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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PRESIDENTE PRUDENTE 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA _____ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE PRUDENTE SP Náuseas, dores de cabeça e hemorragias nasais, cheiros químicos desagradáveis, barulhos de perfuração constantes, os preços dos imóveis caindo seja bem- vindo a Ponder, no Texas, onde o método conhecido como fracking”, fraturamento hidráulico, tomou conta da cidade (The Guardian 14/12/2013) 1 . Com o fracking, a região de Presidente Prudente, num futuro próximo, será um cemitério ambiental, permeado por milhares de poços sanguessugas, contaminação desenfreada dos aquíferos e cursos d’água e dano irreversível à biodiversidade, sérios problemas de saúde pública, queda no valor das propriedades e pessoas atônitas, revoltadas, buscando indenizações (...) 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos arts. 127, caput e 129, inc. III, da Constituição Federal de 1988; arts. 5º, incs. II, c e d, III, d, e 6º, VII, b e XIX, a e b, todos da Lei Complementar n. 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) e arts. 1º, incs. I, III e IV; 2º; 3º; 5º, inc. I; 12 e 19, todos da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), com base no Procedimento Preparatório de Inquérito Civil n. 1.34.009.000181/2014-64 e seus anexos, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a presente 1 Disponível em: <http://www.theguardian.com/environment/2013/dec/14/fracking-hell-live-next- shale-gas-well-texas-us>. Tradução de Isaque Gomes Correa, disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/2013/12/23/fraturamento-hidraulico-fracking-como-e-viver-proximo- a-pocos-de-gas-de-xisto/>.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PRESIDENTE PRUDENTE

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA _____ VARA

FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE

PRUDENTE – SP

Náuseas, dores de cabeça e hemorragias nasais, cheiros

químicos desagradáveis, barulhos de perfuração

constantes, os preços dos imóveis caindo – seja bem-

vindo a Ponder, no Texas, onde o método conhecido como

“fracking”, fraturamento hidráulico, tomou conta da

cidade (The Guardian – 14/12/2013)1.

Com o fracking, a região de Presidente Prudente, num

futuro próximo, será um cemitério ambiental, permeado

por milhares de poços sanguessugas, contaminação

desenfreada dos aquíferos e cursos d’água e dano

irreversível à biodiversidade, sérios problemas de saúde

pública, queda no valor das propriedades e pessoas

atônitas, revoltadas, buscando indenizações (...)2

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador

da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais,

com fundamento nos arts. 127, caput e 129, inc. III, da Constituição Federal

de 1988; arts. 5º, incs. II, c e d, III, d, e 6º, VII, b e XIX, a e b, todos da Lei

Complementar n. 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) e

arts. 1º, incs. I, III e IV; 2º; 3º; 5º, inc. I; 12 e 19, todos da Lei n. 7.347/85 (Lei

da Ação Civil Pública), com base no Procedimento Preparatório de Inquérito

Civil n. 1.34.009.000181/2014-64 e seus anexos, vem, respeitosamente,

perante Vossa Excelência, propor a presente

1 Disponível em: <http://www.theguardian.com/environment/2013/dec/14/fracking-hell-live-next-

shale-gas-well-texas-us>. Tradução de Isaque Gomes Correa, disponível em:

<http://www.ecodebate.com.br/2013/12/23/fraturamento-hidraulico-fracking-como-e-viver-proximo-

a-pocos-de-gas-de-xisto/>.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA3

em face de

1. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS

NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP, pessoa

jurídica de direito público interno, autarquia federal em

regime especial vinculada ao Ministério de Minas e Energia,

criada pela Lei n. 9.478/97, com sede no Setor de Grandes

Áreas Norte (SGAN), Quadra 603, Módulo I, 3º andar, Asa

Norte, CEP 70.830-902, em Brasília/DF;

2. PETRA ENERGIA S.A., pessoa jurídica de direito

privado, CPNJ n. 07.243.291/0001-98, com endereço na Av.

Rio Branco, n. 157, Centro, no Rio de Janeiro/RJ;

3. PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - Petrobras, pessoa

jurídica de direito privado, CPNJ n. 33.000.167/0001-01, com

endereço na Av. Chile, n. 65, Centro, no Rio de Janeiro/RJ; e

de

4. BAYAR EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES

LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CPNJ

sob o n. 13.004.172/0001-82, com endereço na Av. Sete de

Setembro, n. 4698, conj. 909 (parte), Batel, em Curitiba/PR;

pela prática dos fatos e fundamentos a seguir expostos.

2 Vide item 5.5 desta ação. 3 A presente ação civil pública está baseada na ação ajuizada pelo MPF em Cascavel/PR (Autos n.

5005509-18.2014.404.7005/PR - Anexo 1, vol. I, fls. 001/109), que obteve liminar em primeira

instância (Anexo 1, vol. II, fls. 295/315), mantida pelo TRF 4ª Região (Vol. 1, fls. 139/169, e Anexo

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1. DOS FATOS

O Conselho Nacional de Política Energética – CNPE

determinou, por da Resolução n. 06/2013, de 25 de junho de 2013, publicada

em 07 de agosto de 2013 no DOU, que a ANP realizasse a 12ª Rodada de

Licitações, que culminou na arrematação de blocos de exploração do gás de

xisto nas bacias do Acre, Parecis, São Francisco, Paraná e Parnaíba (fls. 32/33)

Na bacia do rio Paraná, foram arrematados 16 blocos, sendo

11 blocos no setor SPAR-CS, no Estado do Paraná (32.365,04 km²), e 5 blocos

no setor SPAR-CN, no Estado de São Paulo (11.090,21 km²), situados em

municípios (a maioria) desta Subseção Judiciária (fls. 33 e 37 a 43)4.

O gás de xisto (gás de folhelho)5 é também chamado de gás

não convencional, porque está aprisionado em formações de baixa

permeabilidade, em grande profundidade, exigidas para a sua exploração, e

são considerados como “não convencionais” em função da complexidade e do

alto custo de exploração e produção.

O oferecimento deste gás na 12ª Rodada de Leilões realizada

pela ANP constituiu precipitação por demais temerária, já que essa técnica de

exploração é altamente questionada no mundo inteiro e representa um

1, vol. II, fls. 330/336). 4 Bloco PAR-T-198: Caiuá, Presidente Venceslau, Piquerobi, Ribeirão dos Índios e Emilianópolis;

Bloco PAR-T-199: Emilianópolis, Presidente Prudente, Santo Expedito, Flora Rica, Irapuru,

Pacaembu, Dracena, Flórida Paulista, Junqueirópolis, Adamantina, Lucélia, Inúbia Paulista, Pracinha,

Sagres, Martinópolis, Caiabu, Alfredo Marcondes, Álvares Machado e Presidente Bernardes; PAR-T-

218: Presidente Epitácio, Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema e Caiuá; PAR-T-219: Marabá

Paulista, Presidente Bernardes, Álvares Machado, Tarabai, Estrela do Norte, Sandovalina, Mirante do

Paranapanema, Piquerobi, Santo Anastácio, Presidente Bernardes, Álvares Machado, Anhumas,

Pirapozinho, Estrela do Norte, Sandovalina e Narandiba; Bloco PAR-T-220: Álvares Machado,

Pirapozinho, Presidente Prudente, Caiabu, Alfredo Marcondes, Indiana, Martinópolis, Taciba,

Anhumas, Narandiba e Taciba. 5 Dizem os especialistas que a tradição brasileira de se chamar o folhelho (shale) de xisto

(schist) é equivocada, pois o xisto é uma rocha metamórfica que sofreu grandes

transformações geológicas, não possibilitando a geração de gás, enquanto o folhelho, por sua

vez, é uma rocha sedimentar com grande quantidade de matéria orgânica que dá origem ao

gás.

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potencial dano ambiental de extensão imensa e caráter irreversível, em

especial em relação aos cursos de água e aquíferos que se localizam na região

em que ocorrer – isto é, na Bacia do Rio Paraná, além de outros danos,

consideradas as peculiaridades das áreas legalmente protegidas.

A arrematação de blocos na sessão pública da licitação e a

assinatura dos contratos trouxeram, por si só, inerente a esses atos, risco sério

de dano ambiental, haja vista a pressão e os esforços que os vencedores do

certame irão produzir, para que possam obter o licenciamento ambiental e

iniciar a exploração, em contraposição aos princípios ambientais que norteiam

a matéria.

É cediço que o monopólio federal para explorar as jazidas de

petróleo e gás natural, dentre outros hidrocarbonetos fluidos (art. 177, CF c/c

art. 4º da Lei n. 9.478/97), pode ser realizado mediante contratação de

empresas estatais ou privadas, para a realização das atividades previstas nos

incs. I a IV do art. 177, CF (EC 09/95). A Lei n. 9478/97 criou a ANP como

entidade autárquica regulatória do monopólio federal (art. 177, §2º, III, CF c/c

art. 7º e seguintes da Lei n. 9.478/97), atribuindo-lhe competência para

elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração

(art. 8º, inc. IV, da Lei n. 9.478/97).

A exploração do gás de xisto, na Subseção Judiciária Federal

de Presidente Prudente, foi concedida pela ANP à PETROBRÁS, que

arrematou 100% dos blocos PAR-T-198 e PAR-T-218, e às empresas PETRA

ENERGIA S.A. e BAYAR Empreendimentos e Participações Ltda., que

arremataram 50% cada uma dos blocos PAR-T-199, PAR-T-219 e PAR-T-220

(fls. 33 e 37 a 43).

Foram, então, em 15/05/2014, firmados os contratos de

concessão para exploração e produção entre a ANP e as empresas

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exploratórias PETROBRÁS, PETRA e BAYAR, que estão juntados nos

volumes I e II do Anexo 5.

Em relação ao licenciamento ambiental, informou a CETESB

que até o momento não foi protocolada naquela agência qualquer solicitação

de licenciamento ambiental para exploração de gás de xisto com o uso da

técnica do fraturamento hidráulico na bacia do rio Paraná (Ofício 0555/2014/P

– fls. 57). Por outro lado, conforme noticiado, noticiou-se que o Governo

Federal pretende centralizar no IBAMA o licenciamento ambiental para

exploração do gás de xisto no país (autos principais, fl. 76).

Diante do exposto, fazendo-se necessário invocar a tutela

jurisdicional para a proteção do ambiente, a presente ação civil pública tem

por objeto a suspensão dos efeitos decorrentes da 12ª Rodada de Licitações

realizada pela ANP, que ofereceu a exploração de gás de folhelho, conhecido

como “gás de xisto”, na modalidade fracking (fraturamento hidráulico), na

Bacia do Rio Paraná, no setor SPAR-CN, nesta Subseção Judiciária de

Presidente Prudente, em razão dos potenciais riscos ao meio ambiente, à saúde

humana e à atividade econômica regional, além dos vícios que nulificam o

procedimento licitatório. Pretende-se, ademais, suspender todos os efeitos

decorrentes dos contratos de concessão assinados entre a ANP e as empresas

rés, além de outras medidas.

2. EXPLORAÇÃO DO GÁS DE XISTO E “FRACKING”

A extração do gás se dá por um processo chamado de

fraturamento hidráulico (do inglês, fracking), “que consiste em fraturar as

finas camadas de folhelho com jatos de água sob pressão. A água recebe

adição de areia e de produtos químicos que mantêm abertas as fraturas

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provocadas pelo impacto, mesmo em grandes profundidades”6. Ou seja, a

fratura hidráulica é um processo de bombeamento de fluido, por meio de um

poço aberto verticalmente, com posterior extensão horizontal, atingindo

milhares de metros de profundidade, em face do que a pressão gerada provoca

fissuras nas rochas sedimentares e permite a extração do gás natural, que

chega à superfície misturado com água, lama e aditivos químicos utilizados no

processo.

O gás de folhelho é explorado há décadas em algumas partes

do mundo, mas nunca houve o desenvolvimento de uma técnica viável

(economicamente) para sua exploração, porque o procedimento (retirada das

entranhas das rochas em que fica alojado) era caro e demorado. O cenário

mudou em 1990, quando George Mitchell, magnata do petróleo texano,

inventou a técnica do fraturamento hidráulico.

Todavia, não obstante seja essa técnica defendida

economicamente, os impactos ambientais causados por sua adoção são

incomensuráveis, alguns são conhecidos e outros ainda desconhecidos,

mormente na bacia hidrográfica desta região.

A curto prazo, cita-se a contaminação por gás, a contaminação

da água e solo por deposição inadequada de efluentes e resíduos, os

vazamentos, os acidentes com transporte e manipulação de materiais

perigosos. A médio e longo prazo haverá a contaminação da água subterrânea

devido ao fraturamento ou isolamento falho e mesmo devido à própria

natureza da técnica, que não impede a dispersão do gás no subsolo, a

contaminação da água subterrânea devido a poços abandonados e a

contaminação das águas por resíduos perigosos em áreas de disposição. A

literatura e a experiência relatam, ademais, a contaminação de poços próximos

6 A definição é do Serviço Geológico do Brasil, disponível em: <http://www.cprm.gov.br/

publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2618&sid=129>.

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por metano, que é asfixiante e inflamável, a alteração da água, que se torna

imprópria para consumo, e o risco de explosão.

Para se ter uma ideia do que se trata, “Gasland”, um

documentário de 2010, que foi inclusive indicado para o Oscar, mostra alguns

dos piores impactos causados pela exploração de gás de xisto. O diretor do

filme, Josh Fox, foi criado num sítio na Pensilvânia e recebeu uma oferta de

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US$ 100 mil de uma companhia petrolífera para ceder o direito de exploração

na propriedade da família. Curioso, ele vai conferir o que aconteceu com

proprietários rurais que aceitaram o negócio. No filme, são entrevistados

fazendeiros vizinhos a torres de exploração que exibem água encardida com

produtos químicos retirada de seus poços artesianos. Exames em laboratório

encomendados por Fox confirmaram a presença de agentes tóxicos. Numa das

cenas do documentário, ele põe fogo na água misturada com gás que jorra de

uma torneira7.

Foto do documentário “Gasland” (2010)

Se esses efeitos ocorrem nos EUA, Excelência, em que se

aplica essa técnica há décadas, não é difícil de imaginar o que ocorrerá se

utilizados em um país que não consegue nem mesmo tratar seus resíduos

sólidos a contento. A respeito, aliás, vide o estudo “Impacts of shale gas and

shale oil extraction on the environment and on human health”

(LECHTENBÖHMER et al) (Anexo 3, p. 25 e segs.) segundo o qual,

examinando-se dados quantitativos e impactos qualitativos tomados a partir da

7 Recomenda-se assistir ao documentário, bastante elucidativo, pois revela os impactos causados em

pequenas cidades dos EUA, como os que seriam produzidos nas cidades desta Subseção Judiciária

federal, caso fosse implementada a técnica. Encontra-se disponível nos autos (fls. 177) e pode ser

visto também em http://www.youtube.com/watch?v=xDwSelQNOYg.

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experiência dos EUA, que têm mais de 40 anos de experiência e mais de

50.000 poços perfurados, conclui-se que a Europa ainda está na infância!

2.1 PREJUÍZOS AMBIENTAIS, ECONÔMICOS E À

SAÚDE HUMANA

Diversos trabalhos científicos indicam o fraturamento

hidráulico como causa de uma série de impactos socioambientais, dentre eles

profundas mudanças nas paisagens, contaminação do solo, impactos sobre a

saúde humana e de animais, sobre a biodiversidade, contaminação do ar,

comprometimento quantitativo e qualitativo de recursos hídricos e indução de

abalos sísmicos (SUMI, 2005; COLBORN et al, RAHN; RIHA, 2012;

RIDLINGTON; RUMPLER, 2013, SLONECKER et al , 2013), sendo que as

medidas mitigadoras utilizadas nos processos de exploração de petróleo e gás

são incapazes de mitigar completamente os impactos gerados8.

A exploração desse gás trata-se de procedimento deveras

complexo, que se fundamenta nas seguintes etapas: exploração sísmica 3D,

preparação do terreno, perfuração vertical e horizontal, fratura hidráulica,

gestão de resíduos e produção propriamente dita. Ressalte-se que, no mundo

inteiro, a composição química do fluido de fraturamento é segredo industrial e

sequer se sabe quais são os componentes utilizados! O que cogitar então

quanto aos efeitos?

Essa preocupação, inclusive, foi levantada pelo GTPEG –

GRUPO DE TRABALHO INTERINSTITUCIONAL DE ATIVIDADES DE

EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE OLEO E GÁS (tópico 2.2 – Shale gas –

Riscos e impactos associados à exploração e produção). Com efeito, a tardia

8 ASIBAMA. Diagnóstico sobre o fraturamento hidráulico da expoloração de gás não-convencional

no Brasil. Distrito Federal: Brasília, nov. 2013. A respeito, vide, outrossim, “Impacts of shale gas and

shale oil extraction on the environment and on human health” (LECHTENBÖHMER et al) (Anexo 3,

p. 25 e segs.) e Impact of Shale Gas Development on Regional Water Quality. In: Science 340 (2013)

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Resolução n. 21/2014 da ANP estabelece que a publicação dos componentes

químicos seja exigida (art. 6º, inc. II), o que mais adiante também será

abordado, mas não há preocupação com a quantidade usada de produtos

químicos.

Contudo, impõe registrar que de acordo com o documentário

Fracking Hell: the untold story (em tradução livre: “O inferno do Fracking: a

história não contada”)9, uma das empresas que explora o gás de xisto nos

Estados Unidos da América, a Halliburton, ao responder a uma pesquisa da

EPA – Environmental Protection Agency sobre quais componentes químicos

são utilizados, indicou substâncias ligadas diretamente a câncer de ossos, de

fígado e de mama, problemas gastrointestinais, circulatórios e respiratórios,

assim como distúrbios do cérebro e do sistema nervoso. Com efeito, exames

laboratoriais indicaram a presença de arsênico, glicol e elementos radioativos,

produtos que também estão presentes nos resíduos do fraturamento hidráulico

e contaminam a água potável e o ar.

A quantidade de água utilizada para a realização do

fraturamento hidráulico é imensa, mas a situação ainda mais grave, como se

não bastasse, é a contaminação do solo e da água de poços e lençóis freáticos

com o gás metano (é o que torna a água inflamável, como se viu na figura

acima). Os danos serão inarredáveis a médio e longo prazo, além da

contaminação da água potável, já escassa em diversas cidades do Estado de

São Paulo diante da crise hídrica que se instalou para ficar.

Conforme se exporá abaixo, é inaceitável que essa atividade

econômica não sustentável coloque em risco a maior riqueza da região, que

são os recursos hídricos, em especial o Aquífero Guarani e os rios e cursos

d‟água que a cortam, sem contar que os prejuízos também atingirão a

(R.D. Vidic et al.). 9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dEB_Wwe-uBM&feature=endscreen&NR=1>,

com destaque para o trecho após 15:25.

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economia do oeste paulista, considerando que essa região sobrevive, em

grande parte, da agricultura e da pecuária.

Não se sabe exatamente quais os riscos ambientais que essa

técnica vai causar na região, mas sua instalação deve ser proibida, pelos

motivos expostos. A esse respeito, acrescenta-se que, e em alguns países,

inclusive desenvolvidos (a exemplo de Itália, Áustria, Dinamarca e

Alemanha), a técnica já está proibida; igualmente, determinados locais estão

barrando produtos que sejam produzidos nas regiões em que haja fraturamento

hidráulico: um exemplo para isso é o das maçãs e peras argentinas produzidas

na província de Neuquén, barradas na Europa (vide tópico abaixo, “DA

REPERCUSSÃO NEGATIVA NO ÂMBITO INTERNACIONAL”).

De fato, o leilão realizado pela ANP já ocorreu,

prematuramente, e ainda falta muita informação, especialmente por parte dos

agentes públicos e da comunidade científica envolvidos, principalmente sobre

quais são os impactos que o fraturamento hidráulico vai causar na saúde

pública, na economia local, nas reservas de água potável e na alimentação, em

razão do perigo de contaminação da água e do solo.

2.2 DO PARECER DO MINISTÉRIO DO MEIO

AMBIENTE/IBAMA – GTPEG N. 03/2013

O Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de

Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), instituído pela Portaria

MMA n. 119/2008 (fls. 149 e segs do vol. I do Anexo 1), e reinstituído pela

Portaria MMA n. 218/2012, tem, dentre outros, o objetivo de apoiar

tecnicamente a interlocução com o setor de exploração e contribuir para a

elaboração de diretrizes técnicas à análise das questões ambientais

relacionadas à definição de blocos exploratórios e ao licenciamento ambiental

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de empreendimentos de exploração e produção de óleo e gás no território

nacional e águas jurisdicionais brasileiras (art. 1º).

O GTPEG é constituído pelas seguintes instituições/setores:

Ministério do Meio Ambiente (MMA) – Gabinete, Secretaria Executiva,

Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, Secretaria de

Biodiversidade e Florestas; Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio) – Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento

da Biodiversidade, Diretoria de Criação e Manejo de Unidades de

Conservação e Instituto Nacional do Meio Ambiente (IBAMA) – Diretoria de

Licenciamento Ambiental e Coordenadoria Geral de Petróleo e Gás. Para

elaborar o parecer referente à exploração do gás de xisto, e considerando a

presença significativa da temática das águas superficiais e subterrâneas,

contou com o apoio da Agência Nacional de Águas (ANA).

A Resolução n. 08, de 21 de julho de 2003 do Conselho

Nacional de Política Energética – CNPE exige que, ao selecionar áreas para

licitar, a ANP adote eventuais exclusões de áreas por restrições ambientais,

sustentadas em manifestação conjunta da ANP, do IBAMA e de órgãos

ambientais estaduais (art. 2º, inc. V).

Em razão disso, a ANP solicitou, em 07/03/2013, que o

GTPEG, cuja coordenação técnica é do IBAMA, realizasse análise prévia da

12ª Rodada de Licitações, em que se pretendia oferecer blocos para a

exploração e produção de petróleo e de gás natural mediante licitação e

encaminhou, em 11/07/2013, o arquivo com a consolidação dos blocos

ofertados.

Contudo, o CNPE, surpreendentemente, publicou no Diário

Oficial da União em 07/08/2013, a Resolução n. 6, de 25/06/2013, que

autorizou a realização da 12ª Rodada de Licitações de blocos para a

exploração de petróleo e gás natural.

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Isto é, houve autorização – elaborada antes (25/06) mesmo de

se encaminhar a consolidação dos blocos ao GTPEG (11/07) - para licitar

blocos para a exploração de petróleo e gás natural, sem a anuência prévia do

órgão ambiental, que, com efeito, manifestou-se – posteriormente –

contrário!

Para dar subsídio à Rodada de Licitações agendada sem a sua

oitiva prévia, o GTPEG elaborou o Parecer Técnico GTPEG n. 03/2013 (fls.

149 e segs. do vol. I do Anexo 1) que, em síntese, destaca “não haver

elementos suficientes para uma tomada de decisão informada sobre o

assunto”, o que impossibilitava a prematura licitação dos blocos para a

exploração econômica.

Inicialmente, o GTPEG critica a condução da ANP, nos

seguintes aspectos:

a) a ANP forneceu dados relativos às áreas ofertadas e fez

solicitações ao GTPEG de modo fragmentado (nesse sentido, vide a

cronologia de solicitações no ANEXO I do Parecer n. 03/2013 – fls.

237/verso-239 do IC), com a apresentação de pelo menos nove diferentes

versões dos dados (fl. 149 do vol. I do Anexo 1). Conforme aponta a 4ª CCR

do MPF, “isto evidencia a forma desorganizada e precipitada como o trabalho

foi conduzido, tendo prejudicado o trabalho de avaliação do GTPEG” (Parecer

Técnico n. 242/13 da 4ª CCR, fl. 257 do vol. II do Anexo 1, item 'a');

b) os dados fornecidos pela ANP ao GTPEG, em alguns

casos, eram diferentes dos fornecidos aos órgãos estaduais ambientais – o que,

aliás, prejudica a própria análise estadual – e, conforme afirmou a 4ª CCR do

MPF, “corrobora o entendimento que o trabalho da ANP foi realizado de

modo desordenado”;

c) a Resolução do CNPE, que aprovou a realização da 12ª

Rodada de Licitações, foi publicada oficialmente no Diário Oficial da União

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anteriormente à conclusão do GTPEG, o que, segundo afirma o Grupo, é

temerário e causa insegurança jurídica ao processo e desgaste da realização de

ajustes após a divulgação inicial dos blocos (fl. 150 do Vol. I do Anexo 1);

d) lamenta que a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar –

AAAS, prevista na Portaria Interministerial MME/MMA n. 198/2012, não

tenha sido utilizada para a tomada de decisões pela ANP, porque é instituto

fundamental para qualificar o processo de análise ambiental prévia do

planejamento de outorga de direitos de exploração;

e) o método de consulta fixado pela Resolução CNPE n.

08/2003 (exige que a ANP, ao selecionar áreas para licitar, exclua áreas por

restrições ambientais, sustentadas em manifestação conjunta da ANP, do

IBAMA e de órgãos ambientais estaduais) “não comporta a execução de

estudos que permitam equacionar a vulnerabilidade das áreas diante dos riscos

e impactos dos levantamentos geofísicos e perfurações das fases exploratórias,

ou das subsequentes instalações e operações relativas à produção e

escoamento de possíveis reservatórios identificados” (fl. 157, Anexo 1, vol. I).

Com efeito, reafirma a necessidade de metodologias de AAAS que

“contemplem os diversos cenários acidentais possíveis para as atividades

terrestres, particularmente com ênfase naqueles que resultem em riscos aos

cursos hídricos” (fl. 157, Anexo 1, vol. I).

A partir de então, o GTPEG destaca os seguintes pontos, que

evidenciam a falta de conhecimento (necessário!) para a exploração e

produção do gás de xisto no Brasil:

A) Perfuração dos poços

Há necessidade de perfurar um número elevado de poços para

alcançar as camadas de folhelho com alto teor de matéria orgânica, geralmente

consideradas as rocha-mãe de gás natural encontrado na região, que consiste

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em duas etapas: i) perfuração convencional em terra; e ii) fraturamento da

rocha e manutenção das fraturas permeáveis.

O problema principal consiste nesta segunda fase

(fraturamento da rocha e manutenção das fraturas permeáveis), porque exige,

para além dos riscos já inerentes ao próprio fraturamento, a perfuração de um

número de poços elevado em relação à produção do gás convencional, “o que

intensifica os riscos e impactos inerentes à etapa inicial” (fl. 199, Anexo 1,

vol. I).

O GTPEG conclui que não há estudos ambientais preliminares

e mesmo de conhecimento de importantes características geológicas dessas

bacias ofertadas, o que afasta a conclusão ambiental favorável (fls. 198/199,

vol. 1, Anexo I). In verbis:

Com isto, além da necessidade do fraturamento hidráulico

propriamente dito, a produção do shale gas demanda a perfuração

de um número de poços muito elevado em relação à produção do

gás convencional, o que intensifica os riscos e impactos inerentes à

etapa inicial. Desta forma, relaciona-se a preocupação com alguns

riscos e impactos desta atividade, abrangendo tanto a etapa de

fraturamento quanto a intensificação da perfuração de poços que

lhe é inerente. Observa-se a ausência de estudos ambientais

preliminares e mesmo de conhecimento de importantes

características geológicas das bacias sedimentares para as áreas

ofertadas pela ANP. Com isto não é possível neste momento uma

avaliação segura e um adequado planejamento para execução das

atividades.

Aliás, esse ponto foi salientado pelo Senado da França, ao

declarar a moratória do fracking utilizado na produção do gás não

convencional, conforme tradução livre da ANP (fl. 293, vol. II, Anexo 1):

A produção de hidrocarbonetos não convencionais, sem dúvida,

representa pegada ambiental superior à produção convencional, devido à necessidade

de perfurar muitos poços para atingir uma produção rentável, por conseguinte, a

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utilização de métodos de estímulo passíveis de causar danos ao meio ambiente, se

não forem devidamente controlados.

B) Intensificação de abertura de vias de acesso e instalação de

canteiros (fl. 199, Anexo 1, vol. I)

Há uma necessidade de incremento na perfuração de poços

dezenas de vezes superior à da produção convencional. Enquanto um poço

convencional pode produzir por muitas décadas, no caso do shale gas esse

horizonte de tempo é da ordem de poucos anos. Embora sejam utilizados

poços direcionais e muitos deles possam ser originados de uma mesma

locação da sonda, eles se depletam rapidamente, exigindo a instalação em

novo local para manter a economicidade do campo e, consequentemente,

trazendo forte pressão sobre os recursos naturais superficiais e grande

potencial de modificação do uso e ocupação do solo originais.

C) Utilização de recursos hídricos (fl. 199, Anexo 1, vol. I)

Uma importante questão ambiental relacionada ao gás não

convencional é o intenso uso de água, particularmente em regiões onde sejam

pouco disponíveis ou cujo uso concorra com outros importantes para a

população e atividades econômicas locais, como é o caso da bacia do

Parnaíba, mencionada pelo GTPEG, o que se aplica à bacia do Paraná. Estima-

se que um poço de gás não convencional requeira entre 9.000 a 29.000 m³ de

água. Tendo como exemplo o caso do Reino Unido, estima-se que 2.580 a

3.000 poços são necessários para produzir 9 bilhões de m³ de gás não

convencional por ano, o que implica numa demanda de 87 milhões de m³ de

água (Nouyrigat, op.cit). Embora a água de produção encontrada em

reservatórios de óleo e gás possa ser utilizada para perfuração e fraturamento

em alguns casos, não há estudos que assegurem sua disponibilidade ou

qualidade nas áreas pretendidas para oferta, permanecendo a possibilidade de

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uso de água potável existente nas regiões a serem explotadas. Aliás, conforme

salientou o GTPEG, diante da imensa quantidade de água exigida para o

processo, poderá até mesmo ser necessária a utilização de água potável.

Em tópico separado, mais adiante, serão feitas considerações

sobre a crise da água, o aquífero guarani e o fraturamento hidráulico.

D) Contaminação de aquíferos superficiais e subsuperficiais

(fls. fl. 199/200, Anexo 1, vol. I)

Segundo o GTPEG, uma importante premissa para assegurar a

preservação dos aquíferos é que haja um efetivo isolamento das camadas que

serão explotadas pelo fraturamento hidráulico das camadas subterrâneas e

superficiais que abrigam os aquíferos de água doce. Estudos com modelagem

matemática têm demonstrado que as fraturas induzidas tendem a se propagar

em uma área máxima de algumas poucas centenas de metros, com interesse da

indústria em mantê-las sob os limites da formação produtora (KING, 2012;

OGP, 2013). Estas avaliações, que devem estar estreitamente ligadas às

características das rochas locais e da geologia da bacia como um todo, podem

ser utilizadas em um planejamento prévio à atividade de forma a reduzir os

riscos que fraturas se estendam para além da área de interesse ou interceptem

falhas e fraturas existentes. Em muitas bacias pode haver uma distância

segura, com camadas sedimentares selantes que podem proteger os aquíferos

de contaminações advindas da área de fraturamento. É importante para a

própria gênese dos hidrocarbonetos que as camadas selantes tenham estado

presentes durante a formação do reservatório. Mas não foram apresentados

pela ANP estudos demonstrando a segurança de explotação nas áreas que

pretende ofertar. A geologia de diversas bacias ainda é pouco conhecida

mesmo para a exploração do gás convencional, não havendo para certos casos

sequer a segurança quanto à extensão, isolamento ou conectividade de

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importantes camadas sedimentares ou mapeamento de grandes falhamentos e

dos padrões de falhas regionais. Bacias com exsudação superficial como as

bacias dos Parecis e de São Francisco devem ser particularmente estudadas,

pois demonstram a conectividade dos reservatórios com camadas superficiais;

da mesma forma a bacia do Paraná requer estudos focados na proteção dos

aquíferos Guarani, Serra Geral e Baurus. Estes levantamentos são

imprescindíveis para uma adequada avaliação regional dos riscos previamente

à realização das atividades. Além disso, a intensificação da perfuração de

poços ou a ação em áreas onde há poços abandonados requer uma regulação

dos projetos que ainda não foi formulada no Brasil. Muitas vezes o

contaminante é constituído por metano biogênico que é liberado na perfuração

de poços feita de forma inadequada ou de gás oriundo de poços construídos

sem regulação ou que foram mantidos com cimentação malfeita no passado

(fls. 199/200, Anexo 1, vol. I).

O GTPEG registra ainda a ausência de estudos pela ANP

para concluir que o isolamento das camadas explotadas pelo fraturamento

hidráulico das camadas subterrâneas e superficiais que abrigam os aquíferos

de água doce, necessário a reduzir ou isolar os impactos nos aquíferos, é

seguro. Pelo contrário: indica que a geologia de diversas bacias é pouco

conhecida mesmo para a exploração do gás convencional. Aliás, indica

expressamente que “da mesma forma a bacia do Paraná requer estudos

focados na proteção dos aquíferos Guarani e Serra Geral. Esses

levantamentos são imprescindíveis para uma adequada avaliação regional dos

riscos previamente à realização das atividades”.

