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    Contra a apatia dominante e confusao generalizadaacerca do que e born ou mau, cerro ou errado emtermos eticos e rnorais, 0 autor apresenta reflex6esque visam criar clareza e rnorivacoes para limcornporrarnenro erico e moral responsavel e aaltura dos desafios conternporaneos. Parte dasexperiencias originarias que se enconrrarn nocotidiano das pessoas para idemificar osfundamemos da erica e da mora l, como morar ,cuidar, compadecer-se, solidarizar-se e outras.Assim devolve a et ica e a moral a vida e a prarica,pois at deve ser 0 seu lugar, fazendo com que aspessoas se sintam esrimuladas a ser rnelhores, maisresponsive is, mais solidarias e mais reverenres facea complexidade e beleza da natureza.A quesrao nao e pensar sobre asvirtudes, mascuidar para sermos virtuosos.

    I )( ~ rF.COMEtica e moral

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 I I 0 0 0 0 0 0 2 0 7 2 0www.vozes.com.br

    ISBN 85.326.2917-2

    j I l j l j l ! l l l l l m l l l i l lma vida pelo bam livroE-mail: [email protected]

    http://www.vozes.com.br/mailto:[email protected]:[email protected]://www.vozes.com.br/
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    E T I C A E M O R A L

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    RES PEITE 0 AU TO RN AO F AC A C OP IA! ! b@ - ' i !t t i U i j i

    Dados Internacionais de Cataloga~ao na Publicaea (CIP)(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Boff, LeonardoEtica e moral: a busca dos fundamentos / Leonardo

    Boff. - Petropolis, RJ :Vozes, 2003.85.326.2917-2Bibliografia.1. Etica I.Titulo.

    03-4865 CDD-170indices para catalogn sistematico:

    1. Etica : Filosofia 1702.Moral: Filosofia 170

    L e o n a r d o 80f f

    E T I C A E M O R A LA b u s ca d o s f u n d am e n to s

    '2 8 Edil;io

    ..EDITORAY VOlESPetropolis2004

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    by Animus / Anima Producoes, 2003Caixa Postal 92.144 - Itaipava25741-970 Petr6polis, RJwww.animus/anima.com

    Brasil S U M A R I O

    Direitos de publicacao em lingua portuguesa:Editora Vozes Ltda.Rua Frei LUIs, 100

    25689-900 Petr6polis, RJInternet: http://www.vozes.com.br

    Brasil

    ISBN 85.326.2917-2

    Introdu\!3.o 9I. Etica: a doenea e seus remedies 131.Nosso pecado de origem 131.1.A escolha e nossa: cuidar oudesaparecer 13

    1.2.Por que os sonhos nao deram certo? .. 141.3.Urn novo reencantamento 17

    2. Paradigma-conquista 193. Paradigma-cuidado 214. Re-liga~ao, base da civilizaeaoplanetaria 23

    II. Genealogias da etica 271. Como nasce a etica 271.1. Religiao e razao: fontes da etica 281.2. 0 afeto: fonte originaria da etica 291.3. Tensao entre afeto e razao 311.4. Irradiacao da etica: a ternura e

    Assessoria Juridica: Cristiano Monteiro de Mirandamailto: [email protected]

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obrapodera ser reproduzida ou transmitida por qualquer formae/ou quaisquer meios (eletronico ou mecanico, incluindofotoc6pia e gravacao) ou arquivada em qualquer sistemaou banco de dados sem permissao escrita da Editora.

    Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. o vigor 31............. -. .

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://www.animus/anima.comhttp://www.vozes.com.br/mailto:[email protected]:[email protected]://www.vozes.com.br/http://www.animus/anima.com
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    2. 0 fundamento: daimon e ethos, 0 anjoe a morada 32

    3. Etica e moral: distincoes e definicoes 36~- - - - -3.1. Definicao de etica e de moral 373.2. Experiencia de base: a moradahumana 3&3.3. Habitos familiares, formadores da

    etica e da moral 39_

    2. Terrorismo: a guerra dos ofen didos 783. A globalizacao do risco 814. Guerra: questao metafisica 845. Guerra e etica 876. A paz possivel 917. A paz e 0efeito borboleta 94

    Conclusao 994.0 ethos que procura 415. 0 ethos que ama 446. 0 ethos que cuida 487. 0 ethos que se responsabiliza 508. 0 ethos que se solidariza 539.0 ethos que se compadece , ., 5510.0 ethos que integra 58

    Bibliografia 103A Carta da Terra 109

    III. Virtudes cardeais de uma etieaplanetaria 631.Bem comum para toda a comunidade

    de vida 632. Autolimitacao: virtude ecol6gica 673. Justa medida: f6rmula secreta do

    universo e da felicidade 69IV.Guerra e paz 751.Ameaca da paz: 0 imperialismoglobaIizado 75

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    I n t r o d u g a o

    Quanto maior 0 risco, tanto maior a salva

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    do 0 coracao da humanidade. Quem tern autorida-de bastante para nos dizer 0 que ainda e born emau? 0 que ainda vale? Sentimo-nos perplexos,confusos e perdidos.Percebemos, por outro lado, a urgencia de pon-

    tos comuns que orientem algumas praticas salvado-ras. Caso contrario podemos ir ao encontro do pior,quem sabe, conhecer 0 destino dos dinossauros.No~sa geracao se deu conta de que tern condieoes emeios para par fim a especie humana e ferir mortal-mente a biosfera. Que etica e que moral freara essepoder avassalador?Prescindindo desta ameaca extremada, que revo-

    lu

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    E t ic a : a d oe n c a e s e u s r e r n e d o s

    1. Nosso pecado de origemAnalistas, vindos da biologia, das cieneias da Ter-

    ra e da nova cosmologia, nos advertem que 0 tempoatual se assemelha muito as epocas de ruptura noprocesso de evolucao, epocas de extincoes em mas sa.Nao porque sobre nos pesa alguma ameaca cosmica,mas por causa da atividade humana altamente de-predadora de todos os ecossistemas. Chegamos a urnponto em que a biosfera esta a merce de nossa deci-sao. Se queremos continuar a viver, temos que que-re-lo e garantir as condicoes adequadas.

    1.1 . A escolha e nossa: cuidar oudesaparecerEstimativas otimistas estabelecem como data-li-mite para esta decisao 0ano 2030.A partir dai a sus-

    ten tabilidade do sistema Terra nao estaria mais ga-rantida. E ai irfamos ao encontro de uma crise cujodesfecho e imponderavel. A Carta da Terra, aqueledocumento produzido pela nova consciencia eco16-gica e de etica mundial, e ja assumido pela Unesco,

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    1.2.Por que os sonhos niio deram certo?

    terial. Mas porque era prevalentemente materialrn:u ser acompanhado por urn desenvolvimento eticose . . te iale espiritual, acarretou espantoso vazlO.exI.S nc~ .pro-o c o u devastadora destruicao do sentido cordial das~aisas e ocasionou imensa devastacao da natureza.Esse sonho de prosperidade ilimitada ocupa 0

    imagimrrio coletivo da humanidade e formata a agen-da central de qualquer governo. Ai da politica eco-n6mica e tecnocientifica que nao apresentar anual-mente indices positivos de crescimento. Mas essesonho esta se transformando num pesadelo, poisesta levando os paises, a humanidade e a Terra a urnimpasse fatal: os recursos sao limitados, os ganhosnao podem ser generalizados para todos, porque en-tao deveriamos dispor de outras tres Terras com osrecursos da nossa, e a capacidade de suporte e rege-neracao do Planeta se encontram em estado critico,Temos que mudar de rumo ou nao enfrentaremos 0imponderavel.

    Mas essas respostas, embora objetivas, nao VaGsuficientemente a raiz da questao. Ha uma causaderradeira: a quebra da re-ligacao do ser humanoconsigo mesmo, com os outros, com a natureza ecom 0 sentido transcendente da vida. Ele nao e, es-sencialmente, urn n6 de relacoes em todas as dire-coes? Por que quebrou a rede de relacoes?

    Para dar uma resposta que faca sentido, precisa-mos entender, previamente, duas forcas fundamentaisque atuam sempre juntas e que constroem concreta-

    adverte em sua introducao: "As bases da segurancaglobal estao ameacadas, Essas tendencias sao peri-gosas, mas nao inevitaveis. A escolha e nos sa: auformar uma alianca global para cuidar da Terra euns dos outros, ou arriscar a nossa destruicao e dadiversidade da vida".

    Por que chegamos a esse ponto crucial? A respos-ta mais imediata se prende as revolucoes iniciadas noneolitico, ha dez mil anos: a agricola, seguida da in-dustrial e completada pela do conhecimento e da co-municacao dos tempos atuais. Estas revolueoes mo-dificaram a face da Terra para bern e para mal. Porurn lado trouxeram imensas comodidades e prolon-garam consideravelmente a expectativa de vida. Poroutro, depredaram 0 sistema Terra pela monocultu-ra tecnol6gica e material e pela desumanizacao dasrelacoes entre as pessoas e os povos.

    A segunda resposta, mais elaborada, procura sa-ber: que sonho 0 ser humano perseguia com essasrevolucoes, especialmente, com 0 imenso processotecnico-cientifico e cultural? Era 0sonho da prospe-ridade material a ser conseguida pelo poder-domi-nacao sobre a natureza e seus recursos, sobre a mu-lher, sobre os povos e suas riquezas e sobre a explo-racao da forea de trabalho das pessoas.

    Esta prosperidade, importa reconhece-lo, trouxe in-contaveis beneficios em todos os campos do bem-estar

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    mente 0 ser humano e qualquer outro ser do univer-so: a forca de auto-afirmaeao e a forc;ade integraeao.Pela forca de auto-afirmacao cada urn consegue

    se fazer valer e garantir sua sobreviveneia e sua pos-sibilidade de continuar a co-evoluir. Pela forca daintegracao se reforc;am as relacoes inclusivas, se ga-rante a cooperaeao de todos com todos e assim se as-segura melhor 0 futuro.Nenhuma dessas forcas e suficiente sem a outra.

    Ambas precisam atuar sinergeticamente, se refor-cando mutuamente e se completando. Qualquer rup-tura de equilfbrio e fatal. Caso 0 ser humano apenasse auto-afirmar sem se integrar, se isola e se inimizacom os demais, sendo ameacado ou tendo que usarmais e mais forca para se defender. Caso se integrarno todo sem se auto-afirmar, perde a identidade eacaba desaparecendo, assimilado no todo. A logicasabia da natureza faz com que as duas forcas de au-to-afirmacao e de integracao sempre funcionem numsutil equilfbrio e numa medidajusta para que os se-res nao destruam a harmonia do todo e, ao mesmotempo, conservem sua singularidade.Com 0ser humano, porem, ocorreu a ruptura des-ta justa medida. Ele exacerbou a auto-afirmacao em

    detrimento da integracao. Descobriu a forca de suainteligencia e de sua criatividade. E usou esta forcapara se sobrepor aos demais. Ao inves de estar juntodos demais seres, colocou-se sobre eles e contra eles.

    Ai comecou 0auto-exilio do ser humano, pois foise afastando lentamente da Casa Comum, da Terra,

    e dos demais companheiros e companheiras na aven-tura terrenal. Quebrou os lacos de coexistencia comeles. Perdeu a mem6ria sagrada da unicidade davida em sua imensa diversidade. Esqueceu a teiadas interdependencias, de comunhao com os vivose com a Fonte originaria de todo ser. Colocou-senum pedestal solitario a partir do qual pretende do-minar a terra e os ceus.Eis nosso pecado de origem que subjaz a crise

    etica de nos sa civilizacao: nossa autocentracao, nos-sa ruptura fatal.Esta postura de arrogancia gerou a maior trage-

    dia da hist6ria da vida. As consequencias nos alean-cam ate os dias de hoje e de uma forma perigosa,pois ela criou 0principio de autodestruicao da espe-cie e de seu habitat natural. Para os gregos essa ati-tude arrogante (chamavam-na de hybris) provocavaa fulminacao dos deuses, pois viam nela a perversaomaior da natureza.

