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ETHOS: O HABITAR HUMANO E A CRISE ÉTICA-ECOLÓGICA DE HOJE Prof. Marcos Aurélio Fernandes

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ETHOS: O HABITAR HUMANO E A CRISE ÉTICA-ECOLÓGICA DE HOJECRISE ÉTICA-ECOLÓGICA DE HOJE

Prof. Marcos Aurélio Fernandes

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• Hoje vivemos uma grave crise ética, que é ecológica, econômica e ecumênica. Trata-se de uma crise do habitar humano sobre a Terra. Todos os três adjetivos: ecológico, Terra. Todos os três adjetivos: ecológico, econômico e ecumênico, nos remetem à Terra como nosso “Oikos”, nossa casa, quer dizer, nosso “Ethos”, nossa morada.

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• O desafio ecológico é o desafio de vivermos uma existência centrada, unificada, integrada, recolhida (lógos, em grego arcaico, significa recolhimento). É o desafio de aprendermos a sermos Um: Um em nós mesmos (individuação), Um na convivência de uns com os outros (instituição de Comunidade), Um com o os outros (instituição de Comunidade), Um com o Universo (solidariedade cósmica). O desafio ecológico é, em última instância, o desafio não somente da sobrevivência na face da Terra, mas o desafio de aprendermos a amar a Terra e a vivermos nela em comunhão com tudo e com todos, numa fraternidade humana, vital, terrena, cósmica.

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• O desafio econômico é o desafio de vivermos a justiça nas nossas relações com a Terra, e na partilha do que somos e temos, do que produzimos e consumimos (nomos, em grego arcaico,vem do verbo nemo, que significa distribuir o alimento; dar a cada um o que lhe arcaico,vem do verbo nemo, que significa distribuir o alimento; dar a cada um o que lhe pertence: justiça distributiva; destinar a cada um o seu lugar na Terra; habitar de maneira ajustada a Terra; saber administrar o nosso mundo; cuidar da casa; reger os usos e costumes; regular a convivência).

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• O desafio ecumênico é o desafio de habitar a Terra de maneira dialogal (oikoumene: a terra enquanto é e pode ser habitada pela vida dos povos). É o desafio do diálogo entre os povos, entre os mundos étnicos, sociais e culturais entre os mundos étnicos, sociais e culturais humanos. É o desafio de a humanidade vir a ser humanidade. De ela se constituir como um só corpo e um só espírito, de vir a ser uma só família, de vir a falar uma só linguagem: a linguagem do amor. É o desafio da Paz na Terra.

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• Assim, os três desafios, são um e o mesmo desafio. O desafio de uma ecologia econômica e ecumênica, de uma economia ecológica e ecumênica, de um ecumenismo econômico e ecumênica, de um ecumenismo econômico e ecológico. Mas esse tríplice desafio é, na sua raiz, um desafio ético.

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• Ética vem de Ethos. Ethos significa lugar habitual, morada. Ethos designa a morada do Homem, o lugar onde ele se encontra em casa. casa.

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• A Terra é a morada do Homem. Ela abre para o homem a possibilidade do seu habitar. A Terra é, aqui, não simplesmente uma matéria (materia). Mas a Mãe (mater). A Grande Mãe (materia). Mas a Mãe (mater). A Grande Mãe (Magna Mater). Pois nela a matéria se transforma em vida e a vida se torna espírito, isto é, conhecimento e liberdade.

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• Desde tempos imemoriais, as cavernas falavam da geração e da proteção aos humanos. O humano vem da terra e retorna para ela, como se voltasse ao útero materno. para ela, como se voltasse ao útero materno. À terra ele deve a nutrição, a alimentação, a sustentação. Ele está à mercê da fecundidade de suas entranhas e da generosidade de seus seios.

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• Enquanto Mãe, ela propicia e protege tudo o que dela nasce e tudo o que se ergue, a partir dela, rumo ao Céu. Ela é a matriz e a geratriz de tudo o que vem à luz: pedras, plantas, animais, homens, deuses. Sim, mesmo o Deus do Céu, reverenciado deuses. Sim, mesmo o Deus do Céu, reverenciado pelo judaísmo e pelo cristianismo, foi por ela atraído e a escolheu como o lugar de sua revelação e de sua encarnação. Sim, na carne de Jesus, o Deus do Céu se uniu definitivamente, no amor, em sagradas núpcias, à Terra dos homens.

