Eu só quero chocolate

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60 | invista JANEIRO FEVEREIRO | 2012 61 2012 | JANEIRO FEVEREIRO | invista | SABORES ||||||||||||||||||||||||||| [ DO LENDÁRIO CANTOR TIM MAIA AO FICTÍCIO FORREST GUMP, TODOS PARECEM GOSTAR DO ALIMENTO QUE GANHA ARES DE IGUARIA COM A POPULARIZAÇÃO DA DENOMINAÇÃO DE ORIGEM CONTROLADA por Tabata Pitol | fotos divulgação “MINHA MÃE SEMPRE DIZIA: A VIDA É COMO uma caixa de chocolate. Você nunca sabe o que vai encontrar pela frente”. A frase, imortalizada no filme Forrest Gump, já não é mais uma ver- dade absoluta. Pelo menos não quando o as- sunto é o chocolate. Se as imprevisibilidades da vida continuam, a popularização dos chocolates com denominação de origem controlada permi- te ao degustador saber exatamente o que está por vir, já que aqui o cacau e sua procedência são as grandes estrelas do sabor. “É como comprar um bom vinho. O cliente procura por um sabor específico, como Merlot, Malbec ou Cabernet. O cacau do Equador, por exemplo, tem sabor de especiarias e o de Java é mais suave, com sabor de baunilha e flores”, explica o chocolatier suíço Carlo Möckli. Andressa Vasconcellos, chocolatier da Saint Philippe, completa: “o bom chocolate deve ter um bom terroir, o que significa que o solo, o cli- ma, a temperatura, a incidência solar, a chuva, a drenagem, o relevo, a fauna, a flora, os ventos e a origem do cacau foram perfeitos desde a plan- tação até a sua colheita. Assim temos um exce- lente cacau para fazer um excelente chocolate”. Além disso, o chef suíço afirma que um bom chocolate sempre terá um alto teor de cacau. “Para se comprar um bom chocolate, é preciso ter certo conhecimento dos diferentes tipos de cacau e sua produção, uma vez que a fermen- tação, a torrefação e a conchagem influenciam o sabor. Para se ter ideia, o Criollo Ocumare é um dos melhores cacaus, mas se a produção for descuidada e malfeita, o produto final será ruim”, explica. CHOCOLATE BELGA? Não é difícil ouvir que os chocolates belgas são os melhores. E para Andressa, essa é uma gran- de verdade. “Atualmente é na Bélgica que se tem o melhor maquinário para fazer o chocolate. Mas é bom deixar claro que a origem do cacau não é de lá. Um bom chocolate belga pode ser feito com cacau plantado na Tanzânia, em Gana, na Venezuela ou mesmo no Brasil, só que este ca- cau é exportado para a Bélgica e lá ele é trans- formado em chocolate”, explica. Contudo, a opinião não é unânime. “Sou mais do que suspeito. Afinal, sou um chocolatier suíço. O chocolate belga é um bom chocolate e tem um ótimo custo/benefício. Eu diria que ele é o melhor produzido em grande escala. A Bélgica produz em um só dia o que a Suíça produz em ano todo. O chocolate belga tem uma granulação muito fina, que agrada mais os países das Américas. O chocolate suíço tem uma granulação mais gros- sa, mas todo o processo de produção é mais ela- borado, como por exemplo, uma conchagem de até 100 horas, que é o que limpa as impurezas”. BRASIL X CHOCOLATE D.O.C Möckli conta também que, infelizmente, o Brasil ainda não possui muitas opções de bons chocola- tes (os produzidos aqui são repletos de gordura e leite e possuem pouco cacau, mesmo que o País seja um dos principais produtores da fruta). “O mercado está começando a oferecer aos brasi- leiros as diferentes opções de cacau. Creio que 95% da produção do chocolate brasileiro use o tipo de cacau Forasteiro, que é o cacau de consu- mo. O cacau de luxo seria o Criollo Ocumare ou Criollo Porcelana, ambos encontrados somente na Venezuela”. Mas o chef acredita no potencial consumi- dor do País, mesmo se tratando de um produto premium, o que no Brasil é sinônimo de mais caro. “Eu vejo que o brasileiro está mais dispos- to a gastar mais por uma melhor qualidade de EU SÓ QUERO CHOCOLATE... No total, existem três tipos de cacau com algumas subdivisões. Conheça as características de cada um. CRIOLLO: primeira variedade cultivada em Honduras, Costa Rica e México. Possui baixa acidez e sabor pouco amargo. Foi considerada a mais nobre das variedades de cacau, mas é pouco produtiva e muito sensível a doenças. Atualmente responde por cerca de 5% da pro- dução mundial de cacau. DICAS PARA DEGUSTAR Carlo Möckli dá dicas para melho- rar a degustação de um chocolate: OBSERVE: a superfície deve estar lisa e brilhante. A falta dessas pro- priedades indica que o chocolate tem erros. TOQUE E SINTA: o chocolate deve derreter em pouco tempo com a temperatura da sua mão. OUÇA: o chocolate nobre quebra com um barulho crocante. Quanto mais teor de cacau mais intenso será o barulho! Além disso, é importante deixar o chocolate em temperatura ambiente (24°C) entre 2h a 3h, antes de degustar. Para neutrali- zar o paladar entre um tipo e outro de chocolate, beba água e coma pão branco. Em uma degustação, é bom começar sempre com o chocolate que tem o maior teor de cacau, depois o chocolate ao leite e finalmente o branco, que na ver- dade só tem a manteiga de cacau, leite em pó e açúcar. Tipos de cacau FORASTEIRO: É o cacau que tem origem na bacia amazônica. Considerado um cacau produtivo e resistente a doenças, responde atualmente por cerca de 80% da produção mundial, e é cultivado especialmente na África e no Brasil. TRINITÁRIO: É um cacau híbrido, resultado do cruzamento das duas outras variedades. Foi criado em Trinidad. Tem excelente qualidade, e responde hoje por 15% da produção mundial. chocolate. E está buscando informação. Além disso, o consumo aqui é baixo. Enquanto na Eu- ropa a média per capita é de 8 a 12 kg por ano, aqui é de apenas 2 kg. Então, o chocolate de boa qualidade tem potencial para ser um bom ne- gócio no Brasil”. Möckli ainda aconselha: “Quer experimentar um bom chocolate? Meu favorito é o da Vene- zuela, porque ainda tem o cacau original, como o Porcelana, e tem sabores leves de canela, es- peciarias e frutas vermelhas. Uma delícia!”

