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EVOLUÇÃO E INNOVAÇÃO URBANA NOS BRASIS DURANTE O IMPERIO HISPÂNICO 1580 - 1640
HOYUELA JAYO, JOSÉ ANTONIO
1. TERYSOS do Brasil, Ltda Rua Sergipe, 472, Lj 3 - Belo Horizonte - Minas Gerais - CEP: 30130-170
RESUMO
Depois das primeiras capitanias e do governo geral, o período da União das Coroas, que vai de 1580 a 1640, aportará uma nova dimensão cultural e urbana para o Brasil. As cidades capitais e as novas fundações vão se consolidar com a chegada das ordens religiosas: beneditinos, jesuítas, franciscanos e carmelitas que vão se instalar em São Paulo, Olinda, Rio de Janeiro, Santos, Vitoria e na própria Salvador, e em outras cidades e vilas de nova fundação.
As cidades, vilas e povoações começam a trabalhar em rede, com uma legislação comum (as ordenações Filipinas), é liderando e estruturando a revolução da indústria do açúcar, do gado, e baleia, e da escravidão. A transformação agrícola vai fazer emergir os engenhos, as primeiras grandes fazendas de gado, é as primeiras armações e povoações de índios em torno das capitais, junto com as primeiras senzalas e povoações de escravos também. O tráfico escravo e indígena e suas relações com as ordens regulares, principalmente, mas também com os colonos, vão transformar a cultura da arte, da sociedade, e também das cidades e da arquitetura brasileiras. Assim surgem os primeiros quilombos, as senzalas, as igrejas dos pretos, as reduções é as missões como lugar de escape.
Com os reis da Espanha, vão chegar aos Brasis os inimigos da Coroa, ingleses, franceses e holandeses. Os holandeses tentaram conquistar primeiro Salvador e depois Recife e com eles nasce um projeto refinado e culto para as Índias Ocidentais, a Nova Amsterdam. Por esse motivo o Brasil vai ser fortificado e integrado dentro do plano geral de defesa atlântica do império hispânico consolidando as estruturas de defesa das baias (fortes, torres defensivas, trincheiras, etc.), dos ancoradouros (baterias, etc.), e das cidades (muralhas, fortalezas, portas, etc.).
Esses movimentos vão gerar uma extensão, além de Tordesilhas, dos territórios portugueses na América. Também vão gerar pegadas indeléveis nas formas urbanas e no território. Os conventos e mosteiros, os fortes, muralhas, fortificações, e as primeiras praças (comerciais, de justiça, ou pelourinhos, ou religiosas) e as construções civis (casas da moeda, casas dos governadores, câmaras, cadeias, etc.) vão permanecer no traçado urbano das cidades brasileiras até nossos dias criando um sistema patrimonial que oferece uma oportunidade e um desafio na sua gestão.
Palavras-chave: Urbanismo Colonial; Imperio Hispânico; Paisagem
1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017
1. MEMÓRIA: A UNIÃO DAS COROAS OU UNIÃO IBÉRICA OU PERÍODO
FILIPINO
Se existe um período da história portuguesa que bem mereça as vigílias do
investigador, pelas muitas lacunas que ainda não permitem sua plena compreensão,
a época do governo filipino talvez seja a que mais carece de ser iluminada pela
História (Veríssimo Serrão, 1968, págs. Prefacio, I)
Vários enfoques já aconteceram com a ampla temática, no longo período, e comprido
espaço continental que envolve a ação filipina nos Brasis. Acreditamos que a História
Colonial ainda não foi definitivamente escrita e que as cartografias e as fontes para análise
das relações de poder, das redes sociais e da circulação, no tempo dos Felipes (1580-
1640), tem que ser definitivamente focada desde uma perspectiva mais ampla donde os
arquivos espanhóis, as fontes bibliográficas, e as teses e pesquisas locais devem ser
incorporadas (HOYUELA JAYO J. A, 2015).
A falta de conhecimento do período, e a falta de visões mais transversais e menos
preconceituosas, nos faz esquecer o conteúdo “político e cultural” e o caráter hispânico
(ibérico) das atuações nos brasis. Os “nacionalismos”, mesmo entre culturas vizinhas ou
irmãs, fazem esquecer a herança comum dum período, como indica Geoffrey Parker
(Parker, 2000), donde o maior império do mundo estendeu seus limites desde a península
ibérica até Nagasaki ou a Patagônia, um império “hispânico”.
1.1 Período pré-filipino
Para conseguir entender as inovações e os impactos da cultura filipina no Brasil colonial,
deve-se retroagir a um momento anterior, o pré-filipino. Desde a conquista do Brasil, e o
Tratado de Tordesilhas, até a resolução do conflito da fronteira, com a assinatura do Tratado
de São Ildefonso, encontramos conteúdos importantes para nossas reflexões. Durante o
período filipino, senso estrito, parece interessante estabelecer diferentes etapas baseadas
nas políticas dos diferentes reis. Depois de um período de pose de Felipe II, durante o
reinado de Felipe III, ocupa-se litoral norte e o litoral sul num movimento expansivo sem
precedentes, que coincide com o desenvolvimento das missões jesuíticas. Com Felipe IV
inicia-se a crise, onde o domínio holandês vai ser protagonista das lutas e das ações de
defesa e fortificação.
O período que vai desde o descobrimento até a União Ibérica inclui o descobrimento, a
viagem de Martim Afonso, as capitanias hereditárias, as primeiras feitorias, e o governo
geral. Nesse período acontece a chegada dos jesuítas e o início da conquista para o interior
assim como a construção da nova capital, Salvador de Bahia, com o governo geral.
Navegantes como os irmãos Pinzón, Diego Velez, ou Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, de
origem castelhana, serão muito importantes para os territórios brasileiros, em suas
tentativas de concretizar a linha de Tordesilhas (Hoyuela Jayo, J. A., 2007a).
Suas navegações aparecem nos mapas de Cantino ou Juan de la Cosa já no início do
século XVI. Neste período vão se produzir mudanças, derivadas do passo dos modelos
medievais aos modelos renascentistas. Os sistemas de administração e construção do
território e a fortificação abaluartada vão substituir às muralhas medievais e ao sistema de
capitanias. Apenas podemos identificar umas 26 povoações, 20 mosteiros ou construções
religiosas de interesse, e 27 fortificações. Mesmo que maior que nos territórios castelhanos,
o tráfico negreiro não superou as 100 mil pessoas até depois de 1600.
1.2 Período de Felipe II (1580 – 1598)
“… 1578; anno calamitoso para Portugal, menos pela morte do fanático e estouvado D.
