EVOLUÇÃO, COMPROMETIMENTO E ESCOLHA … DOS REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO EVOLUÇÃO, COMPROMETIMENTO E ESCOLHA DE MERCADOS NA INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS: ESTUDO DE CASOS LUIZ FILIPE GONZAGA AGAPITO DA VEIGA MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO ORIENTADORA: PROFª. ANGELA DA ROCHA RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL 2001

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO

EVOLUÇÃO, COMPROMETIMENTO E ESCOLHA

DE MERCADOS NA INTERNACIONALIZAÇÃO

DE EMPRESAS BRASILEIRAS: ESTUDO DE

CASOS

LUIZ FILIPE GONZAGA AGAPITO DA VEIGA

MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

ORIENTADORA: PROFª. ANGELA DA ROCHA

RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL

2001

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AGRADECIMENTOS

Sou grato ao apoio e estímulo de meus colegas de turma, cujo entusiasmo e esforço final

pela conclusão da dissertação foi contagiante.

Gostaria também de agradecer aos funcionários do COPPEAD, pelas indicações e

informações quanto a referências teóricas na Biblioteca, dicas para uma convivência

mais tranqüila com o COPPEAD dadas pela secretaria acadêmica, e a paciência de

todos com os pedidos de mais prazo.

Aos membros da banca, sou grato pelo apoio e contribuições para a qualidade e

coerência do trabalho.

Agradeço especialmente à orientação da prof ª Angela, que com esforço pessoal e muita

dedicação tornou esta dissertação possível; e a sua equipe no Núcleo de

Internacionalização de Empresas financiado pelo Pronex, pelo apoio, e principalmente

Vanessa, pelo envolvimento pessoal e contribuição de qualidade nas entrevistas.

Finalmente, agradeço aos meus amigos Robson e Cecília pela paciência e pela ajuda,

aos meus colegas de trabalho por todo o incentivo, e especialmente a Gislaine, pela

compreensão, pelo carinho e incentivo para a conclusão deste trabalho.

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Veiga, Luiz Filipe Gonzaga Agapito da.

Evolução, comprometimento e escolha de mercados nainternacionalização de empresas brasileiras: estudo de casos /Luiz Filipe Gonzaga Agapito da Veiga. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2001.

viii; 118 p.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio deJaneiro, COPPEAD, 2001.

1. Internacionalização de Empresas – Tese. 2. Globalização– Tese. I. Título. II. Tese (Mestr. – UFRJ/COPPEAD).

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RESUMO DA DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO COPPEAD/UFRJ COMO

PARTE DOS REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM

CIÊNCIAS (M. Sc.)

EVOLUÇÃO, COMPROMETIMENTO E ESCOLHA DE MERCADOS NA

INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS: ESTUDO DE

CASOS

Luiz Filipe Gonzaga Agapito da Veiga

Março de 2001

Orientadora: Prof ª Angela da Rocha

Programa: Administração

O objetivo deste estudo foi, em um primeiro momento, investigar o processo de

internacionalização de empresas brasileiras, tendo sido utilizado como base o modelo

comportamental de internacionalização inicialmente proposto por Johanson e

Wiedersheim-Paul (1975) e Johanson e Vahlne (1977). Foram realizadas entrevistas em

profundidade com executivos de três empresas com longa tradição de

internacionalização, e a partir destas entrevistas os casos foram descritos e analisados

visando a compreensão das questões propostas.

Foram investigadas questões tais como: quais foram os estágios ou formas de entrada

em mercados no exterior; de que forma a seqüência da escolha dos mercados está

relacionada com o conceito de distância cultural; como se deu a evolução do

comprometimento com os mercados externos; e se ocorreu o desenvolvimento de

estruturas internas específicas e complexas para gerenciar o processo de

internacionalização. A análise dos casos resultou em novas proposições sobre a

evolução das estruturas internas de controle e sobre o papel das networks pessoais na

internacionalização de empresas brasileiras.

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ABSTRACT OF THE PRESENTED DISSERTATION TO COPPEAD/UFRJ AS

PART OF THE REQUIREMENTS FOR OBTAINING A MASTER'S DEGREE IN

SCIENCE (M. Sc.)

EVOLUTION, COMMITMENT AND CHOICE OF MARKETS IN THE

INTERNATIONALIZATION OF BRAZILIAN COMPANIES: CASE STUDIES

Luiz Filipe Gonzaga Agapito da Veiga

March, 2001

Advisor: Prof. Angela da Rocha

Program: Business Administration

The objective of this study was to investigate the internationalization process of

Brazilian firms, using initially as a framework the internationalization behavioral model

proposed by Johanson and Wiedersheim-Paul (1975) and Johanson and Vahlne (1977).

In depth-interviews were accomplished with executives of three companies with a long

history of internationalization, and from these interviews the cases were described and

analyzed.

The subjects investigated were: which were the stages and entry forms in foreign

markets chosen by firms; in which way the sequence of foreign markets was related to

the concept of cultural distance; how the evolution of the commitment with foreign

markets was established; and if the development of specific and complex internal

structures occurred in order to manage the internationalization process. The case

analysis provided new propositions on the evolution of internal structures of control and

the role of the executive’s personal networks in the internationalization of Brazilian

firms.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO ................................................................ 1

1. OBJETIVOS......................................................................................................... 1

2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO ............................................................................. 3

3. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ......................................................................... 4

CAPÍTULO SEGUNDO - REVISÃO DA LITERATURA ........................................ 6

1. MODELOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO POR ESTÁGIOS....................... 6

2. MODELOS ECONÔMICOS DE MULTINACIONALIZAÇÃO ..................... 14

3. OUTRAS PROPOSTAS .................................................................................... 17

4. A DISTÂNCIA CULTURAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS

EMPRESAS ............................................................................................................... 21

5. IMPACTO DA DISTÂNCIA CULTURAL SOBRE OS MODOS DE

ENTRADA EM MERCADOS EXTERNOS............................................................. 32

CAPÍTULO TERCEIRO - METODOLOGIA.......................................................... 36

1. MÉTODO DE PESQUISA................................................................................. 361.1. NATUREZA DO ESTUDO ......................................................................................................36

1.2. QUESTÕES DA PESQUISA ...................................................................................................37

1.3. MÉTODO DE PESQUISA: O ESTUDO DE CASOS ..............................................................37

1.4. COLETA DE DADOS..............................................................................................................38

1.5. ESCOLHA DOS INFORMANTES...........................................................................................39

1.6. ANÁLISE DOS DADOS...........................................................................................................39

1.7. LIMITAÇÕES DO MÉTODO..................................................................................................40

CAPÍTULO QUARTO - DESCRIÇÃO DOS CASOS.............................................. 42

1. CASO INDÚSTRIAS ROMI ............................................................................. 421.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA ........................................................................42

1.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................46

1.3. INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR............................................................................53

1.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................59

2. CASO DURATEX ............................................................................................. 621.5. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................62

1.6. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................63

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1.7. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................67

1.8. A ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL...............................................................73

3. CASO EUCATEX.............................................................................................. 753.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................75

3.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................76

3.3. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................83

3.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................91

CAPÍTULO QUINTO - ANÁLISE DOS CASOS ..................................................... 94

1. ANÁLISE DOS CASOS .................................................................................... 94

2. CONCLUSÕES................................................................................................ 106

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 111

ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA............................................................. 116

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CAPÍTULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO

1. OBJETIVOS

O Brasil assistiu, com maior intensidade a partir da década passada, a manifestações dos

efeitos de uma transformação que no mundo vem ocorrendo há pelo menos 50 anos: a

globalização dos mercados. Capitaneada pelo surgimento de uma extensa gama de

empresas que ultrapassaram as fronteiras nacionais, tendo como face mais evidente o

avanço de grandes corporações multinacionais, e levada ao extremo pelo progresso

tecnológico, principalmente em telecomunicações, informática e logística, a

globalização ampliou a circulação de mercadorias e permitiu a incorporação de novos

mercados e nações antes excluídas. Sua face benigna foi a rápida evolução de países que

conseguiram elevar a renda per capita e diversos indicadores de bem estar social através

de agressivas políticas industriais voltadas para a exportação, conhecidos como os

“Tigres Asiáticos”. Na outra ponta, vários países que promoveram uma abertura da

economia sem uma estratégia de inserção e competição no comércio mundial

experimentaram a fragilização de seu parque industrial, transferência de empregos para

países exportadores mais competitivos, e crises econômicas cíclicas.

O Brasil, até a década de 80, se encontrava isolado pelo fechamento comercial imposto

por barreiras alfandegárias, tônica de uma política protecionista voltada para a chamada

indústria nacional. Esta parceria entre estado e iniciativa privada, que distribuiu

incentivos com base em conceitos como “desenvolvimento de uma indústria

estratégica” no Brasil, fez crescer uma qualidade de empresas de rápido

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desenvolvimento, com mercado interno cativo e dependente de regulamentação e verbas

governamentais.

Com a chegada da década de 90, o Brasil abriu-se para o comércio mundial em uma

repentina guinada política. Seguiu-se mais de uma década de exposição à forte

concorrência internacional - que comprou empresas e tomou de assalto mercados – em

que empresas nacionais se viram competindo com desvantagens, dentre elas falta de

escala, alto custo do capital e dificuldade de acesso à tecnologias de ponta, o que trouxe

a compreensão sobre a urgência da modernização.

Impulsionadas pela queda de alíquotas para importação de bens de capital e produtos

diversos, as empresas iniciaram um processo de modernização e compra de insumos no

mercado global que inverteu a longa tendência de superávites na balança comercial

brasileira na década anterior. Tendo como agravante a maciça entrada de produtos de

consumo estrangeiros, utilizada como forma de contenção dos níveis de preço no

mercado interno, o déficit na balança comercial reduziu a capacidade do país para pagar

seus compromissos financeiros internacionais, dificultando o direcionamento de

recursos para investimentos sociais, infra-estrutura e geração de crescimento.

No entanto, a competição no exterior encerrava desafios diversos dos enfrentados no

mercado doméstico, que não seriam ultrapassados sem que a empresa cumprisse uma

agenda de transformações internas, como pré-condição ou conseqüência da exposição

aos mercados externos. E estas transformações não eram indesejáveis. Muito pelo

contrário, traziam uma evolução tecnológica e consolidação da gestão estratégica,

preparando a empresa para a concorrência global e aliviando as pressões das crises

regionais cíclicas.

Timidamente, as empresas nacionais iniciaram seu processo de internacionalização.

Seja pressionadas por um ambiente interno desfavorável, ou como resultado do caráter

empreendedor de seus líderes, para aproveitar boas oportunidades, ou mesmo buscando

um crescimento que tornasse sua empresa mais sólida frente à concorrência, várias

foram as razões que levaram as empresas a se internacionalizarem (Barretto, 1998).

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Neste momento, o mundo se descortinava frente aos olhos do executivo. Que mercados

escolher? Como servi-los? Como organizar as operações internacionais? Como obter

vantagens da operação em mercados estrangeiros? Muitas eram as variáveis que

influenciariam este processo decisório, que tem sido objeto de uma extensa linha de

pesquisa acadêmica, notadamente a partir da década de 70. Permeando os modelos

descritivos do processo de internacionalização das empresas, encontrava-se o conceito

de distância cultural (cultural distance ou psychic distance): “fatores que prejudicariam

o fluxo de informações entre a empresa e o mercado” (Johanson e Wiedersheim-Paul,

1975: 307).

Esta pesquisa busca, em um contexto mais amplo, conhecer o processo de

internacionalização de uma amostra de empresas brasileiras, utilizando para isso

entrevistas exploratórias feitas com executivos envolvidos nas decisões de

internacionalização; em um contexto mais específico, procura explorar o conceito de

distância cultural, investigando como a percepção da distância cultural afeta o executivo

em suas decisões.

O estudo faz parte da linha de pesquisa sobre Internacionalização de Empresas do

COPPEAD - Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, e conta com o apoio do PRONEX - Programa de Apoio a

Núcleos de Excelência ligado à FINEP/CAPES/CNPq.

2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO

Os desafios da competição no mercado globalizado são complexos e multifacetados. Por

seu lado, o governo brasileiro tenta impulsionar as vendas externas através de uma

política cambial favorável e a diminuição do chamado custo Brasil envolvendo questões

ligadas a, por, exemplo, burocracia, corporativismo, infra-estrutura de transportes,

situação dos portos etc. Por outro lado, procurou o governo estimular o ingresso de

empresas na atividade exportadora, através de financiamento e outras iniciativas que

compõem o programa de incentivo às exportações – PROEX. Estas iniciativas procuram

criar um ambiente macroeconômico que favoreça o fortalecimento e a ampliação da

atividade exportadora. No entanto, essas iniciativas nem sempre foram bem sucedidas,

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já que as atividades de exportação, muitas vezes, surgem aqui e ali, sem corresponder ao

ritmo de crescimento previsto pelo governo e desejado pela sociedade.

Exportar é preciso. E para isso deve-se enfrentar o desafio de modificar uma

mentalidade empresarial forjada por décadas de atuação exclusiva no mercado nacional,

protegido da concorrência estrangeira, e uma infra-estrutura de apoio à exportação

emperrada por décadas de desuso. No entanto, outros desafios se colocam no âmbito

microeconômico. Em seu estudo, Dichtl et al. (1990) estudaram a propensão à

exportação através de duas variáveis: ambiente da indústria e atitude gerencial, sendo

que ambas variáveis poderiam ser favoráveis ou desfavoráveis à exportação.

Concluíram que existiam dois clusters que apresentavam alto potencial para a

exportação, com ambiente favorável e atitude gerencial desfavorável ou com ambiente

desfavorável e atitude gerencial favorável, com uma percepção de desvantagem

competitiva em relação ao mercado internacional.

Este estudo se insere em uma linha de pesquisa que procura investigar o pensamento do

empresariado brasileiro quanto ao tema internacionalização, como se dá este processo,

suas variáveis e barreiras relevantes. São raros os estudos realizados no Brasil que

tratem do tema, contrastando com a literatura internacional. Em especial, o estudo da

percepção dos executivos acerca da distância cultural entre os mercados de atuação

pode trazer contribuição relevante quanto ao entendimento do comportamento e atitude

do executivo brasileiro quando confrontado com a perspectiva de internacionalizar sua

empresa, fornecendo subsídios para programas de suporte e incentivo à exportação.

3. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

Este trabalho está organizado em seis capítulos.

O primeiro capítulo apresenta a introdução ao estudo, destacando seus objetivos e

relevância.

O segundo capítulo apresenta uma revisão da literatura sobre o tema, enfatizando duas

áreas principais: o processo de internacionalização das empresas e a influência da

distância cultural nesse processo.

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O terceiro capítulo discute a metodologia adotada no estudo. Apresenta-se o método de

pesquisa utilizado, o estudo de casos, e o método de coleta de dados aplicado, a

entrevista em profundidade. Em seguida são descritos os procedimentos de coleta e

análise de dados e indicadas as limitações do estudo.

O quarto capítulo apresenta os três casos de empresas internacionalizadas em que se

baseou o estudo. Cada caso se inicia com uma breve caracterização da empresa,

seguindo-se uma descrição de seu processo de internacionalização, com ênfase no

investimento direto no exterior e de sua estrutura para a ação internacional.

O quinto capítulo apresenta uma análise dos casos, a partir das perguntas que orientaram

a pesquisa e as conclusões e campos para futuras pesquisas.

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CAPÍTULO SEGUNDO - REVISÃO DA LITERATURA

A literatura sobre o processo de internacionalização se ocupa de vários temas, sendo o

mais recorrente a proposição de um modelo que seja descritivo e prescritivo em relação

aos passos que as empresas seguem durante o processo. Modos de entrada, esquemas de

decisão quanto a iniciar o processo, estratégias e desenvolvimento de estruturas

organizacionais, instrumentos de controle e escolha de pessoal durante o processo são

assuntos também estudados. A distância cultural surge como importante aspecto do

processo, uma variável a que muitos estudos se referem como determinante de escolhas

relacionadas a todos os outros temas.

1. MODELOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO POR ESTÁGIOS

Os estudos iniciais do processo de internacionalização das empresas produziram teorias

(Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977) cuja base se assentava

em uma idéia de estágios, um processo gradual que dependia de diversas variáveis. Este

modelo de internacionalização ficou conhecido como o Modelo de Uppsala (em alusão

à Universidade de Uppsala, na Suécia, onde foi primeiramente proposto). Segundo

Johanson e Wiedersheim-Paul (1975), o desenvolvimento incremental do processo de

internacionalização das empresas se devia ao nível de risco percebido com relação aos

mercados estrangeiros resultante do desconhecimento de sua dinâmica,

desconhecimento este que seria gradualmente reduzido pelo fator experiência.

O modelo propõe quatro diferentes estágios de internacionalização: (1) atividades de

exportação não regulares, (2) exportação via representantes independentes ou agentes,

(3) o estabelecimento de uma ou mais subsidiárias de vendas, e (4) a implantação de

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unidade(s) de produção/montagem no país estrangeiro. Estes quatro estágios significam

diferentes graus de comprometimento de recursos com o mercado externo, desde o

passo inicial, sem envolvimento significativo de recursos, passando pelo

estabelecimento de um canal regular para o fluxo de informações via agentes, busca de

maior controle sobre os fatores de mercado com a subsidiária de vendas, até o

comprometimento maior de recursos com o estabelecimento de uma unidade de

produção.

Em pesquisa empírica, Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) compararam os processos

de internacionalização de quatro empresas suecas, ao longo do tempo, com o modelo

proposto de quatro estágios. O estudo, além de buscar um padrão seqüencial de estágios

na entrada em diversos mercados, procurou estabelecer correlações entre a ordem dos

mercados escolhidos e o tamanho do mercado, e com o conceito de distância cultural. O

tamanho dos mercados estaria relacionado tanto ao potencial de negócios

(oportunidades) que este poderia proporcionar, quanto a comparações com o mercado

doméstico da empresa, no sentido de buscar semelhanças que atenuassem a percepção

de riscos.

A distância cultural entre o mercados doméstico e o de atuação da empresa influenciaria

a dificuldade de obtenção de conhecimento sobre o mercado, aumentando incertezas e

riscos percebidos. Assim, o padrão de estabelecimento de relações com os mercados

seria compatível com uma escala que classificasse os mercados quanto à sua distância

cultural do mercado doméstico.

A venda por agentes em um mercado levaria à escolha de agentes em todos os outros

mercados antes do estabelecimento de uma subsidiária em outros mercados, o que

precederia a implantação da primeira unidade produtiva, indicando que a passagem para

um estágio de internacionalização resultaria no desenvolvimento de estruturas internas

(inteligência, recursos humanos, canais de comunicação, estruturas organizacionais)

cada vez mais complexas para o controle das operações internacionais. Como resultado

da pesquisa, o modelo de estágios proporcionou uma correta descrição do padrão de

internacionalização das empresas, observando-se apenas comportamentos diferentes

quanto às relações entre tamanho de mercado e distância cultural.

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Em estudo posterior, Johanson e Vahlne (1977) propuseram um modelo teórico que

conceitualizou a dinâmica do processo de internacionalização das empresas a partir da

relação entre risco e conhecimento de mercado, grau de atividade no mercado

(comprometimento e operações) e decisões de comprometimento de recursos. O nível

de risco e incertezas percebido nas operações em um mercado estrangeiro seria

inversamente proporcional ao nível de conhecimento que a empresa detivesse sobre este

mercado. Assim, o acúmulo de conhecimento e um maior comprometimento com o

mercado levariam a novas decisões de comprometimento e modificações nas atividades

atuais neste mercado, proporcionando um novo nível de conhecimento sobre o mercado.

O conhecimento sobre o mercado poderia ser adquirido de duas formas: como

conhecimento objetivo, poderia ser ensinado, transferido, registrado; como

conhecimento prático ou experimental, adquirido através da experiência dos recursos

humanos da empresa com o mercado, seria mais crítico, por ser mais difícil de obter.

Comprometimento com o mercado foi entendido como a quantidade de recursos

atribuída a determinado mercado, principalmente recursos dedicados ou especializados

que seriam mais difíceis de reaproveitar para outros fins. As decisões de

comprometimento estariam relacionadas às atividades atuais neste mercado, motivadas

por problemas ou oportunidades que surgissem nas operações no mercado. O

reconhecimento de problemas e oportunidades no mercado seria função de exposição e

experiência. As soluções encontradas levariam a um novo nível de comprometimento

com o mercado, e a um novo nível de atividades, que seria a principal fonte de

experiência e aprendizado.

Hedlund e Kverneland (1983) analisaram a teoria de processo gradual de

internacionalização a partir de um estudo realizado entre empresas suecas atuantes no

mercado japonês. Segundo os autores, vários fatores iriam de encontro às teorias de

estágios, dentre eles: a experiência internacional levaria as empresas a queimarem

etapas no processo, descaracterizando um processo gradual; o ambiente de negócios nos

diversos países estaria ficando cada vez mais homogêneo, reduzindo o risco percebido e

possibilitando o surgimento de novas estruturas empresariais, mais descentralizadas e

preocupadas em integrar os mercados em uma estratégia global; a combinação desses

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fatores estaria gerando um novo tipo de empresa, multinacional em essência, que não

apresentaria distinções entre mercado doméstico e internacional.

Os autores criticaram as conclusões dos teóricos do processo em estágios em função de

deficiências metodológicas em seus estudos, principalmente no tamanho não

significativo da amostra, ou em amostras contendo um tipo muito particular de empresa;

a influência das estratégias das empresas sobre o processo, o que não teria sido levado

em conta pelos estudos anteriores; e a eliminação das amostras de empresas que

abandonaram o processo antes do estágio de investimento direto em unidades de

produção.

Definindo “caminho longo” como o caminho proposto pela teoria de estágios (venda via

agentes, em seguida via subsidiária de vendas e posteriormente estabelecimento de

unidade produtiva) e “caminho curto” como a passagem direta de agentes para unidade

produtiva, os autores obtiveram resultados favorecendo o caminho curto em detrimento

do longo. Alguns fatores foram apontados pelos autores como responsáveis por este

novo comportamento:

! Conhecimento do mercado - empresas que adotaram o caminho curto tenderiam a se

utilizar de joint ventures ou subcontratação de fabricação, em contraposição ao

caminho longo, em que as empresas preferiam filiais próprias. Isto poderia sinalizar

uma busca por um contato mais estreito com a cultura estrangeira pelas empresas

que adotassem o caminho curto, no sentido de agilizar o processo de aprendizagem;

! Experiência internacional - empresas que seguiam o caminho curto tinham

relativamente mais experiência internacional anterior do que as outras;

! Outros fatores - o tamanho das empresas que adotaram o caminho curto era maior

do que as restantes; a necessidade de adaptação de produtos e serviços ao mercado

japonês poderia ser um fator que levaria as empresas a rapidamente estabelecer

unidades produtivas no Japão. Segundo os autores, não foi possível estabelecer uma

relação consistente entre a escolha do caminho curto ou longo e desempenho da

empresa.

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Turnbull (1987) também criticou o modelo de estágios de internacionalização,

primeiramente por sua pequena evidenciação empírica, e posteriormente pela existência

de indícios em outros estudos de que as empresas realmente não seguiriam nenhuma

ordem que fosse consistente com estes modelos. O autor mencionou, em suas

considerações, a existência de problemas de metodologia e interpretação, notadamente

os relacionados à compreensão de empresas multinacionais de grande porte, sua

organização estrutural em divisões complexas e dinâmicas por produtos ou mercados, o

que tornaria difícil definir seu grau de internacionalização. Outro problema estaria na

dificuldade para estabelecer critérios para o julgamento do grau de internacionalização

de uma empresa.

A partir de pesquisa empírica realizada por Turnbull (1987), diversas evidências

contrapunham-se aos modelos de estágios. Em alguns casos, apesar de uma grande

dependência dos mercados externos, a estrutura de vendas mais utilizada pelas empresas

era a de agentes, com venda direta entre as empresas. Os agentes eram responsáveis pela

busca de oportunidades, negociações e contratos com clientes, e a manutenção e

serviços pós-vendas. Com a vantagem de não agregarem custos aos fornecedores, a

escolha de agentes era mais vantajosa para o mercado, sem relação com uma evolução

seqüencial de internacionalização. Os desafios da evolução tecnológica forçaram as

empresas a um processo mais acelerado de internacionalização. Empresas de grande

porte mostraram baixo grau de orientação internacional, enquanto outras se utilizaram

de estruturas semelhantes para mercados onde já tinham presença substancial e outros

onde estavam entrando, demonstrando pouca relação entre tamanho e grau de

internacionalização, experiência e estrutura de vendas. Algumas empresas empregavam

subsidiárias de vendas, agentes e distribuidores para atender ao mesmo mercado.

Em geral, não foi encontrado suporte empírico para uma relação entre tamanho da

empresa e sua estrutura de vendas. Também não havia evidências quanto à relação entre

comprometimento com o mercado (medido pela proporção de vendas para o exterior no

faturamento) e estrutura organizacional adotada. Existiam mesmo empresas com

pequeno volume de exportação que montavam subsidiárias de vendas e fábricas em

outros mercados. A pesquisa mostrou que as escolhas de estruturas eram semelhantes

nos mercados. O estudo não apresentou suporte à teoria de estágios de

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internacionalização, sugerindo que o grau de orientação internacional seria determinado

pelo ambiente, a estrutura do setor e pela estratégia de marketing. Afirmou ainda o autor

que a teoria de estágios teria sido útil nos anos 60, quando foi concebida, mas havia

perdido o sentido nos anos 80 em mercados mutáveis e competitivos. Por fim, observou

que a teoria de estágios seria melhor usada para fins de classificação da indústria, mas

não como explicação de como e por quê ocorreria a internacionalização. Os estudos

deveriam ser realizados em segmentos e a busca por uma teoria mais generalizada

deveria ser descartada, devido às diferenças entre os setores e suas estratégias.

Outros autores modificaram a teoria de internacionalização por estágios proposta pelos

teóricos de Uppsalla, observando o processo sob pontos de vista diferentes ou mais

abrangentes. Cavusgil (1984) procurou relacionar em seu estudo diversas características

mensuráveis das empresas com uma classificação por ele proposta relativa ao grau de

envolvimento com mercados internacionais, a saber: “envolvimento experimental”,

onde a empresa trataria o mercado externo como marginal, com objetivos de curto

prazo, poucos clientes e pouco comprometimento de recursos gerenciais; “envolvimento

ativo”, onde a exportação seria mais regular, o marketing mix já seria mais adaptado aos

mercados externos, a empresa procuraria mercados atraentes para servir, com uma base

mais estável de clientes; e “comprometimento”, onde a empresa buscaria oportunidades

de negócios globalmente, estabeleceria subsidiárias de vendas e produção em mercados

externos, se beneficiaria do global sourcing, tornando tênues os limites entre os

mercados doméstico e externo.

O tamanho da empresa, medido em volume de faturamento ou número de empregados

não apresentava relação forte com o grau de internacionalização, assim como o tempo

de experiência de exportação. Intensidade de exportação (razão entre volume de

exportação e vendas totais) também não apresentava correlação perfeita com o grau de

internacionalização. Apenas o percentual do lucro obtido em exportações teve boa

correlação com o grau de internacionalização.

Em geral, o grau de competição no mercado doméstico não seria importante para o grau

de internacionalização, mas a saturação do mercado ou uma posição na maturidade ou

declínio no ciclo de vida de seus produtos poderia levar as empresas a uma posição de

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maior comprometimento. A primeira forma de envolvimento das empresas com o

mercado externo seria a exportação, a partir de pedidos externos não previstos. Com o

tempo, as empresas mais comprometidas passariam a procurar mais por lucros. Para

empresas experimentais, o maior problema seria a formação de canais de distribuição.

Para as ativas e comprometidas as flutuações das moedas estrangeiras seriam sua maior

preocupação.

Independente do grau de internacionalização, as empresas não precisariam de um

produto excepcional, mas um produto de qualidade já seria fator de sucesso no mercado

externo. A escolha dos mercados a servir não acompanharia a teoria da distância

cultural, isto é, não seriam escolhidos primeiramente mercados culturalmente próximos

do doméstico, nem existiria diferença entre os três tipos de empresa em relação a este

quesito. A estrutura organizacional se tornaria mais complexa na medida em que a

empresa se internacionalizasse, ao mesmo tempo que decresceria o envolvimento do

principal executivo. Empresas em estágios mais avançados de internacionalização

dariam mais importância a pesquisas de marketing, procurando obter informações sobre

o mercado de todas as formas possíveis, ao contrário das experimentais, que se

contentariam com informações obtidas em publicações ou feiras comerciais. Quanto

mais experientes as empresas, melhor desenvolvido seria o canal de obtenção de

informações sobre o mercado.

A partir de uma definição mais genérica de internacionalização das empresas - o

processo de envolvimento incremental em operações internacionais - Welch e

Luostarinen (1988) situaram internacionalização em um contexto amplo, que englobaria

tanto as exportações ou vendas de produtos manufaturados, e até mesmo a utilização de

fornecedores externos (de outros países).

