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Evita reclama seu corpo: O caso da repatriação do corpo de Eva Perón na Revista Evita Montonera MARINA MARIA DE LIRA ROCHA* No primeiro dia de julho do ano de 1974, a Argentina viveria mais um dos seus dramáticos momentos para a história do peronismo no país. Naquele domingo, seu líder Juan Domingo Perón sofreria um ataque cardíaco, que, apesar de inúmeras tentativas para reanimá- lo, levou-o a morte. Chorada durante toda a semana, sua morte significou “quase a morte de um pai” que havia liderado por cerca de trinta anos a política do país. (LARRAQUY, 2007) Mas sua morte significaria também outras mortes. Com a herança política passada à sua viúva, a vice-presidenta María Estela Martínez de Perón, a direita peronista ganharia definitivamente o poder e os grupos dentro dela começariam a controlar as ações políticas no país, desagradando muitas expectativas geradas a partir do retorno do peronismo ao governo na década de 1970. Não que Perón já não houvesse delineado uma política mais agressiva em relação aos movimentos de esquerda, dentro e fora do peronismo. Sob sua famosa frase “Porque se eu fosse comunista, iria ao Partido Comunista e não ficaria nem no Partido nem no Movimento Justicialista”, 1 ele já havia escolhido o que aquela década significaria para o movimento que criara. Logo, apartava cada dia mais a esquerda do governo, fazendo uma clara escolha entre os caminhos a serem trilhados pelo justicialismo. Esta escolha ficou evidente na presidência de María Estela Martínez de Perón ou Isabel Perón. Cinco dias após a morte de Perón, a nova presidenta convocara uma reunião de gabinete na Quinta Presidencial de Olivos, onde nomeou José López Rega como seu secretário privado e aceitou sua recomendação de José María Villone para a Secretaria de Imprensa e Difusão, de Oscar Ivanissevich para a Educação e de Celestino Rodrigo para a Economia. Todos eles eram aliados à direita peronista ou foram antiperonistas no passado e tinham como objetivos principais eliminar a “subversão” no país e acabar com as políticas antiempresariais, investindo no capital estrangeiro e privado. (DI TELLA, 1983: 125-127) Isabel e López Rega conheciam-se há anos. Em 1965, quando Perón estava exilado na * Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense. 1 “Porque si yo fuera comunista, me voy al Partido Comunista y no me quedo ni en el Partido ni en el Movimiento Justicialista”. Tradução da autora. (SIGAL & VERON, 2004: 220-221)

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Evita reclama seu corpo: O caso da repatriação do corpo de Eva Perón na Revista Evita

Montonera

MARINA MARIA DE LIRA ROCHA*

No primeiro dia de julho do ano de 1974, a Argentina viveria mais um dos seus

dramáticos momentos para a história do peronismo no país. Naquele domingo, seu líder Juan

Domingo Perón sofreria um ataque cardíaco, que, apesar de inúmeras tentativas para reanimá-

lo, levou-o a morte. Chorada durante toda a semana, sua morte significou “quase a morte de

um pai” que havia liderado por cerca de trinta anos a política do país. (LARRAQUY, 2007)

Mas sua morte significaria também outras mortes. Com a herança política passada à

sua viúva, a vice-presidenta María Estela Martínez de Perón, a direita peronista ganharia

definitivamente o poder e os grupos dentro dela começariam a controlar as ações políticas no

país, desagradando muitas expectativas geradas a partir do retorno do peronismo ao governo

na década de 1970.

Não que Perón já não houvesse delineado uma política mais agressiva em relação aos

movimentos de esquerda, dentro e fora do peronismo. Sob sua famosa frase “Porque se eu

fosse comunista, iria ao Partido Comunista e não ficaria nem no Partido nem no Movimento

Justicialista”,1 ele já havia escolhido o que aquela década significaria para o movimento que

criara. Logo, apartava cada dia mais a esquerda do governo, fazendo uma clara escolha entre

os caminhos a serem trilhados pelo justicialismo.

Esta escolha ficou evidente na presidência de María Estela Martínez de Perón ou

Isabel Perón. Cinco dias após a morte de Perón, a nova presidenta convocara uma reunião de

gabinete na Quinta Presidencial de Olivos, onde nomeou José López Rega como seu

secretário privado e aceitou sua recomendação de José María Villone para a Secretaria de

Imprensa e Difusão, de Oscar Ivanissevich para a Educação e de Celestino Rodrigo para a

Economia. Todos eles eram aliados à direita peronista ou foram antiperonistas no passado e

tinham como objetivos principais eliminar a “subversão” no país e acabar com as políticas

antiempresariais, investindo no capital estrangeiro e privado. (DI TELLA, 1983: 125-127)

Isabel e López Rega conheciam-se há anos. Em 1965, quando Perón estava exilado na

* Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense. 1 “Porque si yo fuera comunista, me voy al Partido Comunista y no me quedo ni en el Partido ni en el Movimiento Justicialista”. Tradução da autora. (SIGAL & VERON, 2004: 220-221)

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Espanha, sua mulher era uma dos delegados do peronismo, que visitavam cidades na América

Latina para fazer contatos e não deixar que o movimento desparecesse enquanto o velho líder

estava exilado do país. Com esta tarefa, naquele ano, ela iria ao Paraguai e à Argentina para

reafirmar a lealdade ao marido, através do ato de 17 de Octubre (Día de la Lealdad), que

acontecia todos os anos desde 1945.

