indicativos das ações que se
realizam nesses espaços. Falar em “professora lá falando” representa a atividade da
professora da faculdade de educação, enquanto olhar, em “quarenta crianças te olhando”, a
passividade dos discentes na escola.
- os adjetivos “bonito” e “diferente” para a qualificação da formação e da prática do
professor, respectivamente.
A seleção lexical parece sedimentar um ethos de docente descrente de ações
educacionais como as propostas dos PCN. Além de ter explicitado sua postura “cética” para
com os “modismos de educação”, observam-se no âmbito linguístico-discursivo escolhas
lexicais que produzem “uma confusão entre o enunciado e o mundo representado”
(Maingueneau, 2005: 96). O ceticismo da docente A é incorporado a seu discurso, atestando a
legitimidade do que é dito.
Observemos este próximo excerto, extraído também do tema referente aos documentos
PCN e OCEM. Nele, a docente A participa de uma troca verbal com a docente C e são
observadas, em silêncio, pelo docente B, que somente manifesta alguns risos.
Excerto 4-A: A- dentro das ESCOLAS a gente tem isso ((a escolha do material didático pela coordenação da escola, sem a consulta dos professores)), a coordena, às vezes tem escola que a gente vai / que não é A GENTE que escolhe o material didático é a coordenadora / olha, esse aí nós vamos... B- não é nem da área. ((risos)) A- não é nem da ÁREA, normalmente os coordenadores são pedagogos / desculpe, você é pedagoga, não né? ((dirigindo-se à docente C, que parece não ter entendido o motivo da pergunta)) / você tem alguma formação em pedagogia? não, né? C- não... A- não, porque eu não gosto de pedagogo (inint) ((o docente B manifesta risos)) A- eu acho que o pedagogo atrasa. C- sou coordenadora pedagógica só ((risos)). ((todos riem)) ((A docente C mostra-se incomodada com a situação, mantendo a cabeça baixa, buscando o olhar do pesquisador e expressando um semblante sério)) A- eu acho que o pedagogo atrasa a prática pedagógica só ((risos)) / desculpa, mas eu acho o pedagogo um atraso na nossa vida, entendeu? o pedagogo ele vai lá / ele não entende nada / joga aquele livro pra você trabalhar (inint.) / desculpa, você é pedagoga mesmo? ((em tom bem baixo)) C- eu sou professora de ESPANHOL, se você não percebeu ainda não? ((tom de ironia e risos)) A- não, sim, mas de repente a pessoa tem alguma, alguma / alguma ligação, né? / tem várias pessoas que fazem pedagogia depois vão fazer...
((ocorre um silêncio de 4 segundos; a docente C se mantém de cabeça baixa, o docente B mostra-se incomodado com a situação e a docente A busca o olhar do pesquisador))
A análise do plano linguístico-discursivo da sequência anterior exige considerações
sobre a chamada teoria das faces, desenvolvida por Brown & Levinson24 e apresentada por
Maingueneau (2005). Segundo o autor, na comunicação verbal entre dois interlocutores estão
envolvidas quatro faces: a face positiva e a face negativa de cada um deles.
Sobre a primeira, Maingueneau (2005: 38) diz que se refere “à “fachada” social, à
nossa própria imagem valorizante que tentamos apresentar aos outros”. Como a teoria está
diretamente relacionada ao conceito de polidez nas relações sociais, a face positiva do locutor
ou do destinatário pode ser ameaçada, por exemplo, por um pedido de desculpas do locutor
(ferindo sua “fachada” social, por ter de admitir uma falha) ou um insulto ao destinatário
(ferindo sua “fachada” social, por ter uma característica sua avaliada negativamente).
Para a sequência discursiva em questão, a noção de face negativa é mais adequada.
Maingueneau (2005) afirma que a ameaça à face negativa pode acontecer quando ocorrem,
por exemplo, perguntas indiscretas ou conselhos não solicitados. Tais atitudes verbais movem
o chamado “território” de cada indivíduo, ameaçando a estabilidade subjetiva interna dos
interlocutores.
Atentando ao episódio ocorrido no grupo de discussão, a docente A parece ter
ameaçado a face negativa da docente C, a quem é endereçado o questionamento “você é
pedagoga?”. O silêncio ao final da discussão e o incômodo percebido pelo comportamento
corporal de C evidenciam a desestabilização de seu “território”, revelando uma não satisfação
em ser identificada como pedagoga. Isso fica ainda mais claro quando, ao identificar sua
profissão, C enfatiza a disciplina que ensina e ri ironicamente.
São constantes no contexto escolar, os discursos depreciativos ao trabalho dos
pedagogos, geralmente vistos como interventores ou como profissionais que realizam
trabalhos de pouca significância. Sobre a especificidade do trabalho de ação pedagógica,
Libâneo (2005) diz que este se diferencia bastante da ação docente. O autor apresenta
propostas que distinguem a atividade profissional do professor, que atua de uma forma
específica no trabalho pedagógico – com o ensino, e a atividade profissional do pedagogo,
atuante de uma atmosfera mais ampla de práticas educativas. Mais adiante retomaremos essa
questão.
24 BROWN, P. & LEVINSON, S. Politeness. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
Além das declarações explícitas sobre a não relevância do trabalho de pedagogos, as
marcas não verbais – como o riso e o baixo tom de voz ao fazer a pergunta pela segunda vez –
no discurso da docente A relacionam-se com a imagem discursiva da professora cética já
identificada anteriormente.
Outro momento também bastante emblemático da participação de A no grupo ocorreu
durante a discussão do tema “Os estudos acadêmicos auxiliam na prática do professor”.
Excerto 5-A: A- acho que professor, é o que a gente já falou aqui / que o professor ele tem que tá sempre em MOVIMENTO, né, em estudo, se você é o professor (inint.) aconteceu, isso é engraçado que isso aconteceu comigo / eu me formei em 2003 (inint.) comecei a dar AULA e num queria saber de tá estudando, ah não agora eu quero dar aula só que chega um determinado momento que você poxa, você sente parece meio que emburrece né / eu acho que só dá aula é uma coisa que emburrece / vai lá dá uma paradinha nas aulas, vou tentar volta a estudar, porque eu acho que MEU ALUNO merece. B- (inint.) dificulta porque ganha menos pra voltar a estudar. A- exatamente, eu tive que abrir mão de algumas turmas, né, bom vou ganhar, vou perder um dinheiro, mas em compensação eu vo ganhar na qualidade de ensino que eu estou dando, é melhor pro meu aluno e é melhor pra mim também / então eu voltei a estudar e não me arrependo / é isso que eu quero mesmo.
Conforme exposto anteriormente, nas sequências da docente A são percebidas pistas
linguístico-discursivas que legitimam uma imagem de si, um ethos. Seja pela seleção léxica
ou pelo tom de ironia usado em alguns momentos, percebe-se que essa professora, a partir de
seu dizer, constrói a imagem de uma professora que duvida da aplicabilidade de teorias
educacionais (documentos como PCN e OCEM, formação pedagógica) na prática e na
formação do professor de ELE.
Entretanto, percebemos no excerto 4-A que a docente considerou importante, num
dado momento de sua trajetória profissional, a prática reflexiva e a formação continuada.
Referindo-se a isso, fez uso das expressões “em movimento”, “em estudo”, que se
contrapõem ao verbo “emburrecer”, referindo-se à atividade única da sala de aula. Parece,
então, que seu ceticismo havia dado espaço a uma credibilidade às reflexões educacionais, já
que buscou um curso de especialização que tem como foco a reflexão sobre a compreensão
leitora no ensino de ELE25.
Aqui, cabe lembrar as considerações feitas no capítulo “Conceitos e Noções” a
respeito dos conceitos de sujeito e identidade. Recuperando as bases da AD, sob a
perspectiva da psicanálise lacaniana, foi visto que o sujeito não é entendido como dono de seu 25 Essa informação foi fornecida pela professora tanto em sua apresentação como em alguns momentos da discussão em grupo.
dizer. Ao mesmo tempo que é sujeito de seu discurso, também está sujeito a ele. Dessa forma,
os sujeitos assumem posições identitárias instáveis, incompletas e contingentes, passando por
constantes mudanças em função das formas mediante as quais são interpelados pelos sistemas
sociais em que estão inseridos (Hall, 2006). As identidades são, portanto, entendidas como
flexíveis e multifacetadas.
Ainda que a professora tenha, desde o início do evento, marcado sua posição de não-
credibilidade quanto às reflexões da educação, em alguns momentos se posiciona exatamente
no lado oposto dessa imagem. Ou seja, para ela seriam os estudos acadêmicos (no caso da
professora, aqueles que discutem o ensino de ELE) que afugentariam o emburrecimento
causado pelo trabalho na escola. Aqui cabem algumas reflexões sobre a questão da formação
do professor; por motivos de organização do texto, faço essas considerações no item 4.4.
Voltemos à análise.
O seguinte fragmento também demonstra a “liquefação” (Bauman, 2001) do ethos de
professora cética. Trata-se de um excerto da discussão sobre o tema “O ensino de espanhol
tem sido prejudicado por falantes nativos que se autodenominam professores”.
Excerto 6-A: A- por exemplo, eu dou aula no Y ((um curso livre de idiomas)), só eu e o B ((um companheiro de trabalho)) / que somos professores que o resto que o cursinho na realidade é se você SABE FALAR, você é simpático você sabe falar / te jogam pra dar aula porque lá ninguém é PROFESSOR. B- isso que eu ia falar. A- é INSTRUTOR né /.../ aí... acho que existe uma diferença de professor e instrutor.
Na sequência acima, a docente estabelece uma oposição entre as figuras do professor e
do instrutor do centro de idiomas. A este último, são atribuídas algumas características, tais
como a de saber falar o idioma a ser ensinado e a de ser simpático. Logo após, a docente
afirma categórica e enfaticamente que “lá ninguém é PROFESSOR”. Ou seja, A destaca a
importância da formação, incluindo aí a formação pedagógica. Mais uma vez seu ceticismo
cedeu lugar à credibilidade no componente educativo na formação e na prática do professor
de ELE.
Ainda que não seja o foco do trabalho analítico que empreendo, sobre a questão do
trabalho do professor em cursos livres remeto-me ao estudo de Freitas (2010). A autora, a
partir de uma análise também discursiva, considera que há “uma interpretação dos discursos e
práticas tayloristas no trabalho prescrito ao docente de empresas privadas que oferecem
cursos livres de línguas estrangeiras” (Freitas, 2010: 283). Segundo sua pesquisa, ocorre uma
desvalorização da atividade docente, relacionada com a tendência de transformação da língua
em bem de consumo.
Ao diferenciar as atividades de trabalho do professor e do instrutor de idiomas, a
docente A parece perceber a importância de uma formação completa do professor, que inclua,
além de conhecimentos sobre a língua, reflexões sobre sua ação pedagógica. Dessa forma, A,
mais uma vez, se afasta da imagem da professora cética.
Fazendo eco às análises que desenvolvo, a própria docente A, com suas palavras,
resume boa parte da perspectiva teórica adotada nessa pesquisa. Vejamos:
Excerto 7-A: A- eu acho que o ensino num todo é fund... eu acho que você, alguns momentos? / alguns momentos sim, eu acho que ele é necessário de vez em quando você dar uma folhinha de exercícios pro aluno ali do ensino médio. C- ensino estrutural, né, eu acho que, mais uma vez / cai na questão do público, né / é aquela coisa, eu acho que você tem que conhecer diversos métodos, né, conhecer o que é língua, enfim, essa coisa toda pra você poder se VALER desses instrumentos no momento, né, apropriado, no momento que você precisa deles. A- tudo tem seu tempo, né / você não pode ser totalmente moderno, totalmente tradicional, até porque nós não somos assim, ninguém é totalmente MODERNO, ninguém é totalmente TRADICIONAL, o ser HUMANO não é assim.
Aqui se discutia o tema “O ensino tradicional é necessário em alguns momentos”.
Após concordar com a afirmação e ter a anuência da docente C, a professora corrobora a
perspectiva teórica sobre a noção de práticas identitárias, negando a unicidade e fixidez do
sujeito e apostando em sua fragmentação, uma vez que “nós não somos assim, ninguém é
totalmente MODERNO, ninguém é totalmente TRADICIONAL, o ser HUMANO não é
assim”. Na análise de suas sequências discursivas foram apontadas as estratégias de que se
valeu para essa construção múltipla.
