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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE UBERLÂNDIA – ESTADO DE MINAS GERAIS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, com arrimo art. 15, c/c os arts. 148, IV, e parágrafo único, letra “g”, 209 e 212, c/c o art. 201 da Lei nº 8.069, de 13/07/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente -, dentre outras disposições legais, propõe esta ação civil pública 1 contra: 1 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 455-456. Eis, em resumo, os ensinamentos do Professor Mazzilli: “(...) As ações civis públicas e as ações

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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA

E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE UBERLÂNDIA – ESTADO DE MINAS GERAIS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, com

arrimo art. 15, c/c os arts. 148, IV, e parágrafo único, letra “g”, 209 e

212, c/c o art. 201 da Lei nº 8.069, de 13/07/1990 – Estatuto da Criança

e do Adolescente -, dentre outras disposições legais, propõe esta ação civil pública1 contra:

1) D.A.S., nacionalidade, estado civil, profissão, filho de A.

S.F. e de I.O.S., residente e domiciliado na Rua __, nº __, no

Bairro __, nesta cidade de Uberlândia; e,

1 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 455-456. Eis, em resumo, os ensinamentos do Professor Mazzilli: “(...) As ações civis públicas e as ações mandamentais de iniciativa do Ministério Público, previstas na Lei n. 8.069/90, destinam-se à defesa de interesses individuais (indisponíveis) (...) Assim, o Ministério Público poderá até mesmo ingressar com ação civil pública para assegurar vaga em escola tanto para uma única criança, como para dezena, centena ou milhares delas...”.

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2) M.C.B, nacionalidade, estado civil, profissão, filha de A.B. e

de M.F.B., residente no mesmo endereço acima informado,

Em favor

de:

N.G.S., nascida em 19 de março de 2001, natural desta

cidade de Uberlândia, “filha” de J.M.C.S. e de C.G.P.

Do fato e dos fundamentos jurídicos do pedido

Ressalte-se, inicialmente, que houve a decretação da perda do poder

familiar em relação à criança acima nomeada, conforme restou positivado no

documento público de f. 07. Daí, portanto, o fato de ter havido a institucionalização de

N.

Pois bem, no dia 31 de janeiro de 2008, os requeridos protocolizaram o

pedido de adoção de tal criança, tendo alegado, em síntese, o seguinte:

“(...) já conhecerem a criança no abrigo ‘Missão Esperança’, onde a mesma se encontra, avistando-se com ela há cerca de 6 meses, encontro que se dá semanalmente, surge a necessidade da aproximação na família substituta, principalmente pelos laços afetivos já construídos (sem grifos).

Por sua vez, a criança também tem expressado muita alegria para conviver com o casal Requerente”.

A guarda provisória foi deferida aos requeridos no dia 1º de fevereiro de

2008 (f. 31).

Realizado o Estudo Psicossocial do caso, às f. 37/39, têm-se as

conclusões descritas abaixo:

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“O acompanhamento realizado durante o estágio de convivência da família em tela revelou que, durante a convivência com a criança, o casal se mostrou satisfeito e empenhado no exercício da maternidade e paternidade. Revelaram capacidade de assimilar as orientações ministradas, refletir sobre seus comportamentos e adaptarem-nos na perspectiva do bem-estar à criança e da boa convivência em família.

N. (N.) demonstra sentimentos de pertencimento a esta família, percebendo-se como filha dos requerentes. Seus comportamentos revelam bom desenvolvimento, inclusive no que tange ao processo de adoção...”.

Surpreendentemente, porém, na audiência realizada no dia 29 de

setembro de 2008, os requeridos simplesmente “devolveram” a criança ao Juízo, tendo

sobrevindo o Relatório Psicológico de f. 44, segundo o qual:

“(...) Durante os atendimentos, pôde-se perceber que além do sofrimento emocional evidente em relação à decisão de retorno ao abrigo, N. demonstra-se perdida e confusa, principalmente no que tange a sua identidade. Refere a si mesma ora como N., ora como N. (nome dado pelo casal desde o processo de apadrinhamento). Faz referência ao casal D.M.C. ainda como seus pais e aos familiares destes como avós, tios e primos...” (sem grifos no original).