Nesta visita, convidou Rega para uma conversa privada sobre espiritualismo, no qual

os dois eram adeptos. O “Bruxo”, famoso na região por seu esoterismo, lhe convenceu de uma

“missão espiritual” em retornar com o peronismo no país e, especificamente, a tarefa de Isabel

em terminar a obra de Evita Perón. Assim, a confiança e a amizade entre ambos começou a

ser construída...

Quando Isabel voltou para Espanha, ajudou em uma aproximação de López Rega e

Perón e transformou-o em braço direito do casal representante do movimento. Mais à frente,

na década de 1970, a influência e as atividades políticas de Rega já estariam consolidadas e

ele se tornaria uma figura central para a campanha de retorno de Perón à Argentina e,

posteriormente, com a vitória do peronismo nas eleições de 1973, para a política

governamental peronista. (LARRAQUY, 2007)

Uma de suas mais polêmicas ações no país foi a organização de um grupo paramilitar

(Alianza Anticomunista Argentina – AAA), cuja finalidade era eliminar os opositores

políticos através de sequestros, explosões, assassinatos e abandonos de corpos nos matagais

de Ezeiza. (JANZEN, 1986) Contudo, até a morte de Perón, a Triple A não iria assinar

nenhuma de suas ações criminosas, deixando o governo culpar oficialmente os guerrilheiros

por elas. Mas, quando Isabel Perón assumiu o poder e López Rega manteve-se no Ministério

de Bem-Estar Social, pareceu-lhe o aval para a prática do terrorismo impune realizado pela

organização que comandava.2

Com a restrição política proporcionada pelo governo e o cerco fechando-se legal e

ilegalmente, as esquerdas de um modo geral intensificaram a luta pelo poder. Alguns

movimentos decidiram-se pelo embate legal e a saída eleitoral, outros ingressaram ou

continuaram o contraste pela luta armada, radicalizando os movimentos e articulando política

2 Em uma lista elaborada pelo Justicia Ya e atualizada pelo Proyecto Desaparecidos podem ser consultados 685 nomes com as respectivas datas dos assassinatos pela Triple A. Disponível em: http://www.desaparecidos.org/arg/victimas/listas/aaa.html

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e violência sob a influência contextual do que acontecia no mundo e, particularmente, na

América Latina. (ARAÚJO, 2008: 247-273)

Desta forma, um movimento em específico e uma de suas estratégias de luta serão

aqui abordados: os Montoneros e sua Evita Montonera.

A Juventude Maravilhosa e a Mentira Peronista

No início dos anos 1970, foi formado o grupo Montoneros. No caldeirão de

transformações sociais da Argentina e América Latina, apareceu este grupo fundamentado em

três identidades: a urgência revolucionária da Revolução Cubana, a luta contra a exploração e

a pobreza dos movimentos revolucionários da Igreja e o peronismo que agregava os

trabalhadores do país na luta pelo justiça social. (LANUSSE, 2005)

Neste sentido, Montoneros formulou um projeto político antiimperialista e socialista,

cujo método estaria vinculado a luta armada, principalmente, a guerrilha urbana. Seus

objetivos eram o alcance da Pátria Justa, Livre e Soberana; o retorno de Perón para o país; e a

instituição do Socialismo Nacional, misturando peronismo e socialismo, como se o primeiro

movimento político fora a expressão nacional do segundo.

Com a morte de Perón, essa esquerda peronista substituiu sua ausência pela lealdade

aos trabalhadores. Excluindo Isabel do sistema político que teria “herdado”, o grupo

considerava-se formado por “verdadeiros peronistas”, afinal dedicavam-se as causas dos

trabalhadores e, assim, traziam de volta o originário intuito justicialista.

Três meses depois da morte de Perón, os Montoneros decidiram aprofundar a luta e

passar à clandestinidade, realizando uma auto-exclusão do sistema político. Desta forma,

acreditavam que a nova estratégia seria mais eficaz para a obtenção do poder, uma vez que

aumentava a importância da luta armada na estrutura do movimento.