    1.3. Urn novo reencentementoUrge refazer 0caminho de volta, rumo a casa ma-terna comum e irmanarmo-nos com todos os seres.

    Temos que deixar 0 exilio, cultivar saudades, comona parabola do filho pr6digo, reavivar sonhos anti-gos de comunhao, de paz sem ameaca, de benque-renca generalizada, sonhos escondidos no coracaode todos os humanos e testemunhados em seus mi-tos, ritos e est6rias.

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    Principalmente precisamos de paz, que e a ple-nitude resultante das relacoes adequadas com todasas coisas, com todas as formas de vida, com todas asculturas, consigo mesmo e com Deus.Para isso 0 ser humano precisa se reencantar com

    a natureza e 0universo. Esse reencantamento nao ir-rompe por ele mesmo. Ele emerge a partir de umanova experiencia espiritual e urn novo sentido de ser.Essa nova experiencia e esse novo sentido tam-

    bern nao brotam espontaneamente. Eles surgem apartir da ativacao consciente e propositada do prin-cipio do feminino, da dimensao da anima (que secompleta pelo animus) presente nos homens e nasmuIheres.o feminino em n6s e aquela energia estrutura-

    dora que nos torna sensiveis a tudo 0que tern avercom a vida e a cooperacao, que capta 0valor dos fa-tos, que le a mensagem secreta, emitida por todos osseres, que identifica 0 fio condutor que liga e re-ligaas partes no todo e 0 todo a Fonte originaria dondetudo provern, 0 feminino nos ensina a cuidar detudo com entranhavel zeio. 0 cuidado constitui a es-senoia da anima e aqueia precondicao necessariapara que a vida continue vida.Do feminino e do cuidado surge um novo para-

    digma etico que coloca a vida no centro, vida com-partida com outros, vida aberta para cima e parafrente, para as virtualidades que se escondem den-tro dela e que querem vir a luz e fazer hist6ria. Aquireside a cura de nosso pecado de origem.

    2. paradigma-conquistaNo conjunto dos seres da natureza, 0 ser humano

    ocupa um lugar singular. Por um lado, e parte da na-tureza por seu enraizamento c6smico e biol6gico. Efruto da evolucao que produziu a vida da qual ele eexpressao consciente e inteligente. Por outro, se so-breleva a natureza e nela intervem, criando cultura ecoisas que a evolucao sem ele jamais criaria comouma cidade, um aviao e um quadro de Portinari.Por sua natureza, e urn ser biologicamente caren-

    te, pois, a diferenca dos animais, nao possui nenhumorgao especializado que the garanta a subsistencia.Por isso ve-se obrigado a conquistar 0 seu sustento,modificando 0meio, criando assim 0 seu habitar.Portanto, surgiu bem cedo 0 paradigma da con-

    quista no processo de hominizacao. Saiu da Africade onde irrompeu como "homo erectus", ha sete mi-Ih6es de anos, pos-se a conquistar 0 espaco, come-cando pela Eurasia, passando pela Asia, America eterminando pela Oceania. Com 0 crescimento deseu cranio, evoluiu para "homo habilis", inventan-do, por volta de 2,4 milh6es de anos atras, 0 instru-mento que lhe permitiu alargar ainda mais sua ca-pacidade de conquista.Por comparecer como urn ser inteiro, mas inaca-

    bado (nao e defeito, mas marca), e tendo que con-qui star sua vida, 0 paradigma da conquista perten-ce a autocompreensao do ser humano e de sua his-t6ria. Praticamente tudo esta sob 0 signo da con-quista. Conquistar a Terra inteira, os oceanos, as

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    montanhas mais inacessiveis e os recantos maisinospitos. Conquistar povos e "dilatar a fe e 0 impe-rio" eis 0 sonho dos colonizadores. Conquistar osespacos extraterrestres e chegar as estrelas, eis autopia dos modernos. Conquistar 0segredo da vidae manipular os genes. Conquistar mercados e altastaxas de crescimento, conquistar mais e mais clien-tes e consumidores. Conquistar 0poder de Estado eoutros poderes como 0religioso, 0profetico e 0poli-tico. Conquistar e controlar os anjos e demonios quenos habitam. Conquistar 0coracao da pessoa ama-da, conquistar as bencaos de Deus e conquistar asalvacao eterna. Tudo e objeto de conquista. 0 queainda nos falta por conquistar?

    Insaciavel e a vontade de conquista do ser hu-mano. Por isso 0paradigma-conquista tern como ar-quetipos referenciais Alexandre Magno, Heman Cor-tes e Napoleao Bonaparte, os conquistadores que naoconheciam nem aceitavam limites.

    Depois de milenios, 0paradigma-conquista en-trou, em nossos dias, em grave crise. Chega de con-quistas. Caso contrario, destruiremos tudo. Ja con-quistamos 83% da Terra e nesse afa a devastamosde tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capaci-dade de suporte e regeneracao. Chagas se abriram etalvez nunca mais se fecharao, Precisamos conquis-tar aquilo que nunca haviamos conquistado antesporque pensavamos que era contraditorio: conquis-tar a autolimitacao, a austeridade compartilhada, 0consumo solidario, a compaixao e 0cuidado com to-

    das as coisas para que continuem a existir. A sobre-vivencia depende destas anticonquistas.Aoarquetipo da conquistaAlexandre Magno, Her-

    nan Cortes e Napoleao Bonaparte ha que se contraporo arquetipo do cuidado essencial Francisco de Assis,Gandhi, Madre Teresa de Calcuta e Irma Dulce. Naoha tempo a perder. Devemos comecar conosco, comas revolucoes moleculares. Sem elas nao garantire-mos as novas virtudes que salvarao a vida e a Terra.3. Paradlgma-cuidado

    Depois de termos conquistado toda a Terra, a pre-< ;0 de pesado estresse da biosfera, e urgente e urgen-tissimo que cuidemos do que restou e regeneremos 0vulnerado. Desta vez, ou cuidamos ou morremos. Daia urgencia de passarmos doparadigma-conquista parao paradigma-cuidado.

    Se repararmos bern, 0 cuidado e tao ancestralquanta 0universo. Se, apos 0big-bang, nao tivessehavido cuidado por parte das forcas diretivas, pelasquais 0universo se autocria e auto-regula, a saber, aforca gravitacional, a eletromagnetica, a nuclearfraca e forte, tudo se expandiria demais, impedindoque a materia se adensasse e formasse 0 universecomo 0 conhecemos, ou tudo se retrairia a ponto deo universo colapsar sobre si mesmo em intermina-veis explos6es. Mas nao, Tudo se processou com urncuidado tao sutil, em fracoes de bilionesimos de se-

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    gundo, que permitiu estarmos aqui para falar de to-das essas coisas.

    Esse cuidado se potenciou, quando surgiu a vidaha 3,8 bilh6es de anos. A bacteria origin aria, com cui-dado singularissimo, dialogou quimicamente com 0meio para garantir sua sobrevivencia e evolucao, 0cuidado se complexificou mais ainda quando surgi-ram os mamiferos, donde tambem n6s viemos ha125 milhoes de anos, e com eles 0cerebro limbico, 0orgao do afeto, do cuidado e do enternecimento.o cuidado ganhou centralidade com a emergencia

    do ser humano ha sete milh6es de anos. A essenciahumana, segundo uma tradieao filosofica que vern doescravo Higino, bibliotecario de Cesar Augusto, quenos legou a famosa fabula do cuidado ate Martin Hei-degger, 0 filosofo, reside exatamente no cuidado.o cuidado e aquela condicao previa que permiteo eclodir da inteligencia e da amorosidade, 0orien-tador antecipado de todo comportamento para queseja livre e responsavel, enfim tipicamente huma-no. Cuidado e gesto amoroso para com a realidade,gesto que protege e traz serenidade e paz. Sem cui-dado, nada que e vivo sobrevive. 0 cui dado e a forcamaior que se opoe a lei da entropia, 0desgaste natu-ral de todas as coisas, pois tudo de que cuidamosdura muito mais.

    Essa atitude precisamos resgata-Ia hoje, comoetica minima e universal, se quisermos preservar aheranca que recebemos do universo e da cultura egarantir nosso futuro. 0 cuidado surge na conscien.

    cia coletiva sempre em momentos criticos. FlorenceNightingale (1820-1910) e 0 arquetipo da modernaenfermeira.Em 1854, com 38 colegas, parte de Lon-dres para urn hospital militar na Turquia, onde setravava a guerra da Crimeia, Imbuida da ideia docuidado, consegue reduzir, em dois meses, a morta-li dade de 42% para 2%. A Primeira Grande Guerradestruira as certezas e produzira prof undo des am-paro metafisico. Foi quando Martin Heidegger es-creveu seu genial Ser e Tempo (1926), cujos paragra-fos centrais ( 39-44) sao dedicados ao cuidado comoontologia do ser humano. Em 1972, 0 Clube deRoma Ianca 0alarme ecol6gico sobre 0estado doen-tio da Terra. Em 2001 termina a redacao da Carta daTerra, texto da nova consciencia ecol6gica e etica dahumanidade. Os documentos produzidos se estrutu-ram ao redor do cuidado como a atitude mais ade-quada e necessaria para com a natureza. Seres de cui-dado foram Francisco de Assis, Gandhi, Madre Tere-sa de Calcuta e a Irma Dulce. Sao arquetipos que ins-piram 0 caminho da cura e do salvamento da vida eda Terra. Aqui se funda 0ethos que ama e cuida.4. Re-ligaQBo, base da civilizaOBo planetaria

    Morrem ideologias. Passam filosofias. Mas S0-nhos permanecem. Sao eles que mantern 0horizon-te de esperanca sempre aberto. Formam 0 humusque permite continuamente projetar novas formasde convivencia social e de relacao com a natureza.

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    Bern entendeu a importancia dos sonhos 0caci-que pele-vermelha Seattle, quando, em 1856,escre-veu ao governador do Estado de Washington, Ste-vens, que 0forcara a vender as terras aos colonizado-res europeus. Perplexo, se perguntava sem enten-der: pode-se comprar e vender a aragem, 0verde dasplantas, a limpidez da agua e 0 esplendor da paisa-gem? E concluia: os peles-vermelhas entenderiam 0porque "se conhecessem os sonhos do homem bran-co, se soubessem quais esperancas que transmite aseus filhos e filhas e quais as vis6es de futuro queoferece para 0dia de amanha",

    Qual e 0nosso sonho? Qual e 0 sonho da socieda-de civil mundial que ganhou visibilidade nos povosreunidos em Porto Alegre, em Seattle, em Genova?E 0 sonho da inclusao de todos na familia humana,morando juntos na mesma e (mica Casa Comum, aTerra, 0 sonho da integracao de todas as culturas,etnias, tradicoes e caminhos religiosos e espirituaisno patrimonio comum da humanidade, 0 sonho deuma nova alianca dos humanos com os demais seresvivos da natureza, entendendo-os verdadeiramentecomo irmaos e irmas na imensa cadeia da vida, daqual somos urn elo entre outros, 0sonho de uma eco-nomia politica do suficiente e do decente para todos,tambem para os demais organismos vivos, 0 sonhode urn cuidado de uns para com os outros a fim deexorcizar definitivamente 0medo, 0 sonho de hos-pitalidade, tolerancia, convivencia e comensalidadecom todos os membros da familia humana, sonhoda coexistencia pacifica e alegre das diferenc;as, so-

    nho da capacidade de perdao que permite recome-

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    re-ligar todas as coisas entre si, com 0 ser humano ecom 0 supremo Ser.Entao surgira a civilizacao da etapa planetaria,

    da sociedade terrenal, a primeira civilizacao da hu-manidade como humanidade, enfim, em comunhaocom todas as coisas.Importa nao deixarmos 0 sonho permanecer ape-

    nas sonho. Urge colocar as bases para sua implemen-tacao processual no cotidiano de nossas vidas, atepara dentro das complexas estruturas da civilizacaocontemporanea.Desta otica podera nascer uma nova etica, ex-

    pressao do novo estado de consciencia da humani-.dade e da realidade que lentamente foi se transmu-tando ate inaugurar a fase globalizada do destinohumano e da Terra.