No Relatório Psicossocial (Circunstanciado) de f. 50/51, os requeridos

nada apresentaram que pudesse justificar, legitimamente, o inesperado desprezo, bem

como o abandono material, moral, emocional e psicológico da criança em causa.

Note-se que, segundo outro estudo realizado à parte no Serviço

Psicossocial do Juízo (documento anexo), vários distúrbios, ditos carenciais, podem

decorrer do abandono afetivo, a saber:

“- Falta de amor e ternura, isto é, ternura reprimida, rejeitada, tolerância indiferente, meticulosidade distante e fria, negligência.

- Hostilidade, que é pano de fundo de uma conduta de rejeição ativa, hostilidade que pode ser manifesta, disfarçada ou compensada.

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- Compromisso afetivo onde nem o amor nem o ódio manifestam-se diretamente, mas associam-se a um tipo de chantagem afetiva cujo perdedor é sempre a criança.

- Desarmonias de estímulos afetivos”.

O mesmo estudo acima mencionado destacou que, como resultado da

devolução em uma adoção, algumas características comumente observadas se

traduzem no seguinte:

“- Sentimento de reafirmação do trauma da separação ou rejeição da mãe biológica.

- Bloqueios no desenvolvimento psíquico, físico e cognitivo, tais como dislexia, delinquência juvenil etc.

- Características do estresse pós traumático ou outras síndromes.

- Dificuldades nas relações sociais, já que a criança aprende que as relações não são dignas de confiança; que não é merecedora de amor e que dificilmente encontrará outras pessoas que satisfaçam suas necessidades.

- Prejuízos na autoestima e no autoconceito” (sic).

A rigor, não se pode perder de vista que o chamado estágio de

convivência, previsto no art. 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente, foi instituído

em benefício do adotando (criança e adolescente), e não dos adotantes, os quais, então,

não podem se utilizar desse pretexto, para “revitimizar” crianças e adolescentes

debilitados pelo abandono da família originária. Noutras palavras, vigora aqui o

princípio “do melhor interesse da criança” (doutrina da proteção integral), originária da

Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto

nº 99.710, de 21/11/1990.

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De fato, o estágio de convivência serve para a verificação factual ou

empírica da adaptação ou não do adotando ao novo lar, não se prestando assim a

funcionar como justificativa para a causação de dano irreparável a crianças e

adolescentes.

Em verdade, o estágio de convivência visa a propiciar que o juiz observe

em cada caso, concretamente, as determinações dos arts. 29 e 43 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, a saber:

Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.

Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Portanto, o estágio de convivência tem por escopo justamente essa

aferição a ser feita pelo juiz, tendo em vista, sobretudo, o princípio legal “do melhor

interesse da criança”, incorporado no sistema jurídico pátrio, conforme mencionado

alhures.

Das questões outras de direito e da doutrina sobre o assunto

O Código Civil brasileiro – Lei nº 10.406, de 10/01/2002 -, ao tratar dos

fatos jurídicos, mais precisamente dos atos ilícitos, prescreve, em seu art. 186, o

seguinte: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato

ilícito (grifos nossos).

Nesse diapasão, a mesma Lei, no capítulo que cuida da Obrigação de

Indenizar, determina que:

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Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Ora, os requeridos agiram, no mínimo, de forma negligente, ao criar a

expectativa para a criança de que a mesma seria adotada por eles, inclusive com a

mudança ilegal do prenome dela, passando-o de N. para N.

Da doutrina

A Drª Maria Isabel de Matos Rocha, então Juíza da 1ª Vara da Infância e

Juventude de Campo Grande-MS, Mestra em Direito Civil na Universidade de

Coimbra/Portugal, possui um dos mais importantes e profundos estudos realizados

sobre o presente tema, sob o título: “CRIANÇAS ‘DEVOLVIDAS’; OS ‘FILHOS DE

FATO’ TAMBÉM TÊM DIREITO? Reflexões sobre a ‘adoção à brasileira’, guardas

de fato ou de direito mal sucedidas”.

Eis, pois, alguns dos mais relevantes ensinamentos apresentados pela

referida magistrada e doutrinadora, começando pela pergunta: “O que são crianças

‘devolvidas’?”