A partir de 1975, com o aumento da repressão oficial e clandestina e das legislações

contra a “subversão”, que respaldavam a necessidade de desaparecimentos dos

militantes/subversivos/inimigos, Montoneros resolvem ir fundo na luta armada. Este embate

era um verdadeiro jogo de “gato e rato”, onde a guerrilha montonera não tinha a menor

chance de vencer o aparato repressivo estatal que, aos poucos, ia sendo montado naquele

4

contexto para culminar na repressão da Ditadura Militar iniciada em 1976. (CALVEIRO,

2006)

Este acentuado enfrentamento apresentou a distinção entre definições sobre o que era

o movimento peronista para os Montoneros e o que ele significava para aqueles que estavam

do outro lado – a direita peronista. É notório que, desde finais da década de 1960, quando

Perón estava exilado, o líder justicialista resolveu reforçar seu mito de conciliador das forças

políticas e único capaz de transformar a Argentina em uma Potência, através de um discurso

que esvaziou o campo político e tornou possível as diversas interpretações sobre o

movimento. Perón “abria sua maleta de palavras” e falava de acordo com seu interlocutor,

“vendendo” sua política para prováveis apoiadores. Ganhando todos eles, acabara por agregar

ao mesmo sobrenome político, a direita e a esquerda peronistas. Este embate tendeu a

aumentar depois de sua morte, cuja ausência tornou possível qualquer tipo de representação.

(SANTUCHO, 2005: 103-104)

Os Montoneros e Evita Montonera

Acompanhando o desenvolvimento político-militar dos Montoneros, em dezembro de

1974, Evita Montonera ganhou vida, com seu primeiro número publicado. Montoneros,

pensando na importância da propaganda para o sucesso da guerrilha urbana, decidiram que

todo militante teria a missão de fazê-la, seja por forma oral (palavras em assembleias,

reuniões e etc.) ou pela escrita (murais, cartazes, periódicos, entre outros meios). Fazer

propaganda significaria divulgar de forma compreensiva os problemas específicos do país,

analisá-los e sintetizar sua natureza e os métodos para solucioná-los. Também era importante,

na propaganda do militante, generalizar os conflitos vividos pela sociedade e despertar a

solidariedade dos setores populares, impedindo que estes conflitos fossem circunscritos a um

lugar geográfico, a um grêmio ou uma fábrica em particular.3

Desta forma, a revista Evita Montonera entraria no esquema de propaganda como um

meio de ajuda para a formação e a realização desta responsabilidade. Como organismo oficial

do movimento, possuía uma função central de “levar a palavra” de uns para outros no

ambiente de clandestinidade e, mostrando a importância desse mecanismo para os membros

3 “Nuestra Propaganda”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, dezembro de 1974. p.7.

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deste grupo político-militar, Evita Montonera conseguiu chegar, inclusive, a militantes no

exterior.

Logo, homenageando o símbolo maior da luta dos trabalhadores na Argentina e

conferindo-lhe seu nome,4 ela tornar-se-ia uma ferramenta política, organizativa, militar e

ideológica para que o militante estudasse e travasse a batalha de propaganda contra a censura

e a desinformação social.5 Sua publicação pretendia

mostrar como pensamos a luta de liberação que estamos fazendo (...) Nossas

políticas e nossas concepções – como sempre fez Evita – nascem e se alimentam da

luta dos trabalhadores e do povo peronista. Mais ainda: Montoneros quer ser a

autêntica expressão dos interesses da classe trabalhadora. E, a partir dessa

profunda relação da classe trabalhadora peronista, conduzir a todos os setores

nacionais à luta de liberação.6

Com este objetivo, a revista foi publicada, de maneira irregular, durante 5 anos (são 23

números ao total) e passou por períodos de circulação legal e clandestino. Vendida a preços

que variaram entre 3 a 5 pesos, era dividida entre seções de artigos políticos e analíticos,

propaganda de ações e divulgação de feitos com suas consequências para o movimento. A

maioria destes não era assinada, provavelmente para evitar possíveis retaliações, mas sabe-se

que a direção da revista era de Rodolfo Walsh,7 que passava pelo “crivo” dos mais altos

membros da organização e que estava aberta a “todos os peronistas que lutassem pela

liberação” do país – Juventud Trabajadora Peronista, Juventud Peronista, Agrupación Evita,

