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Evolução temporal de uma Partícula Livre descrita por um Pacote de Onda Gaussiano Unidimensional Caio Vaz Rímoli Resumo: Partículas Livres não relativísticas estão entre os sistemas mais básicos e mais importantes da mecânica clássica e quântica. Nesta monografia, analisamos alguns tipos de funções de onda unidimensionais, introduzimos o conceito de partícula livre do ponto de vista quântico. Em particular, discutimos a origem de um Pacote de onda Gaussiano e sua dispersão temporal usando Transformadas de Fourier. Introdução: Em Mecânica Clássica, o conceito de partícula livre se refere a um sistema que está livre da ação de forças ou de potenciais. Em Mecânica Quântica, a definição de partícula livre não é tão simples. Se definíssemos uma partícula livre quântica (PLQ) como sendo somente uma função de onda que é livre de Potenciais, a Equação de Schrödinger no caso unidimensional não relativístico que descreve o sistema é: (Eq.01): Em que xt tem variáveis x e t separáveis. Em particular, um bom Ansatz de função de onda para (Eq.01) é o que descreve uma Onda Plana: (Eq.02): Tal que, com as Relações de Planck e de Louis de Broglie: (Eq.03): Fazem com que 1(x,t) não somente seja solução da Equação de Schrödinger (autofunção da energia com autovalor E=p²/2m), como também seja a autofunção do operador momento, com autovalor p = (2mE) 1/2 . Entretanto, pelo Princípio de Incerteza de Heisenberg, uma onda plana de momento pdefinido (Δp=0) corresponde a uma função de onda totalmente deslocalizada no espaço das posições (Δx) e, portanto, 1(x,t) não pode ser considerada uma partícula, ie, uma entidade física de caráter corpuscular (com dimensões bem definidas). Logo, uma Partícula Livre Quântica (PLQ) tem que ter uma função de onda localizada (Δx finita) também. A Origem dos Pacotes de Ondas: Por sorte, a Eq.01 é uma equação diferencial linear. Então, uma combinação linear de ondas planas, com diferentes momentos p n , também é solução: (Eq.04): Embora não seja mais autofunção do operador momento. Porém, quanto maior o número de ondas planas somadas, maior a interferência entre elas e, consequentemente, maior a chance de se obter corpúsculo de onda (pulso): Figura 01 Ilustração da interferência de várias ondas diferentes gerando um pulso. Quanto maior a incerteza nos momentos (Δp finito e grande), maior a chance de localizar um pulso de onda no espaço das posições (Δx finito e pequeno).

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Evolução temporal de uma Partícula Livre descrita por um Pacote de Onda

Gaussiano Unidimensional

Caio Vaz Rímoli

Resumo: Partículas Livres não relativísticas estão entre os sistemas mais básicos e mais

importantes da mecânica clássica e quântica. Nesta monografia, analisamos alguns tipos de

funções de onda unidimensionais, introduzimos o conceito de partícula livre do ponto de vista

quântico. Em particular, discutimos a origem de um Pacote de onda Gaussiano e sua dispersão

temporal usando Transformadas de Fourier.

Introdução:

Em Mecânica Clássica, o conceito de

partícula livre se refere a um sistema que está livre

da ação de forças ou de potenciais. Em Mecânica

Quântica, a definição de partícula livre não é tão

simples. Se definíssemos uma partícula livre

quântica (PLQ) como sendo somente uma função de

onda que é livre de Potenciais, a Equação de

Schrödinger no caso unidimensional não relativístico

que descreve o sistema é:

(Eq.01):

Em que x t tem variáveis x e t separáveis. Em

particular, um bom Ansatz de função de onda para

(Eq.01) é o que descreve uma Onda Plana:

(Eq.02):

Tal que, com as Relações de Planck e de Louis de

Broglie:

(Eq.03):

Fazem com que 1(x,t) não somente seja solução da

Equação de Schrödinger (autofunção da energia com

autovalor E=p²/2m), como também seja a

autofunção do operador momento, com autovalor p

= (2mE)1/2. Entretanto, pelo Princípio de Incerteza de

Heisenberg, uma onda plana de momento “p”

definido (Δp=0) corresponde a uma função de onda

totalmente deslocalizada no espaço das posições

(Δx∞) e, portanto, 1(x,t) não pode ser

considerada uma partícula, ie, uma entidade física

de caráter corpuscular (com dimensões bem

definidas). Logo, uma Partícula Livre Quântica (PLQ)

tem que ter uma função de onda localizada (Δx

finita) também.

