ÉTICA NIC -livro V- Trad. Edson Bini

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'0 'iuro e a porta que se abre para a realizaqQodo homem ."

fo~".!&/ Yf"~I<~'

Arist6teles

~

ETICA

ANICOMACO

Traduceo, textos adicionais e notas

Edson Bini

edip~

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Etica a Nicomaco

AR1STOTELES

2" Edicao 2007

SUMARIOSupervisao editorial: J ai r L ot V i ei ra

Producao editorial: Alexandre Rudyard Benevides ME

Traducao, textos adicionais e notas: Edson Bini

Revisao: Ju l ia Caro lina de Lucca

Capa: Equipe EdiproNOTA DO TRADUTOR .

DADOS BIOGRAFICOS .

ARISTOTELES: SUA OBRA .

CRONOLOGIA .

Nutnero de CaM/ago : 1322

Dados de Catalog,,~ao na Fonte (CIP) [nternacional

(Camara Brastletra do Livre, SP, Brasil)

Arist6teles (384.322 a.C.)

Etica a Nic6maco I Arist6teles - traducao, textos adicionais

e notas Edson Binil Bauru, SP: EDIPRO, 2" ed., 2007. ETICA A NICOMACO ..

LIVRO I ..LIVRO 1 1 . .LIVRO III ..

Titulo original: HBLKo. NLKO~lCl.XELo.

ISBN 978·85-7283-593-0

1.Arist6teles - E tica 2. Etica L Bini. Edson. I I . Ti tulo .

01·6112

LIVRO IV 117

LIVRO V 145

LIVRO VI 177

LIVRO VII 201

LIVRO VIII 235

LIVRO IX 265

LrVRO X 291

CDU-185

indices para catalogo sistematico:

L Etica : Filosofia aristolelica : 185

edip~edieoes profissionais ltda.

Sao Paulo: Fone (11) 3107-4788 - Fax (11) 3107·0061

Bauru: Fone (14) 3234·4121 - Fax (14) 3234·4122

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LIVRO V1129a1 1. No que tange a justi~Q e a injusti~a temos que indagar pre-

cisamenle a que tipos de a<;6eselas concernem, em que sentido ea justice uma mediania e entre quais extremos 0 ato justa e media-

5 no. Nossa [presente] investiga~ao pade seguir 0 mesmo procedi-

mento de nossas investiqacoes anteriores.

Observamos que todos entendem por justice aquela disposi-

10 cao moral que lorna os individuos aptos a realizar alos [ustos e

que os faz agir justamente e desejar 0 que e justo, e analogamen-te, por injust i<;a aquela disposicao que leva os individuos a agir

injustamente e desejar 0 que e injusto. Assumamos, entao, essa

definicao a titulo de ponto de partida como latamente correta,

o fato e que nao ocorre coisa identica com disposicoes se

comparadas a ciencias e faculdades. Parece que a mesma facul-

dade ou clencia se ocupa de coisas opostas. Uma disposicao ou

condicao, entretanto, que produz um certo resultado nao produz

tarnbem os resultados opostos - por exernplo: a saude nao gera

15 acoes nao saudeveis, mas somente as saudaveis: 0 caminhar

saud ave I significa caminhar como urn homem saudavel caml-nha.!'?

Consequenternenta, as vezes a natureza de uma de duas dis-

posicoes opostas e infer ida da outra, as vezes as dlsposlcoes sao

conhecidas a partir das coisas nas quais sao encontradas; por

exemplo, se sabemos 0que e a boa condicao corporal, sabemos

20 a partir disso tarnbem 0 que e a rna condlcao corporal, mas sa-

119. Quer dizer, nao s igni fica concorrentemente andar I ropegamente ou a maneira, por

exernplo. de uma pessoa COM.

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146 ARISTOTELES

EOIPRO UVROV

bemos, inclusive. 0 que e a boa condicao com base em corp os

em boa condicao, e sabemos quais corpos estao em boa condi-

<;aose soubermos 0 que e a boa condicao. Assim, supondo que a

boa condicao seja a firmeza da carne, a rna condicao tera que ser

a flacidez da came, e uma dieta [ai imentar] geradora de boa con-

diC;aoprecisara ser urn dieta geradora de firmeza da carne.

E tambem se urn de dois grupos correlatives de palavras e uti-I izado em varios sentidos, segue-se, como regra, que 0 outro eutilizado tambern em varies sentidos - por exemplo, se "[usto"

t iver mais de urn sent ido, 0mesmo acontecera com "lnjusto" e

"injustica". Ora, parece que os termos justi~a e injustiqa sao usa-

dos em varios sentidos, mas como seus usos equfvocos apresen-

tam estreita conexao, 0equivoco nao e detectado, ao passo que,

no caso de coisas largamente distintas designadas por urn nome

comum, 0equivoco e relativamente 6bvio. Por exemplo (sendo a

diferenca consideravel quando se trata de diferenca external. 0

uso equivoco da palavra kleis120 (chave) para indicar tanto 00550

na base do pescoco quanto 0 instrumento com 0 qual trancamos

nossas portas.

Vamos apurar em quantos sentidos diz-se de um individuo ser

ele "injusto". Ora, 0 termo "injusto" e tido como indicative tanto

do individuo que transgride a lei quanto do individuo que toma

mais do que aquilo que lhe e devido, 0 individuo nao eqGitativo.

Consequenternente, fica claro que 0 homem que obedece a lei e

o homem equitativo serao ambos justos. 0 "justo", portanto,

significa aquilo que e legal e aquilo que e igual ou equitativo, e 0"injusto" significa aquilo que e ilegal e aquilo que e desigual ou

nao equitativo.121

Outrossim, uma vez que 0 indivfduo injusto e aquele que

toma a porcao maior, ele sera injusto no que toea as coisas

boas, nao todas as coisas boas, mas aquelas das quais depen-

25

30

1129b1

120. 0 grego I\t.w; (kleis) como 0 ingles key s ign i fica rn ta nto clavicula quanto chave,

121. Pelo que 0 leitor pode depreender que OIKalOcruVl1C; (dika iosi lnes) - jus!i~a. aOIKla<;

(ad ik ias) - injustica e os adjetivos corresponden!es [olKalOC; (dikaios) e aOll\o<; (adi·

kos)] t em. par urn Iado, 0senlido ample que indui aqueles do lfclto ( legal) e do eqiii-

tat ivo e. por out re , 0sentido rnais restrilo da virtude moral (respectivamente virtuoso,

nolo virtuoso. vido) concemente a condula individual corr eta no que respelta aos se-melhantes quando ganho ou perda (vantagem ou desvanlagem) - que afetam 0 agenle

ou as outras partes - esta em jogo.

E T ICA A N tCOMACO 147

LlVROV EDIPRO

dem a boa e a r n a sorte. Essas, ainda que sempre boas no sen-

tido absolute, nem sempre sao boas para uma pessoa em parti-

cular. Contudo, esses sao os bens pelos quais os seres humanos

5 rogam e que perseguem, embora nao devessem faze-lo: devern,

ao mesmo tempo que escolhem as coisas que sao boas para

eles, rogar que seja possivel que aquilo que e born absolute-

mente tarnbem 0 seja para eles [particularrnente].

o homem injusto, entre tanto, nem sempre escolhe a maior

porcao, ou seja, das coisas que, falando em termos absolutos, sao

mas, escolhe a menor porcao; mas, nao obstante isso, pensa-se

que ele toma mais do que Ihe e devido, porque 0menor entre dois

males parece, num certo sentido, ser um bern e tomar mais do que

aquilo que Ihe e devido significa tornar mais do que e devido do

10 bem. Vamos denomina-lo "nao equitativo" pois este e urn termo

lato e indui tanto 0tomar demasiado coisas boas quanta demasia-

do pouco as mas.

Por outro lade, vimos que 0 transgressor da lei e injusto e a-quele que a obedece, justo. Fica, portanto, claro que todas as

coisas l icitas sao justas num sent ido da palavra, pois aqui lo que elegal e decidido pela legislac;ao e as varias decis6es desta deno-

minamos regras de justice. Ora, todas as varies promulqacoes da

15 lei colimam ou 0 interesse comum de lodos, ou 0 interesse dos

mais excelentes, ou 0 interesse dos que detem 0 poder, ou algo

do genero, de sorte que, em urn de seus sentidos, 0termo "justo"

e apl icado a qualquer coisa que produz e preserva a felicidade, ou

as partes componentes da felicidade da comunidade polftica.

E a lei prescreve uma certa conduta. A conduta de um homem

corajoso, por exemplo. que consiste em nao abandonar seu pos-

20 to, nao fugir, nao jogar de lado suas armas; a condula de urn

homem moderado, por exemplo, nao comeler adul terio ou ult ra-

je; aqueJa de urn homem brando, por exemplo, nao ferir, nao

dizer 0 mal das pessoas; e assim com as acoes que servem de

exemplo ao resto das virtudes e vicios, proibindo estes e orde-

25 nando aquelas - corretamente se a lei tiver sido corretamente

[produzida e] promulgada, e nao tanto assim se foi produzida aesmo.

A justifa, entao, nesse sentido e uirtude perfeita, ainda que com

uma qualificacao, a saber, que e exibida aos outros [e nao no abso-luto] . Eis a razao porque a justice e considerada arnhide como a

 

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148 ARISTOTELES

EOIPRO LlVROV

virtude principal, nao sendo "nem a estrela vespertine ou a matuti-

na"122tao sublimes, de modo que dispomos do proverbio ...

30 Na Justica se encantra toda a Virtude somada.l23

E a justice e a virtude perfei ta por ser ela a pratica da vir tude

perfeita, alern do que e perfeita num grau especial, porque seupossuidor pode praticar sua vir tude dirigindo-a aos outros e nao

apenas sozinho, pols ha muitos que sao capazes de praticar a

virtude nos seus proprios assuntos privados, mas sao incapazes de

faze-lo em suas relacoes com outrem. E por causa disso que

113031 aprovamos 0dito de Bias124 segundo 0qual "a autoridade mos-

trani 0homem", pois no exercfcio da autoridade aquele que a

detern e levado necessaria mente a relacao com os outros e se

torna urn membra da comunidade.

A mesma razao, isto e , 0fato de impJicara relacao com alguern

mais, da conta do parecer de que a justica exc1usivamente entre as

virtudes e"0

bem alheio" porque concretiza0

que constitui a van-s tagem do outre. seja este alguem que detern a autoridade, seja urn

parceiro. Como cntao 0 pior dos homens e 0 que pratica 0 vicio narelacao com seus amigos bern como em relacao a si mesmo, 0

melhor nao e 0que pratica a vir tude em relac;ao a si mesmo, mas

aquele que a pratica em relacao aos outros, pols e essa uma tarefadeveras dificil. E a justlca, nesse sentido, por conseguinte, nao e

10 uma parte da virtude, mas a totalidade desta e 0 seu oposto, a

injustice, nao e uma parte do vicio, mas a totalidade deste (a distin-

C;aoentre a virtude e a justi(a nesse sentido sendo clara com base

no que foi dito: sao identlcas, mas sua essencia e diferenle: aquiloque e manifestado na relacao com os outros e justice - no ser sim-plesmente uma disposicao de um certo tipo e virtude).