4 “En los primeros pasos que dimos para construir esta organización peronista y de combate, tomamos a EVITA como nuestra abanderada. Porque ella es Pueblo descamisado puro, es la fuerza invencible de la consciencia popular. Porque mientras vivió llevó sobre sus hombros la tarea de ser vanguardia con los trabajadores, puente entre el Líder y la masa peronista, implacable con la oligarquía y los traidores, la mejor vigía de la revolución peronista”. In: Evita Montonera, Ano 1, Nº1, Dezembro de 1974. p.3. 5 “Editorial”. Evita Montonera, Ano 2, Nº13, abril-maio 1976. 6 “Mostrar como pensamos la lucha de liberación que estamos haciendo (...) Nuestras politicas y nuestras concepciones – como siempre lo hizo Evita – nacen y se alimentan de la lucha de los trabajadores y el Pueblo peronista. Más aún: Montoneros quiere ser auténtica expresión de los interés de la clase trabajadora. Y a partir de esa profunda relación de la classe trabajadora peronista, conducir a todos los sectores nacionales a la lucha de liberación”. Tradução da autora. “Editorial”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, dezembro de 1974. p.2. 7 O jornalista e escritor argentino, nascido em 1927, teve seu primeiro envolvimento político com o grupo de direita Alianza Libertadora Nacionalista (ALN), que se aproximava do peronismo por acreditar nele enquanto um movimento nacionalista, mas que foi a favor do golpe para tirar Perón do poder em 1955. A partir de meados dos anos 1950, Walsh começou a se afastar da ALN e entrar em contato com outras ideias políticas. Ao aceitar editar o semanário da Confederación General del Trabajo (CGT), em fins dos anos 1960, ingressou no universo de pessoas e discursos de esquerda. Certa vez, afirmou: “sou lento, demorei quinze anos para passar da direita para a esquerda”. Assim, ingressou nas Fuerzas Armadas Peronistas (FAP), onde permaneceu três anos, até se juntar aos Montoneros. Ali, trabalhou como jornalista investigativo, até “cair” nas mãos do grupo operativo da Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA), em 1977, e ser assassinado. (ESQUIVADA, 2010, pp.187-205)

6

Movimiento Villero Peronista, Unión de Estudiantes Socialistas, Juventud Universitaria

Peronista, Agrupación de Inquilinos Peronistas e Agrupación del Peronismo Auténtico.8

Impressas em casas operacionais dedicadas a essa atividade, a revista teve em seu

primeiro ano uma tiragem de aproximadamente 69 mil exemplares em oito edições. Contudo,

com o acirramento da repressão, principalmente depois da instituição do golpe militar, em 24

de março de 1976, o número de publicações se escasseavam.9 (ESQUIVADA, 2010)

Em 1979, a revista fechou suas clandestinas portas, devido ao próprio desenrolar

fracassado da luta montonera contra a ditadura. Apesar das tentativas por parte da Condução

Nacional em reorganizar os quadros e a resistência desde o exílio (primeiro no México e em

Cuba, depois na Europa) o grande número de “quedas”, as torturas e delações, os suicídios

antes da captura e os desaparecimentos dos militantes eliminaram estes ditos “subversivos” do

cenário político argentino. (LARRAQUY, 2006)

Este artigo pretenderá delinear, a partir de então, algumas temáticas abordadas durante

o primeiro ano da revista, 1974-1975, em especial, o caso do sequestro do corpo de Aramburu

em outubro daquele ano.

Aos olhos de Evita Montonera

Evita Montonera tratou de vários temas ao longo dos anos de 1974 e 1975. A ênfase,

quase que óbvia, eram aos acontecimentos, algumas vezes noticiados outras silenciados pelos

órgãos permitidos de circular, sob a ótica e justificativa do grupo que a escrevia. Assim,

construíam e defendiam suas ideias de peronismo e justicialismo naquela época em que

governava María Estela.

8 “Editorial”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, dezembro de 1974. 9 No número 1134 da Calle 30, em La Plata, funcionava uma das três casas operativas de Montoneros na cidade e era onde se imprimia a revista. Nesta casa, viviam seis pessoas, entre elas, o casal Diana Teruggi e Daniel Mariani com sua filha de três meses Clara Anahí. Em 24 de novembro de 1976, a casa foi atacada por uma operação de desmantelamento da Polícia da província de Buenos Aires, conjuntamente ao Exército, que durou cerca de três horas. A operação foi realizada com tamanha brutalidade, utilizando-se armas, bombas e fogo para queimar os corpos dos militantes mortos. Quatro adultos que ali se encontravam foram assassinados – Daniel estava em Buenos Aires trabalhando e foi assassinado em agosto de 1977, durante sua colaboração na mudança de Laura Carlotto, filha da presidenta de Abuelas de la Plaza de Mayo, Estela Barnes de Carlotto – e o bebê fora sequestrado, tornando-se mais uma criança apropriada pela Ditadura argentina. Hoje a casa funciona como um Museu de Memória Mariani-Teruggi, onde conta-se a história daquele lugar.

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Na revista, como para o movimento, a morte de Perón havia sido um divisor de águas

entre um projeto de capitalismo nacional e independente, que poder-se-ia tornar socialista, e

um projeto imperialista. Montoneros sabiam que o General havia tomado uma posição menos

radicalizada nos últimos anos e que os afastava do poder. Contudo, ter a Isabel era demais!

Ela e sua “patota de aventureiros”, ambicionados pelo poder, pretendiam frear a luta popular

com mortes e terror, com o auxilio militar e “indireto” (a Triple A). “Vestiam camisas

peronistas, tentando confundir o povo” com medidas nacionalistas, mas investiam no

“paternalismo e no amedrontamento da população”.10

Sob a tentativa de fazerem-se insubstituíveis, ela por ser herdeira e ele por ser

fundamental para a administração, Isabel e López Rega são pintados alegoricamente enquanto

conquistares loucos e terríveis que avançam sobre as políticas peronistas, destruindo seus

princípios e valores.

