Ética e Finanças

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ÉTICA

E

FINANÇAS

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REFLETINDO SOBRE ÉTICA

Jean Bartoli

[email protected]

Neste capítulo, meu propósito não é elencar regras a serem seguidas

por planejadores financeiros tampouco alinhar uma seqüência de conselhos

moralistas. A experiência demonstra que, de um lado, não basta ter bons

códigos para que problemas éticos não aconteçam e que, de outro, conselhos

moralistas são muito reverenciados e pouco seguidos. Meu objetivo é

fornecer elementos de reflexão que possam servir de pano de fundo para que

os planejadores financeiros possam influenciar mais criteriosamente seus

clientes. Começarei explicitando alguns significados da palavra ética. Num

segundo momento, considerarei as evoluções de significado que a matéria da

atividade profissional do planejador financeiro, o dinheiro, sofreu. Num

terceiro momento, analisarei o que acontece com as relações de poder

geradas por esse novo papel do dinheiro. Enfim, arriscarei algumas perguntas

que podem ajudar o planejador financeiro nas orientações que ele dá para o

tomador de decisão, o investidor, que ele aconselha.

Todavia abrirei essa reflexão com três constatações de John Kenneth

Galbraith, que presenciou muitos episódios nesse mundo da economia e da

especulação financeira:

“Há, contudo, algumas li ões em um âmbito maior que perduram.

Dessas, a mais completamente invariante é o fato de pessoas e comunidades

favorecidas em suas condições econômicas, sociais e políticas atribuírem

virtude social e a durabilidade política àquilo que elas próprias usufruem. Essa

atitude prevalece mesmo diante de evidências irrefutáveis em contrário. As

crenças dos privilegiados passam a servir então à causa de prolongar o

contentamento, e as idéias econômicas e políticas da época são similarmente

adaptadas. Existe um sôfrego mercado político para tudo aquilo que agrada e

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tranqüiliza. Não são poucos os interessados em servir a este a este mercado

e em colher as recompensas resultantes em dinheiro e aplauso.”1

“Em termos práticos, deve-se estimar que a memória financeira dura, no

máximo, vinte anos. Esse é normalmente o tempo que leva para as

lembranças de um desastre serem apagadas e para alguma variante de

demências anteriores vir à tona e tomar conta da mente financeira. É também

o tempo geralmente necessário para uma nova geração entrar em cena e,

como todas suas predecessoras, impressionar-se com seu próprio gênio

inovador. Assim impressionada ela se estupidifica diante das duas outras

influências que atuam neste mundo e que conduzem fatalmente ao erro. A

primeira, como já foi exaustivamente notado, é a facilidade com que qualquer

pessoa, ao tornar-se afluente, atribui a boa fortuna à sua própria sagacidade

superior. A segunda é a tendência paralela que os muitos que vivem em

circunstâncias mais modestas têm de atribuir uma aptidão mental superior

àqueles que, ainda que de maneira evanescente, estão identificados com a

riqueza. Somente no mundo financeiro existe um estratagema tão eficiente

para ocultar o que, com a passagem do tempo, revelar-se-á uma ilusão

pública e pessoal2.”

“Minha vida profissional, por cerca de setenta anos, esteve ligada à

economia(...). Aprendi durante esse tempo que, para ser correto e útil, é

preciso aceitar uma divergência permanente entre as crenças estabelecidas –

que chamei certa vez de sabedoria convencional – e a realidade. E, no final,

obviamente, é a verdade que conta. (...) A realidade é obscurecida por

preferências sociais e rotineiras e por vantagens pecuniárias pessoais ou de

grupos, tanto em economia e política como em qualquer outra área3.”

1 GALBRAITH, John Kenneth, A cultura do contentamento, São Paulo, Livraria Pioneira

Editora, 1992 p. 1

2 GALBRAITH, John Kenneth, Uma breve história da euforia financeira, São Paulo, Livraria

Pioneira Editora, 1992 p. 63

3 GALBRAITH, John Kenneth, A economia das fraudes inocentes, verdades para o nosso

tempo, São Paulo, Companhia das Letras, 2004 p.9

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O que significa a palavra ética e como ela surgiu:

comparação com o momento atual.

Segundo Francisco Catão4 , o que hoje denominamos ética nasceu num

conjunto de idéias, de valores e de normas que recebeu o nome de cultura por

ser o fruto do progressivo cultivo das possibilidades humanas. Ela era a reflexão

pela qual os membros de um mesmo grupo iam descobrindo e formulando

regras do conviver de tal sorte que, em vez de tratar uns aos outros como

ameaça recíproca, tivessem a efetiva possibilidade de compartilhar os mesmos

bens e vantagens, sem se armar um contra o outro e sem se ameaçar. Nesse

sentido, a ética poderia ser definida como o aspecto da cultura pelo qual se

supera o clima de violência entre os humanos.

Situa-se na Grécia a origem da ética como artefato cultural autônomo, em

que os humanos procuram não apenas estabelecer um sistema de convívio,

mas tentam fundamentar racionalmente esse sistema. Quando Sócrates

percorre as ruas de Atenas procurando fazer com que seus interlocutores sintam

a necessidade de estabelecer os porquês de seu agir, está, de fato, fundando a

ética, como a reflexão que busca esclarecer as razões do viver e os caminhos

do conviver. A partir de suas origens, a ética regula as relações entre os

membros de uma mesma cidade, grupo ou comunidade humanos. Daí a

disposição de repensar continuamente a ética, levando em conta as efetivas

condições de vida em sociedade.