Fecho esta seção com uma questão a ser respondida na seção 4.4: se a formação foi
apontada no discurso da docente A como a possibilitadora do não emburrecimento e como a
característica que individualiza o sujeito-professor, por que esta mesma docente se constrói
discursivamente como uma pessoa cética, quando o assunto é a questão da formação
educacional?
Passo, agora, à análise das imagens discursivas do professor B.
4.2- DOCENTE B: O PROFESSOR-PADRÃO?
modelo (del it. modello). 1. m. Arquetipo o punto de referencia para imitarlo o reproducirlo. 2. m. En las obras de ingenio y en las acciones morales, ejemplar que por su perfección se debe seguir e imitar. (RAE, 2001)
Aqui passam pela análise as sequências discursivas do docente B. Dentre os três
participantes, é o que possui maior experiência acadêmica. Como vimos, é mestre em Letras e
está cursando o Doutorado na área de estudos literários. Além da perspectiva literária,
também se interessa por questões relacionadas ao ensino da língua espanhola.
Antes de iniciar as análises vale comentar que dos três docentes, B foi o que mais
contribuiu ao grupo de discussão, quantitativamente falando, já que suas falas raramente são
breves. Outro dado relevante é a constante concordância das outras professoras às afirmações
de B. Em quase todos os momentos, percebemos a anuência das professoras expressa por
movimentos afirmativos com a cabeça.
Inicio com a seguinte sequência discursiva, extraída da discussão do tema “Ao se
trabalhar com os temas transversais, o mais importante é a discussão do tema e não a prática
da língua”.
Excerto 1-B: B- (...) relatando um pouco a minha formação que eu acho que deve ter sido bem próxima a da A porque a gente estudou na mesma universidade / a gente saiu da universidade sem escutar / os temas transversais, né, sem saber o que que era o... A- menor idéia. B- o que que são os temas transversais, então / quando a gente pensa que / lá na nossa formação, né que / graças a Deus eu tive ((risos)) como caminhar por outras terras ((A e C riem)), até pra CONHECER, né, mas assim / ensinar língua espanhola é ensinar mesmo... / ter aquela formação que eu me vi durante / sei lá, nos quatro cinco anos de faculdade / então isso é uma grande batalha porque passa pelo lado do... / de método, enfoque, desenho, procedimento que cada professor adota na sua prática (...) (...) B- (...) assim quando você fala em temas transversais, já puxa a ponte aí para os documentos normativos que nós temos no BRASIL / um tipo de aula que vai caminhar mais pra uma abordagem é de leitura INSTRUMENTAL, então a língua espanhola tá ali como falei como instrumento pro aluno discutir o tema / pra informar o sujeito mais crítico e tudo, mas assim, não se preocupar com gramática enquanto / estrutura / mas às vezes você vai ter um professor que / consegue discutir muito bem a proposta de um texto, de um tema transversal / e consegue também dar uma aula de gramática textual, consegue pra parte de sistematizar, então eu acho / você tem assim grandes talentos / professores que sabem “isso daqui seria, só fazer isso é errado” / não que é errado, né, num existe essa questão do certo e errado, mas / “tá fora de moda ou isso já num... / o aluno de hoje em dia quer algo que vá além, ou / só estruturar num vou conseguir né... ter o domínio da turma/ ou eu preciso estruturar pra que a turma me respeite”, entendeu? (...) mas eu acho que é fundamental o professor pelo menos sair da formação / universitária conhecendo os temas transversais ou discutir pelo menos, coisas que assim na minha formação / teve uma falha aí que a gente não discutiu nada / só escutei em PCN quando eu entrei realmente / num outro curso de especialização... “ah, PCN, o que são os PCN”, todo mundo falando em PCN, PCN, PCN então...
Primeiramente, gostaria de destacar nesse excerto as colocações que o docente faz
sobre sua formação. Após afirmar que durante esse período não foi apresentado às discussões
sobre a transversalidade, B diz ter caminhado “por outras terras”, vendo nisso a solução para
as falhas de sua universidade. Mais adiante, sabemos que as “outras terras” são o curso de
especialização, realizado numa universidade diferente daquela onde concluiu a graduação26.
Dessa forma, o docente começa a construir a imagem de um profissional preocupado com as
falhas de sua formação.
Passando à análise do plano linguístico-discursivo, o ethos do docente B é mostrado,
assim como ocorreu com a professora A, principalmente a partir de suas escolhas lexicais. Se
observamos, por exemplo, a sequência “porque passa pelo lado do... / de método, enfoque,
desenho, procedimento que cada professor adota na sua prática”, em que explica as
especificidades da prática de professores, notamos que foram selecionados termos bastante
técnicos (enfoque, desenho), certamente desconhecidos de um público geral. Mais adiante, o
uso de expressões como “documentos normativos” e “leitura instrumental” também podem
ser entendidas como um recurso para marcar seu conhecimento técnico e teórico das
discussões sobre o ensino de língua.
Ainda no excerto 1-B, o professor define o que seria um modelo de professor,
nomeado por ele de “grandes talentos”. O padrão seria aquele que “consegue discutir muito
bem a proposta de um texto, de um tema transversal / e consegue também dar uma aula de
gramática textual, consegue pra parte de sistematizar”. Logo após essa definição, B recupera a
voz desses grandes talentos por meio do discurso direto, construindo um efeito de
autenticidade. Sobre a noção de discurso direto, Maingueneau (2005: 141) diz que
o DD (discurso direto) não pode, então, ser objetivo: por mais que seja fiel, o discurso direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal
Nesse sentido, entendo que ao trazer a voz dos “grandes talentos” através do discurso
direto (“só fazer isso é errado”; “tá fora de moda ou isso já num... / o aluno de hoje em dia
quer algo que vá além, ou / só estruturar não vou conseguir ter o domínio da turma/ ou eu
preciso estruturar pra que a turma me respeite”), B lhe dá autenticidade, incorporando-a,
fazendo-a também sua. Note-se que durante a exposição feita sobre sua formação, o professor
informou ter caminhado por “outras terras” na busca daquilo que faltava em sua formação. 26 Informação confirmada na apresentação feita pelo informante.
Desse modo, o docente constrói uma imagem de si, um ethos, valendo-se de um suposto
outro, o professor de “grande talento”.
Vejamos um próximo fragmento.
Excerto 2-B: B- o português é muito parecido com o espanhol então se a gente jogar um nativo mesmo sem didática nenhuma ou com didática os alunos vão gostar, não, o professor nativo não conhece a cultura do povo brasileiro não conhece / se a gente for pensar numa abordagem mais comunicativa... A- o humor é diferente... B- não sabe quais são os problemas pro pro estudante brasileiro dos aspectos gramaticais espanhol, onde choca aonde não choca / a questão, um exemplo, só a colocação pronominal então... a questão dos verbos, então é... um problema né a gente às vezes quer facilitar de um lado A- (inint) B- “ah, ótimo, ele vai ter aula com um nativo” não que isso seja ruim talvez se for um nativo como vocês colocaram com uma preparação beleza / mas se não for se não tiver uma vivência no contexto brasileiro isso pode acabar gerando problema de aprendizagem da língua (...) (...) B- o pior que assim essas coisas ruins parece que não mas acabam reproduzindo de forma MAIS FÁCIL na cabeça dos alunos, né. A e C – Com certeza. B- você tem aula no primeiro período com um nativo / com ou sem preparação / no segundo você tem / tem que talvez usar a mesma variante pra ser igual porque assim que é o correto entendeu. C- É. B- e você é brasileiro parece que o seu discurso mesmo tendo formação, tendo se matado, gastado dinheiro com livro / não vale (...)
O tema discutido é “O ensino de espanhol tem sido prejudicado por falantes nativos
que se autodenominam professores”. Para diferenciar os falantes nativos dos professores
brasileiros, o docente menciona a formação e também a vivência no contexto brasileiro, como
elementos que faltariam aos primeiros. Num momento posterior cita uma lista de
conhecimentos (aspectos gramaticais do espanhol, colocação pronominal, verbos) também
não pertencentes aos nativos. Entende-se que aquilo que falta ao nativo27, o professor
brasileiro com formação em Letras possui.
Mais adiante, o professor comenta sobre a aparente preferência dos alunos pelos
professores nativos. Para fechar sua colocação, sai em defesa dos professores brasileiros,
27 O professor refere-se aos nativos de língua espanhola que não possuem formação.
afirmando que estes, “mesmo tendo formação, tendo se matado, gastado dinheiro com livro”
não ganham o mérito devido.
A oposição entre nativos e brasileiros pode ser entendida como uma estratégia
discursiva realizada por B, no intuito de construir seu ethos de professor-modelo. Vista assim,
a defesa do professor brasileiro é, em verdade, uma defesa de si próprio.
Sobre a questão dos nativos que atuam como professores, Marques (2007) aponta que
no contexto das escolas de idiomas, os professores nativos são mais legitimados. Em sua
análise, realizada a partir de um corpus de entrevistas com professores de inglês não-nativos,
foram percebidas algumas representações sobre os professores nativos, que vão ao encontro
de minhas análises do discurso de B. Em suas análises, o discurso do professor não-nativo
“traz à tona (...) os seguintes enunciados: o professor nativo não tem formação na área
pedagógica, não tem didática e não é interessado em outras culturas” (Marques, 2007: 71).
O próximo excerto foi retirado da discussão do tema “Os estudos acadêmicos auxiliam
na prática do professor”.
Excerto 3-B: B- eu acho que precisa conscientizar os professores que saem da faculdade que assim / não acaba ali a formação / entendeu, porque se ele não lê, se ele não faz a não reciclagem que tá fora de moda, se ele não tem essa formação continuada de querer buscar / de sempre ta visitando os sites que possam ser interessantes, de buscar curso, tudo isso, a pessoa sai mesmo com essa mentalidade assim de “ah agora eu to pronto pro mercado de trabalho” / você quando entra na sua primeira turma, principalmente acho que mais ensino médio / você vê o grande choque você tem que assim da da da minha da da da nossa formação dependendo da formação como é a prática, e você fala “gente, eu não fui preparado pra tá aqui”. A- não mesmo. (...) B- é legal essa formação continuada, assim pensando em congresso você vai em congresso troca experiência, lê texto de alguém, por isso a importância dessa questão dos estudos, “ah essa experiência funcionou lá sei lá / em Recife, pode ser interessante pra minha turma” ou, / “vou tentar fazer isso, não vou adaptar minha realidade”, é legal você... A- trocar, né.
Nesse momento, mais uma vez o discurso do docente B configura a imagem do
professor-padrão. Aqui a escolha da marca de pessoa parece ter sido sua estratégia discursiva.
A sequência de orações condicionais (“se ele não lê, se ele não faz a (...) reciclagem
(...), se ele não tem essa formação continuada”) evidenciam ações que ele, enquanto professor,
cumpre. O uso do pronome de 3ª pessoa ele parece marcar seu distanciamento perante tais
ações. Ou seja, ele, o professor B, diferentemente do “professor-ele”, lê, faz a reciclagem e
tem a formação continuada. O discurso citado posteriormente “ah agora eu to pronto pro
mercado de trabalho” refere-se também a essa 3ª pessoa, ao professor que não tem a prática da
formação continuada.
Após uma breve pausa, percebe-se que o professor deixa de usar a 3ª pessoa – ele – e
passa à 2ª pessoa discursiva você. A voz que enuncia “gente, eu não fui preparado pra tá aqui”
não é mais a do “professor-ele”, mas a do “professor-você”, posteriormente identificado como
aquele que teve uma formação como a sua. Ou seja, B sustenta seu ethos de professor-padrão
quando aproxima de si a voz de um “você” que percebe falhas em sua formação e dá
continuidade a seus estudos, e quando se afasta de um “ele” que diz já estar pronto para o
mercado de trabalho.
Em sua segunda sequência neste excerto, o professor recupera mais uma vez a voz do
“professor-você” preocupado com a continuidade de sua formação, aproximando-a de si e
assim, reforçando seu ethos.
Vejamos este outro fragmento, retirado da discussão do tema “Documentos como PCN
e OCEM são importantes para a formação do professor de espanhol”.