A sujeição dessa mulher a esse homem, mais que por magia negra, seguramente

deve ser explicada pela dependência enferma de sua histeria e, fundamentalmente,

por suas debilidades políticas. No entanto, o mais importante é saber que, se López

Rega é substituído, ela ameaça a ir-se com ele. A partir desse feitiço, é que se fazem

flertes e acumulam poder. Assim, conseguem ministérios, governos provinciais e

alguns sindicatos. Desenvolvem, por um lado, uma politica de benefícios e, por

outro, semeiam terror com as AAA. Com uma mão dão esmolas e com a outra

castigam.11

10

“No importan cuantos son. Resistencia peronista al avance imperialista”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, dezembro de 1974. “Editorial: El imperialismo avanza. Más explotación y represión para el Pueblo”. Evita Montonera, Ano 1, Nº2, janeiro e fevereiro de 1975. 11 “La sujeción de esa mujer a ese hombre, más que por la magía negra, seguramente debe ser explicado por el lado de su enfermiza dependencia de su histeria y, fundamentalmente, de sus debilidades políticas. Pero lo más importante es saber que, si Lopez Rega es desplazado, ella amenaza con irse. A partir de ese hechizo, es que se hacen flertes y acumulan poder. Copan así ministérios, gobiernos provinciales y algunos gremios. Desarrollan por un lado una política de beneficencia, y, por otro, semblan el terror con las AAA. Dan lismosna con una mano, y castigan con la otra”. Tradução da autora. “El Pinochetazo de Isabel Martínez”. Evita Montonera, Ano 1, Nº4, Abril de 1975. p.22.

8

Evita Montonera, Ano 1, Nº9, novembro de 1975. p.4.

Evita Montonera, Ano 2, Nº11, janeiro de 1976. p.18.

Fazendo alusão a ditadura vizinha, Montoneros propuseram que o que se vivia com

Isabel e López Rega era um pinochetazo, ou seja, uma manifestação ao modo Pinochet de

acumulação de poder político e repressivo. Este poder binominal colocava personagens da

repressão clandestina em cargos do governo para avançar com violência e terrorismo no país,

subordinar políticos, sindicalistas, militares e eliminar as diferenças.12

No entanto, o plano da “dupla de horríveis” fracassou, pois romperam com o laço mais

débil da corrente: a economia. Em meados de 1975, o novo plano econômico conseguiu com

que os preços aumentassem, os salários caíssem e o poder das oligarquias e monopólios

gerassem protestos em todo o país. O governo sofreu um golpe muito forte com as

manifestações do Rodrigazo, que repercutiu na saída de López Rega e Celestino Rodrigo de

suas respectivas pastas administrativas.

Diante da situação, Evita Montonera bravejou para que Isabel renunciasse também.

Chamou a atenção para sua participação na política lopezreguista, para as novas alianças com

os militares, inclusive nomeando, em agosto de 1975, Jorge Rafael Videla como General

Comandante do Exército, e para os rumores de que um golpe estava por vir, enquanto Isabel

ia e voltava de inúmeras licenças.13

12 “Se fue el brujo López Rega. Ahora le toca a la Martínez”. Evita Montonera, Ano 1, Nº5, junho e julho de 1975. 13 “17 de octubre 1945-1975. El Pueblo sigue la lucha”. Evita Montonera, Ano 1, Nº7, setembro de 1975.

9

Enquanto isso não acontecia, Montoneros posicionavam-se como a alternativa

verdadeira àquele peronismo via Martínez. Essa crise proporcionada por um governo que

levara o povo à miséria e que “não mediu esforços para reprimi-lo, traindo a vontade do

povo”, havia encaminhado ao fracasso o governo popular e peronista, esgotando com a

herança do líder e colocando a necessidade de uma nova opção.14

Essa opção deveria contar legitimamente com a classe trabalhadora, a liberação

política e econômica do país e a justiça social – objetivos “genuínos” do movimento

peronista. E, para Montoneros, isto significava “(...) destruir o poder imperialista na nossa

Pátria e suprimir a exploração; conquistar o Estado para o povo e desde aí expropriar a terra e

os proprietários dela, as fábricas e os monopolistas, os bancos e o capital financeiro

internacional”.15

Portanto, Montoneros levantaram a bandeira dessa luta, segundo eles, criada por Perón

e Evita, e os integraram nela. Evita daria nome a revista, apareceria nessas propagandas

afirmando seus conteúdos e oferecia seu nome a milícias do grupo.16 Perón, por sua vez,

apesar de “fundamentar as ideologias” montoneras, apareceria mais timidamente. A posição

retraída pode ser explicada por seu caráter no movimento justicialista: ele era o árbitro

imparcial. Eva, ao contrário, tornou-se Evita para ser líder dos trabalhadores, para se

desgastar com os dirigentes tradicionais, para lutar por eles, e neutralizar Perón neste embate.