2. Nosso objeto de investigacao, contudo, e a justiqa que e15 parte da virtude, uma vez que sustentamos que ha tal coisa, a

saber, a justica nesse sentido. Analogamente, estamos investigan-

do a injustice no sent ido particular. A existencia desta ult ima eprovada pelas seguintes consideracoes: [em primeiro lugar]

122 . Provavelmente ext rafdo da peca Me/anfpe de Eur ipides. e dizemos prouauelmenle

porque se trata de um trabalho perdido.

123. Atribuido a Te6gnis.

124. Bias de Priene (circa meados do seculo VI a.C} , pol it ico cons iderado um dos $eleSabios da antiga Grecia.

ET ICA A N ICOMACO 149

L IV RO V EOJPRO

quando um homem manifesta os demais vicios - digamos depoe

seu escudo acossado pela covardia ou emprega urna l inguagern

abusiva por mau genio, ou se recusa a ajudar um amigo median-

te dinheiro, por mesquinhez - embora es!eja agindo injustamen!e,

nao esta tomando mais do que sua parte de tudo isso; ao passo

que, quando um homem toma mais do que sua parte, freqiien-20 temente nao e devido a nenhum desses vicios e certamente nao

devido a totalidade deles, ainda que a despei to disso a acao efeti -

vamente exiba algum vicio, jil que a censuramos; a rigor, exibe 0

vicio da injustica, Por conseguinte, hc'iuma outra especie de injus-

tica que e uma parte da injustice no sentido universal e ha algumaeoisa injusta que e uma parte do injusto [no sentido mais abran-

gente] do que se opoe a lei. [Em segundo lugar] suponhamos que

25 dois homens cometam adulterio, um em busea de lucro, obtendo-

o mediante 0 ato, 0outre por desejo e tendo que pagar par isso

e, assim, mediante perda. Entao este ultimo seria considerado urn

desregrado e nao um homem que toma mais do que 0 que the edevido, enquanto 0 primeiro seria considerado injusto, mas nao

desregrado, [pelo que se infere que ej claramente pelo fato de

faze-lo pelo lucro que torna a acao injusta. [Em terceiro lugar) ao

passo que todos os outros atos injustos sao invariavelmente atribuf-

30 dos a algum vicio particular - por exernplo, 0 adulterio e atribufdoao desregramento, a desercao das proprias f ileiras a covardia, a

agressao a ira - urn ate injusto atraves do qual alquern auferiu

lucro na~ e atribuido a qualquer vicio salvo a injustice.

Conseqiientemente, e evidente que hit um outro tipo de injus-

tica alem da injustlca universal, a primeira estando contida na

1130b1 ultima. A desiqnacao e a mesma porque sua definicao se enqua-dra no mesmo genera, ambos os t ipos de injustice sendo expostos

na relacao que urn individuo tem com os outros. Entretanto, eo-

quanto a injustica no sentido particular tange a honra, ao dinhei-ro ou a seguranca, ou seja I ii qual for 0 termo que pudessernos

utilizar para englobar todas essas coisas, seu motivo sendo 0 pra-

zer do ganho, a injustice no sentido universal tange a todas as

5 coisas que constituern a esfera da virtude.

Assim, se evidencia que ha mais tipos de justice do que um

unico e que 0vocabulo possui um outro significado alern daquele

de virtude como um todo, Terernos, entao, que averiguar a natu-

reza e os atributos da justica nesse sen!ido especial.

 

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150 ARIST6TELES

EOI?RO LIVRO V

Ora, distinguimos dois significados do "injusto", especifica-

mente 0 ilegal e 0 desigual ou nao eqiiitativo, e dois significados

10 do "[usto", especificamente 0 legal e a igual ou equitativo. A in-

just ica, portanto, no sent ido previamente mencionado, cortes-

ponde ao significado "ileqal" , mas vista que 0nao equitativo nao

e 0 mesmo que 0 ilegal, mas deste distinto, e a ele relacionado

como a parte ao todo (pois nem tudo que e i1egal e nao equitati-vo, ao passo que tudo que e nao equitativo e ilegal), assim tam-

bern a injusto e a jnjusti~a no sent ido particular nao sao a mesmo

que 0 injusto e a injusti~a no sentido universal, mas destes distin-

tos, e a ales relacionados como a parte do todo, pais a injustice

15 nesse sentido e uma parte da injustica universal e, analogamente,a justi~a que submetemos agora a exame e uma parte da just iceuniversal. A n6s compete agora discutir a justice e a injustice,

assim como 0 justo e 0 injusto no sentido particular.

Dessa feita, podemos colocar de lade aquela justice que e co-exlensiva com a virtude em geral, sendo a pratica da virtude em

20 geral em relacao a alguern mais, e aquela injustice que e a praticado viclo em geral em relacao a alguern mais. Esta tarnbern clare

como deveriarnos definir a que e justo e injusto nos sentidos cor-respondentes, pois as ac;oes que nascem da virtude em geral sao,

fundamental mente, identlcas as acoes que estao de acordo com a

lei, uma vez que a lei prescreve a conduta que exibe as varies

virtudes particulares e proibe a conduta que exibe os varies vicios

25 particulares. Igualmente, as regras estabelecidas para a educacao

que torna um homem apto a vida social sao as regras geradoras

da virtude em gera!. Quanto a educacao do indivfduo como tal, a

qual torna um homem simplesmente um bam homem, a questaode apurar se isso e a funcao da ciencia politica au de alguma

outra ciencia devera ser determinada mais tarde. pols pareceria

que ser um bam ser humano nao e, em todo caso, 0mesmo que

ser um born ddadao.125

125. 0 eixo do pensamenta arl stotel ico - a etieo (esfera do individuo enquanto tal ) cami-

nha f iele metodicamente rumo ao politico (esfera do animal polit ico - essencia do ser

human a - onde este atualiza sua palencia e existe como cidadeo, jii que 0indlviduo

lsolado nao e . nao existe] , Pedimos encarecidamente ao leilor que ndo anteeipe 0 es-

tudo da Politico, 0que ser ia urn crasso erra de metodo: esse ultimo tratado e orsaniea-

mente a sequencia e cornpletarnento da Euca a Nicomaco, nao a senda emabsolute poraceso, mas por for~ inexoriivel da pr6pria coerencie intema do sistema eristoteltco.

ETICA A NICOMACO 151

LIVROV EOI?RO

30 A justice particular, por outro lado, e aquilo que e justo no

sentido correspondente a ela, e dividida [por sua vez] em dois

tipos. Um tipo e exercido na dist ribuicao de honra, r iqueza e os

demais ativos dlvlsivels da comunidade, os quais padem ser atri-

bufdos entre seus membros em porcoes iguais ou desiguais. 0

1131a1 outro tipo e aquele que supre um prlnclpio corret ivo nas transa-

coes privadas. Essa justiqa corretiua, por sua vez, apresenta duas

subdivisoes, correspondentes as duas classes de transac;6es priva-

das, a saber, as oolunttinas e as invoJunt6rias. Exemplos de tran-

sacoes voluntiirias sao a venda, a compra, 0 ernprestimo a juros,

a caucao, 0 ernprestimo sem juros, a garantia de pagamento, 0

arrendamento (estas transac;6es sendo qualificadas de voluntaries

porque sao voluntariamente assumidas). Das transacoas invo-

luntar ias algumas sao furtivas, a guisa de exemplo, 0 furta, 0

adulterio, 0 envenenamento, a prostituicao, a seducao au inci-

tac;ao de escravos, 0 assassinato a traicao, 0 falso testemunho;

outras sao violentas, como 0 assalto, 0 aprisionamentc, 0 crimede morte, 0 roubo mediante violencia, a mutllacao, a Iinguagemabusiva, 0 lnsulto,

10 3. Ora, visto que um homem injusto e alguem nao equitatlvo,

alern de ser 0 injusto, Iniquo, esta clare que correspondendo ao

iniquo (desigual), ha uma mediania, nomeadamente aquele que eigual, pols em qualquer tipo de aC;ao na qual ha um mais e urn

menos, e tambern admissivel 0 igual. Se, entao, 0 injusto e 0iniquo (desigual), 0 justo e a igual- uma posicao que recomenda

a si mesma a todos sem necessidade de evidencia: e uma vez que

o igual e uma mediania, 0 justo sera uma especie de mediania15 tarnbern. Por outro lado, a igualdade envolve no minimo dais

termos. E forcoso, em conformidade com isso, nao 56 (1) que 0

justo seja uma mediania e igual {e relativo a alga e justa para

determinados indivfduos}, 126 como tambem (2) que, na qualidade

de uma mediania, implique certos extremos entre os quais ele se

coloca, a saber, 0mais e 0menos, (3) que, na qualidade de igual,

implique duas porcoes que sao iguais e (4) que, na qualidade de

j~sto, ele envolva determinados individuos para os quais e justo,E, portanto, necessario se inferir que a justice envolve, ao menos,

126. 0 trecho entre chaves foi provavelmente interpolado.

 

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152 ARIST6TElES

. EOIPRO LIVROV

21 1

quatro termos, ou seja especificamente: dois individuos para os

quais h6 justi~al27 e duas porcoes que sao justas. E havera a

mesma igualdade entre as porcoes tal como entre os indivfduos,

uma vez que a proporcao entre as porcoes sera igual a proporcaoentre os individuos, po is nao sendo as pessoas iguais, nao terao

porcoes iguais - e quando as iguais detern ou recebem porcoesdesiguais , ou individuos desiguais [detern ou recebeml porcoes

iguais128 que surgem conflitos e queixas.

1550 tambern ressal ta como evidente a luz do principio da atri -

bulcao em funcao do merito. Todos estao concordes de que a

justice no que respeita as distribuicoes tem que ser baseada em

rneri to de algum tipo, embora nem todos queiram dizer 0mesmo

tipo de merito; para as democratas merito se identifica com a

condicao de homem livre; aqueles que sao adeptos da oligarquia

o ident if icam com a riqueza ou 0 bom nasctmento.F" os seguido-

res da aristocracia fazem desse merito a virtude. A justlca e , portan-

to, uma especie de proporcao, sendo esta nao apenas uma pro-priedade da quantidade numerlca, mas tambern da quantidade em

geral . A proporcao e uma igualdade de relacoes e que envolve, ao

menos, quatro termos.

(Que uma proporcao discreta tenha quatro termos esta daro,

mas isso tarnbem 0 tem uma proporcao continua na medida em

que trata um termo como dois e 0 repete; par exemplo, como a

linha que representa 0 termo a esta para a linha que representa 0

termo b, a l inha que representa 0 termo b esta para a linha que

representa 0 termo c; a Iinha aqui que representa 0 termo b eindicada duas vezes, de sorte que se for contada duas vezes, ha-

vera quatro proporcionais.)Assim, 0justo tambern envolve quatro iermos, no minimo, e a

relacao ou propOr~aOl30entre 0primeiro par de termos e identicaaquela entre 0segundo par, pois as duas linhas que represeniam

os indivfduos e porcoes sao divididas similarmenle; entao, como

o primeiro termo esta para 0 segundo, 0 terceiro esta para 0

25

30

1131bl

s

127. Ou seja, para os quais a justica seja efetivarnente justa.

128. Implicilos os prindpios basilares de que so pode hauer iguafdade entre iguais {a igualdil·

de nao pode ser lndlscri rninada e geri ll ] e de que estabelecer a igualdade entre iguais e

desiguais indiscriminadamente e injusta.

