Ética e Regulamentação

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Ética e regulamentação na pesquisa antropológica Soraya Fleischer e Patrice Schuch [Orgs.] Rosana Castro, Daniel Simões e Bruna Seixas [Colaboradores] Brasília 2010

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tica e regulamentao napesquisa antropolgicaSoraya Fleischer e Patrice Schuch [Orgs.]Rosana Castro, Daniel Simes e Bruna Seixas [Colaboradores]Braslia2 0 1 0Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Bibliotecria Responsvel: Ktia Soares Braga (CRB/DF 1522)______________________________________________________________________________Fleischer, Soraya. (Org.)ticaeregulamentaonapesquisaantropolgica/SorayaFleischer,PatriceSchuch(Organizadoras);Rosana Castro, Bruna Seixas, Daniel Simes (Colaboradores) Braslia: LetrasLivres : Editora Universidade de Braslia, 2010. 248p.Contedo:EstaobraoresultadodoeventoticaeRegulamentaonaPesquisaAntropolgica,realizadona Universidade de Braslia em 12 e 13 de novembro de 2009. O livro mantm o formato de apresentao do evento e dividido nas seguintes partes: Parte I: Panorama da discusso sobre tica em pesquisa na antropologia; Parte II: Experincias concretas com a regulamentao externa pesquisa em antropologia e sociologia; Parte III: A perspectiva dos rgos regulamentadores. Cada parte possui diversos captulos seguidos de um comentrio que debate as ideias neles contidas. ISBN 978-85-98070-24-7ISBN 978-85-230-1246-51. Pesquisa com seres humanos, aspectos ticos e morais. 2. Pesquisa em cincias sociais e humanidades, aspectos ticos e morais. 3. Pesquisa em antropologia. 4. Pesquisa em sociologia. 5. Pesquisa em sade, anlise comparativa. 6. Pesquisa social e qualitativa, aspectos ticos e morais. 7. Pesquisa com seres humanos, regulamentao Brasil. 8. rgos de regulamentao em pesquisa Brasil. 9. Comits de tica em pesquisa Brasil. I. Schuch, Patrice (Org.). II. Castro, Rosana (Colab.). III. Seixas, Bruna (Colab.). IV. Simes, Daniel (Colab.). V. Oliveira, Luis Roberto Cardoso de. VI. Fonseca, Claudia. VII. Bevilaqua, Cima Barbato. VIII. Schuch, Patrice. IX. Porto, Dora. X. Vieira, Fernanda Bittencourt. XI. Ferreira, Luciane Ouriques. XII. Lima, Raquel. XIII. Fleischer, Soraya. XIV. Diniz, Debora. XV. Guilhem, Dirce. XVI. Novaes, Maria Rita Carvalho Garbi. XVII. Amorim, Elaine. XVIII. Alves, Knia. XIX. Schettino, Marco Paulo Fres. XX. Bermdez, Ximena Pamela. CDD 174.93CDU 179.7: 39______________________________________________________________________________ 2010 LetrasLivres.Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fm comercial.Tiragem: 1 edio 2010 400 exemplaresEste livro obedece s normas do Acordo Ortogrfco da Lngua Portuguesa promulgado pelo Decreto n 6.583, de 29 de setembro de 2008.Coordenao EditorialFabiana Paranhos e Sandra CostaCoordenao de TecnologiaJoo NevesPreparao dos Originais e RevisoSoraya FleischerPatrice SchuchRosana Castro Daniel SimesBruna SeixasApoio fnanceiroO projeto que deu origem a esta publicao foi fnanciado pela Fundao de Apoio Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), pelo Instituto de Cincias Sociais (ICS) e pelo Departamento de Antropologia (DAN) da Universidade de Braslia (UnB).Apoio para a realizao do seminrio tica e Regulamentao na Pesquisa AntropolgicaFundao de Apoio Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), Universidade