“Temos dado este nome esdrúxulo a crianças que são rejeitadas por uma família, quer seja a sua própria, quer seja a adotiva (por adoção legal ou adoção à brasileira), quer seja o chamado ‘filho de criação’, quer seja a criança que foi acolhida sob guarda (de fato ou de direito).

Devolvida? Porque usar esta palavra? Usamos esta palavra porque é a palavra usada pela família insatisfeita que ‘devolve’.

E a quem se ‘devolve’ uma criança? Pretendem ‘devolver’ para a Justiça da Infância (mesmo que não tenha sido o Juiz da Infância que tenha lhes ‘entregado’ a criança).

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(...) se o Juízo da Infância não a acolher, pode ser suportar maus tratos, abusos, humilhações, indiferença, descaso, no seio dessa família. Manter a criança nessa família, à espera do fatal abandono, expulsão de casa, ou tratamento discriminatório, descuidado, negligente, indiferente, humilhante ou até agressivo, violento e hostil, constitui, a meu ver, a mais cruel violação dos direitos humanos... (sic).

Existência do dano (ir)reparável

Defendo que existem os pressupostos para o direito a reparação e o primeiro deles é a existência do dano considerável, patrimonial e moral. A criança, revoltada e muito sensibilizada, tem de enfrentar pela segunda (ou terceira, quarta) vez a situação de abandono e rejeição.

‘Segundo o psiquiatra Içami Tiba, a devolução funciona como uma bomba para a autoestima da criança e é melhor que ela nunca seja adotada a ser adotada e devolvida. ‘As pessoas devem ser mais responsáveis ao adotar. Devolver é quase como fazer um aborto’.

O dano mais apreciável é o moral, psicológico, afetivo, difícil de reverter pela vida fora. A doutrina proclama que a criança e o adolescente podem ser vitimadas pelo malefício de ordem puramente moral, dano esse que deve ser reparado.

Mas também é significativo o prejuízo patrimonial: crianças jogadas em abrigos perdem, além do conforto material, a chance de um aprendizado formal de qualidade que as habilite para um futuro profissional digno, como bem demonstrou um ex-interno de instituições de menores, no seu livro Filhos do Governo. A partir de pesquisa científica, o autor constatou a defasagem entre a idade cronológica dos meninos institucionalizados e a escolaridade esperada. Ele cita dados impressionantes: ‘dos 65 reincidentes que entraram na instituição sem nenhum estudo, 43 saíram, após mais de doze anos de internação, sem ter passado pelos bancos escolares’.

Se o destino afetivo, pessoal, humano, familiar, destes meninos se advinha sombrio, o seu destino social também será precário, instável, ou, ate dramático: eles poderão ser aliciados para prostituição, tóxicos, ou prática de delitos...

E quando é impossível a permanência, quando o garoto passa a ser hostilizado no lar, será adequado cancelar a guarda, no interesse dele. Mas isso não significa que os prejuízos causados não devem ser ressarcidos. A revogação de guarda, a meu ver, não é incompatível com responsabilização por danos (verificados caso a caso), e o fundamento legal poderá residir, em muitos casos, no descumprimento dos deveres previstos no art. 32 do ECA, que o guardião assumiu, e depois descumpriu.

Os ‘filhos de fato’ (os ‘filhos de criação’, os ‘pego para criar’), tal como a concubina outrora, estão numa especial situação de vulnerabilidade, sem garantias jurídicas. E essa vulnerabilidade de uma das partes (da concubina outrora, da ‘criança devolvida’ agora) impõe que o Direito intervenha para sanar danos

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O Estado é responsável por colocações familiares desastrosas, sem atender o interesse da criança. Também deve assegurar em favor da criança a responsabilização das famílias, pois alimentos ou reparações poderão ajudar a resgatar a autoestima do abandonado ou até as possibilidade de encaminhamento a uma outra família, subsidiada pelo ex-guardião. Por outro lado, a médio prazo, essa atuação do sistema judicial terá função pedagógica perante a comunidade” (cf. texto anexo. Em www.amc.org.br/novo_site/arquivos/reflexoessobreadocao. Acesso em 12/05/2009).

Vê-se, assim, que estão presentes todas as condições necessárias para a

condenação dos requeridos, a fim de que eles indenizem a vítima (criança) pelo dano

material e moral sofrido.