Foram examinadas algumas dimensões do processo de internacionalização das

empresas, como a seguir:

! método operacional - na medida em que aumentava o grau de comprometimento das

empresas com um mercado internacional qualquer, modificar-se-ia o método

utilizado para servir este mercado, como indicado em vários estudos (Johanson e

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Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977), motivados por ganhos em

experiência e conhecimento sobre o mercado, ameaças ou regulações

governamentais protecionistas contra exportações bem sucedidas. O sucesso no

processo de internacionalização dependeria da habilidade para empregar vários

métodos de aproximação em operações internacionais;

! objeto da venda - o aumento do envolvimento com um mercado internacional

implicaria normalmente em aprofundar e diversificar a oferta, utilizando um novo

produto, ou reformulando totalmente e expandindo um produto existente, com

inclusão de componentes como serviços, tecnologia, etc.;

! mercados alvo - empresas iniciando processo de internacionalização procurariam

mercados semelhantes, em termos de distância cultural, aos mercados onde já

atuavam, e quanto mais maduro este processo, mais distantes seriam os mercados

procurados;

! recursos humanos - o pessoal envolvido no processo de internacionalização seria

fator de sucesso para estas operações, isto é, a escolha dos responsáveis pelas

decisões entre pessoal com experiência internacional, domínio da língua e da

cultura, além de políticas de treinamento que levariam em conta as necessidades de

uma firma neste processo diminuiriam a incidência de baixo desempenho e falhas;

! estrutura organizacional - o crescente compromisso com mercados internacionais

seria seguido pelo estabelecimento de cada vez mais complexas estruturas na

organização, responsáveis pela coordenação do processo de internacionalização;

! finanças - o grau de internacionalização das empresas estaria relacionado com o

desenvolvimento de mecanismos diversos para o financiamento destas operações.

Os estudos realizados por vários autores confirmariam a chamado processo

evolucionário de internacionalização, não só quanto ao método operacional como nos

estudos ligados às indústrias suecas, como quanto às ofertas de produtos, isto é,

seguindo a idéia de produtos estendidos, ampliados, etc. Somente as empresas de

serviços escapariam a este processo, mais pela natureza de sua oferta. Apesar deste

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processo ser reconhecível na maioria dos casos estudados, ele seria irregular, sendo que

várias empresas optariam por seguir caminhos diferentes, às vezes saltando etapas. Isto

se daria tanto por particularidades dos mercados e países em que a empresa atuava,

quanto pelo próprio conhecimento acumulado na empresa, que lhe permitiria diminuir o

risco na entrada em mercados distantes. Vários seriam os fatores determinantes do

processo de internacionalização, dentre os quais: disponibilidade de recursos, ou a

relação entre recursos (e o tamanho das empresas) e a rapidez de seu processo de

internacionalização (pequenas firmas, com menos recursos, tenderiam a agir mais

lentamente); o conhecimento (know-how) seria um fator crítico, não só sobre o mercado,

mas sobre técnicas de operação no exterior, sobre fornecedores, pessoal, etc.; o contato

pessoal e interação social seriam importantes no estabelecimento de networks (redes de

comunicação), principalmente aquelas entre fornecedores e distribuidores, cuja distância

tenderia a ser acentuada pelas barreiras físicas e culturais, consumindo tempo no

estabelecimento de contatos e experiência; risco e incertezas existiriam tanto do lado da

empresa que entra em um novo mercado quanto de consumidores e empresas que

realizassem negócios com empresas estrangeiras, sendo por isso que as empresas

costumariam iniciar a internacionalização por mercados semelhantes aos seus mercados

domésticos; na medida em que as operações internacionais crescem, a empresa a

buscaria maior controle, normalmente por insatisfação com a relação entre potencial do

mercado e desempenho real, criada pelo acúmulo de experiência naquele mercado, o

que lhe daria uma visão mais profunda sobre suas características; e o compromisso com

o mercado internacional, que cresceria na medida em que maior quantidade de recursos

fossem destinados a ele, particularmente face ao desenvolvimento de uma estratégia de

internacionalização.

2. MODELOS ECONÔMICOS DE MULTINACIONALIZAÇÃO

O estudo do processo de internacionalização das empresas passa pelo estudo de como as

empresas se estruturariam e se organizariam, em função de que variáveis elas tomariam

suas decisões, quais vantagens competitivas a empresa poderia obter com este processo

e como estas decisões, organização e estruturas iriam afetar seu desempenho no

mercado alvo e como organização.

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Buckley e Casson (1979) procuraram elaborar um modelo de atuação em (atendimento

de) um dado mercado a partir do que chamaram de “efeito da localização” e “efeito da

propriedade”. Afirmaram que um mercado nacional poderia ser atendido de 4 formas

principais: (1) por firmas nacionais; (2) por subsidiárias de multinacionais; (3) via

exportações de empresas instaladas no exterior; e (4) via exportações de unidades de

produção localizadas no exterior mas de propriedade de empresas multinacionais com

sede no mercado.

Os dois primeiros casos difeririam dos demais pelo efeito localização, isto é, uns

atenderiam ao mercado de dentro, outros via exportações (de fora). Empresas buscariam

uma localização otimizada de suas subsidiárias, onde os custos gerais de produção

seriam minimizados. Entretanto, existiriam alguns fatores complicadores: o fator escala

determinaria que a estratégia de localização deveria mudar em função do tamanho do

mercado, quando fosse um único mercado a ser atendido, ou em função de custos de

distribuição, quando fossem múltiplos mercados; outras atividades além da produção,

tais como marketing e pesquisa e desenvolvimento, influenciariam a estratégia de

localização, pois consumiriam recursos diversos da produção; a estrutura competitiva do

mercado, assim como o grau de intervenção do governo no mercado e o efeito da

propriedade (comentado a seguir) influenciariam a estratégia de localização.

O efeito da propriedade, como mostrado nas alternativas (1) e (3) de um lado e (2) e (4)

do outro, passaria pelo conceito de “internalização” de um mercado, isto é, quando um

mercado externo fosse atendido por uma subsidiária de uma empresa, tornando o

mercado “interno” à empresa (criando uma multinacional). A internalização de outros

mercados seria importante em indústrias que dependem de fontes externas de matérias-

primas vitais ou de um fluxo ótimo de informação técnica e conhecimento de marketing.

Subsidiárias de empresas multinacionais teriam vantagens competitivas graças ao

acesso privilegiado ao conhecimento e tecnologia gerado internamente pela empresa nos

outros mercados em que atuasse, e acesso mais barato a recursos e produtos em razão do

preço de transferência.

Fatores ao nível da indústria em questão (natureza do produto, estrutura do mercado

externo), ao nível regional (distância regional e social, disponibilidade de matéria-

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prima), ao nível nacional (estrutura política e fiscal) e ao nível da empresa (facilidade de

comunicação e controle) deveriam ser levados em consideração ao se buscar um

prognóstico sobre a divisão dos mercados entre os quatro grupos de empresas descritos

acima.

Pequenas e médias empresas enfrentariam problemas diferentes das grandes empresas

quando escolhessem como caminho para o crescimento a ocupação de mercados

internacionais. Buckley (1989) afirmou que as dificuldades se deveriam principalmente

a dois fatores: pouca disponibilidade de recursos financeiros e escassez de recursos

humanos habilitados ou de tempo da gerência para lidar com os problemas da

internacionalização.

A falta de recursos financeiros seria enfrentada por três tipos de estratégia: pequenas e

médias empresas geralmente seriam empresas de um único mercado ou produto,

procurando se estabelecer em nichos nos mercados estrangeiros, reduzindo assim seu

investimento inicial; ao invés de espalhar investimento por vários mercados,

escolheriam um e procuram reinvestir os resultados nesta mesma subsidiária,

estabelecendo um prazo para que ela chegasse a um certo nível de resultados que

financiasse investimentos em novos mercados; as empresas escolheriam um processo

gradual de comprometimento com os mercados internacionais, com exportação seguida

de vendas via agentes, estabelecimento de subsidiárias e então o investimento em

unidades produtivas. Desta forma, em caso de insucesso, as empresas poderiam voltar

atrás antes que um investimento mais vultoso fosse feito.

Escassez de recursos humanos habilitados seria um fator crítico, dado que a gerência

seria responsável pelo processo decisório envolvido na internacionalização. Em muitos

casos, pequenas e médias empresas com estrutura familiar viveriam o conflito entre a

manutenção do controle da família sobre a empresa e a aquisição de inteligência

gerencial no mercado. Para lidar com a falta de tempo para se dedicarem ao processo,

gerentes deixariam de lado algumas etapas do processo, evitando análises mais

demoradas ou reduzindo o processo de coleta de informações. Normalmente este

comportamento levaria a um alto grau de insucesso, mas este fator seria atenuado tendo

em vista o caráter quase sempre empreendedor e visionário destas empresas. Por fim,

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pequenas e médias empresas seriam mais vulneráveis a mudanças no ambiente

tecnológico, político, de mercado ou institucional. Assim, a flexibilidade seria uma

vantagem competitiva importante se conquistada.

3. OUTRAS PROPOSTAS

O modelo de estágios elaborado pela escola de Uppsala não foi a única tentativa de

elaboração de um modelo para a compreensão do processo de internacionalização das

empresas. Outros autores abordaram o assunto, seja tentando ocupar lacunas deixadas

pela teoria de estágios, seja formulando novas teorias a partir de uma visão crítica.

Strandskov (1986) classificou as teorias relativas ao processo de internacionalização das

empresas segundo dois modelos: um processo unilinear, onde a empresa seguiria um

caminho preestabelecido, com fases ou estágios que corresponderiam a um arranjo entre

diversas variáveis internas ou externas à empresa; ou um processo cíclico, caracterizado

por momentos de estabilidade que se alternariam com momentos de mudança ou

revolução.

O autor afirmou que o modelo unilinear implicaria em uma visão determinística do

processo, na medida em que todas as empresas teriam que passar necessariamente por

todas as fases, sem possibilidade de saltos ou reversões na direção do movimento.

Segundo o autor, esta visão seria um ideal científico, no qual comportamentos passados

de uma empresa serviriam para prever movimentos futuros de outras. No entanto, o

próprio estudo dos comportamentos passados das empresas seria contaminado pela

visão do pesquisador, já que este olharia para a história da empresa tendo suas hipóteses

como padrão de interpretação e organização dos dados. Além disso, as empresas

apresentariam comportamentos diversos entre si, fruto de decisões tomadas por seres

humanos imprevisíveis, e em respostas a condições ambientais diversas, que não

repetiriam as condições onde decisões passadas foram tomadas.

Organizações viveriam períodos onde, em geral, não seria preciso mais do que pequenas

alterações em sua direção para dar conta da evolução dos fatores ambientais, tanto

externos quanto internos. Contudo, o ambiente poderia vir a se tornar de tal forma

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adverso que, para sobreviver, seriam necessárias mudanças mais profundas em sua

estrutura e organização. Estas modificações do ambiente não seriam controláveis ou

previsíveis em uma análise do processo de internacionalização, o que levaria as

empresas a caminhos diversos de crescimento no mercado internacional. Porém, o autor

reconheceu que algumas variáveis teriam relação com este processo, o que indicaria

uma maior utilidade do modelo cíclico para o estudo da internacionalização das

empresas.

Outro fator importante que tem sido negligenciado seria o tempo, já que a maioria dos

estudos já realizados foi do tipo cross-sectional, o que impediu que uma visão mais

clara sobre o processo de adaptação das empresas às condições do mercado

internacional ao longo do tempo fosse alcançada. Strandskov (1986) afirmou que um

estudo mais longitudinal poderia revelar fatores que teriam relações causais diretas com

o início de comportamentos na internacionalização.

Kutschker e Bäurle (1997) propuseram um modelo para o entendimento do processo de

internacionalização, a partir da redução das diversas variáveis envolvidas no processo a

quatro dimensões principais: a distância geográfica e cultural em relação aos mercados

estrangeiros servidos; o valor agregado pela operação nestes mercados à empresa; o

grau de integração existente entre estas operações; e o tempo, como forma de

acompanhamento da dinâmica deste processo.

Os autores reconheceram a existência de dois modelos para a compreensão do processo

de internacionalização. O primeiro o caracterizaria como um processo evolucionário,

caracterizado por um modo de entrada em estágios nos mercados, que seria função de

um processo incremental de aprendizado sobre os novos mercados. O segundo seria um

processo revolucionário, no qual as decisões seriam tomadas como correção em função

de uma inadequação das estratégias utilizadas às variáveis encontradas no ambiente, o

que tornaria a operação ineficiente. Ambos os modelos seriam determinísticos e

incompletos. Os autores acreditavam na possibilidade de um controle sobre o processo,

que chamaram de “evolução planejada”, isto é, a formulação por parte da alta gerência

de uma estratégia de internacionalização que direcionaria o processo. Reconheceram, no

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entanto, que havia momentos em que o processo passaria por grandes transformações, o

que chamaram de “episódios de internacionalização”.

Tendo como base o frame estabelecido pelas quatro dimensões da internacionalização,

os autores classificaram as estratégias utilizadas no processo. À primeira dimensão,

distância geográfica e cultural, corresponderiam as estratégias de presença, que dariam

conta da escolha de mercados alvo e da forma de entrar e servir a estes mercados. As

estratégias de alocação se refeririam à segunda dimensão, o valor agregado. Estas

estratégias cuidariam das vantagens de uma boa localização e de padronização e

melhoria em custos decorrentes da globalização das operações, bem como da

configuração da empresa, como subsidiárias independentes sob o controle de uma

holding ou uma rede de empresas interdependentes. A terceira dimensão, integração,

estaria relacionada às estratégias de coordenação, fossem elas de flexibilidade

operacional, que cuidam da estrutura superficial (infra-estrutura, sistemas de informação

e tecnologia, sistemas gerenciais); ou as que cuidam da estrutura mais profundamente,

de orientação internacional, referentes à cultura interna, valores e estruturas de poder,

por exemplo. Finalmente, a dinâmica da internacionalização geraria estratégias que se

refeririam à quarta dimensão, o tempo. Estas estratégias lidariam com a velocidade,

timing, duração, e seqüência cronológica dos passos no processo de internacionalização.

Os autores observaram que com estas estratégias não pretenderiam abarcar todo o tema

da internacionalização, mas o modelo proposto funcionaria como uma simplificação. As

estratégias formuladas também não pertenceriam exclusivamente a uma dimensão, mas

afetariam outras dimensões e seriam interdependentes. Afirmaram também que

empresas poderiam, em seu processo de internacionalização, favorecer algumas

dimensões e estratégias em detrimento de outras, e que ambas, dimensões e estratégias,

seriam verificadas tanto no nível de corporação quanto de unidades de negócios.

Barretto (1998), estudando o caso de dez empresas brasileiras que fizeram investimento

direto no exterior, identificou cinco padrões dominantes de motivação para a

internacionalização. Indo além dos motivos iniciais da ação exportadora - tais como

canalização de excedentes de produção, redução de oscilação de demanda no mercado

doméstico, desejo de aumentar a competitividade da empresa, etc. – os padrões

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dominantes de motivação estão relacionados à persistência do processo de

internacionalização no tempo:

“...a continuidade e o aprofundamento da ação internacional dependem de outras

motivações bem mais fortes, particularmente quando se trata da passagem de uma

atividade exportadora para investimentos deliberados no exterior”. (Barretto,

1996: 191)

O primeiro padrão seria a ‘Internacionalização para o Crescimento’, geralmente

associado a empresas cuja participação no mercado doméstico é dominante e cujo custo

de expansão desta participação torna atrativa a opção pelo crescimento para o exterior.

A ‘Internacionalização para Consolidação’ se relaciona a empresas que sentem a

necessidade de ampliar sua presença no mercado externo no sentido de consolidar sua

participação, imagem, melhorar o acompanhamento conjuntural do mercado e oferecer

melhor estrutura de atendimento aos clientes.

A ‘Internacionalização para Sobrevivência’ ocorre no contexto de empresas

fornecedoras de networks internacionais, onde a decisão de internacionalização se dá

para acompanhar os movimentos da network e se relaciona à continuidade de um papel

primário na cadeia de suprimento. ‘Internacionalização por Oportunidade’ é

determinada por uma abertura da empresa para a exploração de oportunidades, que

seriam avaliadas segundo algum critério estabelecido internamente.

Finalmente, a ‘Internacionalização por Visão Estratégica’ se daria como função de uma

estratégia formulada pela alta gerência, em resposta a variáveis e fatores reais ou

percebidos, como atualização tecnológica, reconhecimento de potenciais futuros

concorrentes no mercado doméstico, risco de atuar em um único mercado, etc.

Em geral, o autor encontrou em seu estudo evidências que suportam os modelos de

internacionalização baseados nos ciclos de conhecimento e comprometimento Johanson

e Vahlne (1990), a noção de movimentação gradual para mercados culturalmente mais

distantes e a relação entre distância cultural e modos de entrada. O autor também

descreveu o papel das networks como agentes facilitadores da internacionalização, seja

reduzindo a distância cultural através da experiência coletiva da network, seja

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motivando a internacionalização pela movimentação de alguns de seus membros, ou

como estímulo através de networks pessoais dos executivos da empresa.

4. A DISTÂNCIA CULTURAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS

EMPRESAS

O conceito de distância cultural pontuou a discussão acadêmica sobre o processo de

internacionalização de empresas. A percepção da distância cultural pelos diverso atores

dentro das empresas influenciaria suas ações e relações com mercados, estando presente

nas suas mais importantes decisões. Distância cultural foi inicialmente definida como:

“... fatores que impeçam ou perturbem os fluxos de informação entre empresas e

mercado. Exemplos destes fatores são diferenças em linguagem, cultura, sistemas

políticos, nível de educação, nível de desenvolvimento industrial, etc.” (Johanson

e Wiedersheim-Paul, 1975: 307)

Posteriormente, O’Grady e Lane (1996) propuseram uma expansão do conceito de

distância cultural para abranger diferenças regionais dentro de um país e por tipo de

indústria, diferenças decorrentes de culturas corporativas, e a inexistência, em vários

casos, de simetria na percepção da distância cultural entre dois países.

No contexto definido pela expressão “distância cultural”, cultura seria utilizada para

designar um conjunto de fatores, tais como língua, sistemas políticos e legais, nível

educacional, práticas do comércio e da indústria, e distância cultural seria uma escala de

dificuldade, dados estes elementos, para a compreensão e interpretação de informações

sobre este mercado. Desta forma, criou-se o elo entre aprendizado e redução da

distância cultural, acúmulo de experiências que tornariam o mercado culturalmente mais

próximo e seriam base para o entendimento de culturas mais distantes.

De outra forma, a distância cultural foi descrita como uma percepção subjetiva do

indivíduo (exportador) das diferenças entre seu mercado doméstico e o mercado externo

(Lee, 1998). Distância cultural seria percebida, sendo esta percepção associada ao

indivíduo que percebe, interpreta:

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“O conceito semiótico de cultura permite uma visão do ser humano inserido em

redes de significação que orientam seus movimentos, sua capacidade concreta de

atuação e sua possibilidade de interpretar a matéria significante que o envolve. A

cultura, portanto, assume o lugar de um codificador das experiências ou

mensagens que podemos ler, em vários estilos, construindo padrões expressivos

para nós e para os demais.” (Rocha, 1996: 33)

Assim, a cultura entende-se como sendo um conjunto de símbolos que construímos para

auxiliar a nossa percepção da realidade que nos envolve. Esta simbologia criada para a

interpretação da nossa realidade explica o estranhamento frente a realidades que não

obedecem aos nossos conceitos. Rocha (1996) afirma que “a percepção quer dizer

também escolha, seleção, leitura de alguma coisa” (p. 33). Isto é, a partir do momento

em que a realidade é ordenada, passamos a interpretar e perceber tudo sob este viés, que

somente será relativizado com a proximidade, a vivência, a comunicação.

Vários autores teceram considerações sobre a distância cultural na literatura sobre

internacionalização de empresas. Dentre os anteriormente mencionados, Johanson e

Wiedersheim-Paul (1975) relacionaram distância cultural à escolha dos mercados a

servir, afirmando que as empresas procurariam entrar em mercados do menos distante

para o mais distante culturalmente, de forma a gradativamente fazer contato com

culturas com maior grau de diferença da sua própria; Johanson e Vahlne (1977)

consideraram a distância cultural como parte de um modelo, onde o aprendizado sobre o

país-alvo, como forma de obter maior familiaridade com suas particularidades e cultura,

demandaria um maior comprometimento de recursos, e por conseguinte um maior

compromisso com o mercado; Hedlund e Kverneland (1983) concluíram que a

experiência anterior em mercados internacionais reduziria a influência da distância

cultural na escolha dos modos de entrada (comprometimento de recursos), levando as

empresas a “queimarem etapas”; Cavusgil (1984) não encontrou evidências empíricas

quanto à relação entre escolha de mercados a servir e distância cultural, relatando, no

entanto, que empresas mais comprometidas com mercados internacionais procurariam

desenvolver canais mais elaborados para a obtenção de informações; Welch e

Luostarinen (1988) propuseram que o sucesso do processo de internacionalização

dependeria tanto da posse e uso de métodos e estratégias diversos para servir os

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mercados e da escolha de recursos humanos com experiência internacional prévia,

domínio da língua e cultura para cargos envolvidos em processos decisórios; Johanson e

Valhne (1990) descreveram a distância cultural como uma manifestação, ou um possível

indicador da operação do modelo descrito anteriormente (Johanson e Vahlne, 1977),

que relaciona comprometimento e conhecimento do mercado, nível de atividades e

decisões de comprometimento; Kutschker e Bäurle (1997) reconheceram correlação

entre a distância cultural e geográfica e a escolha de mercados e forma de entrada nestes

mercados. O tema foi abordado também de outras formas, como a seguir.

Kobrin (1994) procurou identificar relações entre as estratégias das empresas

multinacionais e uma atitude gerencial geocêntrica, principalmente em relação ao

gerenciamento de recursos humanos no âmbito internacional. Atitude gerencial

geocêntrica deveria ser entendida segundo o modelo EPRG (Perlmutter, 1969 e Wind,

Douglas e Perlmutter, 1973: apud Kobrin, 1994) que classificou a forma de atuar de

uma empresa em relação aos mercados que servia em: Etnocentrismo, quando a

empresa estaria voltada para seu mercado doméstico; Policentrismo, quando procuraria

se adaptar totalmente às características do mercado externo; Regiocentrismo, quando

elaboraria estratégias de ação regional, com certa adaptação local; e Geocentrismo, o

mesmo que a anterior, mas com uma visão global da estratégia.

Empresas com uma orientação geocêntrica tenderiam a se perceber como uma entidade

orgânica internacional, onde desapareceria a noção de país de origem e todas as

unidades contribuiriam em igualdade para o sucesso da empresa. Em termos de

gerenciamento de recursos humanos, a empresa buscaria talentos em todos os lugares, e

profissionais de qualquer nacionalidade teriam oportunidades iguais de carreira ou de

ocupar qualquer cargo dentro da organização, desde que fossem os melhores habilitados

para a vaga.

Na literatura, a orientação geocêntrica tende a ser encarada como um estágio avançado

para o qual as empresas evoluiriam ao se tornarem empresas transnacionais integradas e

globalizadas. O autor, contudo, afirmou não haver relação entre estratégia, estrutura e

uma atitude geocêntrica. Uma estrutura globalizada e uma estratégia de integração desta

estrutura dentro de uma organização transnacional não levaria necessariamente a uma

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orientação geocêntrica, conforme demonstrou sua pesquisa conduzida entre

multinacionais norte-americanas. O autor sugeriu que o surgimento de uma orientação

gerencial geocêntrica se daria dentro de organizações onde houvesse grande necessidade

de intercâmbio de informações. Para facilitar este intercâmbio, diminuindo a

possibilidade de falhas de comunicação por problemas referentes à diferenças culturais,

seria incentivado a circulação de profissionais pelas diversas unidades da empresa,

criando vínculos informais, unificando e disseminando valores e a cultura da empresa,

preparando os profissionais para o contato e a comunicação entre culturas diferentes,

incentivando a comunicação e uma percepção mais global da organização.

Shoham et al. (1995) correlacionaram o modelo EPRG de internacionalização de

empresas com outros fatores, tais como distância cultural, transferência de estratégias de

marketing e motivação para exportação. O modelo EPRG foi entendido como

correspondente aos estágios percorridos por uma empresa em seu processo de

internacionalização. Os autores propuseram que a atuação em mercados distantes

culturalmente do mercado doméstico levariam a empresa a adotar uma orientação

policêntrica, regiocêntrica ou geocêntrica; empresas etnocêntrica ou geocêntrica

tenderiam a transferir suas estratégias, enquanto policêntricas ou regiocêntricas

tenderiam a adaptar suas estratégias; empresas reativas tenderiam a ser etnocêntricas,

enquanto as proativas seriam policêntricas, regiocêntricas ou geocêntricas. Por reativos

ou proativos entender-se-ia a empresa que reagisse ao estímulo à exportação, isto é,

reativas apenas responderiam a solicitações feitas por clientes externos, enquanto os

proativos procurariam ativamente por oportunidades nos mercados estrangeiros.

Os estudos realizados pelos autores reforçariam a idéia de um caminho evolucionário

que, dentro do processo de internacionalização, levaria as empresas de um estágio de

orientação etnocêntrica (reativo, transferindo rigidamente suas estratégias de marketing

e atuando em países próximos culturalmente) a um estágio de orientação geocêntrica

(proativo, criando uma estratégia macro a servir como orientação da atuação da empresa

e atuando em mercados culturalmente distantes), e que o modelo proporcionava tanto

uma descrição do estágio em que a empresa se encontrava no momento quanto uma

prescrição do caminho que ela deveria seguir.

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Em seu processo de decisão sobre internacionalizar ou não a empresa, a gerência se

utilizaria de referencial cognitivo que levaria em conta sua percepção sobre o ambiente

que a empresa fosse encontrar. Dichtl et al. (1986, 1990) sugeriram que distância

cultural; nível de educação, domínio da língua e experiência no estrangeiro; nível de

tolerância ao risco e resistência à mudanças; e atitude em relação à expansão para o

exterior, seriam fatores que influenciariam gerentes, sendo que uma combinação destes

fatores resultaria em baixa orientação para o mercado externo.

Em seu estudo, os autores compararam características e orientação para o exterior entre

empresas da Alemanha e do Japão (Dichtl et al., 1986), dois países que obtêm boa parte

de seu PIB a partir da exportação, e expandiram o estudo para outros países (Dichtl et

al., 1990), relacionando as características psicológicas, educacionais e culturais dos

gerentes responsáveis pela decisão de exportar com o nível de importância dado à

exportação em suas empresas. Os autores classificaram as empresas em uma matriz 2x2

cujas variáveis eram as condições do ambiente para a exportação (condutoras ou não-

condutoras) e atitude da gerência em relação à exportação (favoráveis ou não-

favoráveis). Dentro desta classificação, feita exclusivamente com empresas alemãs, dois

grupos - empresas que enfrentavam ambiente condutor com gerência não-favorável ou

ambiente não-condutor com gerência favorável - considerados com grande potencial de

exportação apresentaram número expressivo com baixo nível de exportação. Estes

grupos de empresas se consideravam não competitivas no mercado internacional,

principalmente no tocante a preços e em sua percepção sobre os custos de

desenvolvimento de mercado. Tinham como preocupação também problemas quanto à

linguagem e desenvolvimento de pessoal capacitado, sintomas de falta de experiência

em mercados externos e de uma percepção exagerada das dificuldades geradas pela

distância cultural.

Ao estabelecerem um ranking dos fatores considerados por empresas potencialmente

exportadoras como maiores impedimentos às exportações, os autores chegaram à

conclusão que as maiores barreiras percebidas seriam dificuldades para conseguir mão-

de-obra qualificada (know-how), dificuldades na obtenção de informações, custos de

marketing, preço e níveis de serviços pós-vendas.

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Gripsrud (1990) estudou as empresas que se tornaram exportadoras ativas, isto é, que

apresentavam diversas formas de atuar em mercados estrangeiros e buscavam novos

mercados em países cada vez mais distantes culturalmente. Baseado na definição da

internacionalização como um processo, formulou as seguintes hipóteses: a experiência

prévia em mercados internacionais implicaria em uma atitude positiva em relação à

exploração de novos mercados; o tipo de produto exportado influenciaria a experiência

do exportador em um mercado e sua atitude em relação a futuras exportações para

aquele mercado; quanto maior a empresa, maior seria a possibilidade de ela ter

experiência prévia em exportação, e conseqüentemente uma melhor atitude em relação à

exportações.

Como objeto de estudo, o autor escolheu a relação de exportadores noruegueses de

produtos derivados de peixes para o mercado japonês, considerado um país

culturalmente distante da Noruega. A partir de variáveis que poderiam ser agrupadas em

dimensões de preço/qualidade, culturais e competitivas, o autor testou a atitude das

firmas em relação a estas barreiras potenciais e seu nível de importância na decisão de

futuras exportações.