129 . Ou seja, a condicao nobre de nascimento, 0ber~o de aura.

130. No estrito sentido maternatico da palavra - em grego aVaAOYlCi(ana/ogia).

ETICA A NICOMACO 153

LIVROV EOIPRO

quarto e, conseqlientemente, por alternancia, como 0 primeiro

esta para 0 terceiro, 0 segundo esta para 0 quarto, e, inclusive,

como 0 primeiro esta para 0 segundo, do mesmo modo esta a

soma do primeiro e terceiro para a soma do segundo e quarto.

Ora, esta e a cornbinacao efetuada por urna dist ribuicao de por-

10 coes, sendo tal combinacao uma combinacao justa se indivfduos e

porcoes forem adicionados dessa maneira. 0principle da justilro

distributiva, portanto, e a conjuncao do primeiro termo de uma

proporcao com 0 terceiro e do segundo com 0 quarto; e 0 justo

nesse sentido e uma mediania entre dois extremes que sao despro-

porcionais, uma vez que 0 proporcional e uma mediania e 0justo eo proporcional.'?'

(Esse tipo de proporcao e charnada de proporcao geometrl-

ca 132 pelos matematicos uma vez que uma proporcao geometrica

e aquela na qual a soma do primeiro e terceiro termos apresenta-

ra a mesma relacao com a soma do segundo e quarto, como urn

termo de um par ou outro apresenta com 0outro termo. A justit;:a

15 distributiva nao e uma proporcao continua, pois seus segundo e

terceiro termos, um indivfduo e uma porcao, nao constituem urntermo singular.)

o justo nesse sentido e, portanto, 0proporcional e 0 injusto eaquilo que transgride a proporcao. 0injusto pode, assim, incorrer

no excesso ou na deficiencia (no "demasiado multo" ou no "de-

masiado pouco"), 0 que e realmente 0 que percebemos na prati-

ca. pois quando a injustica e feita, aquele que a faz (0 agente)

detem 0 excessivo do bem em pauta, e a vftima da injustica de-

20 tern 0deficiente ou insuficiente desse bern, ernbora seja vice versa

no ceso de urn mal, porque um mal menor comparado a urn

maior e t ido como um bem, porquanto 0 menor de dois males e

)I

131. Neste importantlssimo trecho, Arist6teles reduz a defini~ao do justo e da justi~a dtstr i-

bu tiva a urn enquadramento rnatemat ico, concluindo por uma especie de "equacio-namento" baseado nas regras do silogismo.

132. ...avw..OYlCivY€W!1€TPlI(I"jV.. (analogian geomelriken), 0que modemamente chama-

mos de propor~aD e nada mais . E oportuno Iernbrar que as rnaternatlcas para Arist6-

teles (e pa ra os gregos antigos) sao nomeadamente a aritmetica , a geometria, a har-

monia (mus ical e a ast ronomia, ou seja, a a lgebra esta ausen te , s implesmente porque

os gregos nao a conheciam. A dlgebra. como 0 proprio nome indica. e uma invem;ao

arabe: a proposi to . como se sabe, os gregos , como os romanos, representavam a pro .gressao numerica por letras.

 

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154 ARIST6TELES

EOIPRO L1VRO V

mais desejavel do que 0maior; entretanto, 0 que e [efetivamenteldesejavel e born, e quanto mais desejavel for, maior bern sera.

E esse, portanto, urn tipo de [ustica.

25 4. 0 tipo que rest a e a justiqa corretiua, a qual est a presentenas transacoes privadas, tanto voluntaries quanto involuntarias.

Trata-se de uma [ustica de carater diferente da anterior, pois a

justice na distribuicao dos bens comuns'P sempre se conforma arazao (proporcao) que descrevemos (visto que, quando uma dis-

tribuicao e feita dos recursos comuns.!" se seguira a mesma pro-

porcao existente entre as quant idades com que as varies pessoas

30 contr ibufram para os recursos comuns); e a lnjust ica que se opoe

a justice desse tipo e uma transqressao dessa proporcao. Mas 0

justo nas transacoes privadas, embora seja 0 igual num certo

sentido (e 0 injusto, 0 desigual), nao e 0 igual de acordo com a

1132a1 proporcao geometrlca, mas de acordo com a proporcao aritrneti-ca,l3S pois nao faz quaJquer diferenca se urn homem born trapa-

ceou urn homem mau ou se este trapaceou aquele, nem se foi urn

homem bom ou mau que cometeu adulterio; a lei apenas consi-

s dera a natureza do dano, tratando as partes como iguais, Iimitan-

do-se a indagar se alquem praticou injustice enquanto a outro a

sofreu, e se alguem praticou 0 dano e se 0 outro foi atingido.

Consequenternente, sendo 0 injusto aqui 0 desigual, 0 juiz se

empenha em toma-to iguat,136visto que quando alguem recebeu

urn golpe e 0 outro 0 aplicou, ou alquern matou e 0 outro foi

133.... K O LVWV . .• (koinon), ou seja, os bens publico" os bens que pertencem a comunidadepolftica.

134.... X P1 1J .l .C L1 WV K Ol VW V . .. (kremalon kolnon), literalmente 0 dinheiro publico, riqueza

em recursos pecunlarlos do Estado.

135. 0 que Arist6teles chama de (IVW.OYlftV apIBJ.l.l11tlO]vanalogian arithmetiken) cor-

responde ao nosso conceito rnetematico modemo de progressdo arilmelica. Quanto a"proporcao geometr ica", como ja explicitamos em nota anter ior, eo que entendernos

por propor~do simplesrnente.

136. Dai ser essa jusli ,a, concebida e apllceda pelos jufzes entre os per ticulares, corretiva

ou corretora, vale dizer , equalizadora. Embora para Aristoteles nao haja teorlce e ex-

plicitamente uma di, lin,ao entre 0 elico e 0 jurfdico (0 legal esta encerrado no etico,

ou , em out ras palavras, nao h ii uma ciencia aut6noma do di re ito, a qual os romanos

charnarao de jurisprudentia), ele estabelece implicilamente aqui a clara fronteira (que

existe na pratica) ent re a moral e 0 legal, visto que a [ustlca corretiva e para ele preci-

samente a justica dos tribunais, a justice per tinente ao dominic do que denominate-mos posteriormente direi!o e mais pertlcularmente direito civile direitopenal.

ETICA A NICOMACO 155

LIVROV EDiPRO

morto, a llnha que representa a sofrer e 0fazer no tocante a acaoesta dividida em partes desiguais, mas 0 juiz se empenha em

10 tome-las iguais mediante a penalidade ou perda por ele impos-

tas, retirando 0ganho. (0 termo "ganho" e usado numa acep-

t;ao geral de modo a aplicar-se a esses cas os, ainda que nao

seja, a rigor, apropriado a alguns deles, por exemplo retativamen-

te a uma pessoa que agride outra, nem 12a palavra "perda" apro-

priada a vitlma nesse caso; mas, aconteca 0 que acontecer, os

resultados sao c1assificados como "perda" e "ganho" respectiva-

mente quando a quantidade do dano recebido chega a ser esti-

15 mada.) Assim, enquanto 0 igual 12uma mediania entre mais e

menos, ganho e perda sao de imediato tanto 0 rnais quanta 0

menos de maneiras contraries, mais bern e menos mal sendo 0

ganho, e rna is mal e menos bern sendo a perda; e como 0igual,

que declaramos ser 0 justo e , como dissemos, uma mediania

entre eles , conclui-se que a justice corretiva sera a mediania entre

a perda e 0ganho.

Essa e a rezao porque, quando ocorrem disputes, os indivf-

20 duos recorrem a um juiz. Dirigir-se a um juiz e dirigir-se a justi-ca. pois 0 juiz ideal 12,por assim dizer , a just ice personificada. E

tarnbern os homens necessitam de urn juiz para que este seja

urn elemento mediano, pelo que, efet ivamente, em alguns luga-

res, ele e charnado de mediador, pols pensam que se ele atinge

a mediania, atinge 0 que 12usto. Assim, 0 justo e uma especie

de mediania na medida em que 0juiz e um meio (intermedla-

rio) entre os Jitigantes.

25 Ora, 0 juiz restaura a igualdade.!" Se representarmos a mate-

ria por uma linha dividida em duas partes desiguais, ele subtraido segmento maior aquela porcao pela qual e excedida uma

metade da linha inteira e a soma ao segmento menor. Quando 0

todo foi dividido em duas metades, as pessoas costumarn dizer

que assirn "tern 0 que Ihes cabe", tendo obtido 0 que e igual. Essa30 e, de fato, a origem da palavra otKaWv [dikaion (justol], que

significa olxa [dikha (na metade)l, como se alguern devesse cha-

ma-Io [e pronuncia- lo] olxmov {dikhaion} e um otKaOTllS

[dikastes Uuiz})fosse urn OlX<X<ITT ] Sdikhastes (aquele que estabe-

Ieee a metade)]. 0 igual e urna mediania por meio de proporcao

137. 1510 e, e le equalize ( restabelece) a igualdade onde ela Iol violada. Presume-se que aigualdade seja sempre anterior a desigualdade.

 

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156 ARIST6TELES

EOIPRO lIVROV

aritrnetica entre 0maior e 0menor. Po i s quando de do i s iguais

uma parte e subtraida de urn e adicionada ao outro, este ultimo

excedera 0 primeiro duas vezes aquela parte, ao passo que se

houvesse sido subtrafda de urn, mas nao adicionada ao outro,

1132b1 esle ultimo excederia 0 primeiro uma vez somente a parte em

questao. Portanto, 0ultimo excedera a mediania uma uez a partee a mediania excedera 0 primeiro do qual a parte Ioi subtrafda

uma uez aquela parte. Esse processo, entao, nos cepacitara a

apurar 0 que devemos subtrair da parte que tern demais e 0 que

5 adicionar aquela que tern pouco dernais: teremos que adicionar aparte que tem excessivamente pouco a quantidade por meio da

qual a mediania entre elas a excede e subtrair da maior das tresl38

a quantidade pela qual a mediania e por ela excedida. Que as

Iinhas AA. BB, e e sejam iguais entre si; que 0 segmento AE seja

subtrafdo da linha AA e que 0segmento CD seja adicionado aIinha e e, de maneira que toda a Iinha DCC exceda a Iinha EA

pelo segrnento CD e 0 segmento CF; entao DCC excedera BB10 por meio de CD.139

Os termos "perda" e "ganho" nesses casas sao emprestados

das operacces de permuta voluntaria, Nesse contexto, ter mais do

que 0que ihe cabe e chamado de ganho e ter menos do aquila que

15 se t inha no infdo e chamado de perda, como par exemplo no

comprar e vender e todas as demais transacoes que recebem a

imunidade da lei ;140 enquanto se 0 resuJtado da transacao nao

constitui nern urn aumento nem uma diminuicao, mas exatamen-

Ie 0 que as partes possufam elas mesmas, dizem que "tern 0 que

Ihes cabe" e nem perderam, nem ganharam. ConseqGentemente,

a justice nas transacoes involuntarias e uma mediania, num certosentido, entre 0 ganho e a perda: e ter depois da transaceo uma

20 quantidade igual a quantidade que se tinha antes dela.

5. Ha os que opinam que a simples reciprocidade e justiqa,

doutrina que era ados pitagoricos, que definiam 0 justo sim-

138. Quer dizer, a parte que tern dernesiedo a mediania e a parte que tern dernasiado

pouco.