de Braslia (UnB), Instituto de Cincias Sociais (ICS), Departamento de Antropologia (DAN), Laboratrio de Vivncias e Refexes Antropolgicas: Direitos, Polticas e Estilos de Vida (Laviver), Departamento de Sociologia (SOL) e Anis Instituto de Biotica, Direitos Humanos e Gnero.Reviso de Lngua PortuguesaAna Terra Mejia MunhozFoto da CapaJohan Hazenbroekstock.xchngArte da CapaRamon NavarroEditorao Eletrnica e LayoutLlian SilvaTodos os direitos reservados Editora LetrasLivres, um projeto cultural da Anis Instituto de Biotica, Direitos Humanos e GneroCaixa Postal 8011 CEP 70.673-970 Braslia-DFTel/Fax: 55 (61) [email protected] | www.anis.org.brA verso em PDF desta obra est hospedada para download gratuito no link: http://www.anis.org.br/arquivos_etica_antropologica.pdf.A LetrasLivres fliada Cmara Brasileira do Livro.Foi feito depsito legal.Impresso no Brasil.183A pesquisa social e os comits de tica no BrasilDebora DinizO CAMPO DA TICA EM PESQUISAO campo da tica em pesquisa recente. Sua histria confunde-se com a consolidao da medicina como uma rea de conhecimento entre a pesquisa clnica e a assistncia em sade (Beecher, 1966). No por acaso que os principais documentos sobre tica em pesquisa foram propostos por associaesbiomdicasouentidadesinternacionaisque regulamapesquisaclnica(CIOMS,1991;Unaids,2007; WHO,2000;WMA,1964).Essaidentidadebiomdicado campoanunciadanoapenasnoscasosconsiderados paradigmticosparaaticaempesquisataiscomoo EstudoTuskegee,nosanos1970(Reverby,2000),ou apesquisasobretransmissoverticaldoHIV/aidscom mulheresempasesafricanos,nosanos1990(Annas; Grodin, 1998) , mas principalmente na compreenso de o que uma pesquisa com seres humanos. Nessemarcohistricoedisciplinar,pesquisacom sereshumanosaquelaqueenvolveriscos,promete benefcioseproduzconhecimento(Brasil,1996).Traz consigoaideiadedescobertadeinteressepblico,cujo 184Debora Dinizalvo seria a promoo da sade. Mas no se estuda a sade como um fenmeno, e sim como as diferentes expresses dasdoenasoualteraescorporais.Porisso,essasso pesquisasqueenvolvempessoas,nasuagrandemaioria, emsituaodevulnerabilidade,sejapeladoena,por impedimentos corporais ou por qualquer outra variao do estado de sade de interesse dos campos biomdicos. Como regra geral, o signifcado da expresso pesquisa com seres humanos passa a ser pesquisa com pessoas vulnerveis (Rogers; Ballantyne, 2008). Aspesquisassociaistambmsorealizadascom pessoas. Assim como as pesquisas biomdicas, elas podem envolver riscos, prometer benefcios e produzir conhecimento (Diniz; Guerriero, 2008). A noo de descoberta aproxima-semaisdaatividadecriativaquedoencontrocomo desconhecido,cujaenunciao,comrarasexcees,no alterar o curso do conhecimento estabelecido. Nas reas sociaisehumanas,apesquisacompessoasnoindica oestgiointermediriodeumainvestigaoemquej foramrealizadostestesemanimaisnohumanosouem laboratrioparaamensuraoderiscosoutoxicidadede um novo produto. Desde as fases mais iniciais do estudo, como em um pr-teste para a validao de um questionrio, ataimersonotrabalhodecampo,comoocasoda etnografa, a pesquisa social sempre com pessoas. Estecaptulodescreveasprticasderevisodo primeiro comit dedicado tica em pesquisa de projetos comusodetcnicasqualitativasdeinvestigaoe/oude anlise dos dados, a fm de examinar os principais desafos da reviso tica de pesquisas sociais. O comit de tica em pesquisa do Instituto de