Excerto 4-B: B- eu acho que também assim são documentos que eles sempre tem precisam estar se atualizando / porque um exemplo / eu tava lendo recentemente as OCEM e muitas coisas que assim pra mim já soam como.. questões já sempre muito batidas que você encontra em qualquer leitura que deve ser CLÁSSICA pra um professor de / espanhol (...) questões que já são muito presentes agora, em termos assim de sala de aula do século vinte e um que não são muito discutidas, como por exemplo o uso de novas tecnologias / que assim / aparece pouquíssimo na na nas OCEM e é uma nova realidade de ensino, a gente ta lidando com salas que são já salas, assim, depende muito também da escola, né, eu to falando muito da minha realidade / mas assim, isso vai ser uma realidade eu acho que da educação, da próxima, né, dessa que a gente ta vivenciando, salas que são completamente equipadas / e nós temos alunos que vivenciam todos esses meios, né, às vezes, sites bons, confiáveis outros não, mas, assim, o professor também precisa / tá ligado a isso é... e língua estrangeira também / como até hoje em dia já falam, existe um método de ensino de línguas, um método ECOLÓGICO, eu nem sei o que que é isso então, toda hora já vem uma nova teoria e eu acho que esses documentos, eles também, assim, eles param no tempo, então se eles não forem revistos... (...)
Aqui, o docente B comenta sobre o não avanço dos documentos oficiais na discussão
de algumas questões. Seu discurso crítico sustenta o ethos de professor-modelo. Percebemos
por seu discurso que o professor lê os textos referentes ao ensino de ELE (“eu tava lendo
recentemente as OCEM”), considera que há leituras essenciais na vida profissional de um
professor (“qualquer leitura que deve ser CLÁSSICA pra um professor de / espanhol”), avalia
criticamente os documentos (“esses documentos, eles também, assim, eles param no tempo,
então se eles não forem revistos...”) e está informado de novas perspectivas teóricas, ainda
que não as conheça de fato (“hoje em dia já falam, existe um método de ensino de línguas, um
método ECOLÓGICO”).
Sendo assim, considero que o ethos de B é o do professor-padrão, aqui entendido
como aquele que se preocupa com uma boa formação e que se mantém atualizado com as
novas reflexões sobre a profissão docente. Porém, assim como ocorreu com a docente A,
também o docente B mostrou-se frágil na sustentação de seu ethos. Em alguns momentos de
sua participação no grupo de discussão, B criou imagens diferentes daquela que parece ter
pretendido sustentar. O ethos do professor-padrão deu lugar à imagem do ironizador. Aquilo
que foi colocado como relevante em outros momentos, passou a ser alvo de um discurso
ironizante. Então vejamos:
Excerto 5-B: B- eu acho que mesmo com todas essas teorias bonitas, e tudo, se dão certo, se não dão, só a pratica vai dizer / mas chega um momento que você vai ter que sistematizar. A- é, não tem jeito. B- assim, mesmo dependendo do público / vai chegar um momento que você tem que sistematizar, porque essa constru… esse discurso que não, “você vai trabalhando inúmeras coisas, inúmeros textos, nananã nananã nananã, e o aluno vai construindo, o aluno vai construindo, o aluno vai construindo” C- isso não tá na cabeça do nosso aluno ainda. B- é, não tá na cabeça. C- então não faz parte da realidade dele ainda, né? B- quando a educação for pensada, talvez assim, o próprio ensino, de forma diferente / aí sim talvez ele consiga construir, porque se você tem um aluno, ainda mais assim, eu acho de ensino médio mesmo, saindo de uma, aquele que sai do nono, da oitava série, numa educação toda ela decoreba, toda ela cheia de folha impressa...
Aqui se discutia o tema da necessidade eventual do ensino tradicional. Como se pode
observar, os professores tratam da questão da sistematização da língua. Nesse sentido, seria
tradicional o ensino das estruturas linguísticas; estariam relacionadas ao ensino não-
tradicional (por isso, atual, moderno, inovador), por exemplo, práticas como as propostas dos
PCN e OCEM (cf. cap. 2).
No plano linguístico discursivo das sequências de B, o uso do adjetivo bonitas
referente às teorias e do discurso direto que cita a voz dessas teorias (“você vai trabalhando
inúmeras coisas, inúmeros textos, nananã nananã nananã, e o aluno vai construindo, o aluno
vai construindo, o aluno vai construindo”) aponta para o tom de ironia anteriormente
mencionado. Conforme dito, nesse momento, o professor B desloca o ethos do professor-
padrão e corrobora o entendimento que essa pesquisa tem da relação dessa noção com a de
práticas identitárias. Assim como se vê as identidades enquanto práticas, também acontece
com o ethos, sempre sujeito a mudanças e variações. Tanto o é que, alguns segundos depois
do episódio, B volta a sustentar o ethos do professor-modelo, refletindo sobre uma mudança
na educação que poderia possibilitar a aplicabilidade das chamadas “teorias bonitas”. Dessa
forma, mais uma vez corroboro a hipótese lançada de que o trabalho discursivo implementado
pelos docentes em questão na sustentação de um tal ethos se vê ameaçado por sua constituição
plural e fragmentada.
Volto a lembrar, e o farei também em outros momentos, que este estudo não se propõe
a analisar as pessoas empíricas nele envolvidas. E mesmo que assim o fosse, jamais assumiria
que minhas conclusões dizem a verdade sobre um dado indivíduo. Chego a tais respostas
tendo como base uma perspectiva teórica que me permite fazê-lo. Ao perceber um tom de
ironia no discurso do docente em análise, não o caracterizo como um indivíduo irônico, assim
como também não o caracterizo como um indivíduo-padrão ao identificar em seu discurso
estratégias que levam à configuração dessa imagem de si. Como já foi exposto (cf. cap. 1),
não trabalho com visões naturalizadoras das identidades sociais e também discursivas,
remetendo-lhes as características já tão mencionadas de fragmentação, multiplicidade e
pluralidade.
No sentido de complementar esta minha observação, dou voz a outra pesquisadora
cujo trabalho se assemelha ao aqui proposto. Trata-se de um estudo sobre cursos de formação
de professores, alinhado, em grande medida, à mesma perspectiva teórica que assumo,
postulando a heterogeneidade do sujeito e questionando a identidade e as verdades
construídas em torno de binarismos.
Tendo partido do pressuposto de que a constituição da identidade é um movimento em constante (trans)formação (...) o estudo comprovou a hipótese de que o sujeito-professor, ao falar de si, cria um outro ficcional para se dizer inteiro, fixando-se (ilusoriamente) numa identidade dada (...). A análise mostrou-nos que do “falar de si” (...) irrompem desejos, devaneios, (dis)sabores, (in)satisfações, que revelam a identidade camaleônica do sujeito e sua constitutividade heterogênea. (ECKERT-HOFF, 2008: 139)
Assim como fiz com a análise da docente A, termino a do docente B também com uma
questão a ser respondida na seção 4.4. De que forma as falhas da primeira formação apontadas
por B prejudicam o trabalho do professor de ELE?
4.3- - DOCENTE C: A PROFESSORA OTIMISTA?
creer (Del lat. creděre). 1. tr. Tener por cierto algo que el entendimiento no alcanza o que no está comprobado o demostrado. 2. tr. Dar firme asenso a las verdades reveladas por Dios. 3. tr. Pensar, juzgar, sospechar algo o estar persuadido de ello. 4. tr. Tener algo por verosímil o probable. (RAE, 2001)
Dentre os três informantes da pesquisa, a docente C foi a que, quantitativamente,
menos contribuiu. Houve muitos momentos de discussão nos quais se limitava a concordar
com movimentos com a cabeça e/ou somente fazia pequenos comentários e complementações
das falas dos demais participantes. Porém, sua pequena contribuição quantitativa não
significou pouca relevância qualitativa. Vejamos este primeiro excerto do tema sobre os PCN
e as OCEM. Excerto 1-C: C- bom, a minha formação é um pouco diferente da de vocês, né ((risos)) eu já já tive essa realidade de PCN na formação do professor / e, BOM, acredito sim que seja / que HAJA né situações UTÓPICAS, sim / os PCN ele traz né essas / situações utópicas, mas eu, até tava conversando com um amigo outro dia, que ele foi um grande AVANÇO pra nossa educação principalmente no que a gente vê como língua hoje / eu acho que ele hoje é ele traz pra gente uma realidade de do trabalho com LINGUAGEM, com a língua, que eu acho que é mais palpável né, num sei, até pra realidade de escolas com quarenta alunos em sala de aula (...) então eu acho que, os PCN eles trouxeram pra gente uma nova, uma nova perspectiva de trabalho / então assim, existe o seu lado utópico sim, existe porque, e aí, só que você tem que pensar, né, o quer que você quer para o seu público, né, o que você como professor, é o ONDE, COMO e QUANDO né ensinar espanhol, ensinar uma língua estrangeira, como fazer isso. Então os PCN eles trouxeram um norte sim e eu acho que o norte é positivo sim, acho que hoje a gente tem um pouco mais, é.. um instrumento a mais pra trabalhar em sala de aula, eu acho que ele / trouxe, como é que vou dizer, trouxe... é forma de a gente pensar né, pensar o trabalho com língua estrangeira, ou com a linguagem, né, no caso da língua portuguesa também acho que foi um avanço / eu acho que os PCN, os documentos foram um avanço sim, pra esses aprendizados de língua sim.
Diferentemente do que ocorrera com os outros docentes, C remete-se à sua formação
para justificar sua visão sobre os documentos de referência da educação no Brasil. Esta
sequência ocorre exatamente depois de uma exposição da docente A (já analisada em 4.1)
sobre seu ceticismo com relação a ações educacionais.
Chamo a atenção para a seleção lexical feita pela docente para caracterizar os PCN:
“avanço”; “realidade de trabalho com linguagem mais palpável”; “nova perspectiva de
trabalho”, “um norte positivo”. Percebe-se, a partir desses vocábulos a credibilidade da
professora no documento educacional em questão. Dessa forma, C inicia a construção de seu
ethos, tendo como espelho o estereótipo do indivíduo crente e otimista.
Ainda na discussão desse tema, a docente, a partir de suas escolhas linguístico-
discursivas, mais uma vez legitima o ethos da professora otimista.
Excerto 2-C:
C- é pra você PENSAR né / traz aí o que é a língua hoje né / socio-interacionismo etc, ou seja, uma realidade que eu acho que é mais PALPÁVEL, como eu já disse, né / traz essa é, é... essa, essa metodologia que é a língua hoje, enfim, e aí faz você PENSAR / né sobre sua própria pratica e acho que nesse sentido é importante / quando eu coloquei num coloquei que ele É OBRIGATÓRIO e tem que ser, não, achei que ele foi importante pra fazer a gente pensar / né, pra fazer a gente...
Vemos aqui como a docente C vê nos documentos de referência algo positivo para a
prática do professor. O uso da palavra “pensar” é interessante, uma vez que marca a
consequência dos documentos no sujeito-professor. Segundo a professora, os PCN “é pra
você PENSAR”, oferecendo ao professor uma possibilidade de trabalho “mais PALPÁVEL”.
Depreende-se, então, a relação documento – reflexão sobre a prática – trabalho mais efetivo.
Muitos trabalhos, nos últimos anos, ressaltam a importância da publicação dos PCN
para as reflexões sobre o ensino de línguas estrangeiras, dentre os quais cito Ferreira &
Baptista (2006), Dourado (2008) e Braga & Figueiredo (2009), segundo os quais os PCN
apresentam uma preocupação a respeito da atuação do indivíduo na sociedade, promovendo a
ampliação de sua capacidade de engajamento discursivo e desenvolvendo a consciência de
que a linguagem também é uma prática social.
Dessa forma, C ratifica sua imagem de docente crente e otimista nas reflexões de
cunho educativo, tanto na formação, quanto na prática do professor de ELE.