    I IG e n e a lo g ia s d a etca

    1.Como nasce a eticaVivemos hoje grave crise mundial de valores. E

    dificil para a grande maioria da humanidade saber 0que e correto e 0que nao e. Esse obscurecimento dohorizonte etico redunda numa inseguranca muitogrande na vida e numa permanente ten sao nas rela-coes sociais que tendem a se organizar ao redor deinteresses particulares do que ao redor do direito eda justica. Tal fato se agrava ainda mais por causada propria logica dominante da economia e do mer-cado que se rege pela competicao, que cria oposi-coes e exclusoes, e nao pela cooperacao que harmo-niza e inclui. Com isso se onera 0encontro de estre-las-guia e de pontos de referencia comuns, impor-tantes para as condutas pessoais e sociais.Importa tambem nao esquecer 0que 0historiador

    Eric Hobsbawm, em sua obra Era dos Extremos (Cia.das Letras), constatou: houve mais mudancas na hu-manidade nos ultimos 50 anos do que desde a idadeda pedra. Essa aceleracao fez com que os mapas co-nhecidos nao orientassem mais, e a bussola chegasse

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    1. 1. Religiao e rezeo: fontes da etice

    A razao critica, desde que irrompeu, quase si-rnultaneamente em todas as culturas mundiais noseculo VI aC, no assim chamado tempo do eixo (KarlJaspers), tentou estatuir codigos eticos universal-mente validos, A fundamentacao racional da etica eda moral (etica autonoma) representou urn esforcoadmiravel do pensamento humano desde os mestresgregos Socrates, Platao, Aristoteles, Santo Agosti-nho, Tomas de Aquino, Immanuel Kant ate os mo-dernos Henri Bergson, Martin Heidegger, Hans Jo-nas, Jurgen Habermas, Enrique Dussel e, entre nos,Henrique de Lima Vaz e Manfredo Oliveira, so paraficar no quadro da cultura ocidental.

    Esta tarefa se encontra ainda em aberto, distan-ciando-se de outros esforcos eticos fundados em ou-tras bases que nao seja a razao (eticas heterono-mas). E0ethos que procura.o nivel de convencimento, entretanto, tern sido

    parco e restrito aos ambientes academicos, por issocom limitada incidencia no cotidiano das populacoes,

    Esses dois paradigmas nao ficam invalidados pelacrise atual, mas precis am ser enriquecidos, se qui-sermos estar a altura das demandas eticas que nosvern da realidade hoje globalizada.

    a perder 0Norte. Nesse quadro dramatico, como fun-dar urn discurso etico minimamente consistente?

    Considerando a historia, identificamos duas fon-tes que orientaram e orientam etica e moralmente associedades ate os dias de hoje: as religioes e a razao,

    As religioes continuam sendo os nichos de valorprivilegiados para a maioria da humanidade. SamuelP. Huntington em seu conhecido 0 choque de civili-zccoes e a recomposi

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    ganhar urn minimo de consenso, deve brotar dabase ultima da existencia humana. Esta nao residena razao, como sempre pretendeu 0Ocidente.A razao, como a propria filosofia tern reconheci-

    do, nao e 0primeiro nem 0ultimo momento da exis-tencia, Por isso nao explica tudo nem abarca tudo.Ela se abre para baixo, de onde emerge de algo maiselementar e ancestral: a afetividade. Abre-se paracima, para 0 espirito, que e 0 momento em que aconsciencia se sente parte de urn todo e que culmi-na na contemplacao e na espiritualidade. Portanto,a exper'iericia de base nao e "penso, logo existo",mas "sinto, logo existo". Na raiz de tudo nao esta arazao (Logos), mas a paixao (pathos).David Goleman diria: "no fundamento de tudo

    esta a inteligencia emocional", titulo do livro que 0tornou famoso (Editora Objetiva 1995).Afeto, emo-

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    A cultura dominante e culturalmente pluralista,politicamente democratica, economicamente capi-talista e, ao mesmo tempo, e materialista, individu-alista, consumista e competitiva, prejudicando 0ca-pital social dos povos e precarizando as razoes de es-tarmos juntos. Com muito poder e pouca sabedoriacriou 0 principio da autodestrui

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    morada com os que habitam na morada, para quesejam cooperativos e pacificos, com 0 cantinho sa-grado, onde guardamos mem6rias queridas, a velaque arde ou os santos de nossa devocao ou as Escri-turas Sagradas, e com os vizinhos, para que hajamutua ajuda e gentileza. Morada e tudo isso, por-tanto algo nao material, mas existencial e globali-zante, urn modo de ser das coisas e das pessoas.A morada para ser morada tem que ser habita-

    vel, vale dizer, tem que ter bom astral, bom "axe"como dizem os da tradicao nago ou um vigoroso"shi" da tradicao do Tao e do Feng-shui, Isso provi-dencia 0 daimon, 0 anjo bom, 0 genic benfazejo eprotetor. 0 bem que inspira faz das quatro paredes edo conjunto das relacoes a morada humana, na qualnos sentimos bem, amamos e, se tudo der certo,morremos tranquilamente.Que e, entao, 0daimon/anjo bom? Platao na sua

    comovedora ApoLogia de Socrates conservou as pa-lavras finais do genial mestre. Daimon, diz ele, e"voz profetica dentro de mim, proveniente de umpoder superior", ou tambem e 0 "sinal de Deus".N6s diriamos, e voz da interioridade, aquele conse-lheiro da consciencia que dissuade ou estimula,aquele sentimento do conveniente e do justa naspalavras enos atos que se anuncia em todas as cir-cunstancias da vida, pequenas ou grandes. Todos pos-suem 0daimon, esse anjo protetor que nos acompa-nha sempre, um dado tao objetivo como a libido, ainteligencia, 0 amor e 0 poder.

    Como se depreende, Heraclito, como born filoso-fo, deixa para tras 0 sentido convencional das pala-vras e capta sua significacao secreta: morada (ethos)acaba sendo a etica que devemos ter e 0 anjo bom(daimon), 0 tato pelo que e justo e bom, 0 feeLingpara 0 que, em cada situacao, deve ser feito.Esse anjo bom faz com que moremos bem na casaque pode ser a individual, a cidade, 0pais e 0planeta

    Terra, Casa Comum. Tudo que fizermos para que semore bem juntos (sermos felizes) e etico e bom, 0contrario e antietico e mau.Ha uma especie de tragedia em nossa hist6ria: 0

    daimon foi esquecido. Em seu lugar, os fil6sofoscomo Platao e Arist6teles, Kant e Schopenhauer co-locaram os sistemas eticos, com normas e leis tidaspor universais. Os sistemas, entretanto, por forca daordenacao arquitetonica, se distanciam dovivencia-do. Fazem-se abstratos, quando a etica sempre tema ver com a pratica concreta. possuem inegaveis vir-tudes, mas tambem vicios como a rigidez, a inflexi-bilidade, a a-historicidade. Por isso, todos os siste-mas possuem algo de artificial e construido. As nor-mas nao raro funcionam como imperativos, quaissuperegos castradores, mais do que inspiradores decomportamentos criativos.Quanto mais arquitetonico e 0 sistema, mais se

    distancia do daimon, ate considera-lo inexistente oureduzi-lo a um subproduto dos mecanismos de con-trole psicol6gico ou do enquadramento social. Mascomo 0daimon e intrinseco ao ser humano (eis suadimensao ontol6gica indestrutivel), a voz desse

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    anjo born nao deixa de falar. Pode ser confundidacom as mil outras vozes dos formuladores, das reli-gioes, das igrejas, dos estados e de outros mestres.Mas ele e soberano e sua voz persistente.Figuras exemplares que souberam escutar 0dai-

    mon e se orientar por ele foram os profetas, comoIsaias e Amos, Jesus Cristo, Buda, Socrates, Fran-cisco de Assis, Gandhi e tantos outros anonimos,homens e mulheres, que testemunham a existenciae a persistencia desta voz interior.Se quisermos uma revolucao etica que responda

    aos desafios de nosso tempo, devemos desentulhare liberar 0 daimon interior e comeear a ausculta-lode novo. No termo, precis amos resgatar 0born sen-so etico, aquilo que simples mente deve ser, poisessa e a missao que 0 daimon desempenha dentrode nos. Ele e a fonte da criatividade etica e moral.Ele nos sugerira como ordenar a casa que e a cidade,o Estado e a Casa Comum planetaria.Nao temos outra saida senao despertar 0daimon

    em todos nos. E utopia? Sim, mas e direcao corretapara encontrarmoso caminho verdadeiro. 0 dai-mon protegera nossa vida e a Terra hoje ameacadas.Nao permitira que escolhamos 0suicidio, mas a ex-pansao e a irradiacao da vida.

    Tentemos urn esclarecimento. Na linguagem co-mum e mesmo culta, etica e moral sao sinonimos,Assim dizemos: "aqui ha urn problema etico" ou"urn problema moral" ou unindo as duas: "urn pro-blema etico e moral". Com isso emitimos urn juizode valor sobre alguma pratica pessoal ou social, seboa, se rna ou duvidosa.Mas, aprofundando a questao, percebemos queetica e moral nao sao sinonimos.

    3. 1. Defini9Bo de etice e de moral

    3. Etlca e moral: distlnQoes e definlQoes

    A etica e parte da filosofia. Considera concep-coes de fundo acerca da vida, do universo, do ser hu-mana e de seu destino, estatui principios e valoresque orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa eetica quando se orienta por principios e conviccoes.Dizemos, entao, que tern carater e boa indole.A moral e parte da vida concreta. Trata da prati-

    ca real das pessoas que se expressam por costumes,habitos e valores culturalmente estabelecidos. Umapessoa e moral quando age em conformidade com oscostumes e valores consagrados. Estes podem, even-tualmente, ser questionados pela etica. Uma pessoapode ser moral (segue os costumes ate por conve-niencia) mas nao necessariamente etica (obedece aconviccoes e principios).Embora uteis, estas definicoes sao abstratas

    porque nao mostram 0 processo como a etica e amoral, efetivamente, surgem. E aqui os gregos nospodem ajudar.

    Que e etica, que e moral? E a mesma coisa ou hadistincoes a serem feitas? Ha muita confusao acer-ca disso.