O indivíduo tende à plena realização de si mesmo, como todos os demais

seres, mas o que lhe é específico e original é o modo como tende para s ua

realização, por um ato consciente e livre. Os gregos problematizavam a

liberdade como um problema ético no sentido em que entendiam a ética: êthos

significava o modo de ser ou de conduzir-se5. Era um modo de ser do sujeito e

de se fazer visível para os outros: o êthos de alguém traduz-se pelo seu

costume, seu jeito, pela calma com a qual ele recebe os acontecimentos. O

4 CATÃO, Francisco, A pedagogia ética, Petrópolis, Vozes, 1995

5 Em “L’ thique du souci de soi comme pratique de la liberte”apud FOUCAULT, Michel,

Dits et écrits II. 1976-1988, Paris, Quarto Gallimard, 2001, p.1527-1548

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homem que tem um belo êthos é alguém que pode ser admirado e citado como

exemplo porque pratica a liberdade de certo modo: para isso é nec essário um

trabalho de si sobre si mesmo. Ser livre significa não ser escrav o de si mesmo

nem de seus desejos. O problema da ética pode, então, ser assim formulado:

como podemos praticar a liberdade? Para praticar corretamente a liberdade, é

necessário cuidar de si mesmo, o que significa conhecer a si mesmo, formar-se,

superar a si mesmo e dominar os impulsos e desejos que podem levar uma

pessoa a destruir a si mesma. Significa também conhecer certo número de

princípios ou de regras de conduta que são ao mesmo tempo verdades e

prescrições.

O perigo que é pendente ao da auto-escravidão, fruto do não domínio de si

mesmo, é o abuso de poder. Percebe-se que a pessoa que abusa do poder

sobre as outras pessoas é, na realidade, uma pessoa que é escrava dos

próprios impulsos. As relações de poder não são más em si: não se pode ter

uma sociedade sem relações de poder, entendidas como estratégias pelas quais

indivíduos tentam conduzir, determinar a conduta dos outros. O problema não é

tentar dissolvê-las na utopia de uma comunicação totalmente transparente, mas

de dar-se regras de direito, técnicas de gestão e uma ética, prática de si, que

permitirão esses jogos de poder com o mínimo possível de dominação.

A razão é um instrumento de elaboração ética, nunca o seu fundamento. O

ser humano concreto é razoável porque deve contar com a razão na construção

de sua vida: nunca é puramente racional. A ação humana é fruto da

convergência de muitos outros fatores que precisam ser “politicamente”

coordenados, como já ensinava Aristóteles. Apelar para a razão como

fundamento da ética e instrumento primeiro de sua elaboração é pregar o

domínio absoluto da natureza, ferir a originalidade da subjetividade humana

concreta e impor um insuportável limite à autonomia do sujeito e a sua liberdade.

De fato, estamos sempre na encruzilhada de três níveis de compreensão6:

6 MÉHEUST, Bertrand, La politique de l’oxymore, comment ceux qui nous gouvernent

nous masquent la réalité du monde, Paris, La Découverte, 2009

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O DA NATUREZA: Termo limite dificilmente identificável.

Necessariamente postulado nas nossas ações que se chocam com

ela. Quando falamos em natureza, falamos seja de processos

(atividade do sol) sobre os quais não temos nem podemos ter algum

domínio; seja de processos desencadeados pela ação humana

sobre os quais, uma vez desencadeados, perdemos o controle

(bomba atômica).

O SOCIAL HISTÓRICO: é o lugar da invenção humana, da auto-

criação. É mais maleável do que a natureza e não obedece à

mesma temporalidade. Nesse nível, sempre temos domínio e

podemos desfazer e refazer diferente, até certo ponto. Assim, no

aspecto político, um outro mundo é sempre possível.

O DA NATUREZA-CULTURA: é a verdadeira realidade na qual

vivemos. É uma mescla dos dois elementos anteriores. Nesse nível

as conseqüências dos nossos atos começam a escapar: são

induzidas pela sociedade e se desenvolvem segundo processos e

numa escala que não é mais unicamente da sociedade. Nesse nível

podemos situar o uso indiscriminado dos recursos naturais que influi

no uso do dinheiro.

No momento atual, considerando a problemática econômica, de um lado, e

a sócio-ambiental, de outro, precisamos discernir a margem de manobra

disponível, o tempo do qual dispomos antes de ter atingido pontos onde o

caminho não tem volta, por exemplo no uso de recursos naturais ou no nível de

dissociação da produção de dinheiro em relação à produção econômica.

Para terminar essa reflexão sobre o sentido da ética, uma afirmação um

pouco trágica: a morte é a condição e o horizonte da ética! A descoberta recente

de nossa precariedade cósmica, a tomada de consciência traumatizante das

ameaças à biosfera dá uma nova dimensão a essa constatação tão antiga

quanto a filosofia.

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O que significa o dinheiro?