139. Devido a abstracao, < Ii conveniente que 0 leiter trace num papel as linhas e segmentos

indicados pelo autor para facilitar a cornpreensao. Observe-sa que tanto CD quanto

CF sao iguais a AE .

140. Ou seja, transacoes legais. aprovedas pela lei.

J

III

ETICA A NICOMACO 157

lllJROV EDIPRO

plesmente como "0 so fre r r ecip ro co men te u ns em reiaqao cos

ourros"."!

A reciprocidade, entretanto, nao e coincidente nem com a jus-

25 tifO distributiua, nem com a justir,;acorretiua, ainda que as pessoas

queiram identifica-la com esta ultima quando citam a regra de

Radamanto, ou seja:

Sofresse um homem 0q u e f ez , a reta justir,;aseria feita.

Com efeito, em muitos casas a reciprocidade diverge da justlca.

Por exemplo, se alguem investido de autoridade agride urn ho-

memo nao e certo que esse homem Ihe devolva a agressao; e se urn

homem agride alguern invest ido de autoridade. nao bastara que a

30 autoridade 0 agrida, ja que ele tera tambem que ser punido, Por

outro lado, faz uma grande diferenca ser urn ato real izado com ou

sem 0 consentimento da outra parte. Mas no intercambio de servi-

cos, a justice sob a forma de reciprocidade e 0vinculo que rnantern

a assoclacao - reciprocidade, que se diga, com base na proporcaoe nao na igualdade. A propria existencia do Estado depende da

reciprocidade fundada na proporcao, pais os seres hurnanosreque-

1133a1 rem a capacidade de retribuir 0 mal com 0 mal - se nilo forem

capazes disso, sentirao que se encontram na posicao de escravos, e

pagar 0 bern com 0 bern. na falta do que nenhum intercarnbio

ocorre e e 0 intercarnbio que as une. E por isso que construfmos

urn santuario das Graces num lugar publ ico para lembrar aos ho-

mens que retribuam uma amabilidade, visto ser esta uma pecuiiari-

dade da gra~a, uma vez que consti tui urn dever nao so retribuir urn

service quando se foi 0 favorecido, como tarnbern num proximo

ensejo tomar a inicialiva de prestarmos urn service nos mesmos.

A retribuicao proporcional e efeluada numa coojuncao cruzada.

Por exernplo, suponhamos que A seja urn construtor, B um sapatel-

ro, C uma casa e D urn par de sapatos; requer-se que 0 construtor

10 receba do sapateiro uma porcao do produto do trabalho deste e

que Jhe de uma porcao do produto do seu.142 Ora, se a iguaJdade

baseada na proporcao entre os produtos for primeiramente estabe-

lecida e entao ocorrer a a~ao de reciprocidade, a exigencia indicada

tera sido atendida; mas se isso neo foi feilo, ° acordo comerciaJ nao

141. 0 que impli_Cilno plano moral pretico 11 deslorra e nequele espirituaJ a metempsicose

e0

carma. E tambern0

prindp io por t ras de lei de tal iao.142. A diagonalidade da coniuncao sera expllcitada na imedlata sequencia.

 

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158 ARIST6TELES

EDIPRO L li lR O V

apresenta igualdade e 0 intercambio nao precede, pois pode aeon-

tecer que 0 produto de uma das partes tenha mais valor do que

aquele da outra e, nesse caso, par conseguinte, terao que ser equa-

lizados, 0 que tambern e verdadeiro no que se refere a s demais15 artes, pols deixariam de existir se 0 seu agente nao produzisse e nao

recebesse 0 equivalente quantitativa e qualitativamente do que 0

elemento passivo recebe; pois uma associacao que visa ao inter-

cambio de services nao e formada por dols medicos, mas por urn

medico e um agricultor e geralmente par pessoas que sao diferen-

les e que e possivel serem desiguais, ainda que nesse caso te-

nham .que ser equalizadas, Consequenternente, todas as coisas

permutadas tern que ser de alguma forma cornensuraveis, Foi

para atender a essa exigencia que os seres humanos introduziram

20 0 dinheiro; de uma certa forma 0 dinheiro constitui Urn termo

medic, ja que ele e uma medida de todas as coisas e, assim, do

valor superior ou inferior destas, 0que vale dizer, quantos pares de

sapatos equiualem a uma casa ou a uma dada quantidade de ali-

mento. A quant idade de pares de sapatos trocados por urna casa

ou {por uma dada quantidade de alimento} 143 tern, por conseguin-

te, que corresponder a proporcao de reciprocidade entre 0constru-

tor e 0sapateiro; na ausencie dessa proporcao recfproca, nao have-

25 ra qualquer cornerclo e nenhuma associacao e tal proporcao nao

pod era ser assegurada a nao ser que as mercadorias em questao

sejam iguais de alguma forma.

E necessario, portanto, que todas as mercadories sejam medi-

das por algum padrao, como foi dito anteriormente. E esse pa-

drao ou unidade e , na realidade, demanda, aquila que rnantern a

coesao de tudo, ja que se os seres humanos deixassem de ter

necessidades ou se mudassem suas necessidades, 0 intercambio

nao perduraria ou seria efetuado em Iinhas distintas. Mas a de-

manda passou a ser convencionalmente representada pelo di-

30 nheiro, razao pela qual 0 dinheiro e chamado de vouiouo; (no-

misma)l44 porque nao existe por natureza, mas por convencao

(vouo; (nomos) 1 e pode ser alterado e inutilizado itvontade.r"

143. Ent re as chaves aparente insercao com 0 objetivo costumeiro, ou seia, completamen-

10 da ldeia.

144. NOj.lIOflO: (nomisma): moeda corrente.

145 . Ou seja, a moeda pode, tal como teve seu uso e valo r estabelecidos por convencao,

le·los tambern descon linuados em virtude de convencao, permanecendo apenas 0

valor do melal enquanto metal.

ETICA A NICOMACO 159

LIVROV eOIPRO

Havera.•portanto, proporcao recfproca quando os produtos fo-

ram equacionados, de maneira que, da forma que esta 0agricul-

tor para 0 sapateiro, podera estar 0 produto do sapateiro para 0

133b1 produto do agricuItor. E quando eles trocam os seus produtos tern

que reduzi-los a forma de uma proporcao, caso contrar lo urn dos

dois extremes encerrara os dois excessos; ao passo que quando

eles tern 0que lhes cabe sao, entao, iguais e capazes de formar

uma associacao, po is a igualdade nesse sent ido pode ser estabe-

5 leeida no caso deles (agricultor A, alimento C, sapateiro B, produ-

to do sapateiro equalizado D); enquanto se fosse imposslvel efe-

tuar a proporcao recfproca dessa maneira, nao poderia haver

assoclacao entre eles.

Que e a demanda que, servindo como urn padrao unico,

mantern a coesao dessa associacao, e mostrado pelo fato de que,

quando nao ha demanda de rnutuo service quanto a ambos, ou

ao menos, quanto a uma das partes, nao oeorre qualquer inter-

cambio entre eJes {como quando alguern necessita de algo que

alguern ja tern, por exemplo, 0 Estado a ofereeer uma licenca de

10 exportacao de trigo em troca de vinho}. 146 Essa desigualdade de

demanda tern, portanto, que ser equalizada.

Ora, 0dinheiro nos serve como uma garantia de troca no fu-

turo; supondo que nao precisemos de nada no momenta, ele

assegura que a permuta sera possfvel quando surgir uma necessi-

dade, pais atende a exigencia de alguma coisa que podemos

produzir a titulo de pagamento, nos possibilitando obter aquilo de

que precisarmos. 0 dinheiro, e verdadeiro, e tao suscetfvel it flu-

tuacao da demanda quanto as outras mercadorias, vista que seu

poder de eompra varia nos diversos perfodos; mas, tende a serrelativamente conslante. Consequenternenta, e apropriado que

todas as mercadorias tenham seus precos estabelecidos, 0 que as-

rs segurara que a comercio e, consequenternenta, a associacao se-

rao sempre possiveis . 0 dinheiro, entao, e util como uma medida

que da comensurabi lidade as coisas e, assim, as reduz a igualda-de. Se nao houvesse permuta, nao haveria essoclacao, e e impos-sivel haver permuta sem igualdade e nenhuma igualdade sem

eomensurabilidade. Embora, assirn, seja impossivel para coisas

146. OTudo ind ica que se t ra la de uma interpolacao , nesse caso poUCDesclarecedora e aledesconexa do assunto, pois Arist6teles nao esta tratando aqui do cornercio exterior.

 

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160ARIST6TELES

EOIPROlIVROV

20

tao diferentes se tornarem estritamente comensuravels , a dernan-

da que experimentamos propicia uma medida COll)umsuficien-

temente axata no que tange a finalidades prat icas. E forcoso que

haja algum padrao que seja ace i to por consenso (raza_opor qu~ e

chamado de nomisma, moeda corrente), pois tal padrao transmite

comensurabil idade a todas as coisas, uma vez que todas podem

ser medidas pelo dinheiro. Suponhamos que A seja uma cesa, B

dez minas e C uma carna. A e a metade de B se 0 valor da casa

for equivalente ou igual a cinco minas; a cama, C, vale urn deci-

mo de B' disto conclui-se claramente quantas camas igualam uma

cesa, au' seja, cinco. Esta claro que a permuta era feita dessa for-

ma com a existencia do dinheiro, porern uma vez existente uma

taxa au referendal de troca e indiferente se sao cinco camas que

sao permutaveis por uma casa, ou se 0valor em dinheiro de cin-

co camas.

Acabamos de definir 0 que sao a justica e a injust ice. Com ba-

se na definiceo dada, fica evidente que a conduta justa e umamediania entre fazer e sofrer iniustica, pois fazer injusti~a e disporde excesso e sofre-Ia e dispor de deficiencia au insuficiencia. E a

justica e urn modo de observar a mediania, ainda que nao da

mesma forma que 0sao as outras virtudes, mas pelo fato de estar

ela relaclonada a uma mediania, ao passo que a injustica esta

reladonada aos extremes. Alerndisso, a just ice e a qual idade em

funcao da qual diz-se de um homem que esta disposto. a !az~r ~or

livre escolha aquilo que e justo, posto que quando esta distribuin-

do coisas para si e outrem, ou entre duas outras pessoas, nao

concede demasiado a si mesmo e demasiado pouco ao seu seme-

Ihante do que e desejavel e demasiado pouco a si mesmo e de-masiado ao seu semelhante do que e mdesejavel ou prejudicial,mas a cad a urn 0 que e proporcionalmente igual, e analogamente

quando distribui entre duas outras pessoas. A injustice, ao contra-

rio, esta semelhantemente reladonada aquilo que e injuslo, 0queconstitui um excesso au deficiencia desproporcionais de alguma

coisa benefice ou nociva. Conseqilentemente, a injustice e exces-so e defeito no sentido de que resulta em excesso e defeito, no-

meadamente, no proprio caso do ofensor , urn excesso de qual-

quer coisa que e , em termos gerais, benefica e uma daflciencla de

qualquer coisa nociva, e no caso dos outros, ainda qu~ 0 resulta-

do como urn todo seja identico, 0 desvio da proporcao, 0 qual

pode ocorrer em qualquer dire<;ao, conforme 0case,

25

30

1134a1

10

EnCA A NICOMACO 161

LIVRO V EDIPAO

No ato injusto, ter demasiado pouco e sofrer a injustica, aopasso que ter demasiado e fazer (cometerj a injustlca.

