Ética de virtude e desenvolvimento do caráter

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Simpósio Internacional sobre Activação do Desenvolvimento Psicológico Universidade de Aveiro, 2006 ÉTICA DE VIRTUDE E DESENVOLVIMENTO MORAL DA PESSOA

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Ética, caráter, perspetiva aristotélica.

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Lawrence M. Hinman, Ph.D.Director, The Values InstituteUniversity of San Diego

Simpósio Internacional sobre Activação do Desenvolvimento PsicológicoUniversidade de Aveiro, 2006

ÉTICA DE

VIRTUDE E DESENVOLVIMENTO MORAL DA PESSOA

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INTRODUÇÃO

A preocupação com a educação do carácter desenvolveu-se no Ocidente desde o tempo de Platão, cujos primeiros diálogos exploraram as virtudes da coragem e da justiça.

Platão

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RENASCIMENTO DA TEORIA ÉTICA DA VIRTUDE A PARTIR DE 1980

Elisabeth Anscombe (1958) e AlasdairMacIntyre (1990)Contributo de Anscombe:

- A ética deontológica, baseada no dever e obrigação, tornou-se ininteligível

- A ética deontológica, baseada na ideia de “agir não para satisfazer um desejo ou um querer do indivíduo, mas apenas porque é eticamente correcto fazê-lo”, deixou de ter sentido.

- A virtude só faz sentido quando preenche necessidades humanas (ética teleológica)

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O CONTRIBUTO DE MACINTYRE

Não existe uma só tradição ética no Ocidente, mas várias.Somos perfeccionistas no desporto e nas artes, utilitaristas na vida diária, lockianosquando se trata de respeitar o direito de propriedade, cristãos quando idealizamos a compaixão, a caridade e a igualdade e kantianos quando afirmamos o valor da autonomia da pessoa e do respeito pelos direitos humanos.

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O CONTRIBUTO DE MACINTYRE (2)

Qual o significado da vida?- O significado depende da pessoa

compreender que pertence a uma ou a várias tradições morais, as quais lhe permitem construir uma narrativa para a sua vida, que depende da existência de “standards” de excelência e de certas práticas apropriadas.

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O CONTRIBUTO DE MACINTYRE (3)

As virtudes só podem prosperar em comunidades de certo tipo.Ou seja, há comunidades que impedem o florescimento das virtudesO que quer dizer que a pessoa virtuosa floresce melhor numa comunidade virtuosa.Diferentes tipos de comunidade encorajam diferentes tipos de virtude.

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O CONTRIBUTO DE MACINTYRE (4)

Embora o carácter da pessoa tenha condicionantes genéticas e seja, de algum modo, fixo, é possível mudá-lo.Na medida em que os actos são realizados em liberdade e o agente tem oportunidade de reflectir sobre as suas consequências, há alguma margem para a mudança do carácter.A reflexão sobre as consequências exige “ethical guidance”, hábito e envolvimento.

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Primeira Parte

A estrutura da Virtude

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Duas Questões Morais

A questão da acção:– Como devo agir?

A questão do carácter– Que espécie de pessoa devo ser?

A nossa preocupação é com a questão do carácter

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Uma analogia a partir do sistemade justiça

• Como país, depositamos a nossa vontade de justiça, na área legal, de duas maneiras:– Leis, que proporcionam as regras necessárias– Pessoas, que aplicam a justiça

• Do mesmo modo, a ética baseia-se em: – Teorias, que proporcionam regras de conduta– A virtude, que proporciona a sabedoria necessária

para aplicar as regras aos casos particulares

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VirtudeForça de carácter(hábito) Envolvendo o sentimento e a acçãoProcura o meio termoentre o excesso e a deficiência em relaçãoa nós própriosPromove o desenvolvimentohumano

Aristoteles

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Duas Concepções de moralidade

Podemos contrastar duas concepções de vida moral.– A concepção infantil:

• Tem origem externa (os pais, por exemplo).• É negativa.• A formação de regras e do hábito é central.

– A concepção adulta:• Tem origem interna.• É positiva. • Centrada na virtude, quase sempre modelada por ideais.

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Inteligência e Sabedoria

A pessoa inteligente é a que conheceos melhores meios para qualquerfinalidade possível. A pessoa sabedora é a que conhecequais são os fins que são estimáveis.

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Desejos Bem Ordenados

Aristóteles faz um contraste entre:– Pessoas continentes, que conseguem

controlar os desejos desordenados.– Pessoas temperadas, cujos desejos são

bem ordenados, em função do que ébom para elas.

– Pessoas de vontade fraca (Akrasia) ouseja indivíduos que não são capazes de controlarem os seus desejos.

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Virtude como Meio Termo

A força de carácter exige que a pessoa encontre o equilíbrio certoentre dois extremos. – Excesso: ter em demasia algo. – Deficiência: ter demasiado pouco de

algo.Não significa mediocridade, mas simharmonia e equilíbrio.

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Virtude e Hábito

A virtude é alguma coisa que épraticada e aprendida – é um hábito(hexis).Aristóteles considera que é possívelensinar as pessoas serem virtuosas.

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Segunda ParteVirtudes Particulares

CoragemCompaixãoAmor próprioAmizadePerdão

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A coragem e a unidade dasvirtudes

Para uma pessoa ter uma virtude de carácter, em grande escala, também deveter outras qualidades, em alguma medida.– A coragem sem capacidade de julgamento é

cegueira.– A coragem sem perseverança é apostar

apenas no curto prazo. – Coragem sem um claro conhecimento das

nossas capacidades é uma forma de loucura.