O’Grady e Lane (1996) investigaram a relação entre proximidade cultural, e

conseqüentemente maior facilidade para desenvolver negócios no mercado estrangeiro,

e sucesso na entrada neste mercados. A pesquisa visou verificar se, conforme indicavam

estudos anteriores (Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Kogut e Singh 1988), iniciar o

processo de internacionalização por países mais próximos culturalmente seria um

indicativo de maior possibilidade de sucesso. Para isso, os autores estudaram a entrada

de empresas de varejo canadenses nos Estados Unidos, dois países tanto culturalmente

quanto geograficamente próximos (Hofstede, 1980 e Nordström e Vahlne, 1992 apud

O’Grady e Lane, 1996).

O resultado das empresas acompanhadas foi majoritariamente mal sucedido, o que

levou os autores a evidenciar um paradoxo em relação à distância cultural como

considerada na literatura atual:

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“A similaridade percebida ao entrar em países culturalmente próximos não

necessariamente reduz o nível de incerteza enfrentado, ou mesmo torna mais fácil

aprender sobre o país, por causa de falhas no processo gerencial de tomada de

decisão.”(O’Grady e Lane, 1996: 315)

De certa forma, baseadas na premissa de que proximidade cultural indicaria que as

estratégias e modos de decisão do país de origem podem ser totalmente válidos no

mercado alvo, as empresas acabariam não percebendo sutis mas importantes diferenças

nos aspectos culturais do país e do mercado. As empresas mais bem sucedidas foram

aquelas que, reconhecendo estas diferenças previamente, formaram equipes gerenciais

com experiência no mercado alvo. Os autores notaram, então, outro paradoxo referente

ao conceito de distância cultural: um mercado que apresentasse grande distância cultural

em relação ao país sede de uma empresa, e se esta empresa possuísse uma equipe

gerencial que tivesse experiência neste mercado, este mercado seria percebido como

mais próximo culturalmente do que um mercado de um país próximo, mas onde a

empresa não tivesse nenhuma experiência. A habilidade de aprender e corretamente

interpretar as informações obtidas em um novo mercado afetariam demasiadamente o

desempenho da empresa em seu processo de internacionalização.

Os autores indicaram algumas ações que poderiam ser tomadas para assegurar uma

melhor escolha da estratégia de entrada: (1) encarar mesmo mercados culturalmente

próximos como mercados estrangeiros; (2) testar pressupostos e percepções antes de

aplicá-las ao mercado; (3) assegurar uma correta interpretação dos dados sobre o

mercado, só a posse destes dados não seria o bastante; e (4) desenvolver na equipe a

habilidade para aprender, tolerância ao erro e às diferenças.

Finalmente, os autores sugeriram alguns pontos onde o conceito de distância cultural

poderia ser melhorado. Primeiramente, a parte relativa à cultura empresarial ou

mercadológica deveria ser mais completa, visto que existem diversas variáveis que

poderiam contribuir para tornar países mais distantes culturalmente uns dos outros. Em

segundo lugar, pareceu aos autores que a distância cultural não era percebida como uma

relação simétrica, sendo possível haver uma distância percebida maior em uma direção

que em outra, quando tomados dois países. Em terceiro lugar, a medição da distância

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cultural como feita poderia levar a idéias errôneas, porque ignoraria diferenças

existentes regionalmente dentro de um país, ou por tipo de indústria. Neste caso,

segundo os autores, a distância cultural a ser levada em conta seria a percebida pela

equipe encarregada da tomada de decisões dentro da empresa. Por fim, as relações

sugeridas entre distância cultural e desempenho empresarial deveriam ser melhor

estudadas e esclarecidas.

Barkema et al. (1996) sugeriram cinco hipóteses a partir do modelo de estágios: (1) a

distância cultural estaria relacionada negativamente com a longevidade das subsidiárias,

sendo a longevidade utilizada como medida de sucesso; (2) nos casos em que existisse

uma aculturação duplicada - em relação à cultura da empresa e à cultura nacional -

como acontece em aquisições e joint ventures, a influência da distância cultural seria

maior; (3) a longevidade seria maior quando existissem experiências anteriores de

internacionalização; (4) os efeitos da hipótese 3 seriam potencializados quando o caso

em questão fosse de aculturação duplicada; e (5) os benefícios do aprendizado no

processo de internacionalização seriam mais sentidos quando a experiência prévia fosse

no país-alvo, menos sentidos quando em países de cultura próxima ao mercado

doméstico, e intermediários quando em países de cultura semelhante ao do país-alvo.

Apesar de basearem-se em um segundo momento do processo de internacionalização - o

de investimento direto no país-alvo, diferentemente dos teóricos de Uppsala, que

estudaram os primeiros estágios do processo - os autores proporcionaram confirmação

empírica para o modelo de estágios, ao afirmarem que “...empresas aprendem de suas

experiências prévias em sua gradual expansão pelo espaço cultural, e uma expansão

centrifugal é mais propensa ao sucesso do que uma estratégia aleatória” (Barkema et al.

1996: 163). Os autores afirmaram que a pesquisa empírica suportava a tese de que a

distância cultural teria maior impacto sobre casos onde existisse dupla aculturação. Este

resultado, que a primeira vista pode ser considerado contraditório em relação aos

estudos de Kogut e Singh (1988) onde as joint ventures foram consideradas formas de

entrada mais comuns quando era maior a distância cultural percebida, seria entendido ao

se verificar uma atitude de aceitação do risco de conflitos iniciais em função de uma

estratégia de mais rápida aprendizagem sobre a cultura do mercado, com vista a

melhores resultados posteriores. Os benefícios de prévia experiência em mercados

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internacionais seriam sentidos nos padrões de longevidade (sucesso) das empresas,

sendo estes benefícios tão maiores quanto maior fosse a proximidade cultural do país-

alvo com o da experiência anterior de internacionalização.

Lee (1998), estudando a relação entre firmas exportadoras australianas e importadoras

coreanas, propôs um modelo que relaciona distância cultural, desempenho na

exportação, oportunismo, estabelecimento de relacionamentos e duração do

relacionamento. O autor estruturou e testou estatisticamente 5 hipóteses sobre o modelo,

como a seguir:

! Distância cultural está negativamente relacionada à percepção do exportador sobre

seu desempenho: o autor concluiu que a distância cultural dificultaria o fluxo de

informações necessário ao estabelecimento de estratégias, reduziria a previsibilidade

das conseqüências de suas decisões, diminuiria a reduziria a capacidade de reação

frente a demandas do mercado e dificultaria o controle e medição de seu

desempenho, fazendo com que este mercado fosse percebido como menos atrativo

para o comprometimento de recursos;

! Distância cultural está positivamente relacionada com uma atitude oportunista do

exportador: dadas as dificuldades de comunicação, avaliação de desempenho,

compartilhamento de informações, o exportador se sentiria mais propenso a atuar

com oportunismo, devido às incertezas do mercado e ao reduzido temor de

retaliações;

• nível de desempenho dos exportadores estaria positivamente relacionado ao grau

de integração (relacionamento) com o importador: os resultados indicaram que o

estreitamento de laços de confiança e compartilhamento de valores levariam o

exportador a uma percepção mais positiva de desempenho;

! Um comportamento oportunista do exportador estaria negativamente relacionado

ao estabelecimento de relacionamento com o importador: como um relacionamento

mais sólido pressuporia confiança e boas intenções, um comportamento oportunista

normalmente teria impacto negativo em um relacionamento com o parceiro;

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! A consolidação de um relacionamento entre exportador e importador levaria a uma

duração mais extensa deste relacionamento: apesar de propor que um

relacionamento mais estreito entre exportador e importador levaria ambos a um

esforço para a manutenção deste relacionamento, o autor concluiu que havia pouco

suporte estatístico para esta hipótese, provavelmente indicando que outras variáveis

(como contratos, reputação, credibilidade, etc.) determinariam a duração do

relacionamento.

O autor concluiu que as empresas exportadoras deveriam empreender esforços para

reduzir a percepção de distância cultural, seja através de visitas, participação em feiras e

adotando uma postura mais aberta em relação à comunicação e procurando diversificar

o padrão cultural de seus funcionários, e evitar atuação de maneira oportunista nos

mercados atendidos.

A literatura sobre o processo de internacionalização das empresas tem correlacionado a

distância cultural de um lado com características (experiência internacional, país de

origem, nível cultural, educação) dos executivos encarregados da tomada de decisões; e

do outro com as etapas da internacionalização e a forma de servir o mercado alvo.

Fletcher e Bohn (1998) formularam hipóteses relacionando distância cultural, perfil dos

decisores e processo de internacionalização (inward, ou a obtenção de insumos ou

tecnologia de mercados externos; outward, ou a venda ou distribuição de produtos ou

serviços em mercados externos; e linked, com atuação em mercados estrangeiros através

de alianças estratégicas) analisadas a partir de um estudo com empresas exportadoras

australianas.

Baseados na escala de distância cultural proposta por Hofstede (1980) e revisada por

Hofstede e Bond (1988) e no modelo de internacionalização em estágios de Johanson e

Vahlne (1977), os autores realizaram uma pesquisa com 2637 empresas exportadoras

australianas, obtendo 541 respostas válidas, com 62% de pequenas empresas (1-45

funcionários), 29% de médias empresas (50 a 499 funcionários) e 9% de grandes

empresas (+ 500 funcionários).

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Os autores sugeriram que, em geral, gerentes com familiaridade com empresas

estrangeiras, significativa experiência internacional, ou que adotassem uma postura

estratégica de adaptação do marketing mix, tenderiam a não considerar a distância

cultural como barreira ao processo de internacionalização. Entretanto, não foi

encontrada correlação entre juventude, melhor nível cultural ou educacional e redução

da percepção de distância cultural. Isto implicaria na necessidade de buscar este perfil

de executivo para gerenciar o processo de internacionalização a fim de reduzir as

dificuldades relacionadas com a distância cultural.

Da mesma forma, como a internacionalização outward envolveria adaptação às normas

e legislação do mercado alvo, a distância cultural teria maior impacto no processo de

internacionalização do que nos casos de inward e linked. Assim, na hipótese de avaliar a

entrada em mercados distantes culturalmente, a empresa deveria procurar o

estabelecimento de parcerias ou alianças, ou escolher mercados onde já existisse uma

internacionalização inward, visto que o estudo demonstrou que experiência

internacional prévia no país alvo reduziria a percepção de distância cultural.

A percepção de distância cultural poderia ser moderada através do efeito de uma

network, dado que:

“... o ‘estranhamento’ cultural percebido pelos tomadores de decisão, quando

entrando em um mercado psicologicamente distante, é reduzido ou eliminado pelo

fato de a empresa já conhecer os parceiros a quem irá servir.” (Barretto, 1998:

208)

Este efeito da network, ainda segundo Barretto (1998), é percebido tanto se a network

existe ao nível empresarial quanto ao nível pessoal dos tomadores de decisão. Assim,

tanto a network pessoal quanto fatores ligados ao perfil dos tomadores de decisão

(exposição anterior ao mercado alvo, experiência internacional, motivação e

expectativas) seriam determinantes para a redução da percepção de distância cultural e o

engajamento na internacionalização da empresa.

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5. IMPACTO DA DISTÂNCIA CULTURAL SOBRE OS MODOS DE

ENTRADA EM MERCADOS EXTERNOS

Freqüentemente na literatura sobre internacionalização, a distância cultural foi

relacionada com a escolha dos modos de entrada em determinado mercado, ou como

servi-lo. Nestes estudos, a distância cultural estaria associada ao aprendizado,

experiência internacional prévia, percepção de risco, cultura corporativa e escolha de

estratégias.

Maignan e Lukas (1997) afirmaram que a decisão de entrada em mercados

internacionais seria função de três parâmetros, cuja valoração influenciaria a escolha do

modo de entrada: os recursos que a empresa desejaria comprometer, o risco percebido

de disseminação de informações e tecnologia neste mercado, e o nível de controle

desejado sobre as operações externas. Potencial do mercado, risco, padrão de certeza da

demanda e cultura nacional da empresa como fatores externos, e tamanho,

disponibilidade de recursos financeiros, conhecimento do mercado externo e a estratégia

global de operações como fatores internos, seriam alguns dos fatores preexistentes que

influenciariam o modo de entrada. Ao contrário do que a literatura técnica indicava -

que uma avaliação minuciosa dos fatores internos e externos, e de seu impacto sobre os

três parâmetros acima citados precederia as decisões de modo de entrada - não existia

um processo sistemático de decisão e a maioria das decisões era tomada com base na

experiência doméstica e no acervo cognitivo dos gerentes, isto é, em representações

mentais do ambiente competitivo doméstico. Seriam quatro os modelos mentais de

representação sugeridos, a saber:

• Orientação para o cliente - considerando o conhecimento sobre as necessidades dos

clientes como sua principal vantagem competitiva, estas empresas procurariam

desenvolver conhecimento sobre os consumidores semelhante ao que teriam no

mercado doméstico, mantendo certo nível de controle sobre as operações a fim de

manter níveis de qualidade. O comprometimento de recursos seria moderado,

resultando na escolha de joint-ventures com participação equânime ou minoritária

como forma de entrada.

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• Orientação para a concorrência - seriam empresas que atuariam em um ambiente

altamente competitivo, onde conhecimento sobre mercados e processos deveriam ser

protegidos da concorrência. Evitar o risco de disseminação seria uma preocupação,

operacionalizada através de controle estrito sobre as operações, favorecendo a

entrada por meio de subsidiárias próprias ou joint-ventures com participação

majoritária.

• Orientação auto-centrada - baixo grau de responsividade às condições do mercado

levariam a uma atitude de pouca inclinação ao comprometimento de recursos ou

necessidade de controle das operações externas. Franchising e exportação seriam os

modos usuais de entrada em mercados estrangeiros.

• Orientação para o mercado - estas organizações buscariam conhecimento dos

clientes e do ambiente competitivo, agindo de forma mais racional e estruturada

através de análises das condições envolvidas no processo de internacionalização.

Estas análises indicariam para cada caso a melhor forma de entrada nos mercados,

sendo que nenhuma é mais favorecida.

As decisões via modelos de representação mental normalmente levariam a problemas

quanto à realização dos objetivos na internacionalização. A obtenção de informações

sobre os fatores preexistentes internos e externos e o desenvolvimento de metodologia e

recursos humanos capazes de transformar estas informações em decisões de uma forma

mais sistemática melhoraria a qualidade das decisões.

Distância cultural seria um dos fatores determinantes da escolha do modo de entrada em

mercados externos pelas empresas. Kogut e Singh (1988) propuseram, a partir de uma

definição de três modos de entrada (aquisição de uma empresa, joint venture ou

investimento em uma nova planta) que (1) quanto maior a distância cultural entre o país

de origem e o país-alvo, maior a probabilidade de escolha de investimento ou joint

venture contra aquisição e (2) quanto mais a cultura do país de origem fosse avessa ao

risco, maior a probabilidade de escolha de investimento ou joint venture contra

aquisição. Isto se justificaria pelo maior risco percebido pela empresa de conflitos

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administrativos ao se assumir o controle de uma empresa já estabelecida e com cultura

própria tanto administrativa quanto nacional.

Os autores confirmaram estatisticamente as duas hipóteses, tendo como base dados

sobre a entrada de empresas estrangeiras no mercado norte americano. Para isso tiveram

que neutralizar os efeitos de variáveis relacionadas à características das empresas em

questão (diversidade de produtos, experiência anterior no mercado alvo, experiência

multinacional, tamanho da empresa) e das indústrias à que elas pertencem

(características relacionadas ao padrão de atuação em P&D e Propaganda), que

afetariam o padrão de entrada no mercado das empresas.

As características culturais de um país influenciariam a cultura corporativa de uma

empresa que nele se desenvolvesse, moldando a empresa principalmente em seus

métodos, processos, tomada de decisão, estrutura e estratégias. Empresas de países

culturalmente distantes entre si tenderiam a apresentar grandes diferenças no que diz

respeito aos seus valores, atitudes e estratégias, função de seu desenvolvimento em

culturas diferentes. Dentro de um ambiente competitivo, vantagens decorrentes da

cultura corporativa de uma empresas seriam geralmente difíceis de imitar, visto que o

desenvolvimento deste tipo de valores e estratégias pressuporia a vivência do mesmo

ambiente e história que os formou. Singh et al. (1998) estudaram Fusões e Aquisições

(F&A) entre empresas de diferentes países, investigando qual o efeito da distância

cultural no desempenho da empresa resultante da F&A. Os autores propuseram que

F&A seriam um método mais rápido de se obter as vantagens decorrentes da posse de

uma variedade de métodos e estratégias que poderiam ser utilizadas em diferentes

ambientes competitivos.

Empresas que atuam em um mercado globalizado enfrentam ambientes diversos entre

si, fruto dos traços culturais de cada país. Para alcançar um desempenho ótimo nos

vários mercados, operando com vantagem sobre seus competidores, as empresas

necessitariam de ferramentas, valores, processos decisórios e estratégias que às vezes

não se encontram disponíveis ou não foram desenvolvidos pela empresa por não serem

condizentes com seus valores corporativos ou a cultura de seu país de origem. Os

autores descobriram que muitas vezes a busca por estes valores levava as empresas a

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F&A com empresas de culturas diferentes onde o ambiente seja propício para o

desenvolvimento destes valores. Assim sendo, o processo de F&A seria utilizado para

adquirir um repertório de valores e atitudes, além de táticas e estratégias que

possibilitem à empresa operar com vantagens em ambientes diversos, completando-a e

tornando-a menos suscetível à mudanças no ambiente competitivo.

Os autores concluíram que F&A entre empresas de culturas diferentes seria benéfico

para o desempenho das empresas envolvidas e quanto maior fosse a distância cultural

entre os países de origem destas empresas, maiores tenderiam a ser os benefícios

obtidos neste processo, pois maior a chance de se incorporarem à empresa resultante

práticas diversas e complementares que enriquecem seu repertório. Deste modo, ao

contrário do que se poderia supor a partir das teorias de internacionalização gradual

(Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977), que sugeriram ser

mais recomendável buscar primeiramente mercados mais próximos do mercado original

da empresa, para favorecer um aprendizado gradual, as empresas seriam mais

beneficiadas, no caso das F&A, por uma opção pelos países mais distantes

culturalmente, visto que estes teriam acesso a um repertório de valores, práticas e

estratégias que de outro modo seria difícil de desenvolver internamente.

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CAPÍTULO TERCEIRO - METODOLOGIA

1. MÉTODO DE PESQUISA

1.1. NATUREZA DO ESTUDO

O presente estudo é de natureza qualitativa e exploratória. Ao abordar os temas do

processo de internacionalização da empresa e da distância cultural, essencialmente

relacionados à percepção dos sujeitos envolvidos nesse processo, o uso de métodos

quantitativos limitaria a riqueza de informações que poderiam emergir da análise de

material, obtido de forma menos estruturada e rígida. Muitas das variáveis

comportamentais relacionadas à internacionalização são apenas sugeridas no referencial

teórico utilizado nesta pesquisa, sendo que muitas vezes as interpretações acerca do

comportamento das empresas é contraditório. Entretanto, os estudos anteriores foram

feitos em realidades históricas e culturais bastante diversas da encontrada no Brasil

atualmente. São escassos os textos que tratam sobre o processo de internacionalização

das empresas no Brasil, muito por ser este um processo recente.

Por este mesmo motivo se impõe o caráter exploratório da pesquisa. Ao enfocar um

tema raramente mencionado em estudos no Brasil, esta pesquisa pretende buscar

relações e variáveis novas e – sem querer desprezar os estudos realizados no exterior -

mais próximas da realidade brasileira e do momento histórico vivido pelo país em sua

recente abertura externa e estímulo às exportações.

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1.2. QUESTÕES DA PESQUISA

A questão geral que a pesquisa procurou explorar foi a seguinte:

- Em que medida o modelo comportamental de internacionalização explica o

processo de internacionalização de empresas brasileiras?

Especificamente, a pesquisa procurou responder às seguintes questões:

- Ocorreu uma seqüência linear de estágios, da exportação indireta à exportação

direta e ao investimento direto no exterior?

- A escolha inicial de mercados privilegiou aqueles com menor distância cultural

para, posteriormente, chegar a outros de maior distância cultural?

- O processo de internacionalização da empresa apresentou um padrão de

comprometimento crescente com mercados externos?

- Ocorreu o desenvolvimento de estruturas internas cada vez mais complexas para

o controle das operações, à medida que essas se desenvolviam?

1.3. MÉTODO DE PESQUISA: O ESTUDO DE CASOS

O método de estudo de casos é o método por excelência quando se deseja obter uma

visão bastante abrangente de um processo, como é o caso do presente estudo. Segundo

Yin (1989), um estudo de casos é “uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno

contemporâneo no seu contexto real, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto

não se encontram nitidamente definidas e em que diversas informações são

utilizadas”(p.23). Esta descrição proporcionada pelo autor mostra a adequação do

método ao problema de pesquisa de que nos ocupamos nesse estudo: o processo de

internacionalização de empresas.

O método de estudo de casos na pesquisa em Ciências Sociais encontra suas origens na

Antropologia, através de Malinowski, e na Sociologia através de Frédéric Le Play

(Hamel, 1993). Na Administração de Empresas, o método foi adotado desde a primeira

metade do século XX, embora só tenha adquirido aceitação ampla nas últimas décadas.

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Segundo Schnelle (1967), o método do caso seria particularmente adequado ao estudo

de problemas complexos. Goode e Hatt (1975:432), por sua vez, vêem o caso como

“modo de organizar os dados em termos de uma determinada unidade escolhida, como a

história de um indivíduo ou de um grupo, ou de um processo social delimitado” e Yin

(1989:22-23) observa que “a essência de um estudo de caso... é que ele tenta iluminar

uma decisão ou um conjunto de decisões, por que elas foram tomadas, como elas foram

implementadas e com que resultado”.

Um estudo de caso pode basear-se em um único caso ou em vários casos. No presente

estudo, foram analisados os casos de três empresas brasileiras de grande porte, sob a

perspectiva de seu processo de internacionalização.

1.4. COLETA DE DADOS

O método de coleta de dados escolhido para esta pesquisa é o de entrevista em

profundidade. Como método de coleta mais informal e semi-estruturado, a entrevista em

profundidade permite ao informante responder de forma mais livre e fluente às questões

colocadas, de forma que suas respostas conterão uma imagem mais detalhada de suas

idéias, sendo possível que ele manifeste suas opiniões e percepções sobre o tema

(Mann, 1979). A entrevista em profundidade é particularmente útil quando se realizam

estudos exploratórios, visto que é uma metodologia que encoraja o surgimento de novas

idéias, variáveis ou perspectivas.

O caráter de interação entre entrevistador e informante “...possibilita ao entrevistador

aprofundar-se muito mais nas complexidades de algumas situações e pode muito bem

introduzi-lo em fatores relevantes dos quais nem sequer tivera notícia” (Mann, 1979:

104). Por outro lado, o bom andamento da entrevista é certamente influenciado pela

habilidade do entrevistador em estabelecer uma relação de confiança que permita ao

informante discorrer com segurança sobre os temas tratados, e para contornar situações

e imprevistos que poderiam inibir o informante. A interação entre entrevistador e

informante, entretanto, torna a entrevista em profundidade uma experiência bastante

pessoal, difícil de ser reproduzida (Goode e Hatt, 1975), e com resultados que irão

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depender de uma série de variáveis que compõem o ambiente social em que se dá a

entrevista.

As entrevistas se estenderam por cerca de duas horas e foram gravadas, pois seria difícil

registrar por escrito toda a riqueza de informações obtida.

O roteiro de entrevistas utilizado encontra-se no Anexo 1.

1.5. ESCOLHA DOS INFORMANTES

A seleção dos informantes se deu, em um primeiro passo, pela escolha das empresas. As

empresas foram definidas inicialmente como sendo: empresas brasileiras que tivessem

passado por algumas etapas do processo de internacionalização, isto é, operassem pelo

menos uma unidade em país estrangeiro, ou exportassem ativamente (Kobrin, 1994;

Shoham, Rose e Albaun, 1995) para pelo menos três mercados estrangeiros, por um

período mínimo de dois anos, período necessário para que se pudesse corretamente

avaliar o processo depois de eliminada a instabilidade inicial (Singh et al., 1998).

Dentro deste universo foram escolhidas três empresas, sendo realizada uma entrevista

por empresa.

Pela natureza das informações necessárias para este estudo, as entrevistas foram feitas

com executivos de topo, responsáveis pelas atividades internacionais, ou membros da

alta gerência da empresa que tivessem participado do processo, ou que estivessem

diretamente relacionados com as atividades em mercados externos. Em um caso, no

entanto, a entrevista só pôde ser realizada com um executivo de alto nível que não

atuava na área internacional, mas que dispunha das informações desejadas.

1.6. ANÁLISE DOS DADOS

Para proceder à análise dos dados, as entrevistas foram transcritas em sua totalidade.

Inicialmente, os casos foram relatados, utilizando-se, além do material coletado na

entrevista, informações que puderam ser obtidas de outras fontes, tais como catálogos

da empresa, sites e artigos em jornal ou revista. Esses materiais foram apenas utilizados

subsidiariamente.

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Na descrição dos casos foram utilizados trechos dos discursos dos informantes como

material ilustrativo das idéias e conceitos pesquisados. Devido à grande riqueza desse

material, optou-se por apresentar, no texto, extratos um pouco mais longos, com vistas a

representar com maior fidelidade o pensamento do entrevistado.

Finalmente, procurou-se responder às perguntas que haviam sido formuladas

inicialmente e que orientaram o estudo, a partir dos três casos pesquisados. Nesta etapa

da análise, os resultados obtidos com os estudos de casos foram confrontados com a

teoria sobre o processo de internacionalização das empresas.

1.7. LIMITAÇÕES DO MÉTODO

As limitações do método podem ser vistas em dois níveis. Primeiramente, quanto ao

caráter qualitativo do estudo, suas conclusões não podem ser generalizáveis para a

população em geral. Os dados relacionados no estudo qualitativo só podem ser

entendidos dentro do contexto do qual foram extraídos.

Em segundo lugar, devem ser consideradas as limitações do método de coleta de dados,

isto é, a entrevista em profundidade. Como processo de interação social, a entrevista é

dependente dos dois atores, entrevistador e informante, e portanto sujeita ao viés

decorrente de idéias preconcebidas de ambos os lados. Mann (1979) afirmou que

“...uma entrevista é essencialmente uma situação de estímulo-reação, [e] isto quer dizer

que há muito pouca padronização, seja dos estímulos, seja do registro das reações” (p.

103). Se, por um lado, esta liberdade é fundamental para o surgimento de novos

conceitos e idéias, por outro permite que tanto entrevistador quanto informante exerçam

influência sobre a entrevista:

“... em situação de entrevista... o observador científico deve levar em conta os

constructos de senso-comum empregados pelo ator [informante] na vida cotidiana

se quiser compreender os significados atribuídos às suas perguntas pelo ator,

qualquer que seja a forma pela qual elas foram apresentadas ao ator.” (Cicourel,

1990: 110)

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Desta forma, percebemos como o desenrolar da entrevista pode ser facilmente desviado

e até manipulado pelo informante, em função da forma como ele irá interpretar as

intenções do entrevistador e a influência de sua posição e papel no processo investigado,

e pelo próprio entrevistador, na medida em que este baseia sua pesquisa em uma série

de premissas iniciais, que podem ser usadas para “conduzir” o informante a conclusões

favoráveis aos resultados esperados.

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CAPÍTULO QUARTO - DESCRIÇÃO DOS CASOS

Neste capítulo apresentamos os três casos analisados no estudo: indústrias Romi,

Duratex e Eucatex. Para cada um dos casos é apresentada uma breve caracterização

histórica e uma descrição do processo de internacionalização da empresa, enfocando-se,

a seguir, o investimento direto no exterior. Finalmente, cada caso se encerra com uma

análise da estrutura da empresa para a ação internacional.

1. CASO INDÚSTRIAS ROMI

1.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA

A Romi foi fundada em 1930, na cidade de Santa Bárbara d’Oeste, estado de São Paulo,

por Américo Emílio Romi, a partir de um estabelecimento comercial para a manutenção

de automóveis, sob o nome Garage Santa Bárbara.

A nova empresa dedicou-se à fabricação de máquinas agrícolas, inicialmente com vistas

a atender o mercado regional, mudando seu nome, em 1938, para Máquinas Agrícolas

Romi Ltda. Enquanto as máquinas agrícolas produzidas no país, naquela época, eram

fabricadas por caldeamento, em longo processo artesanal, a Romi partiu para a produção

em série, utilizando um novo tipo de equipamento, a solda elétrica. A partir daí a

empresa se expandiu rapidamente, tornando-se a maior produtora de máquinas agrícolas

do país.