Cincias Humanas da Universidade deBraslia(CEP/IH)foiofcializadoem2008,ocasioem que foi registrado no Sistema CEP/Conep de reviso tica no Brasil. Um projeto de pesquisa social aquele que faz uso de tcnicas qualitativas de investigao e/ou que adota perspectivasanalticasdascinciassociaisehumanas. Nestecaptulo,pesquisasocialserreferenciadano singular para demarcar a identidade entre os campos, mas h uma diversidade de tcnicas e mtodos utilizados pelos pesquisadores nas cincias sociais e humanas. O conceito de pesquisa social deve ser entendido, portanto, como um recurso argumentativo de contraste pesquisa biomdica.185TICA185TICA185TICA185TICA185TICA185TICAA TICA NA PESQUISA SOCIALApropostadecriaodeumCEPvoltadoparaas particularidades da pesquisa social resultou de um incmodo tico e disciplinar com os fundamentos epistemolgicos do modelopropostonoBrasil.Osrelatosdeincompreenso metodolgicadosprojetosdepesquisasocialquando submetidos reviso tica pelos rgos regulamentadores socomunsentreospesquisadoresdecinciashumanas e sociais, em particular daqueles que trabalham no campo dashumanidadesemsade(Luna,2007;Vctoraetal., 2004). Mas, por outro lado, a criao do comit foi tambm umaexpressodereconhecimentodalegitimidadeda reviso tica para as pesquisas sociais. Aps dois anos de funcionamento independente, o CEP/IH foi registrado como um comit vinculado ao Sistema CEP/Conep.OmodelodeCEPindependenteexisteemvrios pases,sendoaArgentinaumexemplointeressantepela permannciadaexperincia(Luna;Bertomeu,1998). Durante dois anos, o CEP independente foi um comit ativo pararefexessobreaspotencialidadeseoslimitesda Resoluo CNS 196/1996 para a reviso tica da pesquisa social.OfatodeoSistemaCEP/Coneptersidoinstitudo porumaresoluodoConselhoNacionaldeSadepode facilitaraemergnciadesistemasalternativosdereviso tica,umavezquemuitoscamposdisciplinaresnose veem representados na instncia mxima de regulao que o controle social em sade. O objetivo era antes garantir a liberdade de refexo e criao sobre o modelo institudo que confrontar a legitimidade do sistema vigente no pas. A experincia como comit independente foi decisiva para o funcionamento do CEP/IH.Aocontrriodoquesepossaimaginar,umCEP dedicado s questes ticas da pesquisa social no signifca ummovimentodesegregaointernoaosistemade revisoticaquesepropeuniversaleneutroquantos particularidadesdasreasdeconhecimento.Naverdade, exatamenteapresunodaneutralidadedisciplinardo sistema o que motivou a criao do CEP/IH como um espao de reviso tica e tambm de produo de conhecimento. importante lembrar que, apesar de o CEP/IH ser o primeiro dedicado pesquisa social, no o primeiro especializado emumareadepesquisaouemdeterminadastcnicas 186Debora DinizdeinvestigaonoBrasil.Vriasuniversidadespossuem comitssetoriais,particularmenteemfaculdadesde medicina,ecentenasdeoutroscomitsestolocalizados em hospitais ou centros de pesquisa no pas.Almderevisarosprojetosdepesquisasocial submetidos,amissodoCEP/IHavaliaroslimiteseas potencialidadesdamatrizticadosistemaderevisoem vigor.AmatrizquefundamentaoSistemaCEP/Conep uma combinao de princpios utilitaristas comuns sade pblica, tais como benefcios, controle de riscos e interesse pblico, com valores da cultura dos direitos humanos, por isso a emergncia de princpios como a autonomia individual, a proteo ao anonimato ou o sigilo dos participantes (Brasil, 