15 Isso e 0 que se pode asseverar sobre a natureza da justice e da

injustice e do justa e do injusto em termos universals.

6. Mas, urna vez que alguem pode cometer injust ice sem real-

mente ser injusto, nos cabe indagar que especie de atos injustos

acarretam que 0 agente seja injusto no tocante a cada tipo de

injustice - por exemplo: urn ladrao, urn adul tero ou urn assal tan-

teo Por certo a solucao desse problema nao reside na diferenca

entre esses t ipos, po is um homem pode manter relacoes sexuais

20 com uma mulher ciente de quem ela e , 0 motivo desse ato nao

sendo uma escolha deliberada, mas simplesmente paixao; e nesse

caso, embora tenha ele cometido injustica, nao e urn homem

injusto; por exemplo, um homem neo e um ladrao, ainda que

culpado de furto; nao e um adultero, ainda que tenha cometidoadulterio, e assim por diante."?

A relacao entre a reclprocidade e a justice jil foi indicada.

25 Mas nao devemos olvidar que a mater ia que e objeto de nossa

Investiqacao e , qualificadamente, a justica no sentido absoluto e a

justice politica. .Justica politica quer dizer justice entre pessoas

livres e (real ou propordonalmente) iguais, que vivem uma vida

comum com a finalidade de salisfazer suas necessidades. Conse-

qilentemente, entre indivfduos que nao sao livres e iguais, a justi-

ca polftica nao pode existir,lqS porem apenas urna especie de

30 justice nurn sentido metaf6rico, pois a justica s6 pode existir entre

147. 0 leiter, certamente, se lernbrara de que essas a~6es injustas sao conslderadas por

Aristoteles. dentro da eslera da justica corretlva, trensacoes invD/untarias dos indivi-

duos particulates. De resto, 0 pr6pr io sensa comum nos diz que e completamente di-

Ierente fu rtar uma coisa ou ou tr e "urna vez na v ida" e ser urn ladrao prof lss ional ; ou

"pu ler a cerca" urn vez ou ou tre e ser u rn sedu tor inveterado de mulheres casadas. Euma rnt ida questao do ethos [costume/carater).

148. 0 escravo e urna proprledade: perante a lei neo e sequer uma pessoa e, muito me-

nOS, e urn cidadao. A capacidade de agir justa ou injustamente esta restr ita a pessoa eao cidadao. Assim, qualquer aC;ao legal. que envo lve a jus tic;a e a injus ti ,a , tern sem-

pre 0escravo como objeto e nunca como agente Ol lsu je ito; sornente seu dono (que el ivre) pode tanto agir justa ou injustamente quando dir iqir -se ao juiz, representar 0 es-

crave proprio, re iv indicar seus di re itos em relacao a ele e r esponder pelas a~6es dele

perante a lei e perante outros proprietanos de escravos.

 

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162ARISTOTELES

lIVROVEOIPRO

1134bl

aqueles cujas relacoes mutuas sao reguladas pela lei e esta existe

no selo daqueles entre os quais ha uma possibilidade de injustica,

uma vez que a adminlstracao da lei implica a distincao entre 0

justo e 0 injusto. Pessoas, portanto, entre as quais h a possibilida-de da existencia da injustice podem agir injustamente entre si

(ainda que a a<;ao injusta nao envolva necessariamente a injusti-

ca), agir injustamente significando atribuir-se uma porcao excess i-

vamente grande das coisas geralmente boas e uma porcao exces-

sivamente pequena das coisas geralmente mas. Eis a razao por-

que nao admitimos que um ser humano governe, mas a lei,IQ9

porque um homem governa em seu pr6prio interesse e se conver-

te nurn tirana; mas a funcao de um governante e ser 0 guardiaoda justica e, se assim 0e (ou seja, da justice}, entao da igualdade.Um governante justo parece nao tirar qualquer prove i to de seu

cargo, pois nao dirige a si pr6prio uma P OT! $aO maior das coisas

geralmente boas, a nao ser que isso seja proporcional aos seus

rneritos: pelo contrario, ele se empenha pelos outros, 0 que con-corda com 0 dito mencionado anter iormente, de que "a justice eo bem do outro".l50E, par conseguinte, alguma recompensa deve

Ihe ser dada sob a forma de honra e dignidade. Sao aqueles que

nao se satisfazem com tais recompensas que se tornam tiranos.

A justice entre 0 senhor e 0escravo e entre 0pai e 0 f ilho nao

e identica a justica polltica e it absoluta, mas apenas analoga a

elas. Isso porque nao existe a injustica no sentido absoluto quanto

ao que nos pertence, e uma prcprledade" ou um filho ate que

alcance uma certa idade e se tome independente e, por assim

dizer, uma parte de n6s mesmos e ninguern opta por prejudicar a

si mesmo; consequenternente, nao pode haver injustice contra

5

10

149 .... CtPXElVCtv9pw!tOv. aJ..ACt 'tOY vouov . .. (orkhein onthropon, 0110 ton nomon) -

alguns helenistas. do ponto de vista do estabelecimento do texto, indicam AOYOV

[logon (rezac)! em lugar de VOJ. lOV [nomon (leill.Nao vimos porque deixa rmos de se r

fieis aqui ao texto de Bekker, porque nos parece que nesse contexte 0conceito de ra-

zao se mostra muito amplo e generico e quica, ate nao partinente, pois Aristoteles est ii

a s vol ta s com a just ice, a qua l i rnpl ica neces sa ri amenle a l ei . mas nao a lei nacessar i-

amenle racional ou a razao. Como Aristoteles , ao tocar na justica pcl it ica, ja anlecipa

seu desagrado pela monarqula despotica ou absolut is ta . 0 leitor cncontrara a resposta

mai s s ansfetor ia a essa quest ao no deuido tempo quando chegar a hora de estudor a

Politico; que e. corno ja enfat izamos, apos estudar a Elica 0Nic6moco.ISO E IV W I $ <lO W aya90v '111vOIKCt IOc r \ lV l 1V . .• (eineai fosin agothon ten dikoiosunen).

151. Kn1J . lCt . . . (ktemo). bens em geral , espec:ialmenle bens movers; mas aqui Aristotelesse relere a um bern movel especifico: 0 escravo,

ET ICA A N I COMACO 163

L I VRO V EOIPRO

eles e, portanto, nada justo ou injusto no sentido politico: isso

porque 0 justo e 0 injusto, como jil vimos, estao incorporados na

lei e existem entre pessoas cujas relacoes estao naturalmente re-

15 guladas pela lei, isla e, pessoas que participam igualmente do

mand ar e do ser mandado. Por conseguinte, a justice existe num

grau rnais completo entre marido e mulher do que entre pai efilhos ou senhor e escravos; com efeito, a justice entre marido e um-

Iher e j u st ir ;o d ome st ic ol52 no sentido efetivo, ainda que isso, tam-

bern, seja diferente de justir;o politico.

7. A jus tir;o poffiico e em parte natural, em parte convencional.

Uma regra de justica natural e aquela que apresenta identica

validade em todos os lugares e nao depende de nossa aceitacao

20 au inaceltacao. Uma regra convencional e aquela que, em primei-

ra lnstancia, pode ser estabelecida de urna forma ou outra indife-

rentemente, ainda que, uma vez estabelecida, deixa de ser indi-

ferente. Por exernplo: que 0 resgate de urn prisioneiro seja no

valor de uma mina, que um sacrlflcio consista em um bode e nao

em duas ovelhas, e quaisquer regulamentos promulgados para

alender a casos particulares, por exernplo, 0 sacriffcio em honra

de Brasidasl53 e ordenacoes sob forma de decretos especiais,

Algumas pessoas pensam que todas as regras de justice sao me-

ramente convencionais.P' porque enquanto uma lei da natureza e25 imutavel e tem a mesma validade em todos os lugares, como 0

fogo que queima tanto aqui como na Persia, observa-se que as

152.... OIKOV0 J .l IKOV OIKCtLOV.. . (oikonomikon dikaion) - na socledade grega antiga. a

esfera da OLKOC; (oikos), que signif iea casalfam ilia num senttdo tao amp lo que niio

pode ser contemplado por esses vocabulos (a oikos e 0 dominio do OE<mOUlC ;

(despoles), pai e senhor absoluto de esposa, f ll hos, e sc ravos. anlma is, habit acoes, i rn-

plementos agrfcolas. terras e bens i rnoveis em gemll se distingue daramenle da esfera

pohtt ca , ou sej a, a esfera da nOAI' ; ' (polis). a saber, aquela do Estado e do cidadec. Epor i sso que Aris to te le s a fi rma que a [us ti ca ent re esposo e esposa e diferenle da justi-

~a pohtica. Entretanto, embora 0 fil6sofo tenha sempre nil ida a dis tinl ;ao entre 0 pri-

vado, 0 dornestico e 0 publico. como 0 ser humane e 0 animal polftico, as esferas do

privado e do dornestico (OIJ (OVOJ. lLKOV) devem €Slar contidas (no duplo sentido des sa

palevra) na esfera do politico.

153. Segundo 0relalo de Tucidides, 0espar tano Brasides em 424 a .C. tornou Anffpoli s

independenle do jugo aten iense e mor reu em 422 a.C, lu tando con tra Cleonte na sua

defesa. To rnou-se urn her 6i da cidade e em sua honra cram celebr ados jogo s e sacri-

fidos.

154. Provavel alusao aos sofls tas.

 

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ARIsr6TELES

164LlVRO V

EOIPRO

30

regras da justice variam. Afirmar que as regras da justice variam

nao e verdadeiro em termos absolutos, mas apenas com a pre-

senca de [certas] qualifica<;oes. Com efeito, entre as deuses talvez

nao seja verdadeiro de modo algum; mas em nosso mundo, embo-

ra haja isso que chamamos de juSt i<;anatural, todas as regras dajustica sao variaveis. Mas, nao obstante isso, ha _0 ~ue reput~mos

ser a justi<;anatural, bern como a justica que nao .e ~etermmada

pela natureza, e [afigura-seJ fadl ver quais regras da ]US~I<;a,mbora

nao absolutes sao naturals e quais nao sao, mas legalSe conven-

cionais, ambos esses tipos sendo igualmente mutaveis. A mesma

dlstincao sera aplicavel em todas as outras materias; por exemplo, a

mao direita e naturalmente mais forte do que a esquerda; no entan-

to, e possivel que qualquer homem se tome ambidestro.

As regras da justice baseadas na conven<;a? e na :onve~ii~n~ia

sao como medidas padroes. A s medidas de trlgo e vinho nao sao

iguais em todos as lugares, mas sao maiores n.oa~acado e ~en~-

res no varejo. De modo analcqo, as regras da jusnca que nao sao

ordenadas pela natureza, mas pelo ser humano, nao sao a~ m,:_s-

mas em todos as lugares, visto que as formes de governo nao sao

as mesmas, ainda que em todos os lugares haja apen~~ uma for-

ma de govemo que e natural, a saber, a melhor forma.

As varias regras da justica e da lei estao relacionadas as acoes

que a elas se conformam como os universals ao particular.::s: ~o~s

enquanto as acoes real izadas sao muitas, cada regra au lei e urn-

ca, sendo universal.