Nos anos 40, a empresa diversificou-se, ingressando na produção de máquinas-

ferramenta. Em 1941, foi fabricado o primeiro torno mecânico e em 1948 produziu-se o

primeiro trator fabricado no Brasil. A empresa prosseguiu em seu processo de

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diversificação nas décadas seguintes. Em 1956, através de uma associação com a fábrica

italiana Isetta, fabricou o primeiro automóvel brasileiro, o Romi-Isetta. Em 1971,

produziu o primeiro torno com comando numérico computadorizado no Brasil e, em

1973, iniciou a fabricação de máquinas injetoras de plástico. Na década de 90, a

empresa introduziu no mercado uma linha de centros de usinagem, a partir de tecnologia

própria (1992), uma nova linha de injetoras de plástico (1993) e um sistema de

usinagem de furos de precisão (1995).

Quanto à natureza jurídica da empresa, em 1954, a Romi tornou-se uma sociedade

anônima, alterando sua razão social, em 1962, para Indústrias Romi S.A. Em 1972

tornou-se uma sociedade anônima de capital aberto, com ações negociadas na Bolsa de

Valores de São Paulo.

As parcerias internacionais da empresa foram-se expandindo. Além do acordo com a

Isetta italiana, na década de 50, a empresa celebrou, em 1986, contrato de transferência

de tecnologia com a empresa Yamazaki Mazak Corporation, do Japão, para uma nova

linha de tornos a CNC e em 1998 assinou contrato de licença de patente com a empresa

EMAG Machinen Vertriebs-und Service GmbH, da Alemanha, para fabricação de

centros de torneamento verticais.

A transferência de tecnologia também ocorreu de dentro para fora. Em 1997, a empresa

celebrou um contrato de transferência de tecnologia, licenciando um de seus modelos de

tornos a CNC a uma grande empresa européia fabricante de máquinas-ferramenta. Esta

conquista se inseria em uma política de desenvolvimento de tecnologia própria, através

de vários centros de P&D associados a cada uma de suas unidades fabris, que

empregavam mais de 140 engenheiros e técnicos. Os resultados dessa atividade de P&D

haviam levado ao depósito e concessão de mais de 50 patentes de invenção e a 32

pedidos de patentes em andamento na América, Europa e Ásia. A empresa havia

investido, nos últimos anos, aproximadamente 6% de sua receita operacional líquida em

P&D.

Por ocasião do estudo, o presidente da empresa era o neto do fundador, que também

levava seu nome – Américo Emílio Romi Neto.

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Ao final do ano 2000, a Romi era uma sociedade anônima de capital aberto, com ações

em bolsa. Aproximadamente 60% do controle do capital da empresa era da família

Romi e 40% estava em mãos de terceiros. No entanto, apesar do controle familiar, a

direção da empresa orgulhava-se de haver aprendido a separar as questões patrimoniais,

relativas à propriedade da empresa, das questões administrativas:

“A Romi não é uma empresa familiar, é uma empresa aberta, porém com controle

familiar. É uma característica de uma empresa totalmente aberta e

profissionalizada, mas mesmo assim em algumas funções ela conta com pessoas

membros da família. Entretanto, o critério para isso é a competência e, enfim,

entender que a empresa não trabalha para um acionista e sim o acionista é que

acaba trabalhando para a empresa. O que nós fizemos aqui alguns anos atrás ? Em

1994, houve a transferência das ações da Romi para uma holding. Então, os

acionistas da família Romi receberam ações dessa holding em troca das ações da

Romi. A família Romi é acionista dessa holding e não acionista da Romi. Por que

isso? Porque fortalece a empresa, porque você está dividindo com maior clareza o

que são questões patrimoniais e o que é questão administrativa da empresa. ...Por

exemplo, é natural que o acionista deva estar preocupado com o futuro do

negócio, com o retorno sobre o investimento, com a saúde da empresa, se a

empresa está sendo bem administrada... E cabe aos administradores otimizar os

recursos da empresa para você ter maior rentabilidade, melhor retorno, enfim,

uma melhor geração e uma melhor utilização de riquezas em geral da empresa.

Então, com essa divisão a gente separou bem as questões patrimoniais e as

questões administrativas. Então, nas assembléias da Romi não são discutidos

assuntos patrimoniais... O problema particular de cada um é discutido fora da

empresa... Na assembléia da Romi, então, quem participa desse grupo familiar é

apenas um representante apontado pela holding e não todos os acionistas que

poderiam estar participando. Quer dizer, 60% poderia estar presente na assembléia

da empresa, discutindo os mais variados assuntos. Esse representante participa da

assembléia da holding, não expondo dentro da empresa questões familiares,

porque isso é que é um problema nas empresas familiares, é trazer para dentro da

empresa uma coisa que não tem nada a ver com a empresa.”

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O processo sucessório era uma grande preocupação da família Romi. Se aparentemente,

de um lado, pretendia-se manter o controle familiar do empreendimento, por outro

buscava-se determinar quais os membros da família com capacidades e habilidades

necessárias a participar de sua administração. Tentava-se, assim, conciliar a natureza

familiar do controle com as necessidades de uma gestão profissionalizada.

“Então, isso foi em 1994. Já em 1988 começou um processo de transição da

segunda para a terceira geração, transição do comando da empresa, porque existe

o interesse e o desejo do grupo majoritário de manter o controle da administração

familiar. Por uma série de motivos, mas um deles seria a competência e a

capacitação da terceira geração. As regras são claras, do tipo: ‘não existe lugar

para todo o mundo aqui, nem todo o mundo vai ser diretor e acabou’, sabe, não

tem espaço, a tolerância é bem reduzida para justamente preservar a própria

empresa, o ambiente interno. Existe um apoio muito grande do grupo gerencial

para a terceira geração. Então a terceira geração recebe um suporte muito grande

de todo o grupo gerencial, eles acreditam na terceira geração.”

Uma das características da filosofia de gestão da Romi parece ter sido a preocupação em

manter a empresa capitalizada e não distribuir dividendos acima de determinado nível.

Devido a características intrínsecas ao negócio da Romi, bens de capital sujeitos a

flutuações cíclicas das vendas, a empresa necessitava reter lucros, de modo a sobreviver

nos períodos recessivos. Então, a postura adotada na distribuição de dividendos era

considerada conservadora:

“...Nós temos que ter uma reserva dentro da empresa muito substancial. E aí que

eu digo para você que o acionista é penalizado, porque o acionista podia estar

ganhando dividendos, mas reter os lucros é uma política adotada pela própria

administração familiar, que se mantém dentro da empresa historicamente.

Inclusive, existe uma certa repercussão negativa para o mercado e para o próprio

grupo de acionistas, sejam familiares ou não. E que a empresa não remunera bem

seus acionista. Por que não ? Porque ela reinveste na própria empresa. Ela retém.

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Você pode ver o balanço da Romi: lucros acumulados. É uma conta grande de

lucros acumulados. São valores que poderiam ter sido distribuídos, mas que são

mantidos dentro da empresa, para investimentos em novas plantas, investimentos

em novos negócios, investimentos em novos produtos, investimentos em recursos

humanos. A terceira geração da família Romi vai ampliar os negócios e, quem

sabe, virá uma quarta geração, e assim por diante. A Romi é uma empresa que tem

70 anos e essa idade é relevante. Poucas empresas conseguem chegar aos 70 anos,

fortes e bem desenvolvidas, graças ao acúmulo de riqueza que ela teve nos anos

em que os lucros foram sempre reinvestidos. Então é isso mais ou menos o que é a

Romi em termos de organização, da questão de ser uma empresa familiar ou

não...”

1.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA

O fundador da empresa, Américo Emílio Romi, era filho de imigrantes italianos.

Embora nascido no Brasil, retornou à Itália, com sua família, antes da I Guerra Mundial,

prosseguindo seus estudos naquele país. Ao final da guerra, casou-se e retornou ao

Brasil. Segundo André Romi, um dos atuais diretores da empresa, a experiência

internacional, a estadia na Itália, já prenunciavam o processo de internacionalização da

empresa:

“Antes de internacionalizar a empresa, o próprio empreendedor já era

internacionalizado. Por quê? Porque o fundador da empresa era filho de

imigrantes italianos. Imagine só, essa própria imigração ela já era uma

internacionalização, você já está passando de um país para outro, enquanto família

e enquanto pessoa. O fundador da empresa nasceu no Brasil, mas a família do

fundador, junto com ele, retornaram à Itália antes da 1º Guerra Mundial. Lá, o

fundador da empresa, Américo Emílio Romi, teve a oportunidade de estudar na

escola técnica – no caso era a de Milão. Assim que terminou o colegial técnico,

ele prestou serviço militar na 1º Guerra, para o exército italiano. É muito

interessante a história, porque ele foi ferido em combate, foi para o hospital e a

enfermeira que o ajudou a se recuperar veio a ser sua esposa. Após o término da

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guerra, eles retornaram ao Brasil. Então, já houve aí uma internacionalização da

própria pessoa do fundador.”

Em 1944, a Romi iniciou as exportações para a Argentina, seu primeiro mercado de

exportação. Antes, porém, já se podia falar da chamada internacionalização para dentro

(inward internationalization), já que boa parte dos insumos eram importados de outros

países, particularmente da Itália e da Alemanha A empresa via com bastante clareza o

fato de que a internacionalização era uma via dupla, de “duas mãos”:

“A empresa, concretamente, iniciou o processo de comercialização dos seus

produtos no exterior em 1944. Então isso foi o primeiro movimento... Aliás, antes

um pouco, porque a internacionalização da empresa significa duas mãos. Você

pode receber insumos importados – lembrar que em 1930, 30, 40 basicamente, a

gente tinha uma grande quantidade dos insumos importados aqui na indústria.

Esses insumos eram importados, o próprio aço laminado era importado. Com a 2º

Guerra, houve o bloqueio das importações, principalmente por retaliação a alguns

países que eram fornecedores desses materiais ao Brasil, no caso a Alemanha e a

própria Itália. Mas, basicamente, as importações da empresas se iniciaram em

1944.”

Apesar da rápida expansão das exportações, a internacionalização para dentro

continuava a ter um papel importante no desenvolvimento da empresa, como no caso da

parceria com a Isetta italiana:

“A empresa tem contratos de transferência de tecnologia, tanto para receber

tecnologia, quanto para exportar tecnologia. Então é uma gama muito grande...

Isso remonta à década de 50, não saberia precisar exatamente quando. Um

exemplo interessante é que em 1956 a empresa celebrou um contrato de licença de

fabricação para um automóvel aqui no Brasil, chamado Romisetta. Foi o primeiro

carro nacional, acho que ali tem uma foto, aquele carro que abre a porta na frente,

foi fruto de um contrato de licenciamento de uma empresa italiana para a Romi.

Então isso foi realizado mais ou menos em 1954 ou 1955 e em 1956 o carro

estava sendo lançado no mercado nacional.”

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Essa experiência se completaria nos anos subseqüentes com outros contratos de

transferência de tecnologia, celebrados com empresas do Japão e da Alemanha.

A vivência internacional da empresa, que era uma combinação das diferentes formas de

internacionalização com que ela convivia – transferência de tecnologia para dentro e

para fora, acordos de licenciamento, exportações e investimento direto no exterior –

permitiu-lhe obter amplo conhecimento do mercado internacional, acumulando

experiência:

“Essa experiência, ela é um conhecimento acumulado. A Romi completa 70 anos

de vida e desde o começo praticamente, no berço da empresa, ela já se via em

contato com o mercado externo. Começou com as exportações em 1944. Então, é

um conhecimento, é uma capacitação acumulada, uma cultura acumulada, tratar

com um alemão, tratar com um americano, tratar com um japonês. Nós sentamos

à mesa e sentimos perfeitamente adequados à situação. Nossos profissionais

viajam constantemente para o exterior e vice-versa. Nós temos aqui uma

estatística, um volume de visitas muito grande ao exterior aqui na nossa empresa.

Então, esse convívio, ele é considerado normal para nossa empresa.”

No âmbito da exportação, a Romi exportava para mais de vinte países em quase todos

os continentes, utilizando 26 distribuidores.

“A Romi trabalha no mercado externo através de distribuidores. Esses

distribuidores estão localizados, tanto na Europa, América do Norte, México,

América do Sul, Ásia, nós temos quase 30 distribuidores no exterior. Na Europa,

por exemplo, temos na Espanha, temos na Itália, temos em Portugal, temos na

França, temos na própria Alemanha, temos na Inglaterra, temos na Holanda,

temos Leste Europeu também. E esses distribuidores, eles normalmente compram

máquinas para manter no estoque deles. Então eles importam as máquinas da

Romi, formam um estoque local e esse estoque depois é distribuído localmente”.

O uso de distribuidores era visto pela empresa como uma opção de menor risco,

principalmente no caso de mercados considerados marginais pela empresa, em que ela

tinha pequena participação:

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“A opção por um distribuidor envolve menos risco, ou seja, normalmente as

condições comerciais de venda, você estabelece certas garantias. Por exemplo,

você pode ter cartas de crédito, você pode ter aval bancário, isso tudo garante a

operação em termos de recebimento. Com relação à questão cultural, o próprio

distribuidor entende o mercado. Ele é o interlocutor nosso para aquele mercado.

Então normalmente são pessoas que têm capacidade de conversar conosco e

também conversar com o mercado. Estão preparadas para fazer essa interlocução.

Se os distribuidores estão em países envolvidos em problemas políticos, religiosos

ou culturais, uma vez determinadas as condições de venda e cumpridas as

condições de venda, não há nenhum entendimento da nossa parte de fornecer os

nossos produtos para aqueles países.”

O que seria um bom mercado externo para a Romi, ou seja, como a empresa via seus

mercados de atuação internacional? Os mercados norte-americano e europeu eram

vistos como bastante similares, em termos tecnológicos, e com baixo risco comercial. Já

os mercados latino-americanos eram percebidos como de alto risco:

“Problema crônica na América Latina é a questão de risco comercial. Quer dizer,

você tem o maior índice de inadimplência. O maior índice de inadimplência é da

América Latina. Nos Estados Unidos é praticamente zero a inadimplência e na

Europa é zero. Então, você estava me perguntando qual é o melhor mercado.

Bom, você tem que entender o seguinte. Os mercados, eles flutuam de acordo com

o nível de atividade econômica de cada país, ou seja, o consumo de bens de

capital seriado, que é o nosso produto, flutua de acordo com o nível de atividade

de cada país. O que acontece nesse momento ? Nesse momento, nós estamos

passando pela seguinte característica: o mercado norte-americano, ele se encontra

em uma desaceleração, já se refletindo em uma pequena redução da venda dos

nossos produtos lá. Ao passo que a Europa, nesse momento, encontra-se numa

fase compradora, o mercado está comprador, está num momento de certo

aquecimento da economia. Então, não existe mercado melhor ou pior no nosso

caso, exceto a América Latina, que é um risco comercial, que é um caso à parte,

mas os dois principais mercados, Estados Unidos e Europa, eles basicamente são

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equivalentes, tanto em termos de volume, quanto em termos de perfil

tecnológico.”

Por sua vez, os mercados asiáticos, do Oriente Médio e do Leste Europeu eram vistos

como mais distantes e mais difíceis de penetrar. Para esses mercados, o caminho natural

entrevisto pela empresa era o uso de distribuidores:

“Veja bem, a idéia nossa é de atender o maior número possível de mercados, seja

Leste Europeu, seja Ásia, seja Europa, seja Estados Unidos, enfim. O Oriente

Médio pode ser um bom mercado, porém ele é pouco trabalhado. Existem

pouquíssimas vendas já ocorridas. A Ásia também poderia ser um mercado,

porém lá o índice de competição é muito alto, principalmente no caso dos Tigres

Asiáticos. Além do Japão, Taiwan, Coréia, China são grandes produtores, como

nós, de bens de capital, máquinas-ferramenta, máquinas de injetores plásticos. Eu

diria que a estratégia para esse lado do mundo, digamos, Leste Europeu, Oriente

Médio e Ásia é exclusivamente através de distribuidores. A nossa área de

marketing internacional da Romi, ela tem contatos permanentes com os

distribuidores desses países, dessas regiões ainda não exploradas ou pouco

exploradas. Então, uma vez detectado um bom distribuidor, que atenda às nossas

expectativas, é celebrado um contrato de distribuição e ele passa a ser um

distribuidor exclusivo ou não exclusivo, isso depende de cada situação, de cada

distribuidor, de cada mercado. Para essa parte do mundo, eu digo para você que o

caminho é esse.”

Para fazer face à competição mundial em seus vários mercados de atuação, a empresa

havia desenvolvido produtos padronizados – produtos mundiais – que eram vendidos

em todos os mercados. Esta padronização permitia à empresa competir eficazmente

tanto em mercados desenvolvidos quanto em desenvolvimento:

“Você tem que estar preparado para cada mercado. É como se você fosse

participar de uma competição... Se você se preparou para uma competição, para

um vestibular, o que for, você tem que estar realmente preparado. Se você é um

atleta, tem que estar preparado para aquela corrida, ou, enfim, para aquela

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atividade de que você vai participar. Usando essa analogia, para a empresa é a

mesma coisa. Se você vai participar do mercado norte-americano, você precisa

estar apto para competir com o seu produto. Nós aqui na empresa decidimos – isso

já é uma política da empresa – criar produtos que possam atender não só o

mercado nacional, mas o mercado global como um todo, sem muita diferença. É

lógico que você tem algumas diferenças, por exemplo: as máquinas hoje em dia

são computadorizadas, são máquinas com movimentações mecânicas, assistidas

por computadores, chamado comando numérico, ou controladores lógicos

programáveis. Esses computadores têm no seu painel, na sua tela de conversão,

diversos idiomas, ou seja, para o mercado norte-americano o idioma em inglês,

então aquele produto (...) é todo padronizado, com o idioma em inglês. Para a

Alemanha, o alemão, para a Espanha, o espanhol, para a França, o francês. Então,

a par dessa configuração que é feita no produto para atender uma característica

específica do mercado, todas as demais são consideradas padrão mundial. Esse

padrão mundial, que eu digo, é uma aceitação mundial de características. Então

nosso produto tem características européias e características americanas, são as

mesmas basicamente. É óbvio que o mercado latino-americano e o brasileiro vão

aceitar essas características porque são características normalmente bem

exigentes, as mais exigentes. Então há uma política interna da empresa, como eu

disse a você, e ela é chamada de produto mundial. Ou seja, repetindo mais uma

vez, qualquer produto que a gente desenvolva, fabrique e venda, são produtos

comercializados em qualquer parte do mundo. Na configuração a diferença é a

questão da língua. Porque essa é a única diferença quase que tem. Outra diferença

é a questão da característica do motor elétrico. Em determinados países, você tem

lá 220, 3 ciclos, no outro é 380, é 60 ciclos. É uma configuração específica, mas

muito superficial. É a mesma coisa que comprar um eletrodoméstico importado,

você vai ter duas soluções. Então são pequenos ajustes para cada mercado.”

Na mesma linha, a percepção do entrevistado era de que a empresa não só fabricava

produtos mundiais, como estava capacitada a atuar em todos os países onde operava

com certa familiaridade, que lhe permitia negociar, sem constrangimento, em diferentes

culturas:

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“Negociar com uma empresa alemã ou negociar com um cliente alemão ou um

cliente americano, no nosso caso, dada a bagagem que a nossa empresa tem de

experiência no comércio exterior, com empresas no mercado internacional, a

Romi se encontra completamente capacitada para lidar com essas questões. Não

vemos diferença entre um cliente alemão e um cliente brasileiro, hoje em dia.”

A empresa costumava participar de 10 a 15 feiras no exterior, a cada ano, tipicamente

setoriais. Em algumas dessas feiras, a Romi participa como visitante e, em outras, como

expositor. Na opinião do executivo entrevistado, essas feiras são de grande importância

para que a empresa mantenha contato com os seus mercados de atuação.

A atividade de exportação estava sujeita, em função da natureza dos produtos da

empresa, a oscilações cíclicas:

“Dificuldade é quando nós não vendemos. Isso acontece com o Brasil, isso

acontece com qualquer outro país, ou seja, você tem os ciclos econômicos que

interferem no nosso negócio. Basicamente é isso. Por exemplo, para você, desde

que você se prepare para colocar seus produtos nos mercados no exterior... Então,

você vai discutir questões comerciais, de preço e tal, queria dizer para você que,

às vezes, é difícil. Muitas vezes ,você deixa de ser competitivo no exterior por

uma questão de flutuação das moedas. Aí por exemplo: até antes de janeiro de

1999, o real estava supervalorizado, nós não tínhamos condição de competir no

exterior. A partir de janeiro de 1999, com a maxi- desvalorização, readquirimos a

nossa condição de competitividade em termos de preço. A mesma coisa acontece

com o Mercado Comum Europeu, no caso, o euro, ele se encontra agora

desvalorizado com relação ao dólar. Então, todas as exportações alemães passam a

ser mais competitivas, ao mesmo tempo que as importações para aquele país

passam a ser menos competitivas. Perdemos competitividade em termos de preço

para países da Europa, por conta da subvaloração do euro. Isso são coisas que

acontecem.”

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1.3. INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR

A abertura de subsidiárias no exterior obedecia a uma lógica peculiar ao negócio. É que,

embora não produzisse no exterior, a Romi necessitava estar presente em seus principais

mercados, para prestar um serviço adequado a seus clientes, através de estoque de

máquinas e peças, assistência pré e pós-venda e para expor o produto. As subsidiárias

no exterior, então, eram basicamente para armazenagem, venda e assistência técnica:

“A Romi conta hoje com três empresas no exterior: Estados Unidos, Argentina e

Uruguai. E uma mais, que está sendo formada agora na Alemanha. São empresas

que basicamente têm um perfil mais ou menos parecido. São o que nós chamamos

de filiais de venda, distribuição. Mais que venda, porque distribuição envolve

tanto engenharia pré-venda – um estudo técnico que é feito, trata-se de uma venda

técnica, você tem que saber realmente qual é a necessidade específica de cada

cliente para poder fazer, então, todo esse trabalho de engenharia. Então, não é

simplesmente vender o produto. Você tem lá um staff, um corpo de funcionários,

composto por engenheiros, assistentes técnicos, vendedores e supervisão. Lá nós

temos estoques de peças, estoques de máquinas prontas para a venda, estoques de

peças para a reposição. Então isso aí é uma configuração típica de uma empresa

nossa no exterior. Não se trata de unidade de produção, mas sim de unidade de

distribuição de produto... Estados Unidos, Argentina, Uruguai e, na Alemanha, em

fase de criação.”

O processo decisório de investimento direto no exterior não estava associado a um

único indivíduo, mas a decisão final era tomada pelo próprio Conselho de

Administração da Romi, a quem cabiam as decisões de caráter estratégico. No entanto,

competia à diretoria executiva encaminhar tais questões à consideração do Conselho de

Administração.

O primeiro mercado considerado pela direção da empresa para investimento direto no

exterior foi o americano. As razões para tal decisão, conforme relatadas pelo

entrevistado, foram as seguintes:

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“Por que é que foi decidido? Porque o mercado americano, ele sempre foi para a

Romi um bom mercado. A Romi historicamente tem cerca de 35% de seu

faturamento destinado à exportação e, desses 35 %, cerca de 70% são para os

Estados Unidos. É uma decisão natural que os Estados Unidos fossem o primeiro

mercado a receber um ponto de distribuição próprio da empresa.”

Quando foi tomada a decisão de internacionalização, portanto, estava claro para a

direção da empresa que o mercado americano deveria ser o primeiro onde se faria o

investimento direto. Era imprescindível criar uma presença mais forte no mercado

norte-americano, que levasse à consolidação da marca e permitisse prestar melhor

serviço pré e pós-venda aos clientes.

“No princípio houve um planejamento, que foi o seguinte: vamos primeiro

consolidar o mercado americano. Na verdade, 1985 não foi o início das

exportações para os Estados Unidos. Na década de 60 já começaram a ocorrer

exportações e em 1985, na verdade, nós tínhamos nos Estados Unidos cerca de

oito mil máquinas trabalhando, em funcionamento. Oito mil máquinas exportadas

em 20 anos, nas décadas de 60 e 70. Essas compras foram feitas através de

distribuidores locais e essa empresa, que foi criada em 1985, foi criada para

atender, para dar suporte aos distribuidores, visto que já tínhamos um mercado de

oito mil máquinas exportadas, apenas para o mercado americano. Então, a idéia de

criar uma empresa nos Estados Unidos, inicialmente, foi para consolidar aquele

mercado e começar a ter uma maior presença direta no mercado. Para mostrar:

‘olha, eu sou o Romi, aqui está o meu produto, aqui está a minha empresa, olha

quem eu sou...’. Precisávamos fortalecer a imagem da Romi naquele mercado,

coisa que não era tão bem feita ou minimamente feita pelos distribuidores...

Porque o distribuidor, na verdade, vai estar vendendo, porém é o nome do

distribuidor que está sendo colocado à frente do nome do produto ou do

fabricante. Com um ponto de venda de distribuição direta, você inverte essa

colocação. Você coloca o nome do fabricante, do produto e, depois, do

distribuidor. Você fortalece sua imagem no mercado.”

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Um problema com que a empresa se defrontou referia-se a onde colocar suas

instalações. Esta decisão envolvia questões como acesso a mercado, custos etc. Para

chegar a uma decisão de localização partiu-se para um estudo de mercado:

“Então, em 1985, nós elaboramos um estudo de mercado. A decisão nós já

tínhamos, justamente baseada nesse volume que o mercado já proporcionava à

empresa. O nosso estudo foi mais no sentido de onde, dentro do país, os Estados

Unidos, seria o local mais adequado para instalar a empresa. Então foi feito isso.

Foi destinado um dirigente aqui da empresa com formação em comércio exterior e

com competência para se estabelecer nos Estados Unidos, criar a empresa,

gerenciar a empresa.”

O estudo de localização, nos Estados Unidos, foi feito pelo profissional proveniente da

Romi Brasil, que já tinha experiência anterior no mercado americano, através de outros

negócios. Foram utilizados vários canais de informação:

“Então ele foi procurar esses canais de informação, as associações, os fabricantes

locais, as associações dos distribuidores, até imobiliárias, você tem que saber o

preço dos imóveis, quanto ficou um aluguel de um lugar para outro, onde é

concentrada a maior quantidade de empresas similares, e assim por diante. Então

isso é um trabalho que foi feito e em cima desse trabalho foi decidido o local”.

Inicialmente optou-se por Chicago, no estado de Illinois, mas a operação da Romi nos

Estados Unidos ainda era bastante limitada:

“Isso então durou de 1985 até 1998 mais ou menos, época em que a gente

trabalhou num nível mais restrito. Para você ter uma idéia, nesse período de 1985

a 1998, nós tivemos cerca de quatro pessoas apenas trabalhando na empresa e um

nível de atividade mais restrito.”

Posteriormente, transferiu-se a empresa para a cidade de Erlanger, no estado de

Kentucky, inaugurando em 1998 as novas instalações da Romi Machine Tools, Ltda.

Essas instalações ocupavam uma área construída de aproximadamente dois mil metros

quadrados, incluindo show-room, estoque de peças e serviços pré e pós-venda. Essas

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novas instalações significavam, efetivamente, um aumento do comprometimento da

empresa com aquele mercado.

“De 1998 em diante, nós ampliamos as atividades da empresa, passamos a ter 12

funcionários, passamos a ter área construída de dois mil metros quadrados. Aí

sim, com um grande nível de estoque de máquinas, peças sobressalentes, e assim

por diante. Então, de 1998 em diante, a Romi nos Estados Unidos passou a ser

uma nova empresa, inclusive a sede foi transferida para a cidade de Erlanger, no

estado de Kentucky. Essa mudança foi em função de que aquele mercado de

Kentucky, nesse espaço de tempo, aquela região de Kentucky, atraiu muitos

investimentos na área desse segmento em que nós trabalhamos e passou a contar

com uma grande concentração de fabricantes e de distribuidores de máquinas de

ferramenta. Então basicamente foi isso.”

Por ocasião da entrevista, a percepção dos dirigentes era de que a empresa já havia se

consolidado no mercado norte-americano e que as perspectivas de crescimento já não

eram tão grandes:

“Nesse momento, então, que nós estamos agora, enfim, percebemos que o

mercado norte-americano se consolidou, o nosso mercado lá, e a tendência é ter

uma continuidade dos negócios, porém não em níveis crescentes, como foi no

passado.”

Outros mercados onde a empresa realizou investimento direto foram a Argentina e o

Uruguai. Em ambos os casos, a proximidade desses mercados, as experiências

anteriores vividas pela empresa através de exportações, além do Mercosul, parecem ter

influenciado a decisão tomada:

“Argentina e Uruguai. No caso, a Argentina foi o primeiro país para onde a Romi

exportou os seus produtos, em 1944. Mas esses dois países, Argentina e Uruguai,

[também foram escolhidos] pela proximidade com o Brasil. Temos também a

questão do Mercosul, tem uma regionalização do mercado. E esses mercados

mostravam também que mereciam ter uma sede própria para a distribuição dos

produtos”.