1996;NCPHS,1995).Otermodeconsentimentolivree esclarecido (TCLE) uma pea que carrega a ambiguidade dessa combinao entre tradies ticas do utilitarismo e do liberalismo. O TCLE pode se converter tanto em um registro burocrticodeproteodosinteressesdospesquisadores e patrocinadores, eximindo-os de riscos pelo certifcado da informao prvia, quanto em um instrumento de proteo aos participantes pelo direito informao (Corrigan, 2003). Para a pesquisa social, o TCLE um dos dispositivos demaiortensocomomodeloderevisoticaproposto pelaResoluoCNS196/1996.Noespritodeproteo contratualquedeuorigemaoTCLE,oparticipantedeve serinformadoeesclarecidosobreriscos,benefcios, proteesedevoluodosresultadosantesmesmode apesquisaseriniciada(Luna,2008).Aexistnciadesse documentoseriaumaapostanatransparnciadeum encontroquemarcadamentedesigualentrecientistase participantes,entrepatrocinadoresegruposvulnerveis (Diniz, 2008a, 2008b). O TCLE a pea que, ao registrar os termos do encontro entre os interesses dos participantes easmotivaesdopesquisadoredopatrocinadordo estudo,protegeriaosparticipantes.Certamente,h pesquisas biomdicas sem patrocinadores ou mesmo sem riscosevidentessade,masomodelodeproteoque fundamentou o dispositivo do TCLE foi o da pesquisa clnica de um novo medicamento ou procedimento mdico de risco com populaes vulnerveis.Comoregrageral,apesquisasocialenvolveriscos semelhantes aos existentes nas relaes sociais cotidianas, por isso se qualifca como pesquisa de risco mnimo (Prentice; 187TICA187TICA187TICA187TICA187TICA187TICAOki, 2006). Assim como h excees s presunes de risco entre as pesquisas biomdicas, pode haver exceo tese do risco mnimo entre as pesquisas sociais (Diniz, 2008a, 2008b;Diniz;Guerriero,2008).Entretanto,considerando oexerccioinicialdecontrasteentreosdoiscampos,os regimesdeexcepcionalidadenoseroaquianalisados. A tese do risco mnimo exige, portanto, uma reconfgurao domodelocontratualdoTCLEparasersensvels particularidadesdapesquisasocial(Gordon,2003).No apenasporqueaparticipaonoestudonoacarreta danos vida, mas tambm porque o encontro de pesquisa parte de outros fundamentos morais, que recusam a lgica contratual, tais como a confana no pesquisador, o desejo daescuta,atrocasimblica,acumplicidadepolticaoua identifcao com o tema de estudo.Humsimulacrodasrelaescotidianasemmuitas tcnicasdeinvestigaoutilizadaspelospesquisadores sociais. A entrevista, talvez a tcnica mais adotada, reproduz o encontro entre duas pessoas com interesses mtuos. Uma boaentrevistaaquelaemqueopesquisadorseengaja genuinamenteemumatrocadeinformaespormeio daescutaativa(Hesse-Biber;Yaiser,2004).Oroteirode perguntas no o instrumento que garantir a validade dos dados, pois a escuta ativa exige uma contnua redescrio das perguntas perante a singularidade de cada pessoa. Isso no signifca que as tcnicas de entrevista prescindam de roteiros ou de planejamento por parte dos pesquisadores, mas simplesmente que a capacidade de planejamento deve sesubordinaraoimponderveldecadaencontroentre pesquisador e participante. Essapareceserumaambiguidademetodolgica insuportvel para os comits. Sem um roteiro de perguntas estruturadoesemagarantiadequeoTCLEser apresentado por escrito e assinado antes de a entrevista ter incio, muito provavelmente um projeto de pesquisa social no ser aprovado quanto aos aspectos ticos. Para o CEP/IH, cada percurso metodolgico necessita ser analisado em suas