Sebastião que per la perda de tanto guerreiro ilustre, nos campos de Alcaçar – Quibir, e
pelas funestas consequências que resultarão a nação do tyrannico jugo dos
Felippes…(entregando o reino ao astuto e ambicioso tyranno da Hespanha)” (SOLANO
CONSTANCIO, 1839, pág. 167)
O início do período da União Ibérica demostra o interesse da Coroa e seu envolvimento com
o Brasil. A entrada do rei em Lisboa, terá uma importante repercussão como mecanismo de
legitimação da posse e como mecanismo de transferência tecnológica e cultural (Bouza
Álvarez, 1987). Nesse contexto será transferida a capital em Lisboa, proposta pelo Cardeal
Granvela, regente em Madrid, durante a estada do rei em Lisboa (Vilardaga, 2010). A Lisboa
“umbilicus mundi”, centro de um império donde não se ocultava o sol e que quis tampar a luz
da Sevilha, e que com a relação com a América estava crescendo em poder e visibilidade. O
reconhecimento será lento, em 1583 na totalidade do território português, só depois da
tomada do Marques de Santa Cruz, D. Alvaro de Bazan das Azores; em Goa, em setembro
de 1581; em Malaca, Novembro de 1581; Macau, março de 1582 (Bouza Álvarez, 1987).
O processo de construção das defesas do território vai aumentar consideravelmente com
nove importantes fortificações, sobre as vinte seis existentes até a data da chegada dos
Hagsburgo. Também vinte seis serão as construções intensamente reformadas ou
construídas de novo para as ordens regulares e a igreja secular. Serão fundadas as vilas de
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Joao Pessoa e São Cristóvão, assim como incorporadas Igarassú e Cachoeira (quatro
povoações).
Praticamente, o período no Brasil começa com a viagem de Diego Flores de Valdés, e com
suas intervenções nas principais capitais, Rio e Salvador de Bahia. Na mesma viagem são
fundadas as cidades de Joao Pessoa e Natal. Felipe II será em tudo o imperador impulsor
de um novo urbanismo moderno (IZQUIERDO ÁLVAREZ, 1993). Um urbanismo baseado na
força e no protagonismo da Coroa, no reforço do papel dos validos1, na religiosidade, na
teatralização do espaço público, na criação de um estile arquitetônico próprio, o estilo
Chão2, que será protagonista na formalização das arquiteturas fundamentais das cidades
dos austrias (GARCÍA BELLIDO, 1987)
A partir de 1584 começam os trabalhos para as primeiras fundações das missões guaranis e
as primeiras viagens dos jesuítas para o Sul. Neste período são assinados acordos com as
ordens franciscana, carmelita e beneditina, e sai fortalecida a ordem dos jesuítas, mesmo
que critica com o governo. As principais intervenções do período, vão acontecer nas
principais cidades, começando pelo mosteiro de São Bento de Salvador, de 1581, até os
mosteiros de São Bento em Olinda e do Carmo em João Pessoa, ambas em 1599, que
marcam um período intensivo de atividade da Igreja Secular no Brasil. Igualmente foram
feitas intervenções nas principais igrejas e instalações do período pré-filipino como são as
obras de Francisco Dias para as reformas do Colégio de 'São Miguel', de 1585, de Santos,
ou as do Colégio dos Jesuítas de Salvador, de 1587, da mesma autoria3, a reforma da Igreja
e Colégio de Vitoria, construído em 1551 e reformado em 1584, e até mesmo os trabalhos
do Colégio e Igreja de São Sebastião, dos Jesuítas, no Rio de Janeiro executadas entre
1576 e 1585.
Felipe II vai ser denominado por Elliot como o “governo do papel”. Todas as decisões, como
afirma Roseli Santaella passarão pelas mãos do monarca, omnicomprensivo com os
assuntos de estado. O início do período da União Ibérica demostra o interesse da Coroa e
seu envolvimento com o Brasil. O Atlântico vai vencer (Braudel, 1953), o monarca reverterá
o interesse pelo Mediterrâneo pelas novas terras além do Oceano. Já desde o início, uma
frota vai ser mandada para tomar conta das principais povoações e para combater os
1 Ver nesse ponto a pintura da retomada de Salvador de Bahia de Antonio Maino e o papel do Conde Duque de
Olivares na composição da vista e também o papel que o próprio Conde vai ter, a través dos impostos cobrados
em Portugal, na instigação da restauração portuguesa. 2 Baseado no manierismo e nos intercambios culturais entre Juan de Herrera e Filipo Terzi na Lisboa filipina
donde participaram Nuno Frias, Francisco Dias, Francisco Frias da Mezquita, Tiburzio Spanoqui, Baccio da
Filicaia e outros arquitetos e engenheiros fundamentais do período.
ingleses e franceses que tentavam ocupar alguns dos principais portos ou ancoradouros
naturais.
O período vai ser definido pelas guerras contra os ingleses e franceses que vão exigir
aumentos importantes dos impostos durante todo o período da sua regência. Na ‘Armada
Invencible’ de 1588 contra Inglaterra Portugal vai a participar com dinheiro, naus e soldados.
Essa será uma grande perda que não poderão perdoar a Coroa “dominadora” desde
Portugal.
1.3 O período de Felipe III (1598-1621)
Já no período de Felipe III vão ser fundadas as cidades de São Luís e Belém (1614 e 1616
respectivamente), e vai ser fundado o estado de Maranhão (1621). Começam as principais
razias paulistas no Sul, nas missões guaranis. No âmbito das ordens regulares, não será
mais do que uma etapa de consolidação donde serão construídos o Convento Franciscano
de Santo Antônio, em 1613, em Recife (Pernambuco), o convento Franciscano do Rio de
Janeiro, o Colégio dos Jesuítas de São Cristóvão, entre outros importantes prédios.
Mas as cidades capitais vão se expandir e crescer notavelmente. A produção de açúcar vai
se multiplicar e o tráfego de índios e negros vai aumentar e dotar de capital humano os
principais capitães e bandeirantes, construindo a verdadeira base da economia colonial, a
partir do escravismo. A eles vai se unir o negócio da baleia e suas armações, os engenhos
do açúcar em rede na paisagem rural de Pernambuco, Bahia, Rio, etc. (vão chegar as
fazendas, as vaquerias e as estruturas rurais dos jesuítas). No período são construídos vinte
e nove elementos de fortificação portugueses, e já as primeiras duas construções
holandesas e até três francesas. Numa calma na produção de arquitetura religiosa, serão
fundados só oito importantes mosteiros e conventos, mas são fundadas dezenove
povoações.
Desde a perspectiva jurídica e administrativa, vamos assistir a um importante
desenvolvimento das leis. Em 1603, será promulgado o Regimento das Terras Minerais do
Brasil, firmado em Valladolid, e também, no mesmo ano, as Ordenações Filipinas, para
regulação da mineração e da vida urbana. Já em 1604 vai proceder a fundação do conselho
ultramarino, similar ao castelhano, é, nesse mesmo ano, vão começar as primeiras missões
guaranis. Em 1605 serão publicadas leis contra o abatimento de árvores assinadas em 1605
3 Projeto que será retomado anos depois pelo engenheiro José Antônio Caldas, de acordo com o publicado por
Robert Smith.