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• O poeta Hölderlin celebrou o mistério da Terra colocando na boca de Empédocles essa declaração de amor:

“Ó luz celeste! Não me ensinaram os homens. Já vai longe o tempo em que, meu coração ardente não sabendo encontrar a terra toda viva, me voltei para ti e, confiante como a planta, abracei-me contigo longa e cegamente em minha alegre piedade. Pois um mortal mal reconhece os Puros. Mas, quando o espírito floresceu em mim, reconhece os Puros. Mas, quando o espírito floresceu em mim, como tu floresces, eu te reconheci e gritei: estás viva. É porque viajas entre os mortais e, jovial, como céu, lanças de ti a graça de raios brilhantes sobre cada coisa, para que todas elas tenham a cor de teu espírito, foi por isso que também para mim a vida se fez poesia. É que em mim estava tua alma. E assim como tu, meu coração se entregou livremente à terra grávida, à terra sofredora. E, muitas vezes na noite santa, prometi amá-la fiel e sem medo até à morte, amar esta terra, toda carregada de destino, e não desdenhar nenhum de seus mistérios”.

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• A Terra vive! Como poderia não viver, se dela é que vem toda a vida dos animais e dos homens que nela habitam? Como poderia não viver, se é a partir dela que o homem se ergue como homem na direção do Céu? na direção do Céu?

• O Céu é o esposo da Terra. O homem é o filho dessa união. Olhando para a imensa vastidão do Céu o homem aprende a habitar a Terra. O Céu é sombra e é luz. É noite e é dia. É distância e é proximidade. É estranheza e é familiaridade. O Céu descobre e encobre o divino para o homem.

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• Também o poeta Hebel declarou nossa pertença radical à Terra, como se fôssemos uma planta:

“Nós somos plantas que –“Nós somos plantas que –

Desejemos confessá-lo ou não -

Devemos crescer com as raízes na terra

Para poder florir e dar frutos no céu!”.

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• A Terra é que dá ao homem a confiança de uma ponte sobre o abismo, a confiabilidade de uma morada.

• Na poesia de Guimarães Rosa a Terra foi celebrada através de histórias que vieram a lume celebrada através de histórias que vieram a lume por meio da edição de “No Urubuquaquá, no Pinhém”, volume esse pertencente à obra “Corpo de Baile”. Como um mote desse volume, Rosa pôs a seguinte citação de Plotino, que faz ressoar o mistério da Terra de “amplo seio acolhedor” (Hesíodo):

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• “O melhor, sem dúvida, é escutar Platão: é preciso – diz ele – que haja no universo um sólido que seja resistente; é por isso que a terra está situada no centro, como uma ponte terra está situada no centro, como uma ponte sobre o abismo; ela oferece um solo firme a quem sobre ela caminha, e os animais que estão em sua superfície dela tiram necessariamente uma solidez semelhante à sua”.

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• O poeta arcaico dos gregos, Hesíodo, a celebrou como filha do Caos e como Mãe não só dos mortais, como também dos imortais:

• “Como princípio de tudo, gerou-se o caos, a • “Como princípio de tudo, gerou-se o caos, a seguir, então, a terra de amplo seio acolhedor, sede para sempre inabalável de tudo que é imortal...”.

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• O homem é filho da Terra, como ser vivo e como ser mortal. Como ser vivo, ao nascer da Terra, o homem abre os olhos para o Céu e vê a luz e na luz vê todas as coisas. Como ser a luz e na luz vê todas as coisas. Como ser mortal, ao morrer, ele retorna à escuridão e ao silêncio da Terra.

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• A mortalidade faz do habitar humano sobre a terra uma estadia. A terra é o lugar da estadia humana, o lugar onde ele encontra paradeiro. O humano habita a terra, como mortal. Ele O humano habita a terra, como mortal. Ele demora nela como casa de sua finitude. E esse demorar é pleno de indigência, de necessidade. Por isso, o viver do humano sobre a terra é regido pelo cuidado.