Estamos hoje vivendo uma relação nova com o dinheiro, esse sinal

onipresente que penetra todos os aspectos – econômicos, políticos, pessoais –

de nossas existências. Para repensar o dinheiro, é preciso ter uma perspectiva

global e histórica. Pelo fato de ter se desenvolvido primeiro como instrumento de

troca e, portanto, de abertura, o dinheiro foi associado ao movimento da

democracia. E porque ele foi, de Aristóteles até Locke, o objeto de uma

desconfiança salutar, ele foi colocado sob uma tutela que dispersou seu poder

político e limitou os efeitos de sua “est tica quantitativa” segundo a expressão

de Georg Simmel. Domesticado politicamente, o dinheiro permaneceu sob tutela

técnica e acompanhou sem excedê-lo o desenvolvimento da economia real.

Contudo, depois do tempo do dinheiro contido veio o tempo do dinheiro

sem limites. Sob o efeito de sua profunda mutação combinado ao efeito de sua

profunda extensão, o dinheiro soube universalizar-se muito mais rapidamente do

que a democracia e escapar às regras políticas e técnicas, qualitativas e

quantitativas, que o enquadravam, sujeito daqui para frente a ignorar os poderes

soberanos e a influência dominante do pensamento democrático e liberal. Ele

pode pagar hoje um preço alto por isso se levar junto com essa emancipação o

modelo no qual muitos tinham colocado suas convicções e sua esperança de um

mundo melhor.

A idéia de uma progressão inexorável, conjunta e ordenada da democracia,

do direito e do mercado, está sendo questionada por uma dupla constatação:

a da economia de mercado mudando para uma sociedade de

mercado que quer se auto-regular, nem que seja de modo

caótico, e que negaria radicalmente a autonomia, até mesmo a

essência, do fator político exceto no momento da tempestade.

A de uma invasão pelo dinheiro do campo político como

instrumento de potência, nacional, oligárquica ou pessoal, fora de

regras pacientemente construídas do mercado livre e indiferente a

qualquer idéia de consenso.

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Podemos refletir um pouco mais profundamente sobre essa dupla visão do

dinheiro porque isso tem conseqüências éticas importantes.

O dinheiro: acesso para a liberdade

O dinheiro foi uma formidável ferramenta de libertação pessoal e de

progresso social. Segundo John Locke (Dois Tratados sobre o governo), o

homem no estado de natureza era capaz de viver na harmonia tirando da terra e

da criação, pelo seu trabalho, recursos necessários para sua subsistência.

Enquanto o homem podia apropriar-se da parcela da terra que era capaz de

explorar, enquanto sua capacidade de acumulação de reservas era limitada pela

natureza perecível dos bens que ele produzia, o risco que o exercício do direito

de propriedade de um pudesse prejudicar o outro, e portanto romper a harmonia

social, era praticamente inexistente. O dinheiro põe um fim a esse equilíbrio

natural: bem durável que os homens podem conservar sem que ele estrague e

que, por acordo mútuo, eles usam para adquirir bens realmente úteis embora

perecíveis, ele constitui essa invenção revolucionária que permite ao homem

aumentar suas posses e acumular.

Se o homem precisa do contrato social é porque a harmonia, na qual ele

era capaz de viver, é, de certo modo, quebrada pela introdução do dinheiro, que

explode os limites da capacidade de trabalho individual e da necessidade

primária de sobrevivência. Há uma espécie de ato de nascimento definindo o

dinheiro ao mesmo tempo como o motor da sociedade e como seu principal

risco de implosão. É o dilema fundador onde o dinheiro se estabelece de um

lado como motivador central do indivíduo, como estímulo do progresso pessoal e

social e, do outro lado, como conflito a ser resolvido, como fonte constante de

disputas. Locke percebia um impasse onde a inalienável cobiça individual corria

o risco de tornar inacessível a felicidade coletiva.

Adam Smith soube identificar as condições nas quais o dinheiro seria

capaz – até certo ponto – de autocontrolar-se opondo um anticorpo a seus

próprios vícios: é o mercado que, segundo ele, faz parte do estado de natureza.

O mercado permite a divisão do trabalho que enriquece a sociedade e beneficia

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a todos, proprietários e assalariados. A regra continua sendo a desigualdade das

posses: contudo, com a concorrência, essa desigualdade não vira injustiça e

permite melhorar as condições de todos. Nesse sentido, a grande virtude do

dinheiro ter assegurado a vitória do consenso e do “vender” sobre a violência e

o “prender”. Essa virtude está ancorada em dois princípios fundadores:

O primeiro é o controle coletivo do dinheiro que está no coração do

contrato social liberal: o dinheiro é um bem público.

O segundo é a dispersão do dinheiro: a cobiça é um vício, mas a

avareza racional de uma multidão dos pequenos possuidores é o

melhor freio contra o excesso dos príncipes.

Georg Simmel (Filosofia do dinheiro) tentou demonstrar como o dinheiro foi

um instrumento maior de libertação dando progressivamente uma dimensão

objetiva e não pessoal às relações de obrigação entre os seres humanos.

Segundo ele, os homens vivem relações de superioridade e de subordinação.