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60 | invista | JANEIRO FEVEREIRO | 2012 612012 | JANEIRO FEVEREIRO | invista |

SABORES |||||||||||||||||||||||||||[

DO LENDÁRIO CANTOR TIM MAIA AO FICTÍCIO FORREST GUMP, TODOS PARECEM GOSTAR DO ALIMENTO QUE GANHA ARES DE IGUARIA COM A POPULARIZAÇÃO DA DENOMINAÇÃO DE ORIGEM CONTROLADA

por Tabata Pitol | fotos divulgação

“MINHA MÃE SEMPRE DIZIA: A VIDA É COMO uma caixa de chocolate. Você nunca sabe o que vai encontrar pela frente”. A frase, imortalizada no filme Forrest Gump, já não é mais uma ver-dade absoluta. Pelo menos não quando o as-sunto é o chocolate. Se as imprevisibilidades da vida continuam, a popularização dos chocolates com denominação de origem controlada permi-te ao degustador saber exatamente o que está por vir, já que aqui o cacau e sua procedência são as grandes estrelas do sabor.

“É como comprar um bom vinho. O cliente procura por um sabor específico, como Merlot, Malbec ou Cabernet. O cacau do Equador, por exemplo, tem sabor de especiarias e o de Java é mais suave, com sabor de baunilha e flores”, explica o chocolatier suíço Carlo Möckli.

Andressa Vasconcellos, chocolatier da Saint Philippe, completa: “o bom chocolate deve ter um bom terroir, o que significa que o solo, o cli-ma, a temperatura, a incidência solar, a chuva, a drenagem, o relevo, a fauna, a flora, os ventos e a origem do cacau foram perfeitos desde a plan-tação até a sua colheita. Assim temos um exce-lente cacau para fazer um excelente chocolate”.

Além disso, o chef suíço afirma que um bom chocolate sempre terá um alto teor de cacau. “Para se comprar um bom chocolate, é preciso ter certo conhecimento dos diferentes tipos de cacau e sua produção, uma vez que a fermen-tação, a torrefação e a conchagem influenciam o sabor. Para se ter ideia, o Criollo Ocumare é um dos melhores cacaus, mas se a produção

for descuidada e malfeita, o produto final será ruim”, explica.