Desta forma, o Perón dos Montoneros aparecia menos, sem a identificação com o movimento,

enquanto Evita era montonera. (WALDMANN, 1980)

E, assim, o peronismo voltaria a existência. Pelos feitos militares e políticos da

organização, “Perón vive”. Neste sentido, Evita Montonera dedicava uma de suas seções para

dar vida a este renascimento. Intitulada Crónica de la Resistencia, era possível ali encontrar-

se com os incêndios nas fábricas, execuções, detenções, juízos revolucionários, assaltos e

sequestros em todo território nacional.17

“Represión Militar: Violentos y Solitários”. Evita Montonera, Ano 1, Nº10, dezembro de 1975. 14 “El regimen en crisis. El único heredero es el Pueblo”. Evita Montonera, Ano1, Nº9, novembro de 1975. 15 “La liberación nacional y social significa destruir el poder imperialista en nuestra Pátria y suprimir la explotación; conquistar el Estado por el Pueblo y desde allí expropriar la tierra a los tierratenientes, las fabricas a los monopolistas y los bancos al capital financiero internacional.” Tradução da autora. “La Clase obrera y el movimiento peronista”. Evita Montonera, Ano 1, Nº7, setembro de 1975. p.14. 16 “A Evita la recuerdan las milícias montoneras”. Evita Montonera, Ano 1, Nº6, agosto de 1975. 17 “El peronismo vuelve: Montoneros”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, dezembro de 1974.

10

Exemplifiquemos aqui com o caso Operación Mellizas (Operação Gêmeas). Em 19 de

setembro de 1974, os irmãos Jorge e Juan Born foram sequestrados e mantidos presos em uma

das “cárceres do povo” do movimento.

A família Born era proprietária do Grupo Bunge & Born, fundado em 1884 pelo avô

Born, que, depois, se associou com o cunhado e amigo Ernesto Antonio Bunge. O Grupo

dedicava-se a exportação de produtos primários e algumas atividades industriais. Com o

crescimento do capital, formaram a primeira agrocompania da América do Sul e controlaram

10% do comércio internacional de grãos. Ao filiarem-se ao mercado de cereais dos Estados

Unidos, se tornaram uma das cinco maiores empresas mundiais e a mais importante

exportadora de grãos da Argentina. Esse sucesso levou-os a diversificar as atividades,

comercializando linho e algodão, industrializando pinturas e cores, aproveitando subprodutos

agropecuários e investindo no mercado financeiro.18

Os irmãos, com diferença de menos de um ano de idade, eram respectivamente o

sucessor presidencial da Bunge & Born e o administrador financeiro do grupo. Ao sequestrá-

los, Montoneros realizaram uma operação cujo objetivo era capitalizar a guerrilha e modificar

o nível das atividades do grupo.

Neste sentido, os “gêmeos” passaram por um julgamento que os condenou a um ano

de prisão, indenização ao povo de 61 milhões de dólares, publicações de diversos

comunicados sobre as demandas da organização e a instalação de bustos de Evita e Perón em

todos os estabelecimentos do Grupo no país. Depois de nove meses de cárcere cumpridos,

todas as exigências montoneras haviam sido desempenhadas e os irmãos ganharam a

liberdade.19

18 GASPARINI, Juan. David Graiver: El banquero de los Montoneros. Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2007. 19 “Operación Mellizas: Una derrota del Imperialismo”. Evita Montonera, Ano 1, Nº4, abril de 1975.

11

Evita Montonera, Ano 1, Nº4, abril de 1975. p.1. Evita Montonera, Ano 1, Nº2, janeiro e

fevereiro de 1975. p.24. O evento foi comemorado pela organização, que, nas páginas de Evita Montonera, o

descrevia enquanto a grande vitória dos “verdadeiros peronistas” contra o imperialismo,

associado ao governo e a exploração dos patrões. Neste sentido, o movimento, liderado pelos

Montoneros, poderia ser levado adiante com mais intensidade e recursos, afinal aquele, entre

outros casos descritos, seria o momento de vitória.

Evita pede seu corpo

Outro caso relatado nas páginas de Evita Montonera foi a troca dos corpos de

Aramburu pelo de Evita. Como moeda de troca iniciou-se a operação de “resgate” do corpo

de Aramburu pelos Montoneros.

Em fins dos anos 1960, ele já havia sido condenado a morte no juízo revolucionário do

movimento onde fora acusado de sequestro do corpo de Evita e fuzilamento de diversos

peronistas. Seu sequestro e “justiciamento” foram o cenário de fundo, quando Montoneros

apareceram pela primeira vez para a opinião pública argentina. Desta vez, seu corpo enterrado

no cemitério de Recoleta iria ser o protagonista de mais uma aparição do movimento e objeto

de barganha pelo corpo de Evita.20

20 “La Justicia del Pueblo Peronista – Aramburu X Evita”. Evita Montonera, Ano 1, Nº4, abril de 1975.