E) Utilização de fluidos e demais produtos químicos (fl. 200,

Anexo 1, vol. I)

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Mesmo na perfuração convencional, segundo o GTPEG “os

fluidos de perfuração, completação e demais produtos químicos são objeto de

preocupação e não há no Brasil uma normatização sistemática sobre os

produtos utilizados. Para a área marítima, o IBAMA está em processo de

modificação do sistema de controle e monitoramento dos fluidos de perfuração

e completação utilizados objetivando que a ecotoxicidade e

biodegradabilidade atinjam padrões de emissão compatíveis com a

sensibilidade ambiental. Contudo, faltam normatizações que permitam a

disseminação desta prática em caráter nacional, particularmente visando à

proteção dos muitas vezes sensíveis sistemas aquáticos continentais.

Diferentemente dos fluidos de perfuração e completação, que são

normalmente recuperados após a atividade para uma destinação final

adequada, os fluidos de fraturamento são projetados para superar a pressão de

poros da rocha, com consequente perda de fluidos para o pacote rochoso em

toda extensão da fratura. Há uma grande diversidade de compostos e

substâncias químicas utilizados com as funções de ajustadores de pH,

ativadores de reticulação, bactericidas, estabilizadores de gel para alta

temperatura, agentes de sustentação, quebradores de gel, redutores de filtrado,

estabilizadores de argilas, tensoativos, entre outras”.

O GTPEG adverte que não há, no Brasil, normatização sobre

os produtos utilizados na técnica, o que causa preocupação ao órgão

ambiental. Além disso, indica que a formulação fechada (“segredo industrial”)

provoca controvérsia mundial e o seu comportamento não foi objeto de estudo

em vários casos, o que é imprescindível para verificar o impacto ambiental:

Vários dos compostos utilizados nestes produtos têm a formulação

fechada, o que é motivo de controvérsia no mundo inteiro. Além

disto, seu comportamento quando disposto no ambiente não foi

estudado para vários casos. É imprescindível o estudo destas

formulações e de seus componentes com relação ao comportamento

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nos ambientes onde serão utilizados, seu potencial de contaminação

e condições adequadas de disposição final (fls. 200, Anexo 1, vol.

I).

A respeito, confira-se o artigo “Natural Gas Plays in the

Marcellus Shale: Challenges and Potential Opportunities” (KARGBO et al,

2010) (Anexo 3, p. 20):

Health and Environmental. The chemical formulations of the

hidrofacture fluid air highly researched and closely guarded. The

fluid is usually in close contact with the host rock during the course

of the hydro fracture process. It is therefore expected to contain

both formation chemicals and introduced chemicals. Formation

chemicals may include toxic metals, salts, and radionuclides.

Introduced chemicals in the hydro fracturing fluid may include a

variety of toxic and nontoxic chemicals.

De seu turno, salientou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas

(IPT), no Relatório Técnico n. 132.065-205i, de 18/03/2013 (fls. 68/69 do

Anexo 4):

“(...) o desafio maior está em assegurar máximas integridade e

estanqueidade ao poço construído, o que requer cimentação e

completação eficazes, bem como monitoramento contínuo, visando

detectar a presença de metano e de outros gases na atmosfera e

nas águas subterrâneas, bem como de aditivos químicos utilizados

no processo de fraturamento hidráulico, ao fluído de fraturamento,

que compreende a mistura de água, areia e aditivos químicos,

injetada a altas pressões, de modo a fraturar as rochas e liberar o

gás, as soluções específicas estão a depender de um maior

conhecimento acerca do comportamento dessa mistura nos

distintos aquíferos presentes no ESP, tendo em vista o fato de que

parte significativa do fluido injetado no poço provavelmente não

retornará à superfície, permanecendo em contato com os corpos

de água subterrânea no subsolo. Nesse contexto, é essencial que a

composição, periculosidade e mobilidade dos aditivos químicos

utilizados no processo de fraturamento hidráulico sejam de

conhecimento amplo”.

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21

Vê-se que, a despeito da tardia Resolução ANP n. 21/2014

exigir a publicação dos componentes químicos (art. 6º, inc. II), não há

preocupação com a quantidade usada de produtos químicos, além do que seria

fortemente dubitável a capacidade de fiscalização e controle dos órgãos

ambientais sobre o real conteúdo do fluido injetado no subsolo, em razão do

dinamismo do processo e da resistência óbvia que as empresas exploradoras

teriam em revelar a formulação utilizada.

F) Disposição final da água de retorno (flowback water),

água de produção e “cascalhos” (fl. 201, Anexo 1, vol. I)

Com relação à água de disposição final da água de retorno

(flowback water), água de produção e “cascalhos”, aduz o GTPEG que “os

fluidos empregados no fraturamento hidráulico constituem-se normalmente

em mais de 98% de água e areia, aditivados com os compostos citados

anteriormente. Contudo há um importante retorno desta água ao poço nas

semanas iniciais da produção, contendo ainda boa parcela dos produtos

químicos e polímeros utilizados. O descarte desta água é de grande

preocupação. Embora possa ser feito por reinjeção em horizontes

subterrâneos, não pode ser reinjetado em reservatórios produtores, como

acontece em muitos casos com a água de produção. A água de produção é a

água fóssil associada aos reservatórios de gás e petróleo, muitas vezes

produzida com eles. Sua composição pode apresentar metais pesados e

ocorrência de elementos com índice de radioatividade natural que requerem

especial manejo e disposição. A reinjeção é desejável, mas nem sempre

tecnicamente possível, o que torna a disposição final de toda a água

contaminada, seja água de retorno ou água de produção, uma importante

questão a ser avaliada para cada bacia específica. O mesmo ocorre com os

fragmentos de rocha oriundos da perfuração de poços, chamados cascalhos,

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22

aos quais, após a atividade, permanece agregada parte do fluido de perfuração

utilizado. Além dos contaminantes presentes nos fluidos, a salinidade

excessiva é um problema para a disposição em ambiente terrestre”.

Além de registrar a necessidade de analisar individualmente

as Bacias Hidrográficas – o que até o momento sequer foi aventado -, o

GTPEG manifesta preocupação quanto ao retorno da água utilizada no

procedimento, que não poderá ser reinjetado em reservatórios produtores,

como acontece em muitos casos com a água de produção.

A tardia Resolução ANP n. 21/2014 embora estabeleça que a

água utilizada seja preferencialmente efluente gerado, água imprópria ou de

baixa aceitação para o consumo humano ou dessedentação animal, ou

resultante de efluentes industriais ou domésticos, desde que o tratamento a

habilite para o uso pretendido (art. 3º, parágrafo único), não há preocupação

com a eficiência do uso desse recurso tão escasso.

G) Potencial indutor de sismos (fl. 201, Anexo 1, vol. I)

Adverte o GTPEG, acerca da indução de sismos:

Apesar de o fraturamento hidráulico criar um grande número de

eventos microssísmicos, as magnitudes são geralmente muito

baixas para serem detectadas na superfície. No entanto, ocorrências

possivelmente relacionadas ao fraturamento hidráulico já foram

registradas nos EUA e na Inglaterra. De qualquer forma, o que

parece ter maior consenso entre os especialistas é que a injeção da

água de descarte do fraturamento hidráulico em poços “depletados”

(disposal wells) pode realmente induzir atividades sísmicas. Há

mais de uma década que se tem demonstrado que a injeção de água

em reservatórios petrolíferos pode ser um evento iniciador de

terremotos. A injeção aumenta a pressão de poros na rocha,

diminuindo o atrito nos planos de falha. Embora a injeção de água

para o fraturamento se trate de uma atividade diferente da injeção

de água em reservatório para estímulo da produção, o princípio

físico relacionado à indução de sismos é o mesmo; observa-se

também que a variação da pressão interna da rocha pode por si

mesma influenciar na capacidade selante das falhas existentes,

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23

podendo fazer com que migrem por elas fluidos até então contidos.

Em ambos os casos a reação do subsolo dependerá exclusivamente

da geologia local da área. Além disto, como exposto acima, para a

disposição final de água da atividade pode ser imprescindível a

reinjeção desta no mesmo ou em diferentes reservatórios. É

fundamental que estudos relativos à geologia estrutural da área e ao

estado de tensões sejam adequados à escala de intervenção prevista.

Da mesma forma devem ser previamente formuladas normas para o

monitoramento micro-sísmico, que além de corroborar o tamanho

das fraturas previamente preditos por computador, podem auxiliar,

juntamente a um programa regional, na identificação de padrões

anômalos de sismicidade decorrentes da atividade.

O GTPEG indica que a reação do subsolo dependerá

exclusivamente da geologia local da área – repita-se: “pouco conhecida mesmo

para a exploração do gás convencional”, pelo que, aliás, a bacia do Paraná

requer estudos mais aprofundados -, e há necessidade de normatizar o

monitoramento micro-sísmico para prever abalos de sismicidade decorrentes

da atividade (que, provavelmente em razão do fracking, já ocorrem nos EUA e

na Inglaterra).

Em relação a este risco, cumpre lembrar que, na região desta

Subseção Judiciária, há grandes barramentos de hidrelétricas, como a UHE

Porto Primavera, no rio Paraná e as UHEs Taquaruçu, Capivara e Rosana, no

rio Paranapanema. Em relação à UHE Porto Primavera, aliás, o Estudo de

Impacto Ambiental (Diagnóstico do Meio Físico, vol. I) já enunciava a

preocupação quanto aos riscos sísmicos e a carência de uma avaliação mais

precisa:

“Os dados obtidos através desse relatório permitem delinear um

quadro com relação à área do reservatório de Porto Primavera,

correspondente a uma zona sismogênia, definida não só pela

incidência de eventos sísmicos modernos como, também, por

indícios de movimentações tectônicas recentes associadas a

megaestruturas crustrais. Tendo em vista o fato desse quadro ter

sido delineado apenas nos últimos anos, carece ainda de uma

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avaliação precisa do risco sísmico e dos níveis de acelerações que

poderão ocorrer durante a vida útil do empreendimento”.

A agressividade da fraturação hidráulica para a extração do

gás de xisto pode potencializar a sismicidade induzida (provocada pelo

homem), nas áreas de extração e nas adjacências, de magnitude 3 ou até

superior, conforme relatos de ocorrências em outros países10

. Existe, portanto,

o risco de que tais estruturas possam ser abaladas. Dever-se-ia, ao menos,

analisar-se a probabilidade de que isso viesse a ocorrer, antes de se assinar

contratos de concessão da extração do xisto, ignorando um problema que pode

colocar em risco o meio ambiente e milhares de vidas humanas, em caso de

um desastre. Todavia, o apressamento na realização do leilão pela ANP não

permitiu que se fizessem os estudos prévios necessários.

Nessa linha, foi a conclusão da ABISBAMA, no Diagnóstico

Sobre o Fraturamento Hidráulico da Exploração de Gás Não-Convencional

no Brasil (2013), após relacionar estudos científicos que relacionam a

ocorrência de abalos sísmicos no início ou durante a continuidade de

empreendimentos que utilizam a técnica do fraturamento hidráulico. In verbis:

10

Segundo publicado na Revista National Geographic, de 2 de maio de 2014, conforme

pesquisadores estudiosos de sismologia, em conferência realizada em 1º de maio de 2014, a

armazenagem subterrânea de águas residuais provenientes de fracking pode representar um

risco muito maior de causar terremotos perigosos do que se acreditava anteriormente,

particularmente em áreas do sudoeste dos Estados Unidos e Centro-Oeste, onde as falhas do

terremoto não foram mapeadas extensivamente. Pior ainda, os cientistas ainda não são

capazes de prever que a injeção de águas residuais locais possam representar riscos para

edifícios ou estruturas críticas, como usinas de energia, e ainda não sabe o que fazer para

mitigar o risco. E uma nova pesquisa indica que os poços de descarte são capazes de afetar

as falhas do terremoto que estão a milhas de distância deles. Gail Atkinson, professor de

Ciências da Terra da Universidade de Western Ontario, é o principal autor de um novo

estudo que constatou que a sismicidade induzida (provocada pelo homem) pode representar

"um risco significativo e que ainda não foi não quantificada" para a integridade da

infraestrutura crítica, tais como grandes barragens. Ou seja, não se sabe como avaliar a

probabilidade de que a operação (fracking ou águas residuais) será uma fonte sísmica com

antecedência (por Patrick J. Kiger, 2 de maio de 2014).

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25

Apesar de toda a discussão a nível internacional sobre a

correlação entre a ocorrência de eventos sísmicos e o uso da

técnica do fraturamento hidráulico, a ANP, em sua nota técnica

sobre este método de extração de hidrocarbonetos (ANP, 2013)

sequer menciona essas questão, desconsiderando por completo

o exposto no parecer do GTPEG (MMA, 2013), conforme já

mencionado. Como agravante, ressaltamos também o total

desconhecimento de características geológicas das áreas ofertadas

na 12ª Rodada de Licitações, conforme destacado pelo CTPEG

(MMA, 2013) (Anexo 1, vol. II, fls. 228/229).

Esperamos que a irresponsabilidade da ANP, que coloca em

risco a vida das pessoas que moram próximas e especialmente à jusante aos

barramentos de hidrelétricas, seja devidamente corrigida pelo Poder Judiciário.

Recomendações do GTPEG (fls. 201-204, vol. I, Anexo 1)

O GTPEG elenca uma série de recomendações, que, a

propósito, ainda não foram observadas pela ANP:

i) necessidade de debate claro e abrangente pelos diversos

segmentos da sociedade brasileira com relação a esta tecnologia, que, além das

preocupações ambientais – como se já não fossem suficientes! -, devem-se

observar as demais fontes existentes e os potenciais energéticos do país; a

avaliação deve ser integrada com amplas discussões, incluindo-se, pois, outros

atores, como a Agência Nacional de Águas – ANA e especialistas do meio

acadêmico;

ii) conhecimento aprofundado geológico de cada área

específica que se pretende licitar (rectius: já licitadas), que ainda não existe;

iii) avaliação aprofundada sobre os recursos hídricos,

integrada aos potenciais reservatórios de gás não convencional, assim como

decisão que considere estrategicamente um balanço entre os recursos hídricos

e energéticos, disponíveis em âmbito nacional;

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26

iv) a realização de Avaliação Ambiental de Área

Sedimentar – AAAS, prevista na Portaria Interministerial n. 198, de

04/04/2012, do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio

Ambiente (fls. 392-393 do IC) que permitirá avaliar as incertezas das áreas a

serem licitadas e ampla consulta pública.

v) necessidade de maior estrutura regulatória no país, que

abranja normas inerentes ao controle dos riscos de atividade (projeto de poços

terrestres e monitoramento do fraturamento) até as de foco ambiental

(ecotoxicidade e biodegradabilidade para uso, descarte e disposição final de

fluidos perfuração, completação e fraturamento utilizados). Nesse ponto,

considera positiva a exigência da ANP na estipulação do pré-edital que a

concessionária contemple o Programa Exploratório Mínimo a perfuração de

poços capazes de caracterizar os folhelhos potencialmente geradores de gás

natural. Contudo, adverte que essa ausência regulatória gera insegurança

“tanto para a indústria quanto para a sociedade e os órgãos de controle que a

representam”.

Conclusão do GTPEG

Segundo a conclusão do GTPEG, pode-se afirmar que a ANP

não poderia ter dado início ao processo licitatório e muito menos celebrado os

contratos de concessão com as empresas, sem a realização do competente

AAAS, intensificando o debate na sociedade brasileira sobre os impactos e

riscos ambientais envolvidos nessa espécie de exploração. In verbis (fl. 236-

verso do IC):

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27

Com efeito, Excelência, nenhum desses estudos e/ou

recomendações foram elaborados até o momento e a despeito disso tudo a

ANP procedeu à licitação dos blocos de exploração e, no caso da Subseção

Judiciária de Presidente Prudente, inclusive celebrou os contratos de

concessão com as empresas-rés.

2.3 DA RECOMENDAÇÃO DA 4ª CCR/MPF

A 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, com

atribuição na defesa do meio ambiente, ao privilegiar atuação extrajudicial

mais resolutiva e menos demandista, expediu a Recomendação n. 01/2013, de

18/09/2013, em que explicitou o nível de risco que a técnica do fracking

oferece e recomendou (a) ao Ministro de Minas e Energia, para que

determinasse a realização de AAE – Avaliação Ambiental Estratégica, com a

devida publicidade para esclarecer os riscos e impactos ambientais

relacionados à exploração do gás de xisto, possibilitando que os órgãos

competentes decidissem, de forma fundamentada, sobre a conveniência da

exploração dessa fonte de energia no Brasil; e (b) à Diretora-Geral da Agência

Nacional do Petróleo, para suspender a licitação de áreas para exploração de

gás de xisto na 12ª Rodada de Licitações, até a conclusão e devida publicidade

à AAE - Avaliação Ambiental Estratégica (Anexo 1, vol. II, fls. 365).

A Recomendação se respalda no juízo de que a AAE é o

instrumento adequado para a avaliação ambiental de políticas, planos e

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28

programas de desenvolvimento, apto a assegurar que as considerações e

alternativas ambientais sejam analisadas ainda na fase de planejamento. Aliás,

esse é o entendimento do Tribunal de Contas da União - TCU (Acórdão n.

464/200411

), que recomendou à Casa Civil da Presidência da República que

"oriente os órgãos e entidades do Governo que causem impactos ambientais

significativos à aplicação da Avaliação Ambiental Estratégica no processo de

planejamento de políticas, planos e programas setoriais” (item 9.3 do

Acórdão).

Em resposta, a ANP argumentou que não via motivos para

acatá-la, uma vez que as questões ambientais foram tratadas com os órgãos

com atribuição (o que, como se verá a seguir, não corresponde à verdade) e

essa exploração não seria “apenas uma oportunidade de investimento e

produção de gás natural, mas, antes de tudo, uma oportunidade de geração de

conhecimento” (Nota Técnica n. 334/2013 – fls. 286-294 do vol. II do Anexo

1).

Inclusive, lembrou a existência de Avaliação Ambiental de

Áreas Sedimentares – AAAS, instituída e definida pela Portaria

Interministerial n. 198, de 05.04.2012, para o setor de petróleo e gás natural,

que considera todos os elementos conceituais da AAE. Essa portaria disciplina

a relação desse instrumento (AAAS) com o processo de outorga de blocos

exploratórios de petróleo e gás natural, localizados nas bacias sedimentares

marítimas e terrestres. A regra de transição estabelece que, enquanto não for

submetida à AAAS, haverá manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e

Energia e do Meio Ambiente, de acordo com a diretriz estabelecida pelo

CNPE, a ser estabelecida em até doze meses da publicação da Portaria (arts.

26 e 27).

11

Disponível em:

<http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/MostraDocumento?qn=1&doc=2&dpp=20&p=0>.

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29

O MPF, por meio da 4ª CCR, compartilha do entendimento de

que as características da AAE e da AAAS, assim como suas finalidades, são

instrumentos de gestão do setor de petróleo e gás, que atenderia à

Recomendação do MPF quanto à solicitação de realização da AAE, mormente

porque objetivava garantir maior segurança ambiental às áreas suscetíveis aos

efeitos das atividades de exploração e produção de gás natural não

convencional, o que se daria pela realização prévia da AAAS e não por

simples “consulta” ao GTPEG e aos OEMAS.

Primeiramente, é importante registrar que “as questões

ambientais” não foram efetivamente tratadas com os órgãos estaduais, já que,

no radical, apenas se limitaram a analisar eventual sobreposição dos blocos

oferecidos na Rodada com áreas ambientalmente protegidas. Nesse sentido,

conforme consta dos autos da ação civil pública n. 5005509-

18.2014.404.7005/PR, em trâmite na Justiça Federal em Cascavel, é inconteste

que a manifestação do IAP – Instituto Ambiental do Paraná apenas se limitou

a indicá-las no mapa. Não houve qualquer tratativa, Excelência, ou sequer

menção, por exemplo, aos recursos hídricos envolvidos. Da mesma forma foi

o procedimento em relação à CETESB (SP), que se pronunciou, por meio da

Nota Técnica n. 024/13/IEOL, em atendimento à solicitação da ANP, por meio

do ofício n. 275/SSM/2013, de 25/06/2013, a qual solicitou “manifestação

quanto a eventuais sobreposições dos blocos exploratórios em estudo, a serem

contemplados na 12ª Rodada de Licitações, com áreas ambientalmente

protegidas, bem como diretrizes para o futuro licenciamento das atividades de

exploração e produção de gás natural” (fls. 88 dos autos principais). É fácil ver

que a lacônica Nota Técnica n. 024/13/IEOL da CETESB somente faz

referência a áreas ambientalmente protegidas no Pontal do Paranapanema,

com a função de delimitar os blocos exploratórios, além de um parágrafo

meramente formal relativo à necessidade de licenciamento, sem qualquer

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30

consideração sobre os impactos ambientais que serão causados ao meio

ambiente, em especial aos recursos hídricos e à saúde humana, e quais

providências seriam realmente necessárias para subsidiar o leilão.

Igualmente, o argumento de que o oferecimento feito na

mencionada rodada seria “uma oportunidade de geração de conhecimento”, há

que se mencionar o alto risco e elevado custo dessa inconsequente

'experiência', pois o próprio Governo Federal dispõe de recursos próprios e

estrutura competente que poderia promover a pesquisa apta a gerar o

conhecimento esperado, com os consequentes debates advindos do

conhecimento gerado, e não o contrário! Os peritos da 4ª CCR/MPF se

manifestaram nesse mesmo sentido, destacando a “ingenuidade” da ANP

(Parecer Técnico n. 242/13, fl. 255 do vol. II do Anexo 1), verbis:

Com efeito, não se descura a importância do conhecimento a

ser produzido, mas a oferta, propriamente dita, de blocos exploratórios sem

que se tenha atestado previamente a sua viabilidade, ao menos nos aspectos

“mais básicos”, como aqueles que poderiam ser levantados através da AAAS

pleiteada e de levantamentos estratigráficos complementares.

A conduta adotada pela ANP gerou riscos potenciais e

concretos de danos ambientais irreversíveis, para “obter o conhecimento”.

Indubitavelmente é mais prudente que esse conhecimento seja obtido por meio

de ações de organismos governamentais (como é o caso,

exemplificativamente, do GTPEG, IBAMA, CNPE etc.), sem que, para isso,

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31

se realizasse leilões e oferecesse os blocos de exploração à iniciativa privada,

que atua de forma prioritária na busca do lucro.

2.4 DAS IRREGULARIDADES QUE NULIFICAM O

PROCEDIMENTO LICITATÓRIO

2.4.1 RESOLUÇÃO N. 08/2003 DO CNPE.

REQUERIMENTO DE EXCLUSÃO DE ÁREAS AMBIENTALMENTE

PROTEGIDAS PELO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL E PELO GTPEG

NÃO OBSERVADO PELA ANP. OFERTA DE BLOCOS COM ÁREAS

AMBIENTAIS INCLUSAS

A Resolução CNPE n. 08, de 21 de julho de 2003 (fls. 408-

409 do IC), ao estabelecer as diretrizes da política de produção de petróleo e

gás natural, exige que a ANP articule com os órgãos ambientais – estaduais e

federais – para excluir aquelas com restrições ambientais:

Art. 2º A Agência Nacional do Petróleo - ANP, deverá, na

implementação da política supramencionada, observar as

seguintes diretrizes:

V - selecionar áreas para licitação, adotando eventuais exclusões

de áreas por restrições ambientais, sustentadas em manifestação

conjunta da ANP, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e de Órgãos Ambientais

Estaduais;

Nesse sentido, ao não acatar a Recomendação do MPF, a ANP

informou que foram consultados os órgãos de meio ambiente dos Estados

(OEMAs), o GTPEG e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) (fl. 288,

Anexo 1, vol. II) e que houve exclusão das áreas com sobreposição a terras

indígenas, unidades de conservação de proteção integral e outras

incompatíveis com a atividade ofertada:

Como parte do processo, previamente à oferta de blocos nas

rodadas de licitações, é feito o recorte e exclusão das áreas com

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32

sobreposição a: (i) terras indígenas; (ii) unidades de conservação de

proteção integral; e (iii) outras tipologias para as quais há

interdição legal para as atividades de petróleo e gás natural. Com

base nos pareceres dos órgãos ambientais, é feito, quando

demandado, um segundo recorte das áreas consideradas

ambientalmente sensíveis. Assim, pode-se afirmar que todos os blocos encaminhados ao leilão

contam com o aval dos órgãos consultados, no que se refere à sua

viabilidade ambiental para a implementação das atividades de

petróleo e gás natural. Caberá ao licenciamento ambiental

propriamente dito a definição de condicionantes e medidas de

mitigação e compensação, para cada fase do ciclo de exploração e

produção de petróleo e gás natural. (fl. 288 do vol. II do Anexo 1)

De fato, houve consulta formal aos OEMAs e GTPEG, como

demonstram os ofícios que acompanham a presente ACP. Ocorre que as

respectivas considerações não foram observadas! Aliás, no âmbito estadual, a

consulta se limitou a indicar a interferência dos blocos exploratórios a serem

ofertados com os espaços territoriais especialmente protegidos (ETEP) e não

houve articulação, tratativa, propriamente dita, o que afasta a análise da

viabilidade prévia (Parecer Técnico do MPF n. 242/13, fl. 253 do vol. II do

Anexo 1):

Com efeito, caso tivesse sido feito um estudo realmente sério,

seria fácil concluir pela inviabilidade de extração de gás de xisto pela técnica

do fracking na região de Presidente Prudente. E, a propósito, em relação aos

blocos ofertados e a área objeto da presente ação, haverá análise em tópico

separado, abaixo, abordando as interferências, sobreposições e influências nas

Unidades de Conservação (UC), em suas zonas de amortecimento e nas Áreas

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33

Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição dos Benefícios

da Biodiversidade Brasileira, bem assim as peculiaridades da área em foco.

2.4.2 INOBSERVÂNCIA DOS RECURSOS HÍDRICOS

Os recursos hídricos e os seus consequentes impactos

ambientais decorrentes de seu uso na exploração do gás de xisto não foram

analisados no procedimento que culminou na arrematação dos blocos de

exploração.

O GTPEG já alertara a necessidade de manifestação, ao

menos no âmbito federal, da Agência Nacional das Águas – ANA (fl. 202 do

volume 1 do Anexo 1), responsável pela gestão dos recursos hídricos

brasileiros de forma sustentável (Lei n. 9.984/2000).

Embora aquela autarquia federal tenha participado da

elaboração do Parecer Técnico n. 03 do GTPEG (fl. 210-verso do IC), a

elaboração de parecer próprio, com equipe técnica competente, evidenciaria a

viabilidade (ou não!) da exploração do gás de xisto no Brasil. Ademais,

permitiria avaliação integrada com dados que o próprio GTPEG não dispunha

(fl. 202 do vol. I do Anexo 1).

Além disso, veja-se que os recursos hídricos sequer foram

considerados pela CETESB nas informações encaminhadas à ANP, o que se

imaginar de análise propriamente dita. Aliás, a Nota Técnica n. 024/13/IEOL

(autos principais, fls. 57/59) foi elaborada atendendo a solicitação da ANP, por

meio do Ofício no. 275/SSM/2013, quanto a “eventuais sobreposições dos

blocos exploratórios em estudo, a serem contemplados na referida 12ª Rodada,

com áreas ambientalmente protegidas, bem como diretrizes para o futuro

licenciamento das atividades de exploração e produção de gás natural” (autos

principais, fl. 57).

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34

Ora, Excelência, a Nota Técnica n. 024/13/IEOL da CETESB

é simplista em relação aos aspectos ambientais, não os avaliou com a

profundidade necessária, tendo sido absolutamente insuficiente para lastrear a

realização do processo licitatório e a celebração de contratos de concessão

dessa magnitude.

Com efeito, o estabelecimento de relações jurídicas

contratuais com empresas exploratórias, que pretendem exercer atividade

extremamente danosa ao ambiente, com técnica altamente destrutiva e

proibida em diversos países, deveria ter se respaldado em estudos

aprofundados, ajustados às características específicas da área em foco, antes

mesmo de se proceder à licitação.

E é inaceitável, precário, duvidoso, perigoso e prejudicial

ao interesse público primário o argumento de que essas questões

deveriam ser discutidas a posteriori, no âmbito do licenciamento

ambiental.

Como bem salientou o eminente magistrado federal Leonardo

Cacau Santos La Bradbury, na decisão liminar concedida nos autos da ação

civil pública n. 5005509-18.2014.404.7005/PR, em trâmite na Justiça Federal

em Cascavel,

“A ANP inverteu a ordem lógica necessária para consecução de

seus objetivos, pois primeiro deveria elaborar estudos de impacto

ambiental visando a exploração do petróleo e gás natural pela

técnica de fraturamento hidráulico, com vistas a assegurar a

viabilidade técnica e propiciar o adequado tratamento ambiental

que a situação exige. Após, deveria submeter os resultados dos

estudos à apreciação do CONAMA, órgão com atribuição para

regulamentar a atividade, para então realizar o procedimento

licitatório, quando então delineada eventual possibilidade de

exploração dos recursos naturais mediante utilização da técnica do

fraturamento hidráulico” (Anexo 1, vol. II, fl. 308 – grifo no

original).

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35

Outrossim, nos Autos do Agravo de Instrumento 5012993-

50.2014.404.0000/PR, em que foi agravante a ANP e agravado o MPF, o

Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, como Relator,

corroborou esse entendimento, conforme segue:

Observando os termos dessa manifestação da ANP, parece-me

inequívoco ter ocorrido uma inversão nos procedimentos da parte

da agência quanto à exploração do 'gás de xisto': a agência decidiu

primeiro realizar a licitação e firmar os contratos de concessão,

para somente depois buscar conhecer a fundo a atividade licitada,

sua viabilidade e suas consequências ambientais. Como bem

afirmou o juízo de origem ao deferir a liminar, 'A ANP inverteu a

ordem lógica necessária para consecução de seus objetivos, pois

primeiro deveria elaborar estudos de impacto ambiental visando a

exploração do petróleo e gás natural pela técnica de fraturamento

hidráulico, com vistas a assegurar a viabilidade técnica e

propiciar o adequado tratamento ambiental que a situação exige.

Após, deveria submeter os resultados dos estudos à apreciação do

CONAMA, órgão com atribuição para regulamentar a atividade,

para então realizar o procedimento licitatório, quando então

delineada eventual possibilidade de exploração dos recursos

naturais mediante utilização da técnica do fraturamento

hidráulico.'

De qualquer forma, não obstante o laconismo da Nota Técnica

n. 024/13/IEOL, mesmo assim abordou a questão da vulnerabilidade de

águas subterrâneas, enunciando o seguinte:

“(...) existem áreas consideradas de alta vulnerabilidade e risco

de poluição, principalmente na região que margeia os principais

cursos d‟água como os rios Grande, Paranapanema e do Peixe,

conforme definido no „Mapeamento da Vulnerabilidade e Risco de

Poluição das Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo,

elaborado pelo Instituto Geológico, Companhia Ambiental do

Estado de São Paulo – CETESB e Departamento de Águas e

Energia Elétrica – DAEE em 1997. Ainda, os blocos exploratórios

estão inseridos no Sistema Aquífero Guarani, e a região é

caracterizada conforme mapa elaborado pela CAS/SRH/MMA

(UNPP/Brasil, 2001) e adaptado pela ANA (2003), como área

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36

potencial de descarga com regime fissural/poroso: basaltos e

arenitos (indivisos)” (autos principais, fls. 58/59).

Tampouco houve manifestação do DAEE, responsável pela

gestão dos recursos hídricos no Estado de São Paulo, que opera desde 1951 a

Rede Hidrológica Básica do Estado de São Paulo, iniciada na década de 1880

e a maior fonte de dados hidrológicos básicos quantitativos do Estado,

inclusive de águas subterrâneas.

Esse ponto, repita-se, é essencial: não houve análise – ainda

que formal e superficial – dos efeitos das atividades de exploração e produção

de gás nos aqüíferos e nos cursos d‟ água da região, que abriga importantes

rios do pais, dentre os quais os Rios Paranapanema e Paraná, nos quais estão

instaladas várias usinas hidrelétricas, com os riscos já comentados. Nesse

sentido, destaca-se a emblemática conclusão da 4ª CCR/MPF (Parecer Técnico

n. 242/13, Anexo 1, vol. II, fl. 253):

Cabe lembrar que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT),

no Relatório Técnico n. 132.065-205i, de 18/03/2013 (fls. 01/98 do Anexo 4),

acerca dos “Estudos do potencial e viabilidade da exploração e produção de

shale gas no Estado de São Paulo”, embora não tivesse abordado com

profundidade os aspectos ambientais, teve o condão de destacar o grave

problema em relação aos aquíferos. In verbis:

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37

“(...) os aspectos ambientais descritos na literatura técnico-

científica internacional sobre as atividades de exploração e

produção (E&P) de gás não convencional (shale gás e tight gas)

demonstram que ainda há muitas incertezas acerca das

conseqüências efetivas ao ambiente. Por ora, dentre o conjunto de

aspectos ambientais frequentemente citados, analisados em

relação a SP (Estado de São Paulo), pode-se destacar a potencial

interação dos processos exploratórios com os sistemas aquíferos,

os quais constituem hoje importante fonte de recursos hídricos

para os municípios paulistas, e o elevado consumo de água, que

pode interferir na disponibilidade e na qualidade das águas no

ESP. Destacam-se ainda como desafios ambientais o controle dos

riscos de acidentes operacionais, com conseqüentes vazamentos,

derramamentos e explosões, bem como a sismicidade induzida e a

geração de resíduos e efluentes” (fl. 55 do Anexo 4).