Ha uma diferenca entre aqui/o que e injusto e a conduta injus-

ta e entre aquila que e justo e a canduta justa. A natureza au u~apromulqacao declara uma coisa como injusta: quando es~a COIS~

e realizada tem-se uma conduta injusta; ate que seja reahzada, e

apenas inj~sta. Algo analogo se aplica a conduta justal56

(ou ~ais

exatamente a aqao justa,I';7 que e 0 termo geral, conduta Justa

indicando a retifica~ao de uma conduta injusta).

Teremos, posteriormente, que considerar as varies regras d~

justica e da lei, enumerar seus varies tipos, descreve-los e as COI-

ses as quais concernem.

35

1135al

5

10

15

155. Ver a Po/{tica na imediata sequencia deste tratado {obra no rol dos Cldssic:osEdipro).

156. OumlwJ.lU (dikaioma).

157. OIKUlonpayru.w. (dikaiopragema).

EriCA A NICOMACO 165

LIVRO V EOIPRO

8. Sendo acoes justas e injustas como descrevemos, sera a sua

execucao voluntaria que constituira a conduta justa e a conduta

injusta. Se alquem as realiza involuntariamente, nao se pede dizer

dele que agiu justa ou injustamente, salvo incidentalmente, no

sentido de que realiza um ate que acontece ser justo ou injusto.Se, portanto, urna acao e ou nao e um ate de injustice, ou de

20 justice, depende de seu cunho voluntario ou lnvoluntario. Quan-

do e voluntaria, 0 agente e culpado e somente nesse caso e aacao urn ate de injustice, de sorte que e possivel a urn ato ser

injusto sem ser um ala de injustica se a qualiflcacao da voluntarle-

dade estiver ausente.l58 Por uma ac;ao voluntaria, como foi ex-

presso antes, entendo qualquer a\;aO que esteja dentro do pr6prio

controle do agente e que ele real ize cientemente, isto e, sem estar

insciente da pessoa afetada, do instrumento empregado e do

25 resultado (por exemplo, e imperioso que saiba quem agride, com

que arma equal 0efeito do golpe); e, em cada urn desses aspec-

tos, e preciso que sejam excluidos 0 acidente e a coercao. Porexemplo, se A se apoderou da mao de Be com ela golpeou C, B

nao foi urn agente voluntar io, uma vez que 0 ate nao esteve sob

seu controls; ou, por outro Iado, se urn individuo agride seu pai

sem saber que se trata de seu pai, embora ciente de que esta

30 agredindo alguern e que, talvez, seja uma ou outra das pessoas

presentes; 15 9 e a ignorancia pode ser analogamepte.deflnida com

referenda ao resultado e as circunstancias da a~ao geralmente.

Um ate involuntarlo e , portanto, um ato realizado na ignorimcia

au, adicionalmente, um ato que, ainda que nao realizado na

iqnorancie, nao se acha sob 0 controle do agente ou e real izado

sob coacao, visto que existem tambern muitos processos naturals1135b1 que sao executados au sofridos cientemente, embora nenhum

deles seja voluntario au involunlario,16Oa exemplo a processo de

envelhecimento e a morrer.

158. A suti leza Ii tnevltavel. Entretento, a ideia Ii s imphssima: atendo-se ao que Arist6teles

enlende por vo/unlario, 0que determina necessariamente a axistencia de a~6es justas au

injustas e a presence da vontade no agente. Aquele que nao tern vontade propria e que

na o sabe 0q ue fe z, como faz e para quem faz e inqualifici'ivelde a,50 justa au injusla.

159. Ou seja, em rela,ao a s quals nao desconhece que seu pai pode ser uma delas,

160.... UKOUOIOV . .. (akousionl e considerado aqui pe r a lguns grandes heienis ta s, como R.

Rackham, como uma insercao espur ia , Segundo e les, e possivel que Arist61eles hou-ves se regist rado "sob nosso control e" , Por cer to , i sso responde mai s a ccerencia in-

lerna do lexto.

 

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166 ARISTOTELES

LIVRO VOIPRO

5

Tambem urn ato pode ser ou justo ou injusto incidentalmente.

Urn indivfduo pode devolver urn dep6sito involuntariamente e

por recear as consequenclas de deixar de faze-lo e, no entanto, einadmissfvel que digamos que realizou 0justo, ou que ele agiu

justamente, a nao ser de maneira meramente incidental; analo-

gamente, de urn individuo que sob coacao e contra sua vontadedeixasse de devolver urn deposito, 56 se poderia dizer que agiu

injustamente ou que realizou 0que e injusto incidentalmente.

Por outro lado, os atos voluntaries estao divididos em atos reali-

zados por escolha e atos voluntaries realizados na ausencia de

escolha, os primeiros sendo aqueles executados apos deliberacao

e os ultirnos aqueles executados sem previa deliberacao,

Ha, portanto, nas trensacoes humanas tres formas de ofensa.

Uma ofen 5a efetuada na ignor€mcia e um erro (engano), a pessoa

afetada, a ato, 0 instrumento ou ° resultado se revelando distintos

daquilo que a agente sup6s - por exemplo, alguem nao pensou

em ferir, au nao com aquele proj etil, ou nao aqueJa pessoa, ou

nao visando aquele resultado, mas sucedeu que au 0 resultado foi

diferente do esperado (digamos, nao pretendia causar urn feri-

menta mas apenas uma punctum), au a pessoa, ou a projetil

foram distintos do que 0agente supunha. Quando a ofensa suce-

de conlrariamente a uma expectativa plausivel , estamos diante de

urn infortunio (erro invo/untario); quando, embora nao contraria

a uma expectativa razoavel, a ofens a e feita sem rna intencao,

temos urn erro cu/p6ve/, pois urn erro e culpavel quando a causa

da ignorancia de alguern reside nesse proprio alguern, e, no en-

tanto somente um infortunio (erro involuntario) quando a causa

e externa a propria pessoa. Quando uma ofensa e feita ciente-mente mas nao del iberadamente, t rata-se de urn ate de injustiqa,

tais cdmo as ofensas feitas motivadas pela ira ou quaJquer outra

paixao da qual 0ser humane e necessaria ou naturalmente susce-

livel; admite-se que ao cometer essa forma de ofensa 0 individuo

age injustamente e sua aC;ao e urn ato de injustica, mas ainda

asslrn, isso nao slgnifica que esse individuo seja injusto ou mau,

pois a ofensa nao fol cometida par ma!dade. Quando, contudo,

uma ofensa e feita par escolha, a ofensor e injusto e mau. Conse-quentemente, nao se ere acertadamente que atos devidos a irarepentina sejam realizados com ma-te premeditada, uma vez que

foi a pessoa que fez a provocacao que desencadeou0

ata e nao

10

15

2D

25

ETICA A NICOMACO167

lIVRO VEOIPRO

aquele que a executou num acesso passional. E, ademais, a ques-

tao em pauta nao e 0 fato au acontecimento em sl, mas a justlfl-

cacao (pols e a injustice aparente que desperta a ira); nao se

30 questiona 0 fata da ofensa (como vemos nas transacoes comerciais

quando uma das partes tem que ser um patife, a nao ser que

discutam os fatos devido ao esquecimento); concardam quantaaos fates, mas discutem quanta ao lado em que se encontra a

justica, de sorte que uma das partes acha que foi injustamente

tratada e 0outra nao concorda com isso. Por outro lado, alguem

que comete uma ofensa intencionalmente neo esta agindo na

1136al ignor<'mcia;mas se urn homem faz uma ofensa com urn prop6sito

estabelecldo [por livre escolha] e culpado de injustic;a e injustica

do tipo que lorna 0 seu agente urn homem injusto, se tratar-se de

urn ato que viola a propor<; ;ao ou a igualdade. Similarmente, al-

guern que age justamente de prop6sito [por livre escolha] e urn

indivfduo justo, mas considerando-se que ele age justamente

somente se agir voluntarlamente.l'"5 Das ac;6es involuntarias algumas sao perdoaveis e outras nao.

Erros nao simplesmente perpetrados na ignorilOcia, mas gerados

pe/a ignorimcia, sao perdoavels, aqueles cometidos na ignorilOcia,

porern nao causados par essa ignorancia, mas par paix6es nao

naturals ou inumanas, sao imperdoavels.

10 9. Mas e possfval que nossa discussao do sofrer e fazer injusti-

ca nao tenha side suficientemente consumada, cornecando nos

par indagar se a assunto e como Euripides formulou nas estra-nhas Iinhas abaixo:

Matei minha miie: eis 0resumo de minha hisioria!

Estauos tu disso desejoso ou niio desejoso?

161 ~ Este trecho e tan to de surna irnportancla quanto J igeiramente inl ricado. A s ... TpIWv 5"

ouotev ~)._apwv ... (Trion de ouson blabon), ou seja, I res [Iormas] de ofensa parecem

ser cinco. Mas sao realrnente Ires. Expliquemos. As Ires forrnas sao: CLmXTlIm [oWkhema

(inforninlo, erro involuntarloj]: CLJ.wpnlJ.I!l [omortema (erro c ul pa ve ll ] e C LO IK ll J. lC L

[adikema (ato de injusti<;:a)). Ora, aliikhemo engJoba 0 engano (0 quat tambem e um

erro involuntdrio e descu/pdvel) e adikema subdivide·se no ato de injus ti<; :a cometido

passional rnente (1) . que nao reve la maJdade , e 0 ato de injus ti ca come tido p roposi -

talmenl e (2) , que manifesta a maldade - ou seja 0 p rimei ro (1) e realizado com cien-

cia, mas sern proposlto deliberado, ao passo que 0 segundo (2) e praticado com cienc ia

e com p roposi to de liberado (esco lha ] no sent ido de ofender .

 

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16B ARIST6TELES

EDI?RO LIVRoV

15 E realmente possfvel sofrer injustica voluntariamente ou, pelo

contrario, sofre-la 12sempre involuntario, exatamente como agir

injustamente e sempre voluntario? E, por outro lado, e sofrer aInjustice sempre voluntario, ou sempre involuntario, ou as vezes

uma coisa e as vezes outra? E analogamente quanta a ser tratadojustamente, agir com justice sendo sempre voluntario, Assim, seria

razoavel supor que tanto ser tratado injustamente quanto ser t ra-

tado jus tamente sao, de maneira semelhante, opostos a agir injus-

tamente e agir justamente respectivamente, ou seja, que ou am-

bos sao voluntaries ou ambos invohmtatios. Mas soaria paradoxal

afirmar que mesmo ser tratado justamente e sempre voluntario,

uma vez que 05 individuos sao, em certas ocasioes, tratados jus-

tamente contra sua vontade. 0 fato e que uma questao suple-

mentar precisa ser levantada, a saber, e precise declarar-se de um

homem que foi vilimado por algo injusto que ele foi tra tado injus-

tamente, ou sera a mesma coisa apllcavel no que respeita ao

sofrer e ao fazer algo injus to? E poss ivel ser urna parte nurn atojusto, seja como seu agente, seja como seu objeto, de maneira

incidental, 0mesmo sendo c1aramente verdadeiro no que toea a

urn ato injusto; fazer a que e injusto nao e identico a agir injusto-

mente, e tarnpouco e sofrer 0 que e injusto identico a ser tralodo

injustamente, 0 mesmo se revelando verdadeiro quanto a agir e

ser tratado justamente, pois e impossivel ser tratado injustamente

a nao ser que 0outro aja injustamente, ou ser tratado justamenle a

nao ser que esse outrem aja justamente.