12

No dia 15 de outubro de 1974, quarenta militantes iniciaram a operação, planejada há

meses. Antes das 18 horas, uma parte destes ingressou no cemitério e permaneceu escondido

no túmulo de Hipólito Yrigoyen, até que a “companheira”, encarregada em distrair o rapaz da

administração, chegou para levá-lo a uma festa. Quando saíram, o grupo escondido fechou

todas as janelas do edifício administrativo e retirou o caixão do militar, cobrindo-o de flores

para despistar a ação. Levando-o para um caminhão que estava do lado de fora do cemitério a

espera, o corpo foi trasladado a outro local (secreto), onde seria enterrado.

No dia seguinte, a família fora comunicada do sequestro e das condições para

devolução: a repatriação do corpo de Evita. Um acordo entre a família do militar e o governo,

trouxe Evita de volta. E, em 17 de novembro de 1974, quando um cadáver pousou no solo

argentino, o outro foi deixado no terreno da ex-Penitenciária Nacional.

Toda a operação de resgate foi relatada por Montoneros em Evita Montonera. Desde

as observações prévias, como o sistema de vigilância realizado apenas por um vigilante, já

que o cemitério de Recoleta pertence a um “lugar de oligarquia onde não se preocupavam

com os bens materiais e espirituais”, até o operativo em si com todas as adversidades

relatadas pelos participantes da ação, tornando-a uma verdadeira aventura.21

Interessante perceber que este relato, contado em pormenores (a entrada no cemitério,

o engano ao vigia, o esconderijo em outro túmulo, a abertura do túmulo de Aramburu, o

disfarce do caixão com flores buscadas no cemitério por conta de um depósito vazio, o peso e

tamanho da ataúde, a saída debaixo de chuva e etc.), trouxe um ar nas reportagens ora de

vitória ora de lamento.

Vitória pois o movimento conseguiu seus objetivos: sequestrar Aramburu e trocá-lo

por Evita. Contudo, ao invés de uma grande festa esperada por Montoneros para comemorar

essa luta de 19 anos do movimento peronista, o corpo de Evita foi trazido da Europa como um

simples trâmite administrativo e policial. O governo de Isabel Perón e López Rega

glorificavam-se de tal feito, como se fossem os “responsáveis” pelo resgate de Evita.

Montoneros lamentaram ainda que o corpo de Evita tivesse sido afastado do povo e

enterrado junto com Perón na Quinta de Olivos, onde só poderia ser visitado mediante uma

consulta agendada por ordem alfabética e excluindo vários movimentos.22

21

“La Justicia del Pueblo Peronista – Aramburu X Evita”. Evita Montonera, Ano 1, Nº4, abril de 1975. 22 “¿Donde está Evita?”. Evita Montonera, Ano 1, Nº5, junho e julho de 1975.

13

No entanto, para o grupo, essas atitudes só afirmavam que “se Evita vivesse, seria

Montonera” e, por isso, sua volta ao país significava que

A Evita, foram buscá-la os traidores porque não tinham mais remédio. Porque o povo

peronista exigia (...) Evita voltou a sua Pátria para continuar com seu povo e com as lutas

que esse povo realiza pela Liberação Nacional.23

A excepcionalidade desses dois corpos marcaram a história dos Montoneros.

Aramburu, com seu sequestro, morte e novo sequestro, mostrou que a vingança e o pacto de

sangue deveriam ser aceitos pelo movimento e pelos peronistas em geral. Evita era a

simbologia: seu efeito “fora do lugar” – atriz que não se enquadrava nas estrelas, primeira-

dama que circulava, defendia e encarava o mundo masculino, mulher “antessala” do

justicialismo – transformou seu segundo lugar na política peronista em único. Ela ocupava

todos aqueles lugares onde Perón não podia estar porque havia tomado a posição de

apaziguador das diferenças políticas. Ela era a abandeirada dos humildes, a capitã Evita, a

representante de Perón diante do povo e dos trabalhadores. Portanto, seu corpo era o “corpo

do rei”.24

A preservação de seu cadáver havia sido decidida antes mesmo de sua morte, em 26

de julho de 1952. Quando esta aconteceu, seu corpo era exibido durante o dia para as

homenagens públicas, enquanto a noite o médico Pedro Ara dedicava-se ao trabalho de

embalsamento para que ela fosse eternizada.

Sua trajetória, o trágico fim da “heroína do justicialismo”, esse mórbido destino e o

sequestro de seus restos pela ditadura de 1955 aumentaram o símbolo de sua figura. Evita, no

imaginário peronista, era primordial, era um ícone. E, para os peronistas de esquerda, a

identidade de Evita era a “luta pelos trabalhadores”, pelos seus “descamisados”.