Passo a outro momento do evento:
Excerto 2-C: B- assim, mesmo dependendo do público / vai chegar um momento que você tem que sistematizar, porque essa constru… esse discurso que não, “você vai trabalhando inúmeras coisas, inúmeros textos, nananã nananã nananã, e o aluno vai construindo, o aluno vai construindo, o aluno vai construindo…” C- isso não tá na cabeça do nosso aluno ainda. B- é, não tá na cabeça. C- então não faz parte da realidade dele ainda, né? B- quando a educação for pensada, talvez assim, o próprio ensino, de forma diferente / aí sim talvez ele consiga construir, porque se você tem um aluno, ainda mais assim, eu acho de ensino médio mesmo, saindo de uma, aquele que sai do nono, da oitava série, numa educação toda ela decoreba, toda ela cheia de folha impressa... C- em faculdade também, B, é… B- você tá, você tem uma experiência de ensino superior… C- (...) o aluno construir, aquela coisa do / como é que fala, metacognição, de saber o que ele tá aprendendo, aquela coisa toda, mas você não foge daquilo que o aluno, às vezes, ele briga com você porque ele QUER uma situação de gramática, ele quer ver o verbo ali, conjugado, completar lacuna, e você tem que dá isso pra ele, porque ele não, como eu falei, ele ainda, acho que o nosso público ainda não sabe o que é isso, isso tem que vir, é uma construção lá das primeiras séries / pra eles poder chegar à nossa, no caso, ensino médio, e graduação, enxergando o ensino-aprendizagem dessa forma, né, de construção, acho que falta ainda uma base pra saber o que que é isso, o que que é construir, o que que é…
Neste fragmento, extraído da discussão do tema sobre o ensino tradicional, a
professora mantém em cena sua imagem de professora otimista. Ao dizer que o ensino
tradicional se faz necessário porque é demandado pelos alunos (referindo-se a alunos de
cursos de Letras), C afirma que visões menos tradicionais do ensino de línguas “ainda” não
fazem parte de suas realidades. O uso do advérbio “ainda” traz a seu discurso não um
descrédito, mas sim uma esperança na mudança dos paradigmas do ensino de ELE. Ou seja,
sua visão não é pessimista e descrente sobre as novas propostas de educação. Ela afirma ser
necessária uma mudança nos níveis de ensino anteriores, para que visões mais inovadoras de
ensino possam funcionar e acredita que tais mudanças ainda podem acontecer; não as vê
como impossíveis.
Para a complementação da análise do discurso de C, remeto-me à análise do excerto 3-
A. Nele, apontei para o constrangimento de C, ao ser questionada por A sobre sua relação
com a formação em Pedagogia (cf. seção 4.1). Percebo nesse episódio a não sustentação do
ethos de professora otimista de C. Retomando a teoria das faces (Maingueneau, 2005),
proponho a questão: se C se mostrou tão otimista e crente nas propostas de cunho educativo
(PCN, por exemplo), por que teve seu “território” desestabilizado ao ter de responder à
questão “você é pedagoga?”.
Uma possível resposta à pergunta está na concepção plural das identidades. Por não ter
uma identidade única e imutável, C não constrói um único ethos durante o evento. Sua
imagem de professora otimista vai de encontro à sua reação aparentemente negativa à
pergunta feita por A. Ou seja, por não ser somente otimista, C não constrói um ethos
unicamente otimista. Percebemos em seu discurso, num determinado momento, uma
negatividade referente às mesmas práticas, às quais parece ter sido simpática em momentos
anteriores.
A análise de C enquanto sujeito plural foi menos extensa, se comparada às de A e B. A
meu ver, isso ocorreu porque C valeu-se da estratégia discursiva do silêncio para sustentar seu
ethos. Ou seja, ao não se pronunciar, ou melhor, ao se pronunciar poucas vezes, C parece ter
se reservado mais, se exposto menos, viabilizando o trabalho de manutenção de sua imagem
discursiva de professora otimista. Porém, torno a dizer, essa imagem não se manteve única até
o final da discussão, já que percebemos no excerto 3-A o momento de sua flexibilização.
Do mesmo modo como nas seções anteriores, encerro a análise de C com
questionamentos: o que há de tão incômodo na profissão da Pedagogia? Por que uma
professora que se constrói discursivamente como otimista, como uma professora que acredita
em ações educativas, esboçou comportamentos físicos e discursivos repulsivos à identificação
com a função de pedagoga?
Vamos às tentativas de resposta.
4.4- E A FORMAÇÃO?
Conforme informei anteriormente, aqui proponho discutir questões apontadas nas
seções 4.1, 4.2 e 4.3 a respeito da primeira formação de professores de ELE. Mesmo não
sendo uma das preocupações centrais dessa pesquisa, a questão da formação se mostrou
bastante presente no discurso dos professores ao falarem de sua profissão. Não me furto,
portanto, a tecer comentários a respeito. Antes, recupero, rapidamente, as análises discursivas
realizadas.
No discurso da docente A identifiquei algumas estratégias discursivas utilizadas para a
sustentação de um ethos de professora cética. Ao se referir às questões educacionais, A se
mostrou, constantemente, reticente quanto à sua eficácia e aplicabilidade. Entretanto, em
determinado momento da discussão, considerou importante seu retorno aos estudos como
forma de progredir e não “emburrecer”, consequência, segundo ela, da atividade exclusiva da
sala de aula. Assim, entendo que A deslocou seu ethos de cética para o de uma professora que
vê na formação continuada uma aplicabilidade e eficácia.
Sobre o docente B, identifiquei suas manobras discursivas no trabalho de
sedimentação de uma imagem discursiva de professor-padrão. Durante quase todo o evento, B
criou o ethos de um professor atualizado, crítico e participante das discussões sobre o ensino
de ELE. Porém, assim como ocorreu com a docente A, sua imagem de si não se manteve
única e imutável durante todo o evento. Ao tratar da necessidade do ensino tradicional, o
professor pareceu ironizar as mesmas teorias que defendeu em momento anterior.
A docente C valeu-se de estratégias discursivas para a construção de um ethos de uma
professora otimista. Em especial ao tratar da aplicabilidade de propostas educativas, como os
PCN, C constrói sentidos positivos sobre tais propostas, afirmando que as mesmas
possibilitam uma nova prática docente. Entretanto, ao ser questionada sobre sua profissão,
frisou ser professora, em oposição à função de pedagoga. Desse modo, fragmentou seu ethos
de otimismo na ação educacional, já que não se mostrou confortável com a identificação com
a Pedagogia.
Isso posto, retomo as perguntas que fecharam as análises anteriores e apresento
algumas reflexões que podem encaminhar possíveis respostas.
(1) Se a formação foi apontada no discurso da docente A como a possibilitadora do
“não-emburrecimento” e como a característica que individualiza o sujeito-professor, por que
esta mesma docente se constrói discursivamente como uma pessoa cética, quando o assunto é
a questão da formação educacional?
Ao pensar sobre a questão tento entender, primeiramente, o porquê do
emburrecimento relacionado ao espaço da sala de aula. Seria mesmo esse espaço causador da
não inteligência? O espaço da sala de aula não constrói conhecimento? Ou seja, um professor
em contato com seus alunos (e vice-versa) não se enriquece intelectualmente?
Encontro a resposta (não a certa, mas uma possível) em Freire (2002: 32), quando
afirma que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se
encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino
porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago”. Ou seja, ensino e conhecimento
são (ou deveriam ser) indissociáveis, tanto para os alunos quanto para os professores. Nessa
perspectiva não são os estudos acadêmicos que possibilitam o não-emburrecimento. São, isso
sim, a prática consciente em sala de aula e a certeza de que ali, naquele espaço, também são
desenvolvidas atividades de pesquisa, de construção de conhecimento que possibilitam o
“inteligenciamento”.
Voltando à pergunta (1), por que, considerando em dado momento a relevância dos
estudos acadêmicos, a professora A mostrou-se tão cética quanto às ações educativas?
Respondo, propondo outra pergunta: de que forma a docente foi apresentada às discussões
educativas durante sua formação como professora de ELE? Possivelmente, durante esse
período (e isso se confirma durante sua participação no grupo de discussão) foram poucas as
oportunidades de reflexão sobre o componente pedagógico-educativo na atividade do
professor de espanhol. Esse silenciamento pode ter provocado um distanciamento entre a
professora e tais práticas reflexivas, o que ocasiona em sua postura discursiva cética diante de
tais questões. Ao afirmar que os estudos acadêmicos auxiliam na prática do professor28, A
parece entender, segundo o que deixa entrever, que são os estudos de pós-graduação que
auxiliam nesse processo. O ceticismo da professora em relação à sua prática profissional
28 Vale lembrar que A, no momento da gravação do evento, concluía seu curso de especialização, cujo foco estava na prática da leitura como proposta de ensino de ELE.
talvez esteja sendo desconstruído na etapa posterior à sua primeira formação. Não seria mais
adequado que isso acontecesse em seu curso de graduação?
(2) De que forma as falhas da primeira formação apontadas por B prejudicam o
trabalho do professor de ELE?
B foi o participante mais crítico quanto à sua formação no decorrer do grupo de
discussão, apresentando a falta da reflexão sobre a prática do professor de ELE como sua
principal falha. O professor menciona a ausência de discussões sobre documentos como PCN
e OCEM e também sobre a transversalidade como problemáticas em sua primeira formação.
Essas discussões são de grande relevância na formação do professor de ELE, uma vez
que possibilitam o entendimento de sua função, não como um transmissor de conteúdos
linguísticos, mas como um agente social. Giorgi (2009) também compartilha esse
entendimento, ao dizer que “essa visão de ensino de LE (visão comprometida com a
perspectiva educacional) está relacionada a um professor que assume seu papel de formador e
não apenas transmissor de conteúdo, não apenas um apêndice na escola” (Giorgi, 2009: 53).
Nesse sentido entendo que as reflexões sobre a prática do professor precisam estar na
pauta da formação de professores de ELE desde seu início. Dessa forma, talvez haja a
compreensão de que ensinar ELE não é ensinar o código língua espanhola. É, antes, promover
a construção de conhecimento sobre o mundo, valendo-se da língua como instrumento de
ação social. Para que isso se dê, são urgentes novas concepções de currículos, que aliem
estudo da língua e prática docente.
(3) O que há de tão incômodo na profissão da Pedagogia? Por que uma professora que
se constrói discursivamente como otimista, como uma professora que acredita em ações
educativas, esboçou comportamentos físicos e discursivos repulsivos à identificação com a
função de pedagoga?
O comportamento discursivo de C parece evidenciar um discurso negativo bastante
presente no senso comum sobre a Pedagogia. São comuns as depreciações, por parte de
professores e alunos, aos componentes das equipes pedagógicas das instituições educacionais.
Por mais infundadas que sejam essas depreciações, acredito ser necessário que se repense a
atividade desses profissionais no espaço escolar, de modo que sua prática seja percebida como
importante e significativa. Além disso, olhando por outro ângulo, talvez seja necessário na
formação dos professores, uma relação mais clara entre a prática docente e a prática
pedagógica. Por mais sinônimas que possam parecer tais expressões, as evidências e os dados
dessa pesquisa parecem mostrar o contrário.
Assim, fecho este capítulo analítico, acreditando ter submetido os dados à teoria
proposta de forma suficiente a atender os objetivos propostos. No capítulo seguinte, faço
minhas considerações finais, retomando meus objetivos, as hipóteses propostas e as
conclusões a que cheguei.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E compreendo melhor porque eu sentia tanta dificuldade em começar, há pouco. Sei bem, agora, qual era a voz que eu gostaria que me precedesse, me carregasse, me convidasse a falar e habitasse meu próprio discurso. Sei o que havia de tão temível em tomar a palavra, pois eu a tomava neste lugar de onde o ouvi e onde ele não mais está para escutar-me. (Foucault, 2009: 79)
Atingida a etapa final de meu estudo, recorro novamente a Foucault. Ao final de sua
aula inaugural, o autor entende o porquê de sua dificuldade em tomar a palavra e iniciar sua
fala. O motivo está na relação com o antecessor, Jean Hyppolite, seu professor e orientador de
pesquisas. Como se tornar a voz, quando se é ainda ouvidos? Faço-me o mesmo
questionamento. E respondo-me: não quero nunca deixar de ser ouvidos.
A proposta desta dissertação foi a análise das práticas identitárias de três professores
de ELE participantes de um grupo de discussão. Apresentei como objetivo a verificação das
estratégias discursivas utilizadas pelos docentes em questão na construção e sustentação de
um determinado ethos. Conjecturei que, na tentativa de sustentação de uma imagem
discursiva única, os professores em questão seriam atravessados pela constituição fluida,
plural e fragmentada de suas identidades, construindo assim, não uma, mas algumas imagens
discursivas de si.