Não se pode suprimir essas relações, componentes essenciais e produtivas da

organização social, mas sim reduzir ao máximo a dimensão de dependência

pessoal e de alienação que elas podem comportar. A história política e social foi

permeada de combates e de reformas que permitiram enquadrar as relações de

subordinação para torná-los compatíveis com a liberdade e o desenvolvimento

pessoal: o dinheiro trouxe, historicamente, um apoio maior a essas reformas. A

transformação da obrigação do sujeito para com o príncipe em prestação

monetária alimentou a liberdade individual. As três grandes maneiras históricas

sucessivas de organizar a relação entre o direito do beneficiário e a obrigação

do devedor mostram o caminho pelo qual o dinheiro leva até a autonomia

pessoal:

Etapa 1: o direito do beneficiário exercita diretamente sobre a

personalidade do devedor: o escravo, o servo....mostram uma

dependência absoluta.

Etapa 2: o beneficiário não detém mais o controle completo da

força de trabalho: ele exige um produto determinado desse

trabalho.

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Etapa 3: permitida pela economia do dinheiro, o débito em natura é

substituído pelo débito em dinheiro, o que deixa à pessoa a

escolha dos meios- a personalidade separa-se e liberta-se do

produto.

O dinheiro permite essa conquista progressiva da objetividade, do

anonimato e da mobilidade que são a chave do progresso pessoal alcançado

pelo homem durante os três últimos séculos. As inovações técnicas e financeiras

se misturam: o cálculo das probabilidades e a lei dos grandes números permitem

contestar as fatalidades antigas e conferem para a vida uma duração estatística

precisa. O juro composto dá ao dinheiro um valor futuro e faz dele, além do

instrumento de troca e de despesa que ele era, uma promessa de futuro, uma

ponte sólida entre hoje e os amanhãs incertos. Assim vem a imensa revolução

da previdência, que será também a do seguro e a da aposentadoria. Tudo isso

influi sobre o modo de viver e de conviver e, portanto, sobre a ética pessoal e

social.

O dinheiro onipresente

O pensamento dos filósofos e dos economistas liberais, sua fé no juro

como veículo de liberdade e de progresso, pressupunham uma expressão do

interesse pessoal e um uso do dinheiro imbuído de moderação, implicando que

a busca do interesse não possa, por sua vez, desembocar na desordem de

novas paixões e o desdobramento de novas arbitrariedades. A divisão de águas

acontece, segundo o vocabulário de Jean Jacques Rousseau, entre o “amor de

si”, pelo qual o homem visa a satisfazer suas necessidades verdadeiras pela

aquisi ão de uma quantia finita de bens, e o “amor próprio”, pelo qual ele busca

a aprovação e a admiração dos seus semelhantes. Uma vez satisfeito o amor de

si, o amor próprio pode sobrepor-se: menos as necessidades são naturais e

prementes, mais os desejos aumentam e o poder de satisfazê-los.

Isso parece bem ingênuo hoje! Essa ingenuidade, porém, foi

recompensada enquanto o dinheiro permaneceu – segundo prescrito pelos pais

fundadores do liberalismo – um acessório da realidade social, uma simples

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ferramenta do desenvolvimento pessoal e da gestão das relações humanas. Se

esse tempo tiver terminado, é menos por causa de um enfraquecimento da

moralidade humana ou do espírito religioso e mais por causa do efeito, não

suficientemente percebido nem dominado, do movimento contínuo do progresso

e da t cnica que levou o dinheiro, esse “imp rio intermediário entre os desejos”

(a expressão é de Simmel), de um papel secundário ao status de potência total.

Ele explodiu quantitativamente e tornou-se um sinal absoluto rivalizando com a

linguagem. Passou de meio a objetivo essencial da vida dos homens. Ele

domina o mundo real e formata seus valores.

[ C FT 1] C om en tá r i o : Exc el en t e

c on st ruç ão de rac io cí ni o!

Portanto, a explosão da quantia de dinheiro nas sociedades modernas não

é da ordem do vício, mas sim da simples necessidade. Essa necessidade é

dupla: a do aumento da troca buscando ultrapassar os limites que a moeda

impõe e a do homem que conquista sua longevidade e quer garantir seu futuro.

Sem trocas, não há crescimento e, sem crescimento, não existem trocas. A

história econômica é a de uma luta perseverante para a disponibilidade

monetária. Essa multiplicação irregressível das relações de dinheiro inscreve-se

num espaço temporal cada vez maior:

primeiro porque a economia de acumulação, longe de ser de curto

prazo, ensinou a ver longe e a calcular no longo prazo o retorno

sobre o dinheiro investido.

Segundo e principalmente porque a conquista da longevidade nos

fez passar da economia de troca para a economia de transferência,

estabelecendo a reserva de dinheiro como vínculo insubstituível

entre nossa capacidade imediata e nossas necessidades futuras.

O aumento da quantidade de dinheiro é o produto da prosperidade, da

interdependência entre os homens e da longevidade; é uma função crescente –

exponencial – da felicidade humana material. Por isso, ele é ao mesmo tempo

gerador de riscos, de angústias e de oposições. Ele começa como uma coleção

heteróclita de objetos domésticos perecíveis, vira uma quantidade de metal puro

com teor garantido e impõe-se como sinal numérico universal, sem limite físico,

totalmente móbil e fluido.