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A questão da proximidade geográfica e cultural aparece fortemente em outro trecho da

entrevista:

“O Mercosul pode até ser considerado uma coisa à parte, porque foi um

investimento bem menor e, na verdade, o Mercosul tem uma porcentagem muito

grande no Brasil, no sentido de ser quase que uma extensão e vice-versa. Da

Argentina para o Brasil, e do Brasil para Argentina, Uruguai, Paraguai. Com o

Mercosul, houve um algo mais, que atraiu o interesse das empresas em se

posicionarem diretamente no mercado, criou-se uma tarifa comum dentro do

bloco, que permite uma proteção com relação a produtos de terceiros países. Não

somente isso. Também tinha chegado o momento e a empresa na Argentina... a

empresa do Uruguai foi um pouco antes, em 1992 e a Argentina em 1994, mais ou

menos por aí. Tinha chegado o momento de abrir uma empresa lá. Coisa que, na

verdade, não impactou em grandes investimentos. Saiu um pouco fora desse

contexto americano e alemão, da Alemanha, Europa. São coisas diferentes.”

Na ocasião da entrevista, a empresa estava ingressando na Alemanha através de

investimento direto. Como os investimentos no Mercosul eram vistos como uma

“extensão natural”, a abertura de uma subsidiária na Alemanha era percebida, na

verdade, como o segundo grande passo na decisão de localizar-se no exterior:

“E, ultimamente, na Alemanha. Porque a Alemanha é um país onde se concentra

um grande número de produtores, de produtos similares aos nossos e também de

consumo de produto. Talvez o consumo de produto per capita na Alemanha seja

um dos mais altos do mundo. Mesmo assim, não foram apenas esses critérios, mas

consideramos que a Alemanha, geograficamente, se encontra mais ou menos no

centro da Europa, permitindo que você faça um acompanhamento de todos os

demais países da Comunidade Européia. Então da Alemanha, por exemplo, você

tem condição de visitar clientes ou outros distribuidores em um dia de trabalho,

quer dizer, você sai de manhã e volta à tarde. Então isso permite economia com

despesas, etc. Então, essa é a razão da escolha da Alemanha.”

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Para ingresso no mercado alemão, foi contratado um profissional local, cerca de dois

anos antes, que trabalhava em um escritório doméstico, “com toda a infra-estrutura:

microcomputadores, notebook, linhas telefônicas etc.” No momento de decisão da

abertura da subsidiária da Romi na Alemanha, este profissional contratou contadores,

imobiliárias e empresas de recursos humanos para auxiliá-lo na tarefa.

Quanto à decisão específica de onde instalar-se, na Alemanha, relatou o entrevistado,

mais uma vez, tratar-se de um processo racional:

“Primeiro, é preciso que esse local tenha uma concentração industrial relevante,

que esse local tenha um custo-benefício, ou seja, às vezes você vai pensar: puxa

vida, mas você poderia ficar em determinado local, porém o custo em geral, as

despesas, a manutenção não se justificariam naquele local, porque você pode se

transportar facilmente de um local ao outro e ter aí uma redução dos seus

investimentos, das suas despesas de manutenção. Então basicamente a

concentração, a concentração de mercado, mais do que distrito industrial, ...é o

que define a localização.”

A Itália também foi considerada como possibilidade em algum momento do processo

decisório de investimento direto no exterior, mas considerações econômicas levaram a

empresa a localizar-se na Alemanha em detrimento da Itália:

“No caso das empresas Romi no exterior, elas, além de fazer venda direta, fazem

também o suporte aos distribuidores, dando assistência onde for preciso. Então

por que é a Alemanha e não é a Itália? Porque não comportaria ter na Europa duas

empresas Romi. Então, a escolha foi por uma questão estratégica, por isso a

Alemanha e não a Itália. E a Itália vai estar sendo atendida pelo distribuidor local,

da mesma forma que França, Espanha, Portugal e assim por diante.”

A presença na Europa era vista pela empresa de forma bastante distinta da presença nos

Estados Unidos. Isto porque, enquanto nos Estados Unidos buscou-se essencialmente

dar suporte aos negócios já existentes, ainda que prevendo crescimento, na Europa a

expectativa era de abertura de novos mercados:

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“Já a Europa é diferente. A Europa, ela passa agora a ter uma prioridade no

sentido de novos mercados a serem iniciados. E assim, com a empresa lá, nós

temos condição de ter uma concentração de nossos esforços apenas naquele

mercado. A partir do momento que o mercado dos Estados Unidos se consolidou,

nós passamos para o seguinte. Por quê isso? Porque envolve investimentos em

grande volume. Então, você tem que priorizar os investimentos. ...Não sei se [essa

seqüência de mercados] foi o ideal. Pelo menos foi aquilo que foi possível fazer.

Acho que qualquer empresa aqui no Brasil se ressente de recursos financeiros em

geral para qualquer tipo de investimento. Na verdade, somente nos últimos anos é

que tivemos um panorama mais ou menos claro da economia que permitisse

planejamento. Então esse panorama mais de longo prazo permite que você se

prepare para esse tipo de investimento.”

Assim, o processo seqüencial de abertura de subsidiárias em diferentes mercados era

percebido como estando associado à disponibilidade de recursos para investimentos.

1.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL

A estrutura internacional da empresa, assim como os recursos humanos voltados para o

mercado externo, pode ser analisada sob dois ângulos: o da matriz no Brasil e o das

subsidiárias no exterior.

A estrutura organizacional voltada para as atividades internacionais, na matriz

brasileira, mostrou-se bastante dinâmica e flexível, acompanhando a expansão da Romi.

A empresa adaptou-se continuamente, sob o ponto de vista de sua estrutura, ao

crescimento de suas atividades internacionais. Indagado sobre a ocorrência de grandes

mudanças estruturais para atender à internacionalização, o entrevistado indicou que tais

mudanças foram mais de natureza incremental, ao longo do tempo, não se constituindo,

em qualquer ponto, em transformações radicais na estrutura da empresa:

“Ao longo do tempo é óbvio que, se você vai aumentando as suas exportações,

você precisa ter uma estrutura adequada para atender dentro da empresa. Por

exemplo, hoje nós temos um número interessante. As exportações normalmente,

via de regra, são por transporte marítimo e os produtos são armazenados em

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containers. Nós movimentamos aqui na empresa cerca de 600 containers por ano,

entre entradas e saídas, ou seja, entre produtos importados e produtos exportados.

Produtos importados, eu me refiro a insumos. Nesses 600 containers, pode-se

dizer que 500 saem da nossa empresa com máquinas, ou seja, produtos, e 100 vêm

para nossa empresa com insumos para a fabricação dos nossos produtos. Então,

600 containers é um número representativo. Então, você precisa ter uma área de

exportação, de faturamento, integrados e tudo o mais com uma infra-estrutura

adequada. Mas isso não é nada que represente uma grande mudança

organizacional. Porque já em 1944 nós tivemos mudanças. E nas décadas de 50 e

de 60. Mas são adequações que a empresa incorporou. O processo administrativo

geral da empresa, tanto financeiro quanto econômico, já se encontra integrado de

longa data, um sistema que envolve faturamento para exportação, cobrança de

recebimentos de exportação, a própria importação de insumos, já era um sistema

normal da empresa...”

A estrutura de comercialização encontrava-se organizada por produtos e por mercados.

Havia duas diretorias de comercialização, uma para máquinas-ferramenta e outra para

máquinas de injetoras de plástico. Subordinadas a essas diretorias havia duas gerências,

uma para o mercado doméstico, outra para o mercado externo. As funções das diretorias

e das gerências encontravam-se claramente definidas:

“Então basicamente é isso, o dia a dia dos negócios do comércio exterior é

administrado por essas gerências. Assuntos que fogem ao dia a dia entram mais na

parte do planejamento, estratégia etc., são discutidos e acompanhados pelas

diretorias. Se houver uma discussão mais relevante, do tipo abrir uma nova

empresa no exterior, o Conselho de Administração é que tem a palavra final.”

Apenas a comercialização internacional era tratada de forma separada do mercado

doméstico. As gerências encarregadas do mercado externo, em cada uma das diretorias,

eram responsáveis especificamente por marketing, vendas, seleção de distribuidores,

planejamento de estoques de distribuidores etc. No mais, as funções administrativas

eram exercidas pelos mesmos departamentos, quer se referissem ao mercado doméstico

ou ao mercado externo. Por exemplo, as atividades de administração financeira, entre

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as quais se incluíam garantias, emissão de títulos de cobrança, relacionamento com

bancos etc., eram realizadas pelo departamento financeiro. O envio de produtos para

mercados externos era feito pelo departamento de expedição, que coordenava

embarques, datas, fretes e outros aspectos da logística internacional com a subsidiária

no exterior.

Os gerentes de comercialização eram tipicamente engenheiros de formação, com

treinamento em marketing e vendas.

As subsidiárias da Romi no exterior tinham razoável grau de autonomia, sendo o

controle da matriz exercido através do envio de balancetes mensais e de auditoria

externa anual.

“[As subsidiárias] têm vida própria cada uma, ou seja, todas as obrigações de

venda, de cada uma dessas empresas em cada um dos seus países, em cada um dos

seus mercados, são assumidas pela própria empresa sob a administração do seu

responsável. Cada empresa no exterior contabiliza as suas contas e produz

balancetes mensais e os balancetes são encaminhados para a controladoria da

nossa empresa, da Romi matriz, onde é feita toda uma análise desses balancetes. É

feito um acompanhamento, por exemplo, anualmente é feita uma auditoria

externa, por uma empresa contratada em cada um desses países, a nossa

controladoria geralmente acompanha essa auditoria, no relatório final.”

Nos mercados onde dispunha de subsidiária, a Romi contratava profissionais locais,

para melhorar seu conhecimento daquele mercado, em particular de sua cultura e do

comportamento do comprador, além, naturalmente, do pleno domínio do idioma e dos

costumes locais.

“Apesar de ser o mesmo tratamento aos clientes de qualquer país, como eu disse

para você, é preciso conhecer um pouco da cultura alemã, um pouco da cultura

americana. Para isso nós temos profissionais contratados na Alemanha,

contratados nos Estados Unidos, contratados na Argentina, que são pessoas locais.

São profissionais – alemães, americanos, argentinos e assim por diante – que vão

entender melhor a configuração do mercado, a cultura daquele comprador,

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daquele mercado... Você quer contratar um profissional, vai no mercado e diz: eu

preciso de um engenheiro, com cinco anos de experiência em vendas técnicas,

para máquina-ferramenta ou máquina de produtos plásticos. Vão aparecer alguns

candidatos, você escolhe aquele. Basicamente é isso. Não tem segredo.”

As subsidiárias dispunham, portanto, de pessoal contratado localmente. O pessoal

técnico tinha formação basicamente em mecânica e eletrônica, mas a empresa

considerava necessário que os técnicos também dispusessem de conhecimentos nas

áreas financeira e comercial. O treinamento dado referia-se fundamentalmente à

empresa. Os técnicos que deveriam ocupar posição-chave na subsidiária eram trazidos

ao Brasil “para conhecer toda a organização, como ela funciona, a política, a filosofia,

os meios, a manufatura, a parte comercial, a parte administrativa”. Nos Estados Unidos

a empresa dispunha de 12 funcionários de nível técnico, seis na Argentina, três no

Uruguai e um na Alemanha. Esperava-se aumentar o número de funcionários na

Alemanha, em breve, para quatro pessoas. Para facilitar a comunicação, utilizava-se o

inglês no relacionamento com americanos e alemães e o espanhol com os argentinos e

uruguaios.

2. CASO DURATEX

1.5. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA

A Duratex foi fundada em 1954 na cidade de Jundiaí, SP, inicialmente para produzir

chapas de fibra de madeira a partir de eucalipto. Demonstrando vocação exportadora já

em seus primeiros anos, em 1956 a empresa iniciou a exportação para o mercado norte-

americano, e em 1969 abriu uma filial de vendas, iniciando o estabelecimento de uma

rede de distribuição que hoje conta com três armazéns.

A empresa expandiu seu mercado de atuação principalmente através de aquisições. A

partir de 1972, com a incorporação da Deca, a empresa entrou no mercado de metais e

louças sanitárias. Posteriormente, na década de 80, adquiriu unidades fabris de louças

sanitárias do Grupo Lafarge (1981), iniciou a produção de chapas de aglomerado com a

aquisição de duas fábricas do Grupo Peixoto de Castro (1984) e ampliou sua capacidade

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em aglomerados com a aquisição da unidade de produção de aglomerados do Grupo

Freudenberg (1988).

Em 1995 a empresa adquiriu o controle integral da empresa argentina Piazza Hermanos,

fabricante de metais e louças sanitárias que passou a se denominar Deca Piazza. Em

1997 e 1998, a empresa entrou em dois novos mercados, o de MDF (Medium Density

Fiberboard) e de pisos laminados de alta resistência. A produção dos derivados de

madeira foi suportada pelo cultivo de cerca de 70 mil hectares de florestas de pinus e

eucaliptos em seis unidades florestais no Brasil.

Em 2000, a empresa fez um aumento de capital através da emissão e distribuição de

ações em bolsa, tornando-se uma empresa privada nacional de capital aberto, controlada

pelo grupo Itaúsa.

O presidente da empresa, por ocasião da entrevista, era Paulo Setúbal. Segundo

depoimento do executivo entrevistado, quando o presidente assumiu a empresa

produziu-se um turnaround, caracterizado por enxugamento dos quadros, redução de

custos, profissionalização.

1.6. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA

A Duratex foi fundada para a produção de chapas de fibra de madeira, e desde o início

atuou como ativa exportadora para o mercado externo, a começar pelo mercado norte-

americano. Com matéria-prima abundante e mão-de-obra barata, a empresa tinha

posição competitiva privilegiada em um mercado praticamente de commodities, como

descreve o entrevistado:

“...porque os custos de produção no Brasil são muito baixos. Principalmente,

porque uma floresta, por exemplo... aqui no Brasil, uma floresta cresce em sete

anos, então, você está conseguindo tirar madeira para sua fábrica. Nos Estados

Unidos demora trinta anos, na Europa deve demorar setenta anos, é um

componente super importante para o custo de produção. Então, você não vai abrir

mão de uma vantagem enorme dessa que permite exportar para esses mercados

com preço competitivo...”

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A opção por servir o mercado externo através de exportação foi natural e uma

oportunidade para expandir seus mercados além do mercado doméstico. Seria também

uma segurança contra flutuações econômicas no mercado interno que impactassem nos

níveis de vendas:

“É um mercado que você tem que estar lá fora. Você tem que ter essa válvula de

escape. Por exemplo, ano passado, teve a desvalorização do Real. A empresa não

tinha hedge, nós temos boa parte da dívida da empresa em dólar. Isso porque os

equipamentos da empresa são todos importados... A exportação foi muito

importante para nós, pois foi uma fonte de moeda forte para pagar o abacaxi.”

A demanda no mercado em que a empresa atua, de bens de consumo duráveis, encontra-

se relacionada ao nível de aquecimento da economia, o que em países instáveis como os

em desenvolvimento, implica na possibilidade de flutuações que podem por em risco a

saúde financeira da empresa:

“E esse mercado de louças e metais sanitários, ele é muito elástico ao PIB. Então,

quando o PIB cresce três por cento, esse mercado costuma crescer três, quatro por

cento, talvez um pouquinho a mais. Quando cresce mais do quê isso o PIB, esse

mercado tende a crescer seis, sete, às vezes oito, oito por cento. Mas, o outro lado

também é verdade, se o mercado é recessivo, esse mercado é mais recessivo

ainda.”

A partir desta visão, a conquista do mercado externo faria parte do plano estratégico da

empresa no longo prazo, com um forte compromisso de recursos, embora houvesse

momentos em que o mercado externo se mostrava menos rentável que o interno.

“A empresa atua no mercado internacional ao menos há trinta anos. Desde o

começo nós exportávamos chapas de madeira. Há quase cinqüenta anos nós

estamos presente no mercado externo através de exportações; há trinta anos tem

uma estrutura física, com uma equipe de vendas, com quatro armazéns espalhados

pelos Estados Unidos, armazéns estrategicamente posicionados para a

distribuição; e na Europa a empresa está presente há vinte anos.”

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O relacionamento com o mercado externo foi cultivado mesmo em situações onde havia

desvantagem em servi-lo, indicando que a empresa havia descartado o modelo de

exportador oportunista para investir na criação de relacionamentos com os clientes

externos. Esta visão implicava constantes investimentos para a ampliação da capacidade

produtiva (estavam planejados novos investimentos na ampliação do parque fabril a

serem efetuados nos três anos seguintes) e o respeito aos contratos já firmados no

exterior:

“Hoje, nós estamos até diminuindo as exportações, a nossa presença lá fora,

porque o mercado interno é muito mais lucrativo, e está muito demandado. Então,

é tudo uma questão de oportunidade, quer dizer, a gente não reduz a nossa posição

lá porque também é interessante, é burrice fazer um negócio desses. Você mantém

seus clientes por trinta anos, depois você sai, não pode... Você continua

subsidiando aquele mercado, mas dando uma preferência para o mercado interno.

Por exemplo, a nossa fábrica de IPF, ela entrou em operação em 1997 ou 1998.

No começo, nós esperávamos exportar coisa de cinqüenta por cento da produção,

mas o mercado interno absorveu tudo, a fábrica está exportando muito pouco. É

muito complicado você falar de exportação quando o mercado interno tem muita

demanda e as margens são muito maiores.”

As decisões de investimento direto nos mercados externos, passando da venda através

de agentes para a criação de filiais de vendas e centros de distribuição, obedeciam a

necessidades logísticas, dado o crescimento da importância do mercado, mas levavam

também em conta aspectos culturais do mercado específico, como, por exemplo, a

desconfiança em relação a empresas oriundas de países em desenvolvimento (EUA) ou

a necessidade de um relacionamento mais estável e presença consolidada do fabricante

no país (Argentina).

Já em outros mercados o estabelecimento de parcerias com agentes locais foi suficiente

para o atendimento aos consumidores locais, tendo em vista as vantagens de custo e

qualidade alcançadas. Outro aspecto importante para a presença em mercados externos

foi o conhecimento de tendências de produtos que possibilitassem maior aproximação

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com as preferências dos consumidores no mercado doméstico, diversificando a oferta de

produtos:

“É uma série de políticas que a empresa vem adotando, e vem fazendo para

acertar sempre, participando de feiras no exterior, buscando tendências lá fora,

buscando, enfim... saber o que seria interessante para trazer para o mercado

brasileiro, o quê seria do gosto brasileiro. E mais na Europa do que nos Estados

Unidos, eu não sei por que, talvez uma questão cultural: um gosto mais de acordo

com o do brasileiro, o brasileiro gosta mais de design, uma coisa mais européia do

que americana, principalmente na área da Deca.”

Finalmente, a atuação no mercado exterior expunha a empresa a requisitos de qualidade

e produtividade aos quais era preciso se adequar, elevando o padrão de competitividade

e lucratividade inclusive para o mercado interno, o que se somava ao contato com novas

tecnologias desenvolvidas no exterior. A adequação às normas internacionais e a

atualização tecnológica eram percebidas como trazendo benefícios para a empresa em

todos os mercados, impulsionando as vendas internas e externas, como afirmou o

entrevistado:

“O mercado europeu e o mercado americano são muito mais antigos no uso de

madeira industrializada. O que é madeira industrializada? Madeira industrializada

é aquela que você faz uma floresta, corta, usa aquela madeira para fazer

aglomerado. O que a gente usava era madeira de lenha, até bem pouco tempo

atrás. Lá não, a consciência ecológica é um pouco mais antiga do que no Brasil.

Eles desenvolveram essas tecnologias mais do que aqui, então todas as

tecnologias são importadas.”

“...a empresa tem dentro dela todos os conceitos de administração, todas aquelas

teorias de administração dos japoneses, tudo que é adotado lá fora é adotado aqui

dentro. É uma empresa que, quando o pessoal vem visitar – os gringos, os

estrangeiros que vêm para cá – ficam de queixo caído. É uma empresa super

automatizada, principalmente a área de metais, e mesmo a área de madeira, tem

equipamentos de última geração, as fábricas limpíssimas, organizadíssimas, por

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isso é que o pessoal vem para cá e cai o queixo. Tem todos os certificados de

qualidade, todos os ISO, todos eles, certificado Green Label, de Manejo

Florestal... Em alguns mercados você tem que ter esse selo, se não você não

coloca o produto, se não vão achar que é madeira da Amazônia. Tem que ter uma

qualidade e um manejo para não agredir o meio-ambiente. E nós temos tudo isso.

Todos os selos de qualidade, tudo o que você pode imaginar nós temos. Então,

isso aí é também um cartão de visita para um mercado estrangeiro. Quando o

pessoal vem para cá e vê a qualidade do produto, eles compram. Exportamos para

o mundo inteiro...”

1.7. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR

A primeira experiência de investimento direto da empresa foi na Alemanha. Na década

de 70, a empresa adquiriu uma fábrica na Alemanha para a produção de chapas de fibra

de madeira.

“...nós compramos uma indústria na Alemanha, chegamos a produzir painéis de

madeira na Alemanha. ... Foi uma oportunidade... e o negócio tem que ser bom

para você dar um passo desses...”

No entanto, esta operação foi descontinuada na década de 90, uma vez que exigia muita

atenção da direção da empresa:

“Apesar dessa operação ter sido lucrativa, enfim, estar operando no azul, nós

vendemos essa unidade do meio para o final dos anos noventa porque tomava

muito tempo da administração. Porque uma operação na Alemanha, quer dizer o

diretor da área de madeira tinha que ir para lá, tinha que ver ... a área financeira,

tinha que ir lá ... Enfim, tomava muito tempo... não era o foco da empresa, estar

tão longe assim. Hoje, nós vendemos essa unidade, nós temos no exterior

unidades produzindo apenas na Argentina, uma fábrica de louças e uma fábrica de

metais sanitários.”

O segundo mercado em que a Duratex decidiu fazer investimento direto no exterior foi

o americano. A empresa já vinha exportando fortemente para aquele país e julgou

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necessário estabelecer um escritório. O primeiro escritório foi estabelecido em Nova

Iorque, “no prédio da Panam”. No entanto, a empresa percebeu que “era muito caro

manter aquele escritório em Nova Iorque”, optando por uma localização mais barata. A

decisão final foi a de abrir uma subsidiária na Carolina do Norte, que operava armazém

de produtos acabados em Gulfport, no mesmo estado, e nos estados de Texas, Maryland

e Illinois. Essa subsidiária de distribuição nos Estados Unidos completou 30 anos em

1999, com um volume médio de 82 mil metros quadrados de chapa de fibra de madeira

ao ano. Como já observado, a direção da empresa percebeu uma necessidade de

estabelecer presença no mercado americano desde muito cedo:

“O americano acha que você precisa ter alguém lá. Você não pode esquecer que

você é brasileiro e isso tem uma série de implicações. Acho que você, tendo

escritório em lugar estabelecido, ganha credibilidade, além de você ter um produto

de qualidade, que nós temos. Nós vendemos para, por exemplo, a Mercedes Benz,

que é uma empresa que, se não tiver qualidade, você não vende. Então, além de

ter qualidade, você tem que ter um lugar fixo para dar credibilidade, você tem que

ter um endereço e um telefone para ligar e saber que vai ter uma assistência, senão

você não vende nesse lugar.”

O entrevistado justificou ainda o fato de a empresa ter entrado antes nos Estados Unidos

e depois na Europa pela distância geográfica, considerando o mercado americano mais

próximo do Brasil do que o europeu:

“A estrutura física [nos Estados Unidos] existe há mais de trinta anos. Na Europa

existe há vinte anos. Então, eu diria que os Estados Unidos foi o primeiro [porque]

é o mais próximo de nós. Você tem um custo muito grande de exportar –

principalmente chapa de madeira, o frete é muito caro – então você tem que

buscar primeiro, é lógico, os mercados mais próximos”.

O passo seguinte foi a entrada na Europa com subsidiária de distribuição, paralelamente

à fábrica na Alemanha, que, como se viu, só foi vendida na década de 90. A partir dos

anos 80, a Duratex estabeleceu na Europa uma estrutura para comercialização e

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distribuição de chapas de fibra de madeira, que contava, em 2000, com um escritório em

Mechelen, na Bélgica, e mais dois armazéns, em Brake e Antuérpia.

A empresa vê o mercado europeu como sendo único, ou seja, para a Duratex, os países

europeus são vistos como um mercado integrado. Como observou o entrevistado, “o

porto de entrada é na Alemanha, o escritório fica na Bélgica e os armazéns estão

espalhados por toda a Europa”.

A mais recente experiência da empresa com investimento direto no exterior ocorreu na

Argentina, em meados da década de 90. A Duratex ingressou na Argentina em 1995,

através de aquisição de uma empresa local, a Piazza Hermanos. Essa empresa era a

vice-líder no mercado argentino de louças e metais sanitários, mercado esse dominado

por uma líder muito forte, com cerca de 40% de participação. A Piazza Hermanos

encontrava-se sediada nos arredores de Buenos Aires.

Em um primeiro movimento, a Duratex havia estabelecido uma joint-venture com a

Piazza Hermanos, mas, posteriormente, adquiriu a participação do sócio argentino. Até

1999, membros da família Piazza ocuparam posições executivas na empresa adquirida,

sendo posteriormente substituídos.

Na ocasião da entrevista, a Duratex dispunha de duas unidades fabris na Argentina, da

linha Deca Piazza, e exportava produtos de madeira para o mercado argentino. A

primeira fábrica era a que havia sido adquirida, voltada para a produção de metais

sanitários. Em seguida, a Duratex construiu uma fábrica para louças sanitárias,

utilizando tecnologia de ponta, de modo a dispor de linha completa no mercado

argentino.

A empresa percebeu, em determinado momento, a necessidade de estar presente na

Argentina, em função de exigências do próprio mercado:

“...o mercado argentino, quando eles eram abertos, todo mundo vendia para a

Argentina, a Argentina importava de tudo. Na hora em que eles fecharam o

mercado, todo mundo debandou. Quem tinha carro importado ficou com ‘mico’

na mão porque não tinha peça de reposição, não tinha nada, o pessoal sumiu,

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fecharam o mercado e acabou. E lá ficou uma mágoa, vamos colocar assim, muito

grande contra os exportadores, o pessoal que exportava para a Argentina. Então,

você ter uma fábrica ou você estar lá dentro era muito importante, se não você não

vendia. Outro aspecto, além de você estar num mercado interessante, não bastava

você estar lá entendendo [o mercado], você tinha que estar presente fisicamente

lá, se não o argentino olhava para você com desconfiança. É verdade, tem que ter

uma base, um negócio para dar suporte para seu cliente.”

A decisão de investir no mercado argentino obedeceu também a outras considerações,

como observou o entrevistado:

“Se você quiser crescer, para onde você vai? Onde tem mais sinergia? Onde o

mercado é mais interessante? Você não vai para a Colômbia, onde tem traficante...

Lá você tem que andar de carro blindado o tempo todo, se não você é seqüestrado,

isso aí é uma realidade. Você tem que ir para um lugar que tenha dinheiro, que

tenha mercado consumidor. Para onde você vai [na América Latina]? Para a

Argentina, não na situação atual, mas na que era na época [da aquisição]... E

dentro da Argentina, para onde você vai? Você tem que estar próximo ao centro

consumidor. Onde está o dinheiro? O dinheiro está em Buenos Aires. Então, você

quer estar lá.”

A operação argentina foi fortemente afetada pela crise econômica argentina,

particularmente em função da própria natureza do negócio, de alta sensibilidade a crises

econômicas.

“Hoje a empresa está experimentando perdas, é a única operação deficitária, a

operação na Argentina, por causa do mercado em si. Então para reverter essa

situação, a empresa vem adotando uma série de medidas. Estamos readequando o

pessoal para a atual situação, adotando uma série de medidas administrativas, no

que diz respeito à cobrança, à reorganização de pessoal, para tornar a estrutura

mais dinâmica, mais de acordo com a situação e a realidade. Estamos nos

preparando para, quando a economia argentina retomar o crescimento, estarmos

com uma empresa enxuta e preparada.”

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O entrevistado desenvolveu um pouco mais sua percepção sobre o impacto da operação

argentina e o potencial futura da subsidiária:

“A Argentina é um mercado meio esquisito... A fábrica de metais e louças talvez

faça muito sentido... porque nós compramos. Nós entramos no mercado argentino

por aquisição, e... foi um trampolim. É um país de língua espanhola, tudo mais...