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por Felipe III, que vão desde a confiscação de bens, até a morte de quem desobedecesse
estas ordens. Essas leis serão de aplicação no Brasil Colonial e vão originar, entre outras
ações, a expulsão dos franceses da região de Viçosa, no Ceará, é o início da conquista do
Norte. Em 1609 será criado o Tribunal da Relação da Bahia, primeiro tribunal jurídico na
América Portuguesa, e promulgadas duas Leis, em 1609 e 1611, em defesa dos índios, leis
que não podemos separar do projeto de transformar São Paulo em outro Perú, como diz
Rafael Ruiz González (Ruíz González, La política legislativa con relación a los indígenas en
la región sur del Brasil durante la unión de las Coronas (1580-1640), 2002).
O projeto da «repartição sul do Brasil» anotado por Rafael Ruiz, faz parte também dessa
estrategia mesmo que ultrapassava as fronteiras de Tordesilhas (Ruíz González, El modelo
jesuítario frente a las experiencias producidas por la práctica de la catequesis en el Brasil
colonia, 2004).
Aproveitando “La Tregua de los Doce Años contra Holanda (1609-1621), ou a parada das
guerras de Flandres, o governo vai desenvolver uma estratégia de conquista do território do
Norte. A Jornada Milagrosa é a fundação de São Luis e Belém (São Luís, 1614, Belém,
1616) e a fundação do Estado de Maranhão, 1621, serão suas conclusões.
Figura 1 - Reconquista da Bahia pelas tropas de Fadrique de Toledo das mãos dos
holandeses. João Teixeira Albernaz, 1625.
1.4 O período de Felipe IV (1621-1640)
O período de Felipe IV vai ver a chegada dos holandeses, primeiro a Bahia, 1625, depois a
Pernambuco e daí a todo o nordeste do Brasil, donde vão permanecer entre 1630 e 1654.
As guerras contraídas pela coroa vão gerar uma necessidade de novas taxas e tributos que
serão implantados a partir de 1630. O valido, Conde Duque de Olivares, vai questionar
desde o início do governo de Felipe IV o Conselho de Portugal (Duque de Olivares, 1621)
Também continua a extensão das ordens religiosas e a consolidação das principais cidades
como o Monastério do Carmo, 1626, em Santos - São Vicente, o mosteiro Franciscano de
Santo Antônio, 1629; o de São Francisco do Conde (Bahia), em 1630; o Convento
franciscano de Santo Antônio, 1630; o de Sirinhaém (Pernambuco), em 1634; o Convento
de Nossa Senhora do Carmo, obra original de aproximadamente 1634, em João Pessoa
(Paraíba); e finalmente o mosteiro dos Mercedários, de 1639 (na viagem de Pedro Teixeira
de volta de Quito), em Belém de Pará.
Esses novos inimigos vão exigir a defesa do território e com ela a criação de uma elite de
engenheiros e de escolas de fortificação. Importantes bandeiras vão expandir as fronteiras
para o sul e também vão começar no Norte e no interior do país. A inclusão de castelhanos
nos órgãos de governo dos territórios portugueses vai forçar a restauração portuguesa
justificada no incremento dos impostos e da pressão fiscal. Neste período vai acontecer em
cidades como São Paulo um importante debate pela escolha da Coroa. Assim Amador
Bueno em 1641 vai ser “Aclamado” como vice-rei de São Paulo.
2. ANÁLISE: ASPECTOS DE MAIOR IMPACTO NA COLÔNIA HISPÂNICA DOS
BRASIS
O conselho de Portugal continuará tomando conta dos assuntos do Brasil, mas a ação dos
reis vai se integrar nos territórios brasileiros e portugueses a través de diferentes
estratégias, e diferentes conselhos (Santaella Stella, Brasil durante el gobierno español,
1580-1640, 2000 a). Dessa forma, as decisões eram divididas: sobre defesa (Conselho de
Guerra), sobre o governo e as leis (Conselho de Estado), sobre taxas e fiscalização
(Conselho de Fazenda), sobre os assuntos da organização dos territórios portugueses
(Conselho de Portugal). Vários são os documentos mais importantes para analisar No
período, entre os quais destacamos as cartas de Anchieta e Nobrega, os relatos de François
Pyrard de Laval (PYRARD DE LAVAL, 1858), “O Tratado descriptivo do Brazil” de 1587 de
Gabriel Soares de Sousa que se conserva na Biblioteca del Escorial (Soares De Sousa,
1879 (1ª ed. 1587)) contemporânea das obras de José de Acosta (jesuíta) titulada “Historia
natural e moral das Índias” e de Francisco Lopes de Câmara e de Gonçalo Fernandez de
Oviedo, entre outros (Hoyuela Jayo J. A., 2015).
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2.1 Administração: unidade, sistematização, industrialização, liberalização
indígena, conflitos religiosos, legislação, e regulação econômica
“É a partir dos anos 80 que a estrutura colonizadora troca de sentido. Entre 1570 e
1590 a população portuguêsa aumentou no norte e aumentaram também os
engenhos do "açúcar”, de modo que, já em 1585, o seu número tinha dobrado, de 60-
120, chegando a 250 no meados do sec. XVII..” (MARCHANT, 1980, págs. 109-112)
No total, os dois estados vão se transformar durante o período da união ibérica a partir da
administração da coroa e a partir de importantes reformas que incluem a consolidação dos
principais núcleos de povoação, novas fundações, abertura de caminhos para o interior e a
criação de novas formas de vida política, social, religiosa, econômica e cultural (Veríssimo
Serrão, 1968, págs. Prefacio, I). Também, como reconhece o mesmo autor, resulta
importante destacar que o Brasil vai entrar numa dimensão atlântica, herdando não só um
papel estratégico na política Atlântica, mas, também os inimigos da coroa, ingleses,
franceses, e holandeses, contrários a seus interesses económicos, e políticos, mas,
sobretudo, a sua ideia de civilização crista, e de estado. Uma união, na realidade, que cria a
ideia de nação, com seus cargos públicos, seus heróis, e sua fidelidade a Coroa (Veríssimo
Serrão, 1968, págs. Prefacio, II).
A administração da colônia de acordo com o criterio de Roselli Santella sempre esteve nas
mãos dos reis a través de diferentes estratégias (Santaella Stella, Brasil durante el gobierno
español, 1580-1640, 2000 a). Esse império hispânico que integrava vários territórios
organizou-se num sistema polisinodial (Santaella Stella, 2000b) donde os conselhos se
dividiam por matérias (estado, guerra, fazenda, inquisição,) ou por territórios (Portugal, Itália,
Índias, Flandres, Navarra, Aragão). Serão as políticas filipinas as responsáveis pela
extensão e sistematização do território e pela estruturação das cidades em torno dos
mosteiros e das igrejas que a coroa vai implantar nos Brasis (Hoyuela Jayo J. A., Brasil, una
construcción hispánica: el papel de la Unión de las Coronas en la definición de un urbanismo
ibérico, 2005; Hoyuela Jayo J. A., Brasil, una construcción hispánica, 2007). A escravidão de
acordo com o site Slave Voyages (Emory University, 2013) passou no período de uns 32000
escravos por ano, até uma cifra próxima dos 250000 por ano, e até o fim do período filipino,
multiplicou-se por oito.