Mas se agir injustamenle e simplesmente fazer 0mal a alguem

voluntariamente e votuntariomente significa conhecer a pessoa

afetada, 0 instrumento e a forma da ofensa. se concluira tanto

que 0 individuo de aulocont role deficiente, na medida em que

voluntariamente prejudice a si mesmo, voluntariamente sofre

injustice, como que e tarnbsm possivel a urn individuo agir lnius-

tamente consigo mesmo (uma vez que a possibilidade disso tam-

bern e questionada). Ademais, a falta de autocontrole pode tornar

urn individuo voluntariamente sujeito a ser prejudicado por outro,

o que, mais uma vez, provaria que e possivel sofrer injustica vo-luntariamente. Mas talvez haja incorrecao nessa definicao do agir

injustamente e devessernos acrescentar a s palavras fazer mal co-

nhecendo 0pessoa afetpda, a instrumento e a forma de ofenso a

qualiflcacao complementar contra 0 desejo do pessoa afetada. Se

for assim, embora urn homem possa ser prejudicado e possa ter

20

25

30

1136b1

5

ETICA A NIC6MACO169

LIVRO VEOI?AO

sido vf tima de algo injusto perpetrado contra ele voluntariamente

ninquern pode sofrer injustica voluntariamente porque ninquern

deseja ser prejudicado, inclusive 0 descontrolado, que age contra

esse desejo, pols ninguem deseja algo que nao julgue sei born,

embora 0 homem descontrolado realmente faca coisas que nao10 julga que deve fazer. [A proposito] de alguern que de 0que e seu,

como Homero diz que Glaucon deu a Diomedes ...

...objetos de auro par bronze,

o preco de cem bois par aouele de nove ... 162

...nao se pode dizer que sofre injustice, pois 0 dar se encontra

no proprio poder de alguern, enquanto 0 sofrer injustic;a nao;

contudo, tern que haver uma outra pessoa que e aquela que ageinjuslamente.

Disso tudo se conclui, com clareza, que nao e possivel sofrerinjustica voluntariamenle.

15 Ainda restam duas ques toes que nos propusemos a discutir. A

primeira e : e sempre aquele que d o a porqiio excessiva que eculpado da injustiqa au 0 e aquete que sempre a recebe? A se-

gunda 12:e otguem capaz de ogir injustamente contra si mesmo?

[Sao questoes conexas.) Na possibilidade da primeira alterna-

tiva, ou seja, se for 0caso daquele que da e nao daquele que

recebe uma pon:;ao excessiva ser quem age injustamenle, entao

quando urn individuo de maneira consciente e voluntaria atribuir

uma porcao maior a urn outro do que a si mesmo - como se

20 pensa que as pessoas recatadas costumam fazer, pois urn homem

virtuoso tende a tamar menos do que Ihe 12devido - teremosdiante de nos urn caso de agir injustamente consigo mesmo. En-

tretanlo, pode ser que essa enunciacao requeira tarnbern qualifi -

cacao, pois 0 homem que atribuiu a si mesmo a porcao menor

possivelmente tenha obtido uma porcao rnalor de algum outre

bern, por exernplo de gloria ou nobreza intrfnseca. Ademais, a

inferencia pode ser afas tada se nos referirmos a nossa deflnicao

do agir injustamente, ou seja, no caso suposto 0doador em paula

nada fez consigo cont ra seu desejo, de sorte que nao sofre injust i-

25 ca simplesmente porque lorna a porcao menor - no maximo sofreapenas prejufzo.

162. lliad«, vi. 236.

 

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170 ARISTOTElES

EOIPRO LIVRD V

E fica clare que 0doador bem como 0 recebedor de uma por-

C;ao indevida podem estar agindo injustamente e que nao seja 0

recebedor que 0esteja fazendo na total idade das situacoes - isso

porque a acusacao de injustice se prende nao a um homem do

qual se pode dizer que realiza 0 que e injusto, mas aquele do qualse pode dizer que 0 realiza voIuntariamente, ou seja, um homem

no qual reside a origem da at_;ao,e a origem da ac;ao nesse caso

reside no doador e nso no recebedor da porcao.

Outrossim, realizar uma coisa e uma cxpressao de mais de um

significado. Num certo sentido, um assassinate e executado pelo

30 instrumento inanimado, ou pela mao do assassino, ou por um

escravo que age sob ordens. Mas ernbora estes "facarn" 0 que einjusto, nao se pode deles dizer que agem injustamente.

Ademais, ainda que um juiz tenha proferido uma sentence

nao equitativa na ignorimda. ele nao e culpado de injustica, nem

a sentence e tampouco injusta no sentido legal da justica (embora asentence seja injusta num sent ido, pois a justiqa iegaP63 difere da

justice no sentido primordial), ainda que pronunciando ele cien-

1137al temente uma sentence injusta, esta , ele proprio, tomando mais do

que sua porcao de gratidao ou de vinganca. Conseqilentemente,

um juiz que profere uma sentence injusta par esses motivos toma

mais do que lhe e devido exatamente como se estivesse partilha-

do do procedimento da injustice, pois mesmo um juiz que atribuisse

um pedaco de terra sob essa condicao nao receberia terra, mas

dinheiro,

5 Os seres humanos pens am estar em seu poder agir injusta-

mente e. por conseguinte, que e facil ser justo. Mas, na realida-

163.... VOI.HKOV OlKCUOV (nomikon dikaion). Aristoteles acena para urn sen lido juridico da

justice, que e diferente daquele senlido original (moral. 110lKCX;' 'Hiea). a problema,do qual e le se da conta na imediala sequencia . e que embora esse acepcao seja d ife-

rente, nao pode se contrapor ao sentido primordial moral, pois a lei [ representada pe-

10 juiz - que e 0 mediador) esta inser ida, tarnbern ela, na esfera da juslic;a corretive.

Na verdade, esse magno problema. a nosso ver formulado negaliuamenle por Arlsto-

teles, persisle ate os dias de hoje sem solucao satisfatoria: a relac;ao entre 0 dire ito e a

just ica, Sendo a lei . a regra legal. uma mera convencao , por cer to ela pode ser injusla

(na Apologia de SOcrates escrila por Platao, aquele se curve a lei injusla que 0leva arnorte, entendendo que se nao deve se retralar de seu pensamento f ilosof ico. por outro

lado, a le i e soberana, ainda que injusta. Ora, sera urna questao de lei injusta ou de justi-

falegal?

Este ultimo conceito nos parece tanto artif icioso, dubio e comedo quanto uminstrumento praqmattco para desarticular 0descornpatibillzar 0juridico do moral.

ETtCA A NICOMACO 171

LIVRO V EDIPRO

de, nao e assim. E Iacil deitar-se com a esposa de um vizinho,

agredir um outro ou subornar urn homem, estando no poder de

alguern realizer essas coisas ou nao; contudo, reallza-Ias como

resultado de uma certa dlsposlcao de esplrito ou de carater ediffcil e nao esta no poder de alguern, De maneira semelhante,

10 os seres humanos imaginam que nao requer qualquer sabedoriaespecial saber 0 que e justo e 0 que e injusto, porque nao edificil entender as coisas sobre as quais a lei se pronuncia. Mas

as acoes fixadas pela lei sao apenas acidentalmente acoes jus-

tas. Entretanto, saber como uma a\=ao deve ser executada e

como uma distribuicao deve ser feita de maneira a serern uma

a\=ao justa e uma distribuicao justa e rna i s difkil do que saber

qual tratamento medico devolvera a saude a um enfermo.

Mesmo na medicina, embora seja faci! saber que sao bans para

15 a saude 0 mel, 0 vinho, 0 heleboro, a cauter lzacao e a incisao,

saber como, para quem e quando os utilizar de modo a obter

uma cura e tarefa somente para quem e [realmentel um medi-

co. E por essa mesma razao se pensa que 0 homem justo pode

agir injustamente nao menos do que justa mente porque 0ho-

mem justo nao e menos mas, antes, mais capaz do que outro de

realizar qualquer ato injusto em particular; por exemplo, ele e

20 capaz de deitar-se com uma mulher [casada] ou assestar um

golpe [num vizinho], bem como urn homem corajoso e capaz de

depor seu escudo, alern de ser capaz de p6r-se em fuga para a

direita ou para a esquerda. Mas ser um covarde e ser culpado

de injust ica nao consiste em fazer essas coisas (salvo acidental-

mente), porern em faze-las a partir de uma certa disposlcao de

espfrito e de carater, tal como ser um medico e curar os proprlos

25 pacientes nso e uma questao de uti lizer ou nao uti lizer cirurgiaou medicamentos, mas em faze-lo de uma certa maneira.

Reivindicacoes de justlca ocorrem entre indivlduos que com-

parli lham de coisas que sao, em termos gerais, boas e que podem

obter porcoes demasiado grandes ou demasiado pequenas dessas

coisas boas. Ha seres que nao podem ter uma porcao demasiado

grande desses bens - indubi tavelmente, por exemplo, os deuses.

E ha aqueles que nao conseguem extrair nenhum beneficio de

qualquer porcao deles, a saber, as maus incuraveis; a estes todas

as coisas geralmente boas sao danosas. Mas para outros sao be-

30 neficas dentro de certos llrnites, no que se inserem os seres hu-

manos.

 

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172ARlsr6rELES

EOIPROLIVROV

10. Ternes. a seguir , que nos referi r a eoisidade e ao eqOitati-

VOI64 e a relacao destes com a justiqa e com 0 que e justo, respec-

tivamente, pois quando examinadas afigura-se que justice e eqtli-

dade nao sao nem absolutamente identicas nem genericamente

diferentes. Por vezes, e verdade que louvamos a eqiiidade e 0

homem equitativo a tal ponto que chegamos a empregar a pala-

vra equitativo como urn termo de aprovacao de outras coisas

alern do que e justo e a empregamos como 0 equivalente de

1137b1 born, querendo dizer com mais equitativo meramente que uma

coisa e melhor . Em outras oportunidades, todavia, quando sub-

mete mas a palavra efetivamente ao crivo da razao, nos parece

estranho que a eqilitativo devesse ser louvavel uma vez ser ele

alga distinto do justo. Se sao diferentes, [urn deles:) 0 justo ou 0

5 equitativo nao e bom; se ambos sao bans, sao a mesma coisa

(identicos).

Eis at as consideracces, em carater aproximativo, que fazem

nascer a dif iculdade no que lange ao eqOitat ivo, mas que, ainda

assim, sao todas, de urna certa forma, corretas e nao realmente

incoerentes; pois a eqOidade, embora superior a uma especie de

justica, e , ela mesma, justa: nao e superior a justice ao ser gene-

ricamente distinta dela. Justica e eqilidade sao, portanto, a

10 mesma coisa, sendo ambas boas, ainda que a cquidade seja

a melhor.

A origem da dificuldade e que a equidade, embora justa, ndo

e j us ti qa l eg al , porern retiflcacao desta. A razao para isso e que alei e sempre geral; entretanto, ha casos que nao sao abrangidos

pelo texto geral da lei [ou por esta ou aquela regra legal gerall.