Consequentemente, é imperioso que se fixem os alimentos

provisórios, liminarmente, uma vez que a “fumaça do bom direito” está

demonstrada, à exaustão, nos autos2.

Em relação ao fundado receito da lesão grave e de difícil reparação ao

direito da criança Natanaires (“periculum in mora”), basta lembrar que os direitos

infanto-juvenis, nos termos do art. 227 da Carta Magna, devem ser assegurados com

absoluta prioridade.

Alia-se a isso ainda o fato de que, no presente caso, a pensão

alimentícia, a ser paga pelos requeridos, poderá contribuir para “atenuar”, desde logo,

o sofrimento da criança, à medida em que ela for encaminhada a psicoterapeuta

particular, em lugar de ficar à mercê da “boa vontade” ou da sensibilidade de

profissionais da rede pública, muitas vezes descomprometidos com os resultados de

sua atuação funcional. E mais, passada a infância ou adolescência, os alimentos não

2 Na decisão judicial que concedeu a medida liminar pleiteada pelo Ministério Público nestes autos, a questão dos alimentos está melhor colocada tecnicamente, ou seja, trata-se aqui de alimentos “ressarcitórios” decorrentes de ato ilícito – com antecipação de tutela -, o que não se confunde com alimentos oriundos da relação de filiação ou socioafetiva. Na segunda ação civil pública proposta nesta comarca de Uberlândia, em que a sentença de adoção foi prolatada nos autos e transitou em julgado, seguindo-se o novo abandono do então adolescente, os alimentos decorrerão não apenas do ato ilícito como também da filiação socioafetiva (Epaminondas da Costa).

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terão o mesmo impacto no bem-estar dos alimentários, passando a funcionar muito

mais como um complemento de renda.

Dos pedidos

1) A citação dos suplicados para os termos desta ação, aplicando-se,

para tanto, as normas do Código de Processo Civil, por força do

disposto no art. 19 da Lei nº 7.347, de 24/07/1985 – Lei da Ação

Civil Pública.

2) A condenação dos requeridos na obrigação de indenizar os danos

(moral e material) causados à criança N.G.S., pleiteando o autor que

essa reparação civil (global) seja fixada em 100 (cem) salários

mínimos legais, conforme valor vigente à época do efetivo

pagamento.

3) A fixação, em sede de liminar, dos alimentos provisórios em favor

de tal criança, no importe de 15% (quinze por cento) dos

vencimentos líquidos de ambos os requeridos (apenas descontos

legais!), com desconto em folha. Isto porque, segundo consta, eles

são funcionários públicos estaduais. Os valores mensais haverão de

ser depositados em conta judicial remunerada, a ser aberta por

requisição do Juízo.

4) Pede que essa obrigação alimentar perdure, em princípio, até que a

alimentária complete a idade de 24 (vinte e quatro) anos,

independentemente de a mesma vir a ser colocada em nova família

substituta.

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5) A condenação dos requeridos no pagamento das custas processuais,

porquanto existe entendimento recente no sentido de que a

gratuidade prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente

beneficia apenas à criança e ao adolescente; por exceção, o referido

benefício poderá ser concedido às pessoas consideradas pobres, no

sentido legal.

Valor da causa (apenas para efeitos fiscais): R$400,00 (quatrocentos

reais).

Provas: todos os meios admitidos em direitos, especialmente

depoimento pessoal dos requeridos, perícia (se necessária) e inquirição de testemunhas

cujo rol será apresentado oportunamente.

Pede deferimento.

Uberlândia, 15 de maio de 2009.

EPAMINONDAS DA COSTA

20º Promotor de Justiça

JADIR CIRQUEIRA DE SOUZA

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14º Promotor de Justiça

CONCLUSÃONo dia _____ de ______________ de _______, faço estes autos conclusos à Juíza de Direito da Vara da Infância e Juventude de Uberlândia.

A Escrivã:

________________________________________________________Autos n.º: 0702.09.567849-7Espécie: Ação Civil PúblicaDemandante: Ministério Público do Estado de Minas GeraisDemandados: D. A. S. e outra__________________________________________________

Vistos

Versam os presentes autos sobre Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face de

D. A. S. e M.C.B., em favor da criança N.G.S., no qual aquele requer, in

limine litis, sejam os demandados obrigados a pagar à favorecida,

mensalmente, alimentos provisórios no importe de 15%(quinze por cento)

dos vencimentos líquidos mensais por eles, demandados, auferidos.