particularidades, o que signifca que no h regra pr-fxada de como deve ser conduzida uma boa entrevista de pesquisaafmdegarantiraconfabilidadeouveracidade dos dados. possvel atender solicitao de apresentao de TCLE oral em estudos de risco mnimo ou mesmo de TCLE porescritosomenteapsaentrevistatersidorealizada, 188Debora Dinizafmdeevitarodesconfortodanegociaocontratual antes do incio do encontro de pesquisa. A emergncia de estratgiasdeacolhimentodiversidadedisciplinares particularidades metodolgicas de cada projeto no altera ocursoderevisotica,cujoprincipalobjetivoode proteger os direitos e interesses dos participantes de uma pesquisa.O PERFIL DO COMITUma dvida que acompanha a proposio de comits temticos,taiscomoosexistentesemfaculdadesde medicina, em hospitais ou no CEP/IH, sobre a composio do colegiado. Seriam os membros advindos de um mesmo campodisciplinare,porisso,revisoresviciadosemsuas prticasdepesquisaehbitosdocampo?Seriamos comitscriadosparafacilitararevisoticadosprojetos dascomunidadesdeorigemdosmembrosdocolegiado, ao invs de assumirem o olhar distanciado para a proteo dosinteressesdosparticipantes?NocasodoCEP/IH,a insero institucional do comit na Universidade de Braslia nodefneoperfldisciplinardosmembrosdocolegiado, apenas indica o compromisso do comit em especializar-se nos desafos ticos da pesquisa social. Assim como previsto pelaResoluoCNS196/1996,ocolegiadodoCEP/IH multidisciplinar,comantroplogos,assistentessociais, enfermeiros,mdicos,psiclogos,socilogos,linguistas, flsofos, matemticos e pedagogos (Brasil, 1996).Asensibilidadedosrevisoresparaaprticada revisoticadeprojetosdepesquisasocialnosignifca cumplicidadecomospesquisadores.Assimcomoem qualquercomitcomexperinciaderevisodepesquisa clnica,ondeorepresentantedacomunidadepodelanar perguntas sobre o desenho de teste de uma nova vacina, osmembrosdoCEP/IHestoautorizadosaquestionar aeticidadedeumprojetodepesquisacomtcnicas qualitativas. Alm de um representante da sociedade civil, h no CEP/IH pesquisadores que no realizam estudos com sereshumanos,emumaapostadequeodistanciamento metodolgicodessesrevisoresprovoqueaindamaisas regrasdefuncionamentodecadacampodisciplinar.Mas, dadas as particularidades da pesquisa social, a clareza sobre 189TICA189TICA189TICA189TICA189TICA189TICAqualoobjetodetrabalhodoCEP/IHcontinuamente exigida de seus membros.O CEP/IH no um comit de reviso metodolgica, muitoemborareconheaacentralidadedodesenho metodolgicoparaarevisoticadeumprojeto.Noh julgamento sobre o estatuto de confabilidade das tcnicas depesquisapropostas.Oobjetodetrabalhoareviso ticadeumprojeto,oqueexigeumdeslocamentodo olharsobreosmtodosdepesquisaparaasmelhores estratgias de proteo dos participantes considerando as tcnicaspropostasporcadapesquisador.Humesforo por um trabalho educativo em parceria com a comunidade de pesquisa, abandonando qualquer pretenso de controle da liberdade de pesquisa que possa acompanhar o trabalho dos comits. O entendimento que a reviso metodolgica de cada estudo ser feita pelas comunidades disciplinares. Ao comit, cabe a reviso tica.Issonosignifcaqueopercursometodolgicode cada projeto seja secundrio reviso tica (Tauil, 2008). Aocontrrio,ametodologiacertamenteaseomais importante para o trabalho do comit, pois nela que esto explicitadas as formas de recrutamento, as estratgias de levantamentodedadose,principalmente,asgarantias