A respeito das leis promulgadas no Brasil, nosso principal interesse foca desde a
perspectiva jurídica nas ordenações Filipinas de 1603, nos repartimento de índios de 1587,
e nas leis de defesa dos índios de 1609 e 1611 (Ruíz González, La política legislativa con
relación a los indígenas en la región sur del Brasil durante la unión de las Coronas (1580-
1640), 2002), tão bem analisados pelo professor Rafael Ruiz, ou até das constituições de
Bahia (que certamente não podem ser estranhas a chegada das ordens regulares nas
cidades capitais), ou o Regimento das Terras Minerais do Brasil, firmado em Valladolid em
1603, ou até a Fundação em 1604 do conselho ultramarino, similar ao castelhano, a
construção das povoações indígenas nos grandes recantos, e no sul, já em 1604 (primeiras
missões guaranis), e finalmente a criação, em 1609, do Tribunal da Relação da Bahia
(primeiro tribunal jurídico na América Portuguesa). O regimento do Pau-Brasil, de 1605,
contem também as determinações contra o abatimento de árvores assinadas pelo monarca
da Espanha, Felipe III, que vão desde a confiscação de bens, até a morte é representam,
mesmo dentro da defesa de interesses privados, uma primeira aproximação ao direito
ambiental brasileiro.
A “primeira industrialização” do país coincide com o século do ouro branco e com o período
ibérico. Finalmente, a realidade é que se cria um sistema produtivo de açúcar, no nordeste
(Instituto do Açúcar e do Álcool, 1954), armações para a produção de derivados da baleia
em Bahia (FREIRE DE CARVALHO-SOUZA, 2011) e Rio de Janeiro (Ellis, 1969), e
também um sistema de tráfico de escravos. Uma expansão de engenhos, armações,
fazendas, vaquerias, povoações, e vilas numa escala desconhecida e expressada
perfeitamente nos mapas de Joao Teixeira Albernaz da região de Pernambuco, Bahia, Rio,
etc. nos seus dois atlas, do Brasil e do Maranhão.
Em 1587, Gabriel Soares de Almeida escrevia à Corte sugerindo a vinda de experientes
caçadores de baleias bascos para o Brasil, é Frei Vicente do Salvador (Do Salvador, História
do Brasil: 1500-1627, 1982 (1ª ed. 1627) também descreveu a cultura da baleia entre o
litoral de Bahia e aquele de Santa Catarina. Essas povoações serão convertidas em
armações e consolidaram a pose do litoral contribuindo para essa rede urbana (ELLIS,
1969, págs. 49-60).
No ano de 1570 (20 de março), o rei D. Sebastião decide regulares as “guerras justas”,
limitando a possibilidade de escravidão e o cativeiro do índio que poderia se tornar ilegal e o
injusto dependendo das circunstancias. Pela defensa dos índios, os jesuítas tentaram
aplicar diferentes leis, bulas papais, e argumentos como resposta as razias, bandeiras e
apresamentos. As primeiras bandeiras de apresamento começaram no início do século XVII.
No Rio de Janeiro, incluso depois da chegada de importantes contingentes de negros, a
mão-de-obra indígena continuou a ser a principal alternativa para os engenhos.
A chegada dos holandeses a Pernambuco, e sua ocupação de Angola, vão reduzir a
chegada de negros (o monopólio do comercio era deles), e esse colapso no abastecimento
de mão-de-obra escrava africana, vai provocar um aumento das razias em São Paulo, e do
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comercio entre a região do Sul, o litoral paulista e o Rio de Janeiro com importantes
consequências territoriais e urbanas.
Em 1639 quiseram aplicar a Bula do Papa Urbano VIII, excomungando aos que vendiam e
escravizavam índios. Em São Paulo seriam expulsos, mas no Rio assinaram um acordo
desistindo dos direitos que acreditavam ter sobre os índios para não repetir a expulsão. A
escravidão dos índios vigorou na América portuguesa até 1755, quando foi oficialmente
abolida no Estado de Grão-Pará e Maranhão pela Lei de 6 de junho estendida depois para o
estado do Brasil pelo Alvará de 8 de maio de 1758.
Todo isso vai provocar diferentes iniciativas de povoamento indígena, primeiro no entorno
das cidades capitais, e depois nas missões e reduções, em territórios mais afastados
desses núcleos coloniais. A presença dos cristãos novos, contrários as leis da Coroa, e
impulsores de um desenvolvimento “a toda costa” vão provocar a chegada dos holandeses e
as guerras do norte.
2.2 Território: dissolução das fronteiras, e amplitude das ocupações
“Este intenso proceso repoblador, de gran trascendencia en el control del territorio y
finalmente en el dominio de gran parte de la península, fue también el antecedente de la
tarea de colonización del continente americano, que Castilla realiza con una enorme
eficacia en un periodo de treinta años del siglo XVI” (BENITO MARTÍN, 2005, pág. 57)
Hoje o Brasil tem 8.95 milhões Km², com mais de 200 milhões habitantes (Europa 10.53
milhões Km² e 739 milhões hab.). Na aplicação do Tratado de Tordesilhas, em qualquer das
hipóteses, um 72.29 %, que equivale a 6.46 milhões km2 estava ao Oeste (Castela), só 1.80
milhões de km2, 20.18 %, a Este e uma faixa de 0.674 milhões km2 7.53 % entre as
diferentes interpretações do Tratado por causa das variáveis não resolúveis. (Hoyuela Jayo
J. A., La deconstrucción de las fronteras de Brasil: de Tordesillas a San Ildefonso (1498-
1777), 2007 a).
A expansão dos territórios ocupados no Brasil acontece em todas as frentes durante o
período da União Ibérica. No Sul, a disputa entre os paulistas e os jesuítas vai estender as
fronteiras no interior (territórios guaranis) e na costa, a través das cidades de Laguna e até
Porto Alegre. Assim vão se expandir as fronteiras a traves das povoações, missões e
reduções (Katinsky, 2004) numa relação simbiótica com as políticas indígenas como relata
Rafael Ruíz González (La política legislativa con relación a los indígenas en la región sur del
Brasil durante la unión de las Coronas (1580-1640), 2002)
Figura 2 - Cidades e Vilas coloniais organizadas por períodos para o Brasil e para toda
Iberoamérica e de fundo a linha de Tordesilhas e as capitanias hereditárias do mapa de Luis
Teixeira.