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Em apertada síntese, alega que, após o ajuizamento do pedido de

adoção de N.G.S., no qual lhes fora concedida, inclusive, a guarda

provisória, os demandados simplesmente “devolveram” a infante a este

Juízo sem qualquer justificativa plausível.

Esse segundo abandono, haja vista que os pais biológicos da criança

já tinham sido destituídos do poder familiar, causou sérios danos

psicológicos, além de danos materiais, à favorecida, devendo, assim, os

demandados serem obrigados a ressarci-los.

A título de “fumaça do bom direito” aduz que, os relatórios acostados

aos autos, dentre eles os relatórios dos estudos psicossociais realizados

pelo Setor Técnico deste Juízo, são suficientes a comprovar a existência

desse pressuposto.

No que se refere ao periculum in mora, diz que, os danos, morais

(psicológicos) causados à criança N.G.S. devem, desde logo, ser

elaborados, com o encaminhamento da criança para tratamento com

psicoterapia.

Juntou documentos de F. 12/56.

Breve relatório. Decido.

Nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil (CPC) os

efeitos concretos da sentença poderão ser antecipados desde que

presentes os seguintes pressupostos: a) prova inequívoca e

verossimilhança do alegado; b) fundado receio de dano irreparável ou de

difícil reparação (ou, alternativamente, abuso do direito de defesa ou

manifesto propósito protelatório); e, c) reversibilidade dos efeitos do

provimento (pressuposto negativo).

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A prova inequívoca e a verossimilhança das alegações

(denominada, por muitos doutrinadores, de fumus boni iuris, apesar de ser

mais abrangente) referem-se à existência de prova com forte potencial de

persuasão, geralmente documental, que convença o juiz da existência, no

caso concreto, dos fatos alegados pela parte requerente.

Já o fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação, ou periculum in mora, alude ao risco concreto, atual e grave, ou

seja, a um risco apto a perecer ou prejudicar o direito afirmado pela parte

requerente.

Por fim, a reversibilidade está ligada à possibilidade de

retornar ao status quo ante em caso de revogação ou modificação dos

efeitos antecipados, ou improcedência do pedido. Trata-se do princípio da

salvaguarda do núcleo essencial.

No presente caso, o demandante requer, a título de

antecipação dos efeitos concretos da sentença, sejam fixados alimentos

provisórios em favor da criança beneficiada no importe de 15% (quinze por

cento) dos rendimentos mensais auferidos pelos demandados.

Antes de analisar se estão presentes os pressupostos da

antecipação da tutela, mister trazermos à baila algumas diferenciações

imprescindíveis para solução da questão.

Os alimentos provisórios são aqueles arbitrados liminarmente

pelo juiz, sem ouvir o réu, no despacho inicial da ação de alimentos (Lei

5.478/68), desde que haja prova pré-constituída do parentesco, casamento

ou união estável.

In casu, considerando que a favorecida foi devolvida a este

Juízo antes do julgamento da ação de adoção, não houve a efetivação do

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vínculo jurídico familiar, de maneira a permitir a fixação de alimentos

provisórios.

Contudo, diante da natureza da causa, verifica-se ser possível

a fixação de alimentos ressarcitórios, isto é, aqueles fixados pela prática de

um ato ilícito.

Nesse contexto, na verdade, a parte demandante pugna pela

antecipação, in limine litis, do ressarcimento a título de danos morais

sofridos pela criança, com a fixação dos chamados alimentos

ressarcitórios.

Os alimentos decorrentes de ato ilícito, ou ressarcitórios, são aqueles

que possuem cunho indenizatório, estando no campo da responsabilidade

civil extracontratual ou aquiliana. Tais alimentos decorrem tanto de dano

material quanto de dano moral.

Assim dispõe o art. 949 do Código Civil, “no caso de lesão ou

outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despensas do

tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de

algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.

Relembre-se que, nos termos do art. 187 do Código Civil, “também

comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela

boa-fé ou pelos bons costumes” (teoria do abuso do direito). Portanto,

ainda que o estágio de convivência seja um direito dos interessados em

adotar, tal estágio não poderia ser usado para causar prejuízos a terceiros,

sobretudo, à pessoa em condição peculiar de desenvolvimento.