ticas de proteo dos direitos e interesses dos participantes. O desafo que as questes ticas acompanham o percurso metodolgicodequalquerprojeto,sejaelebiomdico ousocial,masnoseconfundemcomviabilidadeou confabilidade metodolgica. A sutileza est em identifcar as implicaes ticas de cada opo metodolgica, afastando-asdeinquiriessobreoestatutodeconfabilidadedas tcnicas a serem utilizadas pelo pesquisador. A LEGITIMIDADE DO CAMPO DA TICA EM PESQUISANo h consenso sobre a legitimidade dos comits para arevisoticadapesquisasocial.Algumascomunidades disciplinares defendem mecanismos prprios de regulao dasboasprticasdepesquisae,portanto,consideram desnecessriaaparticipaodeespecialistasdeoutros campos na reviso tica de seus projetos. H ainda quem acreditequeaticanapesquisadeveserumaatribuio eresponsabilidadedecadapesquisador,nohavendo 190Debora Dinizrazes para question-lo antes da execuo do seu projeto. Poroutrolado,umasegundaordemdequestionamentos noreconheceautoridademoralnosistemadereviso ticavigentenopas,emparticularpelovisbiomdico desuasregras,prticaseoperaesdetrabalho.Osque defendem essa posio no rejeitam a reviso tica como umaatividadecoletivaemultidisciplinar,apenasnose reconhecem no modelo institudo. Aapostadogrupoaocriarumcomitespecializado na pesquisa social era de que a reviso tica podia ser uma tarefa coletiva e multidisciplinar. A sensibilidade s prticas dapesquisasocialfacilitariaotrabalhodeavaliaodos limitesepotencialidadesdomodeloderevisovigente, mas no deveria ser um requisito participao no comit. Os pesquisadores na interface das humanidades e da sade pblica foram compelidos pelas agncias de fomento e pelos peridicos cientfcos a submeter seus projetos de pesquisa ao Sistema CEP/Conep. Muito embora no haja obrigao legalderevisoticaparaaconduodeumapesquisa, h uma exigncia tcita com a vinculao da comunicao cientfcaaoSistemaCEP/Conep.Osprincipaisperidicos de sade pblica no aceitam artigos para publicao sem oprojetotersidopreviamenteaprovadoporumcomit quanto aos aspectos ticos. AvinculaodoSistemaCEP/Conepaosperidicos cientfcos foi o que fortaleceu, no Brasil, o sistema de reviso tica entre os saberes biomdicos. A crescente exigncia de reviso tica pelos peridicos de cincias humanas e sociais certamente ampliar o debate sobre a legitimidade do atual sistema para a pesquisa social. Se antes o desconforto com aidentidadebiomdicadocampodaticaempesquisa era uma experincia compartilhada entre os pesquisadores sociais das reas de sade, as fronteiras do debate sero alargadas com a crescente aproximao dos peridicos de humanidades.REFERNCIASANNAS, G.; GRODIN, M. Human rights and maternal-fetal HIVtransmissionpreventiontrialsinAfrica.American Journal of Public Health, v. 88, n. 4, p. 560-563, 1998.191TICA191TICA191TICA191TICA191TICA191TICABEECHER,H.K.Ethicsandclinicalresearch.TheNew England Journal of Medicine, v. 274, n. 24, p. 1354-1360, 1966.BRASIL.MinistriodaSade.ConselhoNacionalde Sade(CNS).Resoluo196/1996:diretrizesenormas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Braslia: CNS, 1996.CORRIGAN,O.Emptyethics:theproblemwithinformed consent. Sociology of Health & Illness, v. 25, n. 3, p. 768-792, 2003.COUNCILFORINTERNATIONALORGANIZATIONSOF MEDICALSCIENCES(CIOMS).Internationalguidelinesfor ethical review of epidemiological studies. Geneva: CIOMS, 1991. 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