As análises que realizei evidenciaram a constituição fragmentada e plural das
identidades discursivas em questão, corroborando, desse modo, a hipótese lançada e
respondendo negativamente às perguntas-título das seções 4.1, 4.2 e 4.3 do capítulo de
análise. Entendo que as estratégias discursivas de A, B e C caminharam no cumprimento de
suas constituições enquanto sujeitos plurais e ideologicamente marcados. Ou seja, por serem
indivíduos dotados dessas características, as estratégias discursivas de construção de seus ethé
também trilharam diferentes caminhos, indo ao encontro da visão de identidade enquanto
prática e processo29. A meu ver, o que ocorreu com os professores em questão ocorreria com
qualquer outro indivíduo. Isso nos mostra o quão flexíveis e fragmentados somos, mesmo
que, em alguns momentos, queiramos mostrar exatamente o contrário. O grupo de discussão
da pesquisa, por exemplo, pode ser visto como um desses momentos. Não se pode deixar de
considerar que os três professores estavam cientes de que seus discursos seriam analisados.
29 Mais uma vez, sinto a necessidade de frisar que nas análises propostas não se consideraram os sujeitos empíricos envolvidos no evento, mas sim os “sujeitos discursivos”. Ou seja, nada do que aqui se escreve pretende revelar a psiqué de A, B e C enquanto sujeitos do mundo real.
Possivelmente, esse fator influenciou suas estratégias discursivas na tentativa da fixação de
uma imagem de si.
Ao propor tais objetivos, apresentar tais hipóteses, empreender tais análises e chegar a
tais conclusões, acredito ter contribuído à comunidade acadêmica da qual faço parte. Não são
muitos os estudos que conjugam a noção de ethos discursivo apresentada pela AD, com a de
práticas identitárias postulada pelos Estudos Culturais. A análise empreendida propôs uma
visão plural, fragmentada e líquida de uma noção que trabalha com a ideia de estereótipos
sociais. Isto é, proponho que, com o tipo de corpus com que trabalhei, seja possível entender
o ethos discursivo a partir de um olhar menos unificador. Dessa forma, proponho a seguinte
relação: identidades fragmentadas – estratégias discursivas diversas – ethé variados.
Não vejo em meu trabalho somente contribuições para a área dos estudos do discurso.
Percebo nele, também, relevâncias sociais, em especial para a formação de novos professores
de ELE no contexto brasileiro.
Nas análises das práticas de identidade dos professores, em especial nas dos docentes
A e B, o período da primeira formação, o da graduação em Letras, foi notavelmente
mencionado como falho e incompleto. A partir das visões de discurso, sujeito e ideologia
orientadoras desta dissertação, não posso entender essas apreciações como construtoras da
Verdade (com V maiúsculo) sobre os cursos de formação de professores no contexto carioca.
Entendo-as, sim, como produções discursivas historicamente situadas e construtoras de uma
dada realidade (Maingueneau, 2005), de uma dada verdade (como v minúsculo) sobre os
cursos de formação de professores de ELE no Rio de Janeiro. E sendo assim, entendo que
existe a necessidade de uma revisão dos currículos propostos para a formação de tais
professores, no sentido de reduzir falhas e incompletudes, o que já vem sendo feito pelas
principais universidades cariocas. Acredito que no discurso dos professores de ELE, quando
falam de si, de suas identidades docentes, podem ser entrevistos caminhos para uma formação
mais completa, que possibilite uma atuação mais significativa e eficaz.
E como seria a trilha desses caminhos? A indagação fica para outro texto; para uma
tese, talvez.
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ANEXOS
Anexo 1
Roteiro para entrevista-piloto
BLOCOS TEMÁTICOS
OBJETIVOS PROBLEMAS HIPÓTESES PERGUNTAS
O professor e seu processo de aprendizagem do Espanhol como língua estrangeira.
Obter informações sobre a relação que o professor possui com o aprendizado da língua espanhola.
O que os professores pensam sobre aprender espanhol e quais são suas relações/impressões sobre esse processo.
1- Alguns professores vêem na aprendizagem da LE, somente, objetivos de ordem pragmática, de comunicação. 2- A maioria dos professores iniciou seus estudos antes do curso de Letras. 3- A maioria dos professores se considera proficiente em língua espanhola.
1- O que é para você aprender língua estrangeira? 2- Onde e por que você começou a estudar espanhol? 3-Como você avalia seu espanhol?
O professor e o seu fazer.
Perceber a relação que o professor mantém com a sua profissão.
Como se deram as escolhas profissionais do professor, durante a sua formação e atuação?
1- Os professores, influenciados por discursos negativos sobre a profissão docente, não tinham grandes expectativas sobre sua profissão. 2- Os professores identificam problemas em sua formação. 3- Os professores passaram por vários contextos de ensino. 4- Os
1- Que expectativas você tinha sobre a sua profissão (Professor de Língua Estrangeira) antes de começar a exercê-la? 2- Como foi a sua formação como Professor de Espanhol? 3- Como foi a sua trajetória profissional como professor de espanhol até hoje? 4- Por que, entre as
professores apontam a profissão docente como a mais possível, comparando-a a de tradutor ou revisor de textos.
possibilidades que o curso de Letras oferece, você escolheu ser professor de espanhol?
A presença do Espanhol como língua estrangeira no currículo de formação básica.
Perceber como o professor vê a presença da língua estrangeira, especificamente do espanhol, na educação básica.
Que noções de língua, aprendizagem e educação o professor torna evidentes a partir de seu discurso?
1- Os professores apontam a importância da língua estrangeira na formação dos alunos, mencionando a lei 11.161 para falar do espanhol. 2- Os professores consideram possível a relação entre a formação do cidadão e o trabalho com a língua estrangeira, mencionando os PCN para tratar da questão. 3- Os professores de espanhol se comparam com os de inglês. 4- Os professores acham que os alunos dão mais valor ao inglês que ao espanhol.
1- Você acha importante a presença da língua estrangeira, especificamente do espanhol, no currículo? Por quê? 2- É possível integrar o trabalho do espanhol com o da formação do cidadão na escola? Como? 3- Você acha que o professor de língua estrangeira ocupa um lugar diferente dos demais professores? Por quê? 4- Você acha que os alunos conseguem reconhecer a importância do espanhol no currículo?
Identidade do professor e Língua Estrangeira.
Perceber quais são as práticas identitárias do professor de espanhol no espaço da escola.
Como o professor se relaciona com a língua estrangeira no espaço escolar?
1- Os professores, quando falam em LE, se percebem diferentes. 2- Os professores usam o português em suas aulas.
1- Como você se sente quando fala em espanhol? Muda alguma coisa em você? 2- Você sempre fala em espanhol quando está dando aula? Por quê?
3- Os alunos acham “engraçado” quando o professor fala em espanhol. 4- Os professores não falam com os alunos em espanhol fora da sala de aula.
3- Como os alunos reagem quando você fala em espanhol? E como você se sente diante dessa reação? 4- Você se comunica com os alunos em espanhol fora da sala de aula?
Anexo 2
Convenções para transcrição de dados30
/ pausa curta
/.../ pausa longa
(inint) trecho duvidoso ou incompreensível
Letra maiúscula ênfase ou acento forte
... fala suspensa
(( )) comentário do pesquisador
(...) indicativo de eliminação
A fala da docente A
B fala do docente B
C fala da docente C
3030 Adaptadas com base em MARCUSCHI, L.A. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 1991.
Anexo 3
Transcrição das apresentações feitas pelos informantes
Docente A meu nome é A / tenho 29 anos / sou carioca / vivo no ((bairro da zona norte carioca)) /.../ estudei espanhol na ((nome da instituição)) / entrei na faculdade em 99, segundo semestre / fiz pra letras, espanhol mesmo / sempre quis fazer / LETRAS / aí no ensino médio a minha dúvida era se eu queria fazer espanhol ou literatura / ANTES de começar a faculdade, comecei a fazer um curso chamado ((nome do curso)), um curso de idiomas que era do ((nome do dono do curso)) / aí eu gostei, me apaixonei pelo ESPANHOL / daí a professora me disse: “já que você quer fazer letras, faz português – espanhol porque você sai com uma habilidade a mais / você pode dar aula de PORTUGUÊS, ESPANHOL, literatura brasileira ou literatura espanhola, se você só fizer só literatura, você vai dar aula só de português ou literatura”, AÍ decidi fazer realmente espanhol / até hoje eu só dou aula de espanhol, nunca dei aula de português nem de literatura brasileira / sempre espanhol mesmo /.../ depois me formei em 2003 /.../ comecei a dar aula em EMPRESA / dava aula pra EMPRESÁRIO, não tinha dado aula em escola / depois comecei a dar aula em escola, uns três anos depois / tanto é que eu demorei a fazer licenciatura, porque eu já dava aula em empresa e não queria muito essa história de dar aula em escola / mas aí decidi terminar a licenciatura e comecei a dar aula em escola / a primeira escola onde dei aula foi no ((escola em que trabalhou)), na escola ((escola em que trabalhou)), pro ensino médio, aí fiquei apaixonada por escola / hoje em dia não quero mais... /.../ dou aula / no ((nome do curso)), com pré-vestibular e a escola também / continuo dando aula em cursinho, dou aula no ((nome do curso)) porque no CURSINHO a gente pode também NÃO PERDER a nossa fluência, né, como a gente não é NATIVO, eu tenho muito medo de ser uma professora de espanhol que não fala espanhol DIREITO, eu tenho MUITO essa preocupação / agora resolvi fazer, um ano atrás, um curso de especialização / na ((universidade em que cursou a especialização)), pra continuar ESTUDANDO, né, porque eu acho que professor não pode ficar SÓ dando aula, a gente EMBURRECE dando SÓ aula / você tem que começar a progredir / aí pra começar a voltar a estudar, eu fiquei muito tempo parada, depois que me formei não estudei mais, comecei nessa especialização / daí, agora acabando essa especialização, pretendo fazer um mestrado, doutorado acho que não, mas o mestrado sim, pra continuar estudando / foi uma surpresa muito GRANDE essa especialização, eu tava comentando com o B / que a ((nome da instituição)) me abriu muito a CABEÇA, totalmente diferente da linha que a gente tinha lá na ((nome da instituição)) / Nunca tinha escutado Maingueneau, BAKHTIN, nunca tinha escutado / eu vejo que lá na ((nome da instituição)) tem uma preocupação maior com a REALIDADE, o que a gente vive dentro da sala de aula, então, muita coisa dessa especialização eu tô conseguindo levar pra dentro da sala de aula /.../ no ano que vem, agora, eu tô buscando pra fazer um curso na Espanha, mas aí JÁ, tô procurando alguma área, de atualização pra PROFESSOR, agora eu resolvi estudar MESMO /.../ área de interesse em pesquisa, é essa ideia da leitura / a nossa monografia tá falando sobre as histórias em quadrinhos dentro dos livros DIDÁTICOS, como tá sendo abordado / pretendo continuar, de repente, com outro tipo de GÊNERO que a gente considere que não seja PRIVILEGIADO pelos livros DIDÁTICOS. Docente B meu nome é B, eu tenho 28 anos / meu início dos estudos em espanhol foi através de um curso de idiomas. foi o ((nome do curso)) não lembro o ano, mas com certeza foi antes da faculdade, que eu comecei em 99 / passei por alguns cursinhos livres, como ((nome do curso)), ((nome do curso)), até entrar na faculdade em 1999 / na ((nome da universidade)), simplesmente porque eu gostava muito do espanhol terminei a minha graduação em 2004 / então, como já falei, minha formação acadêmica é em LETRAS, português – espanhol, pela ((nome da instituição)), com especialização em língua espanhola pela ((nome da instituição)) em 2005 e mestrado, também na ((nome da instituição)), iniciando em 2004, terminando em 2006 agora, tentando concluir o doutorado no próximo ano / as minhas áreas de interesse em pesquisa... meu mestrado e doutorado são em literaturas hispânicas, literatura mexicana, mas eu tenho interesse por questões metodológicas de ENSINO aplicado ao espanhol minha experiência profissional passa a níveis de / cursos livres, ensino médio e SUPERIOR atualmente eu trabalho numa escola de ensino médio, mas que também oferece ensino superior mas a minha experiência passa por todos esses níveis / minha experiência profissional é realmente acadêmica, com pesquisa e em sala de aula, mais com espanhol do que português, como eu já falei antes, perpassando todos esses níveis.