A Origem dos Pacotes de Ondas:

Por sorte, a Eq.01 é uma equação diferencial linear.

Então, uma combinação linear de ondas planas, com

diferentes momentos pn, também é solução:

(Eq.04):

Embora não seja mais autofunção do operador

momento. Porém, quanto maior o número de ondas

planas somadas, maior a interferência entre elas e,

consequentemente, maior a chance de se obter

corpúsculo de onda (pulso):

Figura 01 – Ilustração da interferência de várias ondas diferentes

gerando um pulso. Quanto maior a incerteza nos momentos (Δp

finito e grande), maior a chance de localizar um pulso de onda

no espaço das posições (Δx finito e pequeno).

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Se ao invés de uma soma discreta, podemos criar

uma 3(x,t) que seja uma superposição de funções

de ondas planas de distribuição contínua de

momentos:

(Eq.05):

Em que A(p) seria a função de distribuição dos

valores de momentos p. Em outras palavras, a Eq.05

nos diz que A(p) é uma função que descreve um

envelope do pulso. Já as ondas planas (exponencial

complexa) atuam como uma fase dentro do

envelope que oscila no espaço (em x) e no tempo (t).

Tendo em mente que Eq.06 é uma Transformada de

Fourier no tempo e no espaço, uma boa distribuição

A(p) para discutir pulsos de onda é uma de perfil

gaussiano em torno de um p0 máximo central:

(Eq.06):

A constante de normalização:

(Eq. 07):

Garante que a área sob a gaussiana seja igual à

unidade. A largura desta em torno de p0 é da ordem

de

.

Como a Transformada de Fourier de uma gaussiana

é a gaussiana conjugada, sabemos que x t terá

um perfil gaussiano nas coordenadas das posições

descrito pela seguinte função:

(Eq.08):

Pacote de Onda Gaussiano nas condições iniciais

(t=0):

Antes de verificar o que acontece com 4(x,t) para

t>0, vamos obtê-lo explicitamente caracterizá-lo nas

condições iniciais. Para t=0, o Pacote de onda

Gaussiano é descrito por:

(Eq.09):

Se reescrevermos:

(Eq.10):

E deixarmos em função de P = p-p0 , em que dP = dp ,

a integral da Eq.09 fica na forma:

Se completarmos quadrados em P e resolvermos a

integral gaussiana, obtemos 4(x,0):

(Eq.11):

Note que a largura da gaussiana nas coordenadas

das posições é da ordem de x .

Tendo 4(x,0), é fácil verificar que em t=0:

(Eqs.12):

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Logo, para t=0, a Relação de Incerteza de Heisenberg

é mínima:

(Eq.13):

Evolução Temporal do Pulso Gaussiano:

Antes de começar a calcular os valores esperados

usando Eq.08, é conveniente fazer uma série de

transformações para deixar tudo em função de P=p-

p0.

A ideia é a mesma que a transformação da Eq.10,

mas deve incluir também o termo quadrático:

(Eq.14):

Como o termo em verde ainda não pode ser escrito

em termos de P = p-p0, fazemos mais uma

manipulação (completar os quadrados):

(Eq.15):

Ou seja, deixando em termos de P = p-p0,

Que, substituindo em (Eq.14) e já deixando tudo em

função de P e p0, temos:

(Eq.16):

Agora podemos substituir a Eq.16 na Eq.08

resultando em uma função de onda:

(Eq.17):

Em que:

Em que é só completar quadrados em P e resolver a

integral gaussiana para finalmente obter 4(x,t):

(Eq.18):

Em que, Z(t) é da seguinte forma:

(Eq.19):

Agora, podemos calcular os valores de <x>, <p> e as

incertezas <Δx> e <Δp> e analisar a evolução

temporal do pacote gaussiano.o comportamento.