Ademais, conforme sugeriu o IPT:

“Em termos ambientais, também sugere-se a realização antecipada

de estudos que possam fundamentar os procedimentos a serem

adotados para fins de autorização ambiental no Estado de São

Paulo. Esta iniciativa torna-se de suma importância frente às

perspectivas exploratórias da Bacia do Paraná, em vista da provável

oferta de blocos em licitações próximas, conforme anunciado pela

ANP, desde 2012. Considerando-se que esses estudos devam ser

conduzidos pelo órgão ambiental estadual paulista (CETESB),

recomenda-se a participação dos órgãos públicos que detêm a

responsabilidade pela outorga para uso das águas superficiais e

subterrâneas e pela gestão dos recursos hídricos nas bacias

hidrográficas paulistas (Coordenadoria de Recursos Hídricos da

Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos – CRHi/SSRH,

Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE; e Comitês de

Bacia Hidrográfica – CBHs), em razão dos aspectos ambientais

apontados, realizando também audiências públicas e convidando

outros setores da administração pública, centros de pesquisa e

entidades da sociedade organizada para debater as questões de

perfuração horizontal e fraturamento hidráulico, estabelecendo-se,

assim, um modus operandi no ESP para fins de autorização

ambiental de eventuais empreendimentos futuros de gás não

convencional” (Anexo 4, fl. 67-68).

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38

O IPT chegou a acreditar que “a provável realização de

licitações por parte da ANP em prazo médio” favorecia “a execução

planejada dos estudos prévios” (Anexo 4, fl. 68).

Pergunta-se: foram realizados estudos específicos abordando a

extração de gás de xisto pelo fraturamento hidráulico tendo em vista as

peculiaridades dos recursos hídricos regionais, em especial dos aquíferos, que

pudessem sustentar o procedimento licitatório?

A fim de saber a resposta, o MPF em Presidente Prudente

oficiou à Secretaria de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, à SMA/SP,

ao IBAMA, ao ICMBio, DNPM/SP, a fim de que encaminhassem ao MPF

cópia de pareceres e estudos técnicos que tivesse sido eventualmente

elaborados, sobre a exploração de gás de xisto, com o uso da técnica do

fraturamento hidráulico, em face dos blocos exploratórios do Setor SPAR-CN

– Bacia do Paraná (PAR-T-198; PAR-T-199, PAR-T-218 PAR-T-219 e PAR-

T-220) (autos principais, fls. 13-15 e segs.). Solicitou, por oportuno, que

respondessem às seguintes indagações:

a) quais os efeitos da exploração do gás de xisto por meio da modalidade

“fracking”, nos blocos exploratórios indicados, e os possíveis prejuízos

ambientais, econômicos e à saúde humana, no curto e no longo prazo, em

detrimento dos recursos hídricos presentes no contexto regional?

b) Quais os rios/afluentes/cursos d‟água que poderão sofrer os efeitos?

c) Há Unidades de Conservação/áreas de reserva legal/áreas de

preservação permanente na região/áreas de várzea/áreas úmidas, que

serão prejudicadas de alguma forma com a exploração? Os blocos

licitados se sobrepõem a alguma área ambientalmente protegida ou a seu

entorno, ou podem causar interferência nesses espaços?

d) Qual a extensão do aquífero guarani que pode ser atingida pela

exploração? Há algum outro aquífero que pode ser atingido?

e) Há possibilidade de contaminação do solo característico do Pontal do

Paranapanema, dos aquíferos, das águas de poços e lençóis freáticos com

gases e substâncias químicas? O conhecimento da geologia da bacia onde

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39

haverá a exploração permite conclusões científicas sobre a segurança, o

isolamento e a conectividade das camadas sedimentares ou mapeamento

de falhamentos no contexto regional? Existem estudos sobre o isolamento

das camadas explotadas pelo fraturamento hidráulico das camadas

subterrâneas e superficiais que abrigam o aquífero guarani, necessário a

reduzir ou isolar os impactos?

f) A existência dos reservatórios da UHE Porto Primavera (rio Paraná) e

da UHEs no rio Paranapanema e sua influência nos lençóis freáticos da

região pode potencializar os efeitos do “fracking” ou torná-los incertos?

Há algum estudo acerca dos problemas sismológicos na região,

envolvendo eventuais danos aos barramentos hidrelétricos na região? 12-

Há estudos envolvendo a bacia do Paraná sobre a possibilidade abalos de

sismicidade decorrentes da atividade?

g) Há estudos ambientais preliminares sobre as conseqüências do

fraturamento da rocha e manutenção das fraturas permeáveis, sobre os

riscos ao próprio fraturamento, sobre a área/quantidade de poços a serem

perfurados, no contexto das características geológicas da bacia

hidrográfica na região?

h) A região tem disponibilidade de recursos hídricos para o processo de

fraturamento, considerando a grande quantidade necessária para isso? Há

estudos que assegurem, além da disponibilidade, a qualidade da água

potável nas regiões a serem exploradas?

i) Há estudos sobre a disposição final da água de retorno (flowback

water), água de produção e “cascalhos”, ou seja, sobre fluidos

empregados no fraturamento hidráulico (água + areia + compostos

químicos) e seus efeitos nos rios da região, mormente na ictiofauna?

j) Qual o nível de certeza/incerteza científica acerca dos efeitos da

exploração do xisto pelo fraturamento hidráulico na bacia sedimentar do

rio Paraná, em especial no Aquífero Guarani e demais corpos hídricos? O

risco à segurança hídrica está devidamente mensurado? Há estudos

prévios e modelagens suficientes que autorizem, sem risco, a prospecção

e explotação?

Obviamente, não foi difícil descobrir, como se verifica pelas

respostas recebidas, elencadas na sequencia, que a licitação e a celebração dos

contratos de repasse com as empresas vencedoras do certame foram realizados

sem qualquer estudo prévio sério a respeito, sobre a afetação dos recursos

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40

hídricos e sua utilização no fracking, que produzisse o mínimo de

conhecimento científico necessário12

.

Oficiado pelo MPF, aliás, o DAEE informou que “ainda não

dispões de pareceres e estudos técnicos sobre a exploração de gás de xisto,

com o uso da técnica de fraturamento hidráulico” (autos principais, fl. 133).

Outrossim, o IBAMA informou que “não tem como prestar

maiores esclarecimentos acerca do tema”, porque “ainda não dispõe de

pareceres ou estudos técnicos elaborados sobre a exploração de gás de

folhelho (gás não convencional) com o uso da técnica do fraturamento

hidráulico na Bacia Sedimentar do Paraná ou em qualquer outra bacia

sedimentar terrestre brasileira, tampouco executou licenciamentos de

empreendimentos dessa tipologia” (autos principais, fl. 135).

A resposta da própria ANP não deixou dúvida disso, quando,

em resposta ao MPF, mencionou as “diretrizes ambientais” que foram levadas

em consideração nesse processo (Memorando n. 26/2014/GAB-ANP, fl. 34/35

dos autos principais).

Doutro lado, de forma corajosa e acertada, o Comitê de Bacia

Hidrográfica do Pontal do Paranapanema, atendendo ao solicitado no

OF/GAB/PRM/PP/No 622/2014-ly, a respeito do tema da exploração de gás

de folhelho, com o uso da técnica do fraturamento hidráulico, em face dos

blocos exploratórios do Setor SPAR-CN - Bacia do Paraná (PART-T-

198;PART-T-199 PART-T-218; PART-T-219 e PART-T-220), assim se

posicionou:

12

Note-se que a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, questionada pelo

MPF sobre a existência de pareceres e estudos técnicos que tivessem sido eventualmente elaborados,

sobre a exploração de gás de xisto, com o uso da técnica do fraturamento, encaminhou justamente a

Nota Técnica no. 024/13/IEOL (autos principais, fl. 61), deixando clara a inexistência de qualquer

outro estudo sobre o tema, não obstante a relevância do tema.

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“MOÇÃO CBH-PP/04/2014 de 21 de

novembro de 2014

Manifestação contrária ao início de qualquer

trabalho visando à exploração de gás não-

convencional (gás de xisto) no âmbito da

Unidade de Gerenciamento de Recursos

Hídricos 22 (UGRHI-22 - Pontal do

Paranapanema).

O Comitê de Bacia Hidrográfica do Pontal do Paranapanema, no uso de

suas atribuições legais e;

Considerando que a Agência Nacional do Petróleo – ANP abriu a 12ª

rodada de Leilões para a exploração de gás não-convencional (gás de xisto)

e os blocos exploratórios do Setor SPAR-CN - Bacia do Paraná (PART-T-

198; PART-T-199; PART-T-218; PART-T-219 e PART-T-220) se

sobrepõem à área da UGRHI-22;

Considerando a análise realizada pela Câmara Técnica de Assuntos

Institucionais, Câmara Técnica de Planejamento, Avaliação e Saneamento,

e o Grupo de Trabalho sobre o Nitrato em função dos materiais disponíveis

como reportagens, artigos técnicos e outros documentos;

Considerando o Artigo do Professor Dr. Ricardo Hirata, Diretor do Centro

de Pesquisas de Águas Subterrâneas do Instituto de Geociências da USP –

Universidade de São Paulo, sobre o tema em questão;

Considerando que a técnica de fraturamento hidráulico utilizada para a

exploração de gás não-convencional poderá ocasionar diversos problemas

ambientais, tais quais: contaminação de aquíferos devido à perda de fluídos

de retorno; contaminação de solo e água superficial devida à perda de fluído

do reservatório superficial; contaminação de gás extraído em aquíferos;

migração de gás ou de fluídos através das fraturas induzidas ou de

ocorrências naturais; utilização excessiva de água durante a perfuração e

ocorrência de abalos sísmicos decorrente das explosões;

Considerando que o Bloco PART-T-218 se situa próximo à zona de

amortecimento do Parque Estadual Morro do Diabo, Unidade de

Conservação de Proteção Integral, inserida totalmente na UGRHI-22;

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42

Considerando que os Órgãos Ambientais não estão preparados para

executarem fiscalizações e monitoramentos dos riscos, uma vez que a

técnica utilizada é pouco conhecida;

Considerando a inexistência de estudos geológicos detalhados nas áreas

leiloadas;

Considerando a inexistência de normas que regulamentem a utilização da

técnica de fraturamento hidráulico;

Considerando que a UGRHI-22 apresenta ampla dependência das águas

subterrâneas para abastecimento público urbano e rural e a exploração de

gás do xisto poderá comprometer seus usos sob a perspectiva do consumo

humano, tanto no presente quanto no futuro;

Considerando que não foram realizados os Estudos de Impacto Ambiental e

os respectivos Relatórios de Impacto Ambiental - EIA-RIMA, bem como a

não realização da Avaliação Ambiental da Área Sedimentar (AAAS),

conforme determina a legislação brasileira;

Considerando o Parecer Técnico nº 01/14 da Câmara Técnica de Assuntos

Institucionais, Câmara Técnica de Planejamento, Avaliação e Saneamento,

e do Grupo de Trabalho sobre o Nitrato;

Considerando a aplicação do Princípio da Prevenção, norteador das normas

constitucionais e infraconstitucionais de tutela ao meio ambiente natural;

Resolve:

Manifestar-se contrariamente ao início de quaisquer trabalhos

visando à exploração de gás não-convencional, na área de abrangência

deste Comitê de Bacia (UGRHI-22), sem a análise e aprovação prévia de

Estudos de Impacto Ambiental, incluindo nestes, a Avaliação Ambiental da

Área Sedimentar (AAAS), conforme previstos e determinados como

condicionantes na legislação brasileira, além de outros estudos a serem

exigidos pelos órgãos ambientais pertinentes.

Resolve, ainda, recomendar que os referidos estudos, bem

como, as solicitações de outorgas de recursos hídricos, sejam submetidas a

apreciação deste Comitê de Bacia”.

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43

Conforme destacou seu Secretário Executivo Sandro Roberto

Selmo (autos principais, fl. 170), “a moção é contrária à exploração do gás,

até que se prove que essa extração não irá causar nenhum dano ao meio

ambiente”. Segundo ele, “houve uma licitação para a exploração do gás na

região, mas existe um grande risco de contaminação dos mananciais de

água e até mesmo indícios de abalos sísmicos causados pela extração”.

Conforme pontua, “apesar dos benefícios econômicos, todos os membros

presentes na reunião apoiaram a moção, pois, de nada adianta um

crescimento econômico que não seja sustentável”. E finaliza: “Com todos

os problemas que o Estado enfrenta em relação ao abastecimento de água,

que é um recurso que temos em abundância na região, não podemos

colocar isso em risco” (autos principais, fl. 170).

Essas irregularidades, que colocam em grave risco a higidez

dos recursos hídricos da região, nulificam por completo o procedimento

licitatório do gás de xisto na Bacia do Rio Paraná e invocam a suspensão dos

contratos de concessão firmados, em especial em relação aos blocos ofertados

existentes nesta Subseção Judiciária.

2.5 DAS AUDIÊNCIAS “PÚBLICAS” REALIZADAS

PELA ANP E DA AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA NA CÂMARA

DOS DEPUTADOS

Em 22/08/2013, a ANP publicou no Diário Oficial da União

(DOU) e nos sites da ANP e das rodadas de licitações de petróleo e gás

(brasil-rounds) o aviso da audiência “pública” n. 25/2013, realizada em

18/09/2013 e da consulta pública disponível nos respectivos sites.

Vê-se, com efeito, que não houve participação de órgãos

estaduais ou federais ambientais e/ou indígenas, que são diretamente afetados

pelo resultado das deliberações na referida audiência pública. Pior: os aspectos

ambientais sequer foram levantados naquela oportunidade, que se limitou a

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analisar os pontos do pré-edital e da minuta do contrato de concessão (fls. 263-

271 do vol. II do Anexo 1).

Posteriormente, e graças à intervenção do MPF, a ANP

realizou em 21/09/2013 a audiência “pública” n. 30/2013, que objetivava

deliberar sobre a resolução da Agência (em 11/04/2014, a ANP publicou a

Resolução n. 21/2014 – fls.212-219 do vol. II do Anexo 1) e estabelecer as

condições para o fraturamento hidráulico em poços de produção de gás não

convencional.

A seguir, passa-se a analisar os pontos que foram deliberados

naquela audiência “pública” e simplesmente ignorados pela ANP, conforme

Relatório Técnico n. 067/2013 elaborado pela 4ª CCR/MPF (fls. 274-280 do

vol. II do Anexo 1):

i) Fernando Leite Siqueira, vice-presidente da Associação dos

Engenheiros da Petrobrás (AEPET) e 2º vice-presidente do

Clube de Engenharia: Opinou que o Brasil não teria

necessidade de aproveitar esse recurso, enquanto dispõe de

outras fontes energéticas de acesso mais fácil e que

representam menor risco ambiental, como o petróleo e o gás

convencional. Mencionou que as áreas ofertadas colocam em

risco grandes reservatórios de água subterrânea, de extrema

importância para o país, como os aquíferos guarani e alter do

chão. O orador ainda defendeu que as modelagens e

simulações exigidas pela ANP não permitem completa

segurança, ou 100% de controle. E reiterou que não existe

necessidade de exploração e aproveitamento do gás não

convencional, tendo em vista as reservas energéticas

nacionais, já conhecidas, e o alto risco para a água

subterrânea.

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45

ii) Karine Narahara, da Associação Nacional dos Servidores

da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do

PECMA/Plano Especial de Cargos do Ministério do Meio

Ambiente e do Ibama (ASIBAMA) nacional: Criticou

veementemente a forma de divulgação da presente

audiência pública e dos eventos de discussão da 12ª

Rodada, que não seriam eficientes. Mencionou o Parecer

Técnico nº 03/2013 do Grupo de Trabalho Interinstitucional

de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás

(GTPEG) que fez a análise ambiental prévia das áreas

propostas para a 12ª Rodada de Licitações, e apresentou

críticas contundentes a utilização do fraturamento hidráulico.

Segundo a oradora, tais críticas não foram consideradas

pela ANP. Na avaliação da representante da ASIBAMA seria

configurado conflito de interesse o levantamento de dados e a

geração de conhecimento necessários à ANP serem obtidos

pelas empresas interessadas.

iii) Antônio Abreu da Associação Nacional, dos Servidores da

Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA5

(ASIBAMA), Rio de Janeiro: Falou da necessidade da

discussão do tema ser ampla, pública e nacional, não como a

que ali ocorre e não só pelos meios técnicos. Lembrou que o

aquífero guarani é transnacional, o que implicaria que

atividades como o fraturamento hidráulico, com potencial de

impactá-lo, deveriam necessariamente ser discutidas com os

demais países potencialmente afetados. Falou sobre

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46

desinformação da população. Defendeu a paralisação do

processo de discussão da resolução.

iv) Cristiano Vilardo Nunes Guimarães, Coordenador-geral de

Petróleo e Gás, Diretoria de Licenciamento Ambiental do

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis (Cgpeg/Dilic/IBAMA): Informou que o

licenciamento da exploração e produção de gás e petróleo em

terra é competência dos órgãos ambientais estaduais

(OEMAs) e que somente as operações marinhas são de

responsabilidade federal, isto é, do Ibama. Ressaltou que é

claro para todos os setores que o assunto, fraturamento

hidráulico para aproveitamento de gás, é extremamente

controverso no mundo inteiro.

Esclareceu que apesar da parceria que o Ibama e a ANP têm,

veio compartilhar preocupações, e que não poderia se furtar

de comparecer e comentar aspectos relativos à questão

aqui discutida.

Sobre a proposta de resolução da ANP, informou que se trata

de uma regulamentação não prescritiva, baseada no

automonitoramento e autocontrole, o que é preocupante.

Defendeu que o autocontrole funciona bem com processos

bem conhecidos, estabelecidos em setores maduros, não com

uma atividade como o fraturamento hidráulico. Expôs que em

tal situação o regulador tem que conhecer mais que o

explorador. O regulador deve definir os parâmetros de corte e

estudar muito bem antes de autorizar. Manifestou

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47

preocupação com a pressa com que esse processo tem sido

discutido.

Salientou que a resolução amplia a pretensão de supervisão da

Agência com relação a temática ambiental, o que também

preocupa porque a ANP tem experiência de atuação apenas

nas questões operacionais. Lembrou que em matéria

ambiental o controle da atividade ocorre no licenciamento

ambiental. Desse modo, mostrou-se novamente preocupado

com o avanço da ANP nessas questões, com a eventual

sobreposição de atuação com os órgãos ambientais, e

principalmente pela capacidade restrita de atuação da

Agência nesse tema. Nesse sentido, lembrou que o corpo

técnico da ANP não é compatível com essa tarefa, no que diz

respeito à temática ambiental.

Defendeu a necessidade de uma regulamentação nacional

sobre o assunto, e que o fórum adequado seria o Conselho

Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Neste Conselho a

discussão seria maior e mais aprofundada, tendo em vista

estar melhor representada a sociedade. Lembrou que ainda

existe tempo para isso, tendo em vista que iniciado qualquer

processo de exploração relativo a 12ª rodada, existirá um

período de alguns anos de pesquisa, enquanto se poderia

discutir e elaborar uma resolução no CONAMA sobre o

assunto.

(...) Por fim, afirmou novamente estar assustado com a

velocidade com que o processo para exploração de blocos

de gás não convencional tem sido desenvolvido. Defendeu

que as experiências internacionais com o tema indicam a

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48

necessidade de tratá-lo com calma, com mais qualidade e

com excelência técnica.

v) Francisco Soriano, do Sindicato dos Petroleiros do Rio de

Janeiro (SINDIPETRO/RJ): Reiterou críticas apresentadas nas

falas anteriores.

vi) José Maria Ferreira Rangel, do Sindicato dos Petroleiros

do Norte Fluminense (SINDIPETRO/NF): Defendeu que o

caso em discussão utiliza a “política do fato consumado”,

tendo em vista que se vai primeiro licitar os blocos e depois

regulamentar a exploração e produção. Lembrou que diferente

dos Estados Unidos, que produz gás não convencional por

fraturamento hidráulico por absoluta necessidade e falta de

alternativas energéticas, o Brasil tem uma matriz energética

que não exige o aproveitamento desse recurso. Também

lembrou que não existe nenhuma regulamentação sobre a

exploração e produção de gás não convencional no Brasil.

Ressaltou a escassez de água em algumas localidades com

blocos ofertados, como o semiárido. E também ressaltou o

conteúdo do Parecer Técnico do GTPEG, comentado por

outros palestrantes. Mencionou o grande número de acidentes

ambientais na atividade de fraturamento hidráulico nos EUA,

por exemplo, com contaminação da água subterrânea e solo.

Por fim, pediu a suspensão da 12ª rodada.

vii) André de Paula, da Frente Internacionalista dos Sem-Teto

(FIST): Criticou o formato da audiência, que segundo o

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orador é direcionado para o setor empresarial, em ambiente

pequeno, de acesso difícil e pouco divulgado. Reforçou as

críticas apresentadas pelos oradores anteriores e informou que

sua organização representará contra esta audiência e a

questionará na justiça.

viii) Bianca Dieile da Silva, Pesquisadora em Saúde Pública

da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ): A pesquisadora

falou sobre o conflito do uso da água que pode ser

provocado ou intensificado pela produção do gás não

convencional, lembrando que a atividade é grande

consumidora de água. Apontou a necessidade de uma

discussão mais ampla. Defendeu que se trata de uma questão

de saúde pública, tendo em vista que grande parte dos

municípios brasileiros tem grande dependência de água

subterrânea. Por fim, salientou que as pessoas impactadas

não estavam ali representadas.

Nas demais considerações, o Procurador Federal Olavo

Bentes “informou que a audiência não tinha a finalidade de

discutir a 12ª Rodada de Licitações (!?), mas a proposta de

resolução da ANP que fixará condições para o fraturamento

hidráulico para aproveitamento de gás não convencional.

Lembrou que a 12ª Rodada não é exclusiva para gás não

convencional, e seu principal objetivo é interiorizar a

exploração e produção de gás no Brasil, atualmente

concentrado no sul e sudeste. Salientou que existe exploração

de gás não convencional no país, na Bacia do São Francisco, e

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que a lei não proíbe o concessionário. Informou também que

já foi feito fraturamento hidráulico em território nacional, de

forma “muito tímida”, momento em que reafirmou que não

existe vedação à atividade. Nesse sentido, indicou a

importância da norma em discussão para fixar as normas para

o fraturamento que pode ser realizado, tendo em vista que não

existe proibição expressa.”

Nas respostas às questões escritas, a 4ª CCR do MPF registra

que “ocorreu reunião no início de novembro entre MMA,

MME, EPE6 e ANP, onde se discutiu a realização da

Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares (AAAS).

Informou que inicialmente se fará o estudo de duas bacias,

Solimões e o conjunto Sergipe-Alagoas e Jacuípe. A fase de

contratação dos estudos foi iniciada e a previsão de conclusão

da AAAS é janeiro de 2017. A intenção é que todas as bacias

sedimentares brasileiras passem pela realização da AAAS.”

A despeito do local de realização (Rio de Janeiro) ser distante

das populações diretamente afetadas, deve-se pontuar, novamente, a ausência

oficial dos órgãos estaduais ou federais ambientais e/ou indígenas, que são

igualmente afetados pelo resultado das deliberações na referida audiência

pública, implica em prejuízo da sua precípua finalidade.

Os representantes (coincidentemente, ou não, manifestaram-se

apenas servidores de carreira, com estabilidade funcional) de determinados

órgãos ambientais fizeram questão de estarem presentes para fomentar o

debate e alertar a ANP.

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É cediço que as conclusões das audiências públicas não

vinculam os órgãos que as realizam. Contudo, a ANP deve(ria) levar em

consideração, na decisão, as colocações técnicas que nela foram realizadas, à

luz do princípio da participação pública, que garante meio legítimo de

enfrentamento das questões sociais.

Todavia, todos esses aspectos levantados não foram

deliberados em qualquer momento pela ANP, que, pelo contrário,

propositadamente os ignora. Aliás, vislumbra-se que a afirmação do

procurador federal da ANP no sentido de que o fracking já foi realizado (sem

regulamentação!) em território brasileiro demonstra que o tempo urge e se

impõe a necessária postura pró-ativa do Poder Judiciário.

No ponto, ainda cumpre registrar que em 05/12/2013,

realizou-se audiência pública na Câmara dos Deputados (Comissão de

Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), em que o MME sequer se fez

presente (vide crítica do Deputado Alfredo Sirkis), para deliberar sobre “A

exploração do xisto em território nacional e seus efeitos sobre o meio

ambiente”, em que foram levantados os tópicos que a seguir se destaca, a

partir do Relatório Técnico n. 75/2013 elaborado pela 4ª CCR/MPF (fls. 41-52

do IC):

i) Fernando Roberto de Oliveira, Especialista em Recursos

Hídricos, Gerente de Águas Subterrâneas da Superintendência

de Implementação e Projetos da Agência Nacional de Águas:

(…) Falou sobre a relação da segurança do fraturamento

hidráulico com a distância entre horizontes geradores

(folhelho) e aquíferos. Mencionou que internacionalmente

tem se notícia que fraturamento provocado nos poços para

produção de gás de xisto alcancem até 200 metros. Mostrou o

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mapa hidrogeológico do Brasil, elaborado pela ANA em 2013

e o utilizou para apresentar dados técnicos sobre cada bacia

que teve blocos ofertados na 12a rodada, evidenciando a

ausência de conhecimento geológico que permita conhecer

com a mínima segurança, na maioria das áreas, a distância

entre os aquíferos e estratos com potencial para conter

reservas de gás não convencional. Ressaltou a necessidade de

conhecimento geológico para subsidiar a atuação da agência.

Salientou que as bacias amazônicas tem grande potencial para

constituírem grandes aquíferos. Contudo, existe necessidade

de evoluir o conhecimento geológico da região. Ressaltou

que, por exemplo, o sistema de fraturas de algumas

formações, como o Botucatu (Aquífero Guarani), são

extremamente complexas, o que implica em grande risco

decorrente da atividade de fraturamento. (...)

ii) Jailson Bittencourt de Andrade, Químico, Especialista em

Efeitos Ambientais na Prospecção do Gás de Xisto, professor

da Universidade Federal da Bahia: (…) Salientou que energia

não deve ser analisada de modo isolado, e que deve ser

considerado o efeito sobre o uso da água. (…) Comentou as

novas fronteiras energéticas de produção de gás não

convencional, com grandes reservas nas Américas e na China.

E ressaltou que diferente da China e EUA, o Brasil dispõe de

outros recursos energéticos mais amigáveis, lembrando que

nos EUA o petróleo tem um custo militar alto, e que na China

o carvão tem um alto custo ambiental. (…) Questionou sobre

as motivações do Brasil entrar nesta corrida, sendo que seus

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recursos de gás não convencional estão abaixo dos grandes

aquíferos brasileiros, já comprometidos pelo uso na

agricultura. E mostrou estudos recentes de revistas

importantes, como a Science e Groundwater, em que a

essência dos resultados é a indicação da necessidade de

estudos prévios. (…) Por fim, questionou de onde virá a água

necessária à produção do gás não convencional no Brasil.

iii) Luiz Fernando Scheibe, Professor da Universidade

Federal de Santa Catarina, Coordenador da Rede Guarani

Serra Geral: (…) Afirmou que a comunidade engajada na

defesa dos aquíferos Guarani e Serra Geral está preocupada

com a possibilidade de exploração e produção de gás de xisto

naquela Bacia, tendo em vista a concessão de blocos na área

pela ANP. (…) Salientou a necessidade de debate e

questionou os presentes se era aquele futuro que gostaríamos

para o nosso território, ao tempo em que mostrava imagens de

áreas onde ocorre produção de gás de xisto. Informou que:

Cerca de 40% do fluido utilizado volta para a superfície, e

contém tanto gás natural (principalmente metano, mais

propano, butano e elano) como dióxido de carbono, sulfeto de

hidrogênio, nitrogênio e hélio; salmouras naturais da rocha,

assim como elementos traços de mercúrio, arsênico e chumbo;

material radioativo como rádio, tório e urânio; e compostos

orgânicos voláteis como benzeno. (…) Ressaltou a existência

de sistemas de fraturas naturais que conectam o Guarani com

os depósitos de xisto, que podem ser afetadas e ligadas ao

sistema de fraturas artificiais produzido pelo fraturamento, o

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que poderia provocar a contaminação do aquífero pelos

fluídos de fraturamento e pelos hidrocarbonetos liberados do

folhelho. Mostrou gráficos e artigos técnicos que

evidenciam a contaminação da água pela atividade de

produção de gás de xisto, e salientou veementemente que

todos os palestrantes afirmaram a existência de riscos,

diferente do que a ANP defendeu: que se fará

regulamentação para assegurar absoluta segurança da

atividade. (…) Ao fim, lembrou que o Plano Decenal de

Energia nem menciona o uso do gás de xisto, e propôs: (...) b)

a realização de Avaliação Ambiental Estratégica nas

bacias sedimentares licitadas; (...)

iv) Ricardo Baitelo, Coordenador de Campanha de Energias

Renováveis do Greenpeace Brasil: (…) Mencionou Termo

de Ajustamento de Conduta elaborado entre ANP e MPF,

desautorizado depois pela Agência. Por fim, defendeu a

"suspensão de atividades de exploração pelo menos até

estabelecimento de critérios rígidos para exploração", tendo

em vista não ser premente a produção de gás de xisto no

Brasil.

v) Carlos Alberto Hailer Bocuhy, Presidente do Instituto

Brasileiro de Proteção Ambiental: O palestrante classificou a

atividade como uma aventura tecnológica com sérios

impactos ambientais comprovados, e que regulamentá-la é

uma armadilha para a sociedade brasileira. (…) O orador

apresentou dados sobre a situação de banimento do

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fraturamento hidráulico para produção de gás de xisto no

mundo: A França confirmou em outubro a proibição de

fraturamento hidráulico. A Bulgária baniu a tecnologia do

fracking em janeiro de 2013, por decisão do parlamento.

Romênia, Irlanda e Austrália decretaram moratória.

Dezenas de cidades também. Na Alemanha há oposição dos

ministérios de meio ambiente e de economia. Na república

Tcheca a moratória está em discussão. Nos Estados Unidos

os estados de Vermont e Havaí baniram o fracking. No Havaí

a discussão no parlamento durou só 3 minutos. O Estado de

Nova Iorque e Nova Jersey decretaram a moratória do

fracking. Dezenas de cidades baniram de seus territórios. No

Canadá, as províncias de Quebec, Nova Escócia e British

Columbia também decretaram moratórias. Na Argentina,

Espanha, Suíça, Áustria, Itália, Holanda, Nova Zelândia

ocorreram banimentos em dezenas de municípios. Criticou a

realização do leilão antes da discussão setorial, do ponto de

vista ambiental e lembrou que ainda não existem sistemas de

salvaguarda. Por fim, questionou se "o SISNAMA está

preparado para isso?".

Manifestações dos parlamentares: (…) A Deputada Rosane

Ferreira do Paraná falou sobre a preocupação dos impactos

que a atividade de produção do gás de xisto no seu Estado.

Defendeu que a missão do Paraná é produzir alimento,

preservar as águas e sua mata atlântica. E criticou a ausência

de planejamento energético no Brasil. (...)

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Manifestações do plenário: O representante da ABES

(Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental),

João Marcos Paes de Almeida, falando também por outras 12

entidades que assinaram com essa Associação carta aberta à

Presidente da República, inclusive todas as associações de

saneamento de água e esgoto do país, declarou apoio à

moratória proposta pelo Deputado Sarney Filho.

O representante do ISA (Instituto Socioambiental), Raul do

Valle, pediu esclarecimento à ANP sobre o limite entre

exploração e produção, e se existiria necessidade de novo

leilão caso descoberto o recurso. De modo sintético, o

Procurador Federal na ANP Olavo Bentes esclareceu que o

concessionário tem direito a realizar as atividades de pesquisa,

ou seja, exploração, por tempo determinado, ao fim do qual,

constatado a existência da reserva de gás e sua

economicidade, se pode solicitar autorização para produção.

As concessionárias são fiscalizadas e reguladas pela ANP.

Não há outro leilão, mas a passagem da fase exploratória

para produtora é mediante análise da ANP e existência de

licença ambiental. Salientou que o risco econômico da

atividade é do concessionário, conforme previsto nos

contratos.

O representante do Centro de Trabalho Indigenista,

Conrado Rodrigo Otávio, criticou o prazo exíguo e a forma

como foi divulgado o processo, e afirmou que foram ofertados

blocos na 12ª Rodada com interferência em Terra Indígena em

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processo de regularização e Unidade de Conservação em

processo de criação, mesmo tais interferências tendo sido

alertadas no Parecer Técnico do GTPEG.