Docente C meu nome é C / tenho 37 anos / moro no ((nome do bairro)) / trabalho atualmente / no estado, como coordenadora pedagógica, e como professora substituta da ((nome da universidade)) atuando em língua espanhola II, III e IV / minha formação ACADÊMICA / vem... eu estudei na ((nome da universidade)), fiz a graduação na ((nome da universidade)) e agora curso algumas matérias pra puxar pro DOUTORADO pretendo dar início ao meu doutorado a partir desse ano, ou seja, fazendo... apresentando meu projeto esse ano / minha área de interesse em PESQUISA é língua espanhola, linguagem e multiculturalismo / minha experiência profissional, bem, eu trabalho há MAIS de dez anos com língua ESPANHOLA comecei num cursinho de pré-vestibular, logo depois fui trabalhar numa ESCOLA e depois numa escola GRANDE, como o ((nome da escola)). e adentrei pelos cursos de graduação, ou seja, trabalhando com a área de graduação, trabalhei em duas universidades PARTICULARES como professora de língua espanhola e trabalhei em duas universidades, instituições públicas, com língua espanhola também, a ((nome da universidade)) e a ((nome da universidade)) / tudo o que eu aprendi com língua espanhola foi na ((nome da universidade)), logo depois trabalhando no ((nome do curso livre)) como professora e ali aprimorei meu espanhol.
Anexo 4
Transcrição dos temas do grupo de discussão usados na análise
Tema: Ao se trabalhar com os temas transversais o mais importante é a discussão do tema e não a prática da língua. A- ao se trabalhar com os temas transve, transversais o mais importante é a discussão do tema e não a prática da língua. B- aí, isso é uma grande... ((risos)) isso já entra numa grande batalha porque eu acho que, assim, vai depender muit de cada um né, relatando um pouco a minha formação que eu acho que deve ter sido bem próxima a da A porque a gente estudou na mesma universidade / a gente saiu da universidade sem escutar / os temas transversais, né, sem saber o que que era o... A- menor idéia. B- o que que são os temas transversais, então / quando a gente pensa que / lá na nossa formação, né que / graças a Deus eu tive ((risos)) como caminhar por outras terras ((A e C riem)), até pra CONHECER, né, mas assim / ensinar língua espanhola é ensinar mesmo... / ter aquela formação que eu me vi durante / sei lá, nos quatro cinco anos de faculdade / então isso é uma grande batalha porque passa pelo lado do... / de método, enfoque, desenho, procedimento que cada professor adota na sua prática / mas eu acho que tem sim como a pessoa trabalhar os temas transversais e a língua acabar sendo / um instrumento, ou seja, como poderia você trabalhar os temas transversais com português, inglês, acaba que, realmente, cê tem que pensar muito bem o trabalho que você POSSA discutir os temas transversais e não esquecer que você ta dando aula de espanhol, né / assim a língua ta sendo usada ali somente como instrumento pra você discutir um TEMA / mas assim, dependendo da prática do professor ele vai se preocupar mais... ah, o texto está escrito em espanhol, então vamos trabalhar ali questões relacionadas a, num sei, a sintaxe da língua espanhola ou morfologia e o tema fica de lado, acho que depende muito do, é como falei... A- eu particularmente acho complicado trabalhar os dois juntos, eu num... B- e também vai depender muito do público, né, assim o público, perfil, objetivo, quem é o meu público, qual o objetivo dele, como você falou, pré-vestibular, pra que que ele vai querer discutir questões relacionadas a meio ambiente? / mesmo que você queira abrir uma discussão que aquilo pode ser importante, pode ser... A- um tema de redação. B- um tema de redação, o cara ta muito técnico ali, né, quase um robô, então ele acha que... A- quase não, literalmente né. C- é, é... essa questão do público realmente é... é chato isso aí né fazer uma proposta e... é... / dificilmente você vai querer trabalhar é... a língua em termos de, de /..../ é... como é que se diz... de comunicação né, num pré-vestibular e deixar de lado os temas transversais, você vai dar mais ênfase aos temas transversais, na verdade / mas se você está num público, no que hoje é a minha realidade, universitário, você vai trabalhar os dois, né, você vai exigir que o seu aluno fale sim, né, que ele interaja sim, usando a língua espanhola sim, então acho que depende do público pra que as exigências sejam pensadas a respeito disso aí, né / então, o público vai ditar em que níveis você vai trabalhar esses dois, né. A- acho que o público é sempre a chave, né. Aonde que você porque é ele que vai ditar o que que você vai dar, o que que você não vai dar, até onde você pode ir / que às vezes você prepara uma aula, NOSSA! Que AULA legal! / de repente numa escola deu super certo, e você vai levar aquele mesmo material pra uma escola de oitavo ano, a mesma o mesmo só que a escola é diferente, não funciona, uma funciona muito bem, a outra num VAI funcionar.
B- O que a gente tem também assim na realidade são professores que como também vivenciaram contextos diferentes de ensino, níveis de ensino diferentes, fazem uma grande salada na hora de levar de montar uma aula. Não que eu também não faça, assim, acho que a gente acaba bebendo um pouquinho de cada, de cada método / assim quando você fala em temas transversais, já puxa a ponte aí para os documentos normativos que nós temos no BRASIL / um tipo de aula que vai caminhar mais pra uma abordagem é de leitura INSTRUMENTAL, então a língua espanhola tá ali como falei como instrumento pro aluno discutir o tema / pra informar o sujeito mais crítico e tudo, mas assim, não se preocupar com gramática enquanto / estrutura / mas ás vezes você vai ter um professor que / consegue discutir muito bem a proposta de um texto, de um tema transversal / e consegue também dar uma aula de gramática textual, consegue pra parte de sistematizar, então eu acho / você tem assim grandes talentos / professores que sabem “isso daqui seria, só fazer isso é errado” / não que é errado, né, num existe essa questão do certo e errado, mas / “tá fora de moda ou isso já num... / o aluno de hoje em dia quer algo que vá além, ou / só estruturar num vou conseguir né... ter o domínio da turma/ ou eu preciso estruturar pra que a turma me respeite”, entendeu? (...) mas eu acho que é fundamental o professor pelo menos sair da formação / universitária conhecendo os temas transversais ou discutir pelo menos, coisas que assim na minha formação / teve uma falha aí que a gente não discutiu nada / só escutei em PCN quando eu entrei realmente / num outro curso de especialização... “ah, PCN, o que são os PCN”, todo mundo falando em PCN, PCN, PCN então... A- o que que é, né, vamos ler, saber do que se trata... dar uma lidinha neles, ver o que eles dizem... Tema: Documentos como PCN e OCEM são importantes para a formação do professor de espanhol. B- próximo é ih, falando em PCN, documentos como PCN e OCEM né, orientações curriculares, são importantes para formação do professor de espanhol. A- eles norteiam, né, você /.../ são / importantes, importantes é, né, porque ele vai nortear o caminho que ele pode, pode seguir, mas / é o que a gente tava falando aqui, às vezes nem sempre, às vezes, eles funcionam, né /.../ eu acho, eu num sei, eu sou um pouco CÉTICA com coisa de educação, dessas, dessas, desses modismos de educação, eu acho que é tudo TÃO no plano da fantasia, tem umas coisas que é tão no plano da fantasia que a gente que vive a REALIDADE / cê vai numa faculdade de EDUCAÇÃO, a professora lá falando dos MÉTODOS, “ai que lindo, que lindo” né, aí você chega com essas fantasias na cabeça, aí você começa, cê entra numa sala de aula com quarenta crianças te olhando, que num tão nem aí pra essas / né, pra tudo que você aprendeu, se é bonito... acho que a realidade é um pouco diferente. C- bom, a minha formação é um pouco diferente da de vocês, né ((risos)) eu já já tive essa realidade de PCN na formação do professor / e, BOM, acredito sim que seja / que HAJA né situações UTÓPICAS, sim / os PCN ele traz né essas / situações utópicas, mas eu, até tava conversando com um amigo outro dia, que ele foi um grande AVANÇO pra nossa educação principalmente no que a gente vê como língua hoje / eu acho que ele hoje é ele traz pra gente uma realidade de do trabalho com LINGUAGEM, com a língua, que eu acho que é mais palpável né, num sei, até pra realidade de escolas com quarenta alunos em sala de aula, né, coisa que / o método do comunicativismo né, na época / é difícil você trabalhar, ai como é que eu vou ensinar... vou ensinar, vou ensinar inglês numa, numa sala de quarenta alunos né / eu lembro que quando eu era aluna de de de de ensino fundamental e / ensino fundamental, a professora trabalhava com método ((nome de um curso de idiomas)) em sala de aula com quarenta alunos, ela trazia o livrinho dela para trabalhar inglês daquela forma / então eu acho que, os PCN eles trouxeram pra gente uma nova, uma nova perspectiva de trabalho / então assim, existe o seu lado utópico sim, existe porque, e aí, só que você tem que pensar, né, o quer que você quer para o seu público, né, o que você como professor, é o ONDE, COMO e QUANDO né ensinar espanhol, ensinar uma língua estrangeira, como fazer isso. Então os PCN eles trouxeram um norte sim e eu acho que o norte é positivo sim, acho que hoje a gente tem um pouco mais, é.. um instrumento a mais pra trabalhar em sala de aula, eu acho que ele / trouxe, como é que vou dizer, trouxe... é forma de a gente pensar né, pensar o trabalho com língua estrangeira, ou com a linguagem, né, no caso da língua portuguesa também acho que foi um avanço / eu acho que os PCN, os documentos foram um avanço sim, pra esses aprendizados de língua sim. A- pelo menos se deu, o governo / se deu o trabalho de pelo menos foca alguma coisa né, de nortear. B- é, mas assim, é claro eu também, só demonstrar primeiro a, a opinião, eu acho que são documentos importantes pra professor de, pra professores de quaisquer áreas. A- qualquer área.
C- é, concordo. B- é claro que assim, isso que a gente tem que tentar entender também assim, quando a gente que fala de PCN e OCEM, a gente que já ta assim, já leu algumas coisas sabe que num é uma NORMA, o professor tem que seguir aquilo é só realmente uma orientação pro trabalho, A- uma orientação B- e outros acabam entendendo como não, tem que fazer isso que ali é a bula, né. A- é, “os PCN está mandando fazer”, não tá mandando, tá sugerindo. B- igual você, você, assim, a escola adota um livro didático às vezes o professor nem tem como participar, da mesma forma que tem aquelas orientações no início do livro, orientações didáticas para o professor você também não é obrigado a seguir / mas eu acho que realmente assim, são documentos importantes que os professores tem que conhecer, eles saem da realidade de ensino de formação sem conhecer mesmo esse documento e o que é legal é que assim a gente teve um avanço muito grande assim, né, dos PCN de ensino médio e fundamental, o último saiu em 2000 e os OCEM em 2006, mas é / teve um avanço grande porque você tem os OCEM já tem um capitulo lá dedicado especialmente ao espanhol / mas também são questões assim que quando você lê é / esse documento, questões que ficam muito mais como provocações do que como a receita do bolo.. C- é pra você PENSAR né / traz aí o que é a língua hoje né / socio-interacionismo etc, ou seja, uma realidade que eu acho que é mais PALPÁVEL, como eu já disse, né / traz essa é, é... essa, essa metodologia que é a língua hoje, enfim, e aí faz você PENSAR / né sobre sua própria pratica e acho que nesse sentido é importante / quando eu coloquei num coloquei que ele É OBRIGATÓRIO e tem que ser, não, achei que ele foi importante pra fazer a gente pensar / né, pra fazer a gente... B- eu acho que também assim são documentos que eles sempre tem precisam estar se atualizando / porque um exemplo / eu tava lendo recentemente as OCEM e muitas coisas que assim pra mim já soam como.. questões já sempre muito batidas que você encontra em qualquer leitura que deve ser CLÁSSICA pra um professor de / espanhol, questões que não levam, um pouco até num sei se choca assim teoricamente, porque a gente tem uma preocupação pela / como a C falou, sobre o sóciointeracionismo, de mostrar que língua vai além e tudo, mas você volta no documento das OCEM a discutir questões que não não não, seriam mais presas a uma única habilidade, que seria a habilidade da leitura, que era não defendia nos PCNs, mas era deixado mais em evidência, então você tem ali nas OCEM questões como habilidade oral, ou de pronúncia que também são discutidas, então acho que são questões assim, interessantes mas de certa maneira, chocam um pouco com o documento anterior / questões que já são muito presentes agora, em termos assim de sala de aula do século vinte e um que não são muito discutidas, como por exemplo o uso de novas tecnologias / que assim / aparece pouquíssimo na na nas OCEM e é uma nova realidade de ensino, a gente ta lidando com salas que são já salas, assim, depende muito também da escola, né, eu to falando muito da minha realidade / mas assim, isso vai ser uma realidade eu acho que da educação, da próxima, né, dessa que a gente ta vivenciando, salas que são completamente equipadas / e nós temos alunos que vivenciam todos esses meios, né, ás vezes, sites bons, confiáveis outros não, mas, assim, o professor também precisa / tá ligado a isso é... e língua estrangeira também / como até hoje em dia já falam, existe um método de ensino de línguas, um método ECOLÓGICO, eu nem sei o que que é isso então, toda hora já vem uma nova teoria e eu acho que esses documentos, eles também, assim, eles param no tempo, então se eles não forem revistos... / mas o que eu ia fala antes eu acho assim uma contradição muito grande, eu não sei qual a opinião de vocês, ao mesmo tempo que nós temos assim os grandes cabeças nas universidades, que participam dessa dessa confecção desses documentos, você tem pessoas que escreveram esses documentos e por acaso as MESMAS pessoas que fazem uma escolha de material didático para uma escola pública / e essa escolha de material didático CHOCA completamente com TODO o que foi colocado ali. C- que aí vai entrar o comercial infelizmente né, isso que é ruim, né? B- e a ÉTICA entendeu... A- por falar nisso essa minha monografia da especialização, está falando sobre as histórias em quadrinhos dentro dos livros didáticos e a gente usou / os livros que ele teve uma, é, uma seleção de de livros que o MEC adotou pra escolas, né, assim, os livros são ((nome do livro)) que, realmente só gramática. B- aquele brasileiro, né?