Após essa diferenciação, passemos à análise dos

pressupostos do art. 273 do Código de Processo Civil.

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Quanto ao primeiro pressuposto, qual seja “a prova

inequívoca” e a “verossimilhança das alegações”, os documentos

acostados pela parte demandante são suficientes para comprovar sua

existência.

A cópia de petição de F. 13/16 confirma o ajuizamento da ação

de adoção em favor da favorecida, bem como evidencia que demandados

já tinham contato com a criança antes mesmo de ser ajuizado o pedido de

adoção.

Assim relata o procurador dos demandados na ação de

adoção, in verbis:

Considerando que o casal Requerente está inscrito no programa de

adoção deste Juízo, mediante processo nº: 0702.07.407253-0, aliado ao

fato de já conhecerem a criança no abrigo ‘Missão Esperança’,onde a

mesma se encontra, avistando-se com ela há cerca de 6 meses,

encontro que se dá semanalmente, surge a necessidade de

aproximação na família substituta, principalmente, pelos laços afetivos já

construídos.

Pelo que se abstrai da petição, conclui-se, cabalmente, que a

favorecida já era assediada pelos demandados, na condição de padrinhos

desta, antes do ajuizamento da ação de adoção.

No atinente aos danos, os relatórios de F. 22/24, de F. 50/32,

corroboram, in status assertioni, os danos psicológicos causados pelos

demandados à favorecida, pelo segundo abandono, bem como pelas

mudanças na rotina e na própria identidade da criança (mudança de nome

antes mesmo do término da ação de adoção).

Assim restou elucidado pela Equipe Técnica deste Juízo:

Ao relatar sobre os contatos iniciais, ainda na condição de padrinhos da

criança, abrigada junto à Instituição Missão Esperança, o casal citou

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que, sendo sugerido à criança, a mudança de seu nome de N. para ‘N.’,

em consenso com a mesma, passaram a referir-se a ela como tal

designação. – F. 22.

Diante desse relato, percebe-se claramente a expectativa da

criança em ser adotada, em buscar uma família, um lar, tanto que, antes

mesmo de ser adotada, aceitou a mudança de nome para ser aceita pelos

demandados.

Ainda quanto aos danos, destaca-se do relatório de F. 29/31:

A priori, podemos afirmar que as pesquisas a esse respeito (abandono)

nos trazem reflexões que aperfeiçoam nossas ações, tanto do ponto de

vista sociológico quanto psicopatológico. As crianças que vivenciam

qualquer tipo de abandono e sentimento de rejeição podem apresentar

problemas no âmbito emocional, social, comportamental e educacional.

(...)

Vale ressaltar que no Manual de Psiquiatria Infantil de J. de

Ajuriaguerra, p. 455 a 467, ele menciona “problemas advindos da

carência de afeto e de estímulos sociais como sendo a causa de

algumas psicopatologias constantes no CID”.

Já no atinente a devolução da criança, o relatório de F. 27/28,

também é suficiente para evidenciar os fatos alegados pela parte

demandante, senão vejamos:

Em cumprimento à determinação judicial, procedemos à entrevista

junto ao casal em tela a fim de tratar dos motivos que levaram à

desistência do processo de adoção da criança N.

Em procedimento individual com M.C. (ora demandada), uma vez

justificado o convite para entrevista junto ao Setor a mesma se

recusou a falar sobre o quê lhe fora questionado. Alegou indisposição

em fazer comentários sobre a criança e as circunstâncias sobre a

devolução. Restringiu-se a discursar sobre seus ressentimentos em

relação à postura assumida pela Vara da Infância e Juventude (Juíza,

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Ministério Público e Técnicas) e pelo próprio representante legal,

frente a qual se sentiu acusada injustamente. (...)

D. (ora demandado) aponta que tais fatos (situações difíceis na

educação da criança) lhes trouxeram temor quanto a personalidade da

criança, deixando-o inseguro sobre que tipo de pessoa ela se tornaria.

Admitiu o despreparo dele e da esposa para enfrentar tais situações

adversas no que diz respeito à adoção dessa criança. Além disso

acreditam que ambos não dispunham de tempo suficiente junto à

criança para reconhecer, na realidade, quem era N.