Excelência, a postura da ANP demonstra claramente a

urgência que o caso reclama e a imperiosa atuação do Poder Judiciário para

coibir essa conduta que implicará numa exploração desenfreada, com uma

técnica altamente destrutiva e lesiva ao ambiente, mormente nos recursos

hídricos e nos ecossistemas locais, marcados por sua relevância e, ao mesmo

tempo, vulnerabilidade.

2.6 DOS ESTUDOS TÉCNICOS QUE DEMONSTRAM

OS RISCOS AMBIENTAIS CONCRETOS DA EXPLORAÇÃO DO

GÁS DE XISTO NO BRASIL

A ABISBAMA Nacional (Associação Nacional dos

Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) e a PECMA

(associação civil sem fins lucrativos, que reúne servidores do MMA, IBAMA,

SFB e ICMBio), considerando o deliberado no VI Congresso Nacional

Ordinário da ABISBAMA Nacional, produziram um diagnóstico sobre os

impactos do fraturamento hidráulico, causado pela exploração do gás de xisto,

que chega a uma série de conclusões técnicas que demonstram a precariedade

de informações que a ANP detinha para conceder o direito de exploração (fls.

220-231 do vol. II do Anexo 1).

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e

a Academia Brasileira de Ciências (ABC) enviaram carta aberta à Presidência

da República solicitando a suspensão das licitações realizadas na 12ª Rodada

de Licitações realizada pela ANP (fls. 233-234 do vol. II do Anexo 1).

Emblemática a menção ao Aquífero Guarani, que ora se transcreve:

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É importante destacar, por exemplo, que boa parte das reservas de

gás/óleo de xisto da Bacia do Paraná no Brasil e parte das reservas

do norte da Argentina estão logo abaixo do Aquífero Guarani, a

maior fonte de água doce de ótima qualidade da América do Sul.

Logo, a exploração do gás de xisto nessas regiões deveria ser

avaliada com muita cautela, já que há um potencial risco de

contaminação das águas deste aquífero.

No mesmo sentido, Associação Brasileira de Engenharia

Sanitária e Ambiental (ABES), Associação Nacional dos Serviços Municipais

de Saneamento (ASSEMAE), Associação Brasileira das Empresas Estaduais

de Saneamento (AESBE), Associação Brasileira das Concessionárias Privadas

de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON), Associação de Servidores

da Agência Nacional de Águas (ASAGUAS), Associação dos Engenheiros da

Petrobras (AEPET), Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

(CBHSF), Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Federação

Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE), Federação Única dos

Petroleiros (FUP), Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas,

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Sindicato Unificado dos

Petroleiros do Estado de São Paulo também encaminharam carta aberta à

Presidência que indicando a precariedade dos estudos permissivos à concessão

do gás de xisto (fls. 235-237 do vol. II do Anexo 1).

Igualmente, a Câmara Técnica de Águas Subterrâneas

(CTAS), integrante do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH),

encaminhou proposta de moção (fl. 232 do vol. II do Anexo 1) em que

constou:

Considerando que o risco à segurança hídrica não está devidamente

mensurado, dada a insuficiência de estudos prévios e modelagens

para a prospecção e explotação;

(…)

Recomendar, ao Ministério de Minas e Energia, ao Conselho

Nacional de Políticas Energéticas e à Agência Nacional do

Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que realizem estudos que

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ofereçam melhor conhecimento sobre as propriedades intrínsecas

das jazidas e as condições de sua exploração (condições de

pesquisa) e explotação (extração com fins econômicos), bem como

das consequências ambientais dessas atividades, em especial ao que

se concerne aos recursos hídricos subterrâneos e superficiais, antes

de permitir a explotação do gás não convencional (gás de xisto).

Saliente-se, por fim, o que disse o IPT, conforme mencionado

em tópico acima, no Relatório Técnico n. 132.065-205i, de 18/03/2013 (fls.

01/98 do Anexo 4), acerca dos “Estudos do potencial e viabilidade da

exploração e produção de shale gás no Estado de São Paulo”. Conquanto não

tivesse estudado com profundidade os aspectos ambientais, em face de uma

abordagem mais direcionada às formações geológicas, à existência do recurso

e aos aspectos econômicos para a exploração, pontuou o grave problema em

relação aos aquíferos.

Em face do exposto estão comprovados tecnicamente o risco e

a inviabilidade de se explorar o gás de xisto no Brasil.

2.7 DA REPERCUSSÃO NEGATIVA NO ÂMBITO

INTERNACIONAL

“We can't drink money!” (em tradução livre, “nós não podemos beber dinheiro!”)

é a frase utilizada nos protestos internacionais contra a exploração do gás de xisto.

A ANP argumentou à 4ª CCR/MPF que o ambiente

internacional é favorável à exploração e produção de gás não convencional, de

onde advêm benefícios econômicos colhidos pelos países produtores (EUA,

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China, Inglaterra, Alemanha, Argentina, Holanda e Polônia), e do debate

existente nos países que mantêm moratória da atividade, como a França.

Citou estudos publicados pela Royal Society britânica que

indicam que “os riscos para a saúde, segurança e meio ambiente podem ser

geridos de forma eficaz” e que “as melhores práticas operacionais devem ser

implementadas e executadas através da regulação, sendo a propagação das

fraturas uma causa improvável de contaminação” (fl. 292/293 do vol. II do

Anexo 1).

Excelência, esses estudos indicam a necessidade de regulação,

isto é, normatização própria. O Brasil, repita-se, à exaustão, não tem regulação

da matéria e está longe de fazê-lo. Não se descura a precária Resolução n.

21/2014, editada pela ANP, diretamente interessada na exploração e produção

do gás de xisto, que sequer se preocupa com a quantidade usada de produtos

químicos na extração. Além disso, tal atividade, como se demonstrará abaixo,

é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro e qualquer tentativa de

exploração do gás de xisto pelo fracking violará princípios constitucionais de

proteção ambiental e a legislação protetiva dos recursos hídricos, da fauna e da

flora.

A ANP transcreveu trecho do relatório do Senado da França

sobre a moratória de fracking utilizado na produção do gás não convencional,

em tradução livre:

A perspectiva de uma possível exploração no nosso subsolo

justifica impulsionar a investigação para compreender melhor o

nosso patrimônio geológico, que continua a ser mal compreendido.

Várias recomendações convergem para este ponto, tanto para a

avaliação dos próprios recursos de hidrocarbonetos, quanto para a

análise do seu ambiente: propriedades das rochas de origem,

presença de falhas sísmicas e conhecimento do ambiente

hidrogeológico.

A produção de hidrocarbonetos não convencionais, sem dúvida,

representa pegada ambiental superior à produção convencional,

devido à necessidade de perfurar muitos poços para atingir uma

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produção rentável, por conseguinte, a utilização de métodos de

estimulo passíveis de causar danos ao meio ambiente, se não forem

devidamente controlados.

No entanto, as audiências realizadas estabelecem que as

tecnologias estão disponíveis para controlar este processo. As

novas tecnologias podem reduzir o número e a magnitude das

operações de fraturamento hidráulico. Elas reduzem o consumo de

água potável e possibilitam a eliminação de produtos químicos. No

entanto, essas mudanças tem um custo, em um contexto onde a

produção de hidrocarbonetos não convencionais é inerentemente

sujeita a condições críticas econômicas.

A França tem toda a informação científica, técnica e industrial, em

todos os níveis da indústria, para criar uma cadeia limpa de

produção por fraturamento hidráulico. Em contraste, os nossos

pesquisadores e empresas enfrentam uma proibição que prejudica

suas habilidades. Mais amplamente, é a competitividade de uma

grande parte da indústria europeia que está ameaçada pelo atraso no

domínio dos hidrocarbonetos não convencionais (fls. 293-294 do

vol. II do Anexo 1).

Novamente, o próprio documento apresentado pela Agência,

que objetivava demonstrar os avanços que a exploração possivelmente traria,

não descura dos riscos ambientais e, pelo contrário, destaca que as novas

tecnologias (européias) apenas irão reduzi-los – e não suprimi-los. Com efeito,

a 4ª CCR/MPF ainda registra que o Senado francês se trata de “instância

política, não técnica, na qual os interesses econômicos se sobrepõem a

precaução com o meio ambiente, [razão pela qual] não se entende adequado

considerá-la como argumento válido para a situação brasileira” (Parecer

Técnico n. 242/13, fl. 256 do vol. II do Anexo 1).

Na UE, o Parlamento Europeu já reconheceu que não existem

estudos que garantam a fiabilidade ou a segurança da extração de gás de xisto.

Para além disso, a maior parte da legislação ambiental é anterior à prática do

fraturamento hidráulico maciço e, por este motivo, alguns aspectos ambientais

específicos suscitaram preocupação pública e pedidos de intervenção da UE.

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No início de 2014, a Comissão Européia dirigiu aos Estados-membros

recomendações para cumprirem princípios mínimos para salvaguarda dos

danos ambientais e das populações na exploração de gás natural com recurso

ao fraturamento. A França, a Holanda, o Luxemburgo, a República Checa, a

Bulgária e, mais recentemente, a Romênia estão entre os países que adotaram

moratórias definitivas ou temporárias contra o procedimento, devido à forte

oposição pública. Outros países, ainda, suspenderam projetos em curso (como

a Alemanha) ou adotaram legislação muito estrita, tornando a extração de gás

de xisto não rentável do ponto de vista econômico (como a Áustria). Outras

regiões da Europa também baniram o fracking, como a Cantábria (Espanha)

ou o cantão de Friburgo (Suíça).

Ao lado da Itália, Áustria e Dinamarca, a Alemanha

também suspendeu os trabalhos de exploração e produção do gás de xisto,

após advertência da Federação das Cervejarias Alemãs (Brauer Bund) de que a

extração poderia contaminar o lençol freático do país e, para além dos riscos

ambientais, trazer riscos econômicos ao país.

Em razão das características federativas próprias dos EUA, na

região nordeste, onde se encontram as maiores reservas do gás de xisto, alguns

estados como Maryland e Nova York vetaram a exploração até que estudos

sobre impactos ambientais sejam realizados.

No Canadá, a população realizou diversos protestos sob o

argumento de que o governo não dá espaço para a participação civil nas

decisões sobre o gás de xisto – similar ao que ocorre em terras brasileiras,

aliás. Em 2012, a província de Quebec proibiu a exploração de gás não

convencional e Nova Scotia suspendeu qualquer atividade até que estudos

ambientais sejam realizados.

O quadro mais preocupante, porque próximo a esta região

fronteiriça brasileira, é o da reserva de “Vaca Muerta” (!), na província de

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Neuquén, na Argentina, onde se localiza a terceira maior reserva mundial do

gás de xisto (total estimado de 22,7 trilhões de m³, um pouco mais que a

metade de todo o volume de água do Aquífero Guarani).

No mesmo dia em que o governo argentino, através da

petroleira estatal YPF, fechou um acordo de parceria com a americana

Chevron, os índios Mapuches invadiram dois poços na região em protesto. No

mês seguinte, um protesto violento envolvendo cerca de 3 mil pessoas

despontou na cidade de Neuquén, quando os legisladores daquela província

discutiam a exploração.

O documentário argentino “La Guerra del Fracking”13

(em

tradução livre, “A guerra do fracking”), produzido pelo cineasta Fernando

Pino Solanas, demonstra a realidade dos efeitos ambientais e serve para

mostrar, de forma muito clara, quais são os efeitos da exploração do gás

naquela região, que acreditava no prometido desenvolvimento econômico.

Com efeito, noticia-se que a contaminação dos lençóis freáticos causados pela

técnica do fracking resultaram na proibição de importação das maçãs e

produtos de origem animal na Europa.14

Por fim, cumpre mencionar estudo divulgado recentemente

pela Revista Nature, que comparou os dados da agência americana EPA com

uma recente pesquisa da Universidade do Texas e apontou o risco de fiasco

na „revolução do gás de xisto nos EUA‟, chegando à conclusão de que o

governo americano pode estar superestimando significativamente as reservas

do gás que podem ser extraídas no país (autos principais, fl. 172). Acontece

que a viabilidade econômica da extração do gás de folhelho demanda não só

13

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YA6Xp1WDQq4> 14

Exploração de gás de xisto no Paraná preocupa ambientalistas, disponível em:

<http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Exploracao-de-gas-de-xisto-no-Parana-

preocupa-ambientalistas/3/29582>. No mesmo sentido é a notícia do jornal mexicano “El

Economista”: <http://eleconomista.com.mx/economia-global/2012/04/27/argentina-pone-riesgo-tlc-

ue-advierte-espana>.

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investimentos por parte das empresas exploradoras diretas, no caso a

Petrobras, a Petra e a Bayar, mas também do Poder Público e das empresas

que pretendem utilizar essa matriz energética. E investimentos dessa ordem

somente podem ser feitos se não houver dúvida do real potencial das reservas

de gás, sob pena de desperdício, inclusive, de dinheiro público. Sinceramente,

custa a acreditar que o superficial estudo do IPT, tomado como referência pela

Secretaria de Energia do Estado de São Paulo (Ofício SPG 005/2014, autos

principais, fl. 45/48) possa ser suficiente, a ponto de justificar o investimento

de bilhões por parte das empresas e do Poder Público.

O que se pretende, Excelência, é demonstrar que o atual

cenário internacional é desfavorável à exploração do gás de xisto15

, mas a

ANP, justamente agora, pretende explorá-lo e ignorar o que os outros países,

de forma mais cautelosa, já fizeram ao declarar a moratória e/ou proibição.

3. O FRACKING NO OESTE PAULISTA

3.1 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Na região abrangida por esta Subseção Judiciária Federal

existem diversas Unidades de Conservação (Parque Estadual do Morro do

Diabo, Parque Estadual do Rio do Peixe, Parque Estadual do Rio Aguapeí,

Estação Ecológica Federal Mico-Leão-Preto e APA de Ilhas e Várzeas do Rio

Paraná) que estão muito próximas aos blocos ofertados (PAR-T-198, PAR-T-

199, PAR-T-218, PAR-T-219 e PAR-T-220) e cuja exploração causará dano

irreversível nessas UCs. São áreas de preservação do ambiente que

demandam, como prioridade, a criação de mosaicos e de corredores

15

No dia 11 de outubro de 2014, no mundo todo, houve manifestações de repúdio de pessoas e

entidades contra extração do gás de xisto pelo fraturamento hidráulico, estabelecendo-se o

denominado Dia Internacional Contra o Fracking.

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ecológicos, como, aliás, os que estão sendo implantados entre o Parque

Estadual do Morro do Diabo e a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto.

O Parque Estadual do Morro do Diabo (PEMD), localizado

nas coordenadas 22º 27‟ a 22º 40‟ de latitude S e 52º 10‟ a 52º 22‟ de

longitude W, é uma área de Floresta Estacional Semidecidual (Mata Atlântica

de Interior) com grande diversidade de espécies, cuja melhor representação é o

mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus), que aí encontra refúgio para a

sua maior população livre. O Parque Estadual Morro do Diabo foi criado em

1941 como uma reserva, tornando-se parque apenas em 1986, com o objetivo

de preservar uma das últimas áreas de floresta de planalto do país. É uma das

áreas núcleos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica Brasileira. A unidade

abriga uma das quatro áreas de proteção com mais de 10.000 hectares de

Floresta Tropical Estacional Semidecidual, que originalmente cobria parte dos

estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. O bom estado de

conservação de sua área de quase 34.000 hectares de Mata Atlântica de

Interior permite a ocorrência de importantes espécies de fauna, inclusive

algumas ameaçadas de extinção, como anta, queixada, bugio, puma e onça-

pintada, além de uma das espécies de primata mais ameaçada do mundo, o

mico-leão-preto. Estima-se que no Parque haja cerca de 1.200 indivíduos

dessa espécie. Com relação à flora, o Parque abriga a maior reserva peroba-

rosa, espécie importante para trabalhos de reflorestamento e recuperação de

áreas degradadas16

.

O Parque Estadual do Rio Aguapeí e o Parque Estadual do

Rio do Peixe nasceram de acordo firmado entre o Ministério Público Federal,

o Ministério Público Estadual, a CESP e o IBAMA, nos autos da ação civil

pública ambiental (P. 98.1203772-5), na 2ª Vara Federal de Presidente

16

Fonte: Fundação Florestal do Estado de São Paulo (http://www.ambiente.sp.gov.br/parque-morro-

do-diabo/sobre-o-parque). Acesso em: 19/9/2014.

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Prudente, em razão das questões ambientais e socioeconômicas que envolviam

o fechamento das comportas da UHE Sérgio Motta (Porto Primavera). Os dois

parques encontram-se, hoje, implantados, em áreas ecologicamente muito

relevantes. Conforme consta do plano de manejo do próprio Parque Estadual

do Rio Aguapeí, região dos rios Aguapeí e do Peixe constitui um complexo

sistema de várzeas que deseguam no rio Paraná. Tais alagadiços se

assemelham ao Pantanal, o que conferiu à região a denominação de

"Pantaninho Paulista".

O Parque Estadual do Aguapeí foi criado pelo Decreto 43.269,

de 2 de julho de 1998, e abrange área dos municípios de Castilho, Nova

Independência, Guaraçaí, São João do Pau d'Alho, Monte Castelo e

Junqueirópolis, perfazendo uma área total de 9 043,97 ha . É composto por

grandes extensões de várzeas do rio Aguapeí, que são alagadas

periodicamente. É um dos últimos locais onde ainda é encontrado o cervo-do-

pantanal no Estado de São Paulo.17

O Parque Estadual do Rio do Peixe tem

área que abrange quatro municípios que possuem o Rio do Peixe como limite

territorial em comum (Ouro Verde, Dracena, Presidente Venceslau e

Piquerobi). Foi criado pelo Decreto 47.095/2002, com área de 7.720 ha, com a

previsão de ampliação à montante do rio. É um rio de planície com leito

sinuoso e extensa área de várzea entremeadas de lagoas marginais

permanentes ou temporárias. A espécie bandeira de ambos os parques é o

Cervo-do-Pantanal (Blastocerus dichotomus), um animal mamífero ruminante,

da família dos cervídeos, que é encontrando em pântanos de alta vegetação,

ocorrendo do sul do Peru e Brasil até o Uruguai. São os maiores veados da

América do Sul, chegando a medir a 2 metros de comprimento. Tais animais

apresentam uma cor marrom-avermelhada, ponta do focinho e patas pretas e

grande galhada ramificada. Também são conhecidos pelos nomes de

17

Fonte: Fundação Florestal do Estado de São Paulo (http://www.ambiente.sp.gov.br/parque-rio-de-

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açuçuapara, cervo, veado-galheiro, suaçuapara, suaçuetê, suaçupucu e

suçuapara. A avifauna dos Parques é muito rica, existindo várias espécies

ameaçadas de extinção. O destaque vai para a Anhuma, que cientificamente é

muito pouco estudada18

.

A Estação Ecológica Mico-Leão-Preto (ESEC MLP) é uma

unidade federal de proteção integral criada por Decreto em 16 de julho de

2002. Tem 6.677 ha, divididos em quatro glebas (Santa Maria, Água Sumida,

Ponte Branca e Tucano), distribuídas nos municípios de Teodoro Sampaio,

Euclides da Cunha, Paulista, Marabá Paulista e Presidente Epitácio, no Estado

de São Paulo. Tem como objetivo, estabelecido em seu decreto de criação,

proteger remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual, também

conhecida como “Mata Atlântica do Interior”. Visa a proteger as populações

do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus), uma das espécies de

primatas mais ameaçadas do mundo. A ESEC MLP por ser constituída por

quatro glebas, distantes umas das outras, sofre vários efeitos advindos da

fragmentação de habitats, tais como o isolamento e os efeitos de borda. A

criação da ESEC MLP deve ser valorizada principalmente pela oportunidade

de promover a conservação de importantes remanescentes do bioma Mata

Atlântica na região do Pontal do Paranapanema. Hoje, as florestas da ESEC

MLP junto com o Parque Estadual do Morro do Diabo (PEMD) estão entre os

poucos fragmentos representativos da Floresta Estacional Semidecidual (Mata

Atlântica do Interior), que abrigam exemplares ameaçados da flora e fauna

nativas. A condição de estar inserida na Reserva da Biosfera da Mata

Atlântica, de importância e reconhecimento internacional, próxima a outras

importantes Unidades de Conservação (Parque Estadual do Morro do Diabo

no Estado de São Paulo e Parque Estadual das Várzeas do Ivinhema no Mato

peixe). Acesso em: 5/9/2014. 18

Fonte: Fundação Florestal do Estado de São Paulo (http://www.ambiente.sp.gov.br/parque-rio-de-

peixe). Acesso em: 5/12/2014.

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Grosso do Sul), confere-lhe importância estratégica em políticas e planos de

conservação baseados na estruturação de corredores ecológicos que

possibilitem a melhoria da conectividade entre áreas protegidas.19

3.2 ÁREAS SOB PROTEÇÃO ESPECIAL (ASPES)

As Unidades de Conservação acima descritas são de grande

relevância no contexto estadual e é imperioso respeitar, como prioridade

indiscutível, sua vocação para a proteção da biodiversidade em território

paulista, com a criação de mosaicos e corredores ecológicos.20

Com efeito, com base numa série de estudos científicos da

mais alta relevância, a exemplo dos desenvolvidos no contexto do Programa

BIOTA-FAPESP, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

destacou algumas regiões no Oeste Paulista como prioritárias para aprofundar

estudos sobre conservação da biodiversidade. Em especial, sobre a

conservação do Cerrado, de áreas úmidas, de águas continentais e da Mata

Atlântica – Floresta Estacional Semidecidual. São justamente elas: Rio do

19

Fonte: http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/imgs-unidades-

conservacao/esec_mico_leao_preto.pdf. Acesso em: 8/12/2014. 20

Há, inclusive, proposta de formação de um corredor ecológico englobando unidades de

conservação do Brasil, Paraguai e Argentina e inserida na região do alto Paraná, que iria da

bacia do rio Aguapei (SP) ate a bacia do rio Turvo, no estado do Rio Grande do Sul e seria

constituído pelas unidades ao longo do rio Paraná, como o Parque Nacional de Ilha Grande e

Parque Estadual das Várzeas do Ivinhema (MS), o Parque Estadual do Aguapei (SP), o

Parque Estadual do Rio do Peixe (SP), A RPPN Refúgio de Vida Silvestre do Pantanal,

Paulista, na foz do Aguapeí e Ilha Comprida, o refugio de fauna da Fazenda Cisalpina (MS)

e, ainda, o remanescente da Reserva Estadual da Lagoa São Paulo (SP), às quais devem-se

acrescentar a ESEC MLP e o Parque Estadual do Morro do Diabo, em São Paulo, e o Parque

Nacional do Iguaçu e a Estação Ecológica do Caiuá, no Paraná, e o Parque Estadual do

Turvo no Rio Grande do Sul. A proposta foi discutida, pela primeira vez em 1999 no

Simpósio Pesquisa e Biodiversidade, em Umuarama, PR e posteriormente aprimorada no III

Workshop Iniciativa Tradicional e Uso Sustentável da Mata Atlântica do Interior, 1999, em

Misssiones, Argentina, em 2000, em encontro promovido pela WWF e pela Rede ONGs da

Mata Atlantica, sendo, nesta ocasião, consolidado seu desenho final (Fonte:

http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories /imgs-unidades-

conservacao/esec_mico_leao_preto.pdf. Acesso em: 8/12/2014).

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Peixe, Rio Aguapeí e Pontal do Paranapanema (Parque Estadual do Morro do

Diabo, Estação Ecológica Mico-Leão-Preto e APA das Ilhas e Várzeas do Rio

Paraná). Essas áreas mereceram o reconhecimento, pelas Resoluções n. 10,

116 e 118 da SMA/SP, como ASPEs – Áreas sob Proteção Especial. As

ASPEs representam um esforço integrado de planejamento, conservação,

apoio ao desenvolvimento sustentável, fiscalização, monitoramento e estudos,

que podem impulsionar a criação de unidades de conservação e de outras áreas

protegidas na região. Este esforço está integrado ao Plano de Expansão das

Áreas Protegidas no Estado de São Paulo, coordenado pela Comissão Paulista

da Biodiversidade (CPB), que, reunindo diversos atores fundamentais, visa

implantar as “Metas de Aichi” (Plano Estratégico da Biodiversidade 2011-

2020 – Convenção sobre Diversidade Biológica) no Estado de São Paulo21

.

Além dessas UCs, note-se que há extensas áreas de

preservação permanente e de áreas de várzea, de extrema relevância para a

região, e que devem ser protegidas.

3.3 PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE

A exploração do gás de xisto é absolutamente inviável em

uma região com áreas que devem ser ambientalmente protegidas, em face da

diversidade biológica existente, da presença de espécies em extinção e dos

preciosos recursos hídricos existentes e cuja vocação natural sugere,

inarredavelmente, ações prioritárias para a criação de mosaicos e corredores

ecológicos.

Com efeito, segundo consta do Parecer CTPEG 03/2013 (fls.

159 do vol. I do Anexo 1), verbis:

21

Fonte: http://portaldabiodiversidade.sp.gov.br/2014/04/03/oeste-paulista-rios-aguapei-

peixe-e-pontal-do-paranapanema/

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“Os blocos ofertados no Setor SPAR-CN incidem sobre

áreas prioritárias com importância e prioridade

extremamente alta (Ma 277, Ma 309 e Ma 310),

importância e prioridade muito alta (Ma 258),

importância e prioridade alta (Ma 296) e importância

insuficientemente conhecida e prioridade alta (CE 026, Ma

281 e Ma 292). A ação prioritária sugerida para as áreas é

a criação de mosaicos e corredores ecológicos”.

Argumentou a ANP que foram realizadas adequações nos

limites dos blocos exploratórios ofertados, a fim de que não houvesse

sobreposição a Unidades de Conservação e entornos, “nos quais a atividade de

exploração e produção de petróleo e gás natural não é permitida” (Memorando

n. 26/2014/GAB/-ANP, autos principais, fls. 34/35).

Todavia, a existência de recortes nas UCs de forma alguma

garante a inexistência de danos ambientais às áreas protegidas. As UCs e as

áreas de preservação permanente, que estão interconectadas, não são

estanques. Visam, sobretudo, proteger uma extensa zona úmida, cujos

recursos hídricos têm importância vital para a coletividade.

O formato dos Parques Estaduais do Rio Aguapeí e do Rio do

Peixe, aliás, não por acaso levam os nomes desses rios. São verdadeiras

“faixas” de vegetação que se dispõem, justamente, ao longo do rio do Peixe e

do rio Aguapeí e foram criados com a função de preservar os últimos trechos

dos ecossistemas de várzeas, que outrora existiam em grande parte dos rios

paulistas que desembocavam no rio Paraná. As águas e, por conseguinte, as

vegetações de ambos os parques, estão interconectadas e ligadas a outros

cursos d‟água, formando um verdadeiro sistema de bacias e microbacias,

marcado por rios, córregos, lagoas marginais, várzeas, áreas alagadiças etc.22

22

O rio do Peixe, por exemplo, segundo seu Plano de Manejo, sofre a influência de 8 (oito)

corpos hídricos principais, que deságuam no Rio do Peixe no trecho localizado entre os

limites do Parque (considerando a futura área de ampliação), sendo seis localizados a Norte

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71

Não basta, portanto, estabelecer recortes nos blocos

exploratórios, haja vista que, qualquer perfuração, ainda que não exatamente

dentro de uma unidade de conservação, repercutirá mortalmente nas áreas

protegidas, produzindo efeitos integrados e conexos, que comprometerão a

preservação da bacia hidrográfica do rio Paraná na região como um todo.

Colhe-se do Parecer CTPEG 03/2013 (fls. 159/160 do vol. I

do Anexo I), verbis:

“Existem unidades de conservação na Bacia do Paraná

muito próximas aos blocos ofertados (...) As unidades de

conservação nos arredores dos blocos são: Parque

Estadual do Morro do Diabo, Parque Estadual do Rio do

Peixe, Área de Proteção Ambiental de Ilhas e Várzeas do

Rio Paraná, Estação Ecológica Mico-Leão-Preto (....)

Todos os recortes nos blocos para adequar as UC seguem

os limites estabelecidos na Resolução CONAMA no.

428/2010, exceto do entorno da Estação Ecológica Mico-

Leão-Preto”.

“Embora não haja sobreposição com os blocos ofertados, a

proximidade com algumas UC aponta necessidade de

atenção no processo de licenciamento ambiental, uma vez

(Ribeirão dos Caingangues, Córrego Santa Flora, Córrego do Prado, Córrego Apiaí, Ribeirão

São Bento e Ribeirão da Capivara) e dois Ribeirões localizados a Sul, o Ribeirão Claro e

Ribeirão dos Índios. A planície do Rio do Peixe possui extensas áreas alagadiças,

entremeadas de vegetação ripária com estratos variando de herbáceo a arbóreo. Lagoas

marginais colonizadas por inúmeras espécies de macrófitas completam esse mosaico de

ambientes, conferindo característica ímpar a esta área protegida, que recebe a denominação

popular de “pantaninho paulista”. A despeito da evidente fragmentação na área de entorno

do PERP, estes fragmentos podem ser importantes para garantir a conservação de espécies

vegetais e servir de refúgio e sítios de alimentação para a fauna local. Além do mais,

ocorrem inúmeras microbacias que drenam para o rio do Peixe e seus afluentes, tornando a

cobertura vegetal de extrema importância para proteção dos cursos d‟água. (...) O entorno

apresenta inúmeras linhas de drenagem que são cobertas por florestas de galeria, associadas

a pequenos riachos e por florestas ciliares inundáveis e não inundáveis que se desenvolvem

às margens dos rios de maior porte, principalmente o Rio do Peixe. É muito abundante nas

áreas alagáveis ao longo do Rio do Peixe, a presença de lagoas marginais permanentes e

temporárias (Fonte: http://fflorestal.sp.gov.br/files/2012/01/3 _Caracterizacao.pdf. Acesso

em 8/12/2014).

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que algumas delas protegem zonas úmidas e águas

subterrâneas localizadas na mesma bacia hidrográfica

onde as atividades a serem desenvolvidas terão

interferência. Os blocos PAR-T-198, PAR-T-199, PAR-T-

218, PAR-T-219 E PAR-T-220 encontram-se em região de

cabeceiras e afluentes que desembocam nas represas

Rosana e Porto Primavera. Ambas deságuam no Rio

Paraná, que passa no interior de duas importantes

unidades de conservação de proteção integral, o Parque

Nacional da Ilha Grande (76 mil ha) e Parque Estadual

Várzeas do Rio Paraná, de mais de um milhão de hectares,

essas UCs objetivam proteger extensa zona úmida. Esses

mesmos blocos abrangem o Rio do Peixe e seus afluentes.

Este rio passa pelo Parque Estadual Rio do Peixe”.

A CETESB, pelo Departamento de Avaliação de Impactos

Ambientais (Nota Técnica n. 024/13/IEOL), chamou a atenção para as

Unidades de Conservação de Proteção Integral, segundo o SNUC, presentes na

região, como o Parque Estadual do Rio Aguapeí, Parque Estadual do Rio do

Peixe e Parque Estadual do Morro do Diabo, além da Estação Ecológica

Federal Mico-Leão-Preto, esta sob a gestão do ICMBio. Com relação à

interferência em Unidades de Conservação, referida nota técnica da CETESB

adverte que se deve “atentar à proximidade dos blocos PAR-T-198 e PAR-T-

199 à zona de amortecimento do PE do Rio do Peixe e ao bloco PAR-T-218 à

zona de amortecimento do PE Morro do Diabo” (autos principais, fl. 58). E

ressaltou, quanto ao Projeto Biota/FAPESP, verbis: “Onde foram levantadas

as áreas prioritárias para implantação de Reserva Legal ou de Reserva

Particular do Patrimônio Natural e para Restauração (corredores ecológicos)

interligando fragmentos de vegetação nativa, considerando-se o Mapa de

Conectividade, maior atenção deve ser dada aos blocos PAR-T-218, PAR-T-

198, PAR-T-199 e PAR-T-220, e já no Mapa de Áreas Prioritárias para

Criação de Unidades de Conservação, constam áreas sobrepostas ao bloco

PAR-T-199” (autos principais, fls. 58). Além disso, destaca, “quanto ao Mapa

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de Áreas Prioritárias do Ministério do Meio Ambiente – MMA, os blocos

estão inseridos em área prioritária para conservação do bioma da Mata

Atlântica, e o bloco PAR-T-220 em área prioritária para conservação do bioma

Cerrado” (autos principais, fl. 58).

Não se trata, Excelência, de meia dúzia de poços, mas de um

número elevado, de centenas, milhares deles, para alcançar as camadas de

folhelho, em que haverá a perfuração em terra e o fraturamento das rochas.