A- brasileiro NÃO, espanhol. C- ((nome de um outro livro)) A- não, ((nome do livro citado por C)) não entrou não, entrou... ((nome do livro)), que a gente usou no ((nome de um projeto de extensão)) que hoje, da ((nome da editora do livro)), que realmente, que NEM está sendo mais COMERCIALIZADO, né, do duas gramáticas um outro ((nome do livro)), né, quer dizer, livros DIDÁTICOS totalmente ligados à áreaGRAMATICAL, daí... B- e como é que é feito? A- é uma comissão de professores ESPANHÓIS, das universidades fizeram isso, né e propu, propuseram esse, esses livros didáticos. B- você sabe que não existe assim um método, porque também não vende, né, se você faz um um material didático, né, que não, digamos assim, que não existe um perfeito, nunca vai existir, mas só focado no que diz os documentos, também não tem ainda porque... A- até porque se você for ler todos os, todos eles, aí nós pegamos esses livros didáticos e analisamos os manuais, se você pegar e olhar o manual, elas dizem que elas tratam tão de acordo com os PCN, OCEM... lei de diretrizes e bases da EDUCAÇÃO e e e e, PASMEM, do ((nome de uma instituição)) também, quer dizer, como é que um livro didático serve PARA eh, atende PCN, OCEM, lei de diretrizes e bases e ainda mais o MARCO COMUM EUROPEU. B- O plano curricular do ((nome de uma instiuição)), aí já mistura.. A- tudo né, ou seja, serve pra tudo, né, serve pra tudo. B- é um Bombril... C- (inint) B- e assim, engraçado que livros mais recentes assim tem até uns livros ((nome do livro)), que não que assim, trabalham muito essa questão dos gêneros das tipologias, tem um outro agora que também saiu, que assim, eu quero ganhar muito esse livro ainda não ganhei eu acho que é dá... qual é o nome dele (inint) até de uma professora do Ceará, que também é uma realidade do ensino médio, não sei se é da ((nome da editora)), é um novo de ensino médio que eu esqueci o nome, mas assim parece que / estão mais próximos de uma de um material ideal pra trabalhar numa realidade de escola e esses livros eles não são selecionados entendeu, então... A- pois é, por isso que eu fico que eu fiquei pasma, gente como é que uma comissão sugere, as escolas públicas vão adotar...(inint) vão adotar esse livro, como é que adotam um LIVRO que não, que não existe MAIS que não se vende MAIS gente, ((nome de um livro didático)) que... num existe mais esse livro pra vender, ((nome de outro livro)), a gente usava no ((nome de um projeto de extensão)). B- às vezes pode até ser isso: a autora do livro é amiga de num sei quem... A- exata, pode ser não, É ISSO /.../ dizem que uma das autoras do ((nome do livro)) é muito amiga da ((nome de uma mulher)), né, então / aí vai, dentro das ESCOLAS a gente tem isso ((a escolha do material didático pela coordenação da escola, sem a consulta dos professores)), a coordena, às vezes tem escola que a gente vai / que não é A GENTE que escolhe o material didático é a coordenadora / olha, esse aí nós vamos... B- não é nem da área. ((risos)) A- não é nem da ÁREA, normalmente os coordenadores são pedagogos / desculpe, você é pedagoga, não né? ((dirigindo-se à docente C, que parece não ter entendido o motivo da pergunta)) / você tem alguma formação em pedagogia? não, né? C- não...
A- não, porque eu não gosto de pedagogo (inint) ((o docente B manifesta risos)) A- eu acho que o pedagogo atrasa. C- sou coordenadora pedagógica só ((risos)). ((todos riem)) ((A docente C mostra-se incomodada com a situação, mantendo a cabeça baixa, buscando o olhar do pesquisador e expressando um semblante sério)) A- eu acho que o pedagogo atrasa a prática pedagógica só ((risos)) / desculpa, mas eu acho o pedagogo um atraso na nossa vida, entendeu? o pedagogo ele vai lá / ele não entende nada / joga aquele livro pra você trabalhar (inint.) / desculpa, você é pedagoga mesmo? ((em tom bem baixo)) C- eu sou professora de ESPANHOL, se você não percebeu ainda não? ((tom de ironia e risos)) A- não, sim, mas de repente a pessoa tem alguma, alguma / alguma ligação, né? / tem várias pessoas que fazem pedagogia depois vão fazer... ((ocorre um silêncio de 4 segundos; a docente C se mantém de cabeça baixa, o docente B mostra-se incomodado com a situação e a docente A busca o olhar do pesquisador)) Tema: O ensino de espanhol tem sido prejudicado por falantes nativos que se autodenomina professores. C- o ensino de espanhol tem sido prejudicado por falantes nativos que se autodenominam professores / concordo PLENAMENTE com esse aqui porque, durante muito tempo, acho que hoje já não é mais uma realidade tão tão presente, mas / há muito tempo que / é assim quando eu tava na faculdade ainda a gente tinha / a desculpa de muitas escolas só aceitarem nativos né porque achava que o fato de falar ESPANHOL, fazia com que os alunos fossem falar espanhol / então eu lembro que eu entrei no ((nome da escola)) pra dar aula / e, enfim, entrei por CURRÍCULO né, não entrei por indicação de NINGUÉM, e todos os outros professores anteriores eram, tinham sido professores nativos, né / e, enfim, ao final do ano a direção chegou pra mim e falou assim “olha esse foi o melhor ano de espanhol que nós tivemos aqui” eu tive a felicidade de ter essa, essa esse elogio por conta né da problemática que eles encontraram com professores nativos, ou seja sem metodologia, sem formação / e o fato de falarem espanhol né os privilegiavam né, mas na verdade a gente que tem uma formação, tem uma preocupação ficava de FORA porque não era nativo. Então eu acho que prejudica SIM / eu encontrei alunos que reclamavam também até hoje encontro que existia um distanciamento porque o cara só falava espanhol e... e não conseguia ter uma interatividade com seu aluno, não só por falar espanhol, que você tem como falar espanhol e ter uma interatividade, mas a... a diferença né que não é... por não saber didática, por não ter uma prática de sala de aula / não conseguia interagir com seus alunos; então, eu / concordo com isso aqui sim, claro que não é, não estou fechando não tô dizendo que todo professor nativo tem esse problema, não tem professor nativo que tem a formação né,... A- tem professor nativo que é formado. C- pois é, eu não tô falando que é uma máxima que todos são assim, mas é... parece que durante muito tempo foi uma realidade sim A- foi, com certeza, e assim ainda tem alguns resquícios, escola hoje em dia até porque escolas, o MEC tá em cima né, eu trabalhei no, no ((nome da escola)) e lá no ((nome da escola)) tiveram um problema muito GRANDE com / a secretaria de educação que foram e pediu exigiu a licenciatura de TODO MUNDO de tudo quanto é professor e tinham uns professores pra você tem os professores antigos que não têm licenciatura e dão aula né aí a escola foi multada perderam RIOS de dinheiro por conta disso e hoje em dia só entra no((nome da escola)) se realmente você tiver, O PROFESSOR, você tem que ter a tal da licenciatura, então acho que nas escolas hoje em dia ta reduzindo, mas você tem muito dessa realidade nos cursinhos né, centro de idiomas isso aí você tem...
C- é, todos os coordenadores eram né, eram nativos. A- e são, por exemplo, eu dou aula no Y ((um curso livre de idiomas)), só eu e o B ((um companheiro de trabalho)) / que somos professores que o resto que o cursinho na realidade é se você SABE FALAR, você é simpático você sabe falar / te jogam pra dar aula porque lá ninguém é PROFESSOR. B- isso que eu ia falar. A- é INSTRUTOR né /.../ aí... acho que existe uma diferença de professor e instrutor. B- e teve um durante um tempo eu acho que essa moda ta voltando que é muito fácil ser professor de espanhol, né, por exemplo “tem eu que sou formado em inglês é... porque eu falo bem espanhol eu estudei no ((nome do curso)), eu por conta PRÓPRIA ninguém me disse eu não ganhei diploma nenhum caiu a ficha ah, vou dar aula de espanhol” e consegue. C- é, tá acontecendo muito isso. B- é, você pegando assim anúncios de classificados de empregos e você vai ver que essa essa realidade dos nativos ainda é muitoFORTE, principalmente aulas para pra EMPRESAS, ou talvez professores de INGLÊS que também dão... falam espanhol porque você economiza o mesmo professor sei lá a mesma carteira pra pra pra dar as duas disciplinas, mas eu acho que assim a gente ainda tem casos de pro de nativos que acabam ocupando o/ o nosso espaço isso tira a / questão do emprego ainda, é visto como uma pessoa que sabe espanhol mais do que a gente no primeiro momen quando vocês falaram e, pessoas que não tem uma certa formação mas assim isso é engraçado que ATÉ em ensino superior isso também acontece, essas coisas de talvez uma pessoa sai lá da, do seu país formado num sei em física... C- economia. A- mecânica. B- economia, e dá cursos assim que FAZEM assim esses concursos mais antigos mas isso acho que ainda dependendo do ESTADO né pode acabar acontecendo a pessoa é formada num sei em, em física economia faz um cursinho de de capacitação, de especialização e passa pra dar aula, pra formar professor de espanhol / entendeu? porque também são pessoas que acham que ensinar é só ligado a língua a língua a fala, saber falar e não importa ou também saber escrever também então mas é um assunto eu acho que sempre vai ter, deve acontecer também com nativos de inglês né, com com acho que... A- acho que com nativos de inglês acho que é até um pouquinho mais... B- É mais difícil porque... A- mais DIFÍCIL porque eles não VÊM pra... C- tem muito professor de inglês... A- e fora que... B- é porque é mais difícil lidar com o aluno... A- eu acho que é a realidade SOCIAL também... B- aí acaba também / desvalorizando a própria língua né “ah, faz mímica com com com com o nativo que que ele vai te entender” ou “é mais fácil porque a língua é próxima” quando você tem um norte americano é... aí é mais difícil assim cê cê bota um nativo pra dar aula num ensino médio, o cara num vai entender mesmo né ou talvez fazendo mímica possa até entender mas na... no nosso caso “ah é muito fácil” quer dizer o português acaba desmerecendo a língua também né, o português é muito parecido com o espanhol então se a gente jogar um nativo mesmo sem didática nenhuma ou com didática os alunos vão gostar, não, o professor nativo não conhece a cultura do povo brasileiro não conhece / se a gente for pensar numa abordagem mais comunicativa... A- O humor é diferente...