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Compaixão e Piedade

A piedade significa olhar para o outro de cima para baixo.– Consequentemente, ninguém quer ser objecto

de piedade.A compaixão olha para o sofrimento dos outros como se fosse algo que pudesseacontecer-nos.– Consequentemente, gostamos que os outros

tenham compaixão para connosco.

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Compaixão

Etimologia: sentir ou sofrer com o outro.Cognitivamente e emocionalmente.Conduz à acção.Excesso:o síndrome do “coração partido”.Deficiência: Insensibilidade ou “dureza de coração”.Contrasta com a piedade.

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Compaixão como emoção

A emoção é muitas vezesnecessária:– Para reconhecer o sofrimento dos

outros.• Ligação emocional.

– Para dar resposta aos que sofrem.• Os outros precisam de saber que nos

importamos com eles.

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Amor

Envolve sentir, conhecer e agir.Características do amar outrapessoa:– Sentimentos de ternura, cuidado,

apreço e respeito.– Conhecer essa pessoa. – Agir de forma a promover o

florescimento dessa pessoa.

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Amor Próprio:Características

Características:– Ter sentimentos de cuidado, apreço e

respeito por si próprio.– Valorar-se a si próprio na justa medida. – Conhecer-se a si próprio. – Agir de forma a promover o seu próprio

florescimento.

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Amor Próprio:Deficiência

Deficiência:– Reduzida capacidade para sentir. – Reduzida capacidade para se auto-

avaliar e tendência para a autodepreciação.

– Reduzida capacidade para se autoconhecer.

– Reduzida capacidade para agir.

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Amor Próprio:Excesso

Pode assumir várias formas: arrogância, egoismo, vaidade e narcisismo. Excesso de centração em si próprio.Autoconceito exagerado e irrealista.Demasiada confiança em si próprio: narcisismo.Demasiada acção em proveito próprio: egoismo.

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Amizade

Para Aristóteles, não hánecessariamente uma dicotomiaentre o interesse próprio e a preocupação pelos outros. Sem amigos, não podemos ser felizes.– “…ninguém escolhe viver sem amigos,

ainda que tenha todos os outros bens”EN, VIII, 1.

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O que é a amizade?

“O amigo é aquele que partilha o teuprazer naquilo que é bom e a tua dornaquilo que é desagradável, pelo teupróprio valor e por mais nenhumarazão.” --Retórica, Livro II, Cap. 4; 1380b36-1381a5

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Tipos de Amizade

A Amizade pode ter os seguintes fins:– Utilidade: acaba quando o propósito da

utilidade cessa. – Prazer: acaba quando a fonte de prazer cessa. – Um partilha pelo que é bom: “A amizade

perfeita é a amizade que se baseia na partilhade virtudes e em mais nenhuma razão.” EN, VIII, 3.

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Perdão

– É uma virtude indispensável ao florescimentohumano:

– Em qualquer relação de longo prazo (amizade, casamento,etc.),cada um pode fazer coisasque devem ser perdoadas pelo outro.

– Relações de longo prazo são essenciais para o florescimento humano.

– Se não conseguirmos perdoar, não seremoscapazes de manter as relações.

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Perdão:Excesso e Deficiência

Excesso: a pessoa que perdoa demasiadofacilmente e demasiado rapidamente.– Pode subestimar-se a si própria.– Pode subestimar a ofensa.

Deficiência: a pessoa incapaz de perdoar.– Pode sobrestimar a sua importância.– Geralmente leva uma vida amarga e

ressentida.

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Conclusão

As virtudes são os traços de carácterque promovem o nossoflorescimento como pessoas.A pessoa virtuosa tem sabedoriaprática, a habilidade para conhecerquando e como aplicar melhor as várias perspectivas morais.

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Segunda Parte

Metodologia de promoção de valores:Os 3 Es: exortação, exemplo e envolvimento (Thomas Lickona)

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THOMAS LICKONA: MÉTODO 3 Es

ESTRATÉGIAS PARA A SALA DE AULA:O professor como mentor e modeloReflexão ética em torno de grandes obrasTécnicas de gestão de conflitosReforçosParticipação na tomada de decisões

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MÉTODO 3 Es: OBJECTIVOS

Usar os conteúdos para desenvolver o raciocínio moralEstimular a cooperação entre os alunosDesenvolver a responsabilidade e o gosto pelo trabalho e pelo esforçoEnsinar os alunos a superarem os conflitos sem recurso à violênciaInduzir os alunos a cuidarem uns dos outros

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MÉTODO 3 Es

O conhecimento moral exige:-reflexão-compreensão-formulação de juízos-processo de escolha (cálculo racional, deliberação e acção)

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MÉTODO 3 Es

Os valores éticos devem percorrer todo o currículo de forma transversalA escola deve entender-se acerca do código de condutaO código de conduta aplica-se em todos os espaços escolaresUma reflexão ética que não conduza à acção é estéril

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MÉTODO 3 Es

Embora os alunos e os pais devam associar-se ao processo de tomada de conhecimento do código de conduta, são as autoridades escolares e os professores os responsáveis pela sua elaboração, aprovação e aplicação

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MÉTODO 3 Es

Opção clara pelo reforço da autoridade do professorReconhecimento da importância da linguagem moralReconhecimento da importância do hábito no processo de desenvolvimento moral

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BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Aristotle (1985). Nicomachean Ethics. (Introd. e notas de Terence Irwin). Cambridge: Hackett PCKnight, K. (1998). The MacIntyre Reader. (1998). Indiana: University of Notre DameMacIntyre, A. (1984). After Virtue. Indiana: University of Notre DameMacIntyre, A. (1990). Three Rival Versions ofMoral Inquiry. Indiana: University of Notre DameQuintana, J. (1995). Pedagogia Moral. Madrid: DykinsonSinger, P. (1993) (Ed.). A Companion to Ethics. Oxford: Blackwell