Em relação à produção convencional, há necessidade de incremento na

perfuração de poços dezenas de vezes superior. Somente assim é viável

economicamente essa operação. Por outro lado, enquanto um poço

convencional pode produzir por muitas décadas, no caso do shale gas esse

horizonte de tempo é da ordem de poucos anos. A depleção é rápida. E uma

vez esgotado um poço, há a necessidade de perfuração de outro e outro e

outro... A pressão sobre os recursos naturais superficiais e o potencial de

modificação do uso e ocupação do solo são extremamente elevados. Lembre-

se que, para cada poço, é necessária a abertura de vias de acesso e a instalação

de canteiros, sem contar o tráfego imenso de caminhões e máquinas. O rastro

de destruição é imenso. A fragmentação e os efeitos de borda acarretados

pelas operações que envolvem a extração do xisto e a movimentação de

caminhões e máquinas impedirão a conexão das áreas florestadas e

ocasionarão a mortandade da fauna, resultando numa paisagem de

destruição.23

Some-se a isso, conforme já mencionado anteriormente, a

grande quantidade de recursos hídricos necessária no processo de extração e a

contaminação de aquíferos superficiais e subsuperficiais, em razão da

utilização de fluídos com produtos químicos poluidores. Não bastasse, há o

grave problema da disposição da água de retorno (flowback water) e da água

23

A propósito, faz-se remissão às figuras ilustrativas que constam das folhas 249 a 253 do Anexo 4,

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contaminada que não retorna, permanecendo no ambiente e contaminando o

solo e os aquíferos.

A proximidade da extração do gás de xisto, quando não a

superposição de blocos exploratórios em relação às UCs e às suas zonas de

amortecimento e de influência, com a exploração de centenas de poços de gás

em suas adjacências, com todos os impactos inerentes a essa atividade,

atingirá fatalmente essas áreas de legalmente protegidas, o que não se pode

permitir.

Ademais, a figura 4 do Parecer CTPEG 03/2013 (fls. 159 do

vol. I do Anexo I), mostra claramente a sobreposição dos blocos do Setor

SPAR-CN, da Bacia do Paraná, com polígonos do Mapa de Áreas Prioritárias

para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da

Biodiversidade Brasileira (Portaria MMA no. 09, de 23 de janeiro de 2007)24

.

Em relação às Áreas Prioritárias para a Conservação, nas

quais estão incluídos os blocos exploratórios desta Subseção Judiciária, a ANP

que dão um retrato perfeito dos efeitos ora mencionados. 24

A Portaria MMA no. 09, de 23 de janeiro de 2007 consiste numa atualização das áreas

prioritárias para conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade

brasileira, e cuja metodologia incorporou os princípios de planejamento sistemático para

conservação e seus critérios básicos (representatividade, persistência e vulnerabilidade dos

ambientes). No prefácio do estudo que lhe serviu de base consta expressamente: “Estas

Áreas Prioritárias atualizadas instituídas pela Portaria MMA nº 09, de 23 de janeiro de 2007,

serão úteis na orientação de políticas públicas, como já acontece, por exemplo no

licenciamento de empreendimentos, rodadas de licitação dos blocos de petróleo pela Agência

Nacional de Petróleo, no direcionamento de pesquisas e estudos sobre a biodiversidade

(editais do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica

Brasileira – PROBIO/MMA - e do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA/MMA), e

na definição de áreas para criação de novas Unidades de Conservação, nas esferas federal e

estadual. Vale ressaltar que se trata de uma ferramenta nova que ainda está sendo

internalizada pelos diversos setores do governo e da sociedade e que, cada vez mais, deverá

ser utilizada. Acreditamos que o direcionamento das políticas públicas com base nestas

Áreas Prioritárias atualizadas contribuirá para a compatibilização entre a almejada aceleração

do crescimento econômico do País e a conservação dos nossos recursos biológicos, seu uso

sustentável e a repartição dos benefícios advindos deste uso” (Áreas Prioritárias para

Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira:

Atualização - Portaria MMA n°9, de 23 de janeiro de 2007. / Ministério do Meio Ambiente,

Secretaria de Biodiversidade e Florestas. – Brasília: MMA, 2007).

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argumentou que “questões pontuais poderão ser tratadas durante o processo de

licenciamento ambiental de cada atividade ou projeto, relacionados à

exploração e produção de petróleo e gás natural” (fl. 35).

Ora, Excelência, conforme já exposto acima, diante da

magnitude incomensurável dos inevitáveis danos às áreas ambientalmente

protegidas, jamais sequer se poderia ter realizado, de forma

incompreensivelmente açodada (ou compreensivelmente?), o processo

licitatório e a celebração dos contratos de concessão, sem, ao menos, realizar-

se a AAE e a AAAS, para garantir maior segurança ambiental às áreas

suscetíveis aos efeitos das atividades de exploração e produção de gás natural

não convencional. Aliás, a bem da verdade, se realizados tais estudos com um

mínimo de seriedade, os blocos desse setor nem seriam licitados, uma vez

que seria demonstrada, facilmente, a inviabilidade de se explorar o gás de

xisto na região, em função de suas características ambientais. Mas a ANP

preferiu ignorar a orientação contida na norma definidora das áreas prioritárias

para conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade

brasileira, fez vistas grossas à vulnerabilidade dos ecossistemas locais e

remeteu a análise para a fase do licenciamento ambiental, reforçando-se a

ilicitude do processo licitatório e dos contratos de concessão firmados

anteriormente aos necessários estudos.

3.4 PREJUÍZO À AGRICULTURA E À PECUÁRIA

Presidente Prudente e região têm na agricultura e pecuária

seus pontos de destaque e, pode-se dizer, suas atividades econômicas mais

significativas. Segundo estatística do IEA/SP (2008), a distribuição territorial

da pecuária bovina paulista tem uma concentração nas áreas da região oeste do

Estado, onde se concentram as grandes criações de gado de corte, segmento

esse liderado pela regional de Presidente Prudente produz cerca de 9% do total

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76

paulista.25

Segundo dados recentes do Instituto de Economia Agrícola, os

municípios que integram o Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) de

Presidente Prudente passaram de 6º para 4º lugar, entre 40 EDRs, no ranking

da Estimativa do Valor da Produção Agropecuária (VPA) do Estado, salto que

leva em conta os anos de 2013 e 2014 e tem como principais produtos cana-

de-açúcar, a carne bovina, o leite, a soja e o milho. Em junho deste ano, a 10ª

Região Administrativa registrou o maior rebanho bovino do Estado26

.

Cabe lembrar que o INCRA e o ITESP tem dezenas de

assentamentos rurais na região de Presidente Prudente e no Pontal do

Paranapanema. Nas cidades abrangidas pelos blocos exploratórios, há

assentamentos, por exemplo, em Caiuá, Piquerobi, Martinópolis, Caiabu,

Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema, Presidente Bernardes e

Sandovalina. Só em Mirante do Paranapanema há cerca de 35 assentamentos.

A exploração de gás de xisto contribuirá para o insucesso de desenvolvimento

do Programa Nacional de Reforma Agrária na região.

Ocorre que a produção de gás de xisto pelo fraturamento

hidráulico consome elevada quantidade de água, o que pode prejudicar a

agricultura, que depende desse recurso para sua sobrevivência. Além disso, a

“água de retorno”, as substâncias químicas e os gases resultantes do processo

atingem o solo, além de contaminarem aqüíferos, rios, poços, lagoas, represas,

reservatórios e outras fontes de água, uma receita mortal para a pecuária e

a agricultura.

Além disso, a maioria das famílias de agricultores depende de

poços privados para obtenção de água potável. A extração do gás de xisto pelo

fracking eleva o potencial de contaminação em razão de acidentes ou

vazamentos durante o processo de perfuração.

25

Fonte: http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=9662. Acesso em 14/12/2014. 26

Jornal O Imparcial, Cidades, 16/12/2014, p. 6b.

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Não bastasse, a grande quantidade de poços para se tornar o

negócio rentável, considerando a curta vida útil de cada poço, afeta não só os

pontos específicos de extração, mas abrange grande extensão geográfica.

Afeta não só locais onde se instala, mas se espalha por toda uma região. O

trânsito de máquinas, de equipamentos e de caminhões de grande porte é

capaz de promover alterações significativas. O prejuízo às principais

atividades econômicas da região é claro indicativo, portanto, de que não se

deve permitir a extração do xisto por meio do fracking.

4. O FRACKING E A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO

DOS RECURSOS HÍDRICOS

4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em 12 de abril de 1961, o Major Yuri A. Gagarin deu uma

volta completa em torno do planeta Terra em 01 hora e 40 minutos e disse: "A

Terra é azul!". A mensagem nos remete à preeminência da água, que já não era

novidade para os especialistas da época. Atualmente faz parte do nosso senso

comum que a maior parte do nosso planeta - e de nós mesmos - é constituída

de água. O senso comum, entretanto, não constitui fundamento sólido para

uma abordagem séria do assunto. O primeiro fato a ser desmistificado é:

embora o nosso planeta detenha 70% da sua área coberta de água, o líquido se

situa somente sobre a sua superfície. A profundidade média dos oceanos é de

apenas 04 (quatro) km.27

Se reuníssemos toda a água que se encontra ao redor

da superfície do globo terrestre, ela caberia em uma caixa d'água de 1,2 bilhão

de km³. A título de ilustração da ideia, um dos lados desta caixa mede 1.063

27

Líquido e Incerto. O Futuro dos Recursos Hídricos no Brasil: tudo sobre a crise da água.

Jornal Folha de São Paulo. Edição de domingo (14.09.2014), p. 02.

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km, equivalente à distância entre São Paulo e Brasília.28

Numa situação destas,

visto da perspectiva do cosmonauta russo, o nosso planeta poderia ser

chamado de amarelo, cinza, vermelho, ou qualquer outra cor, menos o azul.

No que tange à nossa caixa d'água imaginária, somente uma pequena parte

dela, porém, está disponível para o consumo da humanidade. A maior parte

(97%) é composta por água salgada dos mares e oceanos. Sobram 3% de água

doce que, por sua vez, constitui-se em 2% de gelo e neve. Resta, de toda a

caixa d'água hipotética, apenas 1% para consumo humano. O problema é que

0,9% (10,6 km³) estão armazenados no subsolo, nos chamados aquíferos

subterrâneos. Logo, apenas 1,400 km³ – somente 0,1% da nossa caixa

d'água - pode ser utilizado sem a perfuração de poços profundos.29

Não bastasse a ilusão que o título de Azul dá ao planeta, o

caso é que enfrentamos hoje um sério problema de abastecimento dos recursos

hídricos. Segundo a Agência Nacional de Águas, nos últimos 50 anos a

retirada de água das suas fontes triplicou, e se estima que 47% da população

mundial viverá em condições de alto nível de estresse hídrico em 2030.30

Mas imaginar que a água é relevante somente no ponto de

vista do consumo humano é ignorar grande parte do problema. Os recursos

hídricos servem não somente ao consumo hodierno do homem, além das

demais formas de vida que dependem da água, mas todas as fontes de energia

e de eletricidade requerem a água nos seus processos produtivos: a extração de

matérias-primas, o arrefecimento de processos térmicos, os processos de

limpeza, o cultivo de plantações para os biocombustíveis e o fornecimento de

energia para as turbinas. A própria energia é necessária para tornar disponíveis

os recursos hídricos para o uso e para o consumo humanos, por meio do

28

Ibidem, p. 02. 29

Ibidem, p. 02. 30

Agência Nacional de Águas. Atlas Brasil: abastecimento urbano de água: panorama

nacional. Brasília: Cobrape, 2010, p. 13.

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bombeamento, do transporte, do tratamento, da dessalinização e da irrigação.

Portanto, existe uma relação direta entre a água e a produção de alimentos. As

lavouras e a pecuária fazem uso intensivo da água, e a agricultura responde

por 70% de toda a água retirada pela combinação dos setores agrícolas,

municipal e industrial (incluindo energia). A forte expansão da demanda por

produtos pecuários, em particular, está aumentando a demanda por água, e

também está afetando a qualidade da água, que, à sua vez, diminui a

disponibilidade.31

Percebe-se logo que o motivo da escassez dos recursos

hídricos não é fator desconhecido, tampouco causado por algo externo ao

próprio homem. A insuficiência de água se deu em função dos avanços

industriais e tecnológicos da sociedade moderna. Surgiram, cresceram e se

expandiram as indústrias, que necessitam de água para produção de seus bens

e para lhes fornecer energia.

Em breve o mundo atingirá a marca de 9 bilhões de pessoas, 2

bilhões a mais que temos hoje. Se apenas um terço deste total adotar padrões

de consumo de uma pessoa da classe média, será necessário produzir 50% a

mais de alimentos, a oferta de energia terá de crescer 45% e o consumo de

água aumentará 30%: a pressão sobre os recursos naturais do planeta se

tornará insustentável. E, nada sendo feito para mudar padrões de consumo,

dois terços da população global poderão sofrer com escassez de água doce até

2025, de acordo com a Organização das Nações Unidas (que, aliás, declarou

2013 como o Ano Internacional da Cooperação pela Água).

31

Visão geral das mensagens centrais do 4º Relatório Mundial Das Nações Unidas sobre o

Desenvolvimento dos Recursos Hídricos. O manejo dos recursos hídricos em condições de

incerteza e risco. Publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura (UNESCO), p. 02.

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Há que se refletir muito, portanto, acerca da viabilidade de se

utilizar uma técnica de exploração de gás que utiliza tanta água, inclusive

potável.

4.2 A CRISE HÍDRICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Consoante amplamente divulgado pela imprensa em 2014,

parte do Estado de São Paulo teve seu abastecimento de água seriamente

prejudicado pela seca do Sistema Cantareira, conjunto de reservatórios de

água que abastece a região metropolitana da Capital e de parte do interior do

estado. Este sistema já chegou a operar em dezembro deste ano com apenas

8% de seu volume total, uma situação simplesmente dramática. E isso já

contando com o chamado “volume morto”, reserva técnica que passou a ser

explorada em 15 de maio deste ano e sem a qual a água disponível já teria se

esgotado.

Insta salientar que a crise hídrica não decorre exclusivamente

dos eventos climáticos, que apenas potencializaram o problema, mas de

décadas de mau comportamento em relação ao uso da água e do solo. Uma

auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em

2002, junto ao IBAMA, à ANA e ao MMA, para avaliar a atuação do Governo

Federal na gestão dos recursos hídricos, as perspectivas para o futuro próximo

e as medidas preventivas que estejam sendo adotadas para evitar a escassez, já

apontava o problema. Os técnicos do TCU observaram que a crise de água não

é conseqüência apenas de fatores climáticos e geográficos, mas principalmente

do uso irracional dos recursos hídricos. No relatório desta auditoria, o TCU

aponta que entre as causas deste problema estão: o fato de que a água não é

tratada como um bem estratégico no país, a falta de integração entre a

política nacional de recursos hídricos e as demais políticas públicas, os

graves problemas na área de saneamento básico e a forma como a água

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doce é compreendida, visto que muitos a julgam como um recurso

infinito32

.

Além do Sistema Cantareira, outros sistemas, como o Alto

Tietê, segundo maior sistema de São Paulo, o Guarapiranga, que atende a 4,9

milhões de pessoas, o Alto Cotia, o Rio Claro e o Rio Grande tiveram

reduções significativas em sua capacidade de operação. Não bastasse, a

redução do nível de represas e de cursos d‟água no Estado, como, por

exemplo, em Itu (Ribeirão Pitangueiras), Bauru (Rio Batalha), Mirassol (Rio

São José dos Dourados), Americana (Rio Piracicaba) e Salto (Ribeirão

Pirahy), entre outros, levou diversos municípios do interior de São Paulo a

adotar racionamento ou rodízio de água, de acordo com as peculiaridades

locais, revelando uma situação simplesmente alarmante33

.

32

Fonte: http://cidadesdobrasil.com.br/cgi-

cn/news.cgi?cl=099105100097100101098114&arecod=7&newcod=187. Acesso em

15/12/14. 33

Um dos municípios mais atingidos pela falta de água, Itu enfrenta um racionamento oficial

desde fevereiro, o que já provocou mais de mil reclamações da população ao Ministério

Público. Barretos passou a adotar o racionamento de água de forma oficial. Segundo a

prefeitura, a medida foi tomada, após a constatação de que o Ribeirão Pitangueiras,

responsável por 60% da água consumida na cidade, registrou grande queda no volume, com

a profundidade baixando 60 centímetros e atingindo um 1,2 metro. Em Guarulhos, o rodízio

começou dia 14 de março deste ano. Bauru também aderiu ao rodízio, na forma de

alternância das regiões da cidade, uma ficando sem água enquanto a outra é abastecida. Em

Mauá, a prefeitura criou o Projeto Revezamento de Abastecimento, que ocorre de segunda à

sexta-feira e envolve toda a cidade. A cada quatro dias com água, o consumidor enfrenta um

dia sem. A prefeitura de Cruzeiro implantou rodízio programado desde a última terça-feira

(14), com interrupção do serviço por 24 horas, em dias alternados. Em Mirassol, o Rio São

José dos Dourados, que abastece mais de 30% da cidade, está praticamente sem água, e o

poço Guarani, que dá suporte à captação no rio, enfrentou problemas técnicos. Com isso,

cerca de 40% da população tem enfrentado problemas com a falta de água. Em Americana, o

rodízio, sem previsão de término, foi anunciado, quando se confirmou o baixo nível do Rio

Piracicaba, que abastece a cidade. Cidade próxima de Itu, Salto enfrenta reduções noturnas

no abastecimento. Principal fonte de água do município, o Ribeirão Pirahy está com 20% do

nível de fornecimento. A capacidade do Ribeirão Buru e Ribeirão Ingá (Lagoa da

Conceição), chega, respectivamente, a 30% e 50%. O período de contenção começou na

segunda-feira (13) e ocorrerá todos os dias, entre 21h e 6h. Em Araras, o racionamento inclui

todos os bairros. O fornecimento de água é interrompido entre 6h e 18h. A cidade de Casa

Branca também adotou racionamento, estabelecendo cronograma de abastecimento e corte

de água até o fim de outubro. A ideia é que a população fique 12 horas seguidas com água e

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Como já se expôs acima, é necessário, para o fraturamento,

uma grande quantidade de água, que é injetada durante o processo. A partir da

literatura científica, além dos impactos em relação à qualidade da água

(contaminação) também se classificam os impactos em relação à quantidade

dos recursos disponíveis. Segundo o Diagnóstico Sobre o Fraturamento

Hidráulico da Exploração de Gás Não-Convencional no Brasil da

ABISBAMA Nacional (Nov./2013):

Com relação à quantidade de água disponível, o uso de grandes

volumes de água no processo de fraturamento hidráulico (ZOBACK et al., 2010, MCFEELEY, 2012, RHAN & RIHA,

2012, RIDLINGTON & RUMPLER, 2013) pode comprometer a

disponibilidade desses recursos. Há registros de uso de 2 a 8

milhões de galões de água por poço perfurado pelo método de

fraturamento hidráulico (RAIMUNDO & MURPHY, 2010;

ZOBACK et al, 2010). Zoback e colaboradores (2010) afirmam

que “comparado com a perfuração, que pode utilizar até um milhão

de galões de água por poço, o fraturamento hidráulico é um

procedimento com intenso uso de água, requerendo de 2 a 8

milhões de galões por poço fraturado”. Apesar da ANP (2013)

reconhecer o uso de grandes volumes de água pelo fraturamento

hidráulico como uma “questão controversa”, não deixa claro que

este método utiliza muito mais este tipo de recursos do que o

método de extração de gás convencional. (Anexo 1, vol. II, fl. 223).

Pode-se afirmar que a utilização de grande quantidade de água

é incompatível com a crise hídrica enfrentada no Estado de São Paulo e cujas

perspectivas para o futuro não são de melhora na situação, com aumento das

demandas para abastecimento urbano, industrial e rural e redução das

disponibilidades hídricas, seja pela redução na quantidade, seja pela perda de

um dia inteiro sem água. O município de São Sebastião da Grama decretou estado de alerta e

decidiu aplicar ao consumidor que se exceder no consumo de água. A represa que abastece a

cidade tem somente 20% de sua capacidade. A prefeitura estuda a implantação do rodízio

(Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-10/municipios-adotam-

racionamento-ou-rodizio-para-enfrentar-crise-hidrica-em-sp. Acesso em: 9/12/2014).

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qualidade da água para determinados usos, especialmente pelos riscos de

contaminação pelo fraturamento hidráulico.

4.3 FRACKING E O AQUÍFERO GUARANI

O Aquífero Guarani é um extenso reservatório transfronteiriço

de água doce subterrânea subjacente a quatro países (Argentina, Brasil,

Paraguai e Uruguai). Suas águas ocorrem preenchendo espaços (poros e

fissuras de rochas que se convencionaram denominar guarani). As rochas do

guarani constituem-se de um pacote de camadas arenosas que se depositaram

na bacia sedimentar do Paraná ao longo do Mesozóico (períodos Triássico,

Jurássico e Cretáceo Inferior) – entre 200 e 132 milhões de anos. A espessura

das camadas varia de 50 a 800 metros em profundidades que podem atingir

1800 metros. É, possivelmente, o maior manancial de água doce subterrânea

do mundo, estendendo-se desde a Bacia Sedimentar do Paraná (Brasil,

Paraguai e Uruguai) até a Bacia do Chaco – Paraná na Argentina,

principalmente. O Aquífero Guarani tem extensão total aproximada de 1,2

milhões de km², sendo 840 mil km² no Brasil, 225,500 mil km² na Argentina,

71,700 mil km² no Paraguai e 58,500 km² no Uruguai. A porção brasileira

integra o território de oito Estados: MS (213.200 km²), RS (157.600 km²), SP

(155.800 km²), PR (131.300 km²), GO (55.000 km²), MG (51.300 km²), SC

(49.200 km²) e MT (26.400 km²). As reservas permanentes de água são da

ordem de 45.000 km³ (ou 45 trilhões de metros cúbicos), considerando uma

espessura média aqüífera de 250m e porosidade efetiva de 15%, e

correspondem à somatória do volume de água de saturação do Aquífero mais o

volume de água sob pressão. A combinação da qualidade da água ser, regra

geral, adequada para consumo humano, com o fato de o aquífero apresentar

boa proteção contra os agentes de poluição que afetam rapidamente as águas

dos rios e outros mananciais de água de superfície, aliado ao fato de haver

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uma possibilidade de captação nos locais onde ocorrem as demandas e serem

grandes as suas reservas de água, faz com que o Aquífero Guarani seja um

manancial vocacionado para o abastecimento do consumo humano. A

população atual do domínio de ocorrência do Aquífero Guarani é estimada em

15 milhões de habitantes. Um importante alcance social e econômico das

águas subterrâneas da Bacia Sedimentar do Paraná e do Aquífero Guarani em

particular, resulta do fato de estas poderem ser consumidas, em geral, sem

necessidade de serem previamente tratadas, tendo em vista os mecanismos de

filtração e autodepuração biogeoquímica que ocorrem no subsolo34

.

Dada a relevância e a necessidade de se preservar esse

reservatório, foi criado o Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento

Sustentável do Sistema Aquífero Guarani (SAG), com o propósito de apoiar o

Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai na criação de um marco legal e

técnico de gerenciamento e preservação do Aquífero Guarani para as gerações

presentes e futuras. Esse Projeto foi uma solicitação dos Governos nacionais

da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai ao Fundo para o Meio Ambiente

Mundial (FMAM) e contou com a participação do Banco Mundial, como

agência de implementação, e da Organização dos Estados Americanos (OEA),

como agência de execução. O Programa Estratégico de Ação (PEA) para a

proteção, o uso e a gestão sustentável do Sistema Aquífero Guarani (SAG) é

um instrumento de planejamento de curto a longo prazo para os países em que

o aquífero está localizado. O PEA tem por objetivo promover a gestão

coordenada e sustentável das águas subterrâneas do SAG, reconhecendo e

respeitando as soberanias nacionais sobre o recurso. Sua formulação dependeu

de uma série de contribuições geradas ao longo do processo de execução do

Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema

34

Fonte: Agência Nacional de Águas http://www.sg-guarani.org http://www.mma.gov.br

/port/srh/pas/capa/index.html http://www.ana.gov.br/guarani http://pnrh.cnrh-srh.gov.br/.

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Aquífero Guarani (PSAG). Esses países desenvolveram estruturas normativas

próprias que incorporam princípios e instrumentos adequados às necessidades

de gestão e proteção das águas subterrâneas. A legislação e a

institucionalidade para a gestão das águas subterrâneas de cada país são

diferentes entre si e assimétricas, também, em suas capacidades. No entanto,

os países possuem princípios e instrumentos coincidentes que favorecem a

adoção de medidas para a gestão da proteção do Aquífero Guarani,

harmonizadas entre si nos âmbitos nacionais e coordenadas com objetivos

convergentes. Entre os princípios em comum, destacam-se: o domínio

público da água subterrânea; a proteção do meio ambiente; a garantia, à

atual e futuras gerações de disponibilidade de água de qualidade

adequada; o uso racional, integrado e sustentável; recurso limitado com

valor econômico; o uso múltiplo; e o uso prioritário para o consumo

humano. O objetivo do PEA é consolidar o processo para a gestão coordenada

e sustentável do SAG nos países, base original do PSAG, mediante a definição

de um conjunto coerente de ações estratégicas de consenso em âmbito

nacional e regional entre os quatro países. O PEA vai além da preservação

ambiental do aquífero e de seu uso sustentável, englobando um conceito mais

amplo, de segurança hídrica. De acordo com as avaliações realizadas durante a

execução do PSAG (incluindo suas descobertas), a qualidade, a quantidade e a

capacidade de renovação das águas do SAG têm um grande valor estratégico

para os países que o possuem e contribuem substancialmente para que toda a

região tenha um elevado grau de segurança hídrica. Esta garantia possibilita

que as populações tenham acesso equitativo à água de qualidade e

desenvolvam suas atividades produtivas conservando a integridade deste

recurso e do meio ambiente como um todo. Para tanto é imprescindível,

porém, a gestão e o uso sustentável do SAG por parte de cada instância

competente. A segurança hídrica é uma meta ambiciosa que exige a

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convergência de ações estratégicas, a serem realizadas de forma harmônica e

coordenada pelos países envolvidos. Portanto, uma ameaça contra a segurança

hídrica em um dos quatro países causaria um desequilíbrio regional35

.

Não obstante, a ANP preferiu lançar-se prematuramente ao

leilão, sem levar em conta que uma atividade como a do fraturamento

hidráulico, que impactaria de morte o Aquífero Guarani, deveria ter sido

impreterivelmente discutida com os países parceiros do gerenciamento e

preservação para as gerações presentes e futuras. Violou, com isso, princípios

comuns desses países, como a proteção do meio ambiente, a garantia, à atual e

futuras gerações de disponibilidade de água de qualidade adequada e o uso

racional, integrado e sustentável dos recursos hídricos do aquífero.

Pesquisas da Embrapa Meio Ambiente apontam que os 40

trilhões de litros utilizáveis do Guarani (porção que pode ser obtida com

segurança e para a qual já há tecnologia de extração disponível) seriam

suficientes para abastecer, por um ano, duas vezes e meia a população

brasileira, a um consumo médio diário per capita de 250 litros d'água - dobro

da quantidade sugerida pela Organização Mundial de Saúde (OMS)36

.

O principal uso do Guarani atualmente é o abastecimento de

parte das cidades. Mas alguns setores da indústria e da agricultura também têm

o reservatório como fonte de fornecimento, com a vantagem de que a água não

precisa de tratamento. Na região de Ribeirão Preto, SP, por exemplo, a

citricultura é irrigada pelo aquífero, demandando cerca de 400 mil litros d'água

por hora. No Brasil, o aquífero atinge os estados de São Paulo, Mato Grosso,

35

Aquífero Guarani: programa estratégico de ação. Acuífero Guaraní: programa estatégico

de acción. Edição bilíngüe. Brasil; Argentina; Paraguai; Uruguai: Organização dos Estados

Americanos (OEA), janeiro 2009. Fonte: http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual

/arquivos/20100223172711_ PEA_GUARANI _Port_Esp.pdf

36 GOMES. Marco Antonio Ferreira. O Aquífero Guarani no Contexto das Mudanças

Climáticas Globais. Disponível em: http://ainfo.cnptia.embrapa.

br/digital/bitstream/item/73206/1/2012CL04.pdf. Acesso em: 09.09.2014. p. 02.

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Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais

e Goiás.

Deve-se ressaltar que, ao contrário da contaminação das águas

superficiais, que podem ser identificadas de modo mais prático, a

contaminação de um aquífero não é visível e sua exploração é muito

distribuída, dificultando assim a identificação e a caracterização dos

problemas de contaminação. É de se ressaltar, portanto, que a renovação do

conteúdo de um aquífero é algo que demanda um longo período de tempo.

Ainda que a ação protetora ou de interrupção da atividade contaminante é

aplicada somente quando a contaminação se torna perceptível, geralmente isso

ocorre quando a contaminação já atingiu uma larga extensão.37

37 CUSTODIO, E.; LLAMAS, M.R. Contaminación de las aguas subterrâneas. In______.

Hidrologia Subterrânea. 2. ed. Barcelona: Ediciones Omega, 1996. cap.18.3, p.1905.

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Em pouco tempo, pode-se afirmar, a exploração do xisto pelo

fracking na região já seria capaz de contaminar irreversivelmente um

reservatório estratégico para as gerações atuais e futuras, de forma irreversível,

estragando o que a natureza construiu em milhões de anos.

Observa-se que os blocos PAR-T-198, PAR-T-199, PAR-T-

218, PAR-T-219 e PAR-T-220 arrematados na 12ª Rodada de Leilões da ANP

estão sobrepostos ao Aquífero Guarani. Conforme já destacado, a técnica de

fracking constitui inicialmente a perfuração vertical do solo (até cerca de 3,6

km de profundidade), e, após, a constituição de um canal em trajetória

horizontal. Encontrando este canal uma formação rochosa, inicia-se o

faturamento.

A principal diferença entre a técnica de fracking e a utilizada

na extração dos recursos convencionais é que, no caso destes últimos, basta a

perfuração vertical no solo para que ele emerja. Já na extração do gás não

convencional, não basta a mera perfuração vertical do solo. Diferentemente do

gás natural, que ocorre em estruturas geológicas e nichos próprios, o gás de

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xisto está impregnado nas rochas e na própria formação geológica, sendo

necessárias explosões para fazê-lo sair. É necessário, também, que se faça, a

partir da perfuração vertical, perfurações horizontais nas suas camadas. O

objetivo é tornar a camada de rocha com o maior número de fissuras possíveis.

Assim, quanto mais fraturamento, mais gás é extraído. O 'modus operandi'

equivale a um “mini terremoto”, uma enorme pressão quebra a rocha e

congela o gás. Para manter abertas as fissuras é injetada grande quantidade de

água e areia sob alta pressão, além de um “fluído de fracking”, um composto

de centenas de produtos químicos, alguns desconhecidos ou inomináveis,

outros que sequer se sabem as consequências, inibidores de corrosão,

gelificantes, adjuvantes, biocidas etc. E isso tudo em uma profundidade

superior à do aquífero guarani. Como é absolutamente impossível recuperar

todo o gás metano e os outros gases nobres que vazam junto com ele38

, parte

migra para camadas superiores, contaminando não só o Guarani, mas também

os aquíferos mais superficiais, como o Bauru, além de poços, lagos e cursos

d‟água.

38

Diante das preocupações sobre contaminação de água potável e outros riscos ambientais

causadas pela extração de gás não convencional, pesquisadores norte-americanos, usando

marcadores de gás e hidrocarbonetos nobres, distinguiram as fontes naturais de metano a

partir de contaminação antropogênica e avaliaram os mecanismos que causam elevadas

concentrações de hidrocarbonetos na água potável perto dos poços de gás natural. Foram

analisadas amostras de poços de água potável que recobrem os campos Marcellus (113

amostras) e Barnett Shales (20 amostras), examinando-se abundância de hidrocarbonetos e

composições isotópicas (por exemplo, C2H6 / CH4, δ13C-CH4), e proporcionando as

primeiras análises abrangentes de gases nobres e seus isótopos (eg, 4He, 20Ne, 36Ar) nas

águas subterrâneas próximas aos poços de gás de xisto. Foram identificados oito grupos

distintos de contaminação de gás fugitivo, sete na Pensilvânia e um no Texas, que

apresentaram aumento de contaminação através do tempo, sugerindo os dados que foi

causada por problemas no revestimento e cimentação dos poços (DARRAH, Thomas H;

VENGOSH, Avner; JACKSON, Robert B.; WARNER, Nathaniel R.; POREDA, Robert J.

Noble gases identify the mechanisms of fugitive gas contamination in drinking-water wells

overlying the Marcellus and Barnett Shales. Proceedings of the National Academy of

Sciences, 2014 (setembro).

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Fonte: ilustração modificada de http://www.follolemica.uol.br/mercado/2013/04/1263225-po-

gas-de-xisto-tera-leilap-no-brasil-em-outubro.shtml. Informação geológica constante no

Mapa Geológico de Santa Catarina, 1986.

A água de produção e o processo de injeção podem ser

contaminados com elementos químicos tóxicos e alguns cancerígenos como o

benzeno, o chumbo, o mercúrio, o urânio, o rádio, o metanol, o ácido

clorídrico, o formaldeído, o metanol e o etilenoglicol, além de hidrocarbonetos

(metano, propano, butano e etano), gases (dióxido de carbono, sulfureto de

hidrogênio, azoto e hélio), metais pesados (mercúrio, o arsênio e o chumbo), e

elementos radioativos (rádio e urânio) e ainda com compostos orgânicos

voláteis (benzeno).