Fonte: Antonio Hoyuela, URBS IBEROAMERICANA, 2006, e HISPANICA URBS BRAS
São muitas e muito transcendentes, as mudanças derivadas do período filipino nas cidades,
nos territórios e nas fronteiras do Brasil. A definição da fronteira na América Ibérica continua
a oferecer um terreno comum e abre caminho a convergência da nossa história hispânica
(Hoyuela Jayo J. A., La deconstrucción de las fronteras de Brasil: de Tordesillas a San
Ildefonso (1498-1777), 2007 a). As interferências entre os Tratados de Tordesilhas e San
Ildefonso contribuem para a definição do território do Brasil. Também contribuem para o
desenvolvimento de um projeto civilizatório e de ocupação do território desenvolvendo
ferramentas urbanísticas e cartográficas originais e próprias bem analisadas por multiplex
autores (Sampaio Goes Filho, 1999; Bettendorff, 1909).
2.3 Cidades: tipologias urbanas, fundações, transformações, coroas perimetrais,
reduções e/ou missões
“Os primeiros agentes culturais aqui arribados, tenham sido engenheiros militares, ou
arquitetos inseridos no corpo das ordens religiosas, ou mestres de risco reinóis avulsos,
todos eles, com diferenciadas informações ou experiências, trouxeram em suas bagagens
as lições de seus mestres e, outros sim, esmaecidas pela distância, as recomendações dos
tratadistas do renascimento e do maneirismo enquanto guardavam em suas saudades as
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aparências das antigas capelas, igrejas e mosteiros românicos de suas velhas aldeias
rurais, de Braga, do Porto ou de Lisboa” (LEMOS, 2012)
Carlos Lemos identifica quatro “conjuras” ou situações singulares que vão marcar a
arquitetura e o urbanismo brasileiros. Essas seriam o domínio do meio ambiente, a nova
sociedade, as ordenações do reino, e a sua síntese expressada como arquitetura (Lemos,
2012). Efetivamente, o território oferece uma escala, diversidade, condições climáticas,
valores (naturais e culturais) fora dos padrões europeus, e também diferente nas diversas
paisagens (ambientais, sociais e até econômicas) dos Brasis. Daí a escolha dos diferentes
materiais. As ordenações do reino, especialmente no que respeita as intervenções da Igreja,
vão ter uma aplicação estrita e direita no Brasil, e a arquitetura dos primeiros anos como
síntese.
Podemos dividir a ação da Igreja em duas grandes tipologias: as construções “urbanas” nas
cidades capitais, seculares ou regulares, e os desenhos urbanos e arquitetônicos das
missões (litorais ou interiores) verdadeiras utopias sociais contra reformistas (Hoyuela Jayo
J. A., O Papel dos Jesuítas no Brasil Colônia desde a perspectiva territorial, urbanística e
arquitetônica: arte, cultura e espirito (inédito), 2015). Nem sempre essas duas tipologias e
suas derivações vão obedecer a modelos concretos como antecipa Ione Aparecida falando
das diferenças entre as missões jesuíticas de fronteira (CASTILHO PEREIRA, 2014).
Se faz necessário, na construção de uma história do período da União Ibérica, olhar não só
nas novas fundações, mas também, e sobre tudo, nas cidades existentes que vão se
transformar durante o período (VILARDAGA, 2010, pág. 81). O império espanhol vai tomar
conta dessas povoações desde a perspectiva sistémica, ampla e pretenciosa (como cita o
autor), e, por tanto, consequentemente, vai dedicar a mesma atenção e interesse que as
novas fundações.
O efeito na verdade vai nascer durante o Período Ibérico, mas vai se estender nos períodos
posteriores até o fim do período colonial. E vai nascer pela força da Coroa de Castela sobre
as ordens religiosas depois do Concilio de Trento e do processo de reformulação das ordens
religiosas derivadas num período de apropriação religiosa, católica, da vida temporal. Não
podemos esquecer o primer período do Concilio donde Carlos V convidou aos protestantes
dentro de uma ideia de Europa unida como descreve Andrés Laguna (Laguna, 1543 (ed.
facsimil 2001)) e na fase final, sob o poder de Felipe II, o radicalismo religioso aumenta,
expulsando aos protestantes, e fortalecendo a Igreja como instrumento do poder. E por isso
que a partir daí as ordens vão utilizar seu poder imobiliário através de mecanismos como o
aforamento (derivado da enfiteuse) que inclui o pagamento de aluguel pela cessão das
terras influindo, de forma notável nas cidades brasileiras coloniais até nossos dias.
As cidades capitais do Urbanismo Moderno Filipino vao continuar recevendo importantes
apoios da Coroa, instalaciones das ordens religiosas, defessas, e novas instalacoes
administrativas, produtivas, e espaços públicos representativos. Entre elas devemos
destacar as intervencoes em Salvador, Rio de Janeiro, e São Paulo. Também cidades e
vilas das primeiras capitanias serão reformadas como Santos, São Vicente (baixada
santista), Olinda, Itamaracá e Recife no nordeste, ou a vila de Vitoria e seu entorno4, que em
1585 vai ter uma terceira expansão das mãos de Francisco Dias, jesuíta e arquiteto que vai
trabalhar por todo o Brasil.
As primeiras fundações do período acontecerão de acordo com as ordens do Conde Duque
de Medina Sidonia ao almirante Diego Flores, na costa do Nordeste. Serão fundadas João
Pessoa, em 1585, cidade de fundação da coroa, no nome de Nossa Senhora das Neves de
Filipeia (cidade dos felipes), depois Natal, em 1599, ciudad de fundación real. São
Cristovão, fundada em 1590, foi trasladada em 1607, é declarada Patrimônio da
Humanidade em 2010. A Praça São Francisco, abrigo das estruturas políticas, judiciais e
religiosas, foi construída integrando influências tanto portuguesas quanto espanholas,
configurando um legado do período da União Ibérica, de interesse universal é reconhecida
pela UNESCO5.
No Norte, na região de Grão-Pará Maranhão, durante a “Jornada Gloriosa” foram fundadas
São Luis, em 1614, sobre o núcleo Frances anterior, é como cidade de fundação da Coroa
(“a espanhola”), e Belém de Pará, em 1616, também como cidade. Outras povoações foram
fundadas oficialmente como vilas (algumas já existiam como povoacoes) como Cametá,
Alcántara, Cabo Frio, Ubatuba, Gurupá, Cabofrío, São Sebastião, Santana de Parnaiba,
Cananeia, Iguape, Caravelas, Cairú, Caiçara, Sirinhaém, e finalmente Franciscana (de
Pedro Teixeira), 1638 (entre Perú y Ecuador, pero marca el hito de la restauración).
Principalmente nas cidades vão aparecer rápidamente os conventos e igrejas configurando
esse espaço barroco, praças principais, e largos, e ruas que, ligando esses espaços, dos
beneditinos, carmelitas e franciscanos, e também dos jesuitas, cujo papel vai resultar
fundamental (Numhauser, 2013, pág. 90), acabaram criando a morfologia urbana que
permanece até os nossos dias de hoje.
Outro elemento muito importante dentro da rede urbana brasileira serão as repartições
indígenas em São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Olinda, entorno de Santos, com diferentes
4 A vila foi fundada em 1535 villa por Fernandez Coutinho, mas teve um importante impulso nas mãos dos
jesuitas em 1551, quando será construida a Vila Nova, pelo arquiteto jesuita, Afonso Braz.