É um mercado interessante, quando não está recessivo. Era um lugar onde o

pessoal imaginava ser interessante estar e não podíamos prever essa situação toda

que estamos vivendo hoje. Talvez mais por eles terem escolhido o dólar como

moeda deles, quer dizer, a moeda deles estar um para um com o dólar, isso não é

real. O custo de produção deles é muito alto. Então, o país não está competitivo e

uma série de outras razões, enfim, colocou eles onde estão hoje, numa situação

que a gente acredita que vai durar muito tempo. Uma hora o negócio vai ter que

mudar... Você precisava ter a fábrica lá, era estrategicamente interessante, e

continua sendo. Quanto ao tamanho deles... eles não são tão grandes, nem tão

importantes. Em termos de vendas, hoje, eles representam quatro por cento do

nosso trabalho, quer dizer, nós conseguimos absorver aquela operação, essa fase

que eles estão passando, está sendo fácil de absorver e de levar aquela operação.

Acho que é interessante manter aquilo até o momento, mas vamos ter que

aguardar o desenvolvimento da situação.”

Há diferenças entre os mercados do Brasil e da Argentina, segundo relatou o

entrevistado, mas essas diferenças são específicas, embora, em geral, “fazer negócio lá é

a mesma coisa”:

“Embora o produto seja para o consumidor final, a gente vende através de um

canal, um home center, uma loja de material de construção ou coisa do gênero.

Então lá, o canal é o mesmo [que no Brasil]. Ah... eu diria que a grande diferença

de como fazer negócio na Argentina e como fazer negócio no Brasil, eu diria que

lá, essa parte de cobrança, a parte do recebível, é mais complicado do que no

Brasil. Lá eles não têm cartório, quer dizer, você não pode contestar ticket, porque

não tem como contestar um ticket, não existe um mecanismo para você cobrar

legalmente de uma empresa, de alguém que fez uma compra, a não ser, talvez, na

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Justiça. Morosa, com aquela situação que estão vivendo, parece que existe uma

conivência, mas isso não é problema da Justiça, é um problema do mercado em si.

Lá você não pode encerrar uma compra de um sujeito que passou cheque sem

fundo. Então, lá existe uma dificuldade muito grande e um risco muito grande,

talvez maior do que no Brasil, nessa parte de receber e de cobrar a uma venda,

enfim, de fazer a pessoa honrar seus compromissos. Então existe essa coisa

cultural, na Argentina, que é bastante diferente do Brasil. Hoje, aqui, o cara não

pagou, você vai no cartório, cobra, não sei o quê mais, de algum jeito você resolve

isso. Aqui é o sistema é mais duro do que na Argentina. Mas, enfim, eu diria que

fazer negócio lá é a mesma coisa, só o mercado é que está, enfim, recessivo e nós

teremos, talvez, no futuro, condições melhores.”

Apesar de a empresa argentina levar o nome Deca, as duas linhas não haviam sido

integradas, de tal forma que “eles fazem produtos que nós não fazemos aqui e nós

fazemos produtos que eles não fazem lá”. No entanto, identificando-se uma

oportunidade para os produtos da outra empresa no país, os mesmos eram exportados,

da subsidiária argentina para a matriz brasileira ou vice-versa.

O entrevistado não considerava que a empresa fizesse planos, em futuro previsível, para

expandir as unidades de fabricação fora do Brasil, pois havia a percepção de que isto

não seria compensador, já que a matéria-prima era mais barata no Brasil. No entanto, a

empresa pretendia manter sua presença internacional:

“O mercado externo é sempre uma oportunidade, mesmo porque a empresa está

presente há muitos anos lá fora... Nós nunca deixaremos de estar presentes lá fora,

mas não faz sentido implantar uma indústria lá pelo baixo custo de produzir aqui...

Eu vejo isso como inviável. ... Se você me perguntar, ‘Álvaro, aqui estão cem

milhões de dólares, onde você quer construir uma fábrica?’. Eu respondo: ‘Aqui

em São Paulo’. Porque em outro país eu vou replicar uma operação, vou entrar

num mercado onde a mão-de-obra é mais cara, onde eu não conheço o mercado

direito.... Se eu for para os Estados Unidos, a mão-de-obra é mais cara, se eu for

para a Europa, a mão-de-obra é mais cara. Eu não tenho porque sair de um lugar

tão bom quanto o Brasil, eu posso usar o Brasil como plataforma de exportação...

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Eu tenho os canais, eu tenho os armazéns, todos estrategicamente localizados, eu

tenho equipe de venda, eu tenho toda esta estrutura já pronta, não tem porque eu

não utilizar ela mais. Hoje eu só não utilizo porque não tenho produto, a minha

capacidade está totalmente tomada.”

1.8. A ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL

A organização das filiais de vendas ou das fábricas estabelecidas no exterior fazia uma

distinção bem clara entre operacional e controle. Os níveis gerenciais que definiam

estratégias e controlavam a operação (chamados corpo executivo) era formado por

brasileiros, enquanto as gerências mais operacionais e o pessoal técnico era escolhido

entre os moradores do local. Isto se repetia nas filiais de vendas, onde os níveis de

controle (financeiro) estavam localizados na matriz no Brasil, enquanto a administração

da operação e a operação em si eram gerenciadas por pessoal local:

“...é um escritório de representação, não tem corpo executivo, não tem nada disso.

Eles têm um gerente, o pessoal que cuida de levar as chapas, ou seja, não é uma

mão-de-obra qualificada, a não ser o administrador do negócio, o gerente do

negócio. O resto, não é pessoal qualificado. Então o que acontece? Por não ser

uma operação industrial, a administração é mais fácil, entende? Todos os

executivos, os conselheiros, estão atentos, na Duratex Brasil. Tem um gerente lá

que toma conta do negócio e tem que fazer os contatos comerciais, cuidar da parte

logística. Mas o resto é tocado por aqui, o caixa da empresa é aqui, é tudo

administrado por São Paulo. A administração toda, vamos dizer assim, é aqui.”

O corpo executivo era escolhido com base na disponibilidade e habilidade para lidar

com desafios. Ele era responsável por reproduzir em escala menor – a da subsidiária –

as orientações estratégicas da matriz e manter um controle mais estreito sobre a

operação. Apesar da estratégia ser definida pela matriz, a filial tinha liberdade para

adaptar os produtos às necessidades do mercado local, havendo inclusive troca de

conceitos de produtos bem sucedidos entre matriz e filial. A pesquisa de mercado era

ativa, não só nos mercados locais, mas também no mundo todo:

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“Uma parte da estratégia da empresa é estar perto dos formadores de opinião.

Formador de opinião, quem é? É o arquiteto, o decorador, enfim, o consumidor.

Então, a gente busca estar próximo desse povo, identificando as tendências, a

gente busca estar em feiras do mundo inteiro. Então, a gente tenta trazer para cá

aquele produto... Nós temos uma equipe de criação, uma equipe que desenvolve

produtos. Esse pessoal apresenta os produtos que eles acham que devem ser

lançados e o comitê vai aprovar ou não, vai modificar o desenho. Vai fazer aquilo

chegar numa forma que eles acham que o consumidor vai aceitar.”

Dentro da matriz, foi criada uma estrutura para o controle das operações no exterior não

muito dissociada da operação normal. Enquanto o Setor de Exportações era responsável

pelo controle das exportações via agentes e das filiais de vendas (EUA e Europa), o

corpo executivo da matriz dividia seu tempo entre as suas tarefas estratégicas e o

gerenciamento das unidades fabris do exterior.

No entanto, a própria exposição da empresa aos concorrentes no exterior trouxe a

necessidade de nova abordagem no gerenciamento dos recursos humanos, incorporando

técnicas de gestão e incentivo, de forma a aproximar o desempenho doméstico do da

concorrência internacional:

“Hoje em dia na parte da tecnologia é assim, nós trouxemos muitas práticas de

administração [do exterior]. Então hoje a empresa tem stock options, a empresa

tem bônus, a empresa tem incentivo de venda, de vendedores, a empresa tem um

sistema de incentivo aos trabalhadores das fábricas, tem um canal aberto direto

com o RH de reclamação, de ‘diga o que for’, de sugestão. Tem programas de

emprego, de 5S, de cuidar do ambiente de trabalho. Tem outro que se chama TPM

(Total Productive Management), que também foi implantado, onde você pega um

equipamento e uma força-tarefa, por exemplo, os usuários daquele equipamento, e

eles fazem auditoria nele e sugerem melhorias. Tem equipamento que melhorou

coisa de cinqüenta, sessenta por cento a rentabilidade por causa de sugestões que

foram dadas por esse pessoal. Então isso são teorias e técnicas trazidas de fora.”

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3. CASO EUCATEX

3.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA

A Eucatex foi fundada em 1951 a partir de uma serraria que vendia troncos de eucalipto

como combustível para trens, de propriedade da família Maluf. Com o advento das

locomotivas a diesel ou elétricas, a empresa optou por utilizar as máquinas e o eucalipto

para a fabricação de chapas de madeira para forros e isolantes acústicos. Como, no

entanto, não havia tecnologia a nível mundial para a fabricação destas chapas a partir do

eucalipto (o usual era a utilização do pinus), a empresa foi a pioneira no

desenvolvimento desta tecnologia.

Com a necessidade de agregar mais tecnologia ao seu produto, a Eucatex foi

incorporando novas áreas e tecnologias de produção, tais como: metalurgia, para

fabricação das ferragens para divisórias e telhas metálicas; agricultura, para o cultivo

das florestas de pinus e eucaliptos; mineração, para a extração de matéria-prima

(verniculita) para divisórias corta-fogo. Com a extração da verniculita, que também era

usada para a agricultura, a Eucatex passou a desenvolver pesquisa agrícola, passando a

vender terras enriquecidas com verniculita e posteriormente turfa, extraída de minas

próprias. Atualmente é um dos grandes fornecedores brasileiros, não somente para suas

florestas de eucalipto, como para outras agroindústrias, tais como a de tabaco.

Com uma orientação estratégica para a integração vertical dos processos, a Eucatex,

além de diversificar seus produtos para a área de materiais de construção (divisórias,

forros, portas, telhas, pisos laminados), iniciou a fabricação de tintas necessárias a seu

processo produtivo. Posteriormente iniciou a comercialização do seu excedente de

produção de tintas para o mercado interno. A empresa possui hoje cinco fábricas no

interior do estado de São Paulo, além de 52 mil hectares de florestas próprias de pinus e

eucaliptos.

Desde o seu início a empresa voltou-se para o mercado externo, começando com a

comercialização de forros. Abriu escritórios comerciais na Argentina e no México, nos

EUA e na Alemanha, sendo que os dois primeiros foram posteriormente fechados.

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3.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA

O início do processo de internacionalização da Eucatex decorreu do espírito

empreendedor do dono da empresa, Roberto Maluf, como descreveu o entrevistado,

Paulo Amanthéa:

“Quem viajava era o dono da empresa, o fundador da Eucatex, que era o Roberto

Maluf, o pioneiro. Foi ele que criou os escritórios do México, o escritório da

Argentina, que mais tarde foram fechados. E ele viajava sozinho, com mala,

carregado de amostras.”

Como testemunha e posteriormente agente do processo de internacionalização, o

entrevistado atestou a rápida expansão para mercados os mais diversos, já nos primeiros

anos de vida da empresa, e em uma época em que não havia as facilidades de

comunicação e movimentação que existem nos dias atuais:

“Eu estou há vinte e seis anos na Eucatex. Então, praticamente, eu vi tudo nascer.

Quando entrei aqui, só tinha alguns produtos. Praticamente fabricavam só forros e

isolantes, chapas isolantes... Mas a empresa já era uma pioneira em comércio

exterior. A empresa tinha, na ocasião, um escritório na Argentina e um escritório

no México, para distribuição dos produtos. Então, praticamente a venda era só de

forro, isolante. E a empresa já vendia para uma boa parte do mundo, por exemplo,

para o Oriente Médio...Em 1974, quando eu entrei, estava nessa situação. A gente

já vendia para o Oriente Médio, a gente vendia para praticamente quase toda a

América Latina, a gente já estava vendendo para os Estados Unidos. Acho que em

1975 nós começamos a vender para a Europa. Aí, com a entrada na Europa, com

os forros, entrou também pela primeira vez a chapa, a chapa de fibra. A gente

fazia lambri – uma chapa dura de 3 a 4 mm, que é sistema de encaixe, macho e

fêmea – e aí a gente começou a entrar na Europa. Mais ou menos em 1977,

começamos a entrar para valer no mercado americano com a chapa dura, que hoje

ainda é o principal sustento nosso, baluarte da exportação. Aí, uma das missões

que eu tinha era abrir o resto do mundo.”

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O caráter exploratório do esforço para abrir novos mercados, sem um preparo ou uma

pesquisa adequada para definição dos mercados-alvo, fica caracterizado pela forma

como se faziam os contatos comerciais neste período:

“A gente comprava o Directory, esses livros que têm endereços, nomes de

companhias. O que tinha, a gente comprava e soltava horrores de cartas. Mandava

carta para tudo quanto é canto do mundo. Separava alguns países do mundo onde

havia interesse em abrir o mercado, e começava enviando milhares de cartas. Com

o tempo, fomos ganhando experiência: de cada cem cartas, talvez dez fossem

aproveitadas, talvez dez virassem pedido. Com o tempo, com o telex, ou mesmo a

carta, passamos a entender qual era a psicologia do negócio, o que não ia dar e o

que ia realmente virar negócio. O modo pelo qual a pessoa abordava... Vinham

milhares de telex do mundo inteiro. Vinham cartas do mundo inteiro, aos montes.

E o pessoal até reclamava: ‘Estamos gastando mil dólares de cartas por mês, mil

dólares de correspondência’. Mas era justamente o que havia na época, era a

Internet da época. E funcionava. Abrimos assim o mercado em muitos lugares.”

As dificuldades para o atingimento dos mercados mais distantes tinham toda a sorte de

características, desde a movimentação de pessoas, a comunicação, até o estabelecimento

de uma rede logística para a distribuição dos produtos. Estas dificuldades implicaram na

busca de soluções para evitar a inviabilização dos negócios.

O trabalho de abertura de mercados era, essencialmente, um trabalho artesanal, de

contatos pessoais, inúmeras e cansativas visitas, que se faziam por todo o tempo,

particularmente quando a empresa lidava com os mercados do Oriente Médio e da

África:

“Eu viajava muito para esses lugares, tanto para a África quanto para o Oriente

Médio. Chegava às vezes a ficar sessenta dias no exterior. Um dia encontrei com

um alemão de uma multinacional, e ele me falou assim: ‘Você é louco! O pessoal

aqui da Europa, depois de quinze dias, começa a ficar irritado, começa a perder

produtividade, é estressante. Por que você não quebra essas viagens?’. Mas como

é que eu ia quebrar a viagem se eu tinha onze horas até Londres, depois mais

cinco horas até a Arábia Saudita, mais cinco horas até a África do Sul. ... Para ir

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para a África você tinha que pegar avião na Europa e às vezes não tinha vôos

diretos para a África, ou mesmo para o Oriente Médio. Era complicado.”

No entanto, o pioneirismo no atendimento aos mercados externos e a opção por ter uma

cobertura geográfica extremamente dispersa colocaram a empresa frente a novos

desafios, em relação à logística e aos processos de comercialização. Um dos grandes

problemas vividos com a exportação era o transporte marítimo, uma área onde o Brasil

era muito deficiente.

“E o que é importante é o seguinte: nós fomos um dos pioneiros na exportação de

produtos manufaturados. Exportávamos o nosso produto e tínhamos problemas de

navio. O tipo de navio existente na época era para carregar café, para carregar

vigas de aço, vergalhões. Não tinha navio adequado. E a gente tinha também

problemas de embalagem. ... Tínhamos um cliente no Katar, um cliente fantástico

de forros, comprava um navio inteiro de forros. Mas tínhamos que suar para poder

embarcar produto para ele. Éramos obrigados a fazer algumas coisinhas assim, ir

lá no ..., dar um presente para uma pessoa: ‘olha, pelo amor de Deus, faz escala

naquele porto lá, porque é importante’. E o cliente, naquele mercado, comprava

mil metros cúbicos de forro, era uma monstruosidade de forro.”

“O nosso produto chegava nos mercados externos de navio. Nosso isolante

acústico era um inferno, porque era um produto que tinha muito volume e pouco

peso. ... Então, o que é que acontecia? Normalmente, a nossa chapa de fibra ocupa

mais ou menos 1,2 metros cúbicos por uma tonelada. O nosso isolante tinha quase

quatro metros cúbicos por uma tonelada. Então, muito volumoso e pouco peso.

Então, o que é que acontecia? Nós produzíamos o material, mandávamos para o

porto, tínhamos um compromisso com o cliente. Mas, na hora H, a companhia de

navegação largava, deixava você na mão. Deixava para trás. Você ficava com a

carga ali parada. E era um inferno para o pessoal poder carregar. Então, sofremos

horrores. Mas, tinha outra coisa, abrir portos. Eu queria vender para a África, ou

queria vender para Hong Kong. Como é que eu chegava lá? Precisava de navio.”

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A Eucatex, à época, foi forçada a assumir um papel de liderança entre os exportadores,

de modo a obter uma solução para os problemas de frete marítimo. Essa solução passou

por uma interferência direta do governo brasileiro junto à estatal Lloyd Brasileiro e à

Companhia Paulista de navegação, que se uniram para solucionar o problema e

viabilizar o transporte para esses mercados:

“Com a famosa crise do petróleo, na década de 70, o barril de petróleo ficou a

quarenta dólares. De dois pulou para quarenta. Só para você ter uma idéia do

impacto. Então, houve um boom de construção no Oriente Médio. Só que o

mundo inteiro estava indo lá e o Brasil não vendia nada. O Brasil não tinha navio.

Aí, a Eucatex se juntou com três outras empresas brasileiras. ...Pegamos os

catálogos de exportadores do Brasil inteiro – convocamos todo mundo para uma

reunião e dessa reunião nós mandamos um telex, para o então presidente Geisel,

pedindo para botar uma linha de navio para o Oriente Médio, porque quando se

tinha uma linha, era uma vez por ano. ... Bom, aí o que é que o Geisel fez? Ele

falou com o Lloyd, falou com a Paulista – Companhia Paulista de Navegação –

fizeram uma joint-venture, aí começou uma linha pioneira para o Oriente Médio.

Então, essa linha, ela passava pela África do Sul, subia a África Oriental, fazia uns

portos ali em Mombaça, no Quênia, depois ia para Geda e depois lá para cima,

pegando os outros países lá do Golfo Pérsico. Então, começamos a entrar numa

outra área. Começamos a pegar uma área da África Oriental, África do Sul e...

enfim, começamos a entrar naquela área. Aí nós tivemos temporariamente

durante, eu diria, dois anos, acho que foi de 1977 a 1979, tivemos uma consultoria

brasileira na capital da Arábia Saudita. Tivemos lá um escritório da Eucatex, para

vender para os árabes. Fomos tentando abrir mais a Ásia, abrir mais a África. Mas

sempre com esse problema de navios. Isso aí era uma encrenca! A África

Ocidental, por exemplo, tinha a Nigéria, que também tinha petróleo. Eles podiam

pagar bem. Mas... não tinha navios. Era uma dificuldade.”

A outra questão, no entanto, que reduzia a competitividade da empresa, referia-se ao

custo elevadíssimo dos fretes, o que, no caso da Eucatex, era ainda mais grave, pois

seus produtos tinham muito volume:

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“E fretes horrorosos... trezentos, quatrocentos dólares a tonelada por isolante.

Hoje, eu pago quarenta. Para a Nigéria eu lembro da chapa dura, que a gente

chama de hard board. Era coisa assim de cento e cinqüenta dólares por tonelada.

Hoje, eu pago sessenta. Então, era um terror. As companhias de navegação tinham

conferências de fretes, ou seja, máfias de fretes. Ainda existem tais conferências.

Mas aí, como é que a gente podia quebrar isso? Então eu descobri que havia uns

famosos outsiders ou tramp ship companies, ou seja, seriam os não

conferenciados, que cobravam menos. Mas o cliente não queria: ‘tem que ser por

companhia conferenciada, porque se não eu não tenho segurança’. No Oriente

Médio, eu tive clientes meus que perderam milhões de dólares. É... a tal

companhia levou a mercadoria embora, quer dizer, pagaram a mercadoria e a

mercadoria sumiu. Então, até hoje, tem alguns clientes que querem antes aprovar

o navio. Então, você vai embarcar num navio, o cliente pede: ‘me dá os dados do

navio’. Certidão de nascimento do navio – tem uma série de organizações

internacionais que dão todos os detalhes do navio, quem é o dono, em que ano que

ele foi construído, qual é a tonelagem. E só aí o cliente autoriza. Essa autorização

tem que ser colocada na documentação que vai para a casa de crédito, porque se

não, ele não paga, e com razão. Então, nós fizemos miséria. Embarcamos em tudo

quanto é navio: navio frigorífico, que não é embarcação indicada, mas tinha às

vezes alguma areazinha de carga. Aí a gente ia junto. O Brasil exportava frango e

eu tive que carregar um monte de frangueiro.

As dificuldades se estendiam finalmente à própria situação das companhias de

navegação, cujos navios podiam ficar presos em portos se a empresa estivesse em

dificuldades:

“E havia alguns casos de companhias de navegação que faliam. Eu só peguei um

caso, teve uma ocasião que eu desconfiei, não deixei embarcar e a companhia

faliu. Mas teve uma outra situação que eu fui pego. Eu tinha uma pequena carga

que ia para Arábia Saudita e o navio ficou preso na Índia. Aí, foi uma briga para

resolver o problema. Mas eu consegui. Eu tive que conseguir tirar a carga do

navio. Aí eu tive que pagar um outro navio para levar até o meu cliente na Arábia

Saudita. Conseguimos acertar com o cliente, e ele é meu amigo até hoje.”

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As dificuldades para servir os mercados externos tinham também importantes

componentes culturais. A distância cultural se expressavam, entre outras coisas, na falta

de conhecimento dos sistemas de leis e costumes de cada sociedade, e isto implicava a

escolha de terceiros com experiência em determinadas regiões, que pudessem ser

envolvidos no processo, de forma a intermediar e traduzir os requisitos para participar

deste mercado:

“Uma das coisas que, no passado, nós tivemos grande dificuldade... Houve um

caso de um intermediário nosso, ...ele vendia uns 80 mil dólares. E, de repente,

veio uma reclamação na Justiça, pedindo um milhão de dólares, indenização por

perdas de não sei o quê... O processo acabou caducando, porque teve uma guerra

lá... Mas, eles têm umas leis que só vêem o lado deles. Aí, como é que eu passo

por cima disso? Porque é preciso ter um agente multinacional, ou seja, que não

seja árabe, mas que possa rodar isso daí. Aí eu descobri um [agente] grego. Um

grego que vendia madeira, que rodava aquilo tudo, por sinal, vendia produtos do

meu concorrente. E, com muito tato, eu consegui que ele passasse a ser também

nosso agente, trabalhasse para o concorrente e trabalhasse para nós também. E deu

certo. Então, não é fácil lidar com os árabes, não é fácil!”

Às vezes, a distância cultural se expressa em resultados favoráveis advindos de

situações em que as expectativas não eram favoráveis, como no caso a seguir:

“Eu tenho um russo, que mora nos EUA, ficou muito meu amigo. Eu não

acreditava que um russo fosse comprar um produto meu. Pensei: ‘Não sei se ele

vai comprar, deve ser piada, vou dar corda’. Mas comprou. Comprou e compra.

Compra mais do que nos EUA, e era um produto para o mercado americano...”

À medida que se expandia, a empresa buscava equilibrar as situações de demanda do

mercado doméstico e dos mercados externos. No entanto, apesar de obter maior

lucratividade no mercado doméstico, e considerando todo o esforço investido no

desenvolvimento dos mercados externos, a empresa prosseguia reafirmando sua decisão

de internacionalização. As flutuações de demanda de um mercado doméstico mais

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lucrativo exigiram da empresa a ratificação de sua opção pela internacionalização via

revisão de seu plano estratégico de investimentos:

“A empresa hoje tem um grande potencial de mercado para exportação, mas eu

digo para você o seguinte: somente 25% do que ela produz é exportado. Eu diria

que caiu um pouco esse número. Em algumas décadas, com as crises no mercado

interno, antes do Plano Real, 40% da produção era de exportações. Mas, no ano

passado, nós só chegamos a 13%, houve uma queda brutal das exportações. E nós

sabemos o por quê disso... Ou seja, nós temos que tentar correr atrás do prejuízo.

Nós estamos investindo pesadamente em tecnologia, estamos renovando nossos

parques industriais, estamos ... surgindo com produtos novos, para tentar ser mais

competitivo...”

O fato de atuar em mercados tão dispersos e geograficamente distantes servia a uma

estratégia para obter uma certa estabilidade do nível de vendas e uma válvula de escape

para eventuais crises regionais, o que tornaria a empresa imune às crises econômicas

mundiais:

“Então, a vantagem que você tem é que um país está em crise e o outro não está

em crise. Sempre tem algum país que está bem. Tem um que está mais ou menos,

tem um que está muito mal, mas sempre se vende. Então, a coisa mais importante

da exportação é que permite que a empresa não fique vítima de um mercado,

algemada num mercado só. Se ficar totalmente voltada para o mercado interno, a

empresa corre o risco de ser asfixiada, ao passo que a exportação dá o oxigênio de

que você precisa. Então, no caso da empresa concorrente nossa, ela consegue

servir basicamente a Europa e os EUA, o foco dela é a Europa e os EUA. A

Eucatex, não. Se a Europa e os EUA estiverem mal, nós temos outras partes do

mundo para onde vender. Sempre tem algum mercado que está bem. Então, se tem

crise na Ásia, nós temos a América do Sul, temos o Caribe, enfim, temos outras

partes do mundo, como a Europa Ocidental.”

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3.3. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR

Com vistas a estruturar melhor o processo de comercialização no exterior, a empresa

sentiu a necessidade de estabelecer maior presença nos mercados mais promissores.

Assim, a partir da década de setenta, a Eucatex criou os primeiros escritórios próprios,

como ocorreu no caso do mercado americano:

“...nós tínhamos um pequeno escritório nos Estados Unidos, que era na casa de

um representante de vendas nosso, e aí passou, mudou para Nova Iorque. Quando

mudou para Nova Iorque? Em 1975 talvez. É. Em 1975 passou para o escritório

em Nova Iorque, e ficou até o ano passado em Nova Iorque. Na verdade, tinham

nomes diferentes os escritórios. ...Então, entrou com um nome diferente lá, que

não era nem Eucatex. Chamava-se Interboard. Então tinha o Interboard da

Holanda, e tinha o Interboard de Nova Iorque, que era um escritório próprio de

vendas. Um era para abrir o mercado da Europa, o outro para abrir o dos Estados

Unidos.”

A estruturação das operações no exterior tinha um caráter empreendedor muito forte,

com todo o trabalho dependendo de pessoas escolhidas para desempenhar uma missão,

que era a de abrir os mercados externos.

“A gente tinha um diretor que estruturou tudo, a estrutura de comércio exterior da

Eucatex lá fora, que mal falava português. Não falava nada de inglês. Foi ele que

achou o nosso funcionário lá nos Estados Unidos e colocou esses dois na Europa e

na Ásia e que me mandou também para Londres.”

A abertura do escritório em Londres foi feita pelo próprio entrevistado, a partir de uma

conversa com o diretor responsável pela área internacional:

“Bom, fomos acertando assim os negócios em várias partes do mundo. Mas

chegou uma hora em que ficou muito difícil prosseguir só com viagens, porque

tínhamos muitos clientes árabes, muitos clientes africanos. E eu tinha um

problema. Para trazer um desses clientes para cá, eu tinha que pagar a passagem,

pagar hotel, pagar tudo, porque, se não, ele não vinha para cá. ‘Não, eu vou para

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Londres, eu vou para Paris, por que ir para o Brasil?’ Isso saía muito caro. Um

dia, o diretor me disse: ‘Estamos vendendo para a Nigéria um milhão de dólares

por mês, precisamos ter um escritório na Nigéria’. E eu respondi: ‘Não, você está

enganado. Quem vende para a Nigéria, vende para os outros lugares, são

multinacionais, que têm escritório na Europa, entre Londres e Paris’. E ele me

disse: ‘Então veja a possibilidade de colocar um escritório em Londres.’ Fui para

Londres em 1981 avaliar, mas achei que o pessoal aqui no Brasil não tinha

estrutura suficiente para me dar o apoio necessário. Pensei: ‘Eu vou me queimar

aqui. Deixa eu maturar isso’. Em 1985, senti que era a hora. Aí, fui para Londres

para tentar trabalhar a África e o Oriente Médio. Então eu fiquei cinco anos em

Londres para tentar ficar próximo dos clientes, fazendo viagens mais curtas.”

As pessoas que atuavam no exterior, funcionários da empresa ou agentes, não eram

escolhidas por terem bagagem internacional anterior, nível cultural ou proficiência em

língua estrangeira. O processo de escolha das pessoas e, em decorrência, dos locais e

mercados para estabelecer as representações era baseado na network pessoal do corpo

executivo da empresa.