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Essa água, contaminada por centenas de substâncias, muitas

delas cancerígenas, não é totalmente recuperada, mais da metade permanece

no solo e no subsolo, causando sérios problemas de saúde pública. E,

obviamente, não pode ser tratada numa estação de tratamento de águas

convencional. Aliás, cumpre lembrar que se há empresas ansiosas por

iniciarem a exploração do gás de xisto no Brasil, outras tantas já estão

antevendo orçamentos astronômicos para despoluir a água e as áreas afetadas

pela sua extração, lucrando com os estragos que serão perpetrados com a

extração do gás e a contaminação dos ecossistemas39

.

Segundo o Diagnóstico Sobre o Fraturamento Hidráulico da

Exploração de Gás Não-Convencional no Brasil da ABISBAMA Nacional

(Nov./2013):

“Dentre todos os impactos gerados pelo método de fraturamento

hidráulico, Rahn e Riha (2013) destacam que os que afetam o uso

dos recursos hídricos e sua contaminação são os mais

proeminentes. Os diversos impactos do uso da técnica de

fraturamento hidráulico para extração de gás sobre corpos hídricos,

incluindo os subterrâneos, encontram-se amplamente

documentados na literatura científica (SUMI, 2005; MICHAEL

et. al. 2010; ZOBACK et al, 2010; CHRISTOPHERSON, 2011;

OSBORN et al, 2011, REINS, 2011; GILLEN; KIVIAT, 2012;

RHAN e RIHA, 2013; HANSEN et al, 2013, JACKSON et al,

2013). Esses impactos podem comprometer reservatórios de

água potável, trazendo sérios riscos para a saúde humana e

para a biodiversidade de forma mais ampla (ENTREKIN et al,

2011, BAMBERGER e OSWALD, 2012; GILLEN e KIVIAT,

2012; MACFEELE, 2012, KIVIAT, 2013; PAPOULIAS;

39

Água e energia sempre tiveram uma relação próxima, mas o gás de xisto e água são

particularmente íntimos. A água é essencial para o gás de xisto e há um mercado em

crescimento, com valor estimado em até US $ 100 bilhões, só nos Estados Unidos, para o

tratamento de águas residuais (Fonte: http://www.waterworld.com/

articles/wwi/print/volume-27/issue-2/regional-spotlight-europe/shale-gas-fracking.html.

Acesso em: 9/12/2014)

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VELASCO, 2013; RIDLINGTON; RUMPLER, 2013)” (Anexo 1,

vol. II, fls. 223/224).

O docente emérito da Universidade Federal de Santa Catarina

Luiz Fernando Scheibe explica que “cada poço de extração de gás de xisto

exige de 15 a 30 milhões de litros de água, e metade desse volume volta

poluído à superfície. Já foram identificados mais de 600 produtos que são

adicionados à água para melhorar a fluidez do gás no processo de extração,

como o álcool etílico e a goma arábica.” O professor alerta, dentre os riscos

operacionais do fraturamento hidráulico: explosões, incêndios, vazamentos

dos fluídos no solo, danos aos poços artesianos já perfurados e danos aos

empregados. Dentre os riscos propriamente ambientais estão: vazamentos

subterrâneos, danos aos reservatórios produtores, danos causados por abalos

sísmicos e contaminação de aquíferos e seus desdobramentos.40

A todo custo, portanto, deve-se proteger os mananciais e os

aquíferos, diante da grave situação que se descortina. Obviamente, é

insustentável a extração de gás pelo fracking quando se fazem necessárias, na

verdade, políticas públicas que determinem medidas urgentes que garantam a

higidez das fontes de água, em especial dos aquíferos, evitando-se sua

contaminação, uma vez que constituem o reservatório de água doce do futuro,

de valor inestimável para as gerações vindouras.

40 SCHEIBE, Luiz Fernando. Aula Inaugural do Centro de Filosofia e Ciências Humanas

(CFH) da Universidade Federal de Santa Catarina, realizada em: 12 de agosto de 2013.

Disponível em: http://noticias.ufsc.br/2013/08/em-aula-inaugural-professor-luiz-fernando-

scheibe-alerta-para-ameacas-da-exploracao-do-gas-de-xisto/. Acesso em: 10.09.2014.

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5. DO DIREITO

5.1 PRELIMINARMENTE: COMPETÊNCIA

5.1.1 COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A presente ação ajuizada pelo MPF objetiva condenar a

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (de ora em

diante chamada “ANP”), autarquia federal e as empresas exploradoras, dentre

outros, a não realizar atos exploratórios do “gás de xisto”, na modalidade

fracking, nos 5 blocos no setor SPAR-CN, no Estado de São Paulo, situados

em municípios (a maioria) nesta Subseção Judiciária (fls. 33 e 37 a 43).

A competência da Justiça Federal, portanto, está justificada,

principalmente, por quatro motivos.

Primeiramente, é inconteste que o artigo 109 da Constituição

Federal dispõe que competirá aos juízes federais processar e julgar as causas

em que entidade federal – como o caso da ANP – figurar como ré:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade ou empresa pública federal

forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou

opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as

sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Ainda, a União detém o monopólio para explorar as jazidas de

petróleo e gás natural, dentre outros hidrocarbonetos fluidos (art. 177, CF c/c

art. 4º da Lei n. 9.478/97), que, por força da EC n. 09/95, pode contratar com

empresas estatais ou privadas para a realização das atividades previstas nos

incs. I a IV (art. 5º da Lei n. 9.478/97). Essas atividades, com efeito, serão

realizadas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação (art. 23 da

Lei n. 9.478/97).

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O Ministério Público Federal, Instituição sem personalidade

jurídica própria vinculada à União, enquanto autor da ação também é motivo

ensejador para atrair a competência jurisdicional federal:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA

PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA

JUSTIÇA FEDERAL. DISSÍDIO NOTÓRIO.

1. Os arts. 8º, inc. III e art. 26, § 3º da Lei n. 6.385/1976, arts. 10,

IX e 11, VII, da Lei n. 4.595/1964; e art. 81, parágrafo único, inc. I,

da Lei 8.078/1990, tidos por violados, não possuem aptidão

suficiente para infirmar o fundamento central do acórdão recorrido

- a competência para apreciação da ação civil pública ajuizada pelo

Ministério Público Federal -, o que atrai a incidência analógica da

Súmula 284 do STF, do seguinte teor: É inadmissível o recurso

extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não

permitir a exata compreensão da controvérsia.

2. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à

competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição,

segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar "as

causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública

federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes

ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as

sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho". Assim,

figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é

órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte provido

para determinar o prosseguimento do julgamento da presente ação

civil pública na Justiça Federal.

(STJ - RESP n. 1.283.737/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe

Salomão, julgado em 22/10/2013, publicado em 25/03/2014).

Com efeito, para fixar a competência da Justiça Federal, basta que

a ação civil pública seja proposta pelo Ministério Público Federal.

É que, assim ocorrendo, bem ou mal, figurará como autor um órgão

da União, o que é suficiente para atrair a incidência do art. 109, inc.

I, da Constituição. Embora sem personalidade jurídica própria, o

Ministério Público está investido de personalidade processual, e a

sua condição de personalidade processual federal é por si só

bastante para determinar a competência da Justiça Federal

(ZAVASCKI, Teoria Albino. Processo coletivo: tutela de direitos

coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:

Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 132).

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Finalmente, a exploração do gás de xisto na Bacia do Rio

Paraná atingirá diretamente o Aquífero Guarani, um dos maiores do Brasil e

de alcance transnacional, além da probabilidade de causar danos ambientais

nos rios federais Paraná e Paranapanema.

Dessa forma, justificada está a competência da Justiça Federal

para o processamento e julgamento da presente demanda.

5.1.2 DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL – JURISDIÇÃO

FEDERAL DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP

Superada a competência federal, registra-se que o Juízo de

Presidente Prudente/PR é territorialmente competente para processar e julgar a

ACP que ora se propõe, nos termos que dispõe o art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei

da Ação Civil Pública):

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do

local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional

para processar e julgar a causa.

Esse dispositivo legal instaurou a competência funcional para

as ações civis públicas e, portanto, absoluta, considerando o aspecto territorial

do local onde ocorrer o dano.

Não se desconhece a controvérsia de se aplicar, ou não, a

competência da capital do Estado ou do País para os danos que ultrapassam os

limites de Subseção Judiciária, mas os limites da presente ACP se restringem à

Bacia do Rio Paraná, especificamente ao setor SPAR-CN e se caracterizam,

na região oeste do Estado de São Paulo, principalmente na região de

Presidente Prudente e no Pontal do Paranapanema.

Explica-se: as ações coletivas que tratem de danos que

transcendam uma Subseção judiciária mas não englobem todo o território do

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Estado, denominados não propriamente regionais, poderão ser ajuizadas em

quaisquer dos foros dos locais afetados, resolvendo-se a competência pelas

regras da prevenção.41

Vislumbra-se, portanto, que os danos não propriamente

regionais têm competência jurisdicional concorrente e abrangem os juízos das

Subseções afetadas.

Ademais, o leading case que discutia a competência na capital

federal ou na Subseção passível de sofrer as consequências dos danos

ambientais foi julgado em março de 2012 pelo Superior Tribunal de Justiça

que, após citar diversos precedentes orientadores daquela Corte desde 2007,

determinou ser competente o foro em que o autor ingressar com a ação, ainda

mais em casos ambientais que exigem a observância do princípio da

efetividade:

AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO

REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE

COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONTRA A UNIÃO E

AUTARQUIAS FEDERAIS, OBJETIVANDO IMPEDIR

DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NA BACIA HIDROGRÁFICA

DO RIO PARAÍBA DO SUL. EVENTUAIS DANOS

AMBIENTAIS QUE ATINGEM MAIS DE UM ESTADO-

MEMBRO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

LOCAL DO DANO. 1. Conflito de competência suscitado em ação civil pública, pelo

juízo federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, no

qual se discute a competência para o processamento e julgamento

dessa ação, que visa obstar degradação ambiental na Bacia do Rio

Paraíba do Sul, que banha mais de um Estado da Federação.

41

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente,

consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16 ed. São Paulo :

Saraiva, 2003. p. 238-239 e GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de Defesa do

Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro : Forense

Universitária. 2005, p. 879.

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97

2. O Superior Tribunal de Justiça tem o pacífico entendimento de

que o art. 93, II, da Lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do

Consumidor não atrai a competência exclusiva da justiça federal da

Seção Judiciária do Distrito Federal, quando o dano for de âmbito

regional ou nacional. Conforme a jurisprudência do STJ, nos

casos de danos de âmbito regional ou nacional, cumpre ao autor

optar pela Seção Judiciária que deverá ingressar com ação. Precedentes: CC 26842/DF, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Rel. p/

Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Seção, DJ

05/08/2002; CC 112.235/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti,

Segunda Seção, DJe 16/02/2011.

3. Isso considerado e verificando-se que o Ministério Público

Federal optou por ajuizar a ação civil pública na Subseção Judiciária

de Campos dos Goytacazes/RJ, situada em localidade que também é

passível de sofrer as consequências dos danos ambientais que se

querem evitados, é nela que deverá tramitar a ação. A isso deve-

se somar o entendimento de que "a ratio essendi da competência

para a ação civil pública ambiental, calca-se no princípio da

efetividade, por isso que, o juízo federal do local do dano habilita-

se, funcionalmente, na percepção da degradação ao meio ambiente

posto em condições ideais para a obtenção dos elementos de

convicção conducentes ao desate da lide" (CC 39.111/RJ, Rel.

Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJ 28/02/2005). A respeito,

ainda: AgRg no REsp 1043307/RN, Rel. Ministro Herman

Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/04/2009; CC 60.643/BA, Rel.

Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJ 08/10/2007; CC

47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ

07/05/2007.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no CC 118.023/DF, Rel. Ministro BENEDITO

GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2012, DJe

03/04/2012)

Cuidava-se, naquela hipótese, de situação equivalente à dos

autos, e o STJ fixou a competência da Subseção passível de sofrer as

consequências dos danos ambientais que se querem evitados.

A razão é muito simples: o critério adotado para a fixação da

competência segue a lógica de facilitar as diligências a serem realizadas no

curso do processo, sendo importante que o julgador esteja próximo para aferir

o dano causado ao meio ambiente.

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A fixação de competência em local diverso – seja na capital

federal ou em alguma capital estadual -, alheio às áreas discutidas, importaria

na inobservância do art. 2º da Lei n. 7.347/1985 e dificultaria a instrução do

processo, a ferir, inclusive, o princípio da efetividade processual, exigido às

demandas ambientais.

Por fim, ressalta-se a inexistência de prevenção em relação à

17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, onde foi ajuizada

anteriormente ação popular envolvendo a questão, conforme alegado pela

ANP nos autos do Agravo de Instrumento nº 5012993-50.2014.404.0000/PR,

interposto no TRF 4ª Região. Com efeito, não procede tal alegação. A uma,

porque a norma da ação civil pública prevalece sobre aquela prevista na ação

popular, uma vez que a ação civil pública não tem as mesmas partes nem o

mesmo objeto da ação popular que foi proposta. A duas, haja vista tratar-se de

ação civil pública, em que prevalece a norma cogente no artigo 2º, caput, da

Lei 7.347/85, que elege o foro da ocorrência do dano como sendo aquele

absolutamente competente para processar e julgar a causa, o que se justifica

porque o foro do dano está mais próximo dos fatos, tem mais facilidade para a

instrução probatória, pode conseguir uma decisão mais efetiva e próxima da

realidade. Com efeito, não há qualquer dúvida que os danos que ocorrerão

produzirão efeitos na área territorial da Subseção Judiciária de Presidente

Prudente, justificando, então, a competência deste juízo federal. Nesse sentido,

enfrentando a questão, o eminente Desembargador Federal Relator do referido

Agravo, Cândido Alfredo Silva Leal Junior assim entendeu:

(...) a prevenção pressupõe a existência de dois ou mais juízes com

competências territoriais concorrentes, de forma que todos, em

tese, seriam territorialmente competentes para processar e julgar a

demanda. A vara federal de Cascavel/PR, onde esta ação civil

pública tramita, por ser o foro do local do dano, é,

inequivocamente, absolutamente competente para a demanda. E,

pergunto: a vara federal da seção judiciária do Rio de Janeiro,

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99

alegadamente preventa, seria competente? Ora, como visto, pelos

termos do art. 2º da Lei 7.347/85, o foro competente para a ação

civil pública é o do local do dano. Esta ação civil pública discute

danos que, se ocorrerem, refletir-se-ão, dentro do território

nacional, no estado do Paraná, principalmente, talvez com

irradiações no oeste do estado de São Paulo. Mas os alegados danos

não alcançam, a princípio, o estado do Rio de Janeiro. Logo, o

juízo federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro não tem

competência territorial para esta ação. E se não é competente, não

pode estar para ela preventa. Poderíamos argumentar que o juízo

federal do Rio de Janeiro, sendo territorialmente competente para a

ação popular, que foi proposta anteriormente, e que tem objeto

mais amplo do que esta ACP, discutindo danos ambientais

derivados do fracionamento hidráulico em diversos pontos do país,

inclusive no Paraná (caso, portanto, de continência), seria

competente também para esta ação, de objeto mais restrito, que se

limita ao Paraná. Ocorre que a competência territorial da Seção

Judiciária do Rio de Janeiro para o processamento da ação

popular não foi fixada em decorrência do local do dano, pois os

lotes licitados para exploração do gás não se localizam, nem de

perto, no território do estado do Rio de Janeiro. De fato, a licitação

atinge as Bacias Sedimentares do Acre, Parecis (Mato Grosso), São

Francisco, Paraná, Parnaíba (estados do Maranhão e do Piauí, onde,

aliás, tramita outra ACP 5610-46.2013.4.01.4004, tratando dos

danos naquele local, tendo o juízo se dado por incompetente para

processar o pedido em relação às demais bacias), do Recôncavo

Baiano e de Sergipe-Alagoas (processo originário, evento 1,

PROCADM09 e PROCADM10). Diversamente, a ação popular

foi proposta no Rio de Janeiro em face de outra regra de

competência de foro, a que prevê a competência do foro do

domicílio do réu, no caso, a Agência Nacional do Petróleo, Gás

Natural e Biocombustíveis - ANP, sediada naquela cidade. A

conclusão inafastável disso tudo é que a Justiça Federal do Rio de

Janeiro não é territorialmente ('territorial-funcionalmente')

competente para processar esta ação civil pública, pois os fatos

controvertidos na ação não provocam danos potenciais no território

do Rio de Janeiro. Trata-se, portanto, de incompetência absoluta,

territorial-funcional. Se a vara federal do Rio de Janeiro não é

competente para a ação civil pública, não há falar em juízos

distintos, com competência territorial concorrente, cujo conflito

possa ser resolvido pela aplicação da regra da prevenção. Rejeito,

portanto, a alegação de prevenção do juízo da 17ª Vara Federal do

Rio de Janeiro. (autos principais, fls. 166/167)

Assim, o MPF toma a Justiça Federal em Presidente Prudente

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como juízo funcional, territorial e absolutamente competente para processar e

julgar esta ACP, porque os efeitos dos danos ambientais acontecerão nos

blocos PAR-T-198, PAR-T-199, PAR-T-218 PAR-T-219 e PAR-T-220, nos

quais se situam municípios desta Subseção Judiciária (Caiuá, Presidente

Venceslau, Piquerobi, Ribeirão dos Índios, Emilianópolis, Presidente Prudente,

Santo Expedito, Flora Rica, Irapuru, Martinópolis, Caiabu, Alfredo

Marcondes, Álvares Machado, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio,

Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema, Tarabai, Estrela do Norte,

Sandovalina, Santo Anastácio, Anhumas, Pirapozinho, Narandiba, Caiabu,

Indiana, Martinópolis e Taciba) e das Subseções Judiciárias Federais de

Andradina (Dracena e Junqueirópolis) e de Tupã (Adamantina, Flórida

Paulista, Inúbia Paulista, Lucélia, Pacaembu, Pracinha e Sagres), aplicando-se

a estas a regra da prevenção.

5.2 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O direito ao meio ambiente é classificado como típico de

terceira dimensão, que reflete dentro do processo de afirmação dos direitos

humanos um poder inexaurível atribuído à própria coletividade social (art.

225, caput, CF), e se insere como direito coletivo de natureza difusa, a

ratificar a função social do Direito e a valoração da pessoa como bem jurídico

supremo (art. 1º, III, CF).

Nesse sentido, a necessidade de um desenvolvimento

sustentável se insere como objetivo fundamental da República em um Estado

Democrático de Direito, que serve para garantir o desenvolvimento nacional

(art. 3º, II, CF), alicerçado na igualdade e na solidariedade, notadamente como

fator de obtenção de equilíbrio justo entre as exigências da economia e as da

ecologia.

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É notório que a produção ordinária de energia importa em

impactos ao meio ambiente. Todavia, essa produção deve coexistir de maneira

ambientalmente sustentável. Daí, a extrema atualidade e importância do

desenvolvimento sustentável, desde a 1ª Conferência Internacional para o

Meio Ambiente Humano, promovida pela ONU em Estocolmo, no ano de

1972 e positivado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (RIO-92).

Esse princípio estabelece, em síntese, a necessidade de o

desenvolvimento econômico ser apoiado na preservação do meio ambiente.

A Constituição da República, ao lado da proteção ao meio

ambiente como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, inc. VI),

erigiu também a livre iniciativa a essa condição (art. 170, inc. IV), para que

essas garantias se conciliem, sem que haja a simplória pretensão de impedir os

avanços econômicos e tecnológicos, nem, por outro, permitir destruição

inconsequente do meio ambiente.

De acordo a Constituição Federal, o meio ambiente é bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, com o dever de o

Poder Público (no particular, espera-se que o Poder Judiciário o faça) defendê-

lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras

gerações.

O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado é definido,

modernamente, como direito de todos e bem de uso comum do povo essencial

à sadia qualidade de vida (CF, art. 225, caput), sendo consagrado, conforme a

doutrina brasileira, como direito fundamental, direito humano ou direito

humano fundamental, com significantes consequências.

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102

Por outro lado, não obstante o fato de o ambiente ter, como

titular, coletividade não se impede o acesso individual aos recursos naturais.

As necessidades dos seres humanos podem determinar o uso e gozo dos

elementos da natureza - no caso, do gás natural. A condição de bem de uso

comum do povo, porém, implica em que o ambiente está situado em posição

de autonomia em relação às demais espécies de bens sujeitos às regras de

apropriação privada, definidas pelo mercado e pelos interesses do proprietário.

Além disso, extração de gás, quando exercida como atividade econômico-

extrativa de recursos naturais não renováveis, deverá respeitar a defesa do

ambiente, como princípio estrutural da ordem econômica constitucional (CF,

art. 170, VI), além de sujeitar-se ao disposto no artigo 225 da Constituição.

Dessa forma, essa atividade produtiva será considerada válida perante o texto

constitucional, somente se consistir em exploração equilibrada dos recursos,

respeitando a preservação para as gerações futuras.

Analisando-se o teor do art. 225, caput, verifica-se que são

constitucionalmente previstas como destinatárias da defesa e preservação do

direito fundamental ao meio ambiente as gerações futuras – com isso,

consagra-se o princípio do desenvolvimento sustentável, fundado em política

ambiental que admite o desenvolvimento econômico para a satisfação das

necessidades atuais, porém com gestão racional e equilibrada da exploração

dos recursos naturais, que não prejudique as gerações vindouras42

.

42

Para Wagner Costa Ribeiro, da Universidade de São Paulo, “o gás de folhelho está

baseado em uma premissa ultrapassada. Primeiro por usar uma fonte não renovável e

emissora de gás de efeito-estufa, ainda que em menor intensidade que os derivados de

petróleo. Depois, por usar uma tecnologia que gera muitos e graves impactos

socioambientais. Por fim, por mostrar-se pouco rentável, já que sua exploração diminui

vertiginosamente ao longo de uma década, a ponto de levar grandes empresas do setor a

lamentarem seus investimentos na exploração dessa fonte energética. Mas o ponto central a

discutir no caso brasileiro é o destino desse gás. Como o país não dispõe de uma rede de

distribuição adequada que permita o uso direto do gás pelos consumidores, o que aumentaria

sua eficiência para aquecer água, maior uso de energia residencial no Brasil, o gás de

folhelho será usado para gerar energia elétrica em usinas termelétricas para fornecer energia

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103

No caso presente, todavia, a exploração econômica do gás de

xisto é marcada pela insustentabilidade e pela lesão ao ambiente e à saúde

pública, pois, conquanto possa render dividendos econômicos em favor de

poucos, viola o princípio da defesa do ambiente, compromete os recursos

hídricos, os ecossistemas, a saúde e a qualidade de vida de milhares de

pessoas, deixando um rastro de destruição sem possibilidade de retorno ao

status quo ante.

5.3 INVIABILIDADE DE OUTORGA DO USO DA

ÁGUA PARA O FRACKING

A extração do gás de xisto pelo faturamento se encontra

umbilicalmente ligada à água. É que grandes quantidades de água são usadas

em cada operação. E, em troca, retorna, extremamente contaminada, a

chamada “água de produção”. Mais da metade não retorna à superfície, polui o

solo e as águas subterrâneas. E a parte que retorna é um grave problema. Não

pode ser depositada em qualquer lugar nem ser tratada pelos métodos

convencionais.

Nos Estados Unidos, a força bilionária do lobby da indústria

do petróleo e do gás, com base na política de energia vigorante em 2005 (The

Energy Policy Act of 2005), excluiu essas indústrias da legislação de proteção

à água potável (Clean Water Act, 1972, Safe Drinking Water Act, 1974) e de

outras leis ambientais. Houve exclusões em relação à injeção subterrânea de

gás natural para fins de armazenamento e a injeção subterrânea de fluidos ou

para o setor mineral. Ou seja, ele será usado para manter o país em uma posição periférica no

sistema internacional, como simples fornecedor de matéria-prima, quando o que precisamos

é ousar e propor um novo modelo de produção energética e de materiais renováveis, baseado

no uso da biotecnologia e seu conhecimento associado, abundantes em nosso país” (Estudos

Avançados, vol. 28 no. 82, São Paulo, oct./dez. 2014).

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104

agentes utilizados nas operações de faturamento hidráulico relacionadas a

petróleo, gás ou nas atividades de produção de energia geotérmica, o que ficou

conhecido como "Halliburton loophole" (“brecha de Halliburton”) apelido em

homenagem ao empenho da empresa de serviços de petróleo Halliburton nesse

processo.

Entretanto, no Brasil, a extração de gás de xisto pelo

faturamento hidráulico não encontra respaldo no ordenamento jurídico, na

medida em que viola princípios constitucionais ambientais e a legislação

infraconstitucional, cuidando-se de atividade ilícita, condição essa que nulifica

por completo o processo licitatório e os contratos de concessão já firmados.

A Constituição, em seu artigo 225, caput, atribuiu ao ambiente

a natureza de bem de uso comum do povo, mencionando que a titularidade

pertence a todos, já que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado” (art. 225, caput). Com isso, rompeu-se, definitivamente, com a

idéia de que os elementos naturais são res nullius ou que, em alguns casos,

pertencem ao Estado, como se proprietário fosse. Hoje, “a titularidade do meio

ambiente, como macroconceito, pertence à coletividade (sociedade) e a sua

utilização é pública. Vale dizer, a ele se aplica o princípio da não exclusão dos

seus beneficiários. Por isso, diz-se que o bem ambiental é público, não porque

pertença ao Estado (critério subjetivo), mas porque não é passível de

apropriação com exclusividade (critério objetivo), sendo, por isso mesmo,

verdadeiro bem público de uso comum do povo. É bem público (em oposição

à bem privado) exatamente porque é objeto de tutela que não se dá em

proveito de um único indivíduo”.43

Em resumo, trata-se de bem do povo, que

possui regime jurídico típico de direito público, mas descansa, mansa e

43

BENJAMIN, Antonio Herman. Função ambiental. In: ______. (Coord.). Dano ambiental:

prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 70-71.

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105

tranquilamente, no conceito de bem difuso, porque a sua titularidade não é do

Estado, mas res omnium.44

Com essa nova dimensão do conceito de ambiente como bem

de uso comum do povo, “o Poder Público passa a figurar não como

proprietário de bens ambientais – das águas e da fauna -, mas como um gestor

ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar

convincentemente sua gestão”.45

Tendo em vista o fato de que os bens

ambientais são de propriedade do povo, está ele atado em um liame que une

cada cidadão, pelo simples fato de que são donos do mesmo bem, jamais

sendo possível identificar cada um dos componentes do povo, que é titular

desse bem.46

Mutatis mutandis, no caso da água, a dominialidade pública

afirmada na Lei 9.433/97 “não permite ao poder público federal e estadual

alienar a água como se fosse seu dominus. A titularidade do poder público na

noção da água como bem público, como em qualquer recurso natural, prende-

se à função estatal de administrar (cuidar de algo que não é seu, mas sim da

coletividade)”47

.

Destarte, “o Poder Público é o mediador, o fiscal e também o

distribuidor das águas, visando a conciliar o interesse de todos – gerações

presentes e gerações futuras: direito da sustentabilidade hídrica (art. 225 da

44

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental: parte geral. v.1. São

Paulo: Max Limonad, 2002, p. 67. 45

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros,

2007, p. 122. Conclui o autor que “a aceitação dessa concepção jurídica vai conduzir o Poder Público

a melhor informar, a alargar a participação da sociedade civil na gestão dos bens ambientais e a ter

que prestar contas sobre a utilização dos bens „de uso comum do povo‟, concretizando um „Estado

Democrático e Ecológico de Direito‟ (arts. 1º, 170 e 225)” (MACHADO, Paulo Affonso Leme.

Direito ambiental brasileiro, op. cit., p. 122). 46

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental, op. cit., p. 68. 47

FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? Brasília: Brasília

Jurídica, 2005, p. 399-400.

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CF e art. 2º, I, d Lei 9.433/1997) e direito ao uso múltiplo e democrático das

águas (art. 1º, IV e VI, da Lei 9.433/1997)”48

.

A Lei de Política Nacional de Recursos Hídricos, ao

estabelecer seus fundamentos e objetivos, adotou, concretamente, a

sustentabilidade dos recursos hídricos, nos aspectos da disponibilidade de

água, da utilização racional e da utilização integrada (arts. 1º e 2º).

Deve haver disponibilidade de água de boa qualidade, isto é,

não poluída, para as presentes e futuras gerações, uma finalidade prioritária,

por meio de uma utilização racional e integrada. A racionalidade dessa

utilização deverá ser constatada nos atos de outorga dos direitos de uso e nos

Planos de Recursos Hídricos do país, dos estados e das bacias hidrográficas.

E “a ética da sustentabilidade das águas ganhou respaldo legal,

e não deve ser deixada como enfeite na legislação, podendo, por isso, ser

invocado o Poder Judiciário quando as outorgas, planos e ações

inviabilizarem a disponibilidade hídrica para as presentes e futuras

gerações”.49

Nesse sentido, seria inviável a outorga de uso da água pelo

órgão competente àqueles que se aventurassem na empreitada de extração do

gás de xisto pelo faturamento hidráulico, operação ilícita que demanda e polui,

como exposto, volumes incomensuráveis de água.

48

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Recursos hídricos: Direito brasileiro e internacional.

São Paulo: Malheiros, 2002, p. 65. 49

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Recursos hídricos, cit., p. 39.

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107

5.4 A PROTEÇÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE

SUSTENTÁVEL E A NECESSIDADE DE SE ELABORAR

AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE ÁREA SEDIMENTAR (AAAS)

PREVIAMENTE À LICITAÇÃO

A Constituição estabelece os meios de o Poder Público

assegurar a efetividade da proteção ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado:

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder

Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover

o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

(...)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais

e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a

alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada

qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que

justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade

potencialmente causadora de significativa degradação do meio

ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará

publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de

técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a

qualidade de vida e o meio ambiente;

(…)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as

práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a

extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Os estudos de impacto ambiental (art. 225, §1º, inc. IV, CF)

são comumente exigidos dos empreendedores antes do licenciamento

ambiental (Resolução n. 237/97 do CONAMA e Instrução Normativa n.

184/2008 do IBAMA) e permitem apresentar um diagnóstico ambiental (meio

físico, biológico e socioeconômico), composto por medidas mitigadoras e

programas de acompanhamento, para analisar os aspectos positivos e

negativos do empreendimento.

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108

No entanto, existem empreendimentos de tamanha dimensão

que antes mesmo da realização de licitação pelo Poder Público exigem análise

prévia do impacto ambiental para que a futura licitação não venha a ser tida

como ambientalmente inexequível ou cause danos ambientais de difícil

reparação.

É o que ocorre, por exemplo, antes da licitação de grandes

usinas hidrelétricas, em que a ANEEL exige, antes da licitação, estudos de

viabilidade técnica e ambiental (como, por exemplo, a Avaliação Ambiental

Integrada - AAI). Trata-se de um controle prévio da viabilidade ambiental do

que será licitado ainda na fase de pré-licitação.

Com efeito, a grandiosidade da exploração do gás de xisto

exige a realização de estudos ambientais prévios, antes mesmo da licitação,

para que blocos ambientalmente inviáveis não fossem licitados. Esse estudo de

viabilidade prévio à licitação deveria ser realizado pelo ente público licitante,

ou sob a sua coordenação, e encontra origem ontológica no próprio dever de

licitar:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,

serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo

de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os

concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de

pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos

da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação

técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das

obrigações.

Objetiva estabelecer de que forma os vencedores da licitação

se vincularão ao cumprimento do que está previsto no edital quando a

atividade desenvolvida for demasiadamente complexa. Nesse sentido, é ainda

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109

mais necessário que haja estudo prévio de viabilidade ambiental, para que

também o Poder Público fixe previamente medidas de segurança ambiental e

os arrematadores avaliem o real custo do cumprimento do que lhes será

exigido e façam as suas propostas. Do contrário, pode haver insegurança

jurídica, já que o empreendedor desconhece as futuras imposições ambientais,

que não estavam entre as suas obrigações definidas no edital de licitação.

No particular, é o que ocorreu com a tardia Resolução n.

21/2014, editada pela ANP, que, posteriormente à arrematação dos blocos

de exploração, estabeleceu, por exemplo, a necessidade de publicar os

produtos químicos utilizados no processo (art. 6º, inc. II) e gerou insegurança

aos empreendedores.50

No plano licitatório, a Lei n. 8.666/1993 estabelece que o

princípio do desenvolvimento sustentável será obedecido em todos os

procedimentos concorrenciais públicos:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio

constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa

para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional

sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade

com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da

moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade

administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do

julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Essa mesma lei estabelece que o "projeto básico" (art. 6º, inc.

IX) analisará, obrigatoriamente, os impactos ambientais do empreendimento

(art. 12, inc. VII), justamente para evidenciar se o seu desenvolvimento é, ou

não, viável de todos os pontos de vista. Prossegue ao definir que a licitação só

pode ocorrer com a aprovação desse projeto pela autoridade competente (art.