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Como qualificar esse sinal universal, cada vez menos ligado a

necessidades, a não ser de abstração concorrente da linguagem na ordem da

comunicação e do poder? O dinheiro encontra sua força relativa na sua

simplicidade e universalidade práticas. Mais ainda, na vida ordinária, o dinheiro

planetário só fala uma língua e se mostra inigualável na sua capacidade de unir

cotidianamente milhares de indivíduos sem que eles precisem se amar, se ver e

se falar. Nesse sentido, o dinheiro e a linguagem seguem percursos simétricos.

Se o homem se define como o único ser capaz de estabelecer uma ligação entre

o passado e o futuro, o dinheiro assim como a linguagem é uma ferramenta

essencial para essa ligação. Assim, o simples meio tendeu a virar objetivo e o

objetivo um fim em si. Isso é o sucesso de uma idéia simples numa sociedade

complexa.

Se o dinheiro encontrou uma adesão crescente, é porque ele foi criador de

valores novos, de uma forma de ética que fizeram, até certo ponto, a força e a

respeitabilidade da globalização. O dinheiro, meio que se tornou fim, sinal total,

medida única, impôs-se logicamente como critério essencial da distinção social.

Isso se deu também em função do enfraquecimento do conceito de utilidade

pública na sua dimensão de aporto ao progresso da coletividade concebida

como uma comunidade de destino. Hoje, um contexto de individualismo

crescente tende a rebaixar a legitimidade das funções coletivas e eroda o

conceito de utilidade pública. Isso se deve a um sentimento da diminuição do

papel do político numa organização social onde a relação social se transforma:

passa-se do contrato entre cidadãos ao mercado entre agentes econômicos.

Nosso sistema econômico tornou-se, além de uma economia de trocas –

onde o dinheiro serve primeiro para as despesas e a satisfação das

necessidades -, uma economia de transferência, ou mais simplesmente uma

economia da riqueza, em que o objetivo principal tende a ser a fabricação, a

conservação e o aumento do valor do dinheiro para um longo período. É o

resultado combinado do processo capitalista, do bem estar material e da

longevidade humana, que fizeram passar a acumulação do dinheiro da ordem da

simples nocividade moral – crematística aristotélica – para a ordem da

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necessidade econômica – capitalismo original – para passar finalmente ao status

de possibilidade e de exigência social – poupança e proteção de um futuro

sempre mais distante. Em função desse movimento, o dinheiro não se apresenta

mais antes de tudo como um fluxo, uma equivalência acoplada a uma troca: ele

se expressa como um estoque, uma acumulação de direitos que asseguram a

liberdade de quem o detém e obriga todos os outros.

Dimensões éticas: nova relação de poder do sujeito com o

dinheiro e com a sociedade

É preciso, agora, entender como a evolução do papel do dinheiro leva a

uma nova relação entre o indivíduo, a sociedade e esse dinheiro.

Segundo Michel Foucault, é preciso entender que as relações de poder

não são más em si: não se pode ter uma sociedade sem relações de poder se

elas forem entendidas como estratégias pelas quais indivíduos tentam conduzir,

determinar a conduta dos outros . O poder não é o mal: ele é um conjunto de

relações, um feixe mais ou menos organizado, mais ou menos piramidal, mais

ou menos coordenado de relações. O problema não é tentar dissolvê-las na

utopia de uma comunicação totalmente transparente, mas de dar-se regras de

direito, técnicas de gestão e uma ética que permitirão, nesses jogos de poder,

que os jogadores exercitem mínimo possível de dominação7.

Olhando para o indivíduo, sabemos que a tendência da sociedade para o

individualismo não é recente. Contudo, é preciso distinguir o individualismo

histórico do que Charles-Henri Filippi chama de “individualismo dominador”8.

O individualismo histórico: uma esp cie de “eu sou mais eu”

político e social, nascido do direito ao voto e da prosperidade

coletiva. O individualista histórico abandona a grande sociedade

ao seu próprio destino e considera modestamente que seu

7 Em “Le jeu de Michel Foucault” apud FOUCAULT, Michel, Dits et écrits II. 1976-1988,

Paris, Quarto Gallimard, 2001, p.298-303

8 FILIPPI, Charles-Henri, L’argent sans maître, Paris, Descartes & Cie, 2009

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destino pessoal está inteiramente nas próprias mãos. Seu poder

político só se exercita através do voto.

O individualismo dominador: acima dessa massa relativamente

inofensiva e imensa desses individualistas históricos e auto-

suficientes, constituiu-se, com a globalização, um grupo mais

estreito dos individualistas modernos dominadores que possuem

bens em quantidades consideráveis, muito além do que é

necessário para bastar a si mesmo, e formam uma comunidade

suficientemente rica e poderosa para exercitar uma grande

influência na sorte dos seus semelhantes. O individualismo

dominador é um fenômeno moderno, produto da sociedade

numérica e que expressa sua força no sistema do dinheiro. Se a

inteligência do homem em sociedade, num mundo global e

complexo, define-se antes de tudo como uma capacidade de

ordenar e tratar a informação a fim de transformá-la em idéia,

criação ou produto convincente para seus semelhantes, é claro

que a revolução numérica constitui uma imensa vitória da

inteligência e da mobilidade individuais contra a potência e a

inércia das grandes organizações.

O desafio essencial do indivíduo moderno pode ser assim formulado: como

tomar posse em tempo contínuo das informações sobre o mundo e como

articulá-las e organizá-las para o próprio proveito? O poder pertence aos que

estão no comando das duas grandes redes que formam o coração do mundo

atual: a da informação que permite o domínio pela inteligência e a do dinheiro

que o expressa. A vitória do indivíduo autônomo contra a organização significou

a derrota da posição social tradicional frente ao dinheiro que se tornou a

expressão inigualável da potência e da independência pessoais. O poder

financeiro desse grupo de pessoas é considerável. A massa desses ativos é um

crédito sobre os outros que criou uma dependência invertida da sociedade

global em relação a um pequeno numero dos seus membros, indivíduos e não

instituições, inevitavelmente governados pelo interesse pessoal.

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A administração do dinheiro é de uma complexidade absoluta. Contudo,

existe um fio condutor: a crença que a modernidade carregava com ela uma

nova configuração estável onde a fluidez perfeita adquirida pelo sinal do dinheiro

– sua liquidez absoluta – faria da moeda a ferramenta auto-regulada de uma

nova era de prosperidade. A liquidez tornou-se o objetivo lógico e central de um

sistema econômico que, devido ao sucesso da divisão do trabalho e do

alongamento considerável da duração da vida, aumentou a necessidade de

sinais monetários e financeiros ao mesmo tempo fáceis de serem trocados a

qualquer momento e valorizáveis no tempo. A busca permanente e conjunta da

disponibilidade perfeita e da rentabilidade máxima alimentou uma visão de

mercado que deixou explodir a liquidez e a circulação do sinal monetário fora do

campo da regulação.

Reencontramos a problemática ética no momento em que essa massa de

liquidez artificial e não dominada é instável na sua própria essência porque sua

perenidade depende da confiança dos investidores. Se essa confiança

desaparecer, a poupança bate em retirada e os ativos que ela financiava devem

ser precipitadamente cedidos no mercado, causando uma espiral de baixa de

preços. Na ordem dos comportamentos pessoais, essa perda de referências

transformou a cupidez da ordem do vício individual controlável para uma cupidez

sistêmica. Para quem domina as forças conjugadas dos fluxos da informação e

do dinheiro, a liquidez é uma dádiva, uma chance imensa e ele é seu

manipulador e seu principal beneficiário. O exército dos poupadores oferece

suas poupanças ao sistema como uma facilidade abundante e mal paga, mas

supostamente disponível e segura. Administradores pouco escrupulosos podem

captar essa dívida e apóiam-na a uma dose de capitais próprios tão limitada

quanto possível, de tal modo que por um maravilhoso efeito de alavanca, a

rentabilidade desses capitais ultrapassa o que nenhuma atividade econômica

poderia ordinariamente oferecer. A abundância da liquidez, a compressão das

taxas de juros que a acompanha, tornam esse exercício tão ganhador que ele

torna-se referência e coloca todo o sistema debaixo de sua dependência. O fim

do jogo pode, porém, acontecer quando os poupadores levantarem a cabeça e

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adquirirem a convicção de que sua poupança mal recompensada não era muito

segura nem tão disponível e que alguns tinham captado-a em benefício próprio

sem querer pagar o preço por isso. A desconfiança pode se instalar e gerar uma

rejeição incrédula das virtudes da mão invisível sob a conduta da qual o

indivíduo era suposto, apesar dele mesmo, colocar seu interesse pessoal ao

serviço da sociedade.

A crise intermitente do dinheiro e a percepção de um mundo finito e

ecologicamente ameaçado sobrevêm no mesmo momento histórico: elas

expressam juntas a condenação do excesso de sinais pela insuficiência dos

recursos. Na busca de um equilíbrio aceitável entre a esperança de liberdade

que nos faz avançar e o espírito de igualdade que nos faz viver juntos, a opinião

tinha aceito a idéia segundo a qual a desigualdade não era realmente

desigualdade se ela coabitasse com o progresso para todos, esse progresso

tornado plausível pelo encontro maravilhoso entre dois fatores de um

crescimento sem real limite: o dinheiro e a necessidade imaterial. Mas o dinheiro

encontrou no seu caminho os limites do mundo físico!

Como lidar com o dinheiro hoje?

Queremos, agora, olhar para alguns aspectos mais práticos e apresentá-

los em forma de perguntas.

O que significa riqueza material?

É uma pergunta ampla e ao mesmo tempo bem prática. Não existe

resposta universal e cada indivíduo, dispondo de algum recurso que ele queira

investir, precisará refletir sobre a resposta que ele quer dar. Qualquer pessoa

que quiser influenciar um investidor dentro de padrões éticos terá que suscitar e

respeitar a resposta dada pelo seu cliente. Algumas considerações podem

ajudar na contextualização da pergunta.

É preciso, primeiro, lembrar que a economia é tão somente o fluxo de

trocas entre os homens: falamos do preço do petróleo, da água como se

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tivéssemos a possibilidade de criar a água, o petróleo e o sol9 . De uma

convenção contábil – nossas contas só contam o fator humano – nasceu um

interesse muito focado para os fluxos monetários que, se não repensado

criticamente, pode nos levar à ruína. O dinheiro não pode ser comido: nossa

sobrevivência depende basicamente não de renda monetária, mas sim de

recursos naturais e, mais globalmente, de serviços ecológicos prestados pela

Natureza. O montante da nossa conta bancária reflete tão somente a convenção

criada pelos homens para gerenciar as trocas dentro da nossa espécie humana.

Contrariamente à ilusão gerada pela nossa fixação pelo dinheiro, a natureza

nem é infinita nem é sempre passível de ser substituída por produções artificiais.

Não podemos, portanto, confundir as realidades (os recursos) com os símbolos

ou as convenções (os preços). É preciso estar atento ao fato que o dinheiro

pode não ser exatamente a riqueza material, embora seja o instrumento que

mede essa riqueza. A pergunta pode ser então, antes de qualquer decisão de

aplicação financeira: o que é para mim riqueza? Essa pergunta pode se

desdobrar em algumas indagações: por exemplo

Quero usar o dinheiro como fim para adquirir bens e formar um

patrimônio no longo prazo?

Quero entrar numa dinâmica simbólica de aquisição de domínio e de

influência abrangente, aceitando, para isso, de correr riscos?

Quero tentar minha chance para obter ganhos vultosos e imediatos,

sabendo que as perdas podem também ser vultosas e imediatas?

Considero as conseqüências sociais e políticas das minhas decisões

de investimento ou considero que elas dizem respeito unicamente à

esfera da minha vida privada?

Da resposta a essas perguntas podem depender decisões concretas de

investimento. E essa resposta variará segundo os conceitos e valores de cada

um dos investidores.

9 MÉHEUST, Bertrand, La politique de l’oxymore, comment ceux qui nous gouvernent

nous masquent la réalité du monde, Paris, La Découverte, 2009

Page 18: Ética e Finanças

Pode se prever uma crise financeira?

De certo modo, sim. Um dos nossos grandes defeitos é que não sabemos

interpretar os sinais fracos, quer dizer os pequenos detalhes que não falam

ainda aos nossos sentidos, mas somente ao nosso cérebro. Para quem não

gosta de más notícias, a grande tentação é de confiar simplesmente nos

sentidos e procurar não utilizar nossa inteligência.

Jarel Diamond, no seu livro “Colapso”, conta a história da Ilha de Páscoa.

Essa história pode trazer algumas trilhas interessantes para a pergunta que

formulamos. Nossos amigos da Ilha tinham vários recursos naturais, entre os

quais árvores e vegetais, água e peixes e pedreiras. Eles precisavam de

madeira para construir barcos de pesca, instrumentos agrícolas e, também,

belíssimas estátuas de pedra que só tinham funções cultuais. Parece que o

desaparecimento desta civilização seja em grande parte devida à falta de

previdência no que diz respeito à gestão da madeira. Mais exatamente, os

diferentes clãs entraram numa competição exacerbada para construir as

estátuas mais bonitas e, com isso, destruíram suas florestas. O segredo de toda

essa história é que, quanto mais se derrubava as árvores, mais caras ficavam as

que sobravam, o que dava uma impressão de riqueza crescente para quem as

possuía. A última a ser derrubada custou uma fortuna...Depois dela, o dinheiro

não significou mais nada. O fim das florestas significou o fim dos barcos, das

terras aproveitáveis e o fim dos peixes e das culturas: é a carestia que escreveu

o último capítulo da história desse povo.

Três atitudes podem adormecer nosso espírito crítico e tirar a capacidade

de enxergar problemas que estão se aproximando!

1. Não acreditamos no que sabemos: já Platão notava essa enfermidade

humana! Há quanto tempo sabemos que corremos perigos ecológicos:

começamos a acreditar? Há quanto tempo alguns avisavam sobre uma

crise financeira sistêmica: quem acreditou?

2. O curto prazo é o nosso ídolo: queremos tudo imediatamente.

Conseguimos ter o recuo suficiente para avaliar as conseqüências das

nossas decisões, inclusive em termos de investimentos?

Page 19: Ética e Finanças

3. O rei sou eu: uma sociedade construída sobre o egoísmo massificado é

sustentável? O dinheiro pode deixar de simbolizar trocas e continuar

existindo só como estoque acumulado?

Nenhuma crise financeira, bem como nenhuma crise humana, é uma

fatalidade. A palavra crise vem do verbo grego crinein que significa discernir,

julgar, escolher e decidir. Falar de ética em finanças significa simplesmente

remeter aos critérios e os valores de quem decide o que fazer com o próprio

dinheiro. Existe um tandem em que cada um empurra o outro para o crime: o

poupador que exige para seu dinheiro uma rentabilidade sem comum medida

com o crescimento a longo prazo da economia, e algum administrador que

promete para ele que isto é possível... Não esqueçamos que, para o poupador,

os mercados financeiros talvez não existam para fazer que ele se torne rico ,mas

para que ele conserve o patrimônio que ele conseguiu constituir!

F o r ma t ado : Fo nte : I tál ic o

Enfim, para quem tiver ainda a ilusão que existem magos, aí vai a

advertência de quem nunca se considerou, mas foi considerado como um deles.

Citado por Marc de Scitivaux10 , Alan Greenspan, numa declaração do dia 26 de

agosto de 2005, diz: “o mundo econômico e financeiro muda de um modo que

não entendemos ainda totalmente.(...) é preciso que os responsáveis sejam

capazes de contar mais ainda sobre o processo de auto-ajuste dos mercados e

menos sobre as previsões oficiais incertas. (...) Todo modelo, por mais

detalhado, bem concebido e elaborado que seja, não passa de uma

representação do mundo muito simplificado quando comparado com todas as

complexidades que experimentamos cada dia.” A isso, é preciso acrescentar o

fato de que podemos superestimar a força da razão em relação às paixões,

principalmente a do dinheiro. Às vezes, os dirigentes de algumas instituições

podem permanecer surdos a alguns sinais de mercados e a advertências de

outros operadores se seus interesses pessoais os levavam a aumentar

pesadamente os riscos das instituições que eles dirigiam, sem que esse

aumento dos riscos gerais se reflitam na suas posições pessoais.

1 0 DE SCITIVAUX, Marc, Le père de famille, le trader et l’expert, Paris, Larousse, 2009

Page 20: Ética e Finanças

Finalmente, como pensar para preparar uma boa decisão?

O que deve ser evitado? A ideologia da positive atitude que podemos

assim resumir com Jacques Attali11 :

Um objetivo é facilmente atingível se a pessoa o quiser com

bastante sinceridade, força e concentração. É a base de qualquer

livro de auto-ajuda, mas isso valeria se não existisse nenhuma

relação de interdependência entre seres humanos ou dos seres

humanos com a realidade natural, social e econômica na qual eles

são imersos.

Cada um começa a pensar que, para conseguir um bom emprego,

a receita consiste em ser otimista. Otimismo sem base na realidade

pode ser uma forma de estupidez, de fuga e de imaturidade.

Ninguém pode tornar-se um executivo se anunciar possíveis

desastres. O realismo é confundido com pessimismo.

Cada um, livre de fazer o que bem entende, vai até o fim do que

pode servir seus interesses, mesmo prejudicando os dos seus

próprios descendentes.

Três pilares podem ajudar a criar balizas para decisões mais criteriosas,

segundo o mesmo autor:

A humanidade só pode sobreviver se cada um tomar consciência

que ele tem interesse no melhor estar dos outros.

O trabalho, em todas as suas modalidades, principalmente se tiver

uma finalidade altruísta, é a única justificativa para a apropriação

de riquezas.

O tempo é o único ingrediente verdadeiramente escasso; e quem

contribui pelo seu trabalho a aumentar a disponibilidade do tempo e

a dar-lhe uma plenitude deve ser particularmente bem remunerado.

1 1 ATTALI, Jacques, La crise, et après?, Paris, Fayard, 2008

Page 21: Ética e Finanças

Conclusão

Nesse capítulo quisemos basicamente ajudar os leitores a pensar para

poder tomar decisões conscientes. Por isso, quisemos primeiro analisar o

conceito de ética. Depois, quisemos entender um pouco melhor a evolução do

significado do dinheiro, principal matéria das decisões tomadas por investidores

orientados por analistas de mercado. Analisamos a nova relação das pessoas

com o dinheiro. Finalmente quisemos a partir de três perguntas que as pessoas

ficassem mais conscientes do que está em jogo nas suas decisões.

Uma última consideração. Os pontos de vista entre os analistas e

planejadores financeiros e os aplicadores e aconselhados não são tão diferentes

a partir do momento em que todos se colocam numa atitude reflexiva e aceitam

de olhar suas decisões numa perspectiva que transcende o imediatismo do curto

prazo. O único modo de considerar que uma reflexão ética possa ser de alguma

utilidade prática e não simplesmente ser uma caução do politicamente correto

supõe justamente que todos os humanos que ganham algum dinheiro tem algum

pensamento e algumas metas que transcendem o famoso “ para ontem”.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ATTALI, Jacques, La crise, et après?, Paris, Fayard, 2008

CATÃO, Francisco, A pedagogia ética, Petrópolis, Vozes, 1995

DE SCITIVAUX, Marc, Le père de famille, le trader et l’expert, Paris,

Larousse, 2009

DIAMOND, Jared, Colapso, como as sociedades escolhem o fracasso ou o

sucesso, Rio de Janeiro, Editora Record, 2005

FILIPPI, Charles-Henri, L’argent sans maître, Paris, Descartes & Cie, 2009

FOUCAULT, Michel, Dits et écrits II. 1976-1988, Paris, Quarto Gallimard,

2001, p.1527-1548

FOUCAULT, Michel, Dits et écrits II. 1976-1988, Paris, Quarto Gallimard,

2001, p.298-303

Page 22: Ética e Finanças

GALBRAITH, John Kenneth, A cultura do contentamento, São Paulo, Livraria

Pioneira Editora, 1992 p. 1

GALBRAITH, John Kenneth, Uma breve história da euforia financeira, São

Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1992 p. 63

GALBRAITH, John Kenneth, A economia das fraudes inocentes, verdades

para o nosso tempo, São Paulo, Companhia das Letras, 2004 p.9

MÉHEUST, Bertrand, La politique de l’oxymore, comment ceux qui nous

gouvernent nous masquent la réalité du monde, Paris, La Découverte, 2009