Não existia uma pesquisa de mercado ou um procedimento formal por trás da escolha

do local, que não fosse a conveniência das relações pessoais com alguém considerado

de confiança pelo corpo executivo da empresa. As relações de amizade podiam

interferir em vários aspectos do processo, como a escolha da localização:

“Em 1976, nós abrimos um escritório em Hong Kong. Em Hong Kong, tínhamos

um alemão – ainda temos esse alemão – casado com uma tailandesa, ele conhecia

bem a região. Foi para lá. Mas a vida em Hong Kong era muito difícil. Aí, nós

mudamos para Singapura. Só que ali, naquela área da Ásia, só se vendia

praticamente isolante, alguma coisa assim de forro acústico. E estava difícil para a

gente sobreviver ali só com aquelas vendas, para pagar as despesas dele.”

Esta forma de estruturação das operações no exterior estava ligada à primeira etapa do

processo de abrir mercados, onde as relações pessoais foram muito importantes para o

estabelecimento da confiança necessária às relações comerciais:

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“E já tinha uma parte da Europa que estava meio abandonada, não se vendia nada

na Alemanha e o nosso gerente aqui do escritório era holandês, e alemão não se dá

bem com holandês. Na Itália também não se vendia nada. Na Suíça e na Áustria

não se vendia nada. Então, o que fizemos? Colocamos o escritório em Singapura e

colocamos um agente nosso na Itália, cuidando da Suíça, da Áustria e da Itália. E

então, realmente, a coisa começou a crescer. Veja bem, nós tivemos grandes

dificuldades para abrir esses novos países. Mas para chegar lá! Como é que se

chegava lá, sem ter uma estratégia?”

O uso de network pessoal fica bem claro no caso das escolhas dos responsáveis pelo que

seriam posteriormente os dois principais escritórios de comercialização da empresa no

exterior:

“Como surgiram os escritórios que temos hoje? Eu diria o seguinte: de maneira

muito informal... Não teve nenhuma escolha técnica. Foi colocado ali por desafio.

Na Alemanha era um agente de compras de uma empresa chamada ..., que, pelo

nome, era uma empresa alemã, que vendia aço. Como ele vendia aço, surgiu

espaço para ele vender outras coisas. Então, ele se tornou um representante da

Eucatex. Um belo dia ficou desempregado. E, o meu antigo chefe – bem, o pai

dele era alemão, ele falava até um alemão antigo, um alemão arcaico – era ele

quem conhecia esse alemão. Aí ele disse para o alemão: ‘eu estou precisando de

uma pessoa, você não quer trabalhar para a Eucatex?’ Então ele chamou o alemão,

como depois chamou o holandês, que também estava desempregado. Ele era um

engenheiro agrônomo, estava desempregado, aí foi colocado no escritório da

Eucatex.”

“Agora, o rapaz de Atlanta ele era um conhecido meu..., aí um belo dia ele ficou

desempregado. Aí meu chefe falou assim: ‘vem trabalhar com a gente’. Nessa

época, eu cuidava da parte de vendas. Então nós dividimos em duas partes: eu

cuidava de uma parte, ele cuidava da outra. Ele cuidava do hemisfério norte, eu

cuidava do hemisfério sul. Depois mudei minha função para marketing, e ele ficou

com o mundo todo. Ficou mais ou menos um ano. Mas, depois de um tempo, ele

não estava mais satisfeito com o trabalho. Era um rapaz jovem, recém- casado,

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não tinha filhos. Achamos que seria oportuno dar esse desafio para ele.

Mandamos ele para os Estados Unidos e transformamos nosso pessoal lá do

escritório em representantes para algumas áreas nos EUA e esse rapaz não se

ocuparia dessas áreas. Depois, em algum ponto no tempo, o pessoal resolveu

renunciar... Então, o escritório em Atlanta ficou com toda a América do Norte e o

Caribe e a América Central. Foi mais ou menos assim.”

O modo de atuação em um determinado mercado seria definido pelo conhecimento

adquirido, pela facilidade de compreensão do mercado e de obtenção de informações.

Quanto mais fácil fosse o fluxo de informações, menor teria de ser a presença física da

empresa, dada a facilidade de controle das operações. Deste modo, a empresa utilizava

como forma de conhecimento de um mercado a exposição direta através do

estabelecimento de uma filial ou subsidiária:

“...talvez naquelas áreas em que a gente não entrou, nas antigas repúblicas da

Rússia, na Europa Oriental, como a gente não conhece quase ninguém lá, talvez

fosse necessário instalar um escritório... Aí, sim. Mas nos países do mundo que a

gente já conhece bem, sabemos quem é quem, as pessoas, os nossos concorrentes,

nós sabemos quem são os distribuidores, tudo... Não sei, não sei por que precisaria

ter um escritório lá.”

Segundo o entrevistado, os motivos que exigiram que se estabelecessem escritórios ou

filiais para comercialização de produtos decorriam da necessidade de maior controle

sobre o que acontecia. À medida que as relações de confiança eram estabelecidas e se

criavam instrumentos de controle necessários ao gerenciamento à distância, a presença

física da empresa no local não era mais percebida como necessária. Este processo de

aprendizado, criação de vínculos e contatos iria culminar, posteriormente, no

desinvestimento, por parte da empresa, de diversos escritórios próprios, substituídos por

agentes comerciais, através de um processo ativo de seleção.

“Quando começaram os escritórios, praticamente não tínhamos agentes. Então,

tem que ter alguém nosso para olhar e verificar o que está acontecendo, porque...

vigaristas, bandidos e outras coisas, inclusive, tinha aos montões, gente dando

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golpe... Coisas incríveis aconteceram no passado... O escritório de Londres fechou

por quê? Porque eu consegui montar uma infra-estrutura de distribuição que não

precisava de escritório, eu podia tocar daqui. Tanto é que eu saí de lá, o escritório

vendia 20 milhões de dólares por ano, eu voltei para cá e continuou vendendo 20

milhões de dólares por ano.”

A partir desta conclusão e da constatação do avanço dos modernos meios de

comunicação e controle das operações à distância, o entrevistado preconizou o fim

próximo da necessidade de filiais no exterior para o gerenciamento da rede de agentes e

a centralização das operações comerciais:

“Num futuro talvez não muito distante, talvez nem vai se ter mais [escritório],

com o advento de Internet, com o videofone, eu acredito que nem vai ser

necessário viajar tanto, excessivamente, nem você vai precisar ter escritório.

Então, o escritório dá para tocar, como eu sempre faço, mandando e-mail para lá e

para cá. Tudo ficou muito mais fácil.”

No entanto, o entrevistado não descartava a possibilidade de investimento direto no

exterior, com a criação ou aquisição de unidades produtivas, que deveriam ser

localizadas segundo um critério de risco de instabilidade política e econômica:

“Eu hoje pensaria num lugar estável. Eu diria ... um lugar da América do Norte,

poderia ser México ou Estados Unidos, poderia ser Canadá, países estáveis...

Poderia ser também na Europa.... Política e economia estáveis. Por exemplo,

nunca iria colocar na Nigéria, porque aquilo ali qualquer dia vai virar três países.

Ali é uma outra estória, são três tribos distintas e uma hora aquilo explode. Tem

uma população muito grande, tem mais de 150 milhões de habitantes. É uma

bomba-relógio. Então, eu nunca colocaria na Nigéria.”

A experiência acumulada durante o desenvolvimento dos mercados externos, aliada a

uma estrutura interna à empresa mais amadurecida, casavam com o surgimento de uma

nova geração de integrantes do corpo executivo, mais preparada para lidar com a

extensa gama de países atendidos pela Eucatex. Os executivos mais antigos eram

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chamados, então, a transferir seu conhecimento dos mercados e das pessoas a essa nova

geração.

“Porque eu conheço a cultura, eu sei como eles pensam. Então, eu conheço a

etiqueta, tem uma série de coisas, por exemplo, lá você realmente não vê mulher.

Se por acaso, por um milagre, você vê a esposa dele, você nunca dá a mão, você

não olha para os olhos dela. Porque faz parte da cultura deles... você não dá

tapinhas nas costas, porque tapinhas nas costas (...). Então eu tenho que me

controlar porque eu sou latino, eu dou tapinha para tudo quanto é lado.”

O mesmo apoio era dado aos que conduziam os escritórios da empresa no exterior.

Procurava-se transferir os elos pessoais previamente estabelecidos a esse chefes de

escritório no exterior, para que pudessem mais facilmente realizar os seus negócios,

particularmente naqueles mercados onde as relações pessoais pudessem ter papel

importante na condução dos negócios:

“Se há alguma dificuldade, eu dou uma mãozinha, porque eu morei cinco anos lá,

conheço todo mundo. Esse ano era para irmos para o Oriente Médio, porque ele

não tem experiência com árabes. Eu falei para ele: ‘olha, nós temos que fazer uma

viagem, aí eu vou te apresentar o filho do dono, porque eu sou da geração que

conheci o dono e agora é o filho que está lá’. O dono falava um inglês todo

estropiado, e se você falasse muito correto, ele não entendia. Já o filho, não. O

filho era educado em Cambridge, educado em Harvard, tem um bom nível

cultural. Então é diferente.”

Este acúmulo de experiências externas se refletia em melhorias nos processos internos

da empresa, tornando-a mais competitiva no cenário internacional e melhor preparada

para lidar com a concorrência no mercado doméstico:

“Eu diria que a minha experiência na Inglaterra foi excelente, foi muito boa!

Porque eu procurava ouvir o que eles precisavam. Tentava transmitir para a

empresa, para a fábrica, o que eles necessitavam saber. Então, foi uma época, para

nós, de tentar analisar produtos. Hoje, é mais fácil e sai rápido. O pessoal se

empenha, faz rapidinho. Mas, no passado, a gente tinha grandes dificuldades de

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fazer essas adaptações. [Eram lançados] quatro ou cinco produtos novos por ano.

Hoje saem 30, 40, ou mais por ano.”

A própria escolha das localizações para os escritórios começava a obedecer a critérios

mais racionais, como parte de uma intenção central para obtenção de melhores

resultados:

“Então, as coisas foram acontecendo e a gente foi por lógica. Fomos achando qual

seria o melhor ponto. Por que Atlanta? Porque, em Atlanta, você tem avião para

qualquer parte dos Estados Unidos ou para qualquer parte do mundo. Então, essa

foi uma razão pela qual escolhemos Atlanta e não Nova Iorque. Nova Iorque tinha

mais status. Mas, de resultado mesmo, era ruim! E Atlanta está perto dos grandes

pólos.”

Em 2000, a empresa tinha como seu principal mercado o americano, o que, inclusive,

explicava e era explicado pela presença do escritório naquele país:

“Hoje, o melhor mercado para nós é os EUA. Mas chegou a ser a Arábia Saudita.

A Arábia Saudita chegou a ser o mercado n.º 1, durante... eu diria... quase que

uma década, foi a Arábia Saudita. E com uma vantagem, a Arábia Saudita

comprava o produto acabado. Os americanos têm a tendência de só querer

comprar a matéria-prima. E os árabes compram de tudo. Inclusive acabados. Mas

a crise russa e a crise da Ásia fizeram praticamente desmoronar as vendas do

Oriente Médio. Então agora estamos tentando, eu e o alemão, estamos tentando

ver se conseguimos recuperar as vendas.”

O contato com o mercado e a competição internacionais trouxeram a necessidade de

adequação a normas internacionais e a exposição a formas de atuação e gerenciamento

da empresa que forçaram uma evolução. Esta evolução colocou a empresa em um

patamar de qualidade que lhe deu maior segurança para lidar com novos mercados e

uma percepção de domínio sobre a atuação no comércio exterior, como observado a

seguir:

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“Hoje, o mercado mundial está mais ou menos domado. Temos ainda alguma

dificuldade na China, mas estamos entrando, porque nós temos um selo verde, nós

temos o selo verde mundial. Ou seja, as florestas da Eucatex são certificadas por

um organismo internacional independente, que é a ONG das florestas, a Forest

Courtship Control, o famoso FCC. Então, de repente, chegou um chinês, um belo

dia, e falou: ‘Você tem o selo verde?’. Eu disse: ‘Eu tenho’. ‘Ah, então eu

quero’.”

O entrevistado deplorou a ausência de uma mentalidade exportadora no país, atribuindo

essa carência, em parte, à atratividade do mercado doméstico. Para ele, enquanto outros

países viam oportunidades imensas no mercado externo, o Brasil ainda engatinhava na

atividade exportadora:

“Nem todo mundo enxerga isso. [O Brasil] está enxergando isso, eu diria que

tardiamente. Aliás, você vê o número de empresas que está no Brasil e você vai

ver que só tem uma elite de 300 empresas exportadoras. Agora, você vai em

Taiwan, tem 20 mil empresas exportadoras. É impressionante. Uma coisa que nós

estamos tentando fazer é ver se a gente consegue avançar no mercado de móveis,

a Eucatex andou exportando móveis... Mas não chega a 400 mil dólares por ano.

Taiwan há muito tempo exporta mais de dois bilhões de dólares de móveis.

Taiwan é do tamanho da Ilha de Marajó e não tem nem matéria-prima. Então, o

Brasil ainda está muito cru.”

A própria Eucatex teria sofrido, por muitos anos, desta falta de mentalidade exportadora

e abertura para os mercados externos:

“Fomos muito prejudicados porque o pessoal da nossa empresa olhava muito para

o próprio umbigo e só via estritamente o mercado interno. Exportação era, assim,

um hobby. Quando eu entrei na Eucatex, exportação era vista como um brinquedo

do presidente. Hoje é uma coisa séria. Hoje é importante, temos compromissos em

mais de 80 países do mundo. A exportação traz muita novidade, a gente traz muita

coisa nova para o mercado interno através da exportação. Mas só que no passado,

até a década de 90, a coisa era olhada assim... o mercado interno é mais

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importante, o mercado interno paga mais. Mas hoje é diferente, a exportação é

importante, temos que estar presentes onde for possível e as exportações têm

trazido muita coisa nova para a empresa.”

3.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL

A estrutura da empresa para a ação internacional, como indicado no decorrer da

entrevista, parece ter passado por duas etapas bastante distintas. Em uma primeira etapa,

a empresa parece ter-se estruturado através de escritórios próprios, com o intuito de

abrir mercados externos.

Progressivamente, à medida que a experiência se consolidava, a estrutura de

comercialização ia se profissionalizando e ganhando uma estratégia de gestão, com

áreas de atuação, papéis e responsabilidades melhor definidos:

“O escritório cuida das vendas, ou seja, o gerente, os assistentes, eles viajam para

todos esses países, vêem as necessidades dos clientes e procuram administrar

essas vendas. As outras áreas não cobertas pelo escritório, normalmente, têm uma

rede de agentes ou representantes. ... Enfim, cada área tem gente. Nós devemos ter

uns quarenta ou cinqüenta agentes.”

“O [chefe do escritório] alemão, uma vez por ano, ele vai para a Ásia. Viaja por

todas as cidades lá, junto com os agentes, para ver como está andando, se esse

agente está indo bem, e, se não estiver, ele vai trocar de agente. Na Europa, ele

está constantemente girando: uma hora ele está na França, outra hora, na Itália. O

outro [chefe de escritório] nos EUA é a mesma coisa: uma hora ele está na Costa

Leste, na outra ele está na Costa Oeste, outra hora está no México.”

“Então hoje o que existe é o seguinte: essa história da Alemanha... hoje esse

alemão cuida de toda a Europa, de toda a Ásia e Oriente Médio. O escritório

alemão fica perto de Hamburgo. Hoje, nós temos dois grandes escritórios lá fora:

temos os escritórios de Atlanta e o escritório de Glinde, que praticamente

controlam o mundo. E temos um escritório em São Paulo, que cuida da África e

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da América do Sul... O escritório de Atlanta cuida de toda a América Central,

Caribe e América do Norte.”

Uma vez conquistados os mercados externos, passou-se a utilizar agentes em áreas

anteriormente de responsabilidade do escritório próprio, sendo em alguns casos

desativados os escritórios próprios e, em outros, mantidos os escritórios, porém mais

para coordenação de atividades.

“Foi o que aconteceu com o nosso antigo escritório em Nova Iorque, que virou

agente. Foi o que aconteceu com o nosso antigo escritório na Holanda, que virou

agente. Ele deixou de ser um escritório para ser um representante”.

A atuação se dá fundamentalmente através de pessoas locais. No escritório de Atlanta,

porém, a experiência relatada é um pouco diferente:

“No começo desse ano, nós criamos um escritório em Atlanta e fechamos o

escritório em Nova Iorque. Temos hoje um brasileiro em Atlanta. Não são mais

americanos. Porque os americanos ficaram quase trinta anos com a gente e, de

certo modo, bitolaram. Então, eles se ligaram a apenas sete clientes e isso era

ruim. Um funcionário nosso, que era ex-funcionário de um concorrente, que veio

trabalhar com a gente e falou assim: “Gozado, nos Estados Unidos, o concorrente

tem noventa clientes, a Eucatex só tem sete. Tem alguma coisa errada.’ Foi aí que

nós resolvemos criar um escritório Eucatex mesmo: Eucatex of North America

Inc., em Atlanta, que está funcionando desde o começo desse ano. E está indo às

mil maravilhas! Não dá conta do que tem. Nem procurar mais clientes, porque

não dá conta.”

Já o escritório da Alemanha é dirigido pelo executivo alemão, que toca o negócio

juntamente com seus dois filhos.

É curioso observar que, apesar da ampliação da atuação da empresa para novos

mercados, houve, efetivamente, na matriz, uma redução do pessoal ligado às atividades

internacionais. Isso se deveu, em grande parte, à racionalização e terceirização das

atividades:

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“Em 1990, nós tínhamos 88 funcionários. Hoje nós exportamos muito mais. Até

1998, exportava-se muito mais, com uma estrutura pequena, uma estrutura bem

leve, só 7 pessoas. Por que ? Porque nós terceirizamos... O nosso business é

produto, não é papel, não é documento. Nosso pessoal analisa, fala para o

despachante o que tem que ser feito em termos de documentação e aí então,

preparada a documentação, entregam no banco. Então nós não temos custo fixo.

Nós pagamos por documento: exportou para os EUA 2 milhões de dólares? É um

documento.”

Por outro lado, devido à transferência eletrônica de fundos e de documentos, muitas das

atividades burocráticas que antes consumiam quantidade enorme de tempo dos

empregados na área internacional foram sendo simplificadas, acabando por serem

realizadas de forma totalmente eletrônica:

“Ele manda eletronicamente para nós, nós mandamos para o banco e o banco

manda para o outro banco, através da forma de um e-mail, autenticado, e depois

ele passa para um cartão de crédito. Agora, há países que não aceitam o envio

eletrônico: a China ou a Nigéria, por exemplo, não aceitam esse tipo de coisa.

Então, temos que mandar para o representante de comunicação de lá, que imprime

em papel.”

“Então, a idéia ...é 'eletronizar' tudo, desde a venda da exportação, ... até o

desembarque das mercadorias, tudo eletrônico. Em função disso, vamos precisar

de menos gente também. Então vamos colocar pessoas para tocar outros trabalhos

mais inteligentes.”

A formação dos dirigentes dos escritórios é basicamente em Administração de

Empresas. Para o entrevistado, o perfil desejado de um executivo na área de Comércio

Exterior, para ocupar um cargo de alta gerência, incluiria uma formação em Economia,

Administração de Empresas e Comércio exterior, e o domínio de dois ou três idiomas

estrangeiros.

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CAPÍTULO QUINTO - ANÁLISE DOS CASOS

Este capítulo apresenta a análise dos resultados obtidos, através de uma comparação dos

casos estudados, confrontando-se os mesmos com as questões de pesquisa inicialmente

formuladas. Em seguida, são apresentadas as principais conclusões do estudo, que são

relacionadas com as teorias e conceitos existentes na literatura. Finalmente, são feitas

recomendações para futuras pesquisas.

1. ANÁLISE DOS CASOS

Para orientar a análise dos casos, após os comentários sobre a natureza e características

da empresa, foram retomadas as perguntas de pesquisa enunciadas no capítulo terceiro

desse estudo.

O grupo de empresas que fizeram parte deste estudo – Indústrias Romi, Eucatex e

Duratex – não é muito heterogêneo (Eucatex e Duratex são, inclusive, concorrentes em

seus mercados de origem). Podemos afirmar que as três empresas tiveram uma trajetória

marcada por diversas semelhanças. Para começar, são empresas fundadas a cerca de 50

anos ou mais, e portanto com um longo período de consolidação até os dias de hoje.

Nasceram como empresas familiares, de forte cunho empreendedor, característica que

iria marcar inclusive o seu processo de internacionalização. Todas fizeram algum

movimento de internacionalização nos seus primeiros anos de vida, atendendo às mais

diversas motivações.

Em duas delas, Romi e Eucatex, a origem familiar faz parte de um mesmo grupo, ou

seja, imigrantes ou descendentes de imigrantes que se estabeleceram no Brasil por

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ocasião das fortes correntes migratórias da primeira metade do século passado, tendo

como pano de fundo as duas grandes guerras mundiais e as oportunidades do novo

mundo. Nestes dois momentos – as décadas de 30 e 50 – o cenário econômico mundial

era de crise, quer seja pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, quer seja pela devastação

causada pela segunda guerra mundial. No Brasil, era necessária a criação de condições

de fornecimento de diversos bens antes importados, já que os principais países

exportadores mundiais estavam totalmente voltados para suas crises domésticas. Este

cenário gerava um ambiente pleno de oportunidades para empreendedores, e a chegada

de imigrantes vinha preencher a lacuna de mão-de-obra especializada.

Como empresas familiares, o grupo de empresas em questão estava sujeito a uma série

de limitações que afetavam sua gestão. A centralização das decisões e a dependência do

perfil de liderança do dono; a necessidade de controle pessoal (ou no máximo familiar)

da gestão, que evita a geração de quadros que possam administrar a expansão da firma;

as questões ligadas à sucessão, com forte impacto em empresas com 50 anos ou mais de

existência; dificuldades de financiamento ligadas à dificuldade para abrir mão do

patrimônio da família em prol do crescimento; limites confusos entre ativos da

companhia e da família; todos estes fatores seriam determinantes no desenvolvimento

da empresa.

A evolução das empresas se deu no sentido de busca de uma profissionalização da

gestão, característica enfatizada pelos entrevistados. Esta profissionalização se deu

principalmente pela necessidade de abertura do capital como forma de captação de

recursos que financiarem seu crescimento, tanto no mercado interno quanto no externo.

Neste sentido, o caso da Duratex é exemplar, com o crescimento sendo feito

basicamente por aquisições, suportadas primeiramente pelo grupo controlador (Itaúsa,

do qual faz parte o banco Itaú), e posteriormente pela abertura do capital. A

profissionalização da gestão seria, portanto, condição para a negociação de ações em

bolsa de valores.

Quanto ao processo de internacionalização, estas empresas viviam um ambiente já

consolidado e apresentavam uma atitude tranqüila quanto a seu relacionamento com

mercados internacionais e ao domínio do comércio internacional. Em todos os casos, a

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internacionalização se desenvolveu até o estágio de investimento direto em outros

países, sendo este investimento direto no mínimo o estabelecimento de escritórios

próprios de comercialização no exterior. Seu repertório de modos de entrada incluiu

desde exportação direta, via agentes ou distribuidores até o estabelecimento de unidades

de fabricação no exterior.

Ocorreu uma seqüência linear de estágios, da exportação indireta à exportação direta

e ao investimento direto no exterior?

O processo de internacionalização da Romi mostra uma ligação muito forte entre a

internacionalização para dentro (inward internationalization) e a internacionalização

para fora (outward internationalization). No entanto, a seqüência de passos não sugere

uma característica linear, como postulam as teorias comportamentais de

internacionalização. Considere-se, a título de exemplo, os principais passos seqüenciais

da Romi em seu processo de internacionalização:

• antes de 1944, a empresa importava insumos para fabricação de seus produtos, tanto

da Alemanha quanto da Itália;

• em 1944, a empresa iniciou suas exportações para a Argentina;

• em 1956, através de parceria com uma empresa italiana, produziu o primeiro

automóvel no Brasil;

• na década de 60, iniciou exportações para os EUA;

• em 1985, abriu sua primeira filial de distribuição nos EUA;

• em 1986, adquiriu tecnologia de uma empresa japonesa;

• em 1992, abriu uma filial de distribuição na Argentina;

• em 1994, abriu uma filial de distribuição no Uruguai;

• em 1997, licenciou tecnologia a uma empresa européia;

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• em 1998, adquiriu tecnologia de uma empresa alemã;

• em 2000, estava abrindo uma filial de distribuição na Alemanha.

Ao mesmo tempo em que abria filiais de distribuição em certos países, a empresa

prosseguia abrindo mercados para exportação, utilizando sua rede de distribuidores. Por

outro lado, a abertura de filiais de distribuição parecia estar mais associada a um certo

volume de transações nos mercados próximos do que, efetivamente, a uma seqüência

linear de passos.

No caso da Duratex, a experiência revelada pelo entrevistado tampouco sugere

aderência à idéia de uma seqüência linear de passos. Observem-se os principais passos

da empresa em sua internacionalização:

• em 1956, apenas dois anos após a sua fundação, a empresa iniciou as primeiras

atividades internacionais, exportando para os EUA.

• em 1969, abriu uma filial de vendas naquele mercado;

• na década de 70, adquiriu uma fábrica na Alemanha;

• na década de 80, abriu uma subsidiária de distribuição na Bélgica;

• na década de 90, vendeu a fábrica na Alemanha;

• em 1995, adquiriu o controle integral de uma fábrica argentina.

Ao mesmo tempo, a empresa se manteve exportando durante todo o período, utilizando,

em certos mercados, agentes locais e, em outros, filiais de distribuição próprias. A

seqüência de passos na internacionalização não segue, portanto, aquela prevista pelo

modelo comportamental de internacionalização: a empresa passa da exportação para a

abertura de escritório no exterior, e, em seguida, parte para o investimento direto,

através de aquisição de planta no exterior, prossegue com a abertura de filiais de

distribuição, fecha a fábrica no exterior, compra outra fábrica em outro país e continua a

exportar durante todo o tempo. Esse padrão, definitivamente, não se ajusta ao modelo

seqüencial estudado.

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A Eucatex concorre diretamente com a Duratex, tanto no mercado brasileiro quanto no

internacional. No entanto, seu padrão de atuação internacional difere substancialmente

da concorrente. De fato, a Eucatex apresentou a seguinte seqüência de

internacionalização:

• na década de 60, a empresa já exportava para vários países, inclusive para o Oriente

Médio e tinha aberto escritórios comerciais na Argentina e no México;

• na década de 70, exportava para a África;

• na década de 70, abriu escritório nos EUA e em 1975, transferiu para Nova Iorque;

• em 1975, começou a exportar para a Europa;

• ainda na década de 70, abriu um escritório na Holanda;

• em 1976, abriu um escritório em Hong Kong;

• em 1977, intensificou as atividades de exportação para os EUA;

• a seguir, mudou o escritório de Hong Kong para Singapura;

• em 1985, abriu um escritório na Inglaterra;

• em 1990, fechou o escritório na Inglaterra e passou para representantes;

• em 2000, tinha apenas os escritórios dos EUA e Alemanha .

No caso da Eucatex, a empresa iniciou suas atividades com escritórios de venda

próprios e, posteriormente, começou a atuar através de agentes. O padrão seqüencial,

nesse caso, foi invertido: primeiro os escritórios, que normalmente são vistos como um

estágio mais avançado; depois os agentes, que substituíram os escritórios, quando a

empresa já havia adquirido uma boa experiência naqueles mercados e estabelecido sua

network de relacionamentos pessoais. Também neste caso, portanto, não se

identificaram os padrões seqüenciais defendidos pelas teorias comportamentais de

internacionalização.

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A escolha inicial dos mercados privilegiou aqueles com menor distância cultural

para, posteriormente, chegar a outros de maior distância cultural?

O primeiro passo da internacionalização da Romi foi caracterizado como inward. A

seqüência de países com os quais realizou operações outward e inward são, em ordem

cronológica: importações da Alemanha e Itália, exportações para a Argentina, parceria

de produto com a Itália, exportação para os EUA, filial nos EUA, licenciamento de

tecnologia do Japão, filiais na Argentina e Uruguai, licenciamento de tecnologia para a

Europa, aquisição de tecnologia da Alemanha e filial na Alemanha.

A Romi tinha uma representação dos mercados servidos a partir de modelos de risco e

potencial de mercado. Para a empresa, a Argentina, assim como toda a América Latina,

representava um risco de não cumprimento de contratos. Já os EUA e a Europa eram

considerados mercados com risco zero e com grande potencial comprador, mais

exigente quanto às características do produto, conteúdo tecnológico e qualidade.

A escolha do mercado americano para investimento direto se dá para consolidação de

um mercado que fora o principal mercado exportador da empresa: “No princípio houve

um planejamento, que foi o seguinte: vamos consolidar o mercado americano”. No caso

da Argentina e Uruguai, a percepção era de que na verdade se tratava de uma extensão

do território nacional, um investimento pequeno e importante por causa do momento de

integração regional proporcionado pelo Mercosul. A criação de uma tarifa comum para

proteção dos mercados do Mercosul em relação à concorrência estrangeira e as

oportunidades existentes no novo bloco econômico levaram a empresa ao

estabelecimento de filiais de distribuição nestes dois países.