Questionado sobre os recursos para resolução do problema, D. relatou

não ter ele e a esposa buscado auxílio de terceiros, decidindo

sozinhos pela devolução da criança. (...)

Sobre a disponibilidade sempre anunciada por este setor (Setor

Técnico deste Juízo) durante os atendimentos ao casal quanto a

atendê-los, em quaisquer circunstâncias de enfrentamento de

dificuldades no que tange ao processo de adoção, Dorivaldo alegou

que eles preferiram resolver as questões enquanto uma família sem

interferências.

Vencido esse primeiro pressuposto, passemos à análise do

segundo, qual seja, o periculum in mora.

Em se tratando de transtornos mentais, sobremaneira quando

ocorridos em crianças, a demora na elaboração dos traumas e de seus

efeitos pode agravar ainda mais os prejuízos psicológicos desses danos

advindos.

Sobre o tema, assim se manifestou o Setor Técnico deste

Juízo (relatório de F. 29):

Alguns pesquisadores admitem a existência de manifestação neurótica

em crianças com experiências de carência, acreditando inclusive que

a evolução para uma personalidade psicopática e deliquencia é

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possível. Para outros as crianças “abandonadas” podem apresentar

incapacidade nas relações sociais e desregramento da sociabilidade.

No caso de abandono, a demora no tratamento pode colocar a

criança exposta ao aliciamento do tráfico, da prostituição, da delinquência,

a dislexia, dentre outros transtornos irreparáveis ou de difícil reparação.

Na verdade, a devolução pode ser considerada um dano

irreversível, haja vista que, mesmo que a criança venha a ser adotada,

esse trauma vai ficar registrado. Assim, a devolução representa um

verdadeiro aniquilamento na auto-estima (revestimento do caráter) e na

identidade da criança, que não mais sabe quem ela é.

Aliás, seria de uma atrocidade imensurável obrigar uma criança a

aguardar a decisão definitiva de uma ação judicial para ter a possibilidade

de ver diminuídos os traumas sofridos.

Noutro passo, considerando o princípio da proteção integral da

criança e do adolescente e a condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento, que apresenta hipossuficiência frente à defesa dos seus

próprios interesses, além de apresentar interesses especiais, poder-se-ia

até mesmo concluir que o periculum in mora é presumido por lei.

Por último, quanto ao pressuposto negativo, isto é,

reversibilidade dos efeitos do provimento, diante do risco de dano

irreparável ao direito da favorecida, diante da condição peculiar de pessoa

em desenvolvimento, bem como diante da natureza alimentar do pedido,

creio ser desnecessária a presença desse pressuposto.

Aclare-se que, considerando que os alimentos pleiteados a

título de antecipação dos efeitos concretos da sentença visam a garantir a

própria sobrivência da criança, pode-se, com tranqüilidade, reconhecer seu

caráter de irrepetibilidade, ou seja, ainda que, a posteriori, venha esta

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decisão a ser modificada, alterada, ou o pedido julgado improcedente, não

estaria a favorecida obrigada a ressarcir aos demandados aquilo que deles

recebeu.

Nesse sentido, é totalmente prescindível a presença desse

pressuposto negativo para a concessão do pedido de antecipação de

tutela.

A respeito da irreversibilidade do provimento antecipado, Luiz

Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, in "Manual do Processo de

Conhecimento", editora Revista dos Tribunais, 2001, página 251, lecionam:

Em virtude dessa regra, seria possível pensar que o juiz não pode

conceder tutela antecipatória quando ela puder causar prejuízo

irreversível ao réu. Contudo, se a tutela antecipatória, no caso do inciso

I, é preordenada a evitar um dano irreparável ao direito provável, não há

como não se admitir a concessão da tutela sob o simples argumento de

que ela pode trazer um prejuízo irreversível ao réu. Seria como dizer

que o direito provável deve sempre ser sacrificado diante da

possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável.

Nesse sentido, Theotonio Negrão, in "Código de Processo Civil e

legislação processual em vigor", editora Saraiva, 35ª edição, 2003, nos

comentários ao artigo 273, nota 20b, colaciona:

A exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do artigo 273 do CPC

não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela

antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina (STJ - 2ª

Turma - REsp 144.656-ES - rel. Min. Adhemar Maciel - julgado em

06/10/1997 - não conheceram - v.u. - DJU 27/10/1997, página 54.778).