5 https://goo.gl/1cAglC
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tipologias, funções, e características fundacionais. As “aldeias d’el Rei”, ou as dos jesuítas,
em São Paulo, são construídas acompanhando as ordens dos reis já expressadas nos
territórios castelhanos da necessidade de construir povoações longe dos núcleos principais
para os índios, ou a partir da iniciativa dos padres (Monteiro, 2004). Também no Rio, as
‘aldeias de repartição’, destinadas a repartir a força de trabalho indígena vão definir uma
importante rede em torno da capital. É o caso de São Lourenço, 1576, e São Barnabé, 1583,
no séc. XVI, é Aldeia de São Pedro, 1617, de São Francisco Xavier de Itinga (Itaguaí), 1627,
Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba, 1602-1623, fundada por Martim de Sá, no sex.
XVII e Santo Antônio de Guarulhos anos depois junto com outras mais (Celestino De
Almeida, 2003).
Em torno de Santos vão surgir novas povoações como São Sebastião, São Vicente,
Cananéia, Iguape e Santos (que vai receber um grande impulso com a chegada das ordens
regulares), são vilas que constroem uma frente litorânea importante. No Paraná e Uruguai
ocidental se fundaram novos povoados ou missoes como San Ignacio del Paraná ou Guazú
(1610), Encarnación de Itapúa (1615), etc. Nos afluentes do alto Paraná se localizaram
Nuestra Señora de la Natividade del Acaray (1624) e Santa María la Maior del Iguazú
(1626). No Guayrá houve outro núcleo importante, em distintas etapas e distritos. Ao leste
do rio Uruguai, foram San Nicolás del Piratiní (1626), Nuestra Señora de la Candelária de
Caazapaminí (1627), outras serão fundadas no caminho às serranias do Tape. Na região do
Itatín, as missões sofreram traslados, concentrações e divisões sucessivas devido as
pressoes paulistas (Gutiérrez Dacosta & Maeder, Atlas territorial y urbano de las misiones
jesuíticas de guaraníes: Argentina, Paraguay y Brasil, 2010).
Outra parte importante da morfologia urbana vai se concretizar a partir do posicionamento
dos espaços produtivos e defensivos. Engenhos, armações, centros de transformação e
transporte, portos, fontes (mananciais ou estruturas de captação), colégios, escolas, igrejas
regulares, palácios dos governadores, casas de moeda, cadeias, casas dos camarás,
pelourinhos, casas da fazenda e outros prédios e construções de singular uso e interesse
(como armazéns, fortificações, alfandega,) vão ser influenciados pela cultura ibérica,
hispânica e vão determinar os pontos de maior força dentro da estrutura urbana.
Estabelecimentos próprios, conhecidos como "armações" foram criados por toda essa costa
entre o século XVII até o começo do século XIX (Ellis, 1969). As armações se localizavam
próximas aos povoados litorâneos e aos fortes, junto a um ancoradouro, em lugares
abrigados, e com uma “ponta” próxima que avançasse sobre o mar a fim de facilitar a
observação e a aproximação dos animais. Analisando o litoral brasileiro, Ellis descreve as
armações:
Da Bahia a Santa Catarina, em ilhas e no continente, à entrada de baías ou em
braços de mar, nas enseadas de águas mansas e de fácil acesso, abrigadas dos
ventos sul, alojaram-se as armações sempre vizinhas de uma ponta de terra,
autêntico posto de investigação do mar. (ELLIS, 1969, pág. 60)
As principais armações foram as praias de Itapipoca, no estado do Ceará, é São Sebastião,
no estado de São Paulo6, armação de Búzios, em Cabo Frio, armação da ilha de Gipóia, em
Angra dos Reis, é a armação baleeira de São Domingos, uma das primeiras e mais
importantes na baia de Guanabara, no Rio de Janeiro. Já anos mais tarde, aparecerão em
Santa Catarina, donde as principais de entre elas surgiram entre 1792 e 1796,
respectivamente em Imbituba, e Garopaba7, ao sul de Florianópolis.
Os engenhos vão expandirem de forma notável durante o período passando de 60 a uns
350, alguns deles até com 400 moradores, e criando a primeira etapa “industrial rural” no
território brasileiro. Nos mapas de Joao Teixeira Albernaz de 1627-1630, dos Atlas do Brasil
e do Maranhão (Teixeira Albernaz I, Livro em que se mostra a descripçaõ de toda a costa do
estado do Brasil e seus portos, barras e sondas d'elas, feito por Joaõ Teixeira Albernas,
moço da camara de Sua Magestade e seu cosmographo. Em Lixboa, anno de 1627, 1627;
Teixeira Albernaz I, Pequeno atlas do Maranhão e Grão-Pará, 1629), podemos observar a
extensão desses engenhos nos territórios de Bahia e Pernambuco. Todo o espaço era
ocupado por moinhos e engenhos e povoações de apoio que permitiam. Também resulta de
máximo interesse as vaquerias, fazendas e estancias construídas, na sua grande maioria,
pelos jesuítas.
2.4 Religião: arte, arquitetura e cultura nas igrejas, conventos, e mosteiros do período
“tan preocupado por los problemas políticos como por la organización y ordenación de las
iglesias de sus reinos, si es que por entonces, a finales del siglo XVI, se podían separar las
dos dimensiones, que eran una sola, del gobierno del Estado y de la Iglesia.” (EGIDO, 1996,
pág. 9)
A chegada das ordens religiosas, por ordem do rei de Portugal, Felipe I (II de Castela), vai
significar uma mudança radical não só na forma urbana, mas também na percepção da
colônia. O império católico nasce de Deus (Patronato Real), e ele se expressa a partir das
igrejas e suas obras de arte. Nascem com isso a arquitetura barroca, e a cidade barroca,
entendida como cenário do poder, primeiro religioso e depois real. As cidades vão se
6 https://pt.wikipedia.org/wiki/Praia_da_Baleia
7 Hoje sede do Projeto Baleia-Franca.
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estruturar agora a partir dos adros, dos pátios e dos terreiros dos mosteiros e conventos
dessas quatro ordens, e das ruas e vias que os conectam e interligam.
Nesses períodos vão ser construídos 57 templos, em 44 cenários (cidades, povoações,
vilas, etc.), dos quais, 23 conventos, 8 Colégios, 9 mosteiros, 10 igrejas, e outras capelas é
igrejas seculares. Carmelitas e Franciscanos, junto com os Jesuítas, serão as ordens mais
ativas do período, com 15, 13 e 15 construções, respectivamente, seguidas dos beneditinos,
com 4, e a igreja secular, com 8 construções.
Em 1556 depois da abdicação de Carlos I em favor de Felipe II, da Paz de Augsburgo de
1555 e da paz de Cateau-Cambrésis de 1559, o novo rei vai transformar o espirito
“europeísta” do Concilio de Trento num radicalismo católico. Essa nova perspectiva
finalizará com as últimas reformas do Concilio de Trento efetivadas entre 1562 e 1564.