50 Nesse sentido, veja-se a crítica do advogado Giovani Loss, que destaca ser a fórmula secreta

extremamente relevante e com alto valor comercial:

http://www.observatoriodoclima.eco.br/index.php/cms/news/see/idnoticia/282467>

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110

7º, §2º, inc. I), o que, aliás, há muito vem sendo decidido pelo Tribunal de

Contas da União (Acórdãos TCU n. 717/2005 e 1658/2003).

Vislumbra-se que o desenvolvimento sustentável permite a

adoção de novas tecnologias produtivas, desde que ambientalmente viáveis, o

que, no caso em concreto, nem mesmo se tem ciência, o que é corroborado,

inclusive, pelos próprios órgãos ambientais. Ademais, o preceito

constitucional revela que o dever de defender, preservar e restaurar o meio

ambiente para as presentes e futuras gerações é tanto ao Poder Público (ANP

e, aqui, do Poder Judiciário), quanto da coletividade (empresas exploradoras),

em razão do caráter público de que reveste a proteção ambiental.

Especificamente quanto à exploração do petróleo e do gás

natural localizados nas bacias sedimentares marítimas e terrestres, os

Ministérios de Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente (MMA) editaram

a Portaria Interministerial n. 198, de 05/04/2012, em que instituíram a

Avaliação Ambiental de Área Sedimentar – AAAS, instrumento que permite a

observância das peculiaridades ambientais necessárias, inclusive com o debate

público:

Art. 3º A AAAS será desenvolvida com os seguintes objetivos:

I - subsidiar ações governamentais com vistas ao desenvolvimento

sustentável e ao planejamento estratégico de atividades ou

empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás

natural;

II - contribuir para a classificação de aptidão de determinado espaço

regional com efetivo ou potencial interesse de exploração e

produção de petróleo e gás natural;

III - integrar a avaliação ambiental aos processos decisórios

relativos à outorga de blocos exploratórios, contribuindo para a

prévia definição de aptidão da área sedimentar para atividades ou

empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás

natural;

IV - promover a eficiência e aumentar a segurança jurídica nos

processos de licenciamento ambiental das atividades ou

empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás

natural localizados em áreas consideradas aptas a partir da AAAS; e

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111

V - possibilitar maior racionalidade e sinergia necessárias ao

desenvolvimento de estudos ambientais nos processos de

licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos de

exploração e produção de petróleo e gás natural, por meio do

aproveitamento e da utilização dos dados e informações da AAAS

nos referidos estudos.

Art. 12. O desenvolvimento da AAAS obedecerá as seguintes

etapas:

I - seleção da região a ser abrangida pela AAAS, por parte do

Ministério de Minas e Energia, ouvido o órgão ambiental

competente;

II - criação do Comitê Técnico de Acompanhamento - CTA;

III - definição, pelo CTA, do Termo de Referência do EAAS,

mediante prévio processo de consulta pública;

IV - execução ou contratação do EAAS pelo Ministério de Minas e

Energia;

V - realização de consulta pública para apresentação, discussão e

coleta de sugestões sobre o EAAS, sob responsabilidade do CTA;

VI - compilação e consolidação das sugestões apresentadas no

processo de consulta pública e elaboração do EAAS consolidado,

sob coordenação do CTA;

VII - elaboração de relatório conclusivo sobre o processo de AAAS

por parte do CTA;

VIII - encaminhamento, pelo CTA, do EAAS consolidado e do

respectivo relatório conclusivo à Comissão Interministerial;

IX - apreciação, pela Comissão Interministerial, do EAAS

consolidado e do relatório conclusivo; e

X - tomada de decisão, pela Comissão Interministerial, quanto à

indicação de áreas aptas, não aptas e em moratória, assim como,

quando couber, de recomendações para o licenciamento ambiental

das atividades ou empreendimentos de exploração e produção de

petróleo e gás natural.

Parágrafo único. A Comissão Interministerial, no âmbito de seu

processo decisório, poderá, se considerar necessário, solicitar

pareceres de especialistas de notório saber, para embasar seu

posicionamento.

É, pois, um estudo multidisciplinar, com abrangência

regional, que deve ser utilizado como subsídio ao planejamento estratégico de

políticas públicas, a partir da análise do diagnóstico socioambiental de

determinada área sedimentar e da identificação dos potenciais impactos

socioambientais associados às atividades ou empreendimentos de exploração e

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112

produção de petróleo e gás natural, para subsidiar a classificação da aptidão da

área avaliada para o desenvolvimento das referidas atividades ou

empreendimentos, bem como a definição de recomendações a serem

integradas aos processos decisórios relativos à outorga de blocos

exploratórios e ao respectivo licenciamento ambiental (art. 1º da Portaria

Interministerial n. 198, de 05/04/2012).

A ANP ao indicar o art. 28 da Portaria n. 198/2012, por outro

lado, entende que “não cabe a concepção da avaliação como condicionante

sine qua non para a oferta de blocos em licitação, seja para recursos

convencionais, ou não convencionais” (Anexo 1, vol. I, fl. 119).

Todavia segundo dispõe a norma aplicável, essa não é a

interpretação mais adequada. Vejamos.

PORTARIA INTERMINISTERIAL MME/MMA Nº 198, DE

5.4.2012 - DOU 9.4.2012

Art. 26. Enquanto as áreas sedimentares não forem submetidas à

AAAS, aplicam-se as regras previstas no art. 27 e demais normas

aplicáveis.

Art. 27. As áreas nas quais serão admitidas atividades de

exploração e produção de petróleo e gás natural, enquanto ainda

não forem submetidas à AAAS, conforme estabelecido nesta

Portaria, serão definidas a partir de manifestação conjunta dos

Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, de acordo

com diretriz estabelecida pelo Conselho Nacional de Política

Energética - CNPE.

§ 1º A manifestação conjunta prevista no caput considerará as áreas

de interesse para as atividades ou empreendimentos de petróleo e

gás natural, assim como sua sensibilidade ambiental, identificando-

se aquelas passíveis de outorga.

§ 2º A manifestação conjunta terá a validade de no máximo cinco

anos, devendo ser revista e ratificada por iguais períodos, para as

áreas ainda não submetidas à AAAS, até que o processo se estenda

a todas as áreas sedimentares do País.

§ 3º A manifestação conjunta deverá ser emitida em até doze

meses, contados a partir da data de publicação da presente Portaria.

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113

§ 4º As áreas selecionadas em manifestação conjunta, realizada até

a publicação da presente Portaria, não sofrerão restrições quanto a

futuras outorgas para as atividades de exploração e produção de

petróleo e gás natural, enquanto não aprovadas a AAAS das

respectivas áreas.

§ 5º De forma a evitar a interrupção de atividades da indústria

petrolífera, consideradas relevantes para o desenvolvimento

regional, serão desenvolvidas estratégias para a viabilização de

novas outorgas, nos termos do caput, em áreas tradicionalmente

ocupadas por empreendimentos de produção de petróleo e gás

natural, tais como:

a) Potiguar - terra e mar;

b) Sergipe Alagoas - terra e mar;

c) Recôncavo;

d) Espírito Santo - terra; e

e) Campos.

Art. 28. As conclusões da AAAS incidirão apenas sobre as áreas a

serem outorgadas, assegurando-se a continuidade dos

empreendimentos ou atividades licenciados ou autorizados, antes

de sua efetivação.

Art. 29. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

A ANP sequer menciona eventual manifestação conjunta dos

Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente (art. 27 da Portaria) para

permitir a realização da 12ª Rodada de Licitações. Apenas entende que não se

trata de “condicionante 'sine qua non' para a oferta de blocos em licitação”

(item 38, fl. 119 do vol. I do Anexo 1).

A redação da Portaria n. 198/2012, em vigor desde

09/04/2012 (art. 29), é clara ao estabelecer que a AAAS deve ser realizada

para subsidiar a outorga dos blocos de exploração. Isto é, antes da concessão

dos blocos exploratórios pela ANP às empresas arrematadoras.

A Portaria ainda dispõe sobre a relação do instrumento com a

outorga de blocos, e excetua os casos previstos na regra de transição – que não

se compreende a 12ª Rodada de Licitações, realizada em 28 e 29 de novembro

de 2013:

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114

CAPÍTULO X

DA RELAÇÃO ENTRE A AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE

ÁREA SEDIMENTAR - AAAS E A OUTORGA DE BLOCOS

Art. 21. A AAAS e a decisão emitida pela Comissão

Interministerial, nos termos do art. 12, inciso X, deverão ser

consideradas no processo de outorga de blocos exploratórios de

petróleo e gás natural, respeitadas as regras de transição previstas

no Capítulo XII.

§ 1º A AAAS e suas respectivas recomendações sobre as áreas

aptas deverão subsidiar o planejamento da outorga de blocos

exploratórios de petróleo e gás natural.

§ 2º Os blocos exploratórios outorgados em áreas consideradas

aptas pela AAAS não poderão ter sua classificação alterada até o

término do prazo da outorga.

Contudo, a despeito de administrativamente prevista essa

exigência, a ANP e a União não realizaram a Avaliação Ambiental de Área

Sedimentar – AAAS, e apenas pretendem fazê-la (“preferencialmente” em

todas as Bacias Hidrográficas) após a fase de exploração e o início da fase de

produção. Excelência, a AAS trata-se, sem dúvida, de condicionante sine qua

non para a oferta de blocos em licitação.

É nesse sentido que o GTPEG lamentou a ausência de sua

realização prévia, oportunidade em que asseverou: “É fundamental que esse

instrumento [AAAS] seja efetivamente desenvolvido e sirva para qualificar o

processo de análise ambiental prévia do planejamento de outorga de direitos

de exploração” (fl. 151 do vol. I do Anexo 1).

Aliás, Excelência, caso fosse realizada, com seriedade a

Avaliação Ambiental de Área Sedimentar – AAAS na área defendida na

presente ação, seria faltamente concluído que é inviável ambientalmente a

exploração do gás de xisto pela técnica do fracking na região, que reúne

importantes recursos hídricos e ecossistemas do Estado de São Paulo e cuja

vocação é, eminentemente, a proteção ambiental.

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115

Em virtude disso, a presente ACP objetiva, liminarmente,

suspender, de forma imediata, os efeitos decorrentes da 12ª Rodada de

Licitações promovida pela ANP em relação à disponibilização de blocos para

exploração do gás de xisto com o uso da técnica do fraturamento hidráulico,

inclusive quanto às empresas exploradoras, bem assim a suspensão dos efeitos

dos contratos de concessão celebrados, por terem herdado os vícios

decorrentes do respectivo leilão.

Além disso, pretende-se a condenação da ANP em obrigação

de não-fazer, no sentido de que não realize outro processo licitatório, até a

realização de estudos técnicos que demonstrem a viabilidade, ou não, do uso

da técnica do fraturamento hidráulico em solo brasileiro, com prévia

regulamentação do CONAMA, e, com especial ênfase, na realização e devida

publicidade da AAAS – Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares (Portaria

n. 198/2012), cujos resultados deverão vincular eventual exploração dos

blocos presentes nesta região, oportunizando-se, adequadamente, a

participação popular e técnica, dos órgãos públicos, das entidades civis

interessadas e das pessoas que serão impactadas diretamente pela exploração,

para que, dessa forma, garanta-se o efetivo controle no uso da técnica,

inclusive quanto ao depósito e posterior descarte das substâncias e dos

resíduos gerados no processo de exploração e de produção.

5.5 PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E DA

PARTICIPAÇÃO

A Declaração do Rio de Janeiro de 1992, em seu Princípio

10, contempla, na verdade, dois princípios, o da informação e o da

participação51

. Conforme dispõe:

51

Nesse sentido, MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. São Paulo:

Malheiros, 2007, p. 186 e segs.

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116

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a

participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos

interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso

adequado às informações relativas ao meio ambiente de que

disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca

de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem

como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os

Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação

popular, colocando as informações à disposição de todos. Será

proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e

administrativos, inclusive no que se refere à compensação e

reparação de danos.

Os indivíduos tem direito ao acesso adequado às informações

sobre atividades perigosas em suas comunidades, bem como de participar dos

processos decisórios, principalmente quando se trata de atividade que mudará

por completo o modus vivendi de uma comunidade. Com o fracking, a região

de Presidente Prudente, num futuro próximo, será um cemitério ambiental,

permeado por milhares de poços sanguessugas, contaminação desenfreada dos

aquíferos e cursos d‟água, sérios problemas de saúde pública, queda no valor

das propriedades e pessoas atônitas, revoltadas, buscando indenizações. Há

que se garantir, pois, que a comunidade se manifeste, que tenha a

oportunidade de emitir algum juízo a respeito.

Portanto, antes de realizar o leilão e a conseqüente concessão

dos blocos exploratórios, a ANP deveria ter zelado pela prévia elaboração da

AAAS, cujo desenvolvimento prevê, como uma das etapas, a “realização de

consulta pública para a apresentação, discussão e coleta de sugestões

sobre o EAAS, sob responsabilidade do CTA” (art. 12, V, da Portaria

Interministerial n. 198/2012).

Na preciosa lição do Desembargador Federal Cândido Alfredo

Silva Leal Junior, nos autos do Agravo de Instrumento nº 5012993-

50.2014.404.0000/PR, interposto no TRF 4ª Região, verbis:

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117

“A forma como se tem conduzido a introdução do fracking no país,

consubstanciada na 12ª rodada de licitações da ANP, deve ser

questionada à luz daqueles critérios inscritos no Princípio 10 da

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, antes

mencionados: participação e informação. Sob o aspecto da

participação (assegurar a participação, no nível apropriado, de

todos os cidadãos interessados,...bem como a oportunidade de

participar dos processos decisórios), pode-se afirmar que a decisão

prematura da ANP de realizar a licitação alijou da discussão sobre

os prós e os contras da técnica de fraturamento hidráulico, bem

como do processo decisório acerca da conveniência de sua adoção

no território nacional, segmentos importantes da sociedade civil, e

mesmo do aparato estatal, preparados tecnicamente e vocacionados

profissionalmente para tanto. Veja-se que não se está a reclamar de

uma desatenção formal, como se houvesse faltado à ANP a

iniciativa de realizar consulta formal anterior aos interessados, mais

para fins de obtenção de uma homologação laudatória que

legitimasse determinada política enérgica. Diversamente, percebe-

se que parcela considerável da comunidade científica nacional,

pelos importantes órgãos cujos posicionamentos constam dos autos,

manifestaram resistência e fundadas dúvidas quanto à viabilidade

ambiental do fracking. Sob o enfoque da informação (cada

indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio

ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive

informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas

comunidades.... Os Estados irão facilitar e estimular a

conscientização e a participação popular, colocando as

informações à disposição de todos...), parece-me que a deficiência

da estratégia adotada pela ANP é ainda maior. Com efeito, nos

próprios meios científicos e acadêmicos, conforme se pode

depreender das manifestações juntadas aos autos, há muitas

dúvidas, questionamentos e perplexidades sobre a técnica do

fraturamento hidráulico, assim como sobre as jazidas de gás. Falta,

em suma, saber científico sobre o tema. Se o conhecimento é muito

escasso na academia, o que se poderia dizer da disseminação desse

conhecimento pela população em geral? Quanto à informação, há

outro aspecto relevante na licitação procedida, quiçá mais grave do

que o anterior. Pela formatação dos contratos de concessão,

pretende-se suprir a falta de conhecimento da comunidade

científica nacional sobre a técnica do fracionamento hidráulico e

sobre seus reflexos ambientais, com a pesquisa a ser capitaneada

pelas próprias empresas concessionárias. Estas é que serão

encarregadas de proceder aos estudos necessários para o fracking.

Fundem-se, portanto, por estímulo estatal, exploração econômica e

pesquisa, excluindo a comunidade científica e os próprios órgãos

estatais reguladores da atividade da possibilidade de acesso e

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118

discussão de todas as informações que poderão ser obtidas, por

meio de estudos realizados diretamente pelas Universidades e

Institutos de Pesquisas, com a finalidade de obter melhor

conhecimento, tanto sobre as propriedades intrínsecas das jazidas e

as condições de sua exploração, como das consequências

ambientais dessa atividade, que poderão eventualmente superar

amplamente seus eventuais ganhos sociais. Consequência disso é

que a pesquisa científica, que teria como um de seus objetivos

primordiais municiar a sociedade civil e as autoridades

competentes do conhecimento necessário para decidir sobre a

viabilidade ambiental, ou não, do fracionamento hidráulico

teria como mola propulsora contratos de exploração de gás

previamente celebrados, cujos termos foram desenhados

prevendo-se a possibilidade de sua exploração. Portanto, um

'jogo viciado', se me permitem a expressão” (destaques no

original).

Como se vê, a ANP feriu de morte os princípios da

informação e da participação. Excluiu a comunidade científica da discussão e

simplesmente ignorou as pessoas da região que, se aqui explorado o xisto pelo

fracking, terão que assumir um sacrifício impensável para suportar os efeitos

nefastos dessa técnica mundialmente repudiada. A nulidade do processo

licitatório e dos contratos que dele resultaram é, pois, flagrante.

5.6 DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

PRECAUÇÃO PELA INCERTEZA CIENTÍFICA SOBRE A

VIABILIDADE AMBIENTAL DA EXPLORAÇÃO DO GÁS DE XISTO

Os objetivos básicos dos estudos de impactos ambientais, que

têm aplicação na AAAS, previstos no art. 225, § 1º, inc. IV, da Constituição

Federal, nas Leis n. 6.938/81 (PNMA) e 8.666/93 (Lei de Licitações), e na

Portaria Interministerial n. 198/2012, são: a) a prevenção de danos ambientais;

b) a transparência administrativa quanto aos efeitos ambientais da exploração

de determinada tecnologia; c) a consulta aos interessados – particulares e

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119

órgãos públicos; e d) propiciar decisões administrativas informadas e

motivadas.

O princípio da precaução encontra origem positiva na

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que

o definiu como “a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o

estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados” (Princípio

15). É ligado às novas tecnologias, que geralmente se relacionam ao que é

desconhecido.

Nesse sentido, Paulo Affonso Leme Machado esclarece que,

para ser aplicado efetivamente, “tem que suplantar a pressa, a precipitação, a

improvisação, a rapidez insensata e a vontade de resultado imediato”52

. Não se

trata de imobilizar as atividades humanas, mas de garantir a durabilidade da

sadia qualidade de vida das gerações humanas e a continuidade da natureza

existente no planeta.

A aplicação do princípio da precaução no presente caso é

imperiosa, porque qualquer decisão (inclusive as já tomadas) pela ANP, para

permitir a exploração e produção do gás de xisto, será realizada com base em

suposições, ou talvez sequer nisso, bem como ocasionará irreversíveis danos

ambientais às áreas em seu entorno.

Com efeito, a realização de AAAS, inclusive com a

participação popular, e a análise aprofundada dos fatos de viabilidade da

exploração e produção do gás de xisto, em razão dos impactos ambientais,

econômicos e sanitários, possibilitará a atenção exigida ao princípio da

precaução.

Essa tramitação precipitada dos procedimentos licitatórios em

face da inexistência de AAAS só se presta à prematura concessão de blocos de

52

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros, p.

75.

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exploração a empresas, que sequer conhecem os riscos da atividade a ser

desenvolvida e objetivam, sem dúvida, o lucro.

Por outro lado, mesmo na ótica do princípio da prevenção,

que visa a evitar danos ambientais quando as conseqüências da realização de

certa atividade são conhecidas, não se deve autorizar a extração de xisto pela

técnica do fraturamento hidráulico, haja vista serem mundialmente

conhecidos os riscos e os estragos que se pode impor ao ambiente.

5.7 DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

O direito ambiental é regido por princípios específicos que

devem garantir a proteção efetiva do meio ambiente (porque

constitucionalmente assegurado, como alhures observado), dentre os quais se

destacam os princípios da prevenção, precaução e do poluidor-pagador.

Os princípios da prevenção e precaução impõem que, havendo

ou não certeza científica do risco ao bem ambiental, deverão ser adotadas

todas as medidas necessárias para evitar qualquer impacto ao meio ambiente,

como alhures explicado. A aplicação estrita destes princípios inverte o ônus

ordinário da prova e impõe ao empreendedor o dever de provar que a sua ação

não causa danos ao meio ambiente.

A única forma de corrigir este desequilíbrio no ambiente

processual é a distribuição dinâmica do ônus da prova, e impor a quem tem

maiores condições o ônus de produzir uma prova específica.

Com efeito, a facilitação da defesa do meio ambiente no

processo civil coletivo, quando manifestamente verossímil a alegação do

MPF, e pela própria afetação do meio ambiente, constitucionalmente

protegido, impõe ao Poder Judiciário um proceder cauteloso, razão pela qual a

inversão do ônus da prova é mecanismo que deve ser utilizado pelo juiz, tanto

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em homenagem ao princípio do poluidor-pagador, da precaução e da

prevenção, como à responsabilidade civil objetiva:

e, com mais propriedade, diante das consequências da ausência de

comprovação dos danos, mormente quando se tem, por

experiência jurídica, patente as desvantagens do Ministério

Público, e demais legitimados ao ajuizamento de ações civis

públicas, perante o degradador, a quem cabe provar que a sua

atividade não gera danos ao meio ambiente (TRF1, AG

2006.01.00.035967-0, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, DJ

04.06.2007).

A respeito do tema, transcreve-se o brilhante acórdão do Min.

Herman Benjamin (STJ), que discute todos os argumentos jurídicos que

fundamentam a inversão, perfeitamente aplicáveis ao caso em estudo:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL.

CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA.

CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA

PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS

PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN

DUBIO PRO NATURA. 1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado

dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o

Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no

art. 14, § 1º, da Lei 6.938⁄81, determinou a inversão do ônus da

prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil,

decisão mantida pelo Tribunal a quo.

2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória

assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se

de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que,

por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o

influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de

corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex.,

a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos

vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em

cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das

máximas do Estado Social de Direito.

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3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova

concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do

acesso à Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do

combate às desigualdades, bem como expressa um renovado due

process, tudo a exigir uma genuína e sincera cooperação entre os

sujeitos na demanda.

4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de

poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope

judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o

para a parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo

eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais

ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as

vítimas transitem no universo movediço em que convergem

incertezas tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial,

conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem

como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou

prolongada.

5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é

de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se

manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da

precaução), como também de cunho estritamente processual e ope

judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima,

verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos

poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de

condutor e administrador do processo).

6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, “Justifica-se

a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da

atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a

segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º,

VIII, da Lei 8.078⁄1990 c⁄c o art. 21 da Lei 7.347⁄1985, conjugado

ao Princípio Ambiental da Precaução” (REsp 972.902⁄RS, Rel.

Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que

sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a

comprovar “que não o causou ou que a substância lançada ao meio

ambiente não lhe é potencialmente lesiva” (REsp 1.060.753⁄SP,

Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).

7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código

de Defesa do Consumidor, contém comando normativo

estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do

art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em

todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de

consumo (REsp 1049822⁄RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira

Turma, DJe 18.5.2009).

8. Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiência –

juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa

das vítimas – não é apenas a parte em juízo (ou substituto

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processual), mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico

primário a ser protegido.

9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui, importa salientar

que, em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da prova,

eventual alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias

esbarra, como regra, na Súmula 7 do STJ. “Aferir a

hipossuficiência do recorrente ou a verossimilhança das alegações

lastreada no conjunto probatório dos autos ou, mesmo, examinar a

necessidade de prova pericial são providências de todo

incompatíveis com o recurso especial, que se presta,

exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe

uniformidade” (REsp 888.385⁄RJ, Segunda Turma, Rel. Min.

Castro Meira, DJ de 27.11.2006. No mesmo sentido, REsp

927.727⁄MG, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de

4.6.2008).

10. Recurso Especial não provido.

(STJ, Recurso Especial N. 883.656/RS, Relator(a): Min. Herman

Benjamin, 09/03/2010).

Não se discute que o ônus da prova em relação ao fato

constitutivo do direito relacionado ao pedido da ação é do respectivo autor. No

entanto, a prova quanto a eventuais causas que excluiriam a condenação

pedida não pode ser atribuída ao polo ativo da ação, revelando-se como dever

da parte contrária, já que se trataria de fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor (art. 333 do CPC).

Nesse sentido, o autor não precisa provar que não ocorreu

uma causa de exclusão do dever de reparar o dano ambiental, mas precisa

comprovar, neste caso, os vícios na licitação, os consequentes riscos de danos

ambientais, o nexo causal e demonstrar que destes advêm o dever de reparação

integral do dano.

O MPF demonstra, desde logo, por farta documentação

técnica, uma série de irregularidades procedimentais e ambientais que

envolveram a licitação realizada pela ANP, que já servem para afastar a

presunção relativa de legitimidade dos atos administrativos.

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Por oportuno, colacionam-se outros recentes precedentes do

Egrégio Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais da 4ª

Região e da 3ª Região:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E

DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE USINA

HIDRELÉTRICA. REDUÇÃO DA PRODUÇÃO PESQUEIRA.

SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. DISSÍDIO

NOTÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO

INCONTESTE. NEXO CAUSAL. PRINCÍPIO DA

PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

CABIMENTO. PRECEDENTES. 1. Não há falar, na espécie, no

óbice contido na Súmula nº 7/STJ, haja vista que os fatos já

restaram delimitados nas instâncias ordinárias, devendo ser revista

nesta instância somente a interpretação dada ao direito para a

resolução da controvérsia. Precedentes. 2. Tratando-se de dissídio

notório, admite-se, excepcionalmente, a mitigação dos requisitos

exigidos para a interposição do recurso pela alínea "c" "quando os

elementos contidos no recurso são suficientes para se concluir que

os julgados confrontados conferiram tratamento jurídico distinto à

similar situação fática" (AgRg nos EAg 1.328.641/RJ, Rel. Min.

Castro Meira, DJe 14/10/11). 3. A Lei nº 6.938/81 adotou a

sistemática da responsabilidade objetiva, que foi integralmente

recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante,

na espécie, a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para

atribuição do dever de reparação do dano causado, que, no caso, é

inconteste. 4. O princípio da precaução, aplicável à hipótese,

pressupõe a inversão do ônus probatório, transferindo para a

concessionária o encargo de provar que sua conduta não

ensejou riscos para o meio ambiente e, por consequência, aos

pescadores da região. 5. Agravo regimental provido para,

conhecendo do agravo, dar provimento ao recurso especial a fim de

determinar o retorno dos autos à origem para que,

promovendo-se a inversão do ônus da prova, proceda-se a novo

julgamento. (AGARESP 201201507675, RICARDO VILLAS

BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE 27/02/2013)

PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA PARA

JULGAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE MULTA POR

DANO AMBIENTAL – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DA

UNIÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL -

PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - OMISSÃO - NÃO-

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OCORRÊNCIA - PERÍCIA - DANO AMBIENTAL - DIREITO

DO SUPOSTO POLUIDOR - PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO -

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. 1. A competência para o

julgamento de execução fiscal por dano ambiental movida por

entidade autárquica estadual é de competência da Justiça Estadual.

2. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de

origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao

julgamento da lide. 3. O princípio da precaução pressupõe a

inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente

promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou

que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é

potencialmente lesiva. 4. Nesse sentido e coerente com esse

posicionamento, é direito subjetivo do suposto infrator a realização

de perícia para comprovar a ineficácia poluente de sua conduta, não

sendo suficiente para torná-la prescindível informações obtidas de

sítio da internet. 5. A prova pericial é necessária sempre que a

prova do fato depender de conhecimento técnico, o que se revela

aplicável na seara ambiental ante a complexidade do bioma e da

eficácia poluente dos produtos decorrentes do engenho humano. 6.

Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos à

origem com a anulação de todos os atos decisórios a partir do

indeferimento da prova pericial. (STJ, REsp 1060753/SP, Rel.

Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em

01/12/2009, DJe 14/12/2009).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. DANOS AMBIENTAIS. ADIANTAMENTO DE

DESPESAS PERICIAIS. ART. 18 DA LEI 7.347/1985.

ENCARGO DEVIDO À FAZENDA PÚBLICA. DISPOSITIVOS

DO CPC. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA

ESPECIALIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 1. Segundo jurisprudência

firmada pela Primeira Seção, descabe o adiantamento dos

honorários periciais pelo autor da ação civil pública, conforme

disciplina o art. 18 da Lei 7.347/1985, sendo que o encargo

financeiro para a realização da prova pericial deve recair sobre a

Fazenda Pública a que o Ministério Público estiver vinculado, por

meio da aplicação analógica da Súmula 232/STJ. 2. Diante da

disposição específica na Lei das Ações Civis Públicas (art. 18 da

Lei 7.347/1985), afasta-se aparente conflito de normas com os

dispositivos do Código de Processo Civil sobre o tema, por

aplicação do princípio da especialidade. 3. Em ação ambiental,

impõe-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor,

no caso concreto o próprio Estado, responder pelo potencial perigo

que causa ao meio ambiente, em respeito ao princípio da

precaução. Precedentes. 4. Recurso especial não provido. (STJ,

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RESP 1237893, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 24/09/2013, DJE

01/10/2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE

EMPREENDIMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

VEROSSIMILHANÇA. NÃO COMPROVAÇÃO.

1. A perícia deferida, ainda que initio litis, reveste-se de

imprescindibilidade, dada a riqueza de aspectos fáticos e técnicos

que permeiam a lide. O alegado dano inverso, pela demora, perde

relevância diante dos exíguos prazos fixados em Juízo, além de já

haver a agravante produzido seus quesitos.

2. Em se tratando de direito ambiental, deve prevalecer o princípio

da precaução, tomando-se medidas de forma a impedir a ocorrência

de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente. Em que pese

a agravante apresentar licença ambiental do órgão estadual, é

preciso averiguar se não há excesso na execução dessa licença. 3. É possível a averbação da existência da ação civil pública no

Registro de Imóveis, pois constitui ato de publicidade e de proteção

do meio ambiente, dando ciência a eventual adquirente do bem

imóvel acerca de eventuais obrigações decorrentes do resultado da

lide.

4. Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o

dever de reparar os danos causados e, em tal contexto,

transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta

não foi lesiva, com o pagamento dos honorários periciais. 5. É abusiva a proibição de quaisquer negociações relativas ao

empreendimento. Tenho para mim que o Estado não pode tutelar o

cidadão, cerceando sua autonomia da vontade. É ele livre para

correr o risco de vir futuramente a sofrer prejuízo, no caso de futura

e eventual inviabilidade do empreendimento, desde que tenha a ele

aderido sabedor da existência da presente ação (o que decorrerá da

averbação imobiliária), não podendo posteriormente vir a alegar

boa-fé.

(TRF4, AG 5001805-94.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/

Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 20/03/2013).

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO

AMBIENTAL. PRODUÇÃO DE PROVAS. PRINCÍPIO DO

LIVRE CONVENCIMENTO DO JUÍZ. ÔNUS PERICIAL.

(…)

Cabe ao julgador indeferir as provas que reputar desnecessárias

(art. 130 do CPC) e que o sistema de valoração de provas adotado é

do livre convencimento motivado do julgador (art. 131 do CPC),

sendo que o indeferimento de prova testemunhal não configurada

violação ao princípio da ampla defesa.

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127

Quanto aos honorários periciais o art. 19 do CPC impõe à parte que

pleiteia a realização da perícia o ônus de adiantar os honorários do

perito. In casu, a demandada também requereu a produção de prova

pericial. Por outro lado, é de se levar em conta que em matéria

ambiental há inversão do ônus da prova, pois a presunção de

veracidade milita em favor do meio ambiente. Disso resulta o

ônus do réu de afastar a ocorrência de dano ambiental e, por

consequência, de adiantar os honorários da perícia voltada a afastar

a presunção desse dano.

(TRF4, AG 5017700-95.2013.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/

Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 30/01/2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

PRETENDIDA INSTALAÇÃO DE TERMINAL PORTUÁRIO

PRIVADO PARA MOVIMENTAÇÃO DE CARGAS PRÓPRIAS

E DE TERCEIROS, EM ÁREA DE MATA ATLÂNTICA.