No caso do Alemanha, o país era caracterizado como um grande consumidor do produto

e um mercado com alto nível de concorrência, e sua escolha se devia também à

configuração geográfica da Europa: “[A Alemanha] se encontra mais ou menos no

centro da Europa, permitindo que você faça um acompanhamento de todos os demais

países da Comunidade Européia” . A decisão, tal qual nos EUA, era de ficar próximo a

centros consumidores relevantes. No entanto, a Alemanha era uma aposta na abertura de

um mercado de grande potencial e que se encontrava em fase de expansão.

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A questão cultural em relação à escolha de mercado perdia importância à medida que a

empresa acumulava experiência e era capaz de estabelecer vínculos satisfatórios com

cada mercado. O que talvez explicasse a falta de uma seqüência natural do menos

distante para o mais distante era a intermediação do distribuidor. “Ele [o distribuidor] é

o interlocutor nosso para aquele mercado... são pessoas que tem capacidade de

conversar conosco e também conversar com o mercado”. Para mercados considerados

mais distantes culturalmente, a empresa condicionava sua entrada à busca por um

agente ou distribuidor que atendesse às suas expectativas e pudesse desenvolver o

mercado.

Já o investimento direto, que ocorreu em um momento de maturidade no processo de

internacionalização, também obedecia a decisões mais de cunho racional e estratégico,

como demonstrado na seqüência EUA (1985), Uruguai (1992), Argentina (1994), EUA

(expansão em 1998) e Alemanha (2000).

A Duratex iniciou o seu processo de internacionalização ainda na década de 50, e

característica fortemente outward. Sua seqüência de mercados foi: exportações para os

EUA, filial nos EUA, fábrica na Alemanha, filial na Bélgica, venda da fábrica na

Alemanha, compra de fábrica na Argentina. Desde 1969 já mantinha uma estrutura

física própria para distribuição nos EUA e nos anos 80 estabeleceu estrutura semelhante

na Europa. O foco das exportações da empresa estava concentrado na América Latina,

EUA e Europa.

Aparentemente o comportamento da Duratex era pouco planejado, direcionado pelo

aparecimento de oportunidades de aquisição. A questão da distância cultural não era

determinante nas decisões de escolha de mercado. Os investimentos na Europa e nos

EUA eram guiados, por um lado pelo potencial do mercado e a necessidade de

consolidar uma posição: “Acho que você tendo escritório em lugar estabelecido, ganha

credibilidade...”. Por outro lado, estes mercados eram mais desenvolvidos em

tecnologias de manejo ecológico das matérias-primas, o que obrigava a empresa a se

desenvolver.

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Entre os mercados americano e europeu, a escolha da seqüência se deu por uma

percepção de distância geográfica, sendo o mercado americano visto como mais

próximo do que o europeu. Esta percepção podia dever-se, ao menos em parte, ao custo

comparativo de frete, que não era somente função de distância, mas também de nível de

carga. Como os transportes para o mercado americano operavam com nível de carga

mais elevado (e portanto com frete mais barato), é possível que se tenha criado uma

percepção de menor distância geográfica.

Outros mercados latino-americanos eram encarados com reservas, fosse pela questão da

criminalidade (Colômbia), fosse pela questão da instabilidade econômica, como na

Argentina. No entanto, o cenário na Argentina em 1995 era bastante diferente, com

oportunidades em um mercado promissor. E para servi-lo, “...você tinha que estar lá

entendendo [o mercado], você tinha que estar presente fisicamente lá, se não o argentino

olha você com desconfiança”. O investimento na Argentina foi feito para consolidação

do mercado, aproveitando as oportunidades do bloco econômico do Mercosul.

No caso da Eucatex, temos descaracterizada uma aproximação do mercado pela ótica da

distância cultural, dado que a forma de acesso foi totalmente aberta, escolhendo

“...alguns países do mundo onde havia interesse em abrir o mercado, e começava

enviando milhares de cartas”. E que países eram estes? Oriente Médio, América Latina,

EUA, e posteriormente Europa e a expansão da exportação para os EUA.

A abertura de mercados dependia em grande parte da ação do dono da empresa em um

primeiro momento, e do grupo de executivos mais graduados em um segundo momento.

Estas pessoas se encarregavam pessoalmente de criar contatos com clientes e

posteriormente com agentes que iriam servir aos mercados. Os contatos quase sempre

partiam da network pessoal do corpo executivo da empresa e a existência de um bom

contato, ou de um bom agente, era o suficiente para passar a servir mercados em que o

agente atuava: “Eu tenho um russo, que mora nos EUA, ficou muito meu amigo. Eu não

acreditava que um russo fosse comprar um produto meu”.

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O processo de internacionalização da empresa apresentou um padrão de

comprometimento crescente com mercados externos?

No caso da Romi, a vocação internacional da empresa, manifestada desde a sua

fundação e atribuída em grande parte à origem estrangeira de seu fundador, levou a que

a empresa, desde muito cedo, participasse de diversas formas de internacionalização

para dentro – importação de matéria-prima e componentes, licenciamento de

tecnologia, parcerias de produção – e internacionalização para fora, através,

inicialmente de exportações. Como observou o executivo entrevistado na Romi, a

experiência vivida pela Romi levou a “um conhecimento acumulado”, “uma capacitação

acumulada, uma cultura acumulada”, que permitiu à empresa e a seus executivos não se

sentirem estranhos em qualquer parte do mundo. A experiência, enfim, reduziu a

distância cultural e permitiu a acumulação de know-how gerencial.

Outro aspecto desse processo de aquisição de experiência internacional, na Romi,

refere-se ao fato de serem muitos os executivos envolvidos em viagens internacionais, o

que tornou maior a difusão dessa experiência na empresa: “Nossos profissionais viajam

constantemente para o exterior ...”, o que se refletiu em “um volume de visitas muito

grande ao exterior”.

A padronização dos produtos – a criação de produtos mundiais – também auxiliou o

avanço do processo de internacionalização da empresa, uma vez que permitiu o ingresso

em novos mercados com apenas pequenas adaptações. De certo modo, a opção por

produtos mundiais refletia a irreversibilidade do processo de multinacionalização da

Romi e seu profundo comprometimento com o mercado global.

Não só o produto era mundial, como o cliente, na opinião do entrevistado, era também

global: “Não vemos diferença entre um cliente alemão e um cliente brasileiro hoje em

dia”, significando com isso a fé da empresa em sua vocação multinacional e uma visão

integrada, possivelmente geocêntrica, de seus mercados de atuação.

No caso da Duratex, porém, não se pode falar de envolvimento crescente com o

mercado internacional. De um início fortemente marcado por uma vocação exportadora,

a empresa, de forma bastante pioneira, ingressou rapidamente em mercados externos,

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encontrando-se há trinta anos no mercado americano e há vinte anos no europeu. Muito

cedo ela adquiriu e operou uma fábrica na Alemanha, mas essa operação nunca chegou

a se integrar realmente a seu negócio. A expansão dos negócios foi, em parte, cerceada

na década de 90, com o processo de abertura e estabilização da economia. Com o Plano

Real, a empresa progressivamente reduziu seu envolvimento com a exportação, já que

as vendas no mercado interno eram muito mais lucrativas do que nos mercados

internacionais e a sobrevalorização do Real reduzia a competitividade das exportações

brasileiras. Assim, a empresa, efetivamente, reduziu seu comprometimento com

mercados externos no decorrer da década de 90, o que foi acompanhado pela venda da

fábrica na Alemanha.

A redução do comprometimento com mercados externos, no entanto, era vista com

cautela, tanto pela vocação internacional da empresa desde sua fundação, como pelo

fato de a exportação ser percebida como uma oportunidade. A entrevista realizada

revelou, claramente, o conflito da direção da empresa ao se ver forçada a escolher entre

maiores lucros no mercado interno ou o conhecimento já obtido e as oportunidades no

mercado externo: “nós estamos diminuindo nossa presença lá fora, porque o mercado

interno é muito mais lucrativo...” e “o mercado externo é sempre uma oportunidade,

mesmo porque a empresa está presente há muitos anos lá fora...” E a opção doméstica,

refletindo talvez uma percepção etnocêntrica do mundo: “Eu não tenho porque sair de

um lugar tão bom quanto o Brasil...”

No caso da Eucatex, curiosamente, embora a empresa apresente um padrão seqüencial

invertido, como já comentado (de escritórios comerciais para agentes), a entrevista

deixou entrever um profundo comprometimento – e entusiasmo – com a atividade

internacional. Esse entusiasmo se originou, aparentemente, da atuação do próprio

presidente da empresa, na década de 70, de tal forma que, no início, o pessoal da

empresa chegou a considerar a exportação como uma espécie de “hobby”, ou

“brinquedo do presidente”. A atividade internacional da empresa, porém, cresceu e se

consolidou de tal forma, que passou a ser vista como “coisa séria”, significando

“compromissos em mais de 80 países do mundo”. Esse compromisso se expressou

através de uma mudança de mentalidade, de um tempo em que “o mercado interno é

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mais importante, o mercado interno paga mais”, para um novo tempo em que “a

exportação é importante, temos que estar presentes onde for possível”.

Sobretudo, a atividade exportadora era vista como uma forma de reduzir os riscos de

flutuações cíclicas ou conjunturais em mercados externos. As metáforas utilizadas para

mostrar a dependência de um único mercado são em si mesmas bastante expressivas:

“se ficar totalmente voltada para o mercado interno, a empresa corre o risco de ser

asfixiada”; a empresa não deve ficar “vítima de um mercado”, “algemada em um

mercado só”.

Efetivamente, no caso da Eucatex, fica evidente um aprofundamento da atividade

internacional, assim como uma inserção da visão internacional na cultura da empresa.

Tal aprofundamento parece significar aumento de comprometimento, se se considera o

número de países em que a empresa opera. No entanto, se se leva em conta o

fechamento de escritórios e a redução da estrutura internacional da empresa como

indicadores, conclui-se, pelo contrário, que a empresa reduziu seu comprometimento. A

literatura existente não discute, na verdade, uma situação dessa natureza.

Ocorreu o desenvolvimento de estruturas internas cada vez mais complexas para o

controle das operações, à medida que essas se desenvolviam?

A Romi, ao longo de seu processo de internacionalização, foi fazendo mudanças

incrementais em sua estrutura, de forma a responder à demanda crescente por

determinadas tarefas, como a administração de containers, onde a empresa precisava de

“...uma área de exportação, de faturamento, integrados e tudo o mais, com uma infra-

estrutura adequada”. As estruturas internas responsáveis pelas operações externas foram

estabelecidas já a partir da década de 40, dada a necessidade de processos internos que

dessem conta das crescentes operações internacionais.

As esferas de decisão dentro da empresa estavam bem definidas, de forma que “... o dia

a dia dos negócios do comércio exterior é administrado por essas gerências

[operacionais]”, assuntos fora da operação eram decididos no âmbito das diretorias, e

“se houver uma discussão mais relevante, do tipo abrir uma empresa no exterior, o

Conselho de Administração é quem tem a palavra final”.

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No caso das subsidiárias, existia um razoável grau de autonomia operacional, mas um

controle financeiro abrangente feito através da elaboração de balancetes que eram

analisados na matriz e anualmente por “...uma auditoria externa, por uma empresa

contratada em cada um desses países...”. A gerência comercial destas filiais era ocupada

por pessoal contratado nos próprios países, a fim de garantir um melhor entendimento

do mercado e da cultura local.

A Duratex fazia uma distinção em suas estruturas no exterior entre os níveis de decisão

e controle e os níveis operacionais. Como regra, os níveis de decisão e controle, ou o

chamado corpo executivo, era formado por brasileiros, enquanto o operacional era

formado por pessoal oriundo dos mercados locais. Nas unidades de produção, isto se

traduzia na alta gerência formada por executivos brasileiros, que elaboravam os planos

estratégicos e prestavam contas dos resultados financeiros da filial.

Já no caso das filiais de vendas, “... é um escritório de representação, não tem corpo

executivo... o caixa da empresa é aqui, é tudo administrado por São Paulo”. Os

chamados Gerentes Comerciais tinham autonomia para tratar de assuntos operacionais

da filial, enquanto os níveis de controle estavam centralizados na matriz em São Paulo.

Da mesma forma o corpo executivo das unidades de produção tinha liberdade para

traçar estratégias para servir ao mercado, indo até a adaptação do produto.

Em geral, os níveis de gestão das operações no exterior não eram dissociados das

operações domésticas, com o setor de exportação encarregado de lidar com agentes e o

nível executivo da empresa cuidando também do acompanhamento das unidades fabris

no exterior.

A Eucatex mostrou ao longo de seu desenvolvimento uma evolução e profissionalização

da estrutura interna encarregada de lidar com os negócios internacionais. Inicialmente, a

área internacional era formada exclusivamente pelo dono da empresa, que tal qual um

mascate “... viajava sozinho, com mala, carregado de amostras”. A partir do início

internacionalização, e num esforço para abrir mercados, escritórios foram abertos na

Argentina, México, EUA, Holanda, Hong Kong (depois transferido para Singapura). O

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projeto de internacionalização era um projeto pessoal do dono da empresa, e portanto

somente ele viajava ao exterior.

Em um segundo momento, as atribuições relacionadas aos mercados externos foram

ampliadas para outros níveis de diretoria e gerência na empresa, com o início da

estrutura que viria a ser consolidada somente na última década. Assim, a empresa iria

estruturar sua área internacional através de um escritório nos EUA, que cuidava da

América do Norte e Central, um escritório na Europa (Alemanha) que cuidava da

Europa, Ásia e Oriente Médio, e o escritório de São Paulo, que cuidava da América

Latina e África. Cuidar, aqui, significa administrar os contatos com todos os agentes

desenvolvidos para intermediar o comércio com estes países, além de administrar a

parte logística da operação.

No entanto, no decorrer do tempo a estrutura interna responsável pelas atividades

internacionais foi sendo reduzida, mesmo com o aumento das operações. “Por que? Por

que nós terceirizamos... O nosso business não é papel, não é documento”. Com o

progresso das tecnologias de informação, o discurso da empresa é de que os níveis de

controle poderiam ser centralizados, reduzindo pessoal e custos. Mas isto dependia do

estabelecimento de relações de confiança com os responsáveis pelo atendimento aos

mercados, isto é, os agentes e distribuidores. Segundo o informante, a tendência seria

não ter mais escritórios e “... ‘eletronizar’ tudo, desde a venda da exportação... até o

desembarque das mercadorias, tudo eletrônico”.

2. CONCLUSÕES

A natureza peculiar desse estudo e o método de pesquisa utilizado não permitem

generalizações para o universo de empresas brasileiras internacionalizadas. As

conclusões aqui apresentadas, portanto, restringem-se aos casos estudados e devem ser

consideradas dentro desse âmbito.

A primeira conclusão, de caráter geral, que emerge do estudo é que as teorias

comportamentais de internacionalização (Johanson e Wiederscheim-Paul, 1975;

Johanson e Vahlne, 1977) não explicam adequadamente o processo de

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internacionalização das três empresas brasileiras estudadas. Embora alguns aspectos

eventualmente se ajustem aos pressupostos e padrões indicados pela teoria, isso ocorre

apenas de forma tênue e esporádica.

As três empresas estudadas apresentaram, desde sua fundação, uma vocação

internacional. No caso da Romi, uma proposta de excelência permitiu que a empresa se

tornasse competitiva e pudesse levar seus produtos a mercados externos. Já no caso das

duas outras empresas, Duratex e Eucatex, as vantagens competitivas locacionais,

decorrentes da disponibilidade de matéria-prima abundante e barata, tornaram quase

inevitável sua internacionalização. Sob certos aspectos, na verdade, as teorias

econômicas parecem mais adequadas para explicar a internacionalização dessas

empresas do que as teorias comportamentais.

Os passos seqüenciais na internacionalização, previstos nas teorias comportamentais,

não se cumpriram, o que já se havia verificado em alguns estudos internacionais, como

os de Hedlund e Kverneland (1983) e Turnbull (1987). Nos três casos analisados, os

padrões são bastante diferentes do padrão clássico, de passagem de formas mais simples

para formas mais complexas de ação internacional. De fato, pode-se dizer que nos três

casos não se observou um padrão. No caso mais próximo do modelo teórico, o da Romi,

a interconexão entre internacionalização para dentro e para fora (Welch e Luostarinen,

1988) é o que chama a atenção, com a empresa ao mesmo tempo compradora e

vendedora de tecnologia, importadora e exportadora. No caso da Duratex, há idas e

voltas no processo de internacionalização, com a primeira filial de vendas e a primeira

fábrica sendo abertas quase simultaneamente, porém em mercados distintos. No caso da

Eucatex, sobretudo, há um padrão oportunista (Barretto, 1998), as oportunidades vão

surgindo e a direção da empresa delas faz uso para expandir sua atuação internacional.

Ainda neste último caso, o padrão seqüencial invertido, de maior para menor

comprometimento segundo o modelo comportamental, choca-se com um envolvimento

maior com a atividade de exportação, com a ampliação de mercados externos e com a

inserção da internacionalização na cultura da empresa.

Outra proposição do modelo comportamental, associada à anterior, é a que postula um

aumento do comprometimento da empresa com os mercados internacionais, resultante

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de maior conhecimento desses mercados, conhecimento esse adquirido muito mais na

prática (Johanson e Vahlne, 1990). Isso parece verdadeiro no caso da Romi, onde se

assiste a um crescente comprometimento da empresa, a um caminhar seguro na estrada

da multinacionalização, através de um reconhecido processo de acumular experiências.

No caso da Duratex, no entanto, pode-se dizer que há uma redução clara do

comprometimento, o que, de certa forma, parece estar associado a uma orientação mais

etnocêntrica do que regiocêntrica ou geocêntrica (Kobrin, 1994) e não apenas ao fato de

as operações no mercado interno serem mais geradoras de lucro. Tal suposição parece

bastante razoável quando se confronta o caso da Duratex com o de sua concorrente

direta, a Eucatex. A Eucatex também se defronta com o mesmo mercado interno

atraente, mas prossegue deliberadamente na trilha da internacionalização, que parece

haver-se tornado um imperativo categórico.

O caso Eucatex é altamente sugestivo de novas interpretações para a hipótese

seqüencial, que ainda não se encontram na literatura. Haverá outros casos como esse, ou

trata-se de uma situação única, de uma experiência vivenciada apenas por essa empresa?

Em outras palavras, uma network pessoal poderá ser utilizada eficazmente para

substituir o investimento direto no exterior? Ao invés de comprar ativos, é possível

conquistar relacionamentos, e com isso aumentar o envolvimento internacional? Trata-

se, certamente, de uma questão a ser explorada em futuras pesquisas sobre o tema.

De qualquer forma, a comparação dos casos Eucatex e Duratex sugere que não

necessariamente a expansão da atividade internacional leva a maior comprometimento e

envolvimento. Outros fatores, como a cultura empresarial e a atratividade do mercado

externo podem prejudicar o ciclo de conhecimento-comprometimento previsto na teoria

comportamental.

A questão da distância cultural, cuja relevância para o processo de internacionalização

ficou claramente estabelecida nos primeiros estudos de internacionalização (Johanson e

Vahlne, 1977; Dichtl et al., 1990), e que vem sendo contestada em estudos mais

recentes (O’Grady e Lane, 1996), não se evidenciou nos três casos estudados. De fato,

as decisões de entrada em mercados externos não seguiram o padrão preconizado de

mercados com menor distância cultural para mercados com maior distância cultural,

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tanto no que se refere a exportações quanto no que se refere a abertura de filiais no

exterior, ou mesmo à aquisição de plantas produtivas.

Assim, a Romi, desde cedo, importa da Alemanha insumos. E embora inicie suas

exportações pela vizinha Argentina, muito cedo ingressa no mercado americano, onde

irá abrir sua primeira filial de distribuição. A filial na Argentina só será aberta sete anos

depois. Antes disso, porém, a Romi importa tecnologia do Japão. E embora seja uma

empresa fundada por um descendente de italianos, que passou parte de sua juventude na

Itália, decide instalar uma filial na Alemanha e não na Itália. No caso da Duratex, o

primeiro mercado é o americano, para onde a empresa exporta inicialmente, abrindo

uma filial de vendas; depois virá a aquisição de planta produtiva na Alemanha, logo

seguida pela abertura de uma filial de distribuição na Bélgica e, enfim, pela aquisição de

outra planta na Argentina. Finalmente, a Eucatex se espalha por todo o mundo (mais de

80 países) mas o critério de seleção de mercados é totalmente oportunista e marcado

pelos relacionamentos pessoais.

Esses padrões, claramente, não são explicados pelo constructo da distância cultural.

Desta forma, sugere-se nesse estudo que o fenômeno da distância cultural poderá ser

mediado por fatores tais como o surgimento de oportunidades e o estabelecimento de

relacionamentos pessoais. Esses elementos moderadores da distância cultural já foram

detectados por Barretto (1998), embora a forma pela qual se apresentaram no presente

estudo tenha sido um pouco diferente. Outros estudos realizados no Brasil pela linha de

pesquisa em Internacionalização de Empresas do COPPEAD/UFRJ (por exemplo,

Pinto, 1998) trazem outras contribuições ao estudo do papel das networks pessoais que

permitirão eventualmente elaborar uma proposta teórica sobre o assunto. Nessa

proposta, questões como o estabelecimento de confiança entre as partes e as freqüentes

visitas ao exterior, necessárias ao estabelecimento de relações pessoais, deverão ter

papel importante na explicação desse fenômeno.

Finalmente, a questão da estruturação para a ação internacional traz ainda algumas

novas proposições teóricas. No caso da Romi, a empresa desde muito cedo desenvolveu

sua estrutura internacional e essa foi-se aprimorando de forma incremental, à medida

que se expandiam as atividades internacionais. No caso da Duratex, a empresa foi-se

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estruturando ao longo do tempo, concentrando o nível estratégico e de controle na

estrutura central e o operacional no exterior, estrutura essa condizente com sua suposta

orientação etnocêntrica. No caso da Eucatex, porém, mais uma vez a realidade

surpreende, ao colocar questões até o momento não identificadas em estudos anteriores.

De fato, a Eucatex, à primeira vista, apresenta uma estrutura menos complexa, na fase

mais avançada de internacionalização (mais uma vez, o modelo revertido). No entanto,

essa maior simplicidade da estrutura internacional se justifica por dois grandes motivos:

de um lado, a terceirização de atividades, que lhe permite uma estrutura mais enxuta; de

outro, a adoção de tecnologias de comunicação mais modernas, que possibilitam, maior

controle das operações externas, reduzindo a necessidade de pessoal de escritório e do

constante ir e vir de executivos. Naturalmente, isso se alia às conexões pessoais já

estabelecidas, levando à hipótese de que, por detrás da simplificação das atividades

poderá haver efetivamente, um aprimoramento da estrutura internacional. Qual a

dimensão em que isso poderá ocorrer com maior freqüência no futuro? É essa mais uma

questão que o presente estudo encaminha para futuras pesquisas.

As questões propostas neste estudo se somam ao contexto de desafios que as empresas

brasileiras enfrentam e enfrentarão no atual esforço para internacionalizar seus

produtos, serviços e marcas, entrando em um jogo onde seus adversários fazem uso de

todas as armas possíveis (de tarifas alfandegárias a barreiras sanitárias) para dificultar o

desenvolvimento de um novo competidor.

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ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA

Processo Decisório

• Quais foram as pessoas dentro da organização que decidiram, participaram do ou

influenciaram o processo de decisão de internacionalizar a empresa? Quem foi o

principal responsável pela decisão de internacionalizar?

• Estas pessoas apresentavam experiência internacional anterior, fluência em línguas,

conhecimento anterior ou descendência familiar de algum dos países em questão?

De que tipo?

• Que fatores de mercado ou estratégicos foram responsáveis pela decisão de

internacionalizar? Qual foi o primeiro fator a impulsionar este processo?

• Que tipo de informação e/ou fontes de informação foram usadas no processo

decisório?

Escolha dos Mercados

• Qual o primeiro mercado escolhido para internacionalizar? Que fatores

influenciaram a escolha deste mercado?

• A escolha deste mercado foi consenso ou uma decisão pessoal? Como se deu esta

decisão?

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• Foi feita a coleta de informações sobre o mercado? Quem ficou responsável por esta

coleta de informações? Que tipo de informação a empresa buscou? Onde foi

procurada?

• Como eram percebidas as diferenças ou semelhanças entre este mercado e o

mercado brasileiro antes da empresa começar a servi-lo? Como estas diferenças ou

semelhanças são percebidas agora?

• Estas diferenças ou semelhanças foram notadas no nível nacional ou no nível

corporativo?

• Surgiram diferenças que não haviam sido notadas no estudo anterior sobre o

mercado? Alguma destas diferenças foi considerada pela empresa como barreira a

um melhor desempenho? Como foram contornadas?

• A seqüência de mercados que foi seguida no processo de internacionalização foi a

melhor possível? Qual seria a seqüência perfeita? Por que?

• Qual mercado foi mais “fácil” de servir? E o mais “difícil”? Qual seria o mercado

“ideal” para iniciar o processo de internacionalização? Por que?

• Considerando os principais mercados de atração da empresa, como descreverias

estes países e sua cultura? O que lhe ocorre à mente quando pensa sobre estes

países?

Modo de Entrada

• Qual foi o modo escolhido pela empresa para servir estes mercados? Que fatores

influenciaram esta escolha?

• Quais as vantagens e desvantagens de fusões, aquisições, investimentos e joint-

ventures para os mercados em que atua?

• Que tipo de estrutura foi a mais “fácil” de estabelecer? E a mais “difícil”? Qual

obteve melhor desempenho? Por que?

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• Foi utilizado o mesmo tipo de estratégia em todos os mercados? Que mudanças

foram feitas ao longo do processo? Que fatores influenciaram estas mudanças?

Distância Cultural e Estratégia Empresarial

• Quem é responsável pelas operações internacionais no Brasil? Qual a nacionalidade,

formação e perfil profissional desejado para esta função? Que tipo de profissional é

desejado para o comando das unidades no exterior? Como é composta a equipe que

opera estas unidades? Por que?

• Como a empresa se estruturou para a coleta e análise das informações provenientes

dos mercados servidos?

• A empresa procura gerenciar as operações de acordo com as práticas seguidas no

Brasil ou existe espaço para novas estratégias nas filiais?

• Em que medida o aprendizado obtido nos mercados estrangeiros afetou a estratégia

da empresa?

• Que contribuições às práticas da empresa se originaram das operações

internacionais?

• Como evoluiu a estratégia da empresa em relação à internacionalização? Os

objetivos iniciais foram alcançados?

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SUMÁRIO

CAPÍTULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO ................................................................ 1

1. OBJETIVOS......................................................................................................... 1

2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO ............................................................................. 3

3. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ......................................................................... 4

CAPÍTULO SEGUNDO - REVISÃO DA LITERATURA ........................................ 6

1. MODELOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO POR ESTÁGIOS....................... 6

2. MODELOS ECONÔMICOS DE MULTINACIONALIZAÇÃO ..................... 14

3. OUTRAS PROPOSTAS .................................................................................... 17

4. A DISTÂNCIA CULTURAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS

EMPRESAS ............................................................................................................... 21

5. IMPACTO DA DISTÂNCIA CULTURAL SOBRE OS MODOS DE

ENTRADA EM MERCADOS EXTERNOS............................................................. 32

CAPÍTULO TERCEIRO - METODOLOGIA.......................................................... 36

1. MÉTODO DE PESQUISA................................................................................. 361.1. NATUREZA DO ESTUDO ......................................................................................................36

1.2. QUESTÕES DA PESQUISA ...................................................................................................37

1.3. MÉTODO DE PESQUISA: O ESTUDO DE CASOS ..............................................................37

1.4. COLETA DE DADOS..............................................................................................................38

1.5. ESCOLHA DOS INFORMANTES...........................................................................................39

1.6. ANÁLISE DOS DADOS...........................................................................................................39

1.7. LIMITAÇÕES DO MÉTODO..................................................................................................40

CAPÍTULO QUARTO - DESCRIÇÃO DOS CASOS.............................................. 42

1. CASO INDÚSTRIAS ROMI ............................................................................. 421.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA ........................................................................42

1.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................46

1.3. INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR............................................................................53

1.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................59

2. CASO DURATEX ............................................................................................. 621.5. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................62

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1.6. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................63

1.7. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................67

1.8. A ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL...............................................................73

3. CASO EUCATEX.............................................................................................. 753.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................75

3.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................76

3.3. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................83

3.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................91

CAPÍTULO QUINTO - ANÁLISE DOS CASOS ..................................................... 94

1. ANÁLISE DOS CASOS .................................................................................... 94

2. CONCLUSÕES................................................................................................ 106

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 111

ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA............................................................. 116