Incluem a reorganização das ordens regulares (sometidas a regras), a imposição do poder
real por cima do poder da Igreja, a censura dos livros (Decreto de 1558 de Felipe II), e a
proibição aos espanhóis de estudar em universidades europeias. Os turcos, os holandeses,
e a igreja protestante nascente da Inglaterra viram inimigos impenitentes do Estado (e vai ter
seus ecos no Brasil).
Premostratenses, franciscanos (terceira ordem regular e franciscanos descalços),
carmelitas, e outras (como os franciscanos recoletos, cartuxos, os dominicanos, os
trinitários, os mercedários) deveriam se adaptar as pretensões de Coroa, construindo com
isso o maior poder colonizador na península, na América e nas colônias além dos mares,
jamais conhecidos. A reforma se transformou numa questão de Estado donde a Igreja se
converteu num instrumento do projeto de colonização e essa decisão teve transcendência
nas formas urbanas e na organização da colônia.
2.5 Defesa: as fortificações como base da engenharia, da arquitetura, e da arte do
período
“O período de união das coroas ibéricas foi responsável não apenas pela influência da
legislação urbana espanhola sobre o Brasil, mas também pela intensificação no processo
de ocupação territorial e oportunizacão a esses engenheiros-militares de colocar em prática
em terras americanas a teoria estudada na Europa, como foi o caso de Francisco de Frias
da Mesquita no Maranhão.” (PASETTI DORNELLES, 2011, pág. 156)
Entre as povoações fundadas antes da União Ibérica, serão fundadas seis cidades, 24
novas vilas, e povoações minores (mais de 50 povoações no total). Para a defesa desses
territórios, em 43 delas serão construídas noventa e dois fortificações de diversas tipologias
e tamanhos por parte dos castelhanos – portugueses (66), holandeses (15), é em menor
medida, franceses e ingleses (principalmente no Amazonas). Essas obras serão promovidas
e executadas por um corpo de engenheiros da coroa, e outro de jesuítas, entre os quais
destacam muitos dos protagonistas da criação da Escola de Matemáticas de Madrid
(Lavanha, Terzi, Frias da Mesquita), depois da capital Lisboa, e da organização da Coroa
(Antonelli, Spanoqui, Bacio da Filicaia,) ou personagens como Francisco Dias, ou Gaspar
Samperes.
A defesa, durante o período da União Ibérica, coordenada desde Madrid. Em primeiro lugar
foi o Duque de Medina Sidonia na viagem de Diego Flores Valdés e depois o Conde Duque
de Medina Sidonia durante as invasões holandesas. Vão se estender as necessidades de
defesa como parte de um plano de defesa Atlântica contra os inimigos da Coroa. Com isso,
as feitorias, preparadas para a defesa contra os índios, deixam lugar para as primeiras
fortificações abaluartadas, defesas contra os sistemas balísticos e os inimigos europeus
(franceses, ingleses e holandeses). Anos depois vão começar as defesas de fronteira, sejam
nas “portas” das principais bacias, seja no interior do continente, nos principais acesos
fluviais, tentando definir os limites de Tordesilhas entre Portugal e Castela.
A memória, a geografia e os agentes de defesa são os três fatores analisados como
fundamento para explicar o sistema de fortificações no Brasil. Suas interações vão criar
tipos e soluções construtivas e estruturais que vão depender fundamentalmente das
tecnologias envolvidas e das capacidades econômicas e de decisão em cada momento. O
Brasil tem mais de 15 mil quilômetros de fronteira terrestre e mais de 9 mil quilômetros de
fronteira marítima. A defesa dessas fronteiras não era fácil e as diferentes estratégias, a
dificuldade de acesso, a falta de recursos humanos e econômicos, e a dificuldade de
manutenção dos serviços e obras básicas sempre foram um grave problema para a
conservação das fortificações e para a proteção desses limites territoriais. As construções
defensivas serviam
“como instrumentos de conhecimento, de apropriação e de controle do território, ao mesmo
tempo em que funcionavam como veículo da presença régia, materializada, na colônia, em
fortalezas mandadas erigir pela Coroa” (VILARDAGA apud MARQUES, 2002, p.21).
A sistematização e reforço do sistema de defesa, quem sabe se a través do Plano Geral de
Fortificação Atlântica donde participou Antonelli (ANGULO IÑIGUEZ, 1942), coincide com o
início das grandes escolas de engenharia da monarquia hispânica, aproveitando sem dúvida
a experiência e o conhecimento português conhecido em Lisboa pelo próprio rei Felipe II
(Felipe II, 1586), citado em (LLAGUNO & AL., 1829). Na verdade, a fortificação, como disse
1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017
Ramon Gutierrez (GUTIÉRREZ DACOSTA, Fortificaciones en Iberoamérica, 2005), não
deve ser vista isoladamente.
A fortificação vem da mão das ciências, da artilharia e da balística, da engenharia de
fortificação, das matemáticas, da geometria e da astronomia e essas ciências estão nas
mãos dos Jesuítas. Também vai ajudar a criar as primeiras escolas superiores, e vai
contribuir ao desenvolvimento de uma nova cartografia marítima e global (atlas), mas
também regional e urbana, da mão da sistematização da defesa imperial, e da interconexão,
a través de planos ambiciosos, dos principais portos.
A luta pela liberdade dos índios, no Plata e no Amazonas, através das leis promulgadas pelo
rei da Espanha (Reino de Portugal, 1629) vai coincidir com as primeiras bandeiras. O papel
dos cristãos novos que vão colaborar com os holandeses, apoiando-os, será também
fundamental. E os que defendem a escravidão contra os próprios jesuítas aos que
expulsam, de São Paulo em 1640, vão apoiar a coroa portuguesa na Restauração contra o
critério da monarquia hispânica (Hoyuela Jayo J. A., HISPANICA URBS BRASILIARUM: El
papel de la Unión Ibérica en la construcción histórica del territorio en los Brasiles (inédita),
2015 c).
Já no período da União Ibérica vão a chegar, desde o início, diretrizes para a fortificação
sistemática e para a fundação de cidades nos “intervalos” dos grandes roteiros litorâneos.
Primeiro serão as diretrizes para a fortificação da costa do Duque de Medina Sidonia para a
armada de Diego Flores Valdés. Depois as diretrizes para a fortificação das grandes baías
ou portos, Rio de Janeiro, Salvador, e Olinda, antes dos diferentes ataques, e, sobretudo,
depois das primeiras tentativas ou ocupações dessas praças.
Figura 3 - Análise comparativa entre as fortificações do período colonial e imperial e o
período filipino
Fonte: elaboração própria a partir de dados de fortalezas.org e trabalho SIG.