CHOCOLATE BELGA?Não é difícil ouvir que os chocolates belgas são os melhores. E para Andressa, essa é uma gran-de verdade. “Atualmente é na Bélgica que se tem o melhor maquinário para fazer o chocolate. Mas é bom deixar claro que a origem do cacau não é de lá. Um bom chocolate belga pode ser feito com cacau plantado na Tanzânia, em Gana, na Venezuela ou mesmo no Brasil, só que este ca-cau é exportado para a Bélgica e lá ele é trans-formado em chocolate”, explica.

Contudo, a opinião não é unânime. “Sou mais do que suspeito. Afinal, sou um chocolatier suíço. O chocolate belga é um bom chocolate e tem um ótimo custo/benefício. Eu diria que ele é o melhor produzido em grande escala. A Bélgica produz em um só dia o que a Suíça produz em ano todo. O chocolate belga tem uma granulação muito fina, que agrada mais os países das Américas. O chocolate suíço tem uma granulação mais gros-sa, mas todo o processo de produção é mais ela-borado, como por exemplo, uma conchagem de até 100 horas, que é o que limpa as impurezas”.

BRASIL X CHOCOLATE D.O.CMöckli conta também que, infelizmente, o Brasil ainda não possui muitas opções de bons chocola-tes (os produzidos aqui são repletos de gordura e leite e possuem pouco cacau, mesmo que o País seja um dos principais produtores da fruta). “O mercado está começando a oferecer aos brasi-leiros as diferentes opções de cacau. Creio que 95% da produção do chocolate brasileiro use o tipo de cacau Forasteiro, que é o cacau de consu-mo. O cacau de luxo seria o Criollo Ocumare ou Criollo Porcelana, ambos encontrados somente na Venezuela”.

Mas o chef acredita no potencial consumi-dor do País, mesmo se tratando de um produto premium, o que no Brasil é sinônimo de mais caro. “Eu vejo que o brasileiro está mais dispos-to a gastar mais por uma melhor qualidade de

EU SÓ QUERO CHOCOLATE...

No total, existem três tipos de cacau com algumas subdivisões. Conheça as características de cada um.

CRIOLLO: primeira variedade cultivada em Honduras, Costa Rica e México. Possui baixa acidez e sabor pouco amargo. Foi considerada a mais nobre das variedades de cacau, mas é pouco produtiva e muito sensível a doenças. Atualmente responde por cerca de 5% da pro-dução mundial de cacau.

DICAS PARA DEGUSTAR

Carlo Möckli dá dicas para melho-

rar a degustação de um chocolate:

OBSERVE: a superfície deve estar lisa e brilhante. A falta dessas pro-priedades indica que o chocolate tem erros.

TOQUE E SINTA: o chocolate deve derreter em pouco tempo com a temperatura da sua mão.

OUÇA: o chocolate nobre quebra com um barulho crocante. Quanto mais teor de cacau mais intenso será o barulho!

Além disso, é importante deixar o chocolate em temperatura ambiente (24°C) entre 2h a 3h, antes de degustar. Para neutrali-zar o paladar entre um tipo e outro de chocolate, beba água e coma pão branco. Em uma degustação, é bom começar sempre com o chocolate que tem o maior teor de cacau, depois o chocolate ao leite e finalmente o branco, que na ver-dade só tem a manteiga de cacau, leite em pó e açúcar.

Tipos de cacauFORASTEIRO: É o cacau que tem origem na bacia amazônica. Considerado um cacau produtivo e resistente a doenças, responde atualmente por cerca de 80% da produção mundial, e é cultivado

especialmente na África e no Brasil.

TRINITÁRIO: É um cacau híbrido, resultado do cruzamento das duas outras variedades. Foi criado em Trinidad. Tem excelente qualidade, e responde hoje por 15% da produção mundial.

chocolate. E está buscando informação. Além disso, o consumo aqui é baixo. Enquanto na Eu-ropa a média per capita é de 8 a 12 kg por ano, aqui é de apenas 2 kg. Então, o chocolate de boa qualidade tem potencial para ser um bom ne-gócio no Brasil”.

Möckli ainda aconselha: “Quer experimentar um bom chocolate? Meu favorito é o da Vene-zuela, porque ainda tem o cacau original, como o Porcelana, e tem sabores leves de canela, es-peciarias e frutas vermelhas. Uma delícia!”