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115 EXAME NEUROPSICOLÓGICO E ANÁLISE DE FUNÇÕES CORTICAIS SUPERIORES NEUROPSYCHOLOGICAL ASSESSMENT AND ANALYSIS OF HIGHER CORTICAL FUNCTIONS Maria de Lourdes Merighi Tabaquim 1 TABAQUIM, Maria de Lourdes Merighi. Exame neuropsicológico e análise de funções corticais superiores. Mimesis, Bauru, v. 32, n. 2, p. 115-140, 2010. RESUMO Este estudo teve por objetivo validar o exame neuropsicológico para escolares do ensino fundamental, delinear os desempenhos em valo- res de medida psicométrica e analisar a relação dos resultados com funções corticais superiores. Participaram 600 sujeitos, ambos os sexos, 7 a 12 anos, 1ª a 4ª séries do ensino fundamental, em dois grupos: GI-C, com 441 sujeitos sem alterações no desenvolvimento e GII-A, com 159 sujeitos sem prejuízos, ambos com queixas na aprendizagem. Os instrumentos de triagem foram as Matrizes Pro- gressivas Coloridas e o Teste de Desempenho Escolar e a validação foi do Exame Neuropsicológico. Procedeu-se ao estudo estatístico, necessário à validação do instrumento de pesquisa e comparativo dos grupos, considerando as séries e as tarefas. O nível mental foi na média, acima e média inferior. Os desempenhos apontaram compa- 1. Neuropsicóloga. Pós Doutorado em Ciências Médicas. Docente do Depto de Fonoaudiologia FOB/USP e da Pós Graduação em Ciências da Reabilitação do HRAC/USP. Recebido em:12/10/2010 Aprovado em: 17/01/2011

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EXAME NEUROPSICOLÓGICO E ANÁLISE DE FUNÇÕES CORTICAIS SUPERIORES

NEUROPSYCHOLOGICAL ASSESSMENT AND ANALYSIS OF HIGHER CORTICAL FUNCTIONS

Maria de Lourdes Merighi Tabaquim1

TABAQUIM, Maria de Lourdes Merighi. Exame neuropsicológico e análise de funções corticais superiores. Mimesis, Bauru, v. 32, n. 2, p. 115-140, 2010.

RESUMO

Este estudo teve por objetivo validar o exame neuropsicológico para escolares do ensino fundamental, delinear os desempenhos em valo-res de medida psicométrica e analisar a relação dos resultados com funções corticais superiores. Participaram 600 sujeitos, ambos os sexos, 7 a 12 anos, 1ª a 4ª séries do ensino fundamental, em dois grupos: GI-C, com 441 sujeitos sem alterações no desenvolvimento e GII-A, com 159 sujeitos sem prejuízos, ambos com queixas na aprendizagem. Os instrumentos de triagem foram as Matrizes Pro-gressivas Coloridas e o Teste de Desempenho Escolar e a validação foi do Exame Neuropsicológico. Procedeu-se ao estudo estatístico, necessário à validação do instrumento de pesquisa e comparativo dos grupos, considerando as séries e as tarefas. O nível mental foi na média, acima e média inferior. Os desempenhos apontaram compa-

1. Neuropsicóloga. Pós Doutorado em Ciências

Médicas. Docente do Depto de Fonoaudiologia FOB/USP e da Pós Graduação em Ciências da

Reabilitação do HRAC/USP.

Recebido em:12/10/2010Aprovado em: 17/01/2011

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tibilidade com a série escolar referente à escrita em 85% dos sujei-tos, aritmética em 83,9% e leitura em 92,5%. Na área motora, 90% das variáveis mediram o proposto; das 54 provas referentes à organi-zação acústico motriz das estruturas rítmicas, sensações superiores e funções sinestésicas, 78% foram significantes ao objetivo da tarefa; das 36 de linguagem, 80% foram significantes, atribuindo alto grau de validação às pontuações. Entre os gêneros, não houve diferença significante, mas atestou a validação do instrumento em diferenciar as séries. Das 207 variáveis testadas, 180 demonstraram diferenças estatisticamente significantes entre as séries, equivalente à 86,96%. Portanto, pode-se afirmar ser viável a aplicação do instrumento pro-posto, posto que os resultados apresentam-se fidedignos e esperados, quanto à lógica da metodologia de uso.

Palavras-chave: Neuropsicologia, crianças, aprendizagem

ABSTRACT

This study aimed to validate neuropsychological testing for primary schools, outline the performance values of psychometric measure and analyze the relationship of the results to higher cortical func-tions. 600 subjects participated, both sexes, 7-12 years old, 1st to 4th-graders into two groups: GI-C with 441 subjects without changes in development and GII-A, with 159 subjects without losses, both with complaints in learning. Screening instruments were the Colored Progressive Matrices Test and School Performance and validation was Neuropsychological Exam. We made the statistical analysis ne-cessary to validate the survey instrument and comparison groups, considering the series and tasks. The mental level was on average, above average and below. The performances showed compatibility with respect to grade written in 85% of subjects, arithmetic in 83.9 % and 92.5 % in reading. In the motor area, 90% of the proposed variables measured, the 54 evidence regarding driving acoustic orga-nization of rhythmic structures, superior kinesthetic sensations and functions, 78 % were significant to the purpose of the task; language of 36,8% were significant, attributing high degree of validation to ratings. Between genders, there was no significant difference, but attested the validation of the instrument to differentiate the series. Of 207 variables tested, 180 showed statistically significant differences

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between sets, equivalent to 86,9%. Therefore, it can be said to be feasible the implementation of the proposed instrument, since the results are shown reliable and expected, as the logic of the metho-dology used.

Key-words: Neuropsychology, children, learning

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, muitos estudos em Neuropsicologia, ba-searam-se em descrição de casos como os primeiros descritos por Paul Broca, Carl Wernick, Brenda Milner, Warrington e Shalice, que procuraram entender a complexa relação entre cérebro e comporta-mento (LEZAK, HOWIESON & LORING, 2004; GAZZANIGA, IVRY & MANGUN, 2006). Posteriormente, a ênfase na avaliação foi dada aos testes propriamente ditos, criando-se grande escopo de baterias neuropsicológicas cujo objetivo era avaliar a severidade do déficit do paciente com lesão cerebral, como a Bateria Halstead-Rei-tan (STRAUS, SHERMAN & SPREEN, 2006).

Com o desenvolvimento das técnicas de neuroimagem per-mitiu-se informações mais precisas acerca da localização e tipo de lesão. No entanto, diversos distúrbios não eram diagnosticados em-pregando tais técnicas e os testes neuropsicológicos mantinham o padrão de utilidade no estabelecimento do diagnóstico. Inicialmente, a avaliação neuropsicológica pretendia chegar à identificação e lo-calização de lesões cerebrais focais. Atualmente baseia-se na locali-zação dinâmica de funções, objetivando a investigação das funções mentais superiores, tais como a linguagem, memória ou a atenção.

Luria (1966; 1981; 1988), neuropsicólogo soviético, elaborou a teoria do Sistema Funcional, formada por três unidades: Unidadede Atenção (sistema reticular); Unidade Sensorial (áreas primárias, secundárias e terciárias); e, Unidade de Planejamento (áreas pri-márias, secundárias e terciárias). Entende a participação do cérebro como um todo, em que as áreas são interdependentes e articuladas, funcionando comparativamente a uma orquestra que depende da in-tegração de seus componentes para realizar um concerto.

A complexidade do sistema nervoso está voltada para o propó-sito de melhorar a eficiência das ações. O homem não é uma máqui-na passiva de processamento, mas sim, organismo constituído para

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a interação com o mundo. O córtex cerebral pode regular a ativida-de dos neurônios espinhais de maneira direta e indireta. As cone-xões diretas são pelo trato corticospinal ou piramidal, composto por neurônios que se originam no córtex e terminam diretamente sobre os interneurônios espinais. As fibras corticospinais originam-se de muitas partes do córtex cerebral. A mais conhecida delas é o córtex motor primário ou área 4 de Brodmann. Também são encontradas em partes do córtex somatossensorial e da área 6, que está dividi-da funcionalmente em uma porção lateral, do córtex pré-motor e de uma região medial, a área motora suplementar. Devido ao córtex so-matossensorial possuir muitas projeções diretas à medula espinhal, os processos devem ocorrer de forma integrada para produzir ações coerentes (POTTER, GREALY & O’CONNOR, 2009). Cada estru-tura motora possui uma representação organizada, somatotópica, do corpo. No homúnculo, a representação dos efetores não correspon-de ao seu tamanho real. As áreas corticais refletem a importância dos efetores para o movimento e o nível de controle necessário para manipular o efetor. Por essa razão, os dedos da mão ocupam uma grande área do córtex motor humano, em função do significado da destreza manual. Essa somatotopia pode ser compreendida, de forma não invasiva, com o emprego de instrumentos que possibilitem a análise da função cortical.

A realização de tarefas motoras promove a ativação metabólica, com o aumento do fluxo sangüíneo em regiões do córtex motor pri-mário e do córtex sensorial somático no hemisfério contralateral, du-rante uma simples flexão e extensão do dedo indicador da mão direi-ta. A realização de uma série de movimentos complexos de dedos há um aumento do fluxo sangüíneo bilateral na área motora suplementar e nas regiões pré-frontais. Mesmo quando ensaiadas mentalmente, a área motora suplementar também se mostra ativa bilateralmente, e nenhum aumento mostra-se presente no córtex motor primário.

Além dos aspectos relacionados à coordenação e praxia mo-tora, o ritmo está relacionado fundamentalmente com a integração perceptiva dos estímulos, sonoro e motor. A dimensão perceptual do som corresponde à dimensão física da freqüência, onde a cóclea detecta espacialmente aquelas que variam entre moderada a alta, e, temporalmente aquelas codificadas de baixa frequência. Os axô-nios do nervo coclear informam o cérebro sobre o volume de um estímulo, por meio de alterações na sua freqüência de potenciais de ação. Como ocorre com a linguagem, o lobo frontal tem seu papel

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na análise auditiva quando se usa ritmo e memória a curto prazo numa mesma tarefa. Dessa forma, o cérebro está preparado, tanto para a música como para a linguagem, e se ocupa de tipos de sinais auditivos de forma seletiva (KAJIHARA, 1993; GAZZANIGA et al, 2006; TYC & BOYADJIAN, 2010).

Durante a maior parte da sua existência, o homem não se dá conta do que acontece a cada minuto em seu corpo, a não ser os eventos mais significativos. No entanto, o sistema nervoso recebe e processa continuamente todas as informações sobre a posição, o movimento das partes que compõem o corpo como um todo. As in-formações são selecionadas, filtradas e encaminhadas a diferentes regiões neurais. A parte inconsciente, em níveis subcorticais, servirá para coordenar os movimentos, de modo a manter a postura e o equi-líbrio corporal, e ajustar o funcionamento dos órgãos internos. As informações conscientes alcançam o córtex e servirão para orientar o comportamento e o raciocínio, podendo ser armazenadas na me-mória, para utilização posterior.

As experiências sensoriais não são reproduções genuínas do mundo; elas existem apenas na mente de quem as percebe. A mente cria não apenas o mundo visual, mas também o mundo dos outros sentidos. Se o mundo sensorial é uma criação do cérebro, cérebros diferentes podem criar experiências sensoriais diferentes, mesmo entre membros de uma mesma espécie. Além disso, as informações sensoriais quando entram no cérebro, são dissecadas e passam para regiões especializadas que analisam separadamente características particulares e a impressão sensorial experimentada é de um mundo sensorial unificado. No sistema visual as células ganglionares da re-tina (no olho) formam os nervos ópticos, que formam a rota para o cérebro. Pouco antes da entrada, os nervos se cruzam parcialmente, formando o quiasma óptico, fazendo com que cada metade da retina seja representada em cada lado do cérebro. Duas vias distintas for-madas levam a vários sítios, cada um com uma função diferente. A via geniculostriado vai até o núcleo geniculado lateral do tálamo e depois para o córtex visual primário no lobo occipital. A via tecto-pulvinar, vai do olho, passando pelo teto mesencefálico, até a região pulvinar medial (conexões para o lobo parietal) e lateral (conexões para o lobo temporal). A análise da cor também começa na retina, quando a luz atinge os receptores dos cones conectados a células ganglionares. O ramo dorsal, que participa da ação visual, começa em áreas occipitais (V1, V3, V5) e flui para as áreas visuais parietais

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posteriores. Seu papel é guiar movimentos como posturas de mão para segurar um objeto. O ramo ventral que participa do reconheci-mento do objeto começa também em áreas occipitais (V2, V3, V4) e flui para áreas visuais temporais. Sua função é identificar objetos do mundo visual. As informações trafegam em ambos os sentidos entre os ramos, dorsal e ventral (GAZZANIGA et al, 2006; MAYOR-DU-BOIS, MAEDER, ZESIGER & ROULET-PEREZ, 2009).

A linguagem humana, outra função cortical, é única na nature-za em sua capacidade de simbolizar pensamentos, simples ou com-plexos, concretos ou abstratos. Os homens se comunicam de muitas maneiras utilizando praticamente todos os sistemas sensoriais para perceber e interpretar os sinais que o sistema motor (de outra pessoa) produz (GERBER, 1996). Dá-se o nome de linguagem aos sistemas de comunicação com regras definidas que devem ser empregadas por um emissor para que a mensagem possa ser compreendida pelo receptor. As modalidades de linguagem (oral, gestual, escrita...) envolvem sistemas pareados de expressão e compreensão. Assim, quando a expressão é oral (modalidade fala) a compreensão se dá pelo sistema auditivo; quando a expressão é gestual, a compreensão é realizada pelo sistema visual; quando a expressão é escrita, o sis-tema visual possibilita a leitura; quando a escrita é Braile, o sistema somestésico assume a tarefa (GAZZANIGA et al, 2006; TODD & ROBINSON, 2010).

As unidades mais simples da linguagem falada são os fonemas, sons distintos cuja associação com outros cria sílabas e palavras. As palavras são associadas em frases de acordo com regras gramaticais específicas, cujo conjunto é conhecido como sintaxe. A ordenação das palavras nas frases é uma das regras sintáticas que são empregadas para veicular o conteúdo das idéias. Para compreender os diferentes significados e expressá-los (falando, e não ouvindo), emprega-se a semântica, um tipo de elaboração mental que confere o significado aos símbolos lingüísticos. São as nuances de tons de voz, acompa-nhadas de gestos e expressões faciais que dão o colorido emocional da fala. A essa característica da linguagem dá-se o nome de prosódia.

A pessoa fala para expressar o pensamento. Logo, a primei-ra tarefa lingüística do cérebro confunde-se com os mecanismos do pensamento. Se o objetivo é simples, como nomear um animal que se está vendo, a busca de significado sobrepõe-se à própria percepção do objeto. Mas se o objetivo é mais complexo, como a descrição de um acidente trágico presenciado recentemente, primeiro consulta-se

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a memória para organizar os fator e sentimento na mente. Em am-bos os casos, os mecanismos cerebrais necessários à fala atravessam uma fase conceitual de planejamento, seguida da formulação. É ne-cessário buscar as palavras e fonemas adequados para pronunciá-los. Nessa seqüência, o processo sempre passa por uma busca mental dos diversos elementos da fala.

O léxico mental está organizado no cérebro segundo redes semânticas, de acordo com categorias de significados semelhantes. A construção da frase começa com a fase de conceitualização, que ocorre quando se planeja o conteúdo da mensagem, seguida da busca da forma da mensagem, a formulação, que corresponde a busca de fonemas, palavras e regras sintáticas.As regiões cerebrais envolvidas compreendem o frontal lateral inferior, a área de Broca, situada no hemisfério esquerdo da maioria das pessoas. Para emitir uma fala que contém os elementos afetivos da prosódia, as áreas lingüísticas do hemisfério esquerdo precisam buscá-los nas áreas correspondentes do hemisfério direito, e isso se dá através das comissuras cerebrais.

Para o processamento da linguagem, a memória tem um pa-pel fundamental, pois permite armazenar informações que possam ser recuperadas e utilizadas posteriormente. Difere da aprendiza-gem, pois esta é o processo de aquisição das informações que levam ao conhecimento. O primeiro processo de memória é a aquisição, seguida da retenção durante tempos variáveis. A retenção por tempos curtos pode ser transformada em retenção de longa duração pelo pro-cesso da consolidação da memória. Em ambos os casos pode haver evocação ou esquecimento das informações memorizadas.

Levando em conta o tempo de retenção, pode-se considerar a memória ultra-rápida, a de curta duração e a de longa duração. Quanto à natureza, a memória pode ser implícita, explícita e opera-cional. No processo, a primeira é a memória de hábitos, procedimen-tos e regras, a memória de representação perceptual, a aprendizagem associativa e não-associativa, todas elas, formas de memória que não podem ser descritas facilmente com palavras. A memória explícita, ao contrário, pode ser descrita com palavras, e consiste em um sub-tipo chamado episódico (memória que ocorre ao longo do tempo) e outro semântico (memória de conceitos atemporais). A memória de representação perceptual é a identificação com base na forma e na estrutura do objeto, sem que seja necessário saber seu nome ou sua função. É um tipo de memória implícita utilizada para o reconhe-cimento de uma caricatura. A memória operacional é a que serve

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para utilização rápida no raciocínio e no planejamento do comporta-mento. Tendo em vista esta função, a memória operacional lida com dados provenientes da memória ultra-rápida, mas não unicamente dela; utiliza também informações armazenadas na memória de longa duração (SQUIRE & KANDEL, 2003).

Nos mecanismos neurais da memória, as informações tran-sitórias e duradouras são armazenadas em diversas áreas corticais, de acordo com a sua função: memórias motoras no córtex motor, memórias visuais no córtex visual, etc. Essas regiões podem ser mo-bilizadas como memória operacional pelas áreas pré-frontais, em ligação com áreas do córtex parietal e occipito-temporal. Além dis-so, as memórias explícitas podem ser consolidadas pelo hipocampo e áreas corticais adjacentes do lobo temporal medial, em conexão com núcleos do tálamo e do hipotálamo. Finalmente, o processo de consolidação é fortemente influenciado por sistemas moduladores, especialmente aqueles envolvidos com o processamento emocional, como o complexo amigdalóide do lobo temporal (GAZZANIGA et al, 2006). Vários mecanismos celulares e moleculares foram propos-tos como base biológica da memória. São os mecanismos da plas-ticidade sináptica e outros fenômenos de modificação dinâmica da função e forma do sistema nervoso, em resposta às alterações do ambiente. Desta forma, a avaliação neuropsicológica abre um vasto campo exploratório, uma vez que não há atividade psicológica inde-pendente de atividade neural. Os fatores biológico, social e psicoló-gico são inerentes na compreensão do ser humano, não sendo, assim de interesse exclusivo de uma área particular.

Na prática clínica, no campo da neuropsicologia, a popula-ção atendida é ampla. A avaliação neuropsicológica pode auxiliar no diagnóstico e tratamento de diversas neuropatias, problemas de desenvolvimento infantil e aprendizagem, entre outras. Isto indica a importância de se possuir um material fidedigno e sensível para ava-liação das funções mentais superiores. Na área da avaliação, vários são os testes não validados e inadequados à cultura brasileira, que favorece o uso equivocado e limitado de instrumentos estrangeiros (PEREIRA & CARDOSO, 1992; MELO, CORCORAN, SHRYA-NE & BENTALL, 2009)

A validação deste exame neuropsicológico para estudantes bra-sileiros do ensino fundamental teve a proposta de fornecer um ma-terial eficiente de avaliação dos sistemas funcionais do cérebro. No processo de elaboração do instrumento considerou-se que, se as pro-

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vas forem compreendidas pelos indivíduos, que compuseram o grupo controle, sem algum tipo de comprometimento neurológico, as mes-mas poderão ser validadas, uma vez que problemas identificados no desempenho do examinando durante a aplicação do exame, deverá ser associado ao sujeito e não ao instrumento de avaliação em questão.

Este estudo teve como objetivo validar o exame neuropsicoló-gico para a população infantil brasileira. Inicialmente elaborado por Tabaquim e Ciasca (2002) e revisto por Tabaquim (2008), o Exame Neuropsicológico teve como referencial teórico os estudos de Luria (1966; 1968; 1981) e Christensen (1978), o qual empregou grande parte de seu trabalho na investigação de pacientes com lesões cere-brais focais, principalmente aquelas relacionadas às funções corti-cais superiores.

METODOLOGIA

Participaram 600 sujeitos, ambos os sexos, com idades entre 7 a 12 anos, da 1ª a 4ª séries do ensino fundamental de escolas da rede pública estadual. A pesquisa teve seus sujeitos compondo dois grupos: um grupo controle (GI-C), formado por 441 sujeitos sem histórico de comprometimento neurológico, e, um grupo experi-mental (GII-A) constituído por 159 sujeitos com diagnóstico de dis-túrbio de aprendizagem.

Como critério de inclusão para o GI-C, estabeleceu-se: ter ida-de compatível à proposta do estudo; apresentar capacidade mental mínima na média esperada para a idade cronológica; ausência de alterações no desenvolvimento físico, mental, sensorial e de con-duta, de acordo com o DSM-IV (FIRST, FRANCES & PINCUS, 2000); apresentar resultados mínimos na média nos procedimentos de triagem sobre o nível mental e de aprendizagem. Para o GII-A foi estabelecido os mesmos critérios, com exceção dos resultados na triagem sobre a avaliação de aprendizagem, que não caracterizou critério de inclusão.

Após os procedimentos éticos da pesquisa com seres humanos (CEP nº 702/2005), estabeleceu-se o n do GI-C pela proposição da amostra estatística significante ao estudo2, com a participação de 13 Escolas Estaduais da Região Leste do Município de Campinas/SP. O

2 Realizada pelo Serviço de Estatística e Comissão de Pesquisa FCM/Unicamp

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GII-A foi composto pela demanda do Ambulatório de Neurodificul-dades de Aprendizagem – Unicamp, responsável pelos diagnósticos de Distúrbio de Aprendizagem, no período de seis meses, compreen-dendo Agosto/2004 a Janeiro/2005.

A coleta dos dados ocorreu em dois momentos: a triagem, atra-vés da aplicação coletiva (5 alunos por aplicação) dos testes sobre o nível mental, Raven Matrizes Progressivas (RAVEN, RAVEN & COURT, 1974) e aprendizagem pelo desempenho escolar (TDE, STEIN, 1994). O objetivo foi identificar o nível mental e de habi-lidades relacionadas à aprendizagem da leitura, escrita e aritmética, compatibilizadas à idade e série escolar, além de assegurar a com-posição dos grupos do estudo, quando então, foram submetidos ao Exame Neuropsicológico (TABAQUIM, 2008).

A construção dos itens do Exame Neuropsicológico seguiu etapas e procedimentos para a sua validação. Os itens foram elabo-rados a partir da análise da literatura de Testes Neuropsicológicos de Luria (1981) e Christensen (1978). O instrumento, composto por dez provas, com sub-provas específicas, visou a análise de condutas relacionadas às funções corticais superiores do desenvolvimento ce-rebral infantil. As provas empregadas no exame têm relação com a conduta maturacional neurológica e o tipo de comprometimento dis-funcional focal de áreas cerebrais, destacando as funções motoras, rítmicas, cutâneas e sinestésicas, assim como, os processos cogniti-vos lingüísticos e da linguagem oral e escrita, da memória, percepto--auditivas e visuais, habilidades acadêmicas numéricas, da leitura e escrita. O instrumento é composto por 10 áreas corticais (Quadro 1), com 32 provas e 96 tarefas.

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QUADRO 1 – Áreas e Sub-Áreas do Exame Neuropsicológico.1. FUNÇÕES MOTORAS DAS MÃOS1.1. Movimento Simples1.2. Bases Cinestésicas do Movimento1.3. Organização Dinâmica do Ato Motor1.4. Formas Complexas de Praxias1.5. Regulação Verbal do Ato Motor

6. LINGUAGEM EXPRESSIVA6.1. Fala Nominativa6.2. Fala Narrativa6.3. Análise Fonêmica6.4. Síntese Fonêmica

2. ORGANIÇÃO ACÚSTICO MOTRIZ DAS ESTRUTURAS RITMICAS2.1. Estruturação Temporal2.2. Reprodução da Estrutura Rítmica2.3. Compreensão do Simbolismo

7. FUNÇÃO COGNITIVO- LINGÜÍSTICA7.1. Formação de Conceitos7.2. Compreensão de Imagens Temáticas

3. SENSAÇÕES CUTÂNEAS SUPERIORES E FUNÇÕES SINESTÉSICAS3.1. Sensações Táteis3.2. Estereognosia

8. LEITURA E ESCRITA8.1. Cópia8.2. Ditado8.3. Comportamento Textual8.4. Leitura

4. FUNÇÕES VISUAIS SUPERIORES4.1. Percepção de Objetos e Desenhos4.2. Orientação Espacial4.3. Operações Intelectuais no Espaço

9. DESTREZA ARITMÉTICA9.1. Compreensão das Estruturas9.2. Operações Aritméticas9.3. Atividades Discursivas

5. LINGUAGEM RECEPTIVA5.1. Compreensão de Palavras5.2. Identificação de Cenas5.3. Compreensão de Orações Simples5.4. Compreensão da Estrutura Gramatical Lógica

10. PROCESSOS MNÉSICOS10.1. Retenção e Recuperação Auditiva10.2. Retenção e Recuperação Visual10.3. Retenção e Recuperação Auditivo-Visual10.4. Retenção e Recuperação da Memória de Longo Prazo

Na análise do instrumento de coleta foi realizada a avaliação qualitativa do valor funcional e da validade técnica dos estímulos sensoriais, como a terminologia e as imagens utilizadas, com base nos dados coletados no grupo controle. Os itens considerados foram referentes às categorias: adequação da tarefa propriamente dita, da exatidão das instruções verbais da prova, adequação do material de estímulo à execução da tarefa, adequação da folha de respostas, ade-quação da confecção do material utilizado (impressão, montagem ou ordenação). Para cada questão do exame foi estabelecido um padrão flexível de respostas aceitáveis, seguido da análise comparativa en-tre este padrão esperado e a resposta obtida.

As 10 áreas avaliadas foram divididas em sub-áreas, quantita-tivamente relacionadas à complexidade da prova. Cada sub-área foi composta por três modalidades de atividades e cada uma delas, três subitens (a, b, c). Todas as tarefas do item a foram qualificadas com menor grau de dificuldade, sendo esperado o acerto para crianças

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com idades entre 7 e 8 anos; aquelas incluídas no item b, foram in-termediárias e com acertos esperados para crianças com idades entre 8 e 9 anos; e as provas envolvendo o item c do exame, representaram aquelas em que as crianças entre 9 e 10 anos deveriam realizar com acerto. Esta flexibilidade etária foi considerada devido às diferenças individuais maturacionais e de aquisição da aprendizagem.

A análise dos dados obedeceu aos procedimentos estatísticos necessários ao estudo comparativo dos grupos, considerando as sé-ries e os instrumentos utilizados. O método estatístico adotou o nível de significância de 5%, sendo que para a descrição e comparação das variáveis de interesse entre as séries foi empregado o Teste de Kruskal-Wallis e para a comparação dos pares de séries foi aplica-do o Teste de Mann-Whitney. Após o cálculo dos escores para cada subitem, estabeleceu-se: (0.0)x(2)+(0.5)x(4)+(1.0)x(8) = 14, consti-tuindo-se no escore total.

Com os sujeitos do GII-A foi realizada a comparação de dados sobre as respostas nos instrumentos de triagem e no Exame Neurop-sicológico.

RESULTADOS

Os dados foram descritos visando analisar os grupos pelo de-sempenho grupal e correlacionar os achados por procedimentos, pa-drão e estatística. Os resultados foram apresentados pela compara-ção entre os grupos.

Na população participante do estudo (Tabela 1) constatou-se o predomínio do sexo masculino em ambos os grupos, sendo 66% no GI-A e 81% no GII-C. A média de idade verificada na 3ª série do GI-A, superior a dois anos para a série escolar (11,6) sugere que as dificuldades relacionadas ao domínio da leitura, escrita e aritmética, podem ter sido significativas para comprometer a evolução do alu-no na seriação, até então promovida por metodologias de aprovação automática.

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Tabela 1 – Caracterização da amostra do estudo.

Conforme avaliação do nível mental, o GI-A teve maior inci-dência de pontuações na média, esperada para as séries 1ª e 3ª; as 2ª e 4ª séries foram a que tiveram maior número de sujeitos classificados acima da média. Somente a primeira série não pontuou na classi-ficação média inferior, considerada limiar entre a média esperada para a população e a categoria infra-dotada. A 2ª série teve maior número de alunos nesta categoria. No GII-C, as 1ª, 2ª e 3ª séries tive-ram a classificação de maior incidência na média; nas 3ª e 4ª séries ocorreram também classificações acima da média, relacionados ao nível mental. Na análise estatística, de acordo com o Teste Kruskal--Walllis, os resultados apontaram diferenças efetivas entre as séries quanto às variáveis testadas.

Foi avaliado o nível de desempenho escolar, em provas de es-crita, aritmética e leitura. A 1ª série do GI-A teve pontuações maio-res, comparadas à 2ª e 3ª, tendo em vista que o aluno nesta fase en-contra-se em aquisição de competências necessárias à aprendizagem da leitura e escrita. Os resultados considerados baixos foram aqueles em que a escrita mostrou-se numa fase logográfica, onde a criança simboliza a comunicação sem o emprego efetivo dos símbolos alfa-béticos correspondentes. O GII-C, por não apresentar dificuldades na aprendizagem escolar, atingiu pontuações elevadas, classificadas em níveis médio, acima da média e superior. Para testar as variáveis de interesse, nível mental e desempenho acadêmico, foi aplicado o Teste de Mann-Whitney, comparando concomitantemente as séries, 1ª a 4ª entre os grupos, apresentando significância estatística em am-bos os grupos, somente a partir da 2ª série.

No Exame Neuropsicológico, os resultados da comparação en-tre as quatro séries, concomitantes para as variáveis não paramétricas, teve alto índice de significância, pois, das 207 variáveis testadas, 180

GI-C GII-A

Escolaridade n gênero Idade

média

Escolaridade n gênero Idade

médiamasc fem masc fem

1ª série 102 55 47 7,6 1ª série 13 9 4 7,9

2ª série 117 61 56 8,4 2ª série 47 26 19 8,9

3ª série 102 57 45 9,4 3ª série 39 28 20 11,64ª série 120 70 50 10,4 4ª série 60 33 20 9,3

Total 441 243 198 8,9 Total ‘159 96 63 9,4

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demonstraram diferenças estatisticamente significantes entre as qua-tro séries, quando comparadas concomitantemente, o que equivale a 86,9% de variáveis diferenciadoras. Das 45 tarefas testadas no exame neuropsicológico, referente à área de investigação motora, 90% das variáveis foram significantes para o propósito da avaliação, isto é, me-diram o que estava sendo proposto. O índice menor ocorreu com tare-fas relacionadas à organização óptico-espacial do ato motor e realiza-ção de movimentos simbólicos. Isto representa o alto grau de dificul-dade da tarefa para todos os participantes, independente da seriação.

Comparando as quatro séries para as variáveis não paramé-tricas em tarefas relacionadas à linguagem receptiva, expressiva e cognitivo-lingüística, verificou-se elevados índices de significância estatística. Constatou-se que das 54 provas referentes à organiza-ção acústico motriz das estruturas rítmicas, às sensações superiores e funções sinestésicas, 78% foram significantes para o objetivo da tarefa. Das 36 sub-provas referentes às tarefas acadêmicas de escrita e leitura, 80% para leitura e escrita e 95% para habilidade numérica, foram significantes, atribuindo alto grau de validação às pontuações das tarefas. Na avaliação da competência mnemônica dos partici-pantes, houve significância em 95% dos itens testados. Este dado foi altamente representativo para atestar a validade das pontuações afe-ridas nas tarefas de memória do Exame Neuropsicológico. A Figura 2 apresenta os resultados dos GI-C e GII-A, referente à pontuação média obtida nas provas do ENP.

Figura 2 – Representação dos resultados obtidos e esperados (Esp) do ENP, referente aos GI-C e GII-A.

Os resultados apontaram índices mais prejudicados para GII--A, em níveis na média e acima para GI-C, embora sem atingirem resultados por excelência (Esp – Esperado).

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Quando comparadas as variáveis sexo, utilizou-se do Tes-te de Mann-Whitney, com o intuito de verificar possíveis diferen-ças entre as duas categorias, para as variáveis de interesse. Ou seja, fazendo as contagens de quantas diferenças o instrumento é capaz de detectar quando comparado as séries par a par, evidencia-se que, quanto mais distantes estão as séries entre si, mais diferenças podem ser encontradas, o que comprova a eficácia da lógica de aplicação do instrumento (Tabela 2).

Tabela 2 – Comparação dos resultados do ENP quanto ao gênero.

VariávelGênero

Par de Séries

1 x 2 1 x 3 1 x 4 2 x 3 2 x 4 3 x 4

freqüência 145 153 168 82 120 101

percentual 68,08% 71,83% 78,87% 38,50% 56,34% 47,42%

Estes dados permitem afirmar que a variável sexo apresenta efei-to estatisticamente não-significante frente ao instrumento estudado.

Desta forma, constatou-se que, quando comparados os desem-penhos entre os gêneros, masculino e feminino, não houve diferen-ça estatisticamente significante, nas provas do Exame Neuropsico-lógico aplicado em todas as séries participantes do estudo. Houve significância somente para as provas das seguintes áreas: motorasdas mãos com movimentos simultâneos dos dedos (FMM_Pian_1: 0,017); perceptual (Q_42B_1: 0,047; Q_42B_2: 0,018; Q_42B_3:0,041; Q_43A_1: 0,040); da linguagem (Q_51A_2: 0,047; Q_52B_2:0,002); e da memória de longo prazo (Q_94B_3: 0,034).

Quanto ao aspecto da validação do instrumento, o mesmo deve ser capaz de diferenciar as séries entre si. Isso, efetivamente, ocor-reu, pois, das 207 variáveis do instrumento testado, 180 demonstram diferenças estatisticamente significantes entre as quatro séries, quan-do comparadas concomitantemente, o que equivale a 86,96% de va-riáveis diferenciadoras. Considerando todos os resultados apurados, pode-se afirmar ser viável a aplicação do instrumento proposto, nos termos expostos, posto que os resultados apresentam-se fidedignos e esperados, quanto à lógica da metodologia de uso.

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DISCUSSÃO

Conforme Luria (1981) e Lezak, Howieson & Loring (2004), a ocorrência de disfunções em determinadas áreas do cérebro perturba ou impede que a mesma desempenhe sua função normal, dando ori-gem ao transtorno primário, que por sua vez produz sintomas secun-dários, alterando todas as formas de atividade mental que requeiram a participação desses sistemas cerebrais. Neste estudo, o grupo controle apresentou um padrão de respostas compatíveis com parâmetros cog-nitivos da normalidade, de maneira que as funções ineficientes ou de-ficitárias poderão ser identificadas com respostas insatisfatórias. No grupo experimental as crianças apresentaram dificuldade em acessar, reter e generalizar informações com desempenhos insatisfatórios nas tarefas, sendo indicativos de disfunção específica na área investigada.

Com relação aos aspectos relacionados aos problemas ou dis-túrbios da aprendizagem, a literatura é unânime em definir como uma patologia que acomete mais a população do sexo masculino do que feminino (GERBER, 1996). Neste estudo, não houve diferença estatisticamente significante quando comparados os gêneros em am-bos os grupos, controle e experimental.

Crianças advindas de ambientes letrados têm mais facilidade em aprender a ler e escrever do que aquelas provenientes de ambien-tes não letrados. Para Morais (1986), esta afirmação está relacionada ao modelo e motivação para ler que os pais conseguem transmitir a seus filhos. Num ambiente pobre em estímulos dessa natureza, é possível que as dificuldades de aprendizagem possam tornar-se mais determinantes. Neste estudo, vários participantes eram irmãos e am-bos apresentaram queixas escolares, relacionadas à alfabetização, com história reincidente de fracasso serial e abandono escolar, além de pais semi-analfabetos e avôs analfabetos.

Os problemas de aprendizagem, quando relacionados à lin-guagem, geralmente apresentam alterações fonológicas, manifesta-das pela dificuldade em acessar e reter informações necessárias para o ato de ler e escrever (GERBER, 1996; PENNALA et al, 2009). Os comprometimentos nestas habilidades podem ser decorrentes de condições familiares (TABAQUIM & CIASCA, 2001). Esta evidên-cia foi encontrada em parte da população estudada, sendo o grupo de aprendizagem o de maior relevância, com relatos de pais, irmãos e primos de uma mesma família, assim como, pais com prejuízos escolares, específicos de leitura e escrita.

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As alterações no desempenho de tarefas envolvendo fala e linguagem estiveram presentes em parte dos escolares. Este dado coincide com os descritos por Tabaquim e Ciasca (2002), que evi-denciaram incidência maior de alterações de fala e linguagem em crianças na fase de escolarização fundamental, com queixa de difi-culdade escolar.

O uso tardio do “eu” e do “meu” pela criança em fase de es-colarização fundamental, pode manifestar-se como um distúrbio de linguagem, porém, pode representar também um distúrbio da consci-ência pessoal. Tal condição influencia o modo de pensar e impede a tomada de consciência do “meu”, do “outro”, e do “si próprio”, entre eles, a identificação da auto-imagem. Enquanto tal, ocorre por volta dos três ou quatro anos, ao passo que a manutenção da condição, possibilita a compreensão de alterações de funções corticais impor-tantes, relacionadas ao funcionamento frontal e límbico.

A criança de sete a doze anos de idade deve ter a capacidade de julgamento e síntese do seu conhecimento, e estabelecer relações práticas para solução de problemas do comportamento social (TA-BAQUIM, 2008; HAMDAN & PEREIRA, 2009). As crianças do GI-C apresentaram escores nos parâmetros esperados, o que sugere a adaptação tanto no aspecto cognitivo quanto psicossocial.

As pessoas fazem uso implícito de relações classificatórias nas tentativas de ajustamento a eventos ambientais, inter ou intra pessoais. Considera-se a habilidade em discriminar semelhanças e a elaboração explícita de tais esquemas, como sendo uma medida de inteligência. As provas de linguagem e memória exigiram habi-lidade para compreender e pensamento associativo. Neste estudo, foram as mais significantes em termos de aplicabilidade na amostra. A definição de palavras implica em reorganização de idéias através da manipulação implícita de símbolos e signos verbais e por isso o subteste vocabulário pode ser considerado um critério de inteligên-cia, da capacidade de aprendizagem da informação verbal e relação de idéias influenciadas pelo meio. Neste estudo, os resultados das ta-refas lexicais foram inferiores quando comparados aos demais itens de linguagem do exame neuropsicológico.

A habilidade de perceber visualmente os objetos familiares e determinar ausência de detalhes essenciais e não os irrelevantes é uma capacidade perceptual que envolve aspectos cognitivos de pro-cessamento da informação sensorial. É uma medida da capacidade de atenção da criança em selecionar estímulos, importantes para a

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aquisição de conceitos específicos da aprendizagem. A capacidade de analisar, sintetizar e reproduzir um padrão geométrico bidimen-sional, através da lógica aplicada às relações espaciais, também foram tarefas testadas e consideradas fundamentais na avaliação neuropsicológica.

As provas do ENP exigiram também a habilidade em interpre-tar figuras isoladamente e contextualizá-la seqüencialmente, dentro de uma determinada organização lógica. Portanto, é essencial que os recursos de planejamento corticais estejam íntegros para que a tarefa seja executada com eficiência. Apesar de ser uma atividade prática, um dos principais fatores que leva ao êxito na tarefa é a compre-ensão do significado das situações representadas pictograficamen-te. Segundo KAJIHARA (1993) e NORONHA, SANTOS E SISTO (2007), a ordenação correta dos cartões depende, essencialmente, da organização espaço-temporal dos acontecimentos e não da realiza-ção de operações espaciais ou de praxias construtivas.

Armar objetos requer habilidades relacionais, de análise e síntese percepto-espacial e coordenação viso-motora. Quando a capacidade de programação e planejamento da seqüência de ações necessárias encontra-se preservada, o fornecimento de um método auxiliar em que lhe sejam indicadas as relações espaciais entre os elementos, pode levar ao desempenho satisfatório da tarefa. Des-ta forma, a realização de tarefas motoras e perceptuais, fornecem informações importantes ao diagnóstico das praxias construtivas (LURIA, 1981; GAZZANIGA et al, 2006; STRAUS, SHERMAN & SPREEN, 2006).

As provas motoras, rítmicas e de regulação verbal do ato mo-tor e do movimento, estão baseadas no conceito de que a habilidade de apreender combinações de símbolos e formas, ou, símbolos e números, e recriá-las num determinado limite de tempo, é um cri-tério de inteligência. Exige destreza viso-motora, atenção/concen-tração e velocidade de processamento da informação. Neste estudo, resultados melhores demonstraram que a habilidade em estabelecer pareamentos perceptuais, sobrepujou a própria condição serial, de gênero e idade.

A memória imediata é uma das habilidades das quais um mí-nimo é requerido para todos os níveis de funcionamento mental. No entanto, por si só não garante o sucesso da aprendizagem. A criança deve utilizar estratégias de codificação, não com elementos isolados e sim através do agrupamento dos mesmos. O fracasso em memo-

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rizar números pode indicar desorganização e/ou deficit de atenção, tanto orgânica como funcional. Segundo Gazzaniga et al (2006), difi-culdades na repetição de dígitos ocorreram por alterações na estoca-gem fonológica que estaria relacionada com representações lexicais deficientes. Além disto, o teste pode refletir os efeitos da ansiedade e a inabilidade para o autocontrole ou para operações mentais. Gran-des discrepâncias entre números na ordem direta e inversa, à favor dos primeiros, sugere dificuldades de abstração, simbolização e re-solução temporal lógica, processadas em áreas associativas parieto--têmporo-occcipital.

É possível quantificar o volume da memória imediata da crian-ça, entretanto, no caso de um desempenho abaixo do esperado á faixa etária, esta prova, na forma como está organizada, ofereceu limitações à elaboração de hipóteses quanto à natureza desse déficit.

O estudo das funções motoras implicou na análise das praxias, das formas mais complexas de construção de movimentos voluntá-rios. A execução normal de um ato motor complexo exige a presença de um tônus muscular adequado, como condição básica, com impul-sos cinestésicos aferentes intactos para dirigir o impulso motor efe-rente a seu destino mais apropriado e para manter um controle cons-tante sobre os movimentos. Também é necessário controle do sistema aferente óptico-espacial, uma vez que este sistema assegura a cons-trução do movimento coordenado no espaço externo, relacionado à aquisição da posição, distância e da lateralidade (GAZZANIGA et al, 2006). A área motora envolveu fundamentalmente a investigação das funções motoras das mãos, tendo em vista que, no desempenho das atividades escolares, o desenvolvimento braquial é fundamental para a eficiência de tarefas relacionadas ao ato final da escrita. Neste estudo, observou-se que as dificuldades motoras que necessitavam de refinamento e praxia do movimento, foram mais dificultosas para os sujeitos do GII-A, onde envolvia construção do movimento voluntá-rio utilizando distintamente e alternadamente as mãos.

Para a aprendizagem da leitura e escrita é necessária maturação na percepção viso-motora. A investigação dos aspectos funcionais da percepção através das atividades de discriminação, identificação de detalhes, figura-fundo, orientação percepto-espacial, está relaciona-da à estrutura da percepção visual, dos campos receptivos e de pro-jeção da visão, da acuidade da adaptação visual, necessários para o estabelecimento interconectivo cerebral e para o reconhecimento das características essenciais da compreensão do objeto. A região parie-

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to-têmporo-occipital do hemisifério esquerdo é uma importante área de confluência de informações provenientes dos analisadores visual, auditivo e somestésico, desempenhando papel fundamental na orga-nização espacial dos impulsos de excitação que chegam às diferentes zonas cerebrais e na conversão dos estímulos sucessivos em grupos simultaneamente processados (LURIA, 1981, KAJIHARA, 1993; FERREIRA, FEIL & NUNES, 2009). Desta forma, distúrbios nesta área levam a dificuldade em realizar sínteses espaciais simultâneas, em se orientar no espaço, discriminar direita e esquerda, e ainda, na compreensão de relações espaciais simultâneas existentes entre ob-jetos. Estes aspectos foram observados, específicamente, nos Testes Raven Matrizes Progressivas e no Exame Neuropsicológico.

A ocorrência de disfunções na zona temporal esquerda produz o distúrbio das formas complexas da audição fonêmica (KAJIHA-RA, 1993; SPAULDING, 2010). Este sintoma primário, por sua vez, prejudica as formas de atividade verbal, razão pela qual a criança não percebe com clareza a fala que lhe é dirigida, de nomear objetos cor-retamente, ou ainda, escrever. Os processos mnêmicos audio-verbais também ficam prejudicados, assim como a resolução de problemas aritméticos, cujos enunciados são apresentados oralmente como o constatado no Teste de Desempenho Escolar e no Exame Neuropsi-cológico. Os resultados apontaram que, para todas as crianças, inde-pendente do grupo, foi difícil de realizar, perfazendo escores baixos comparativamente aos demais resultados, representando um dado de ineficiência em tarefas educacionais embasadas na linguagem.

Segundo Luria (1966; 1981), a linguagem e a aprendizagem como funções, estão relacionadas ao desenvolvimento de unidades cerebrais ou zonas cerebrais que interferem especificamento no com-portamento. Desta forma, disfunções nestas unidades, em épocas do desenvolvimento, acarretam alterações perceptomotoras, resultando em comprometimento da linguagem e aprendizagem, ou seja, pro-blemas de manutenção da atenção ou atenção sustentada (disfunção em zonas primárias); dificuldades na aprendizagem básica de leitura, escrita e aritmética (em zonas secundárias) e baixo rendimento inte-lectual, dificuldade na compreensão da linguagem, da leitura, escrita e habilidade matemática (disfunções em zonas terciárias). Desta for-ma, foi possível constatar através do Exame Neuropsicológico que, em grande parte das provas, requereu a audição fonêmica ou verbal. Alterações nas regiões responsáveis por essas funções acarretam prejuízos, em graus variados, na realização das provas.

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A leitura e escrita diferem essencialmente da linguagem falada em sua gênese, na estrutura psicofisiológica e em suas propriedades funcionais. A escrita segue um sentido do pensamento para a palavra e a leitura, da palavra para o pensamento. A compreensão do sis-tema funcional complexo (LURIA, 1981; CHRISTENSEN, 1978) torna-se necessário na análise dos dados obtidos pelos sujeitos deste estudo, uma vez que foi a área secundária foi a mais compromtida em todo o processo de avaliação, para todos os sujeitos do GII-A. De forma específica, as provas de análise e síntese fonológica foram as mais representativas dessas dificuldades.

A compreensão dos fatores básicos que dependem os transtor-nos da memória é essencial do ponto de vista neuropsicológico. As provas de retenção e recuperação utilizando recursos de palavras, seguido de símbolos ideográficos, foram as mais prejudicadas, para todos os grupos, contrapondo as situações de avaliação mnêmica, quando utilizados estímulos pictográficos. Estes dados refletem a correspondência próxima da memória e aprendizado, que depende da atenção, linguagem e percepção, além das experiências vividas. Os estímulos pictográficos empregados neste estudo, corresponde-ram à repertórios do cotidiano da criança, como figuras de roupa, utensílios da casa, objetos de higiene, de escola, brinquedos, etc., e portanto, com possibilidade de acesso à memória armazenada, mos-trando a capacidade de reter diversas formas de aprendizado refle-xivo simples, incluindo especialmente a habituação e condiciona-mento (a alta freqüência de estímulos repetidos favorecendo a emis-são de respostas automáticas). Essas alterações são decorrentes de disfunções no lobo temporal medial, hipocampo e córtex (LURIA, 1968; SQUIRE & KANDEL, 2003). Disfunções no lobo parietal ou occípto-parietal esquerdo resultam em dificuldades na realização de sínteses simultâneas, sendo que a perturbação dos processos de me-mória é uma continuação dessas desordens gnósicas (LURIA, 1981).

Disfunções na habilidade de detectar estímulos relevantes e processá-los, e, na habilidade de filtrar estímulos irrelevantes, têm sido consideradas como alguns dos principais aspectos responsáveis pelo desenvolvimento de desordens cognitivas e afetivas (PEREI-RA e CARDOSO, 1992; TABAQUIM, 2008). É importante ressaltar que, embora os hemisférios trabalhem, até certo ponto, de modo in-dependente e obtenham informações semelhantes, existe um parale-lismo que permite a integração efetiva da função.

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CONCLUSÃO

A validação do Exame Neuropsicológico possibilitou investi-gar as funções corticais superiores da criança em fase de escolariza-ção fundamental e permitiu as seguintes conclusões:

1. Quanto ao aspecto da validação do instrumento, foi demons-trado que o mesmo foi capaz de diferenciar entre si as séries esco-lares, da primeira à quarta. Os dados demonstraram, efetivamente, a ocorrência, pois, das 207 variáveis testadas do instrumento, 180 demonstram diferenças estatisticamente significantes entre as qua-tro séries, quando comparadas concomitantemente, o que equivale a 86,96% de variáveis diferenciadoras;

2. O perfil da criança na fase da escolarização fundamental foi delineado, baseando-se nas séries escolares e na média etária, o que garantiu a compreensão da hierarquia das funções corticais (unida-des funcionais) de acordo com o desenvolvimento neuropsicológico;

3. Os instrumentos empregados para a comparação dos grupos controle e experimental, foram mais efetivos como diferenciadores de ambos os grupos a partir da 2ª série, visto que, para a 1ª série, foram encontradas semelhanças estatísticas entre os valores de cada grupo comparado. A partir da 2ª série, à exceção da variável Raven--Percentual, as outras foram boas diferenciadoras dos grupos GI-C (Controle) e GII-A (Aprendizagem).

4. Os instrumentos foram analisados estatisticamente com va-lores de medida psicométrica, conforme o pressuposto com base na validação precisa e fidedigna;

5. Os resultados obtidos, após análise descritiva e qualitativa, associada ao estudo estatístico, foram discutidos os traços latentes das respostas, relacionando-os por área cortical, proposta no exame neuropsicológico.

6. Baseado no axioma do desempenho na tarefa e da relação entre o desempenho na tarefa e o conjunto de traços esperados para a idade e escolaridade, constatou-se no estudo que, sujeitos com maior aptidão para a tarefa terão maior probabilidade de responder correta-mente ao item (probabilidade da resposta correta ao item conforme a idade/série escolar).

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