Em fins dos anos 1970, discursos e fotografias de Eva foram usados para afirmar as

políticas dos Montoneros. A organização associou-se à sua imagem, trazida em muitas de

suas propagandas, ora como uma guerreira que, mesmo doente e limitada por seu corpo débil,

“Editorial: El imperialismo avanza. Más explotación y represión para el Pueblo”. Evita Montonera, Ano 1, Nº2, janeiro e fevereiro de 1975. 23 “A Evita la fueron buscar estos traidores porque no tenían más remédio. Porque el Pueblo peronista lo exigia. (...) Evita volvió a su Pátria para continuar con su puebloy con las luchas que ese Pueblo realiza por la liberación nacional”. “Evita la trajimos luchando los muchachos peronistas”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, Dezembro de 1974. p.27. 24 Ideia de Kantorowicz, onde o corpo político valeria mais que o natural. (SARLO, 2008)

14

lutava na cena política apoiando e apoiada por Perón, ora como a jovem de cabelos soltos,

divertida e serena, que prezava pelos menos favorecidos do país. Evita significava a bandeira

do “verdadeiro peronismo”.

Propaganda. Evita Montonera, Ano 1, Nº2, janeiro e fevereiro de 1975. p.39.

“Evita la trajimos luchando los muchachos peronistas”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, Dezembro de 1974. p.25.

25

E voltando ao ponto central, Evita Montonera colocava em oposição a este corpo

simbólico de Evita, o Corpo do Rei, Isabel Perón. A frágil Isabel representava um misto entre

traição, magia negra e aventura. A mulher que “montou na herança do General e sobre os sete

milhões de votos que apoiaram Perón” para decidir-se pelos “traidores”, apadrinhar um

“bruxo” e apoiar a “máfia” sindicalista. Unir-se aos “piores inimigos”, “abraçar as Forças

Armadas e a oligarquia, atacar aos trabalhadores”. Criar um governo “pró-imperialista,

antipopular e antiperonista”.26

25 Publicada, em 31 de agosto de 1951, no El Hogar e, em outubro, no Mundo Peronista, a primeira foto mostra evita, aos 45 anos, em ato público, vestida de negro, apoiada sobre o peito de Perón. A segunda foto, publicada a princípios de 1952, mas tirada há muito tempo, foi divulgada por ocasião de sua doença e proximidade com a morte. 26 “Crónica de la resistencia”. Evita Montonera, Ano 1, Nº3, março de 1975. p.39.

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Conclusão

Evita Montonera trouxe para os militantes montoneros a possibilidade de entrar em

contato com as ideias e os feitos da organização em todo país. A revista era uma das

estratégias militares e políticas que conectava todo o território nacional e possibilitava que os

militantes tomassem ciência sobre o que ocorria na Condução Nacional. Tudo, logicamente,

sob a perspectiva de motivar estes leitores e, assim, fazê-los cumprir a tarefa de propaganda

que lhes fora incumbida.

Nos anos 1974 e 1975, a análise principal da revista esteve voltada a crítica ao

peronismo, considerado “falso”, que era realizado pelo governo de Isabel Perón e seus

aliados. O tema recorrente era a traição de Isabel, sua violência contra o povo, e os atos que a

organização andava fazendo para desmascará-la e vencer esse obstáculo para a justiça social.

O embate com Isabel deu lugar, depois do golpe, ao embate contra os militares.

Considerados sempre como inimigos principais desses governos, por falarem pelo

“verdadeiro peronismo”, Montoneros afirmaram que a derrubada de “Isabel e seus palhaços”

finalizaria a conciliação entre classes pregada pelo justicialismo. Naquele momento a luta

entre classes estaria evidente e como havia dito Perón “em uma guerra entre um exército e um

povo, não se soube de nenhum caso em que o povo houvesse desaparecido”.27

Percebe-se que, para Montoneros, o peronismo possuía três representações: Perón e

seu movimento que deu início a crítica ao imperialismo e a construção de um capitalismo

nacional e mais justo; Evita e sua luta enfática pelas demandas dos trabalhadores; e Isabel

Perón e o desvirtuamento da luta popular e enganação do povo peronista. Essas três

representações auxiliavam a construção de uma das identidades montoneras – o peronismo de

esquerda.

Presentes em quase todos os escritos na revista, Montoneros criou-se, neste período,

polarizando-se entre sua Evita que era montonera e a Isabel que nem peronista seria. O

intermediário Perón permanecia com sua neutralidade que, inclusive, o levaria a ser alvo de

“No importan cuantos son. Resistencia peronista al avance imperialista”. Evita Montonera, Ano 1, Nº1, dezembro de 1974. 27 “El general Perón señalo que en una guerra entre un ejército y un Pueblo no se conoce ningún caso en que haja desaparecido el Pueblo”. Tradução da autora. “El ultimo desatino para su historia”. Evita Montonera, Ano 2, Nº13, abril e maio de 1976. p.10.

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críticas dentro de Evita Montonera, reflexo da organização. O peronismo montonero

expressava, assim, a sua especificidade.

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Documentos:

Evita Montonera Nº0 ao 23

Sítios Eletrônicos:

http://www.desaparecidos.org/arg/victimas/listas/aaa.html