Como esses cálculos são bastante trabalhosos,

porém simples de efetuar, aqui simplesmente vamos

expô-los e discuti-los. Para t>0, o Pacote de onda

Gaussiano se comporta com:

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(Eqs.20):

E, consequentemente, a Relação de Heisenberg fica:

(Eq.21):

Discussão:

Primeiramente, é interessante evidenciar a

transformada de Fourier da Eq. 18 que é

imediatamente obtida pela Eq. 08, reformulada:

Portanto, a transformada de 4(x,t) é:

(Eq.22):

Note, pelas Equações 20, que o valor do momento

médio <p> e a largura do envelope gaussiano na

coordenada dos momentos são constantes no

tempo. Isso era de se esperar, uma vez que estamos

lidando com uma Partícula Livre. Assim, não há nada

que altere o número de uma população de ondas

planas de um dado momento pn específico. Portanto

não há dispersão do envoltório gaussiano na

coordenada dos momentos conforme o tempo

evolui. Entretanto, é interessante notar que, pela

Eq.22, a fase complexa de faz com que Φ(p,t) oscile

com uma frequência maior conforme o tempo

aumenta – isso acontece mantendo o perfil do feixe

gaussiano de Φ(p,t).

Por outro lado, analisando as equações o

comportamento do perfil gaussiano na coordenada

das posições, 4(x,t), vemos que tanto a posição

média quando a incerteza nas posições variam com

o tempo (Equações 20). A posição média varia de

acordo com um movimento retilíneo uniforme com

veloficade v0=p0/m, como era de se esperar.

Contudo, vemos também que a largura da gaussiana

em 4(x,t) aumenta com o tempo. Como a área sob

a curva tem que se manter igual à unidade, é de se

esperar que o pulso se disperse com o tempo (Figura

02).

Figura 02 – Ilustração da Dispersão do Pacote de onda

Gaussiano no tempo na coordenada das posições. Em azul, a

posição média <x> = p0t/m.

Podemos interpretar esse comportamento de da

seguinte forma: a variedade momentos diferentes

do momento médio, pn≠p0, faz com que haja a

possibilidade de uma partícula estar cada vez mais

distante da posição média <x>. Isso pode ser

entendido como perda da informação da partícula:

conforme o tempo passa, sabemos cada vez menos

onde ela realmente está ela pode ter ido.

Consequentemente o produto das incertezas no

momento e nas posições também aumenta com o

tempo (Eq.21).

Além disso, vemos pelas Equações 20, que se uma

partícula está muito localizada no instante inicial, ou

seja, σ é muito pequeno em t=0, a tendência é de a

t0=0

t1>t0

t2>t1

t3>t2

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dispersão do pacote de onda gaussiano na

coordenada das posições ser muito mais abrupta do

que uma partícula não tão localizada. Ver tabela 01.

Tabela 01 (cf. Referência [1])

Partícula 1 (Elétron, m≈10-30kg)

Dispersão em Inicial, σ0

Tempo para

σ(t)= . σ0

σ0 (t=0) t( )

0,1 nm 1,72 fs

1,0 µm 17,2 ns

1,0 mm 17,2 ms

Partícula 2 (Pérola, m≈10-3kg)

Dispersão em Inicial, σ0

Tempo para

σ(t)= . σ0

σ0 (t=0) t( )

0,1 mm ≈1016 anos

Conclusões:

Nesta monografia, revisamos a importância de se

somar um conjunto de ondas planas para obter um

pulso ondulatório com dimensões finitas (partícula

quântica, localizada). Em particular, usando

Transformadas de Fourier e o conceito de valor

esperado de mecânica quântica, pudemos obter

informações qualitativas e quantitativas de como um

envelope ondulatório gaussiano se comporta no

espaço e no tempo. No caso específico de uma

partícula livre com uma distribuição normal de

momentos, verificamos que o pacote de onda dos

momentos não sofre dispersão, porém o pacote de

onda das posições sofre, aumentando sua largura e

diminuindo sua intensidade com o tempo. Além

disso, confirmamos que partículas pouco massivas

são mais susceptíveis a esse fenômeno.

Referências:

[1]http://www.jick.net/~jess/hr/skept/GWP/ [Acessado em

Junho/2014];

[2] Cohen-Tannoudji, et al. Quantum mechanics, vol.1, pp 21-31.

[3] Ashby, Miller. Principles of modern physics, pp 178-183, 1970.