B- Não sabe quais sãos os problemas pro pro estudando brasileiro dos aspectos gramaticais espanhol onde choca aonde não choca a questão um exemplo só a colocação pronominal então... a questão dos verbos, então é... um problema né a gente às vezes quer facilitar de um lado... A- (inint) B- “ah, ótimo, ele vai ter aula com um nativo” não que isso seja ruim talvez se for um nativo como vocês colocaram com uma preparação beleza / mas se não for se não tiver uma vivência no contexto brasileiro isso pode acabar gerando problema de aprendizagem da língua, ou a pessoa gerar um bloqueio não então não quero é... estudar espanhol porque praticamente quando você fala que ah tem que ser um nativo porque um nativo fala espanhol perfeitamente o brasileiro não vai falar perfeitamente nunca. C- é igual. B- então o aluno também acha que ele imita “eu tenho que falar o espanhol perfeito” A- perfeito não existe. B- se não for daquele jeito não existe... C- igual uma certa ledora que teve lá na ((nome da universidade)) ((risos)) / que falou pros alunos que o espanhol da Espanha era o melhor espanhol né então a gente tem que / enfim quer dizer uma ignorância assim... fenomenal, né. B- o pior que assim essas coisas ruins parece que não mas acabam reproduzindo de forma MAIS FÁCIL na cabeça dos alunos, né. A e C – Com certeza. B- você tem aula no primeiro período com um nativo / com ou sem preparação / no segundo você tem / tem que talvez usar a mesma variante pra ser igual porque assim que é o correto entendeu. C- É. B- e você é brasileiro parece que o seu discurso mesmo tendo formação, tendo se matado, gastado dinheiro com livro / não vale porque sempre... C- e o processo de interlíngua dos alunos não é visto como natural, é visto como algo né / enfim prejudicial para eles né que eles acabam ficando com vergonha de falar porque / né acham que tem que ser perfeito, já nos primeiros períodos, né. B- ainda mais quando você fala “olha, eu sou professor de espanhol, mas eu não conheço cem por cento a língua, tem que recorrer ao dicionário” isso é a morte né porque... A- ah é e vem as perguntas né num sei se cê já passou ai eles querem perguntar “como é que eu falo o parafuso da porta, como é que a gente fala”, “gente olha só pega o dicionário, querido”. B- e também não necessariamente prum prum prum nativo isso também ele possa saber. A- exatamente. C- e como a gente não sabe se é de português, né. B- a gente recorre a dicionário e sai ainda mais estudando duas línguas. Tema: Os estudos acadêmicos auxiliam a prática do professor.
A- Os estudos acadêmicos auxiliam na prática do professor, isso aqui é claro, né, acho que professor, é o que a gente já falou aqui / que o professor ele tem que tá sempre em MOVIMENTO, né, em estudo, se você é o professor (inint.) aconteceu, isso é engraçado que isso aconteceu comigo / eu me formei em 2003 (inint.) comecei a dar AULA e num queria saber de tá estudando, ah não agora eu quero dar aula só que chega um determinado momento que você poxa, você sente parece meio que emburrece né / eu acho que só dá aula é uma coisa que emburrece / vai lá da uma paradinha nas aulas, vou tentar volta a estudar, porque eu acho que MEU ALUNO merece. B- (inint.) dificulta porque ganha menos pra voltar a estudar. A- exatamente, eu tive que abrir mão de algumas turmas, né, bom vou ganhar, vou perder um dinheiro, mas em compensação eu vo ganhar na qualidade de ensino que eu estou dando, é melhor pro meu aluno e é melhor pra mim também / então eu voltei a estudar e não me arrependo / é isso que eu quero mesmo. /.../ B- interessante, isso que os estudos acadêmicos auxiliam na prática do professor / SIM mas às vezes assim, num sei, quem trabalha mais com uma realidade de de ensino médio, às vezes cê trabalha uma pesquisa como no meu caso uma pesquisa muito específica na área de LITERATURA, literatura MEXICANA, e da litaratura mexicana a poesia mexicana e conto mexicano, assim, se eu me fechar nesse universo eu taria completamente, é é ou desmotivado até pro que eu faço, porque eu leio muito coisa que eu não aplico na minha realidade, poderia até aplicar, não sei, levando / um texto literário tudo mais eu acho que não é a mesma coisa quando a gente fala de os estudos acadêmicos auxiliam a prática do professor, auxiliam mas eu acho assim / acabam sendo muito mais esses estudos acadêmicos voltados para pros estudos linguísticos que tem uma aplicação mais voltada pra metodologia de ENSINO, do que você ficar só teorizando em estudos acadêmicos voltados pra pra literatura, quando falo literatura digamos literatura pura mesmo, né, é é é e não uma APLICAÇÃO do texto literário na sala, então eu acho que assim os estudos acadêmicos auxiliam, é é mas aí que tá o grande o grande elo da nossa formação, as pessoas saem da universidade querendo trabalhar, querendo ganhar dinheiro... A- querendo ganhar dinheiro eu acho que isso é um pouquinho difícil na nossa profissão, mas pelo menos trabalhar. B- eu acho que precisa conscientizar os professores que saem da faculdade que assim / não acaba ali a formação / entendeu, porque se ele não lê, se ele não faz a não reciclagem que tá fora de moda, se ele não tem essa formação continuada de querer buscar / de sempre ta visitando os sites que possam ser interessantes, de buscar curso, tudo isso, a pessoa sai mesmo com essa mentalidade assim de “ah agora eu to pronto pro mercado de trabalho” / você quando entra na sua primeira turma, principalmente acho que mais ensino médio / você vê o grande choque você tem que assim da da da minha da da da nossa formação dependendo da formação como é a prática, e você fala “gente, eu não fui preparado pra tá aqui”. A- não mesmo. C- é você se vê assim numa berlinda, né, o que que você vai fazer agora né? quando você tem essa essa prática de formação continuada essa coisa é, num fica tão tão frustrante, né, você já mais ou menos consegue, ou tenta, né, enfim... B- é legal essa formação continuada, assim pensando em congresso você vai em congresso troca experiência, lê texto de alguém, por isso a importância dessa questão dos estudos, “ah essa experiência funcionou lá sei lá / em Recife, pode ser interessante pra minha turma” ou, / “vou tentar fazer isso, não vou adaptar minha realidade”, é legal você... A- trocar, né. B- isso assim eu vejo muito mais preso à estudos de de de língua e de metodologia do que com literatura / você pode até trabalhar mais o escritor x mas nunca eu vou discutir em sala de aula / por exemplo a importância do BAUMAN por exemplo um teórico, ou do Canclini pode até usar alguma coisa do Canclini, mas assim essas teorias vamos discutir aqui o ensaio do Octavio Paz, assim vai ser muito mais essa pesquisa acadêmica voltada pruma realidade de nível SUPERIOR / do que de de de ensino médio ou curso de idioma; então, por isso que algumas pessoas acabam, o ensino médio é uma grande uma grande passagem pra você trabalhar com... até tava lendo um texto de uma amiga minha, fazendo uma crítica fazendo uma crítica a esses professores que usam o
ensino médio como / uma prática, como se o ensino médio aí que não é minha visão tudo bem que eu também penso em mudar ir trabalhar mais com ensino superior / mas, assim você fazer um trabalho negativo no ensino médio, ou porque você não gosta ou porque você não vê como desenvolver pesquisa ali dentro, eu acho que assim a gente tem certas discussões que a gente pode sim discutir com aluno do ensino médio / né e e e... algumas muito profundas NÃO, que são levadas pro ensino superior, mas assim, o professor num tem muito disso, de envolver o que ta lendo as suas pesquisas com o seu público, acho que seria interessante até pra pra pra testar e.. eu num digo dar uma AULA, né, teórica sobre aquilo, mas muito coisa daquilo que a gente estuda, um exemplo se você ta lendo as OCEM, os PCN, você pode levar aquilo pros alunos mas refletindo uma atividade um trabalho e não... discutir com eles, mas acho que é fundamental. A- eu também acho, concordo plenamente. Tema: O ensino tradicional é necessário em alguns momentos. A- O ensino tradicional é necessário em alguns momentos. eu acho que o ensino num todo é fund... eu acho que você, alguns momentos? / alguns momentos sim, eu acho que ele é necessário de vez em quando você dar uma folhinha de exercícios pro aluno ali do ensino médio. C- ensino estrutural, né, eu acho que, mais uma vez / cai na questão do público, né / é aquela coisa, eu acho que você tem que conhecer diversos métodos, né, conhecer o que é língua, enfim, essa coisa toda pra você poder se VALER desses instrumentos no momento, né, apropriado, no momento que você precisa deles. A- tudo tem seu tempo, né / você não pode ser totalmente moderno, totalmente tradicional, até porque nós não somos assim, ninguém é totalmente MODERNO, ninguém é totalmente TRADICIONAL, o ser HUMANO não é assim. B- eu acho que mesmo com todas essas teorias bonitas, e tudo, se dão certo, se não dão, só a pratica vai dizer / mas chega um momento que você vai ter que sistematizar. A- é, não tem jeito. B- assim, mesmo dependendo do público / vai chegar um momento que você tem que sistematizar, porque essa constru… esse discurso que não, “você vai trabalhando inúmeras coisas, inúmeros textos, nananã nananã nananã, e o aluno vai construindo, o aluno vai construindo, o aluno vai construindo” C- isso não tá na cabeça do nosso aluno ainda. B- é, não tá na cabeça. C- então não faz parte da realidade dele ainda, né? B- quando a educação for pensada, talvez assim, o próprio ensino, de forma diferente / aí sim talvez ele consiga construir, porque se você tem um aluno, ainda mais assim, eu acho de ensino médio mesmo, saindo de uma, aquele que sai do nono, da oitava série, numa educação toda ela decoreba, toda ela cheia de folha impressa... C- em faculdade também, B, é… B- você tá, você tem uma experiência de ensino superior… C- língua 2, assim, sabe, é, às vezes tem essa coisa constru… né? o aluno construir, aquela coisa do / como é que fala, metacognição, de saber o que ele tá aprendendo, aquela coisa toda, mas você não foge daquilo que o aluno, às vezes, ele briga com você porque ele QUER uma situação de gramática, ele quer ver o verbo ali, conjugado, completar lacuna, e você tem que dá isso pra ele, porque ele não, como eu falei, ele ainda, acho que o nosso público ainda não sabe o que é isso, isso tem que vir, é uma construção lá das primeiras séries / pra eles poder chegar à nossa, no caso, ensino médio, e graduação, enxergando o ensino-aprendizagem dessa forma, né, de construção, acho que falta ainda uma base pra saber o que que é isso, o que que é construir, o que que é… A- e isso acontece lá da base, na base o que… aí você volta, é um ciclo, por que, se a criança, ela não foi educada assim, foi porque o professor, lá do ensino fundamental, lá da primeira série, que é, né? / que cursou,
por sua vez cursou uma faculdade, né, que preparou ele, também teve uma faculdade que foi calcada, então… a gente reproduz aquilo que a gente aprendeu. né, então, se volta, é um ciclo / o que tá lá no início volta pra faculdade.
B- é verdade, assim, é aquela idéia de que vamos passando o conteúdo, assim de uma forma sem ser um pouco tradicional também, eu acho lindo, dá certo também, mas se você só joga, dessa forma de, não, vamos, por exemplo, tomando a abordagem instrumental, SÓ texto, e SÓ texto, em momento nenhum comentar uma colocação de pronome, nem NADA, assim, pode ter no final do processo, aquele aluno que conseguiu juntar todas as pecinhas e construir o que a gente queria com língua, como também vai ter aquele aluno, nossa “eu tenho tanta informação mas eu não consigo juntar nada”, então você vai ter alunos que precisam sistematizar, foi aquilo que C falou, talvez no mesmo grupo um pede, porque entende língua durante toda sua formação, outras disciplinas também como isso de ter que juntar as coisinhas, tem que preencher essa lacuna, outros não, já vão achar um saco, porque já sabem aquilo dali, queriam ver outra coisa, então… mas eu acho que tem que, é… é uma grande mistura essa questão de método.
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