Em materias, portanto, nas quais embora seja necessario discur-lS sar em termos gerais, nao e possivel faze-lo corretamente, a lei

164. Em€IKEICt (epieikeia) e EmEIKE<; (epieikes). Especialmenle para 0 estudante do direito,

estes conceitos de Aristoteles sao extraordinariamente irnportantes, pais e base ado nelesque 05 grandes juristas rornanos (particulannenle a partir do ecletico Marco TlilioCicero)

aportarao ao conceito de aequitos, que e 0 fundamento de todo 0 direito romano como

axpressao pragmatica do ius d icere . ou seja, da pratica forense e judicial, na qual 0juiz

utiliza para proferir suas sentences rnais propriamente urn lato sensa de justi~, aplicavel

flexivelrnente a especif icidade dos casas (no qual a consoencia moral capitaneada pela

clemancia esta necessariamente presente alern da interpreta~ao do espfr ito da lei). do

que a mera api lcacao rnecan ica, seca e acadern ica da let ra de lei e da jur isp rudencia .Toda a ciencia juridica ocidental deve ao Estagirita esse fulcro mdlspensavel,

EriCA A NIC6MACO 173

LlVROV EOJPAO

~om~em consideracao a maioria dos casos, l65 embora nao esteja

insciente do erro que tal coisa acarreta. E isso nao faz dela uma

lei errada, pois 0 erro nao se encontra na lei e nem no legislador,

mas na natureza do caso, uma vez que 0 estofo das questoes

praticas e essencialmente irregular. Quando, portanto, a lei esta-

belece uma regra geral e, posteriormente, surge um caso queapresenta uma excecao a regra, sera, entao, correto (onde a ex-

pressao do legislador - em funcao de ser ela absoluta - e lacunare erronea) retificar 0defeito (preencher a lacuna) decidindo como

o proprio legislador teria ele mesmo decidido se estivesse presente

na ocasiao em particularl66 e teria promulgado se tivesse sido

conhecedor do caso em questao. Consequenternente embora 0

:quitat i~o ~e!a j~sto e seja superior a uma especie de justic;a, nao

e_supenor a justice absoluta, mas apenas ao erro devido a expres-sao abs~luta._ Esta e a natureza essencial do equitativo, ou seja, euma .rehfica<;aoda lei onde a lei e lacunar em funcao de sua ge-

neraltdade. Com efeito, essa e a razao porque nao sao todas as

c.oisas_determinadas pela lei ; pelo fato de haver alguns casos [e

situacoas] em relacao aos quais e lmpossfvel estabelecer uma lei

e necessaria a existencia de um decreto especial; pois aquilo que ~

e~eproprio indefinido s6 pode ser medido por urn padrao indefi-

nido, como a regua plurnbea usada pelos construtores de Lesbos:

tal como essa regua nao e rfgida, podendo ser f1exibilizada ao

formato da pedra, um decreto especial e feito para se ajustar a scircunstancias do caso.

Es.ta claro agora 0 que e eqi li tativo, que este e justo e que esuperior a um tipo de justice. E [tambem] daqui se pode conclulr

c!aramente ~u~m e 0 homem equitativo: ele e alguern que por

escolha e habito faz 0 que e eqUitativo, e que nao e inflexlvel

quanta aos seus direitos, se contentando em receber uma porcao

menor mesmo que tenha a lei do seu lado. E a disposicao corres-

pondente e a cquidade, a qual e um tipo especial de justica e, de

modo aIgum, uma qualidade diferente.

20

25

30

113801

165. No sentido modemo de precedentes juridicos arquivados pelo tribunal ou seja,

"[urlsprudencia". '

166. Ou seja , se est ivesse no tugar e "na pele" do juiz.

 

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174 ARIST6TELES

EOIPRO lIVROV

11. A discussao precedente apontou a resposta para a ques-

s tao, qual seja: E possioe! ou ndo a um indivfdua cometer injustir;a

contra si mesmo? Uma dasse de acoes justas consiste nesses atos

(em conformidade com qualquer virtude) que sao determinados

pela lei. Por exernplo, a lei nao ordena que urn homem mate a si

mesmo e aquilo que nao ordena expressamente, ela profbe. A-

demais, quando urn indivfduo voluntariamente (o que significa

com conhecimento da pessoa afetada e do instrumento utilizado)

comete uma ofens a (nao a titulo de desforra) que contraria a lei,

esta cometendo injust ice. Mas aquele que comete suicfdio num

acesso de descontrole emocional, voluntar iamente comete uma

10 ofensa (em oposicao it razao) que nao e permit ida pela lei, de

forma que 0suicide comete injustica - mas contra quem? Parece

ser mais contra 0Estado do que contra si mesmo, pois ele sofre

voluntariamente e ninguem sofre iniustica voluntariamente. Essa ea razao porque 0Estado fixa uma pena - 0suicldio e punido por

certos estigmas de ignomfnia, como sendo uma ofensa cometidacontra 0 Estado.l'"

Que se acresca que nao e possivel agir lnjustamente contra si

15 mesmo naquele sentido no qual 0 perpetrador da injustica 0 eapenas enquanto tal e nao uma pessoa rna em termos gerais.

(Esse caso e distinto do primeiro, porque a injustica, nurn certo

sentido, e uma forma especial de rnaldade, como a covardia, e

nao implica maldade geml; conseqiientemente, e adicionalmentenecessario demonstrar que urn homem nao pode cometer injusti-

ca contra si mesmo tarnbern nesse sent ido.) Pois se 0 fosse, seria

possivel para a mesma coisa ter sido subtrafda e adicionada a

20 mesma coisa simultaneamente, 0que e impossivel, visto que ajustlca e a injustice envolvem sempre e necessariamente rnais do

que uma pessoa. Por outro lade, um ato de injustic;:atem que ser

volunterio e executado por escolha, alern de nao ter sido provo-

cado; nao pensamos que urn lndivfduo age injustamente se, [a)

tendo sofrido, ele se desforra e da 0 que recebeu. Mas quando

um homem fere a si mesmo, ele tanto faz quanto sofre a mesma

coisa concomitantemente. Outrossim, 5e urn homem pudesse agir

167. Nas vanas cldades-Estado helenicas, essa puni~ao envolvia principalmente a restr lcao

a s tndtspensavels cer im6nias reliqiosas do funeral e, em alguns casos, acerretavam ate

o nao sepultamento de parte s do corpo do suicida, ou 0 seu sepu ltamenlo fora do

dominio da propriedade familiar (OlK~ • oikos). fora da propria cidade (Estado), etc.

ETICA A NIC6MACO 175

LIVRO V EOIPRO

injustamente contra si mesmo, ser ia possivel sofrer a injustice

voluntariamente. Que se acresca ainda que ninguem e culpado de

injustica sem que tenha cometido algum ato injusto particular .

25 Ora, um homem nao pode cometer adul terio com a propria espo-

sa, arrombamento de sua propria habi tacao ou furto de seus pro-

prios bens.

E, em terrnos geraiS, a questao: pode um homem agir injusta-

mente contra si mesmo? e respond ida pelo que deliberamos em

torno desta outra questao: pode um homem sofrer injustiqa oolun-

tariamente?

(E , ademais, evidente que, embora sofrer e cometer injustice

30 sejam ambos males - posta que 0 primeiro e ter menos e 0 se-

gundo e ter mais do que a mediania, equivalendo esta ao que e a

obtencao da saude na medicina e a obtencao da boa forma ffsica

no atletismo - entretanto, cometer injustice e 0 pior mal , pois erepreensfvel, acarretando 0 vicio no agente e vicio completo e

absoluto, ou aproximativamente isso, pois e verdadeiro que nemto do ate injusto voluntariamente cometido implica vlcio - ao

passo que sofrer iniustica nao irnplica necessariamente vicio, ou

seja, a injustica do ponto de vista daquele que e sua vitima. As-sirn, em si mesmo, sofrer injusti<;a e 0 menor dos males, ainda

que acidentalmente possa ser 0maior. A ciencia, contudo, nao

1138b1 concerne a isso. A ciencia declara ser a pleurite urn mal mais serio

do que uma torcedura, a despeito do fato de em certas clrcuns-

tanclas uma torcedura poder se revelar acidentalmente pior do

5 que a pleurite, como, por exernplo, se em decorrencia de uma

torcedura, alguern caisse e, consequenternente, fosse pego pelo

inimigo e morto.)Entretanto, num sent ido metaf6rico e anal6gico ha uma certa

justice nao dir igida contra si mesmo mas entre distintas partes da

propria natureza de aJguem, nao, em verdade. justice no sent ido

pieno do termo, mas aqueJa justice que subsiste entre 0 senhor e

o escravo, au entre 0chefe de uma casa e sua esposa e filhos;

isso porque nos discursos em torno dessa questao,l68 e estabeleci-da uma distincao entre as partes racional e irracional da alma,

10 que e 0que leva as pessoas a supor que exista algo, a saber, a

168. Arist6teles alude a Republica de Platao (obra constante em Class/cos Edipro) e a

certos escritos dos seus seguidores.

 

5/16/2018 ÉTICA NIC -livro V- Trad. Edson Bini - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/etica-nic-livro-v-trad-edson-bini 19/19

176AAIST6TELES

EDIPAOUVAOV

injustica contra si mesmo, porque essas partes do eu podem ser

contrariadas em seus respectivos desejos, de sorte a ocorrer uma

aspecie de justice entre elas, tal como a que exisle entre aquele

que comanda e 0comandado.

Que seja essa a nossa exposicao no descrever a justica e asoutras virtudes mora is.

LIVRO VI

1. Ja afirmamos que e certo escolher a mediania e evitar 0

excesso e a deficiencia e que a mediania e fixada pela justa

2D razaO.169 Analisemos agora essa ultima nocao.

No caso de cada uma das qualidades morais ou disposicoes

que foram discutidas, assim como com todas as demais virtu-des, ha uma certa marca a ser visada, sobre a qual aquele que

conhece a justa razao envolvida fixa seu olhar, aumentando ou

relaxando a tensao conformemente.V" Ha urn certo padrao que

determina esses modos de observacao da mediania que defi-

nimos como estando entre 0 excesso e a deficiencia, em con-

25 formidade com a justa razao, Essa aflrmacao pura e simples,

entretanto, ainda que verdadeira, nao e absolutamente esclare-

cedora. Em relar;ao a lodos os departamentos da atividade

humana que foram reduzidos a.urn saber, pode-se dizer (com 0

que se diz a verdade} que 0 esforco deve ser exercido e afrou-

xado nem demasiado nem pouco demais, mas a uma tensaomedia e de acordo com 0 orientado pela justa razaO.171 Todavia,

30 estando alguern de posse dessa verdade, isso nao 0 tomera

rnais sable do que antes; queremos dizer, por exemplo, que tal

pessoa nao sabara que medicamentos tomar pelo mere fato de

Ihe terem dito para tomar tudo que a arte da medicina ou urn

169.... opOo.; AEyEI... (orthos lege;), a rezeo reta, verdadeira. a que parece uma edje tiva -

,ao redundante da raZQO (Aoro.; - logos), ficara esclarecldo precisamente na imediata

sequenc ia , s endo exa tamente a base indispensave l para 0 autor explici tar as virtudes

intelectuals.

170 . A analogia parece ser com a altemancia de tensao e afrouxamento ap licados ao arco

para a colocacao e dlspa ro da seta que devera a tingir a a lva.

171. Ver nota anterior.