Um último período será construído naquele momento que as coroas vão se separar. A
batalha dos Guararapes, contra os inimigos da Coroa, os holandeses, vai criar um sentido
de unidade muito forte no Brasil. Ai que vai nascer a identidade do povo brasileiro, como
uma união de portugueses, índios e negros, contra os inimigos comuns, como Holanda ou
Castela. Só alguns anos depois, em 1680, começará a fortificação da fronteira ibérica, além
de Tordesilhas, com a construção da colônia de Sacramento, e no período pombalino, o
fechamento das fronteiras do Sul (Santa Catarina e Rio Grande).
3. CONCLUSÕES: A REDE URBANA DENTRO DOS CONCEITOS DA UNESCO
A entrada do Brasil no império hispânico significa uma nova dimensão sistémica, regulada,
Universal e Católica, nos territórios dos Brasis. Essa nova visão exige colocar as
ferramentas e teorias mais contemporâneas de UNESCO (UNESCO, 2016; UNESCO, 2011)
na agenda da gestão dos bens patrimônio da humanidade e repensar algumas das
experiências prévias.
Três são os conceitos da UNESCO na nova perspectiva da declaração dos bens como
patrimônio cultural: “paisagem como paradigma” (paisagem urbana histórico no caso que
nos ocupa), “sistemas territoriais patrimoniais” (o conceito de bem seriado), e “gestão
compartilhada e participativa” que serão a base e o fundamento das declarações (UNESCO,
2011).
O Patrimônio Cultural, adequadamente gerido, é uma ferramenta fundamental para melhorar
as áreas urbanas e fomentar o desenvolvimento económico (Hoyuela Jayo J. A., Paisagem
como lugar versus Planejamento Sustentável, 2014 c). Mas não de forma isolada, mas sim,
em rede. A visão paisagística, sistêmica e seriada do patrimônio cultural contribui a inserir
as paisagens urbanas dentro dessas redes (Hoyuela Jayo J. A., Sistemas Territoriales
Patrimoniales (STP): Paisajes Sustentables. Casos: Fortalezas del Miño, Camiños a
San&ago, Urbs Iberoamericana, 2014 a). Um planejamento adequado, baseado na
regeneração urbana, e nem tanto na expansão (como até agora), focado na melhora da
qualidade de vida, e no reforço do passado e da identidade, deveriam contribuir ao
desenvolvimento e a uma maior coesão mundial (UNESCO, 2011; Hoyuela Jayo J. A.,
Planes Directores para STP: entre los planes de gestón de la UNESCO y los planes de
acción del IPHAN. Casos: Ouro Preto, Parque Municipal Américo Rennê Giannet, de las
Fortificaciones del Miño, 2014 b).
1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017
Hoje, o desafio é aquele de integrar as diferentes dimensões da paisagem, não só a cultural,
mas também a social, económica e ambiental, que permita passar dos monumentos ao
conceito mais amplo de paisagem urbana histórica. Para isso precisamos de novos
instrumentos, uma maior participação, e uma visão mais ampla, holística, paisagística no
sentido da paisagem da ABAP, da IFLA, ou da Convenção Europeia (Hoyuela Jayo J. A., A
paisagem como instrumento para um planejamento sustentável: uma visão dialética entre
Europa e o Brasil, 2016).
Por tanto, se faz mais necessário do que nunca, integrar e articular as diferentes estratégias,
a escala local e global, desde o lugar, desde a preservação e desde a integração social, dos
processos participativos e desde o contexto geográfico e natural. Tomando como referência
o conceito da paisagem, e como foco o contexto urbano geral, queremos pensar a rede de
cidades desde as interações entre o lugar e a cultura, o espaço topográfico (na sua
materialização mais próxima da natureza) e os valores sociais, culturais e económicos que o
sustentam (Hoyuela Jayo J. A., O papel da paisagem no desenvolvimento sustentável,
2013). A partir daí podemos propor políticas de gestão e ordenamento que envolvam as
diferentes escalas e agentes locais, nacionais, regionais, e mesmo internacionais que
representam essas interações culturais, tecnológicas, artísticas, históricas, funcionais, e até
espirituais (Hoyuela Jayo J. A., Paisagem como lugar versus Planejamento Sustentável,
2014 c).
Hoje devemos procurar novos paradigmas. UNESCO exige a análise comparativa como
meio para identificar os valores do bem. Com ela verifica-se se há escopo na Lista do
Patrimônio Mundial para a inclusão do bem e sobre tudo demonstrar que não há bens
comparáveis na mesma área geocultural (bens culturais) ou globalmente (bens naturais)
com valores semelhantes que possam vir a ser indicados no futuro. A área geocultural varia
de acordo com os valores expressos pelo bem, e pode ser definida regional ou
mundialmente. Considerando o ponto de partida de algumas das declarações brasileiras
vigentes (como São Cristovão), ou em andamento (fortificações), podemos afirmar que esse
equilíbrio, essa análise, não se desenvolveu adequadamente, abrindo hoje novas
possibilidades a pesquisa e ao desenvolvimento de novas candidaturas.
Com a paisagem acontece algo parecido quando tentamos avaliar as propostas similares,
como paisagem cultural, para paisagens bem diferentes como Pampulha, projeto político e
de arte total, que integra arquitetura com paisagem, pintura, escultura,... num projeto utópico
de base política; Rio de Janeiro, que expressa as dificuldades e acertos de adaptação da
sociedade a um território complexo e muito original e rico, o entorno da baia de Guanabara;
ou Paraty, paisagem de grande interesse entre as interfaces, ou interações, homem
natureza ou ecossistemas.
A origem das cidades coloniais brasileiras é ibérica. De fato, a cidade barroca nasce no
Brasil com a chegada, durante o período filipino, das ordens religiosas e seus espaços
públicos (adros, terreiros, praças,) e seus eventos ligados. A defesa, coordenada desde
Madrid (Duque de Medina Sidonia e viagem de Diego Flores Valdés como início), vai
estender as necessidades de defesa como parte de um plano de defesa Atlântica contra os
inimigos da Coroa. Com isso, as feitorias, preparadas para a defesa contra os índios,
deixam lugar para as primeiras fortificações abaluartadas, defesas contra os sistemas
balísticos e os inimigos europeus (franceses, ingleses e holandeses). Anos depois vão
começar as defesas de fronteira, sejam nas “portas” das principais bacias, seja no interior do
continente, nos principais acesos fluviais, tentando definir os limites de Tordesilhas entre
Portugal e Castela, as missões e as povoações indígenas.
As principais cidades e povoações na fronteira ibérica em América, reconhecidas no nosso
texto, poderiam ser declaradas em base a seus valores derivados de um original tipo de
urbanismo, o urbanismo hispânico, que envolve, dentro de sim, um sistema de fortificações,
e um sistema de mosteiros, e sítios históricos de base comum e que identificam valores
universais que devem ser pensados como um “sistema patrimonial” e considerados dentro
de uma candidatura seriada, pensada desde a paisagem e que integre todos os níveis de
responsabilidade desde o governo federal até as autoridades locais.
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