Eugénio De Andrade

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Nasceu a 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão. Morreu no Porto a 13 de Junho de 2005.

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Uma breve apresentação da poesia de Eugénio de Andrade. Trabalho da BE da escola sec. de Tondela.

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Page 1: Eugénio De Andrade

Nasceu a 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão.

Morreu no Porto a 13 de Junho de 2005.

Page 2: Eugénio De Andrade

Passamos pelas coisas sem as ver,

gastos, como animais envelhecidos:

se alguém chama por nós não respondemos,

se alguém nos pede amor não

estremecemos,

como frutos de sombra sem sabor,

vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Page 3: Eugénio De Andrade

É urgente o amor.É urgente um barco no

mar.

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,muitas espadas.

É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.É urgente o amor, é

urgentepermanecer.

Page 4: Eugénio De Andrade

Diz homem, diz criança, diz estrela.Repete as sílabas

onde a luz é feliz e se demora.

Volta a dizer: homem, mulher, criança.Onde a beleza é mais nova.

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É na escura folhagem do sono

que brilha

a pele molhada,

a difícil floração da língua.

Page 6: Eugénio De Andrade

Entre os teus lábiosé que a loucura acode,desce à garganta,invade a água.

No teu peitoé que o pólen do fogose junta à nascente,alastra na sombra.

Nos teus flancosé que a fonte começaa ser rio de abelhas,rumor de tigre.

Da cintura aos joelhosé que a areia queima,o sol é secreto,cego o silêncio.

Deita-te comigo.Ilumina meus vidros.Entre lábios e lábiostoda a música é minha.

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Procura a maravilha.

Onde um beijo sabea barcos e bruma.

No brilho redondoe jovem dos joelhos.

Na noite inclinadade melancolia.

Procura.

Procura a maravilha.

Page 8: Eugénio De Andrade

A boca,

onde o fogode um verãomuito antigo

cintila,

a boca espera

(que pode uma boca

esperarsenão outra boca?)

espera o ardordo ventopara ser ave,

e cantar.

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Colhe

todo o oiro do dia

na haste mais alta

da melancolia.

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Ainda sabemos cantar,

só a nossa voz é que mudou:

somos agora mais lentos,

mais amargos,

e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,

um corpo já não é a plenitude.

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Nunca o verão se demorara

assim nos lábios

e na água

- como podíamos morrer,

tão próximos

e nus e inocentes?

Page 12: Eugénio De Andrade

Devias estar aqui rente aos meus lábios

para dividir contigo esta amargura

dos meus dias partidos um a um

- Eu vi a terra limpa no teu rosto,

Só no teu rosto e nunca em mais nenhum

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De palavra em palavra

a noite sobe

aos ramos mais altos

e canta

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Foi para ti que criei as rosas.

Foi para ti que lhes dei perfume.

Para ti rasguei ribeiros

e dei ás romãs a cor do lume.

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Húmido de beijos e de lágrimas,

ardor da terra com sabor a mar,

o teu corpo perdia-se no meu.

(Vontade de ser barco ou de cantar.)

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Sê paciente; espera

que a palavra amadureça

e se desprenda como um fruto

ao passar o vento que a mereça.

Page 17: Eugénio De Andrade

Hoje roubei todas as rosas dos jardins

e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.

Page 18: Eugénio De Andrade

Eram de longe.

Do mar traziam

o que é do mar: doçura

e ardor nos olhos fatigados.

Page 19: Eugénio De Andrade

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!E eu acreditava.Acreditava,porque ao teu ladotodas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.Era no tempo em que o

teu corpo era um aquário.Era no tempo em que os meus olhoseram os tais peixes verdes.Hoje são apenas os meus olhos.É pouco, mas é verdade:uns olhos como todos os outros.

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Os amantes sem dinheiro I

Tinham o rosto aberto a quem passava.

Tinham lendas e mitos e frio no coração.

Tinham jardins onde a lua passeava de mãos

dadas com a água e um anjo de pedra por irmão

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Os amantes sem dinheiro II

Tinham como toda a gente o milagre de cada

dia escorrendo pelos telhados; e olhos de

oiro onde ardiam os sonhos mais

tresmalhados.

Page 22: Eugénio De Andrade

Os amantes sem dinheiro III

Tinham fome e sede como os bichos, e

silêncio à roda dos seus passos. Mas a cada

gesto que faziam um pássaro nascia dos seus

dedos e deslumbrado penetrava nos espaços.

Page 23: Eugénio De Andrade

Adeus I

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para

afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das

lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as

pedras das esquinas em esperas inúteis.

Page 24: Eugénio De Andrade

Adeus II

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.

Antigamente tínhamos tanto para dar um ao

outro; era como se todas as coisas fossem minhas:

quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às

vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E

eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas

as coisas eram possíveis.

Page 25: Eugénio De Andrade

Adeus III

Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um

aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como

todos os outros.

Page 26: Eugénio De Andrade

Adeus IVJá gastámos as palavras.Quando agora digo: meu amor...,já não se passa absolutamente nada.E no entanto, antes das palavras gastas tenho a certezade que todas as coisas estremeciamsó de murmurar o teu nomeno silêncio do meu coração.

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Adeus V

Não temos já nada para dar.Dentro de tinão há nada que me peça água.O passado é inútil como um trapo.E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus

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