Ratificando esse entendimento, tem-se o ensinamento de

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira (Curso de Direito

Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e

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liquidação da sentença e coisa julgada. Volume 2. Salvador: Edições Jus

Podivm. 2007, pág. 543):

Mas essa exigência legal deve ser lida com temperamentos, pois, se

levada às últimas consequências, pode conduzir à inutilização da

antecipação de tutela. Deve ser abrandada, de forma a que se preserve o

instituto.

Isso porque, em muitos casos, mesmo sendo irreversível a medida

antecipatória – ex.: cirurgia em paciente terminal, despoluição de águas

fluviais, dentre outros –, o seu deferimento é essencial, para que se

evite um “mal maior” para parte/requerente. Se o seu deferimento é

fadado à produção de efeitos irreversíveis para o requerido, o seu

indeferimento também implica consequências irreversíveis para o

requerente. Nesse contexto, existe, pois, o perigo da irreversibilidade

decorrente da não-concessão da medida. Não conceder a tutela

antecipada para a efetivação do direito à saúde pode, por exemplo,

muita vez, implicar a consequência irreversível da morte do

demandante.

Logo, diante do choque de direitos fundamentais, qual seja

efetividade versus segurança, o juiz deve valer-se do princípio

constitucional da proporcionalidade para solucionar a questão, não

perdendo de vista, igualmente, o princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana.

Toda vez que forem constatados a verossimilhança do direito e o

risco de danos irreparáveis (ou de difícil reparação) resultantes da sua

não satisfação imediata, deve se privilegiar esse direito provável,

adiantando sua fruição, em detrimento do direito improvável da

contraparte. Deve-se dar primazia à efetividade da tutela com sua

antecipação, em prejuízo da segurança jurídica da parte adversária, que

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deverá suportar sua irreversibilidade e contentar-se, quando possível,

com uma reparação pelo equivalente em pecúnia. 3

Como já dito anteriormente, vale recordar que os alimentos pagos,

ainda que de caráter ressarcitórios, não são restituíveis.

Além disso, convém esclarecer, ao mesmo tempo, que a guarda da

favorecida fora concedida aos demandados, o que os obrigaria a prestar

alimentos e cuidados à criança.

Quanto ao valor a ser pago, a título de antecipação da tutela,

considerando que o limite médio de um acompanhamento psicológico

individual fica em torno de R$118,00 (cento e dezoito reais) a sessão

(documento de F. 56), bem como considerando a atividade profissional dos

demandados, creio que o valor de 15% (quinze por cento) dos rendimentos

líquidos auferidos mensalmente pelos demandados, seja suficiente para o

pagamento dos tratamentos e demais necessidades da criança.

Posto isso, presentes, in status assertionis, os pressupostos do art. 273 do Código

de Processo Civil, defiro o pedido de antecipação dos efeitos concretos da sentença e, por

conseguinte, determino que os demandados, D.A.S. e M.C.B., paguem à criança N.G.S. o

valor referente a 15%(quinze por cento) de seus rendimentos líquidos, auferidos

mensalmente, a título de alimentos ressarcitórios.

Oficie-se ao Banco do Brasil S/A, agência local, requisitando a abertura de conta

corrente em nome da favorecida, destinada ao recebimento da quantia a ser paga pelos

demandados.

Após a abertura da conta corrente, oficie à Secretaria Estadual de Defesa Social,

requisitando o desconto em folha de pagamento dos demandados do percentual de 15%

(quinze) por cento dos rendimentos líquidos destes, com conseguinte depósito na conta

corrente aberta em nome da favorecida.

Intimem-se.

3 JR. DIDIER, et al. op cit. pág. 544.

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Citem-se os demandados, informando-os desta decisão, bem como para, querendo,

apresentar resposta no prazo de 15(quinze) dias, sob pena de revelia.

Segue-se o rito ordinário.

Uberlândia, 01 de junho de 2009.

Édila Moreira ManossoJuíza de Direito

RECEBIMENTORecebi estes autos em _______ de _________________________ de 200____.

A Escrivã: