EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR...

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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 a REGIÃO Agravo de instrumento nº 0065861-06.2016.4.01.0000 Autos de origem nº. 57663-26.2016.4.01.3800 Vara de origem: 17 a Vara Federal em Belo Horizonte/MG Agravante: ONCOMED LTDA Agravados: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de Minas Gerais O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 527, V, do Código de Processo Civil, oferecer CONTRARRAZÕES AO AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por ONCOMED LTDA. contra a r. decisão interlocutória proferida nos autos acima em epígrafe, requerendo o não provimento do recurso, nos termos a seguir expostos. Belo Horizonte, 30 de janeiro de 2017. Giselle Ribeiro de Oliveira Promotora de Justiça Coordenadora das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR

DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1a REGIÃO

Agravo de instrumento nº 0065861-06.2016.4.01.0000

Autos de origem nº. 57663-26.2016.4.01.3800

Vara de origem: 17a Vara Federal em Belo Horizonte/MG

Agravante: ONCOMED LTDA

Agravados: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de Minas Gerais

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS vem, perante

Vossa Excelência, com fundamento no art. 527, V, do Código de Processo Civil, oferecer

CONTRARRAZÕES AO AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por ONCOMED LTDA.

contra a r. decisão interlocutória proferida nos autos acima em epígrafe, requerendo o não

provimento do recurso, nos termos a seguir expostos.

Belo Horizonte, 30 de janeiro de 2017.

Giselle Ribeiro de Oliveira

Promotora de Justiça

Coordenadora das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas

Gerais

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Agravo de instrumento nº. 0065861-06.2016.4.01.0000

Autos de origem nº. 57663-26.2016.4.01.3800

Vara de origem: 17a Vara Federal em Belo Horizonte/MG

Agravante: ONCOMED LTDA.

Agravados: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de Minas Gerais

CONTRARRAZÕES NO

AGRAVO DE INSTRUMENTO

Colenda Turma,

Eminente Relator,

Douto Procurador Regional da República,

Trata-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, interposto pela

ONCOMED LTDA, em razão da r. decisão interlocutória proferida às fls. 1178/1182 dos autos da

Ação Civil Pública nº. 57663-26.2016.4.01.3800, proposta pelo Ministério Público Federal e pelo

Ministério Público Estadual com o objetivo de promover a tutela do patrimônio histórico e cultural

federal, objetivando a conservação e preservação do Conjunto Paisagístico da Serra do Curral, objeto

de tombamento federal e municipal em Belo Horizonte.

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A decisão ora guerreada, em razão de notícias constantes nos autos da iminente intervenção

indevida em área tombada, a ser promovida pela agravante, determinou que a ONCOMED se

abstenha de realizar qualquer tipo de intervenção (alteração ou ampliação), por si ou mediante

prepostos, no imóvel do hospital Hilton Rocha, até ulterior determinação judicial. Determinou

ainda a suspensão dos efeitos de todos os atos autorizativos concedidos pelo Município de Belo

Horizonte e pelo IPHAN para as obras de intervenção e ampliação do Hospital Hilton Rocha.

Inconformada, a ONCOMED Ltda interpôs agravo de instrumento, aduzindo, em síntese: a)

nulidade da decisão agravada, em razão de ter sido concedida sem a prévia oitiva das Pessoas de

Direito Público que integram a lide, violando o disposto no art. 2º da Lei nº 8.437/92; b) inexistência

de irregularidade do ato que permitiu a edificação do prédio do Hospital Hilton Rocha, visto que teria

sido regularmente autorizada pelo Município, no Decreto 2.383/73 (art. 2º, inciso V), bem como pelo

IPHAN, que autorizou modificações e acréscimos posteriores, sanando qualquer vício originário de

construção do edifício; c) decadência da possibilidade de anulação de qualquer ato jurídico praticado

pela Administração Pública (Lei 9.784/99), em prol da segurança jurídica; d) função social exercida

pela instituição hospitalar sediada no local, cuja finalidade será mantida e ampliada pela ONCOMED,

com benefício direto a toda a população, exercendo função constitucionalmente tutelada de

promoção da saúde; e) o prédio do Hospital Hilton Rocha encontra-se edificado no local, sendo certo

que a edificação já se incorporou à paisagem há mais de 40 (quarenta) anos e que o próprio IPHAN

teria manifestado pela impossibilidade técnica de sua demolição; f) adquiriu o imóvel por meio de

título originário, visto que o arrematou em hasta pública; g) projeto para reforma do prédio foi

aprovado pelos órgãos federal (IPHAN) e municipal sendo que adequa-se à paisagem local, não

trazendo danos ao patrimônio cultural; h) o ofício em questão considera que a alteração da

especialidade única do Hospital Hilton Rocha para Hospital de múltiplas especialidades idealizada pela

ONCOMED não viola a finalidade imposta ao imóvel, sendo que a escritura menciona que o imóvel

poderia ser utilizado para “atividades afins”; i) a concessão das licenças foram precedidas de vários

estudos ambientais, de forma que o juízo a quo teria emitido opinião técnica em violação ao artigo 375

do CPC; j) o imóvel encontra-se em área que admite a construção muito embora, em princípio, a área

em discussão esteja incluída em Zona de Preservação Ambiental – ZPAM, o §2º do art. 14 da Lei

antes citada a qualifica como Zona de Proteção 1 (ZP-1), haja vista se tratar o imóvel de propriedade

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particular; k) a comunidade teria abraçado a causa do Hospital ONCOMED. Por fim, afirma não

existirem os requisitos autorizadores da medida liminar, visto que estariam ausentes a plausibilidade

do direito e a possibilidade de dano grave e de difícil reparação. Pede a atribuição de efeito suspensivo

ao recurso, cassando-se a decisão agravada ou reformando-a para então se restabelecer os efeitos das

licenças concedidas e se permitir o início das obras do empreendimento.

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões ao agravo, pedindo também a

intimação do Ministério Público Estadual para tanto.

Por determinação do exmo. desembargador relator, o IPHAN apresentou resposta nos

autos, sustentando: a) falta de interesse de agir do Ministério Público tendo em vista que não houve

omissão do IPHAN no trato da questão; b) impossibilidade jurídica do pedido visto que, em razão do

princípio da separação dos poderes, o Judiciário não poderá entrar no mérito administrativo da

decisão do IPHAN de aprovação do projeto de reforma e ampliação do hospital apresentado pelo

agravante; c) impossibilidade de imposição de responsabilidade solidária ao IPHAN; d) cláusula da

reserva do possível.

A AGU também apresentou resposta sustentando, em síntese: a) inexistência de vício de

legalidade que possa levar ao desfazimento (invalidação) do ato administrativo do IPHAN que

permitiu a realização das obras pretendidas pelo agravante; b) há de se alcançar um equilíbrio entre a

proteção ao patrimônio histórico ou paisagístico, com uma interpretação da legislação que favoreça a

proteção, sem, todavia, extirpar-se por completo o direito de propriedade; c) o projeto apresentado

tem potencial, se executado, de reduzir a influência negativa sobre os atributos e características

paisagísticas do bem tombado; d) o juízo de valor que diz respeito às questões do patrimônio cultural

nacional é atribuído por lei ao IPHAN, data vênia, não cabendo ao Ministério Público (e seus peritos)

determinar, em substituição, a definição daquilo que agride ou não as características locais, pena,

como dito, de usurpação de competência e, se acatado pelo Judiciário em sede de ação judicial, sob

pena de ofensa à divisão de poderes constitucional; e) são improcedentes as pretensões trazidas na

petição inicial direcionadas a condenar o IPHAN, solidariamente, na execução das obras de demolição

e/ou elaboração de projeto de recuperação ambiental correlato, visto que o imóvel é particular.

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Determinada intimação do Procurador Geral de Justiça do Ministério Público Estadual para

responder ao agravo de instrumento, nos termos do art. 1019, II, do CPC.

Eis, em apertada síntese, o relato do necessário.

Passa-se à análise.

I – PRELIMINARMENTE

A) Da ausência de nulidade da decisão guerreada

Inicialmente, sustenta a agravante que a decisão guerreada seria nula, em razão de ter sido

concedida a tutela de urgência sem a prévia oitiva das Pessoas de Direito Público que integram a lide,

com suposta violação ao disposto no art. 2º da Lei nº 8.437/92.

No entanto, tal argumento não merece prosperar; senão, vejamos:

1. O art. 2º da Lei n. 8.437/92 dispõe ser necessária, na ação civil pública e no mandado de

segurança aviados contra pessoa jurídica de direito público, a intimação prévia de seu representante

legal.

No entanto, o conteúdo do disposto nesse dispositivo pode ser mitigado, em havendo

motivo relevante.

No caso dos autos, o deferimento liminar da tutela de urgência se impôs em razão da

iminência da prática, pela agravante, de sérios danos ao bem cultural tombado mais

importante do município de Belo Horizonte. Desta feita, a prévia oitiva dos entes públicos poderia

tornar inútil a posterior análise da tutela de urgência, tendo em vista a difícil reparação in natura dos

danos ambientais.

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2. Ademais, como bem ressaltado pelo Ministério Público Federal, o disposto no artigo 2º da

Lei nº 8.437/1992 é inaplicável vez que o deferimento da tutela de urgência pelo juízo a quo não

impôs qualquer prejuízo ou ônus ao IPHAN ou ao Município de Belo Horizonte/MG.

3. Ressalte-se que, notificados para manifestarem-se nos autos, em sede de agravo, nem a

AGU, nem o IPHAN, sustentaram a ocorrência de danos ao Poder Público, tendo, ao contrário,

informado que cumpriram a decisão liminar.

4. Aplicável no caso a jurisprudência pacífica do STJ no sentido de que a obrigatoriedade

de manifestação da autoridade pública, prevista no art. 2º da Lei 8.437 /1992, antes

da concessão da liminar não é absoluta, podendo ser mitigada à luz do caso concreto, notadamente

quando a medida não atinge bens ou interesses da entidade em questão.

Desta feita, o Ministério Público pede o não reconhecimento da nulidade arguida.

B) Do interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido – Confusão com o próprio mérito

Notificado a apresentar informações sobre o caso, o IPHAN apresentou resposta,

sustentando: a) falta de interesse de agir do Ministério Público, ao propor a Ação Civil Pública, tendo

em vista que não houve omissão do IPHAN no trato da questão; b) impossibilidade jurídica do

pedido constante na Ação Civil Pública visto que, em razão do princípio da separação dos poderes, o

Judiciário não poderá entrar no mérito administrativo da decisão do IPHAN de aprovação do projeto

de reforma e ampliação do hospital apresentado pelo agravante.

Muito embora as preliminares refiram-se às condições da ação principal – e não à pretensão

recursal -, o Ministério Público passa a combatê-las, demonstrando a viabilidade da Ação Civil

Pública.

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1. No caso dos autos, patente o interesse de agir do Ministério Público tendo em vista que,

não fosse a tutela de urgência deferida em sede de Ação Civil Pública, as obras pretendidas pela

agravante estariam em plena execução, contando com as licenças dos órgãos públicos, causando

mutilação do bem tombado. Necessária e adequada, portanto, a propositura da Ação Civil Pública.

Em relação ao IPHAN e ao Município de Belo Horizonte, o interesse de agir ficou patente

pelo fato de que os mesmos se omitiram no dever de defender a Serra do Curral, uma vez que

concederam licenças para intervenções que, levadas a efeito, implicarão sérios danos à paisagem e,

conseguintemente, ao direito de sua fruição pela coletividade.

2. No tocante à possibilidade jurídica do pedido, da inicial verifica-se que a Ação Civil

Pública expõe e visa a combater os atos autorizativos concedidos pelo Município de Belo Horizonte e

pelo IPHAN para obras de intervenção e ampliação do Hospital Hilton Rocha, posto que ilegais.

Ora! Inexiste vedação legal ao pedido formulado pelo autor em sua petição inicial, sendo

admitido no Estado Democrático de Direito o questionamento sobre a legalidade dos atos

administrativos. Destaque-se que a questão será também apreciada quando do enfrentamento do

mérito do agravo, visto que com ele se confunde.

Pelo exposto, o Ministério Público pede rejeição também destas preliminares.

C) Imprescritibilidade dos danos ambientais – Necessidade de reparação in natura

A agravante, no claro intuito de confundir o julgador, aduz que teria ocorrido decadência do

direto de se questionar os atos administrativos que possibilitaram a construção do Instituto de Olhos

Hilton Rocha.

1. No caso dos autos, a construção do imóvel que abrigou o Instituto de Olhos Hilton

Rocha foi baseada em atos antijurídicos. No entanto, o objeto da Ação Civil Pública não é declaração

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da nulidade de tais atos, praticados há mais de 40 anos, mas sim a reparação dos danos ambientais

ocasionados pela construção do mencionado Instituto, bem como evitar que novos danos ambientais

sejam ocasionados pela ampliação da construção sobre o bem tombado (Serra do Curral), declarando-

se nulos os atos atualmente praticados.

2. As infrações ao meio ambiente são de caráter continuado, motivo pelo qual as ações de

pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis. Inexiste direito adquirido à

degradação do meio ambiente.

Sobre o tema, pertinente a lição de Hugo Nigro Mazzili:

Em matéria ambiental, de ordem pública, por um lado, pode o legislador dar novo

tratamento jurídico a efeitos que ainda não se produziram; de outro lado, o Poder Judiciário

pode coibir as violações a qualquer tempo. A consciência jurídica indica que não existe o

direito adquirido de degradar a natureza. É imprescritível a pretensão reparatória de

caráter coletivo, em matéria ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido

de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como

futuras.

Como poderia a geração atual assegurar o seu direito de poluir em detrimento de gerações

que ainda nem nasceram?! Não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição

patrimonial do direito privado.

A luta por um meio ambiente hígido é um meta direito, suposto que antecede à própria

ordem constitucional. O direito ao meio ambiente hígido é indisponível e imprescritível,

embora seja patrimonialmente aferível para fim de indenização. (in A Defesa dos Direitos

Difusos em Juízo, 19ª ed., rev. e ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, págs. 540-541,

grifei)

Destaque-se que a reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também entende

que é imprescritível a pretensão reparatória de danos ambientais. No julgamento do REsp

1120117/AC (rel. Min. Eliana Calmon, julg. 10-11-2009), p.ex., consignou-se o entendimento de que:

(...) O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade

hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito

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inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não

estar expresso em texto legal.

4. Pelo exposto, o Ministério Público pede a rejeição da tese de decadência/prescrição.

II – MÉRITO

No mérito, a agravante pretende reverter a decisão que suspendeu a realização de

intervenção (alteração ou ampliação), por si ou mediante prepostos, no imóvel do Instituto de Olhos

Hilton Rocha, até ulterior determinação judicial.

A decisão agravada, porém, não merece reparo, conforme se passa a expor:

A) Histórico da construção do prédio Instituto Hilton Rocha: influência política e ilegalidade

- Normas e atos protetivos à Serra do Curral – Inconstitucionalidade das modificações

Ocorridas na Legislação Municipal após a aquisição do Imóvel pela Agravante – Proibição de

Retrocesso em Matéria Ambiental

Sustenta a agravante a inexistência de irregularidade do ato que permitiu a edificação do

prédio do Hospital Hilton Rocha, visto que teria sido regularmente autorizada pelo Município, no

Decreto 2.383/73 (art. 2º, inciso V), bem como pelo IPHAN, que autorizou modificações e

acréscimos posteriores, sanando qualquer vício originário de construção do edifício. Afirma que o

imóvel encontra-se em área que admite a construção por tratar-se de Zona de Proteção 1 (ZP-1).

No mérito, tampouco assiste razão ao agravante.

Conforme se verifica dos autos, muito embora o Poder Público tenha reconhecido o valor

cultural e a importância da Serra do Curral para a história de Belo Horizonte, protegendo-a por meio

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de tombamentos e de leis municipais, favores de caráter pessoal culminaram na criação do imóvel em

questão (lote 1 da quadra 39 no bairro das Mangabeiras), bem como na permissão para construção do

Hospital de Olhos Hilton Rocha, em prejuízo para o meio ambiente.

As leis municipais que permitiram a edificação em bem tombado foram feitas à revelia dos

órgãos de proteção e contrariam a legislação federal já vigente à época (Decreto-Lei 25/37).

Outrossim, as modificações na legislação ambiental municipal ocorridas após a aquisição do imóvel

pela agravante consistem em retrocesso ambiental, sendo, portanto, inconstitucionais.

Se não, vejamos:

1. A Serra do Curral – ao sopé da qual foi edificado o Instituto de Olhos Hilton Rocha, hoje

pertencente à agravante – é o marco geográfico mais representativo da região metropolitana de

Belo Horizonte, com expressivo significado simbólico. De fato, o próprio projeto da cidade,

elaborado por Aarão Reis, foi elaborado com a intenção de aproveitar o valor paisagístico da Serra,

que pode ser vislumbrada de vários pontos da cidade posicionada como pano de fundo, arrematando

seu eixo central definido pela Avenida Afonso Pena.

2. Sua importância para a história de Belo Horizonte é tão grande que, desde a década de 50,

buscou-se protegê-la dos interesses econômicos voltados à sua degradação.

Conforme se extrai do laudo elaborado pelo setor técnico do Ministério Público:

O pedido de tombamento federal foi realizado pelo então Governador do Estado de Minas

Gerais, Sr. José Francisco Bias Fortes, em 17/12/1958, em face das obras de pesquisa de

minério de ferro pela firma Hanna Corporation nas proximidades da referida Serra,

considerada símbolo da cidade, tendo o seu pico, Pico de Ferro ou Pico de Belo Horizonte,

desenhado no Brasão de Armas da cidade. O processo foi polêmico desde o princípio,

especialmente no que trata a definição de um perímetro de proteção. Foi inicialmente

sugerida pelo diretor da 3º Distrito do DPHAN, Sylvio de Vasconcelos, a proteção de 11 km,

dimensão contestada por outros conselheiros por ser um fator dificultador na exploração

minerária na serra, de grande importância como geradora de recursos econômicos.

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(...) Após reunião do Conselho Consultivo, realizada em 1º de setembro de 1960, a Serra do

Curral foi inscrita no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico,

número de inscrição 029-A e número de processo 0591-T-58.

3. No entanto, não foram apenas as empresas de minerações que pressionaram o Poder

Público para exploração da área nobre de Belo Horizonte.

Conforme se passa a expor, ao longo da história foram feitos recortes nas leis de proteção

à Serra do Curral, com a finalidade de beneficiar os empreendedores que pretendem mutilá-

la, em detrimento do meio ambiente cultural.

4. De fato, embora a Constituição da República de 1967/1969 (art. 180) tenha reconhecido a

necessidade de proteção especial pelo Poder Público dos locais de valor histórico ou artístico, dos

monumentos e as paisagens naturais notáveis1, no período militar, o falecido médico Hilton Rocha

utilizou sua influência política junto ao governo para arrefecer a proteção ao monumento natural e

construir o prédio do Instituto de Olhos Hilton Rocha, no hoje conhecido bairro das Mangabeiras.

Conforme noticiado no sítio eletrônico Jornallaico2:

[...] a construção do Hilton Rocha começou no final do regime militar, com o ministro chefe

da Casa Civil (1974/1981) general Golbery Couto e Silva. O militar sofreu um deslocamento

(sic) de retina em 1976 e foi operado pelo oftalmologista Hilton Rocha, na época um dos

principais especialistas do país na área. Conforme Alves, o médico revelou a Golbery o

desejo de construir um hospital de olhos ao pé da Serra do Curral. Satisfeito com o resultado

da cirurgia, o militar interveio junto ao então prefeito de Belo Horizonte, Luiz Verano [...]

para que criasse legislação específica para atender o desejo de Hilton Rocha3.

1 Art. 180. O amparo à cultura é dever do Estado. Parágrafo único. Ficam sob a proteção especial do Poder Público os

documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem

como as jazidas arqueológicas. 2 No mesmo sentido: https://mangabeiras.wordpress.com/2011/07/04/bairro-mangabeiras-sua-historia-e-significado/

acesso em janeiro de 2017. 3 Disponível em: http://jornalaico.blogspot.com.br/2011/10/edificio-do-hospital-hilton-rocha-nao.html acesso em janeiro de 2017.

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A legislação municipal foi então direcionada para atender ao pedido do médico Hilton

Rocha.

5. Em 1973, projetos de parcelamento foram aprovados pela Prefeitura Municipal de Belo

Horizonte, através dos Decretos 2317/73 e 2383/73, com a denominação de Bairro das Mangabeiras,

sendo que o mencionado diploma previu que haveria um quarteirão com um único lote acima do anel

da Serra (justamente o lote 1 do quarteirão 39), com a finalidade especifica de abrigar “Clínica

Oftalmológica e Centro de Pesquisas de Oftalmologia, conforme entendimentos anteriormente

celebrados entre vendedor e comprador4”.

Os projetos, no entanto, não foram submetidos ao SPHAN (Serviço de Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional), atual IPHAN, apesar de a área situar-se no perímetro tombado da

Serra do Curral.

Vista aérea da Serra do Curral. Em destaque, o prédio do Instituto Hilton Rocha, único situado acima do Anel da Serra (atual rua José Patrocínio Pontes, destacada em azul).

6. Diante da situação absurda, em 1975, o Iphan solicitou à CODEURB a alteração das

normas especificas para edificações no bairro Mangabeiras e que os terrenos situados acima do Anel

da Serra (atual rua José do Patrocínio Pontes) fossem consideradas “non aedificandi” (doc. ).

4 Os Decretos 2317/73 e 2383/73 estabeleciam que as edificações ficaram sujeitas a normas específicas, dentre as quais

destacamos: (...) “V - no lote 1 do quarteirão 39 será permitida a construção de uma Clínica Oftalmológica e Centro de Pesquisas

de Oftalmologia, conforme entendimentos anteriormente celebrados entre vendedor e comprador, com o conhecimento da

Administração; (...) VI - as construções terão o máximo de dois pavimentos na fachada, excluindo a garagem e deverão ser

recuados, no mínimo, de 3 m (três metros) do alinhamento das vias públicas e 1,50 m (um metro e meio) das divisas laterais dos

terrenos; excetuando aquelas situadas nos quarteirões 20, 24 e 39 que obedecerão ao item XII deste artigo; XII - nos quarteirões 20,

24 e 39 nenhum prédio poderá contar mais de 4 (quatro) pavimentos e deverá ser recuado, no mínimo, de 15 (quinze) metros do

alinhamento das vias públicas e de 5 (cinco) metros das divisas laterais dos terrenos, observadas ainda as seguintes condições; a)

para prédio de 4 (quatro) pavimentos, a área construída não poderá ser superior a 30 % (trinta por cento) da área do lote;

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Em 1975 foi editado o Decreto 2.820/75, através do qual o Município, considerando que os

terrenos localizavam-se em área tombada e que lhe cumpria “preservar suas reservas naturais”,

modificou o Decreto 2.383/75 e excluiu do loteamento aprovado os quarteirões 20, 24 e 39,

determinando que passariam a constituir área verde e com impedimento para qualquer

construção no local.

7. À época, “houve negociações no sentido de se permutar o lote n. 01 do quarteirão 39, de

propriedade do Instituto Hilton Rocha, por área equivalente no quarteirão 22, o que asseguraria

resguardar todos os contrafortes da Serra como área de preservação ambiental”5.

8. Mais uma vez, então, o médico Hilton Rocha valeu-se de seu prestígio junto ao

Governo Militar para que a legislação fosse modificada, não em prol da proteção do bem

tombado, mas exclusivamente para a garantia de seu interesse.

Acerca desta situação obteve-se conhecimento de depoimento do próprio Hilton Rocha, em

reportagem publicada à época. É o que se segue:

Jota Zero - Como surgiu o Instituto e a Fundação Hilton Rocha?

HR - Foram anos de trabalho, contatos, formação de equipes. Junto com Paulo Galvão,

Christiano Barsante e Emyr Soares, formamos o grupo dirigente, unidos em ideais e

propósito. Compramos um terreno de 30 mil metros no sopé da Serra do Curral, num lugar

que na época estava começando a ser incorporado à malha urbana da cidade. Em 1973

surgiram leis municipais vinculando o terreno por nós licitado à destinação específica de um

instituto de olhos. O terreno foi considerado oficialmente nosso em 20 de junho de 1974,

durante uma sessão presidida pelo então governador Rondon Pacheco. Em março de 1975 o

projeto da construção foi aprovado pela prefeitura, mas em dezembro deste ano a mesma

prefeitura, atendendo a um pedido do patrimônio histórico, considerou que a área do sopé

da Serra do Curral não poderia ter edificações. Batemos novamente às portas do governo

estadual, então chefiado por Aureliano Chaves e depois de muita luta, a lei foi revogada. (...)

Foram dias bastante difíceis, mas o instituto pode ser concluído e começar a funcionar. Hoje

5 Conforme ofício assinado por Cláudio Augusto Magalhães Alves, Diretor Regional/ 7ª DR/SPHAN/FNPM, datado de 01/01/1988

(doc. ).

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valeria a pena repetir tudo de novo e enfrentar dificuldades dez vezes maiores para

concretizar o Instituto e a Fundação6.

9. Nesta toada, o Decreto 2.895/76 excluiu as proteções conferidas ao quarteirão 39.

Outrossim, embora o Decreto nº 3073/1977, que regulamentou o uso e a ocupação do solo

no local, tenha descrito que a destinação das aéreas em SE 1 (onde insere-se o lote 01 do quarteirão

39, objeto de análise) deveria ser predominantemente residencial e que não seria admitida a ocupação

de áreas com declividade superior a 30% ou que implicassem em risco para a estabilidade das encostas

ou mesmo no seu comprometimento como recurso paisagístico, a mesma lei especificamente excluiu

os lotes integrantes de loteamentos regularmente aprovados, antes da vigência da Lei nº 2662, de

29.11.76, para beneficiar o Hilton Rocha.

10. Apesar das normas protetivas, ao longo dos anos, foram construídos anexos clandestinos

ao prédio do Instituto Hilton Rocha.

11. Em janeiro de 1981 foi promulgada a Lei 3291 que altera o zoneamento SE 1 para SE 2,

que possuía parâmetros urbanísticos mais permissivos, para os lotes que haviam sido doados pelo

município para os fins especificados, assim como os terrenos que antes da vigência da Lei 2.662/76

foram ocupados com alguns usos institucionais, entre eles hospitais gerais e especializados. Esta lei

possibilitou a aprovação do projeto de levantamento e acréscimo, regularizando os acréscimos

clandestinos existentes até aquela data perante a prefeitura municipal de Belo Horizonte sendo que,

em julho de 1981, deu-se entrada em novo projeto de modificação com acréscimo de área, que obteve

baixa parcial.

Não houve anuência prévia do Iphan para aprovação dos projetos pela Prefeitura de Belo

Horizonte.

6 Jornal Oftalmológico Jota Zero. Novembro/Dezembro 2011. Centenário de Hilton Rocha - Tópicos de uma vida, escrito por

Nicomedes Ferreira Filho. p. 24-25. Disponível em: http://www.cbo.com.br/novo/medico/pdf/ jo/ed140/8.pdf. Acesso em janeiro

de 2017.

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12. No fim do período militar, intensificou-se a proteção à Serra do Curral

novamente.

13. A Lei nº 4013/85 autorizou a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte a receber em

doação, da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais - CODEURB, os

quarteirões nºs 20 e 24, os lotes 2 e 3 do quarteirão nº 39 do Bairro das Mangabeiras, aprovado pelo

Decreto Municipal 2.383/73, modificado pelos Decretos 2820/75 e 2.895/76. Estas áreas passaram a

ser consideradas "non aedificandi", competindo à Prefeitura elaborar e executar os projetos

necessários à preservação dos aludidos terrenos, dentro do conjunto paisagístico da Serra do Curral e

do Parque das Mangabeiras, bem como da área indivisa, situada entre os referidos quarteirões e o

Município de Nova Lima.

14. Para reforçar a proteção ao bem cultural, em 21 de março de 1990 o valor cultural da

Serra do Curral foi reconhecido pela Lei Orgânica de Belo Horizonte, a qual consignou o

tombamento municipal do alinhamento montanhoso (artigo 2247).

15. A importância da Serra do Curral para o belorizontino é tão grande que, em plebiscito

promovido pela Prefeitura no ano de 1995, com um total de 268.767 votos, a mesma foi eleita

símbolo da cidade.

16. Por sua vez, a Lei 7.165/96, que institui o Plano Diretor do Município de Belo

Horizonte (artigo 15), definiu que todas as diretrizes de proteção da memória e do patrimônio

cultural – destacando-se a proteção dos elementos paisagísticos, de forma a permitir a visualização do

panorama e a manutenção da paisagem em que estão inseridos; a promoção da desobstrução visual da

paisagem e dos conjuntos de elementos de interesse histórico e arquitetônico e a coibição da

destruição de bens protegidos – devem ser aplicadas preferencialmente na Serra do Curral.

7 “Art. 224 - Ficam tombados para o fim de preservação e declarados monumentos naturais, paisagísticos, artísticos ou históricos,

sem prejuízo de outros que venham a ser tombados pelo Município: I - o alinhamento montanhoso da Serra do Curral,

compreendendo as áreas do Taquaril ao Jatobá”.

16

17. Por sua vez, a Lei nº 7.166, de 27 de agosto de 1996, que estabeleceu as normas e

condições para parcelamento, ocupação e uso do solo urbano no município, classificou a área como

Zona de Proteção Ambiental – ZPAM, classificação mantida pela Lei nº 9.959, de 20 de julho de

2010, que alterou as leis n° 7.165/96 e n° 7.166/96.

Segundo a referida Lei, ZPAMs são “regiões que, por suas características e pela tipicidade da

vegetação, destinam-se à preservação e à recuperação de ecossistemas, visando: I – garantir espaço

para a manutenção da diversidade das espécies e propiciar refúgio à fauna; II – proteger as nascentes e

as cabeceiras de cursos d’água; III – evitar riscos geológicos”.

18. A partir de 2009, no entanto, a história de ilegalidade que envolve o edifício que

abrigada o Hospital Hilton Rocha voltou a se repetir, desta vez protagonizada pela agravante.

19. Em razão de dívida trabalhista do proprietário, o imóvel foi penhorado por determinação

da Justiça do Trabalho, sendo adquirido em hasta pública pela ONCOMED Centro de Prevenção e

Tratamento de Doenças Neoplásicas Ltda, ora agravante.

20. Embora conhecessem as restrições legais para a área, a agravante ONCOMED Ltda tem

incessantemente trabalhado em prol do retrocesso em matéria ambiental, buscando, assim como

o médico Hilton Rocha, colocar seus interesses acima do interesse difuso (metaindividual) e

indisponível ao meio ambiente cultural.

21. Modificações pontuais na legislação municipal passaram então a ocorrer com a finalidade

exclusiva de viabilizar a pretensão dos agravantes, em total desrespeito ao meio ambiente e,

especificamente, ao patrimônio cultural.

Em 2010, a LPOUS passou por nova revisão, por meio da entrada em vigor da Lei nº 9959

de 20 de julho de 2010, que abriu possibilidade de mudança da área ocupada e na configuração dos

usos admitidos no terreno / edificação ocupados pelo Hospital / Fundação Hilton Rocha.

17

Neste sentido, a Lei Municipal 9.959 alterou a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo

de Belo Horizonte, acrescentando os artigos 72-C e o 91-C, que modificam o uso do solo para o local

de implantação do empreendimento Hospital.

Destaque-se que a atividade de hospital é considerada de alto risco e compõe o Grupo III de

classificação de geração de incômodos, segundo o anexo X da Lei Municipal 7.166/96, e que, embora

o § 1º do art. 67 da Lei 7.166/96 não permita a implantação de usos dos grupos II, III e IV em vias

preferencialmente residenciais, o art. 72-C da mesma Lei autoriza a implantação do Hospital

Oncomed no terreno em estudo8.

Em 05/07/2013 foi promulgada a Lei Municipal nº 10630 de 05/07/2013, que altera, mais

uma vez, as Leis nº 7.165/1996 (Lei de Parcelamento Uso e Ocupação do Solo) e 7.166/1996 (Plano

Diretor de Belo Horizonte) e dá outras providências, permitindo que hospitais sejam construídos

em Zonas de Proteção Ambiental, a regularização não onerosa de hospitais comprovadamente

existentes na data da publicação da lei e que estejam em desconformidade com os parâmetros da

legislação urbanística municipal.

22. A partir de tais mudanças – que foram absolutamente direcionadas ao atendimento da

pretensão da agravante, não guardando qualquer embasamento técnico ou lógico – houve mudanças

no direcionamento dos atos administrativos, permitindo-se a ampliação do prédio do Instituto de

Olhos Hilton Rocha para que o mesmo se transforme em um hospital de múltiplas funções.

23. As mudanças na legislação municipal e, consequentemente, nos atos administrativos,

no entanto, mostra-se inconstitucional visto tratar-se de flagrante retrocesso na proteção do

direito difuso e fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual

compreende a proteção do patrimônio cultural e, portanto, a salvaguarda dos sítios de

especial relevância paisagística, nos termos do art. 216, V, da Constituição de 1988.

8 Em 12/01/2011, a Lei 10065, altera o parágrafo 1º do artigo 67 da Lei 7166/96, passando a admitir usos dos grupos III (entre os

quais se incluem os hospitais, como o objeto em análise) e IV, antes proibidos, nas vias preferencialmente residenciais, ficando

proibidas somente a instalação de usos do Grupo II nestas vias.

18

O princípio da proibição do retrocesso dos direitos socioambientais é assim resumido pela

doutrina mais especializada:

“o princípio da proibição do retrocesso ambiental (ou socioambiental) seria concebido no

sentido de que a tutela normativa ambiental – tanto sob a perspectiva constitucional quanto

infraconstitucional – deve operar de modo progressivo no âmbito das relações sócio-

ambientais, a fim de ampliar a qualidade de vida existente hoje e atender a padrões

cada vez mais rigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana, não admitindo o

retrocesso, em termos normativos, a um nível de proteção inferior àquele verificado hoje”

(SARLET, Ingo Wolfgang & FENSTERSEIFER, Tiago. In Dano Ambiental na Sociedade de

Risco. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 152/153)

O Princípio da Proibição do Retrocesso encontra amparo na Convenção Americana de

Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica - 1969) e na Convenção Americana de Direitos

Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), que preveem,

respectivamente, os deveres de desenvolvimento progressivo dos direitos sociais e o melhoramento do

meio ambiente.

Decorre logicamente, também, dos princípios constitucionais da Prevalência dos Direitos

Humanos e da Cooperação entre os Povos para o Progresso da Humanidade expressamente definidos

no art. 4°, II e IX da Constituição Federal. O Princípio em lume também decorre da segurança

jurídica resultante da Proteção ao Direito Adquirido (art. 5°, XXXVI da Constituição Federal) da

sociedade ao patamar mínimo de proteção ao meio ambiente e patrimônio cultural.

Uma vez que o estado brasileiro, por meio da carta magna, se comprometeu a fazer

prevalecer os direitos humanos sobre interesses meramente econômicos e contribuir para o progresso,

não pode aceitar ato legislativo que, por motivos estritamente financeiros, implique retrocesso nos

níveis de proteção do mais fundamental dos direitos humanos: o direito à vida saudável e equilibrada

para as presentes e futuras gerações. Ele integra, portanto, o núcleo de conquistas sociais que não

estão sujeitas a retrocesso, sob pena de violar um patrimônio político-jurídico consolidado ao longo

do percurso histórico civilizatório.

19

Ainda, a própria eficácia negativa das normas constitucionais fulmina de

inconstitucionalidade as leis municipais que diminuíram a proteção à Serra do Curral. Afinal, é cediço

que não pode o legislador infraconstitucional seguir um direcionamento contrário a um mandamento

constitucional, especialmente em relação a um direito fundamental protegido como cláusula pétrea.

24. Ora! Se desde a década de 1960 os administradores e legisladores entenderam a

importância da Serra do Curral para o município de Belo Horizonte e impuseram restrições à

sua exploração e ocupação, não é razoável ratificar-se atos ditatoriais praticados durante o

regime militar e, repetindo a história, permitir-se a prática de novos atos legislativos lesivos

ao meio ambiente após a Constituição de 1988.

25. Por todo o exposto, tendo em vista que as leis municipais que possibilitaram a

construção do Hospital Hilton Rocha representam retrocesso em matéria ambiental, não merece

guarita a tese esposada pelo agravante.

B) Estudos elaborados para implantação do empreendimento – incongruência entre os

motivos relevantes dos atos administrativos e as conclusões dos estudos – Displicência

quanto à análise dos riscos geológicos do projeto

Segundo a agravante, o projeto para reforma do prédio foi aprovado pelos órgãos federal

(IPHAN) e municipal e adequa-se à paisagem local, não trazendo danos ao patrimônio cultural.

Ainda, afirma que a concessão das licenças foram precedidas de vários estudos ambientais, de forma

que o juízo a quo teria emitido opinião técnica em violação ao artigo 375 do CPC.

No entanto, o que se verifica dos autos é que, ao invés de corrigir os erros do passado, os

órgãos de proteção caminharam no sentido da consolidação e ampliação daquilo que já estava

irregular, de forma contrária ao Decreto Lei 25/37 e à Constituição Federal.

20

Ademais, há que se observar que os motivos constados nos atos administrativos não levaram

em consideração todos os fatos relevantes e não permitem as conclusões a que se chegou. O que se

verifica dos autos é que, a todo momento, os órgãos técnicos manifestam-se no sentido de que as

intervenções realizadas na Serra do Curral lhes são prejudiciais, sendo que as conclusões dos órgãos

direcionaram-se, no entanto, em favor da agravante por motivos que fogem à técnica de proteção

ambiental.

Por fim, verifica-se que estudos que apontam para riscos geológicos na área foram

ignorados, havendo perigo de degradação, não apenas do local onde se pretende edificar o imóvel da

ONCOMED, mas também de outros pontos da Serra do Curral, por desmoronamento.

É o que se passa a expor:

1. Em âmbito municipal, a agravante apresentou solicitou licença de implantação à Secretaria

Municipal de Meio Ambiente e licença ao Conselho Municipal de Patrimônio Cultural.

1.1. A agravante apresentou ao Município de Belo Horizonte proposta de Plano Diretor do

Hospital Oncomed, informando pretender instalar na edificação do antigo Hospital Hilton Rocha um

hospital oncológico com área total de 34.257,23 m², sendo 22.986,89 m² de edificações já existentes

(destes 5.328,68 m² referentes ao prédio da Fundação Hilton Rocha que apenas receberia pintura das

fachadas, pois pertence a terceiros).

O relatório técnico para análise de documentação complementar referente ao Plano Diretor

do Hospital ONCOMED, antigo Hospital Hilton Rocha, embora tenha concluído que as mudanças

não são prejudiciais à visibilidade do bem tombado, reconheceu expressamente que:

“o lote em questão encontra-se tombado como parte do perímetro de proteção da Serra do

Curral, mas a edificação conhecida como a antiga sede do Hospital Hilton Rocha não possui

tombamento específico. Além disso, por ter sido construída antes do tombamento municipal

e por constituir-se em barreira à visibilidade do paredão da Serra, foi aprovada a Diretriz

21

Especial 2 (DE2), que estabelece, como já mencionado, que a edificação deverá receber

tratamento que permita a redução do seu impacto paisagístico”.

(...) “a principal modificação sofrida pela proposta em relação ao projeto aprovado pelo

CDPCM-BH é o aumento de 1m a partir do 7° pavimento e acréscimo de área construída, de

forma a atender às exigências dos diversos órgãos relacionados com a aprovação da proposta.

O nível da cobertura da caixa de máquinas e caixa d’água da edificação alcança o nível 139,5.

(...) O material ora em análise se caracteriza como a complementação do Plano Diretor e o

projeto de modificação no Bloco 01, solicitado na Diretriz Especial 2 (DE2) – Do Hospital

Hilton Rocha. O terreno em epígrafe está localizado em Área de Preservação - APr, que

salvo as intervenções previstas nas Diretrizes Especiais, é vedado edificar, descaracterizar ou

abrir vias em praças, unidades de conservação e demais espaços incluídos em seu perímetro

de tombamento” (doc. ).

No parecer do Conselheiro relator do Processo 01.045.035.02-02 (doc.), o mesmo faz constar

que o projeto apresentado pela ONCOMED acarreta aumento na altimetria total da edificação.

Indicou que deveria haver modificação do projeto, ainda, para que elevadores tivessem suas caixas de

máquinas colocadas no subsolo, para eliminar volume saliente.

2.2. Já na Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a agravante pediu licenciamento ambiental

de implantação do empreendimento denominado Oncomed Centro de Prevenção e Tratamento de

Doenças Neoplásicas Ltda., a ser instalado na Av. José de Patrocínio Pontes, nº 1355 – Lote 01 do

quarteirão 039 do Bairro Mangabeiras.

A proposta de se instalar o Hospital Oncomed nesse local teve duas versões submetidas a

processos de licenciamento próprios, um em 2011, outro em 2013.

A primeira versão do empreendimento se deu no contexto na Lei 9652/2010, que instituiu a

Operação Urbana de Estímulo ao Desenvolvimento da Infraestrutura de Saúde, de Turismo Cultural

e de Negócios, sendo que o projeto em questão consistia de um novo edifício a ser construído a partir

da estrutura do hospital existente, caracterizado como modificação de edificação existente com

acréscimo de área.

22

Em janeiro de 2011 foi instaurado na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte processo de

Parecer Ambiental nº 01.132.587.11.20 para fins de obtenção de Licença de Implantação – LI – junto

ao COMAM para ampliação do Instituto de Olhos Hilton Rocha pela Oncomed Centro de Prevenção

e tratamento de doenças neoplásicas Ltda. Em 24/01/2011 foi emitida OLA – Orientação para

Licenciamento Ambiental. Em 10/08/2011 foi feito requerimento na Prefeitura Municipal de Belo

Horizonte de parecer de conformidade urbanística para fins de licenciamento ambiental. Em

03/10/2011 foi constatado que o projeto apresentado não atendia aos parâmetros urbanísticos da Lei

9959/2010, por estar inserido em Zona de Proteção tipo 1 (ZP1).

Diante das dificuldades encontradas, relacionadas a problemas de atendimento das demandas

do hospital dentro dos parâmetros urbanísticos em vigor, que não foram equacionados durante a

vigência dos prazos estipulados pela Lei para aquela Operação Urbana, os empreendedores fizeram

uma segunda proposta que consistiu basicamente do aproveitamento e adaptação do edifício

existente, sem acréscimo de área, com o intuito de ocupar o edifício existente, fazendo apenas as

adaptações necessárias à nova função. Esse projeto foi desenvolvido com base na OLEI 0383A-2012

e protocolizado para obtenção de LI, juntamente com os Estudos Ambientais, em 10 de junho de

2013, tendo sido analisado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente que emitiu parecer solicitando

informações complementares.

Com o sancionamento da Lei Municipal 10.630/13, que altera a Lei Municipal de

Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo e estabelece novos parâmetros urbanísticos com o intuito de

promover a construção de hospitais em Belo Horizonte, inclusive em Zonas de Proteção Ambiental,

viabilizou-se a retomada pela agravante do projeto inicial do empreendimento, desistindo-se, desta

forma, do processo de adaptação do edifício existente em curso. Foi, assim, iniciado um novo

procedimento de licenciamento ambiental, contemplando o primeiro projeto de ampliação.

No trâmite das licenças no município de Belo Horizonte, o Parecer Técnico nº 3165-14,

emitido no Processo nº: 01-156573-14-62, em 11/12/14, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente,

consigna que:

23

O empreendimento proposto consiste de um edifício de seis pavimentos, destinado a abrigar

um centro de prevenção e tratamento de doenças neoplásicas, cujo projeto aproveita em

parte a edificação principal existente, ampliando sua área bruta construída em 16.488,12 m².

A conclusão foi pela não concessão de Licença de Instalação até que apresentados e

aprovados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente o projeto paisagístico, o projeto

luminotécnico e o cronograma da obra e até que seja concluída a ação interposta pelo Ministério

Público (processo 0533043-68.2014.8.13.0024) (doc. ).

No entanto, em 03/02/2015 o Conselho Municipal do Meio Ambiente – COMAM –

concedeu Licença de Implantação ao Centro de Prevenção e Tratamento de Doenças Neoplásicas -

ONCOMED, através do certificado de licença ambiental nº 065/2015.

De se observar o parecer do relator do caso, Conselheiro da Fundação de Parques

Municipais, emitido em 17/12/2014, a favor da Licença de Implantação em que, dos 8 (oito)

“considerandos” apresentados, 7 (sete) deles não guardam pertinência com a matéria ambiental. O

desfecho do parecer deixa patentes os reais motivos determinantes do voto, que não se preocupou

com os impactos ambientais do empreendimento:

Por todas essas razões e pela premência da implantação desse empreendimento que trará

conforto, alento, saúde, valorização da vida, bem estar a milhares de famílias mineiras e pela

sua importância vital para a região metropolitana de Belo Horizonte, manifesto

favoravelmente pela concessão da Licença de Implantação ao empreendimento da Oncomed

na Avenida José de Patrocínio Pontes, número 1355, pelo prazo de quatro anos, conforme

condicionantes listadas no Anexo I deste relato.

No mesmo sentido o parecer do Conselheiro representante da FIEMG.

O parecer do representante da IAB fez constar de seus “considerandos” que os motivos

relacionados à aprovação do projeto relacionavam-se à aprovação do mesmo por outros órgãos.

Curiosamente, condicionou a sua concordância, dentre outras questões, a que fossem observadas as

24

recomendações da Fundação Biodiversitas e que “seja vedada a possibilidade de ampliações futuras da

ONCOMED”.

O empreendimento descrito na referida licença é o Hospital Oncomed, “edificação com área

construída de 11.600 m² (onze mil e seiscentos metros quadrados) a ser implantado em terreno com

área de 30.000 m² (trinta mil metros quadrados) localizado na avenida José do Patrocínio Pontes nº

1355 (lote 01 quarteirão 39), Bairro Mangabeiras, Regional Centro – Sul, conforme processo

administrativo 01-156573/14-62 e deliberação em reunião ordinária do dia 28/01/2014. A licença está

vinculada ao cumprimento integral das condicionantes, medidas compensatórias e notas do anexo 1”.

Destaque-se que a área constante da licença é diferente da área informada no projeto arquitetônico

aprovado na SMARU, que possui 36.844,88 m² de área construída.

2. No mesmo sentido, o IPHAN sempre havia se posicionado pela não realização de

intervenções no bem tombado (doc. ).

2.1. Ainda em 01/02/1988, o senhor Carlos Augusto de Magalhães Alves, Diretor Regional

da 7ª DR do SPHAN, estabeleceu que nos quarteirões de nºs 20, 24 e 39 não seriam admitidas novas

construções além das existentes até aquela data, especialmente no quarteirão 39, sendo admitidas

apenas instalações destinadas a vigilância e proteção da fauna e flora.

Consta dos autos que, em ofício datado de 05/02/2000, o então Superintendente Regional

do Iphan em Minas Gerais reconhece que o imóvel do Instituto / Hospital Hilton Rocha foi

construído em área protegida por tombamento federal, ocorrido em 1960, sem autorização do Iphan,

em descumprimento do artigo 18 do Decreto Lei 25/37. Alerta que o Iphan não autorizaria qualquer

tipo de acréscimo da referida área edificada.

Em laudo técnico datado de 06/06/2006, o IPHAN informa que “por não ter sido analisada

e aprovada pelo Iphan, as edificações que compõem o Instituto Hilton Rocha são irregulares, à luz da

legislação federal que protege a Serra do Curral”. Na oportunidade, também foi informado que o

Iphan não tinha interesse na aquisição do imóvel.

25

No ofício do Superintendente Regional da 13ª SR/IPHAN (em resposta a ofício

encaminhado pelo MPF), também datado de 2006, o órgão menciona que o Hospital Hilton Rocha

representa uma agressão à paisagem da Serra do Curral e que “a demolição do conjunto arquitetônico

que compõe o Instituto Hilton Rocha recuperaria a paisagem que foi objeto de tombamento datado

de 21/09/1960”, embora conclua que teria ocorrido a incorporação do prédio ao local e que, em

razão de sua utilidade pública, não haveria necessidade de demolição do mesmo. Ressalta, não

obstante, que qualquer intervenção no imóvel deveria ser feita no sentido de manter o volume atual

inalterado e de reduzir o impacto sobre a paisagem que se encontrava inserido.

Ao contrário do alegado pela agravante, isto não significou ratificação do fato

consumado de construção do Instituto Hilton Rocha, mas sim a manifestação do

inconformismo do órgão protetivo com os atos permissivos praticados durante o regime

militar.

2.2. Em 06/12/2010 foi protocolado no Iphan, superintendência de Minas Gerais, estudo

preliminar de projeto arquitetônico de adaptação do imóvel conhecido como Instituto Hilton Rocha,

prevendo a demolição de pequenos blocos soltos, reformulação do conceito formal do edifício

principal com substituição dos revestimentos de fachada e escalonamento dos pavimentos

acompanhando o perfil da Serra do Curral.

Consta do Parecer de Projeto emitido pelo IPHAN, em 28 de março de 2011, realizado por

técnico em preservação arquitetônica (doc. ), que:

O parecer Geológico-Geotécnico e Ambiental apresentado identifica o terreno como apto a

receber edificações de grande porte, preferencialmente, e justifica que as edificações de

pequeno porte poderiam tornar-se inseguras ou antieconômicas. Esta justificativa é falha pois

o ideal, no ponto de vista da preservação, é que a ocupação da área não tivesse ocorrido,

mantendo a integridade do maciço da serra acima da Av. José do Patrocínio Pontes.

No parecer geológico também são relatadas a alta permeabilidade do terreno no depósito de

vertente, com possibilidade de expressiva poluição do aquífero subterrâneo e risco de queda

26

de blocos de pedra. São afirmativas que induzem ao estudo, no desenvolvimento do projeto,

de soluções técnicas de combate a estes riscos.

A conclusão de tal parecer, realizado com base apenas em fotos de simulações e estudos

preliminares, é de que as intervenções propostas pareciam positivas no sentido de reduzirem o

impacto paisagístico da construção do Hospital Hilton Rocha na Serra do Curral, mas que:

Para que o empreendimento seja logrado de pleno êxito, fazem-se necessárias discussões

amplas com os órgãos de preservação no desenvolvimento do anteprojeto, com a

apresentação rigorosa da implantação (inclusive paisagismo), plantas baixas, cortes, fachadas,

foto-inserções de diversos ângulos, etc.

Vê-se, portanto, que a comparação feita pelo técnico foi entre as opções “atual construção

do prédio do Instituto Hilton Rocha” x “estética proposta pela ONCOMED”, sendo a mesma

embasada apenas em fotografias e projeto preliminar. No corpo do laudo, ressalte-se, ficou

devidamente consignado que “o ideal, no ponto de vista da preservação, é que a ocupação da

área não tivesse ocorrido, mantendo a integridade do maciço da serra acima da Av. José do

Patrocínio Pontes”.

2.3. Em oficio datado de 16/08/20119 o então Superintendente do Iphan em Minas Gerais,

Leonardo Barreto de Oliveira, informa que qualquer intervenção no imóvel deveria ser feita no

sentido de manter o volume intacto ou diminuir seu impacto sobre a paisagem em que estava inserido.

2.4. Em 22/03/2012 o presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte encaminhou ao

Iphan oficio contendo cópia do Projeto de Lei que declara de utilidade pública e de interesse social e

ambiental para fins de desapropriação o antigo prédio da Fundação Hilton Rocha. Através de ofício

datado de 13/05/2012, o Superintende do IPHAN remeteu ofício à Câmara Municipal de Belo

Horizonte, referente à fundação Hilton Rocha (imóvel menor, que fazia parte do conjunto do

Instituto de Olhos Hilton Rocha) informando que:

9 Encaminhado à Procuradoria da República em Minas Gerais.

27

“somos favoráveis à desapropriação do imóvel para fins sócio-ambientais. Entendemos que,

após a desapropriação, é recomendável a redução da área construída da edificação, com vistas

a recuperar a paisagem do Conjunto Paisagístico da Serra do Curral”. (doc. 01)

2.5. Posteriormente, no memorando 0397/13, de 21/11/2013, bem como no laudo técnico

06/13, o IPHAN manifesta-se no sentido de que seria “viável a realização de obras de adaptação no

prédio do antigo Hospital/Instituto Hilton Rocha desde que estas sejam no sentido de reduzir o

impacto causado pela edificação existente” (doc. 01 e 06).

2.6. Em 14/10/2015, foi protocolado no Iphan projeto para reabilitação do imóvel

localizado na Avenida José do Patrocínio Pontes nº 1355, dando continuidade ao processo nº

01514001857/2007-02, o qual foi aprovado em 27/10/2015, com validade até 27/10/2017.

No entanto, não se pode deixar de observar as ressalvas constantes do parecer, que

conduzem à conclusão diversa do mesmo:

Quanto ao tombamento federal da área conhecida como ‘paredão da Serra’ (...) o lote foi

aprovado à revelia do parecer emitido pelo IPHAN à época e a edificação não foi objeto de

análise e aprovação. Entende-se assim que a mesma constitui elemento descaracterizador do

Conjunto Paisagístico. Ressalta-se que quando do tombamento federal não foram definidas

medidas específicas de proteção para o bem cultural. (...) Sendo assim, as análises de

intervenções na área realizadas pelo Instituto baseiam-se no artigo 18 do Decreto Lei 25/37.

(...)

Em 25 de novembro de 2010 foi encaminhado à DIPC/FMC (...) anteprojeto (...)

acompanhado de documentação, Plano Diretor, referente à área do Hospital ONCOMED

(...)

Após a análise da proposta o conselho procedeu à Deliberação nº 140/2010 (...)

(...)

Entre 12/03/2014 e 05/06/2014 foi protocolada na DIPC/FMC complementação ao Plano

Diretor a ser apreciada por este CDPCM-BH para fins de instrução do processo de

licenciamento ambiental do empreendimento. Todos os itens solicitados na deliberação

anterior foram contemplados com exceção dos (04, 05 e 06) que ainda necessitam de análise

e aprovação do COMAM.

(...)

28

Em relação ao anteprojeto aprovado já aprovado algumas alterações foram realizadas para

atender às exigências da BHTrans e especificações de projetos complementares o que

acarretou aumento de número de vagas e aumento em um metro na altimetria total da

edificação. O volume e a área construída final foram também ajustados para atender ao

número de quartos e leitos indicados pela Secretaria de Saúde. Assim, o nível da cobertura da

caixa de máquinas e caixa d’água da edificação alcança o nível 139,5, quando na proposta

anterior alcançava o nível 133,0.10

O parecer que conclui com manifestação favorável à aprovação da documentação

apresentada, condiciona a aprovação às indicações da DIPC/FMC quanto à utilização de elevadores

com caixa de máquinas no subsolo e encaminhamento do projeto compatibilizado para análise final

da DIPC/FMC e do CDPCM-BH. O parecer ressalta, ainda, que esta não representa a decisão final

do Instituto, uma vez que o projeto compatibilizado ainda não foi encaminhado para análise do

IPHAN.

3. Pelo exposto, verifica-se que os órgãos de proteção – ora réus na Ação Civil Pública –

a todo momento manifestaram-se no sentido de que o Instituto de Olhos Hilton Rocha

constitui em uma agressão à Serra do Curral e que o mesmo sequer poderia ter sido

construído.

Com a situação posta, as manifestações sempre foram no sentido de que não poderia haver

incremento na degradação, com aumento da volumetria ou acréscimos na construção.

4. Entretanto, comparando-se a foto do empreendimento atualmente existente com a

projeção do prédio a ser construído, estando ambos na mesma perspectiva, é fácil perceber que

haverá aumento de área construída/volumetria do prédio irregularmente construído na Serra do

Curral e diminuição/prejuízo da visibilidade do paredão da Serra:

10 Extraído do laudo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

29

Comparativo entre a implantação / ocupação atual e a nova proposta. Ao centro a edificação existente , que receberá acrescimos nas duas laterais. O trecho hachurado em branco demonstra a área que será ocupada,

caso seja executado o acréscimo pretendido na construção. O prédio ao fundo não será demolido, segundo a proposta.

30

Comparativo entre a volumetria atual e a nova proposta.

Comparativo da volumetria da edificação existente (imagem à esquerda) e proposta (imagem à direita) com o observador posicionado à esquerda da fachada frontal.

31

Comparativo da volumetria da edificação (existente e proposta) com o observador posicionado à direita da fachada frontal

Com o acréscimo de área construída, há desobediência a um dos princípios primordiais

para intervenção em bens protegidos, a reversibilidade. O bem cultural alterado, no caso a Serra do

Curral, não voltará a ser como era antes, tendo em vista que a nova construção pretendida é sólida,

permanente e alterará a paisagem atualmente existente de forma definitiva. Haverá movimentação de

terra, cujos cortes totalizarão volume de terra de aproximadamente 68.677 m³ (já considerando

empolamento de 30%) e aterro de 4.956 m³ (considerando-se taxa de compactação de 10%). Desta

forma, haverá alteração da topografia natural do terreno, alterando a imagem e a paisagem existente

de forma irreversível.

O mesmo extrai-se dos dados fornecidos pela própria ONCOMED e pelas informações e

licenças concedidas pelos órgãos de proteção:

Situação

atual (segundo

observação no local e Parecer técnico

elaborado em

31/07/1998 pela

Secretaria Municipal

de Regulação Urbana).

Parecer do conselheiro

do Conselho Deliberativo Municipal

do Patrimônio Cultural de

BH, Mauricio

José Laguardia Campomori 15/12/2010. Análise

do Plano Diretor do

Dados constantes do Parecer elaborado

pelo IPHAN sobre o Projeto

(28/3/11)

Dados constantes

do Formulário

de Segurança

de Prevenção a

incêndio aprovado em 03/03/20

15

Plano de Controle

Ambiental (PCA) –

Setembro de 2011

Dados constantes do Parecer técnico para licenciamento ambiental nº 6135-14

e do Relatório da Licença de

Implantação (SMMA)

Relatório Técnico

Elaborado pela

arquiteta Laura Beatriz Lage da

Diretoria de Patrimônio Cultural da

PBH 11/06/20

14

Licenca de

implantação

do

COMAM

-

Licença

ambiental

065/2015

de

03/02/20

15

Projeto aprovado

pela Prefeitura Municipal

de Belo Horizonte

em 12/05/20

16

32

Hospital

Área do terreno

30.000 m² 30.000 m² 28.248 m² N/I 30.000 m2 30.000m2 30.000 m2 30.000 m2 30.000 m2

Área construída

18.578,67 m²

22.613,49 m²

N/I N/I 22.986,89

m2

15.809,99 m²

N/I N/I N/I

Área a construir

- 11.643,74

m² N/I N/I

13,951,85m2

16471,55m2

N/I N/I N/I

Área construída final

18.578,67 m²

34.257,23 m²

22.613;49+11.643,7

4 = 34.257,23

36.373,85 m²

36.938,74m2

39.458,44m2

39.869,10 m2

11.600 m2 36.844,88

Taxa de ocupação

21,94 % 28%

16,5 % (existente) 30% (com ampliações)

N/I N/I 43,49% 43% N/I 44 %

Coeficiente de aproveitamento

0,62 0,93 Não

informado N/I N/I 0,9831 1,03 N/I 0,99

Taxa de permeabilidade

56,5 N/I Não

informado N/I N/I 40% 40% N/I 0,63

Fachada 107 m N/I

270 m (com

ampliações) N/I N/I N/I N/I N/I N/I

Altimetria 5

pavimentos

20,95 m (7

pavimentos)

17,95 m (7 pavimentos)

9m (6 pavimentos

+ cobertura)

6 pavimentos + cobertura

7 pavimentos

18,95 m –7

pavimentos

N/I

18,95 m – 6

pavimentos mais

cobertura

Estacionamento N/I N/I N/I N/I 330 vagas

449 sendo 394 para

carros 366 N/I 280 vagas

De se destacar a divergência de dados fornecidos/analisados em cada documento, o que

demonstra que nem mesmo os órgãos protetivos conhecem o projeto que ao final será executado.

5. Assim, a motivação dos atos administrativos autorizativos da construção do

Hospital ONCOMED destoam-se da realidade dos fatos, visto que haverá efetivo aumento

de área construída, volumetria e impedimento à visualização da encosta da Serra do Curral.

6. Mencione-se, ainda, o parecer técnico 16/2016 emitido pelo setor técnico do Ministério

Público do Estado de Minas Gerais que, analisando todos os projetos apresentados, concluiu que:

33

Há acréscimo de área construída de quase o dobro da área existente, muito significativo, em

uma edificação que sequer deveria existir, tendo em vista que a construção da edificação se

deu de forma irregular na década de 1970, sem prévia análise e aprovação do projeto pelo

Iphan, necessária devido ao tombamento da Serra do Curral desde 1960. A implantação do

bairro das Mangabeiras, onde se insere o imóvel em análise, também se deu de forma

irregular, sem aprovação do Iphan. O volume atual, metade do que se pretende

construir, já causa um grande impacto na visibilidade da encosta tombada. O dobro

do volume causará um impacto ainda maior, mesmo se tomadas todas as medidas

para mimetizar o edifício com a paisagem adjacente.

O aumento de volume do prédio implicará em redução da visibilidade da Serra do Curral (...).

7. Ademais, a análise ambiental do conjunto paisagístico da Serra do Curral e entorno,

elaborado à pedido da própria agravante, pela Fundação Biodiversitas informa que:

“a implantação do Hospital Hilton Rocha, há 40 anos atrás, se deu exatamente no

eixo de visada da avenida principal da cidade (avenida Afonso Pena), que serviu de

ordenadora do traçado da cidade em relação à Serra, em contraposição ao almejado pelo

tombamento federal”;

A implantação do hospital Hilton Rocha causou significativo impacto na porção

inferior da vertente da Serra sobre sua paisagem, “por avançar na vertente da serra que

deveria estar preservada, comprometendo a integridade do ambiente montano, por atrair o

olhar e dominar a paisagem na visada do eixo da Av. Afonso Pena”;

A implantação do Instituto Hilton Rocha na Serra do Curral “desrespeitou e

contrariou o contexto do plano original da cidade e dos preceitos que determinaram seu

tombamento [da Serra], além do impacto sobre a biota, por representar um importante ponto

de estrangulamento no corredor formado pela parte inferior da vertente – porção não

acantilada da Serra – comprometendo a conectividade das áreas protegidas da região”;

“a demolição do hospital, a recuperação da área e sua reintegração à Serra pode ser

uma alternativa válida, desde que inserida na gestão ambiental global da Serra, incluindo a

demolição e/ou desativação dos demais usos antrópicos implantados dentro dos limites da

área de tombamento, tais como torres/antenas presentes no alto da Serra, as edificações e as

área de mineração, dentre outros”11.

11 Sobre este ponto, o Ministério Público destaca que possui procedimentos contra os mais diversos tipos de atividades e

empreendimentos no bem tombado, inclusive com Ações Civis Públicas ajuizadas. Esta não é uma ação singular, exclusivamente

contra a ONCOMED; é mais uma peça a atuação coordenada em defesa da Serra do Curral.

34

7.1. A Fundação Biodiversitas alertou para o risco de deslizamento e desabamentos na Serra

do Curral e recomendou que a agravada

“realize estudos sobre a dinâmica geológica e o monitoramento de atividade sísmica, posto

haverem evidências de atividade neotectônica e a existência de feições cársticas, uma vez que

o risco de deslizamentos e desabamentos nas encostas próximas ao Parque das

Mangabeiras, especialmente na vertente voltada para Nova Lima, é alta”.

O alerta é corroborado no Laudo Técnico CEAT, que informa:

Existe, portanto, a possibilidade de que a obra pretendida pela agravante degrade

não apenas a área onde será edificado o prédio, mas também cause instabilidades geológicas

tendentes a mutilar outros pontos da Serra do Curral.

7.2. No entanto, as advertências foram ignoradas pela agravante.

É o que se extrai do Plano de Controle Ambiental apresentado pela agravante, no qual ficou

consignado que:

“O terreno do empreendimento está isolado e tem como vizinhos lindeiros apenas áreas

verdes. Além disso, não serão executadas na obra fundações mais profundas que gerem

interferências nas edificações mais próximas. Portanto, não é necessário controle e

monitoramento das edificações dos recalques nas estruturas vizinhas” (...)

35

Não se menciona, aqui, que há projeto de um estacionamento ou de colocação de

maquinário de elevadores no subsolo, com as necessárias escavações para fazê-lo.

Ainda, no tocante às informações sobre tipo de solo e medidas de prevenção, o PCA não

menciona a possibilidade de risco geológico de desabamento – a qual foi alardeada por outros órgãos

e pela própria Biodiversitas – afirmando que o monitoramento geotécnico seria apenas visual:

“(...) pelas condições geológicas e geotécnicas observadas, não haverá impactos ambientais

significativos, além dos já gerados quando da primeira ocupação, tampouco descaracterização

das condições naturais do terreno”.

Vê-se, portanto, que a agravante pretende realizar obras sobre a Serra do Curral, ampliando e

aumentando a área construída no imóvel nela irregularmente edificado, ignorando o risco geológico

de desmoronamento e maior degradação do bem tombado.

8. Não se pode esquecer que, para além da proteção por meio do tombamento, o local é

também protegido por outras normas ambientais que transformaram a Serra do Curral em espaço

territorial especialmente protegido.

Com efeito, a área do Hospital Hilton Rocha está dentro de uma Zona de Proteção

Ambiental, de uma Área de Diretrizes Especiais e no entorno imediato (zona de

amortecimento) dos Parques das Mangabeiras e Paredão da Serra do Curral, conforme tabela

abaixo. Não bastasse, está ainda inserida no corredor ecológico que liga o Parque Estadual

da Serra do Rola Moça ao Parque Estadual da Baleia.

Ou seja, os espaços territoriais protegidos onde está implantado o Hospital Hilton Rocha

têm objetivos preservacionistas – sobretudo relacionados à manutenção da beleza cênica e da

paisagem da Serra do Curral – sendo inviáveis atividades ou obras que comprometam os atributos que

justificaram a sua proteção.

36

9. Por fim, não se pode deixar de considerar que os projetos para construção do Hospital

da Oncomed, sobre a Serra do Curral, com alteração da aparência do hoje edificado Instituto

Hilton Rocha foram considerados “bons” pelos órgãos de proteção apenas segundo critérios de

conveniência estética, isto é, segundo uma “estética” que atente aos interesses do particular

interessado, e não, à obviedade, ao interesse coletivo na salvaguarda do patrimônio

paisagístico e cultural.

A Serra do Curral tem a idade de vida da Terra, ou seja, aproximadamente dois bilhões e

quatrocentos milhões e anos; testemunhou muitas mudanças ao longo da sua existência, durante

muito tempo sem nenhum ser vivo; se nossa geração permitir, estará aqui muito depois que nós

morrermos.

Assim, o que hoje os técnicos afirmaram ser uma “melhoria” em termos estéticos

para o prédio do Hospital Hilton Rocha, pode ser considerado uma completa anomalia

arquitetônica na paisagem em alguns anos.

Neste sentido, interessante a leitura do conteúdo do site

http://www.fundacaohiltonrocha.com.br/historia-geral. Consta do mesmo que, à época da

construção do prédio escolheu-se o arquiteto paulista Jarbas Karman e que, lentamente, chegou-se ao

projeto final, sendo que o mesmo sofreu alterações importantes, que valorizaram a obra

indiscutivelmente, segundo se argumentou. O projeto foi apreciado e aprovado pela Prefeitura

Municipal, em março de 1975, sendo considerado bom. Passados apenas 40 anos, o projeto executado

foi considerado pelos atuais técnicos ocupantes dos órgãos de proteção como inadequado e feio.

Certo é que a natureza é perfeita e, tratando-se a Serra do Curral de monumento

natural tombado, não deve sofrer intervenções.

C) Da destinação do imóvel – cláusula de reversão

37

A agravante sustenta que a alteração da especialidade única do Hospital Hilton Rocha para

Hospital de múltiplas especialidades idealizada pela ONCOMED não viola a finalidade imposta ao

imóvel, sendo que a escritura menciona que o imóvel poderia ser utilizado para “atividades afins”.

No entanto, conforme já exposto, a abertura da quadra 39, lote 1, no bairro das Mangabeiras

(único lote acima no Anel da Serra) foi feita com a finalidade específica de construção do Instituto

Oftalmológico e do Centro de Pesquisa Oftalmológica Hilton Rocha.

Ainda, ao celebrar o contrato de compra e venda do lote nº 1, quadra 39, com área de 30.000

m² aproximadamente, no bairro Mangabeiras, a CIURBE e o Instituto de Olhos Ltda fizeram constar

a cláusula resolutiva expressa de que o imóvel reverteria ao patrimônio da vendedora caso

descumprida sua finalidade específica, de “nela serem edificados um Instituto Oftalmológico e um

Centro de Pesquisas e Assistência Oftalmológica, aquele em área de 23.248 m² (vinte e três mil,

duzentos e quarenta e oito metros quadrados) e este em área de 5.000 m² (cinco mil metros

quadrados), aproximadamente”.

O contrato e a cláusula resolutiva foram registrados no 3º Ofício de Notas de Belo

Horizonte, conforme se infere da escritura pública de compromisso de compra e venda acostada aos

autos. Cumpre transcrever o item 13 do citado documento:

“13) que a inobservância da destinação da área, bem como a inobservância dos requisitos

especiais de construção ou, ainda, a não efetivação da doação da área de 5.000m² para o

Centro de Pesquisa Oftalmológico implicará, qualquer deles na reversão do terreno objeto da

presente escritura ao domínio da outorgante vendedora ou sua sucessora”.

A venda do imóvel pela CIURBE, antecessora do Departamento Estadual de Obras

Públicas, ao Instituto de Olhos Ltda foi registrada no Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis. A

cláusula resolutiva do contrato de compra e venda foi devidamente registrada, nos moldes no artigo

167, I, 29, da Lei 6.015/73, tendo sido consignado o seguinte:

38

“que a outorgante vendedora deu à outorgada compradora quitação plena quanto ao preço

da área já descrita, transferindo-lhe desde já, toda posse, domínio, direito e ação sobre a coisa

alienada, para que dela possa usar e gozar livremente, observados porém os requisitos e

condições da escritura, do Edital de Concorrência nº 1/73, sobretudo quanto à destinação da

áreae as normas especiais de edificação neles consignadas, as quais foram aceitas pela

CIURBE e pela outorgada compradora, que declarou serem as mesmas de seu inteiro

conhecimento e com elas concordar”.

Ademais, a informação é confirmada pelo Ofício 367/2012 do Município de Belo Horizonte

(doc. ).

O interesse econômico da ré Oncomed não pode se sobrepor ao interesse público, alterando

a destinação imposta pela Administração Pública Estadual quando alienou o bem público. O

ordenamento jurídico não permite que a ONCOMED amplie e/ou altere o uso de um bem gravado

com cláusula resolutiva em prejuízo do erário estadual. Qualquer alteração que se faça na destinação

da área caberá exclusivamente a Administração Pública Estadual, legítima proprietária.

O assunto, no entanto, é objeto de Ação Civil Pública própria, em trâmite na Justiça

Estadual de Minas Gerais, motivo pelo qual não nos alongaremos em sua análise.

D) Ilegalidade dos atos administrativos autorizativos das intervenções no bem tombado –

Inexistência de discricionariedade administrativa – Respeito ao princípio da separação dos

poderes

O IPHAN e a AGU sustentam que os atos administrativos guerreados são discricionários e

não poderiam sofrer controle pelo Poder Judiciário, sob pena de desrespeito ao princípio da separação

de poderes.

Não assiste razão aos órgãos visto que, no Estado Democrático de Direito, é sempre

possível o controle de legalidade dos atos administrativos, só havendo discricionariedade dentro da lei.

39

É o que se passa a expor:

1. Organizando a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, o DL 25/37 guarda

natureza de lei especial limitadora do direito de propriedade dispondo que:

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas

ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta

por cento do dano causado.

Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios,

a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.

A 1ª parte do dispositivo acima transcrito veda, expressamente, a ocorrência de destruição,

demolição e mutilação dos bens tombados. Em razão da conservação dos bens tombados ser de

interesse público (art. 1º), não se admite a prática de atos que venham a comprometer a integridade do

objeto material do ato de tombamento.

Trata-se de vedação legal absoluta, que não pode encontrar exceção em atos

administrativos autorizativos. Ao autorizar atos neste sentido, os órgãos de proteção estão violando

o princípio da Legalidade e versando sobre objeto ilícito.

Neste sentido, ensina Paulo Affonso Leme Machado:

“O art. 17 do Decreto-Lei 25/37 faz uma divisão realmente importante na atuação do órgão

estatal protetor do patrimônio cultural e natural (na primeira parte e na segunda parte desse

artigo). Assim, o Poder Público está vinculado a não autorizar atividades que conduzam à

destruição, demolição ou à mutilação do bem. O texto da lei federal diz “em caso nenhum”.

Portanto, em caso de ação judicial, o juiz pode apreciar se o ato administrativo ocasionou

esse prejuízo à coisa tombada. Somente surge discricionariedade quando se trata de

“reparação, pintura ou restauração”. Nesses casos trata-se de medidas conservativas não

“destrutivas, mutiladoras ou demolidoras” do bem. A concessão liminar pelo Judiciário

suspendendo a autorização, em ação judicial utilizada pelos cidadãos e pelas associações, será

40

importante para que se examine, depois, em profundidade, se o ato administrativo não está

mascarando uma ação irremediavelmente mutiladora do bem a ser protegido”. (MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 636).

2. No caso dos autos, não se pode perder de vista que o bem cultural protegido é a Serra do

Curral, sobre a qual o prédio do Instituto Hilton Rocha foi ilegalmente construído.

As intervenções que a agravante pretende realizar no prédio, para viabilizar seu

empreendimento, visam exclusivamente à conveniência de seu empreendimento e não à

reparação ou restauração do Monumento Natural. Ao contrário, considerando que serão

realizadas escavações do solo e subsolo (com consequentes retiradas de pedra e solo etc), bem como

novas edificações sobre o bem tombado (diminuindo a visibilidade da Serra, quando observada do

nível do solo), com risco de desabamentos das encostas, tem-se que as obras pretendidas

importarão na mutilação e destruição da Serra do Curral12.

A Serra do Curral não será “melhorada” com as intervenções pretendidas pela agravante; a

paisagem patrimonializada - pelos sentimentos de bem-estar e de identificação geográfico-cultural que

propicia à coletividade - foi aquela sem intervenções humanas significativas, de maneira que

qualquer construção ou acréscimo artificial em seu desenho a descaracterizará.

4. Desta feita, a Ação Civil Pública não está a atacar ato discricionário ou a pedir infringência

ao Princípio da Separação dos Poderes; ela apenas submete ao Poder Judiciário atos ilegais das

Administrações Públicas Federal e Municipal, que permitiram a degradação do mais significativo

patrimônio cultural de Belo Horizonte, com a finalidade de impedir que os mesmos produzam seus

efeitos.

Ad argumentandum, ainda que a Ação estivesse questionar atos atinentes ao âmbito da

discricionariedade administrativa, tenha-se presente que “compete ao Poder Judiciário imiscuir-se no

12 Ressalte-se novamente que a própria Fundação contratada pela agravante para realização de estudos na área sugeriu que fossem

realizados estudos sobre a dinâmica geológica e o monitoramento de atividade sísmica no local, posto haverem evidências de

atividade neotectônica e a existência de feições cársticas (sobre rochas solúveis), sendo alto o risco de deslizamentos e

desabamentos nas encostas da Serra do Curral.

41

mérito do ato administrativo, ainda que discricionário, para averiguar os aspectos de legalidade do ato,

mormente quando as questões de cunho eminentemente ambientais demostram a incúria da

Administração em salvaguardar o meio ambiente”, tal qual se pronunciou o STJ no julgamento do

AgRg no AREsp 476067/SP (rel. Min. Humberto Martins, julg. 22-5-2014).

5. De se destacar que a ilegalidade, bem como a omissão, tem sido traços marcantes dos

órgãos de proteção ao Patrimônio Cultural, no que diz respeito à Serra do Curral.

De fato, muito embora o tombamento federal da Serra tenha ocorrido em 21.09.1960, o

IPHAN permaneceu inerte quanto à sua obrigação de delimitar a área tombada por vários anos.

Ainda, o órgão tem sido omisso no exercício da vigilância e exercício do poder de polícia

administrativo sobre outros empreendimentos que pretendem se instalar ou se instalaram na Serra.

Tais fatos são objetos da Ação Civil Pública 2010.28.00.006009-0.

Apenas após a propositura da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual

e Ministério Público Federal na Justiça Federal, em que foi deferida liminar, é que o IPHAN editou a

Portaria a qual regulamenta a poligonal do tombamento.

E) Limitações ao direito de propriedade pela sua função socioambiental - Responsabilidade

pelos danos ambientais – Obrigação propter rem – Solidariedade entre os responsáveis –

Inaplicabilidade do princípio da reserva do possível

Afirma a agravante que teria adquirido o imóvel por título originário e que, por isso, não

teria obrigação de reparar o dano ambiental.

Ainda, pretende o IPHAN se furtar à responsabilidade pelos danos ambientais.

Não assiste razão aos mesmos.

42

1. A Constituição Federal trata da matéria e dá enfoque especial ao direito intergeracional ao

meio ambiente equilibrado elencando, dentre seus princípios, o exercício da função socioambiental da

propriedade e da atividade econômica (art. 5° c.c. art. 170, III e VI):

Art. 5°. XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

(...)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social, observados os seguintes princípios:

III - função social da propriedade;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

Em complemento, o art. 1228, §1°, do Código Civil delimita o exercício do direito de

propriedade, sendo explícito o dever de preservar direitos sociais e o equilíbrio ecológico, evitando a

poluição.

Assim, o desenvolvimento de atividade em uma propriedade só atenderá sua função social

quando respeitados os direitos sociais e o dever de preservação do meio ambiente para as presentes e

futuras gerações.

2. Quando o dono de imóvel não respeitar as limitações legais ao exercício da propriedade,

ele faz uso nocivo dela e torna-se responsável objetivamente pela reparação dos danos.

A legislação ambiental brasileira é enfática ao disciplinar a obrigação de reparar e/ou

indenizar os danos ambientais e que a função social da propriedade só é exercida quando respeitados

os direitos difusos à segurança e ao meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal n.º 6.938/81) estabelece como

um de seus princípios a recuperação de áreas degradadas (art. 2º, VIII) e impõe a OBRIGAÇÃO

43

OBJETIVA de reparar e indenizar danos ambientais, independente de qualquer consideração sobre

dolo ou culpa:

“é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os

danos causados ao meio ambiente e a terceiros por sua atividade” (artigo 14, § 1º da Lei n°

6938/81).

O corolário lógico desta interpretação sistemática é de que o proprietário de imóvel deve

respeitar o direito à saúde e à segurança da população em suas atividades, devendo reparar danos

ambientais se sua área estiver degradada, independente da existência de dolo ou culpa.

3. Ademais, a obrigação de recuperar área degradada acompanha a propriedade do imóvel.

Quando ocorre a transferência da propriedade, o adquirente recebe também todas as obrigações

inerentes à sua função social. O dever de preservar e recuperar a qualidade ambiental de um

imóvel é obrigação propter rem, sendo indissociável do direito de propriedade. Assim ensina a

melhor doutrina, que se amolda perfeitamente ao caso vertente:

“Daí que se reconhece na obrigação de recuperar a área contaminada uma obrigação de

natureza real – obrigação “propter rem”, que se integra no conteúdo do direito real de que é

acessória. (...) Assim ocorre porque a propriedade deve cumprir a sua função social, o que

gera para o proprietário não apenas abstenções, mas também deveres positivos tendentes a

conservar a qualidade ambiental do imóvel.” (STEIGLEDER, Annelise Monteiro

Responsabilidade Civil Ambiental 2ª. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011 p.

206/207)

O entendimento de que os deveres de preservação e reparação do meio ambiente em bem

imóvel são obrigações propter rem é pacificamente amparado pela jurisprudência do Egrégio Superior

Tribunal de Justiça. A título de exemplo, reproduzimos os seguintes julgados:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL.

LEGITIMIDADE PASSIVA. NOVO PROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

ANTIGO PROPRIETÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.

44

RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. PRESCRIÇÃO.

PRAZO FIXADO PARA REPARAÇÃO DO DANO.

1 - Em razão da natureza propter rem da obrigação de reparar dano ambiental, o novo

proprietário de imóvel que sofreu o referido dano também é responsável pelo dano, ainda

que o dano tenha sido causado pelo antigo proprietário. (...)

(STJ. REsp 1.056.540/GO. Rel. Ministra Eliana Calmon. Data do Julgamento: 25.08.2009).

4. Isso não significa que a agravante não possa ajuizar ação regressiva para se ver ressarcida

pelos danos causados pelo causador inicial dos danos. O que não é possível é aguardar o deslinde

dessa discussão meramente patrimonial privada enquanto o bem tombado é dilapidado.

5. Ainda, havendo mais de um responsável, todos eles responderam solidariamente pela

indenização. Assim, conforme estipulado no Código Civil, em seu art.1.518, caput:

"os bens do responsável pela ofensa ou violação de direito de outrem ficam sujeitos à

reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor à ofensa, todos responderão

solidariamente pela reparação".

A responsabilidade solidária entre todos aqueles que contribuíram com a prática do dano,

conforme inteligência dos artigos 3º, inciso IV, e 14, § 1º da Lei 6.938/81, sendo plenamente possível

que a sociedade, através do Ministério Público, opte por exigir a prestação de um dos responsáveis ou

de todos.

Esta posição, que se apreende literalmente da lei, também se encontra pacificada no Superior

de Justiça em diversos julgados. Cita-se, como exemplo o REsp 1079713/SC, julgado em

18/08/2009, onde foi citado que responsabilidade por danos ambientais é solidária entre o poluidor

direto e o indireto, o que permite que a ação seja ajuizada contra qualquer um deles, sendo facultativo

o litisconsórcio. No mesmo sentido o REsp 1056540/GO julgado em 25/08/2009.

Assim, também os órgãos ambientais que concorreram para ocorrência do dano ambiental

deverão responder pelos mesmos.

45

6. Por fim, embora não seja objeto do agravo, necessário destacar-se que o direito

fundamental ao meio ambiente integra o mínimo existencial, e, portanto, não pode ser invocada pelo

Estado de forma genérica e sem comprovação da escassez de recursos orçamentários, com a

finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais consubstanciadas no

atendimento ao mínimo existencial.

F) Falso dilema da incompatibilidade dos direitos à vida x meio ambiente cultural –

Compreensão dos objetivos da ONCOMED – Insubstitualidade da Serra do Curral

Sustenta, ainda, a agravante que haveria função social exercida pela instituição hospitalar

sediada no local, cuja finalidade será mantida e ampliada pela ONCOMED, com benefício direto a

toda a população, exercendo função constitucionalmente tutelada de promoção da saúde. Alega,

ainda, que a população de Belo Horizonte teria “abraçado a causa” da agravante.

Em primeiro lugar, o Ministério Público ressalta a importância do serviço de saúde ligado ao

tratamento oncológico, bem como o interesse social na criação de novos leitos hospitalares para

atendimento da população de Belo Horizonte. Não obstante, destaca que o argumento da agravante

gera apenas um falso dilema, visto que discordar da pretensão da agravante de se instalar na

base da Serra do Curral não significa desejar mitigar o direito à vida e à saúde da população

de Belo Horizonte.

Ademais, é cogente entender-se que agravante poderá instalar sua atividade empreendedora

de prestação de serviços de saúde, com as dimensões e atividades pretendidas, em outros terrenos em

Belo Horizonte ou região metropolitana – a exemplo do que vemos em relação ao Hospital Materdei,

que se instalará no eixo da BR040. Em outras palavras: a atividade não está umbilicalmente ligada ao

local onde pretende de instalar; o serviço médico de tratamento oncológico e outras

especialidades poderão ser prestados fora da área tombada da Serra do Curral, sem que seja

desnaturada sua utilidade ou essência.

46

Lado outro, a Serra que deu origem ao próprio nome de Belo Horizonte (inicialmente

conhecida como Curral Del Rey) é monumento único, tombado por sua importância histórica,

paisagística e ecológica, de forma que qualquer edificação realizada sobre a mesma causa-lhe danos

irreparáveis.

De se lembrar, ainda, que a agravante é pessoa jurídica de direito privado, não filantrópica,

que, por meio da prestação de um serviço com valor comercial, visa ao lucro de seus sócios, sendo

que a atividade comercial que desenvolverá atenderá parcela da população, enquanto o direito ao meio

ambiente cultural atenderá difusamente a toda sociedade, das passadas, presentes e futuras

gerações, merecendo máxima proteção.

Tenha-se presente, aliás, que a Constituição de 1988, na linha do Estado Democrático de

Direito, veda categoricamente quaisquer formas de discriminação (art. 3º, III), inclusive as que

tenham por finalidade a concessão de certas facilidades ou exceções a direitos constitucionais e à

legislação, para o favorecimento de atores ou grupos com destacada força econômica.

Desta feita, serão compatíveis a consecução dos objetivos da empresa (lucro), a prestação do

serviço médico de saúde e a proteção ao bem cultural, desde que a agravante instale suas atividades

em outro local.

O argumento segundo o qual a consolidação das intervenções indevidas na Serra do Curral e,

para além dessa consolidação, a ampliação de tais intervenções se justificariam por terem sido

“abraçadas” pela coletividade traz consigo, adicionalmente, um apelo à “chantagem econômica”, ou

“social”, como expediente para conferir legitimação a posturas e situações que, em primeira e última

análises, violam os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à fruição do

patrimônio cultural (CR/88, art. 225, caput, e 216) – que se encontram e se densificam no direito à

salvaguarda paisagística da Serra do Curral e, correlativamente, nos atos legislativos, administrativos e

judiciais que objetivam afirmá-lo concretamente.

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Por outro lado, tampouco se pode afirmar que a pretensão da recorrida fora “abraçada” pela

coletividade. No artigo “Agressões à Serra do Curral”, de Luís Giffoni, disponível para livre acesso no

site http://www.arca.eco.br/2016/12/agressoes-serra-do-curral.html, lê-se que:

A ampliação pretendida para o Hospital Hilton Rocha, por mais que a campanha na mídia

tente travesti-la de imprescindível para BH, é mais uma agressão à Serra do Curral. "Olhe

bem o edifício" – deveria ser nosso próximo slogan. Existem outras áreas capazes de

comportar hospitais, nenhuma evidentemente com a paisagem e o status do sopé da Serra do

Curral.

A leitura do texto de Giffoni é, em si, uma peça de defesa à salvaguarda e à recuperação da

Serra do Curral.

Cabe lembrar, como referido supra, que estamos a tratar de um dos principais símbolos

identitários (protegidos pela Constituição de 1988, cf. art. 216, caput, e inciso V), senão o principal, de

Belo Horizonte.

A propósito, cabe sublinhar que a presente Ação Civil Pública foi instaurada com a

finalidade precípua de dar concreção a direitos fundamentais, cujos titulares são a coletividade como

um todo (in solidum), expressamente consagrados na Constituição Brasileira de 1988. Tenha-se

presente, nesta perspectiva, que:

(...) uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta

das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes

suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa

inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias,

Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados

constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam

relegados a segundo plano (STJ, REsp 575.998/MG, rel. Min. Luiz Fux, julg. 07-10-2004).

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Que os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à fruição do

patrimônio cultural, que observamos materializados concretamente ali, na Serra do Curral, não sejam,

assim, relegados a segundo plano.

Por derradeiro, cabe fazer referência ao entendimento do STJ no julgamento do REsp

808708/RJ (rel. Min. Herman Benjamin, julg. 18-08-2009), cuja ementa é elucidativa para análise da

presente questão.

III – NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA TUTELA DE EMERGÊNCIA

Rebatidos os argumentos da agravante, o Ministério Público ressalta a permanência dos

requisitos ensejadores da tutela de urgência liminar.

1. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o magistrado atenderá os fins sociais e às exigências do

bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a

proporcionalidade, a razoabilidade e eficiência.

A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a

probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, podendo o Juiz

determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória (art. 300 do

NCPC).

Para tanto, exige o Código de Processo Civil, no seu artigo 300, o preenchimento dos

seguintes requisitos:

• Probabilidade do direito;

• Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;

• Risco ao resultado útil do processo.

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2. No presente caso, a probabilidade do direito advém dos próprios dispositivos

constitucionais que vedam retrocessos em matéria ambiental, bem como das disposições da Lei de

Tombamento (Decreto-Lei 25/37).

3. Por seu turno, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação está

representado no fato de que, iniciadas as obras de perfuração do subsolo e de construção de mais de

16.000m2 de prédio novo sobre a Serra do Curral, novos danos ambientais à estrutura e visibilidade do

bem tombado ocorrerão.

3.1. Destaque-se que há ainda o risco geológico de desabamentos, não tendo sido realizados

estudos sérios que possam afastá-lo.

3.2. Ademais, o dano é presumido em razão dos princípios do direito ambiental da precaução

e da prevenção.

O perigo da demora em uma situação como esta equivale, nas palavras emprestadas de

Jacson Correa,

“além do respaldo à própria ilegalidade, a um verdadeiro estímulo à destruição da natureza,

permitindo também que persistam as reiteradas agressões à saúde humana, provocando por

si só a irreparabilidade do dano face a impossibilidade de mensurá-lo concreta

suficientemente, uma vez que o meio ambiente sadio, e por conta disso toda a natureza

representam um patrimônio que pertence a todos, indistintamente” (Revista de Direito

Ambiental - Ed. Revista dos Tribunais nº 1 - pág. 277)

No mesmo sentido, Paulo Affonso Leme Machado:

Os danos causados ao meio ambiente encontram grande dificuldade de serem reparados. É a saúde do homem

e a sobrevivência das espécies da fauna e da flora que indicam a necessidade de prevenir e evitar o dano

(MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª Edição, Revista,

Atualizada em Ampliada. Malheiros: São Paulo, 2003. pg 331)

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4. De se lembrar que a medida liminar teve perfeita aplicabilidade ao caso em questão, pois a

suspensão imediata da conduta lesiva ao meio ambiente praticada pela agravante é a única forma real

de se garantir a não continuidade da ocorrência de danos ambientais.

5. Por isso, requer o Ministério Público que seja mantida a tutela de urgência liminar

deferida no caso concreto.

IV – CONCLUSÃO

Ante o exposto, O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

requer seja NEGADO PROVIMENTO ao agravo de instrumento, mantendo-se a decisão combatida

em todos os seus termos.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Belo Horizonte, 30 de janeiro de 2017.

Giselle Ribeiro de Oliveira

Promotora de Justiça

Coordenadora das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas

Gerais