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• O humano pertence ao cuidado em toda a sua estadia sobre a terra, quer trabalhe ou repouse, na vigília e no sono. Essa pertença do humano ao cuidado emergiu ainda na humano ao cuidado emergiu ainda na linguagem latina através de uma antiga fábula de Higino:

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• “Certa vez, atravessando um rio, ‘Cura’ (Cuidado) viu um pedaço de terra argilosa: cogitando, tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto refletia sobre o que criara, interveio Júpiter (Céu). Cura pediu-lhe que desse espírito à forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como Cura quis, então, dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter a proibiu e exigiu que lhe fosse dado o seu próprio nome. Enquanto ‘Cura’ e Júpiter disputavam sobre o nome, próprio nome. Enquanto ‘Cura’ e Júpiter disputavam sobre o nome, surgiu também Tellus (Terra), querendo dar o seu nome, uma vez que havia fornecido um pedaço de seu corpo. Os litigiosos tomaram Saturno (Tempo) como árbitro. Saturno pronunciou a seguinte decisão, pelo visto eqüitativa: ‘Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e tu, Tellus, por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi ‘Cura’ quem primeiro o formou, ele deve pertencer a ela, enquanto viver. Como, no entanto, sobre o nome há litígio, ele deve se chamar ‘homo’, pois foi feito de húmus”.

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• Nesta fábula, vemos testemunhado o saber de que o ser, a partir do qual emerge e se configurao humano, enquanto filho do Céu e da Terra, encontra a sua origem primordial no cuidado. O humano é cidadão de dois reinos, mas seu ser se recolhe na unidade do cuidado. Ao cuidado ele humano é cidadão de dois reinos, mas seu ser se recolhe na unidade do cuidado. Ao cuidado ele pertence, enquanto viver. Esta origem o tem e não o abandona, enquanto ele demora em sua estadia sobre a terra. Essa é, afinal, a decisão do Tempo. Enquanto vive, o humano cumpre essa decisão do Tempo.

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• O cuidado determina e sustenta o habitar humano sobre a terra. Esse cuidado faz aparecer o mundo. O humano habita a terra, enquanto nela se demora como em sua estadia familiar. É a partir desse habitar, que o humano cultiva o solo, constrói casas e cidades, edifica monumentos, fabrica utensílios, etc. O entorno que se abre a partir desse empenho do cuidado nós chamamos de mundo. O mundo vigora como aquela abertura realizada pelo cuidado. É por isso que a língua latina chamava de munduso lugar aberto pelo cultivar e construir humano e de imundus, o não-lugar, o lugar aberto pelo cultivar e construir humano e de imundus, o não-lugar, a não-morada, o inóspito, isto é, ali onde está vedado ao humano o poder-cultivar, o poder-construir, o poder habitar a terra. É sendo no mundo e pertencendo ao cuidado que o humano nasce e morre, trabalha e descansa, encontra êxito e fracasso em suas empreitadas, experimenta miséria e abundância, alegria e dor, desgraça e bênção. É a partir do habitar a terra e do cuidar do mundo que o humano faz a experiência da familiaridade do cotidiano e ordinário e da estranheza do in-comum e extra-ordinário.

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• A terra gera e dá guarida. Ela, no entanto, necessita do humano e de seu mundo, para poder vir à luz, à obra, à palavra. O humano com seu mundo, na sua claridade, funda-se na terra. A terra é mais primordial e arcaica que o mundo. Tudo o que o humano produz, cria, cultiva, constrói, precisa estar assentado na terra. O humano precisa confiar-se, a si e a seu mundo, à proteção, à guarda e guarida da terra. Carece de fiar-se dela; de abandonar-se a ela. É guarida da terra. Carece de fiar-se dela; de abandonar-se a ela. É como se tudo aquilo que nos é familiar em nosso mundo, com o que estamos de há muito habituados, repousasse, em última instância, na quietude de um fundo, cuja profundidade é abissal, cuja amplidão é imensa, cuja originariedade é inesgotável, mas que sempre de novo nos passa despercebido, por ser por demais próximo de nós – é como se tudo repousasse, em última instância, neste fundamento, que nós chamamos terra.

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• Hoje, vivemos uma grave crise ecológica, que é na sua raiz uma grave crise ética. Ética é essa crise por ser uma crise da relação do homem com o seu mundo e com a Terra.com o seu mundo e com a Terra.

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• O mundo se esvazia de sentido. Por conseguinte, as experiências humanas deixam de ser significativas. Não havendo mais lugar para a gratuidade, bem como para o poético, a armação do mundo acaba se tornando uma a armação do mundo acaba se tornando uma prisão, a estrutura significativa em que o homem existe e insiste acaba se transformando num sistema apenas funcional, destituído de sentido. Perde-se o senso do cuidado com o todo.

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• Daí, as contradições em que incorre o modo de viver humano na modernidade. Assim, se por um lado, a medicina chegou a um grau de precisão e de poder super-evoluído, por outro, doenças e patologias típicas do modo de viver moderno se tornaram desafios inauditos. Não só, se, antigamente, a relação dos humanos com a doença e a morte era uma relação sadia, hoje, a relação dos humanos com a própria saúde se tornou uma relação doentia. Moral da estória: somos enfermos não somente quando nos adoecemos, mas também quando não adoecemos. Algo de similar acontece no campo da segurança, enquanto a capacidade de garantir proteção, através do controle e das armas aumentou, por outro lado, nunca se proteção, através do controle e das armas aumentou, por outro lado, nunca se viveu tão inseguro e com tanto medo. No campo da educação e da formação humana, nunca se dispôs de tanta informação e de tanto conhecimento, e, no entanto, nunca o saber e a sabedoria foram tão raros. Nunca se calculou tanto, e, entretanto, nunca se pensou tão pouco. Nunca se produziu e se consumiu tanto, e, todavia, nunca o ser humano se tornou tão indigente e carente da alegria de ser. Com outras palavras e em resumo, nunca se dominou tanto o mundo, e, no entanto, nunca o mundo foi tão imundo – isso significa: nunca o mundo foi tão inóspito e inabitável.

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• Com a derrocada do mundo, também se dá a desolação da terra. Por toda a parte crescem os desertos. O deserto assola e desola. Assolar e desolar são piores do que destruir e aniquilar. Destruir e aniquilar é acabar com o que já existe de real. Assolar e desolar é acabar com o possível, é dar fim nas possibilidades de criar. Neste sentido, mesmo se uma catástrofe cósmica não destruir a terra por incúria é dar fim nas possibilidades de criar. Neste sentido, mesmo se uma catástrofe cósmica não destruir a terra por incúria do humano, isso não significa que tudo estará a salvo. Pois pode ser que tudo seguirá existindo, mas sem poesia, isto é, sem o vigor da criação, sem a ressonância do apelo da terra e sem a presença do fogo do céu, sem os acenos do mistério e sem os envios do divino. É que salvar não é só conservar. Salvar é conduzir TUDO para a integridade da harmonia do céu e da terra, dos mortais e do divino.

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• Hoje, do profundo da nossa crise ética-ecológica, nos chega o apelo que se fez poesia, certa vez, na fala de um grego, chamado Periandro: MELETA TO PAN: cuida do chamado Periandro: MELETA TO PAN: cuida do Todo.

• Ser ético é, hoje, CUIDAR DO TODO, cuidar de nossa relação com o mundo, sim, mas antes de tudo, cuidar de nossa pertença à Terra.

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• Anexo: Terra – de Caetano Veloso• Quando eu me encontrava preso

Na cela de uma cadeiaFoi que vi pela primeira vezAs tais fotografiasEm que apareces inteiraPorém lá não estavas nuaPorém lá não estavas nuaE sim coberta de nuvens...

• Terra! Terra!Por mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?...

• Ninguém supõe a morena

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• Dentro da estrela azuladaNa vertigem do cinemaMando um abraço prá tiPequenina como se eu fosseO saudoso poetaE fosses a Paraíba...

• Terra! Terra!Por mais distantePor mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?...

• Eu estou apaixonadoPor uma menina terraSigno de elemento terraDo mar se diz terra à vistaTerra para o pé firmezaTerra para a mão caríciaOutros astros lhe são guia...

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• Terra! Terra!Por mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?...

• Eu sou um leão de fogoSem ti me consumiriaA mim mesmo eternamenteE de nada valeriaAcontecer de eu ser genteE gente é outra alegriaE gente é outra alegriaDiferente das estrelas...

• Terra! Terra!Por mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?...

• De onde nem tempo, nem espaçoQue a força mãe dê coragemPrá gente te dar carinhoDurante toda a viagemQue realizas do nadaAtravés do qual carregasO nome da tua carne...

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• Terra! Terra!Por mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?Terra! Terra!Por mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?Terra! Terra!Por mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?...Quem jamais te esqueceria?...

• Na sacada dos sobradosDa velha são SalvadorHá lembranças de donzelasDo tempo do ImperadorTudo, tudo na BahiaFaz a gente querer bemA Bahia tem um jeito...

• Terra! Terra!Por mais distanteO errante naveganteQuem jamais te esqueceria?Terra!