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    3.2. Expertencie: de base: a morada humana

    rios, valores e principios inspiradores, para que tudoflua e esteja a contento. A casa possui entao estilo,carater e sua aura propria. Da mesma forma as pes-soas que a habitam e que sintonizam com 0 jeitoproprio da casa assumem urn carater singular. Osgregos chamavam tanto os principios inspiradorese as pessoas, cujo carater era moldado por eles, deethos, escrito como casa (ethos com e longo).Repetindo: ethos e entao sinonimo de etica no

    sentido que demos acima: 0 conjunto ordenado dosprincipios, valores e das motivacoes ultimas daspraticas humanas, pessoais e sociais. Ethos signifi-ca tambem 0 carater, 0modo de ser de uma pessoaou de uma comunidade.Ademais, na morada, os moradores tern costu-mes, tradicoes, habitos, maneiras e usos de organi-

    zar as refeicoes, os encontros, as festas, os estilos derelacionamento, que podem ser tensos e competiti-vos, ou harmoniosos e cooperativos. A isso os gre-gos chamavam tambem de ethos (com e curto). Por-

    I' tanto, ethos sao os costumes, os habitos e os compor-tamentos concretos das pessoas que, depois, os lati-nos vao chamar de mores, donde se deriva moral.

    Partamos dos sentidos da palavra ethos, donde sederiva etica. Antes de mais nada, constatamos que es-creviam a palavra de duas formas diferentes. Umavez ethos com epsilon (0 e longo), significando a mora-da humana e tambem carater, jeito, modo de ser, per-fil de uma pessoa. E outra vez com 0 eta (0 e curto),querendo dizer costumes, usos, habitos e tradicoes.

    Como articular estas dimens6es todas e nao dei-xa-las justapostas? Como mostrar que elas sao expli-citacoes de uma experiencia de base singular? Estaexperiencia originaria precisamos desentranha-la,pois, por certo, ela nao sera apenas grega, mas sim-plesmente humana. Nos podemos e devemos tam-bern faze-la e assim nos habilitarmos a entendermelhor 0que significa etica e moral em nossa vida.A experiencia debase, de raiz, sempre valida, e cons-

    tituida pela experiencia damorada humana (ethos).Masa morada nao era e nao deve ser entendida fisicamente(as quatro paredes e 0 teto), mas existencialmente.Existencialmente significava e significa tambempara nos a teia das relacoes entre 0 meio fisico e as

    pessoas, como aclaramos ja anteriormente.Chamavam a morada de ethos (com 0 e longo),Mas para que a morada seja morada faz-se mis-

    ter organizar 0 espaco fisico (quartos, sala, cozinha,ojardim) e 0 espaco humano (relacoes entre os mo-radores entre si e com seus vizinhos), segundo crite-

    3.3. Hebitos familiares, formadores da eticee da moralComo se depreende, as palavras escondem pro-

    cessos bern precisos. Entao processualmente assimocorre a gene alogia da etica. Tudo comeca na mora-

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    da (ethos) que pode ser a casa concreta das pessoas,ou a comunidade, a cidade, 0Estado e 0planeta Ter-ra. ABpessoas que moram nela tern valores, princi-pios, motivacoes inspiradoras para 0comportamento(ethos). A esses dois momentos chamamos de ethosou de etica. Ademais, na casa as pessoas nao vivemde qualquer maneira: reproduzem tradicoes, estilosde vida, maneiras de organizar as refeicoes familia-res, os encontros, as recepcoes, Esse conjunto de coi-sas se chama tambern etica, ethos (com e curto). Nosfalariamos hoje de moral, consoante a definicao queestabelecemos acima.Processualmente comecando de baixo, diriamos

    que os costumes e os habitos (moral) formam 0cara-ter e conferem 0 perfil (etica) das pessoas. DonaldWinnicott, esse grande pediatra e psicanalista brita-nico (1896-1967),prolongando Freud, estudou a im-portancia das relacoes familiares para estabelecer 0carater das pessoas. Mas esse carater remete a algomais fundamental: aos valores de fundo, aos princi-pios, a visao de realidade que esta na cabeca e no co-racao das pessoas. Entao, essas pessoas ou as socie-dades serao eticas (terao principios e valores) se ti-verem tido u,ma boa moral (relacoes harmoniosas einclusivas) em casa, na relacao primeira com a mae,na sociedade e nas relacoes globalizadas hoje.Os medievais nao tinham as sutilezas dos gregos,

    Usavam a palavra moral (vern de mos/mores, costu-mes e habitos) tanto para os costumes quanto para 0carater e os principios e valores que 0moldam. Tudovinha sob 0nome moral. Mas de dentro da moral dis-

    tinguiam a moral te6rica (filosofia moral) que estudaos principios e as atitudes que Iluminam as praticase a moral pratica que analisa os atos a luz das atitu-des e estuda a aplicacao dos principios a vida.A partir desta compreensao estariamos habilita-

    dos a ajuizar as varias eticas e morais existentes nasculturas mundiais. Restringimo-nos a mais vigentee hegemonica hoje, a etica e a moral capitalistas. Aetica capitalista diz: born e 0 que permite acumularmais com menos investimento e em menos tempopossivel. A moral capitalista concreta reza: empre-gar menos gente possivel, pagar menos salaries eimpostos e explorar melhor a natureza para acumu-lar mais meios de vida e riqueza.Imaginemos como seria uma casa e sociedade(ethos) que tivessem tais costumes (moral/ethos) e

    produzissem caracteres humanos (ethos/moral) as-sim vorazes? Seriam ainda humanas e benfazejas avida?Eis uma das raz6es, nada irrelevante, da grave

    crise atual, crise de valores, crise de uma visao maishumanitaria e generosa da vida, crise de otica quegera uma crise de etica,

    4.0 ethos que procuraFoi obra da razao critica, articulada pelos geniais

    filosofos Platao e Aristoteles, operar 0 salto do dai-mon (a percepcao etica de base, ou senso moral) parao ethos (sistema racional de principios). Com isso co-

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    dade, aquela dimensao da consciencia que permiteao ser humano sentir-se parte do todo e identificar urnsentido maior de sua existencia e de sua curta passa-gem por esse mundo. A espiritualidade esta para a eti-ca como a aura para as estrelas. Sem aura as estrelasnao brilham, sem espiritualidade a etica facilmentese transforma em moralismo e em legalismo.Em setimo lugar, a etica perdeu 0 coracao e 0

    "pathos", a capacidade de sentir em profundidade 0outro. Ela e solipsista, centrada em si mesma. A eti-ca surge e se renova sempre que 0 outro emerge anossa frente. Ele obriga a tomadas de posicao con-cretas, nao raro novas e inovadoras. Hoje, no pro-cesso de globalizacao, irrompem os muitos "outros"que devem ser acolhidos, com os quais cumpre con-viver e estabelecer uma alianca para construirmosjuntos a nova hist6ria planetaria.oethos que procura nao apresenta instrumentos

    internos que nos permitam dar respostas aos gravesdesafios atuais que tern a ver com 0 futuro da vida eda humanidade. Precisamos de urn ethos que naoapenas procure, mas que tambem arne e cuide.

    mento que se sente desafiado a sempre mais conhe-cer. A razao cientifica nos ratifica esse percurso. Elacome

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    o outro faz surgir 0 ethos que arna. Paradigrnadeste ethos e 0cristianisrno das origens, 0paleocris-tianisrno. Este se diferencia do cristianisrno his tori-co e de suas igrejas porque em etica foi rnais influ-enciado pelos rnestres gregos do que pela mensa-gem e pratica de Jesus. 0 paleocristianisrno, ao con-trario, da absoluta centralidade ao amor ao outro,para Jesus, identico ao arnor a Deus. 0 amor e taocentral que quem tern 0 amor tern tudo. Ele teste-rnunha esta sagrada conviccao de que Deus e arnor(1Jo 4,8),0 amor vern de Deus (lJo 4,7) e 0 arnor naomorrera jamais (lCor 13,8).E esse arnor e incondicio-nal e universal, pois inclui tambern 0 inirnigo (Lc6,35). 0 ethos que arna se expressa na lei aurea, tes-ternunhada por todas as tradicoes da hurnanidade:"arna 0proximo como a ti mesmo"; "nao facas ao ou-tro 0que nao queres que te facam a ti".

    o amor e assirn central, porque, para 0cristianis-mo, 0 outro e central. Deus mesrno se fez outro pelaencarnacao. Sem passar pelo outro, sem 0outro maisoutro que e 0 farninto, 0 pobre, 0 peregrino e 0 nu,nao se pode encontrar Deus nern alcancar a plenitu-de da vida (Mt 25,31-46). Esta saida de si em direcaoao outro para ama-lo nele rnesmo, ama-lo sern retor-no, de forma incondicional, funda um ethos 0 rnaisinclusivo possivel, 0mais hurnanizador que se pos-sa irnaginar. Este amor e urn movirnento so, vai aooutro, a natureza e a Deus.Ninguem no Ocidente melhor do que Sao Fran-

    cisco de Assis se transforrnou num arquetipo dessaetica amorosa e cordial. Comenta Eloi Leclerc, 0me-

    Ihor pensador franciscano de nosso tempo, sobrevi-vente dos campos de exterminio nazista de Buchen-wald: "Em vez de enrijecer-se e fechar-se num sober-bo isolarnento, Francisco de Assis deixou-se despo-jar de tudo, fez-se pequenino, colocou-se com grandehumildade no rneio das criaturas. Proximo e irmaodas rnais hurnildes dentre elas. Confraternizou-secom a propria Terra, com seu humus original, comsuas raizes obscuras. E eis que a "nos sa irma eMae-Terra" abriu diante de seus olhos maravilha-dos urn carninho de fraternidade e sororidade sernlirnites, sern fronteiras. Urna fraternidade queabrangia toda a criacao, 0 hurnilde Francisco tor-nou-se 0 irmao do Sol, das estrelas, do vento, dasnuvens, da agua, do fogo e de tudo 0que vive" (0 SoLde Assis, Vozes 2001, 124). Este e 0resultado de urnarnor essencial.o ethos que arna funda urn novo sentido de viver.

    Amar 0 outro e dar-lhe razao de existir. Nao ha razaopara existir. 0 existir e pura gratuidade. Amar 0outroe querer que ele exista, porque 0 amor faz 0outro im-portante. "Amar urna pessoa e dizer-lhe: tu nao mor-rerasjamais (G.Marcel), tu deves existir, tu nao podesmorrer". Quando alguern ou alguma coisa se fazernimportantes para 0outro, nasce urn valor que mobili-za todas as energias vitais. E por isso que, quando al-guem ama, rejuvenesce e tern a sensacao de comecara vida de novo. 0 arnor e a fonte dos valores.Sornente esse ethos que arna pode responder aos

    desafios atuais que sao de vida e de rnorte. Faz dosdistantes proximos e dos proximos, irmaos e irmas.

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    De tudo 0 que amamos tambem cuidamos. Abre-.seaoethos que cuida, se responsabiliza e se com-padece.

    6. 0 ethos que cuida

    bliotecario de Cesar Augusto e fil6sofo, entendamosmelhor 0 significado do ethos que cuida."Certo dia, Cuidado, passeando nas margens do

    rio, tomou urn pedaco de barro e 0moldou na formado ser humano. Nisso apareceu Jupiter e,a pedido deCuidado, insuflou-lhe espirito. Cuidado quis dar-lheurn nome, mas Jupiter lho proibiu, querendo ele im-por 0 nome. Comecou uma discussao entre ambos.Nisso apareceu a Terra, alegando que 0barro era

    parte de seu corpo e que, por isso, tinha 0 direito deescolher urn nome. Gerou-se uma discussao gene-ralizada e sem solucao.Entao todos aceitaram chamar Saturno, 0velho

    deus ancestral, senhor do tempo, para ser 0 arbitro,Este deu a seguinte sentenca, considerada justa:Voce, Jupiter, deu-lhe 0espirito, recebera 0espi-

    rito de volta quando esta criatura morrer. Voce, Ter-ra, forneceu-Ihe 0 corpo, recebera 0 corpo de voltaquando esta criatura morrer. E voce, Cuidado, quefoi 0 primeiro a moldar a criatura, acompanha-la-apor todo 0 tempo em que ela viver.E como voces nao chegaram a nenhum consensosobre 0 nome, decido eu: chamar-se-a homem, que

    vern de humus, que significa terra fertil",Esta fabula esta cheia de Iieoes. a cuidado e an-

    terior ao espirito infundido por Jupiter e anterior aocorpo emprestado pela Terra. A concepcao corpo-es-pirito nao e, portanto, originaria, Originario e 0 cui-dado "que foi 0primeiro a moldar 0 ser humano". a

    Quando amamos, cuidam os e quando cuidamos,amamos. Por isso 0 ethos que ama se completa como ethos que cuida. a "cui dado" constitui a categoriacentral do novo paradigma de civilizaeao que force-ja por emergir em todas as partes do mundo.A falta de cuidado no trato da natureza e dos re-

    cursos escassos, a ausencia de cuidado com referen-cia ao poder da tecnociencia que construiu armas dedestruicao em massa e de devastacao da biosfera e dapr6pria sobrevivencia da especie humana nos esta le-vando a urn impasse sem precedentes. au cuidamosou pereceremos.a cuidado assume uma dupla funcao: de preven-

    ~ao a danos futuros e de regeneracao de danos passa-dos. a cuidado possui esse condao: reforcar a vida,zelar pelas condicoes flsico-qutmicas, ecol6gicas,sociais e espirituais que permitem a reproducao davida e de sua ulterior evolucao,a correspondente ao cuidado em termos ecol6-

    gico-politicos e a "sustentabilidade" que visa en-contrar 0justo equilibrio entre a utilizacao racionaldas virtualidades da Terra e sua preservacao paran6s e para as geracoes futuras. Talvez aduzindo a fa-bula do cuidado, conservada por Higino (t17 dC), bi-

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    Cuidado 0 fez com "cuidado", zelo e devocao, por-tanto, com uma atitude amorosa. 0 cuidado e ante-rior, e 0 a priori ontol6gico, aquilo que deve existirantes, para que possa surgir 0 ser humano. 0 cuida-do, portanto, entra na constituicao do ser humano.Sem ele nao e humano. Com razao, Martin Heideg-ger, em Ser e Tempo, considera 0 cuidado a real everdadeira essencia do ser humano. Dai, como sediz na fabula, 0 "cuidado acompanhara 0 ser huma-no por todo 0 tempo em que ele viver". Tudo que fi-zer com cuidado revelara quem e 0 ser humano esera tambem bern feito.

    o ethos que cuida e ama e terapeutico e liberta-dor. Sana chagas, desanuvia 0 futuro, traz seguran-ca, exorciza medos e cria esperanca, Com razao diz 0psicanalista Rollo May: "Na atual confusao de epi-s6dios racionalistas e tecnicos, perdemos de vista 0ser humano. Devemos voltar humildemente ao sim-ples cuidado. : I t 0 mito do cuidado, e somente eleque nos permite resistir ao cinismo e a apatia, doen-cas psicol6gicas de nosso tempo" (Eros e repressdo,Vozes, Petr6polis 1982,340).

    7.0 ethos que se responsabiliza

    Faz-se urgente uma verdadeira revolucao mole~~[ar a partir das consciencias dos filhos e filhas a~gustiados de nosso Planeta. 0 ethos que procura, do-min ante no mundo, nao tern condicoes de sozinhofornecer os instrumentos para urn saIto de qualida-de. Ele se desmoralizou porque nao conseguiu evi-tar 0 genocidio dos indigenas latino-americanos, 0holocausto nazifascista, os gulags sovieticos, as ar-mas de destruicao em massa, as guerras de preven-

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    te para a biotecnologia e aquelas operacoes que in-tervern diretamente no codigo genetico dos seres hu-manos, de outros seres vivos e de sementes transge-nicas. 0 universo trabalhou 15bilh6es de anos e a bio-genese 3,8bilh6es para ordenar as informacoes quegarantem a vida e seu equilibrio. Nos, numa gera-cao, queremos ja controlar esses processos comple-xissimos, sem medirmos as consequencias de nossaacao. Por isso, 0ethos que se responsabiliza imp6e aprecaucao e a cautela como comportamentos eticosbasicos.Esse ethos prop6e algumas tarefas prioritarias.

    Quanto a sociedade, cumpre deslocar 0eixo da com-peticao, que usa a razao calculista, para 0eixo da co-operacao, que usa a razao cordial. Com referencia aeconomia, importa passar da acumulacao de rique-za para a producao do suficiente e decente para to-dos. Quanto a natureza, urge celebrar uma aliancade sinergia entre a utilizacao racional do que preci-samos e a preservacao do capital natural. Quanto aatmosfera espiritual de nossas sociedades, importapassar da magnificacao da violencia, especialmentena midia, para uma cultura da paz e do cultivo dobemcomum.A responsabilidade revela 0carater etico da pes-

    soa. Ela se percebe co-responsavel junto com as for-cas diretivas da natureza pelo futuro da vida e da hu-manidade. Ao assumirmos responsavelmente nossaparte, ate os ventos contraries ajudam a conduzir aArca salvadora ao porto.

    8. 0 ethos que se solidarizaVivemos tempos de grande barbarie, porque e

    extremamente parca a solidariedade entre os hu-manos. 1,4 bilhao de pessoas vivem com menos deum dolar por dia. Dois tercos destes sao constitui-

    I dos pela humanidade futura: criancas e jovens commenos de 15 anos, condenados a consumir 200 ve-zes menos energia e materias-primas do que seus ir-maos e irmas norte-americanos. Mas quem pensaneles? Os paises opulentos nao tern 0minimo sensode solidariedade, pois destinam menos de 1%de suariqueza interna para debelar este flagelo. Para en-frentar este descalabro humano faz-se urgente umarevolucao etica mais que uma revolucao politica,vale dizer, despertar um sentimento profundo de ir-mandade e de familiaridade que torne intoleravelessa desumanizacao e impeca os vorazes dinossau-ros do consumismo de continuarem em seu vanda-lismo individualista. Precisamos, pois, de um ethosque se solidarize com todos estes caidos na estrada.A solidariedade esta inscrita, objetivamente, no

    codigo de todos os seres. Pois todos somos interde-pendentes uns dos outros. Coexistimos no mesmocosmos e na mesma natureza com uma origem e umdestino comuns. Cosmologos e fisicos quanticos nosasseguram que a lei suprema do universo e a da soli-dariedade e da cooperacao de todos com todos. Apropria lei da selecao natural de Darwin, formuladaem vista dos organismos vivos, deve ser pensada nointerior desta lei maior. Ademais, os seres lutam nao

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    apenas para sobreviver, mas para realizar virtu ali-dades presentes em seu ser. Ao nivel humano, ao in-ves da selecao natural, devemos prop or 0cuidado eo amor. Assim todos podem ser incluidos, tambemos mais fracos, e se evita que sejam eliminados emnome dos interesses de grupos ou de urn tipo de cul-tura que reafirma sua identidade acima da dignida-de e do direito dos outros.A solidariedade se encontra na raiz do processo

    de hominizacao. Nossos ancestrais hominidas ao Sal-rem em busca do alimento nao 0 consumiam indivi-dualisticamente, mas 0 traziam ao grupo para repar-ti-lo solidariamente. Foi a solidariedade que permi-tiu 0 salto da animalidade a humanidade e a criacaoda socialidade que se expressa pela fala. Todos deve-mos nossa existencia ao gesto solidario de nossasmaes que nos acolheram na vida e na familia.Esses dados objetivos devem ser assumidos sub-

    jetivamente como projeto da liberdade que opta pelasolidariedade como conteudo das relacoes entre to-dos. A solidariedade politica ou sera 0 eixo articula-dor da geossociedade mundial ou nao havera, a lon-goprazo, futuro para ninguem, solidariedade a set.construida a partir de baixo, das vitimas dos proces-sos sociais e dos sofredores. 0 imperativo soa: "Soli-dariza-te com todos os seres, teus companheiros deaventura planetaria e cosmica, especialmente comos mais prejudicados para que todos possam ser in-cluidos em teu cuidado". Importa tambem alimentara solidariedade para com as geracoes futuras, poiselas tambem tern direito a uma Terra habitavel.

    Nossa missao e cuidar dos seres, ser os guardiaesdo patrimonio natural e cultural comum, fazendocom que a biosfera continue um bern de toda vida enao apenas nosso. Por causa do ethos que se respon-sabiliza, veneramos cada ser e cada forma de vida.

    9. 0 ethos que se compadeceoethos para ser plenamente humano, precisa in-

    corporar a compaixao, Ha muito sofrimento na his-toria, sangue demasiado em nossos caminhos e in-terminavel solidao de milh6es e milh6es de pessoas,.carregando sozinhas, em seu coracao, a cruz da in-justica, da incompreensao e da amargura. 0 ethosque se compadece quer incluir a todos esses que, nofundo, e cada um de nos, no ethos humano, vale di-zer, na casa humana, onde ha acolhida e onde as la-grimas podem ser choradas sem vergonha ou enxu-gadas carinhosamente.Mas precisamos, antes, fazer uma terapia da lin-

    guagem, pois compaixao possui, na compreensaocomum, conotacoes negativas que the roubam 0con-teudo altamente positivo. Consoante essa compreen-sao comum, ter compaixao significa ter peninha dooutro, sentimento que 0 rebaixa a condicao de de-samparado, sem energia interior para erguer-se.Entao nos com-padecemos dele enos con-doemosde sua situacao. Assim, por exemplo, no faminto (esao bilh6es na humanidade) ve apenas a fome de pao.Nao ve que simultaneamente existe nele a fome de

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    beleza que grita por se realizar e que com nossa soli-dariedade poderia ser saciada.Poderiamos tambem entender a com-paixao no

    sentido do paleocristianismo (0 cristianismo origi-nario antes de se constituir em igrejas), sentido alta-mente positivo. Ter miseri-c6r-dia equivale a ter urncoracao (cor)capaz de sentir os miseros e sair de sipara socorre-Ios. Atitude que a pr6pria palavracorn-paixao sugere: compartir a paixao do outro ecom 0 outro, sofrer com ele, alegrar-se com ele, an-dar 0 caminho com ele. Mas essa acepcao historica-mente nao conseguiu se impor. Predominou aquelamoralista e menor de quem olha de cima para baixoe descarrega uma esmola na mao do sofredor. Mos-trar miseric6rdia equivaleria a fazer "caridade" aooutro, caridade esta criticada pelo poeta cantanteargentino Atauhalpa Yupanqui: "Eu desprezo a ca-ridade pela vergonha que encerra. Sou como 0 leaoda serra que vive e morre em soledade".Diferente, entretanto, e a concepcao budista de

    com-paixao. Talvez seja a compaixao uma das maio-res contribuicoes eticas que 0Oriente oferece a hu-manidade. Compaixao tern a ver com questao basi-ca que deu origem ao budismo como caminho eticoe espiritual. A questao e: qual e 0melhor meio paralibertar-nos do sofrimento? A resposta de Buda e:"pela com-paixao, pela Inrinitacom-paixao''.o Dalai Lama atualiza essa ancestral resposta as-

    sim: "Ajude os outros sempre que puder e, se nao pu-der, jamais os prejudique" (0 Dalai Lama fola de Je-

    sus, Fisus 1999,214). Esta compreensao coincide comoamor e 0perdao incondicionais propostos por Jesus.A "grande com-paixao" (koruna em sanscrito) im-

    plica duas atitudes: desapego de todas as coisas e cui-dado para com todas as coisas. Pelo desapego nos dis-tanciamos das coisas, renunciando a posse delas, eaprendemos a respeita-las em sua alteridade e dife-renca, Pelo cuidado nos aproximamos das coisas paraentrar em comunhao com elas, responsabilizar-nospelo bem-estar delas e socorre-las no sofrimento.Eis urn comportamento solidario que nada tern a

    ver com a pena e a mera "caridade" assistencialista.Para 0 budista 0 nivel de desapego revela 0 grau deliberdade e maturidade que a pessoa alcancou, E 0nivel de cuidado mostra 0quanta de benevolencia eresponsabilidade a pessoa desenvolveu para comtodas as coisas. A com-paixao engloba as duas di-mensoes. Exige, pois, liberdade, altruismo e amor.o ethos que se compadece nao conhece limites.o ideal budista e 0 bodhisattva, aquela pessoa queleva tao longe 0 ideal da com-paixao que se dispoe arenunciar ao nirvana e mesmo aceita passar por urnnumero infinito de vidas s6 para poder ajudar os ou-tros em seu sofrimento. Esse altruismo se expressouna oracao do bodhisattva: "Enquanto durar 0 tempo,persistir 0espaco e houver pessoas que sofrem, que-ro eu tambern durar ate liberta-las do sofrimento".A cultura tibetana expressa esse ideal atraves da fi-gura de Buda dos mil braces e dos mil olhos. Comeles pode, com-passivo, atender a urn numero ilimi-tado de pessoas.

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    o ethos que se compadece, na percepcao budis-ta, nos ens ina tambem como deve ser nos sa relacaocom a natureza: primeiro respeita-la em sua alteri-dade, depois cuidar dela. 56 entao usa-la, na justamedida, para 0 nosso proveito.

    A "guerra infinita" da demencia atual devemosopor a "com-paixao infinita" da sapiencia budista.Utopia? Sim, mas e a maneira melhor de mostrarmosa nossa verdadeira humanidade, feita de com-paixaoe de cuidado. Ela se traduz por urn ethos que sabecompadecer-se de todos os que vivem e sofrem, paranunca ficarem sozinhos em seu sofrimento.

    10.0ethos que integra

    Em Sao Francisco emerge poderosamente, semque tivesse consciencia elaborada disso, uma fecun-da experiencia do ethos seminal, quer dizer, umaforma nova de organizar e de encher de valores amorada humana (ethos). A novidade reside na irres-trita inclusao de todos, a comecar por aqueles queeram mais excluidos como oshansenianos, ou a mar-gem como os servos da gleba e os pobres em geral,abrindo-se tambem para acolher como irmaos e ir-mas todas as criaturas, as arvores, os animais, 0 sol ea lua, numa palavra, 0 inteiro universo. Na expe-riencia etica de Francisco se realizam, de formaeminente, as varias express6es do ethos que temosanalisado anteriormente.Nele surpreendemos 0 ethos que procura. De fa-

    milia rica, procurou com extrema intensidade, pri-meiro ser her6i de cavalaria, depois monge benedi-tino, por fim penitente. Insatisfeito escolhe a "viada simplicidade" que consiste em tomar 0 evange-lho em sua letra e vive-lo sem glosa e comentario,como fonte inspiradora de urn novo ethos. Franciscose da conta do inusitado deste prop6sito. Por issodiz claramente: "0 Senhor me revelou a sua vonta-de de que fosseum novo loueo no mundo" (nouelluspazzus). E louco face aos sistemas que abandona; 0burgues emergente, 0 feudal decadente, 0 religio-so-monacal vigente. Mas nao e louco face ao novo~,thosque inaugura. Conforme 0 primeiro bi6grafo da .~~ca Tomas de Celano, Francisco compareceu. CO~.~"urn homem de um novo seculo"; n6s diriamos, "(1~urn novo paradigma". 0 que aqui e dito soa extre-

    A etica e da ordem da pratica e nao da teoria. Porisso sao importantes as figuras exemplares que tes-temunharam em suas vidas a realizacao de uma eti-ca coerente. Somente exemplos luminosos sao real-mente convincentes.Para n6s no Ocidente, a figura de mais transpa-

    rencia e Francisco de Assis, considerado 0 "primei-ro depois do Unico" ou "0 ultimo cristae". Orientousua vida nao pelo modelo imperial de Igreja vigen-te em seu tempo nem pela dogmatica eclesiastica,mas pela experiencia evangelica, pela insercao nosmeios pobres e por uma nova relacao amorosa com acomunidade de vida. Isso permitiu resgatar 0vigor dopaleocristianismo, vale dizer, do cristianismo das ori-gens jesuanicas e apost6licas.

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    mamente contemporaneo, ja que estamos a procurade urn novo caminho civilizat6rio e de urn novo ho-rizonte de esperanca para a humanidade.

    E urn representante singular do ethos que ama.A semelhanca do grande mistico sufi Rumi, con-ternporaneo de Francisco, mas vivendo na antigaPersia, no atual Afeganistao, testemunha a misticado amor e do enamoramento de Deus como nuncahouve antes na hist6ria do Ocidente e do Medic Ori-ente. Tornado pelo impulso do amor, Francisco saiapelos bosques a chorar ate se the incharem os olhos,gritando: "0 Arnor nao e amado, 0Arnor nao e ama-do". Resgatou 0 amor telurico, a Terra, a cada ser dacriacao, a mulher amada Clara. Seu lema e "Deusmeus et omnia" (Meu Deus e todas as coisas). Deusnao quer que amemos apenas a ele, mas quer queamemos todas as criaturas. 0 amor e urn movimen-to unico que abraca a todos.Viveu exemplarmente 0 ethos que cuida. Cuida-

    va das abelhas no inverno para que nao morressemde fome, cuidava para que as arvores nao fossemcortadas de forma a impedir sua regeneracao, cui-dava em libertar os passarinhos das gaiolas. Pediaate que seus companheiros cuidassem, num cantodo jardim, das ervas daninhas, porque, do jeito de-las, tambern louvavam a Deus.

    E urn arquetipo doethos que se compadece. Foi mo-rar nomeio dos hansenianos, beijava-os e dava-lhes co-mida na boca, dividia tudo com os pobres, ate a roup a

    do corpo, e compadecia-se de suas proprias dores,chamando-as de irmas e a morte, de irma morte.Testemunhou 0 ethos que se solidariza. Vive em

    extrema pobreza mas, por calida solidariedade, querque se providencie tudo ao irmao doente, rompe 0jejum rigoroso para ser solidario com 0companhei-ro que grita de noite "morro de fome". Na cruzada,no norte do Egito, se solidariza com os "irmaos mao-metanos" e rompe as fronteiras entre as tropas cris-tas e mu~ulmanas e vai ao encontro do sultao, Mos-tra-se solidario com ele, admirado por sua piedade esabedoria de governo.Por fim, mostrou concretamente 0 ethos que seresponsabiliza. Face as guerras entre os burgos, ins-

    taura a "legatio pacis", 0movimento pela paz, recon-ciliando as partes. Promove urn encontro entre 0bis-po de Assis e 0 prefeito, considerados inimigos figa-dais. Proibe aos companheiros usar armas, dinheiroe titulos, fontes de conflitos. Renuncia a todas as fun-coes, continuando leigo (no fim da vida deixou-se or-denar diacono para continuar a pregar, ja que haviauma proibicao estrita contra as prega~6es de leigos)para ficar junto do povo e dos pobres. Quer uma fra-ternidade socioc6smica a partir dos ultimos,o pobrezinho de Assis integra em sua vida 0ethos no sentido orig inario: fez deste mundo a mo-

    rada benfazeja do ser humano. A expressao supre-ma do mundo feito ethos se encontra no admiravelCtintico ao Irmao Sol. Nele nao temos aver apenascom urn discurso poetico-religioso sobre as coisas.

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    Elas servem de vestimenta para um discurso maisprofundo, aquele do inconsciente que tocou 0 seuCentro e com ele 0Misterio de ternura que integratodas as coisas. Os elementos cantados como 0 Sol ea Terra, 0 fogo e a agua, as plantas eo vento e mesmoa morte, chamada de irma, se transfiguraram emsimbolos de uma total integracao, articulando a eco-logia exterior (os elementos naturais) com a ecologiainterior (0 carater simb6lico deles na psique). 0Cantico e a expressao acabada da completa integra-cao da nossa dim ensao de ceu com nossa dimensaode terra.A etica se trans figura, entao, em mistica, experien-

    cia abissal do Ser. Assim como uma estrela nao brilhasem aura, assim tambem uma etica nao ganha vigen-cia sem uma visao mistica e encantada do mundo,onde a Terra eo Ceue todos oselementos que surgemdo casamento entre eles brilham, se transformam emvalor e em sinal de um mundo de bondade, possivelaos mhos e filhas daMaeTerra que SaoFrancisco nosensinou a amar como irma e mae.

    I I IV ir t u d e s c a r d e a is d e u m a e u c a p la n e ta r ia

    1.Bem comum para toda a comunidadede vida

    Um dos efeitos mais avassaladores do capitalis-mo globalizado e de sua ideologia politica, 0 neoli-beralismo, e a demolicao da nocao de bem comumou de bem-estar social.

    : I t not6rio que as sociedades civilizadas se cons-truiram e continuam se construindo sobre duas pi-lastras fundamentais: a participacao dos cidadaos(cidadania ativa) e a cooperacao de todos. Juntascriam 0bem comum. Mas este foi enviado ao limbodas preocupacoes politicas. Em seu lugar, entraramas nocoes de rentabilidade, de flexibilizacao, deadaptacao e de 'competitividade. A liberdade do ci-dadao e substituida pela liberdade das forcas domercado; 0bem comum, pelo bem particular e a co-operacao, pela competitividade.A participacao e a cooperacao asseguravam a

    existencia de cada pessoa e a vigencia dos direitos.Negados esses valores, a existencia de cada um nao

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    esta mais socialmente garantida nem seus direitosafiancados, Logo, cada urn se sente constrangido agarantir 0seu.Assim surge urn individualismo avas-salador. Ele se revel a na linguagem cotidiana: 0meu emprego, 0 meu salario, a minha casa, 0meucarro, a minha familia. Ninguem e levado, portanto,a construir algo em comum. A (mica coisa em co-mum que resta e a guerra de todos contra todos emvista da sobrevivencia individual. E hoje, na politicamundial, 0 combate implacavel ao terrorismo.Neste contexto, quem vai pensar 0 destino co-

    mum da especie humana e da (mica casa coletiva aTerra? Quem cuidara do interesse geral dos 6 3 bi-- 'lhoes de pessoas? 0 neoliberalismo e surdo, cego emudo a esta questao fundamental. Seria contradito-rio suscita-la, pois defende concepcoes politicas esociais diretamente em oposicao ao bern comum.Seu proposito basico e: 0 mercado tern que ga-

    nhar e a sociedade deve perder. Pois e 0mercadoque vai regular e resolver tudo. Se assim e, por quevamos construir coisas em comum? Deslegitimou-seo bem-estar social.Ocorre, entretanto, que 0 crescente empobreci-mento mundial resulta das logicas excludentes e

    ~redadoras da atual globalizacao competitiva, libera-lizadora, desregulamentadora e privatize dora. Quan-to mais se privatiza, mais se legitima 0 interesseparticular em detrimento do interesse geral, alemde enfr!lquecer 0Estado, 0gerenciador do interessegeral. E 0 triunfo do kuier (assassino) capitalismo.

    Quanto de perversidade social e de barbarie agiren-ta 0 espirito?Que e 0bern comum? Noplano infra-estrutural e

    o acesso justo de todos aos bens basicos como ali-mentac;ao, saude, moradia, energia, seguranca e co-municac;ao. No plano humanistico e 0 reconheci-mento, 0 respeito e a convivencia pacifica. Pelo fatode ter sido desmantelado sob a virulencia da globa-Iizacao competitiva, 0 bern comum deve agora serreconstruido. Para isso, importa dar hegemonia acooperac;ao e nao a competicao. Sem essa mudanca,dificilmente se mantera a comunidade humana uni-da e com urn futuro que valha a pena.Contextualizando para os tempos atuais estas

    reflexoes, constatamos com entusiasmo que essaroconstrucao do bern comum constitui 0 nucleo doprojeto politico do PT e do Presidente Lula, eleitoem 2002. Entrou pela porta certa: Fome Zero. Colo-cou 0 fundamento seguro: a repactuacao social apartir dos valores da cooperacao e a boa vontade detodos. Afirma uma conviccao humanistic a de base:nao ha futuro a longo prazo para uma sociedadefundada sobre a falta de justica, de igualdade, defraternidade, 'de cuidado e de cooperacao. Ela negao anseio mais originario do ser humano, desde queemergiu na evoluc;ao, milhoes de anos atras, Lula .articula esse anseio ancestral e e dai que haure suaforca convocatoria. Se nao for 0PT e Lula, serao ou-tros atores em outros tempos que 0 farao. Mas essesonho humanitario passa por ele e pelas esperanc;ashistoricas que suscitou.

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    o bern comum nao pode ser concebido antropo-centricamente. Com a compreensao que desenvolve-mos hoje em dia acerca das inter-retro-conexoes doser humano com seu meio natural e cultural, deve-mos incluir tambem a natureza com seus ecossiste-mas e a pr6pria Terra-Gaia, superorganismo vivo naconstrucao do bern comum. Todos os seres, especial-mente os vivos, possuem certa subjetividade, poissao sujeitos de inter-relacoes, situam-se ativamenteno processo cosmogenico e biogenico e,por isso, pos-suem hist6ria. N6s, enquanto humanos, somos urnelo, embora singular, da corrente da vida. Possuimososmesmos constituintes fisico-quimicos com os quaisse constr6i 0c6digo genetico de todo 0vivente. Dai sederiva urn parentesco objetivo com a comunidade devida. Esse e 0 fundamento para ampliarmos a perso-nalidadejuridica asmontanhas, aos rios, as florestas,aos animais e a todos os demais organismos vivos.Eles possuem direitos de ser e devem ser respeitadosem sua alteridade e singularidade.Em razao desta compreensao, 0bern comum nao

    pode ser apenas humano, mas de toda a comunida-de terrenal e bi6tica com quem compartimos a vidae 0 destino. A economia politica nao pode cuidarapenas do bem-estar material dos seres humanos,mas de todos os demais seres que precisam teragua nao contaminada, solos nao envenenados, ardespoluido e nutrientes de qualidade. Sem essaampliacao da dernocracia, que sera entao socioc6s-mica, 0 nos so bern comum nao sera suficiente nemadequado.

    Cooperac;ao se reforca com mais cooperacao, poisaqui reside a seiva secreta que alimenta e revigorapermanentemente 0bern comum.

    2.Autolimita~ao: virtude ecol6gica

    o pavor suscitado pelo lancarnento de bombasat6micas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, foitao profundo que mudou 0 estado de consciencia dahumanidade. Introduziu-se a perspectiva de des-truicao em massa, acrescida posteriormente com afabricacao de armas quimicas e bio16gicas, capazesde ameacar a biosfera e 0futuro da especie humana.Antes, os seres humanos se permitiam fazer guer-

    ras convencionais, explorar os recurs os naturais,desmatar, jogar lixo nos rios e gases na atmosfera, enao havia grandes modificacoes ambientais. A cons-ciencia tranquila assegurava que a Terra era inesgo-tavel e invulneravel e que a vida continuaria a mes-rna e para sempre em direcao ao futuro.Esse pressuposto nao existe mais. Mais e mais

    nos damos conta daquilo que a Carta da Terra ates-ta: "Estamos diante de urn momenta critico na hist6-ria da Terra, numa epoca em que a humanidade deveescolher 0seu futuro ...ou formar uma alianca globalpara cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar anossa destruicao e a da diversidade da vida".Esse documento, ja assumido pela Unesco em

    2000, representa a nova perspectiva planetaria, eti-ca e eco16gica da humanidade Os fatos que susten-

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    tam 0 alarme sao irrecusaveis: s6 temos essa CasaComum para habitar; seus recursos sao limitados ,muitos nao renovaveis; a agua doce e 0bem mais es-casso da natureza (s6 0,7%e acessivel ao uso huma-no); a energia f6ssil, 0 petr6leo, motor do desenvol-vimento moderno, tem dias contados; e 0 cresci-mento demografico e ameacador.Ultrapassamos ja em 20%a capacidade de supor-

    te e reposicao da biosfera. Querer generalizar paratoda a humanidade 0 tipo de desenvolvimento hojeimperante demandaria outros tres planetas iguaisao nosso. A grande maioria nao pens a em tais coi-sas, pois parece-lhe insuportavel lidar com os limi-tes e eventualmente com 0 desastre coletivo, possi-vel ainda em nossa geracao,Esses problemas sao graves. Mas ha ainda um

    maior: a l6gica do sistema mundial de producao e acultura consumista que ele gerou. Ele diz: devemosproduzir mais e mais, sem impor limites ao cresci-mento, para podermos consumir mais e mais, semlimites a cesta de ofertas. A consequencia imediatadesta opcao e uma dupla injustica: a ecol6gica, coma depredacao da natureza, e a social, com a gestacaode desigualdades. Pode-se dividir a humanidadeentre aqueles que comem a tripa forra e os que co-mem insuficientemente, condenados a todo tipo dedoencas da pobreza, a marginalidade e a exclusao.Se quisermos garantir um futuro comum da

    Terra e da humanidade, impoem-se as virtudescardeais imprescindiveis: a busca do bem comum,

    a autolimita

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    tensoes. Dai nasce a vontade e ate 0prazer de violaro limite. Por outro, e sentida positivamente como acapacidade de usar, de forma moderada, as poten-cialidades para durarem mais. Isso so e possivelquando se encontra a justa medida.Se repararmos bern, a justa medida e a formula

    secreta pela qual 0universo se organizou e garantiuseu equilibrio ate os dias de hoje. Se, apos 0big-bang,as forcas de expansao nao tivessem side contidas pelaenergia gravitacional, todos os elementos ter-se-iamdifundido ate se diluirem no espaco infinito. Entaonao teria havido a condensacao dos gases, a forma-cao das estrelas, dos planetas, da Terra enos nao es-tariamos aqui para refletir sobre tudo isso. Se a for-ca gravitacional tivesse predominado e se os mate-riais todos tivessem regressado sobre si mesmos,teriam explodido em cadeias sucessivas e 0univer-so enos nao teriamos surgido. Mas, ao contrario,tudo se processou na justa medida. Instaurou-seurn equilibrio dinamico e sutil entre expansao econdensacao, de sorte que pudessem surgir corposdensos, seres vivos e complexos como os animais enos mesmos.

    sa como a egipcia, a grega, a latina e a hebraica,noS , .tenham postulado sempre a busca da justa mcdidacomo fonte construtora de equilibrio social. Essaera e e tambem a proocupacao central do budismo eda filosofia ecologica do Feng-Shui chines. Para to-das, 0 simbolo maior era a balanca e as respectivasdivindades femininas, tutoras da justa medida.A deusa Maat dos egtpcios cuidava para que tudo

    fluisse equilibradamente. Mas ossabios egipcios cedoentenderam que a justa medida exterior so se alcan-ca a partir da justa medida interior. Sem a conver-gencia da Maat interior com a exterior, perdemos ajusta medida, vale dizer, 0 equilibrio enos mostra-mos destrutivos.Uma das caracteristicas fundamentais da culturagrega foi a busca insaciavel da medida em tudo (me-

    tron). Classica e a formulacao: "meden. tuicm", "nadaem excesso". Essa medida justa se ve realizada emtodas as grandes obras artisticas dos gregos, na es-cultura, na arquitetura, no teatro e na filosofia. Destaheranca nos alimentamos ainda nos dias de hoje.A deusa Nernese, venerada por gregos e latinos,

    representava a justa medida na ordem divina e hu-mana. Todos os que ousassem ultrapassar a propriamedida (chamada de hybris = auto-afirmacao arro-gante) eram imediatamente fulminados por Neme-se. Assim acontecia com os campeoes olimpicosque, a somelhanca dos dias atuais, se deixavam en-deusar pelos fas, ou os filosofos e os artistas que per-mitiam a excessiva exaltacao de suas vidas e obras.

    Esta justa medida esta ancorada em nosso pro-fundo, nos arquetipos ancestrais que orientam nossavida. Eles ganham corpo em todas as producoes hu-manas, fazendo que sejam belas e harmonicas, porcausa do justo equilibrio que nelas se estabeleceu.Nao e de estranhar que, por exemplo, as culturas

    da bacia mediterranea, que tanto influenciaram a

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    ABiblia hebraico-crista funda a medida justa noreconhecimento do limite intransponivel entre Cria-dor e criatura. A criatura jamais sera como Deus.Essa era a pretensao de nossos ancestrais no parai-so terrenal. Imaginavam que 0 conseguiriam casocomessem do fruto proibido. Comeram dele, ultra-passaram 0 limite imposto, nao viraram Deus e fo-ram expulsos do paraiso,Pecado e recusar 0 limite, e nao reconhecer a

    condicao de criatura. Apesar da expulsao, permane-ceu 0 imperativo dajusta medida na forma do "cul-tivar e guardar" 0jardim do Eden, vale dizer, de vi-ver a etica do cuidado. Por detras de "cultivar" res-soa sempre" culto" e" cultura" que sinalizam 0 tra-to respeitoso da Terra (culto). E por detras de "guar-dar", 0 aproveitamento sustentavel de seus recur-sos para atender necessidades humanas e nao parafins de acumulacao.Na linguagem biblica, ser "imagem e semelhan-

    ca de Deus" significa ser 0 representante e 0 lu-gar-tenente de Deus no meio da criacao, Como tal,deve prolongar 0 ato criador divino, criando tam-bern com a mesma benevolencia com que Deus cri-ou toda as coisas ("e viu que tudo era born"). 0 efeitofinal das intervencoes, sob ajusta medida, e a cultu-ra, como hominizacao e humanizacao da natureza.Ajusta medida e exigida em dois campos impor-

    tantes da atividade humana atual: na ecologia e nabiotecnologia. Na ecologia se coloca continuamente aquestao: qual e a medida justa de intervencao na na-

    para satisfazer nossas necessidades e, ao mes-turezatempo, conservar 0capital natural de modo querno . d finid t ?ele possa se regenerar e perdurar In e iru amen e.Aqui precis amos de sabedoria e juiz?s pruden-

    . . para nao colocar sob estresse a biosfera. NoCIalScampo da biotecnologia precisamos nos perguntar:qual ajusta medida na manipulacao do c6digo gene-tico humano? Ela surge quando 0 ser humano entranuma profunda comunhao com a propria vida. Entaocaptara a vida como a irrupcao mais complexa emisteriosa do processo da evolucao. Ela demandarespeito e reverencia. Precisa continuamente de cui-dado para se manter e co-evoluir.o corpo de geneticistas deve entrar no laborato-

    rio de experimenta~ao como quem entra num tem-plo e operar processos como quem faz uma litur~ia.Caso contrario poderao por em risco 0 futuro daVIda.A vida nao e uma mercadoria. Por isso a pesquisanao se ordena ao lucro mas ao melhoramento dapropria vida.Aprendamos dos antigos como sanar a crise civi-

    lizacional: vivendo sem excesso, na justa medida eno cuidado essencial para com tudo 0que nos cerca.

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    IVG u e r r a e P a z

    1.Arne aca da paz: 0imperialismoglobalizadooOcidente sempre teve uma obsessao persisten-

    te: levar sua cultura e sua visao de mundo a todos ospovos da Terra. Primeiro quiseram-no os gregos. EAlexandre Magno chegou ate a india, com 0prop6si-to de conquistar os "barbaros" e traze-los a civiliza-cao. Depois sucederam-no os romanos que criaramum imperio milenar, submetendo os povos e inte-grando-os em sua cultura, considerada a melhor. Su-cederam-nos os cristaos. Ensaiaram ate 0 fracassadoImperio Romano-Germanico. Eles sempre quiserame ate hoje querem levar salvacao ao mundo inteiro.Primeiro, pela missao crista e, depois, ao seculari-zar-se, pela politica e pela guerra de conquista colo-nial. Isto significou imp or,por bem ou por mal, os va-lores e as instituicoes ocidentais a todos os povossubmetidos. Esse prop6sito fundou 0 classico impe-rialismo ocidental (neologismo introduzido em 1870na Gra-Bretanha) em suas varias formas.

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    Trace caracteristico do imperialismo e nao ter li-mites. Sua logica leva a conquistar tudo e a todos, 0espaco fisico, as esferas todas da vida, as mentes e oscoracoes dos povos. E nao contente, invoca 0manda-to divino como 0"destino manifesto" norte-america-no ou 0"requerimento" dos colonizadores ibericos,Em nome da missao levou-se 0 terror a todos osContinentes, impos-se a uniformizacao da cultura,instaurou-se 0modo ocidental de organizar a socie-dade e implantou-se a religiao crista ("dilatar a fe e 0imperio").o Presidente dos EUA, George W. Bush, resga-

    tou, nos dias atuais, tanto a vertente religiosa quan-to a politica do imperialismo, conferindo-lhe caraterplanetario. Religiosamente entende os Estados Uni-dos como 0 "segundo povo eleito" com a missao dedestruir 0eixo do mal. E politicamente quer salvar 0mundo ao configurar a globalizacao com os valorestipicos da cultura norte-americana, segundo ele, amelhor e a mais racional possivel. Imbuido destaconviccao messianica, aparece em publico de peitoinflado, passos largos, gestos triunfantes e ares decesar glorioso ou de rei-sol (de araque).Esse novo imperialismo nao se baseia mais no

    territorio, mas nos interesses globais. Em nome de-les, Bush se reserva 0direito de intervir quando qui-ser e leionde achar que esses interesses estejam sen-do ameacados, como foi 0caso do Iraque.Em seu discurso programatico it nacao, de 17de

    setembro de 2002, Bush ressuscitou 0poder absolu-tista e imperial ("0 que conta e 0 que nos quere-

    mos") e declara a guerra preventiva como instru-mento de ordem no mundo.'I'res valores Bush quer globalizar: a liberdade, a

    democracia e 0 livre comercio. Valores preciosos,mas deturpados pela versao capitalista deles. A li-berdade e entendida como independencia indivi-dual sem ligacao social. Significa liberda de para ga-nhar dinheiro e acumular, a mais nao poder, semqualquer escrupulo. Democracia e a delegaticia eformal, so funciona na esfera politica, mas nao naeconomica, na escola e na vida, como valor univer-sal. 0 livre comercio e efetivamente livre para osmais fortes, que imp6em a sua logica de pura com-peticao, sem qualquer cooperacao, absorvendo osmais fracos ou eliminando-os friamente.o sonho americano it la Bush e transformar 0

    Globonum imenso mercado comum, onde tudo viramercadoria: 0capital material (bens) e 0capital sim-bolico (valores), onde tudo e racionalmente admi-nistravel, tambem aquilo que nao e administravelem si como 0 afeto, a amizade, 0 amor, 0 envelheci-mento, a imagem e a morte.

    o imperialismo ocidental e a nos sa doenca, por-que continuamos a achar que somos os melhores erebaixamos os outros, perdendo a oportunidade deaprender deles. Mas tambern criamos, a duras pe-nas, urn anti doto que e a autocritica. Demo-nosconta do mal que temos feito aos povos e a nos mes-mos. Afinal, somos uma cultura e uma religiao en-tre outras. A cura reside no dialogo incansavel, na

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    abertura aos outros na trocnos faz humildes.' a que nos enriquece e

    rog::c~~u;a ~odialogo, a,sa.tanizac;ao do outro e a ar-ainda acre~~a::;n ~agedlas. Ap:sar de cansados,medi t .q e a paz perpetua seja possivelan e aquelas virtudes que sem 'elas irao triunfar urn dia H ,pre n:gamos. Masturado Sern . avera esse dia bem-aven-. essa esperanf'a d .do S . . _ 's ,na a malS faria senti-. ena a escundao sern '., os sinais da alvorada.

    Esta fenomenologia mostra a singularidade doterrorismo: a ocupacao das mentes. Nas guerras eguerrilhas precisa-se ocupar 0espaco fisico para efe-tivamente triunfar. No terror nao. Basta ocupar asmentes, ativar 0 imaginario, internalizar 0medo.Os norte-americanos ocuparam fisicamente 0Afe-

    ganistao dos talibas. Mas os talibas ocuparam psicolo-gicamente as mentes dos norte-americanos. Fizeramdos EUA uma nacao ocupada pelo me do, do Gover-no ao simples cidadao, Quem venceu? Certamenteaquele que mantem 0outro refem de sua estrategia.Portanto, vence quem domina as mentes e naoquem, simplesmente, conquista 0 espaco. A pro fe-cia de Osama Bin Laden, de 8 de outubro de 2002,infelizmente se realizou: "Os EUA nunca mais teraoseguranca, nunca mais terao paz".Como desmontar esse mecanismo hoje globali-

    zado? Nao e 0 lugar aqui de referir as estrategiasusadas hoje pelos governos e orgaos de seguranca,A nos importa captar a natureza do terror e sua efi-cacia, Nao precisamos ler Albert Camus ou 0te6ricodo terror, 0 frances Georges Sorel (1847-1922),parasabermos como funciona. Basta observarmos 0 fe-n6meno atual.

    o terrorismo segue a seguinte estrategia: 1) osatos tern de ser espetaculares, caso contrario naocausam comocao generalizada; 2) os atos, apesar deodiados, devem provocar admiracao pela sagacida-de empregada; 3) os atos devem sugerir que foramminuciosamente preparados; 4) os atos devem ser

    2. Terrorismo .. a guerra dos ofendidoso terrorismo percorre 0mundrna a m t 0 como urn fantas-Rio de Je er. medo generalizado. Em cidades como. anelro, tem-se a impressao de

    tos dias t . que, em cer-,0 erronsmo tornou conta da .d d .: : ~ ! : ~ ~ : : i ~ ~ ~ ~ ~ ~ E ~ : ~ ? : : : ~ ~ ~ ~ ~ ~ : ~ :terror policial a cornu .d dg vmganc;a contra 0m a es carentes e contcorrupc;ao generalizada da politica. ra aSintoma do m d .N ~ e 0 generalIzado: urn arabe emova ork, pede uma informac;ao aurn p li . 1 'o prende' . 0 icia e este. ' lrnaglnando ser urn terrorista D .venfica ser urn simples cidada . . epois se.d ao mocente. Urn aviao

    Sa! e Houston em direc;ao aDallas Alg .ros ima . , . uns passagel-. glnam que ha hornens armados a bordo Esu.ficlente para acionar 0 ala . 0F rme e cacas de gu-16escoltam 0aviao de volta Com freqi ~ . erraverno al . uencia 0Go-arm a a na

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    imprevistos para dar a impressao de serem incontro-laveis; 5) os atos devem ficar no anonimato dos auto-res porque, quanta mais suspeitos, maior 0 medo;6)os atos devem alimentar 0medo pelo maior tem-po possivel; 7) os atos devem distorcer, nos cidadaoscomuns enos orgaos de seguranca, a percepcao darealidade: qualquer coisa diferente pode configurarurn ato de terror possivel. Assim, por exemplo, bastaver um arabe e ja surge 0 fantasma do terrorista, ouurn favelado mais bern vestido, para logo se projetara figura de urn traficante potencial e perigoso.Tentemos uma definicao: terrorismo e toda vio-

    lencia espetacular, praticada com 0proposito de ocu-par as mentes com medo e pavor. 0 import ante naoe a violencia em si, mas seu carater espetacular, ca-paz de dominar as mentes de todos.Recorrem ao terror geralmente grupos minorita-

    rios, marginalizados ou oprimidos que descreem docaminho politico para a solucao de seus problemas.Usa 0terror tambern 0crime organizado como 0 tra-fico de drogas ou de armas, para enfrentar-se com 0sistema de controle e repressao e como forma dedesviar a atencao sobre ele. Usa 0 recurso do terrortambem 0Estado que nao tem legitimidade e preci-sa do terror para se impor, como aconteceu a partirdos anos 60 na America Latina. Hoje existe 0terrorde Estado como estrategia dos paises ricos para com-bater 0 terrorismo internacional. Assim a Governodos EUA, gravemente atingido par atos de terror,utiliza expedientes que sao verdadeiros atos terro-ristas como pris6es de suspeitos, sem comunicacao

    as farnilias, sem dire ito a defesa juridica e, eventu-lrnente, submetidos a tribunais com poder de con-~enar a morte sem qualquer salvaguarda juridicado suspeito.Desde 1960 foram perpetrados no mundo 137 atos

    terroristas de grande repercussao. Talvez 0 terroris-mo seja a guerra possivel no mundo globalizado, aunica capaz de ser levada Slefeito e eventualmenteganha pelos fracos e perifericos, aqueles que se in-surgem por se sentirem ofendidos em sua cultura ereligiao.

    Como desmontar essa maquina de medo e de des-truicao? Todos somos confrontados com esta ques-tao. Ela remete a algo mais profundo do que a sim-ples politica de controle e repressao, Ela demandaurn novo paradigma de relacoes sociais que impos-sibilitem ou esvaziem 0 recurso ao terrorismo. Eaqui temos a ver com urn novo ethos de socialidade,cujos gonzos de sustentacao sejam 0 cuidado gene-ralizado, a responsabilizac;ao coletiva pelo bem co-mum, a participacao, a solidariedade e a compaixao,objetos de reflexao de nosso texto.

    3. A giobalizaQ8o do riscoA globalizacao trouxe, entre outras coisas, a pla-

    netarizacao da condicao humana e a consciencia deque Terra e humanidade possuem destino comum.Por isso devemos enfrentar juntos 0 futuro comourn sujeito unico, Isso nos obrigaria, normalmente,

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    a elaborar urn projeto planetario solidario e umagestae coletiva dos problemas, visando conferir sus-tentabilidade a vida do Planeta.Mas isso nao ocorre. Qualquer tentativa nesta li-

    nha e sistematicamente boicotada pelos grandes daTerra, encabecados pelos EUA, que se reunem anu-almente mais para discutir moedas e garantir suasvantagens do que para enfrentar coletivamente a si-tuacao social mundial, profundamente degradada einjusta. Nos foros mundiais nao se logrou nenhumacordo sobre as questoes realmente globais como 0clima, a agua potavel, 0 aquecimento do Planeta, asfontes alternativas de energia, a agricultura e a bio-diversidade. Nao