NECESSIDADE DE PRESCRUTAR CUMPRIDAMENTE O

IMPACTO AMBIENTAL DO EMPREENDIMENTO ANTES

DA CONCESSÃO DE LICENÇA PRÉVIA. CASO EM QUE

OS DADOS APRESENTADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL AO JUÍZO A QUO REVELAM PROFUNDAS

INCURSÕES DA EMPRESA PRIVADA NA FAUNA E NA

FLORA LOCAIS, AS QUAIS FORAM IGNORADAS OU

DESPREZADAS PELO IBAMA QUANDO A EMISSÃO DE

SUAS PERMISSÕES. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO, QUE

DEVE SER TUTELADO PELO JUDICIÁRIO E FAVOR

DA PROTEÇÃO AMBIENTAL. PRESENÇA DE

ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A CONCESSÃO DE

TUTELA AMBIENTAL PROVISÓRIA, SEM PREJUÍZO DE

INSTRUÇÃO REGULAR DO FEITO. RECURSO

MINISTERIAL PROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto

contra decisão que indeferiu o pedido de liminar formulado em

ação civil pública ajuizada pelo Parquet com o objetivo de impedir

a instalação de terminal portuário privado para movimentação de

cargas próprias e de terceiros, em área de Mata Atlântica

(preservação permanente) sob a proteção do artigo

225 da Constituição Federal e da Lei nº 11.428/2006. 2. Embora a

instalação do terminal portuário privado ainda esteja em fase de

estudos de viabilidade do projeto, isso não retira a necessidade de

se perscrutar o impacto do empreendimento no Bioma Mata

Atlântica, pois se a viabilidade do negócio for positiva, achando-se

a empresa de posse da licença prévia poderá por mãos à obra,

agindo sobre e contra a vegetação que se considera de preservação

permanente, e também em prejuízo da fauna típica e dos animais

visitantes, do local, alguns já correndo o risco de extinção. 3. A

tutela ambiental deve ser o mais possível preventiva, justo porque a

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reparação dos danos ao meio ambiente é sempre mais complicada

do que impedir que eles aconteçam (precaução). 4. O trabalho

pericial ofertado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL como

subsídio inaugural da ação civil pública esclareceu que: (1) o

empreendimento deve ser feito integralmente em área de

preservação permanente; (2) interromperá a conectividade entre o

Parque Estadual da Serra do Mar (porção continental) e o estuário

de Santos (área marítima), "interferindo nas áreas de alimentação

de aves locais, visitantes e migratórias"; (3) haverá alteração

paisagística de área já tombada pelo CONDEPHAAT; (4) o

empreendimento vai destruir corredores de vegetação por onde

transitam, em busca de alimentos, habitantes tradicionais da Mata

Atlântica, e ainda vai inviabilizar o chamado Largo Santa Rita

como área de biodiversidade reconhecida pelo Ministério do Meio

Ambiente (portaria nº 126/2004). 5. Caso em que cuidadoso

parecer técnico ofertado pelo Parquet nos autos originários como

subsídio para o início da ação civil pública, em contraposição a

licença prévia do IBAMA, escancara que o órgão federal

subestimou grosseiramente o impacto ambiental que a obra poderia

acarretar na região atingida, ressaltado o risco de destruição de 17

espécies animais e algumas vegetais, todas nativas da região, bem

como o dano para espécies aquáticas. 6. Cenário processual

enriquecido por trabalho técnico ofertado pelo MINISTÉRIO

PÚBLICO FEDERAL, evidenciando que a atuação do Parquet está

muito longe de ser apenas uma "aventura processual"; pelo

contrário, é revelada uma profunda preocupação com a contínua e

desmedida degradação do Estuário de Santos e da Serra do Mar,

preocupação que deveria ser de todos e não apenas dos Ministérios

Públicos Estadual e Federal. 7. É preciso que o Judiciário resolva

sobre a possibilidade ou não de uma área sujeita a amplas restrições

ambientais suportar a grave intervenção que é planejada contra a

integridade dela, quando se sabe que pela Constituição Federal e

pela legislação ordinária vigentes, a regra é a

preservação da vegetação do Bioma Mata Atlântica. 8. Em sede de

Direito Ambiental o norte é o princípio da precaução - que

inclusive pressupõe a inversão do ônus da prova (STJ, AgRg no

AREsp 206.748/SP, 3ª Turma, j. 21/2/2013) - de modo que a

solução que mais contempla o valor constitucional escancarado

no art. 225 da Magna Carta, um autêntico interesse público, é o

Judiciário atuar como Poder de Estado e não como mero

espectador; para esse fim deve-se dar provimento ao recurso

ministerial para suspender os efeitos da Licença Prévia

399/2011- IBAMA, determinando ao órgão que não emita mais

nenhuma autorização ou licença para instalação do Terminal

Portuário Brites até o desfecho final da ação, ficando a

agravada proibida de qualquer intervenção

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degradadora da área sob pena de multa de R$.50.000,00 por

cada descumprimento (obviamente sem

prejuízo da incidência da Lei nº 9.605/98). 9. Agravo de

instrumento provido. Agravo regimental prejudicado.

TRF3, AI477604, Rel. Juiz Convocado Herbert de Bruyn, 6ª T., j.

31-7-2014, DJE 22-8-2014

Igualmente, e como já sedimentado no âmbito do Superior

Tribunal de Justiça, o momento mais adequado para inversão do ônus da

prova é no saneamento do processo, como regra de instrução, porque evita

a surpresa às partes.

Recentemente, em embargos de divergência, a 2ª Seção do

Superior Tribunal de Justiça decidiu que a inversão do ônus da prova é uma

regra de instrução, pelo que deve haver decisão judicial preferencialmente na

fase de saneamento, conforme as ementas a seguir transcritas:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS

DA PROVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI

8.078/90, ARTIGO 6º, INCISO VIII. REGRA DE INSTRUÇÃO.

DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. 1. O cabimento dos embargos de divergência pressupõe a

existência de divergência de entendimentos entre turmas do STJ a

respeito da mesma questão de direito federal. Tratando-se de

divergência a propósito de regra de direito processual (inversão do

ônus da prova) não se exige que os fatos em causa no acórdão

recorrido e paradigma sejam semelhantes, mas apenas que divirjam

as turmas a propósito da interpretação do dispositivo de lei federal

controvertido no recurso.

2. Hipótese em que o acórdão recorrido considera a inversão do

ônus da prova prevista no artigo 6º, inciso VIII, do CDC regra de

julgamento e o acórdão paradigma trata o mesmo dispositivo legal

como regra de instrução. Divergência configurada.

3. A regra de imputação do ônus da prova estabelecida no artigo 12

do CDC tem por pressuposto a identificação do responsável pelo

produto defeituoso (fabricante, produtor, construtor e importador),

encargo do autor da ação, o que não se verificou no caso em

exame.

4. Não podendo ser identificado o fabricante, estende-se a

responsabilidade objetiva ao comerciante (CDC, art. 13). Tendo o

consumidor optado por ajuizar a ação contra suposto fabricante,

sem comprovar que o réu foi realmente o fabricante do produto

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defeituoso, ou seja, sem prova do próprio nexo causal entre ação ou

omissão do réu e o dano alegado, a inversão do ônus da prova a

respeito da identidade do responsável pelo produto pode

ocorrer com base no artigo 6º, VIII, do CDC, regra de

instrução, devendo a decisão judicial que a determinar ser

proferida "preferencialmente na fase de saneamento do

processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não

incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de

oportunidade" (RESP 802.832, STJ 2ª Seção, DJ 21.9.2011). 5. Embargos de divergência a que se dá provimento.

(STJ. Segunda Seção. EREsp 422778/SP. Relator(a) p/ Acórdão

Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI. DJe 21/06/2012 RSTJ vol.

227 p. 391)

AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - VIOLAÇÃO DO

ART. 535 DO CPC - INOCORRÊNCIA - INVERSÃO DO ÔNUS

DA PROVA - APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ - DECISÃO

AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.

1.- Não há falar em omissão no acórdão recorrido, que apreciou as

questões que lhe foram submetidas, ainda que de modo contrário

aos interesses dos Recorrentes.

2.- A Segunda Seção desta Corte, superando divergência entre

as Turmas, consolidou o entendimento de que "a inversão 'ope

judicis' do ônus probatório deve ocorrer preferencialmente na fase

de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte

a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de

oportunidade para apresentação de provas" (REsp 802.832/MG,

Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA

SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe 21/09/2011).

3.- Não é possível, em sede de recurso especial examinar se os

documentos que instruem a petição inicial constituem lastro

probatório suficiente ao atendimento do comando inscrito no art.

333, I, do CPC, tendo em vista a Súmula 07/STJ.

4.- O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de

modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus

próprios fundamentos.

5.- Agravo Regimental improvido.

(STJ, AgRg no AREsp 380.384/MS, Rel. Ministro SIDNEI

BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe

03/12/2013)

A matéria ambiental envolvida exige cautela (princípio da

precaução) e, em razão disso, impõe a inversão do ônus da prova na fase do

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131

saneamento, sob pena de risco ao devido processo legal e ao direito ao meio

ambiente equilibrado, mormente quando poderão ser prejudicadas

milhares de pessoas com a utilização de técnica altamente lesiva ao

ambiente e à saúde humana.

5.8 TUTELA ESPECÍFICA ANTECIPADA

O direito ao meio ambiente deve ser tutelado da forma mais

ampla possível, eis que comprometido com a dignidade da pessoa humana

(art. 1º, inc. III, CF). Levando-se em conta que é indisponível, inalienável,

impenhorável, indivisível, do povo, absolutamente sensível a danos e

permeado pela irreversivelmente ao status quo ante, mormente quando se trata

de poluição de aqüíferos pelo fracking, a postura do julgador deve ser pela

busca de uma solução justa para o caso concreto, da forma mais participativa e

célere possível na atuação e direção do processo. Isso interfere de

sobremaneira no âmbito processual e, em especial, na instrução probatória do

feito.

Isso porque o magistrado deve ter sempre em mente que

qualquer equívoco cometido trará repercussões imensuráveis, em razão da

natureza e do alcance do bem ambiental ora tutelado. O provimento

jurisdicional emergencial ora pleiteado compõe parcela do próprio pedido, de

forma que o seu deferimento consubstancia-se em adiantamento provisório

daquele, configurando-se, assim, antecipação de parte do mérito da demanda,

ou seja, da tutela antecipada prevista no artigo 273 do Código de Processo

Civil.

Os requisitos da antecipação de tutela meritória, quais sejam:

a) prova inequívoca do alegado; b) verossimilhança da alegação; e, c) receio

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132

de dano irreparável, ou de difícil reparação ao ambiente, já foram amplamente

demonstrados ao longo desta inicial.

Tratando-se de ação onde se pede a condenação em

obrigações de fazer e de não fazer, aplicável ainda a tutela específica, com a

determinação de providências capazes de garantir o resultado prático

equivalente ao adimplemento do comando jurisdicional, a par do que consagra

o art. 461 do Código de Processo Civil.

Nessa linha, José Rubens Morato Leite e Patrick de Araújo

Ayala afirmam que:

O desenvolvimento dogmático dos princípios da precaução e

prevenção, posicionados agora na qualidade de elementos de

estruturação e informação de todo o sistema constitucional de

proteção do ambiente, evidencia a atualidade do tratamento do

tema da efetividade do acesso à justiça em matéria do ambiente,

com destaque especial para a formulação de novas espécies de

tutela jurisdicional, especializadas e adequadas ao atendimento dos

objetivos concretos e particularidades que integram o objetivo de

defesa do bem ambiental, notavelmente, a biodiversidade53

.

Do mesmo modo, Rodolfo de Camargo Mancuso assevera

que:

Compreende-se uma tal ênfase dada à tutela jurisdicional

preventiva, no campo dos interesses metaindividuais, em geral, e,

em especial, em matéria ambiental, tendo em vista os princípios da

prevenção, ou da precaução, que são basilares nessa matéria.

Assim, dispões o princípio n. 15 estabelecido na Conferência da

Terra, no Rio de Janeiro (dita ECO 92): 'com o fim de proteger o

meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério

de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de

dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não

deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas

eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio

53

LEITE, José Rubens Morato.e AYALA, Patrick de Araújo. O Direito Ambiental

na Sociedade de Risco. São Paulo: Forense Universitária, 2002.

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133

ambiente'. Igualmente dispõe o Princípio n. 12 da Carta da Terra

(1997): 'importar-se com a Terra, protegendo e restaurando a

diversidade, a integridade e a beleza dos ecossistemas do planeta.

Onde há risco de dano irreversível ou sério ao meio ambiente, deve

ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos54

.

Está previsto nos artigos 3º e 11 da Lei nº 7.347/85 que a ação

civil pública poderá ter como objeto a condenação em dinheiro ou o

cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, e nestes casos, o juiz

determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da

atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa

diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de

requerimento do autor.

Ademais, justifica-se a concessão, nos termos do artigo 12 da

Lei nº 7.347/85, de medida liminar, sem a audiência das empresas

exploradoras e sem justificação prévia, que evite os danos ao patrimônio

natural, impedindo o início de qualquer atividade exploratória na região, sem a

realização dos estudos científicos e instrumentos legais necessários e a

informação e participação da coletividade regional.

Os fatos acima narrados evidenciam que o caso em apreço

exige, em razão do perigo da demora processual, um provimento jurisdicional

emergencial, sob pena de danos absolutamente irreversíveis. E a também já

demonstrada incontestável probabilidade de êxito do pedido autoriza a

concessão daquela medida. Presentes, portanto, os pressupostos de sua

concessão em sede de liminar.

54

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do

Patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2004.

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134

O fumus boni iuris, como a plausibilidade do direito material

invocado pelo autor que busca a tutela jurisdicional encontra-se amplamente

demonstrado pelos fundamentos já colacionados, quais sejam:

(i) parecer técnico negativo do GTPEG, notadamente nos

aspectos ambientais relacionados à: a) inúmeras perfurações de poços; b)

intensificação de abertura de vias de acesso e instalação de canteiros; c)

utilização de recursos hídricos; d) contaminação de aquíferos superficiais e

subsuperficiais; e) utilização de fluidos e demais produtos químicos; f)

disposição final da água de retorno (flowback water), água de produção e

“cascalhos”; g) potencial indutor de sismos; e, finalmente, a recomendação de

realizar a AAAS;

(ii) ausência de conhecimento técnico necessário à fase de

exploração;

(iii) informações inverídicas fornecidas ao MPF (4ª CCR,

Grupo de Trabalho Grandes Empreendimentos e Procuradoria da República

em Floriano/PI), que denotam a má-fé da ANP;

(iv) oferta de blocos exploratórios com restrições ambientais,

como: Unidades de Conservação (UC); áreas com processo de criação de UCs;

Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição dos

Benefícios da Biodiversidade Brasileira; proximidades de UCs, áreas de

proteção legal especial, aplicação da Lei da Mata Atlântica e aquíferos

aflorantes;

(v) inobservância dos riscos inerentes aos recursos hídricos,

notadamente do Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo e de alcance

transnacional;

(vi) vícios nas audiências públicas realizadas pela ANP;

(vii) repercussão negativa no âmbito internacional.

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135

(viii) repercussão negativa e revolta na comunidade regional,

tanto que motivou moção contrária por parte do Comitê de Bacia Hidrográfica

do Pontal do Paranapanema (autos principais, fls. 172/174).

Quanto ao periculum in mora, basta atentar para o fato de que

os contratos de concessão foram assinados em 15/05/2014, entre a ANP e as

empresas exploratórias PETROBRÁS, PETRA e BAYAR (fls. 108, 182, 307,

419 e 539 dos volumes I e II do Anexo 5) e que, a partir da assinatura

desses contratos, a fase de exploração se inicia e já haverá a possibilidade

de perfuração de poços para a “pesquisa” pretendida. Aliás, a fase de

exploração contempla o “programa exploratório mínimo”, que obriga o

concessionário a realizar atividades específicas, sem os estudos prévios

mencionados. Aliás, segundo informou a ANP, o “Programa Exploratório

Mínimo a ser executado pelas empresas na fase exploratória corresponde a

R$55 milhões” (autos principais, fls. 33), o que impele, naturalmente, as

empresas a iniciarem a fase exploratória, exercendo pressão sobre os órgãos

ambientais, sem o conhecimento científico e a discussão pública que deveriam

anteceder o próprio leilão.

A propósito, segundo dispõe o Contrato de Concessão (fls. 19

e segs. do vol. I do Anexo 5):

5.3 A Fase de Exploração terá início na data de assinatura deste

Contrato ...

5.4 Caso o Concessionário realize uma Descoberta durante a Fase

de Exploração em momento tal que não lhe tenha sido possível

proceder à Avaliação de Descoberta antes do final desta fase ... a

Fase de Exploração poderá, a critério da ANP, ser prorrogada pelo

prazo necessário ...

5.7 O Concessionário deverá executar as obrigações relativas ao

Programa Exploratório Mínimo nos prazos e condições...

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136

5.11 Para as Áreas de Concessão localizadas nas Bacias

Sedimentares do Paraná, (...) o primeiro poço perfurado na Fase

de Exploração deverá, atravessar o objetivo estratigráfico mínimo

exigido, obrigando-se o Concessionário a realizar perfis de poço,

amostragens e análises específicas, conforme detalhado no Edital

de Licitações.

5.11.1 Caso o Concessionário arremate até 4 (quatro) Blocos em

um mesmo setor, a obrigatoriedade de atravessar todo o objetivo

estratigráfico mínimo exigido fica restrita a apenas uma das Áreas

de Concessão arrematadas, desde que:

(i) As Áreas de Concessão em questão tenham a mesma

composição de Concessionários, inclusive no que respeita às

respectivas participações no consórcio.

5.11.1.1 Caso o Concessionário arremate mais de 4 (quatro) Áreas

de Concessão em um mesmo setor, para o segundo poço

perfurado na Fase de Exploração deverá ser repetido o mesmo

procedimento do parágrafo 5.11, permanecendo válidas, mutatis

mutandis, as demais disposições deste parágrafo.

Não obstante a ANP indicar que “a técnica do fraturamento

hidráulico em recurso não convencional não ocorrerá imediatamente após a

assinatura dos contratos de concessão”, que dependerá de autorização da ANP

e licenciamento específico para a atividade (Ofício 027/2014/PRG-ANP, item

31, fls. 350/351 do vol. II do Anexo 1), vislumbra-se, como a seguir

demonstrado, que a partir da assinatura desses contratos, a fase de

exploração se inicia e já haverá a possibilidade de perfuração de poços

para a “pesquisa” pretendida.

Ocorre que a Resolução ANP n. 21/2014 descura dos estudos

ambientais prévios constitucionalmente exigidos (no caso, a AAAS) e dos

demais estudos técnicos que demonstram a inviabilidade ambiental da

explotação do gás de xisto.

A ANP registra que “em outras palavras, o Concessionário

está obrigado a perfurar poço até a profundidade da rocha geradora do

petróleo, e realizar testes específicos, o que vai ao encontro do escopo da

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137

rodada de licitação, pois permitirá o mapeamento das reservas de gás natural

existentes no Brasil.” (Ofício 027/2014/PRG-ANP, item 36, fl. 353 do vol. II

do Anexo 1).

Ainda, adverte que há possibilidade de explorar o recurso

não convencional nessa fase exploratória, que dependerá tão somente de: (i)

comunicação pelo concessionário à ANP; (ii) reconhecimento de ser recurso

não convencional como tal pela ANP; (iii) realização de Plano de Exploração

e Avaliação de Recursos Não Convencionais aprovado pela ANP (Ofício

027/2014/PRG-ANP, item 37, fl. 353 do vol. II do Anexo 1). Após, inicia-se a

Fase de Exploração Estendida, que é a prorrogação da fase de exploração, e

será dividida em três períodos, que se iniciam com a aprovação do Plano de

Exploração e Avaliação de Recursos Não Convencionais.

No caso da Bacia do Rio Paraná (“Bacia de Nova

Fronteira”, conforme art. 2º, inc. I, da Res. n. 6, de 25/06/2013, do CNPE), o

Plano de Exploração e Avaliação de Recursos Não Convencionais

contemplará, no mínimo, a perfuração de dois poços por Período

Exploratório Estendido em Bacias de Nova Fronteira (cláusula 7.7.1 do

Contrato de Concessão) (fls. 27 do vol. 1 do Anexo 5).

Excelência, essas cláusulas contratuais, assim como a pressa

da ANP e das empresas arrematadoras em começarem a explorar o gás de

xisto na Bacia do Paraná são de evidência cristalina e indicam que o tempo

urge! Evidente, portanto, o periculum in mora, fundado no receio de dano

irreparável ao ambiente.

Ademais, o periculum in mora advém, igualmente, da teoria

do fato consumado, segundo a qual aguardar o julgamento de mérito desta

demanda implicará a possibilidade de os atos administrativos se concretizarem

e tomarem proporções irreversíveis – como fazem crer as provas colhidas até o

momento.

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138

Os princípios ambientais recomendam a suspensão imediata

de qualquer atividade destinada à continuidade da destruição do meio

ambiente, pois cumpre ao explorador comprovar a inexistência de prejuízo ao

meio ambiente, principalmente por se tratar de técnica proscrita em diversos

países.

Orientada por essa perspectiva, ao julgar a Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental que tratou sobre a vedação de

importação de pneus usados, constou do voto condutor da maioria, da lavra da

Min. Rel. Cármen Lúcia, a preponderância dos princípios ambientais em

ponderação com os princípios da ordem econômica:

28. O argumento dos Interessados de que haveria afronta ao

princípio da livre concorrência e da livre iniciativa por igual não se

sustenta, porque, ao se ponderarem todos os argumentos expostos,

conclui-se que, se fosse possível atribuir peso ou valor jurídico a

tais princípios relativamente ao da saúde e do meio ambiente

ecologicamente equilibrado, preponderaria a proteção desses, cuja

cobertura, de resto, atinge não apenas a atual, mas também as

futuras gerações.

(ADPF 101/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, 24.6.2009, Tribunal

Pleno. Informativo n. 552/STF).

Ora, é inconteste que a extrema superficialidade dos estudos

que permitiram a licitação e a consequente exploração e produção do gás de

xisto na Bacia do Paraná, mormente na região desta Subseção Judiciária,

exigem postura urgente do Poder Judiciário.

O famigerado argumento da ANP de que a exploração é uma

“oportunidade de produção de conhecimento” desconsidera o elevado risco e

custo dessa prematura disposição, porque, como registrado pelos peritos do

MPF, o Governo Federal dispõe de recursos e estrutura próprios para atender a

necessidade científica (e não econômica!) de levantamento geológico

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139

necessários sobre a viabilidade e adequação estratégica de aproveitamento

desses recursos.

É, em razão disso, que a tutela antecipada deve ser concedida,

liminarmente, para suspender os efeitos decorrentes da 12ª Rodada de

Licitações em relação à disponibilização de blocos para exploração do gás de

xisto com o uso da técnica do fraturamento hidráulico no setor SPAR-CS da

Bacia do Rio Paraná, e para suspender os efeitos dos contratos de concessão

assinados. Além disso, deve-se impor obrigação de não-fazer, no sentido de

que não se realize outro procedimento licitatório para a explotação de gás de

xisto pelo fracking, sem que haja estudos técnicos que demonstrem a

viabilidade, ou não, do uso da técnica do fraturamento hidráulico em solo

brasileiro e na região, com prévia regulamentação do CONAMA, e, com

especial ênfase, na realização e devida publicidade da AAAS – Avaliação

Ambiental de Áreas Sedimentares (Portaria n. 198/2012), cujos resultados

deverão vincular a possível exploração dos correspondentes blocos,

oportunizando-se adequadamente a participação popular e técnica, dos órgãos

públicos, das entidades civis interessadas e das pessoas que serão impactadas

diretamente, para que, dessa forma, garanta-se o efetivo controle no uso da

técnica, se é que será autorizada, inclusive quanto ao depósito e posterior

descarte das substâncias utilizadas na operação e dos resíduos gerados no

processo de exploração e de produção.

Os fatos acima narrados evidenciam que o caso em apreço

exige, em razão do perigo da demora processual, um provimento jurisdicional

emergencial. E a também já demonstrada incontestável probabilidade de êxito

do pedido autoriza a concessão da medida. E, por outro lado, o comando

judicial seria dotado de reversibilidade (CPC, art. 273, §4º, uma vez que, em

caso de eventual improcedência da ação, bastaria retomar-se os contratos já

assinados e dar início à exploração do gás de xisto pelo uso do fracking.

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140

Presentes, portanto, os pressupostos de sua concessão da

tutela antecipada em sede de liminar.

5.9 DO PRECEDENTE JUDICIAL EM CASVAVEL (PR)

E NO TRF 4ª REGIÃO

O Ministério Público Federal ajuizou a ação civil pública sob

o no. 5005509-18.2014.404.7005/PR, na 1ª Vara Federal de Cascavel/PR,

tendo por objeto, entre outros pedidos, a suspensão dos efeitos decorrentes da

12a Rodada de Licitações realizada pela ANP, que ofereceu a explotação de

gás de folhelho, conhecido como 'gás de xisto', na modalidade fracking, na

Bacia do Rio Paraná, no setor SPAR-CS, em razão dos potenciais riscos ao

meio ambiente, à saúde humana e à atividade econômica, além dos vícios que

nulificam o procedimento licitatório.

Em decisão proferida em 04/06/2014, o Juiz Federal Leonardo

Cacau Santos La Bradbury concedeu a liminar para determinar, entre outras

medidas, a suspensão imediata dos efeitos decorrentes da 12ª Rodada de

Licitações promovida pela ANP e dos contratos eventualmente já assinados

em virtude desse procedimento licitatório, em relação à disponibilização de

blocos para exploração do gás de xisto, mediante utilização da técnica do

fraturamento hidráulico, no setor SPAR-CS, inclusive quanto às empresas

exploradoras rés, até a adoção dessas três providências: 1) estudos técnico-

ambientais realizados pelo IBAMA que demonstrem a viabilidade, ou não, do

uso da técnica do fraturamento hidráulico na área de abrangência dos blocos

exploratórios do setor SPAR-CS; 2) prévia regulamentação pelo CONAMA

autorizando a utilização da referida técnica, estabelecendo, inclusive, o seu

alcance e limites de atuação da empresas exploradoras; 3) realização e devida

publicidade da Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares - AAAS, nos

termos da Portaria Interministerial nº1988/2012 (MME e MMA).

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141

Nos Autos do Agravo de Instrumento 5012993-

50.2014.404.0000/PR, em que foi agravante a ANP e agravado o MPF, o

Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, como Relator,

indeferiu o efeito suspensivo e a antecipação de tutela recursal, com a seguinte

fundamentação, destacando-se a seguir os aspectos relativos ao fumus boni

iuris e o periculum in mora:

“A questão central discutida neste agravo de instrumento diz com a

manutenção ou suspensão dos efeitos decorrentes da 12a Rodada

de Licitações realizada pela ANP quanto à Bacia do Rio Paraná

(PR), no setor SPAR-CS indicado no edital. De um lado, o

Ministério Público Federal e o Juízo Agravado entenderam que

existem indícios relevantes de riscos ao meio ambiente, à saúde

humana e à atividade econômica, e de ilegalidades que tornariam

nulo o procedimento licitatório, assim justificando intervenção

judicial para imediata suspensão dos procedimentos relativos

àquela área. De outro lado, a ANP entende que as medidas e

cautelas que adotou resguardam aqueles riscos e que não existem

nulidades ou ilegalidades que impedissem o prosseguimento dos

atos administrativos, tal como licitados e vinham ocorrendo. A

questão técnica discutida é bastante complexa e, com certeza,

demanda exame atento e detido dos argumentos de cada uma das

partes, seja em prol da atividade econômica e das necessidades

energéticas, seja em prol da mitigação de riscos ambientais,

humanos, sociais e econômicos. Mas não cabe agora decidir sobre

o mérito do agravo, mas apenas sobre o pedido de efeito suspensivo

e de antecipação da tutela recursal. Portanto, esta decisão se

limitará a conhecer das questões relevantes à tutela de urgência

recursal, relegando para o julgamento colegiado o aprofundamento

das questões do mérito do agravo. (...)

(...)

Quanto aos demais fundamentos, relacionados ao fumus boni

juris e ao periculum in mora que autorizariam o deferimento ou a

revogação da medida liminar, entendo que tais questões são

bastante relevantes e justificam tratamento minucioso por ocasião

do julgamento do agravo de instrumento, com a participação de

todos os integrantes da turma julgadora. Entretanto, neste momento

não cabe esse exame profundo da questão, limitando-se esse relator

a examinar se está presente alguma situação de urgência ou de risco

iminente que recomendasse revisar monocrática e cautelarmente a

decisão agravada (efeito suspensivo ou antecipação da tutela

recursal).

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142

Ora, examinando os termos da petição inicial do Ministério Público

(e respectiva documentação) e os termos da decisão agravada,

verifico que existem ponderáveis razões para que a liminar fosse

deferida pelo juiz da causa, uma vez que o risco alegado é

considerável, envolvendo não apenas o meio ambiente, mas

também a saúde de populações humanas e a atividade econômica

local. Se estão ou não presentes esses riscos e se esses riscos têm o

alcance e oferecem a periculosidade que está posta na petição

inicial, são questões que devem ser bem pesadas por ocasião do

julgamento do agravo de instrumento.

Por ora, o que parece relevante a esse relator é que, embora a

argumentação da ANP fosse robusta e estivesse amparada em

vários elementos técnico-informativos, não traz ela nenhum

elemento de urgência a indicar necessidade de pronta revisão da

decisão agravada. Embora sejam ponderáveis as alegações relativas

à atividade econômica e às necessidades energéticas do País, é

certo que não estão indicados motivos concretos que

recomendariam a imediata revogação ou suspensão da decisão

agravada.

Se a ANP exerceu ou não corretamente a competência legal que lhe

é atribuída pela legislação ou se as medidas adotadas na licitação

serão suficientes para proteção do meio ambiente, são questões que

serão objeto de apreciação pela turma julgadora em breve. Mas

cabe agora mencionar que não é apenas a atuação técnica da ANP

que deve ser considerada, uma vez que existem questões

ambientais que são relevantes e devem ser consideradas, havendo

outros órgãos apontado para a existência de riscos que devem ser

ponderados, como por exemplo feito pelo grupo de trabalho

específico da área ambiental (evento 1, anexo 9, págs. 4-28, do

processo originário) e por órgãos da sociedade civil (evento 1,

anexo 19, págs. 14-15, do processo originário).

Por exemplo, ainda que este relator pretenda avaliar a questão com

mais profundidade por ocasião do julgamento do agravo e não

esteja aqui se comprometendo com a respectiva conclusão, devo

destacar a conclusão do Grupo de Trabalho Interinstitucional de

Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás, datada de

03/10/2013 (evento 1, anexo 10, pág. 28, processo originário): No

que diz respeito à exploração de gás não-convencional, o GTPEG

entende não haver elementos suficientes para uma tomada de

decisão informada sobre o assunto. É preciso intensificar o debate

na sociedade brasileira sobre os impactos e riscos ambientais

envolvidos nessa exploração e avançar na regulamentação e

protocolos para atuação segura. Recomenda-se a adoção da

Avaliação Ambiental de Área Sedimentar - AAAS como um dos

instrumentos adequados à definição das condições de contorno

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para utilização das técnicas de fraturamento hidráulico em poços

horizontais nas bacias de interesse.

Também destaco ofício encaminhado pela Sociedade Brasileira

para o Progresso da Ciência e pela Academia Brasileira de Ciências

(evento 1, anexo 19, págs. 14-15, do processo originário), datado

de 05/08/2013, requerendo providências à Presidência da

República:

Nesse sentido, não é cabível que sejam imediatamente licitadas

áreas de exploração a empresas, excluindo desta forma a

comunidade científica e os próprios órgãos reguladores do País da

possibilidade de acesso e discussão de todas as informações que

poderão ser obtidas, por meio de estudos realizados diretamente

pelas Universidades e Institutos de Pesquisas, com a finalidade de

obter melhor conhecimento, tanto sobre as propriedades

intrínsecas das jazidas e as condições de sua exploração, como das

consequências ambientais dessa atividade, que poderão superar

amplamente seus eventuais ganhos sociais. Face ao exposto, e

tendo em vista os resultados das discussões realizadas durante a

65a Reunião da SBPC em Recife, Pernambuco, de 22 a 27 de julho

de 2013, solicitamos à Presidenta da República, que seja sustada a

licitação de áreas para explotação de Gás de Xisto, na 12a Rodada

prevista para novembro próximo, por um período suficiente para

aprofundar os estudos realizados por ICTs públicas, sobre a real

potencialidade da utilização da fratura hidráulica e os possíveis

prejuízos ambientais.

Isso, somado ao que foi dito na decisão agravada, é suficiente para

que este relator relegue à turma julgadora a decisão sobre a

manutenção ou suspensão da medida liminar deferida pelo juiz da

causa, até lá mantendo o que foi deferido pelo juiz da causa, que

está mais próximo dos fatos e não parece ter proferido decisão

flagrantemente ilegal ou carente de fundamentação. Por fim, não

me parece suficiente para justificar a imediata cassação da decisão

agravada aquelas considerações sobre periculum in mora trazidas

pela ANP. É certo que a decisão agravada suspende o

prosseguimento da licitação e a contratação da exploração dos

recursos minerais licitados na área impugnada, impedindo a

assinatura dos contratos e, ao que parece, retardando o recebimento

de bônus de assinatura e atrasando investimentos de grande monta

para execução do programa exploratório pretendido pelo Governo

Brasileiro. Mas apenas essa alegação não parece suficiente para

autorizar a imediata intervenção deste tribunal, considerando o que

consta dos autos e o que foi dito na decisão agravada quanto ao

fumus boni juris.

É certo que não se pode paralisar o país, mas é certo que também

não se pode atropelar o meio ambiente. A intervenção econômica

deve ser bem dimensionada e prevista, evitando situações de fato

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consumado e de açodamento que venham em detrimento do meio

ambiente, da economia local, da saúde das populações e das regras

legais. Por tudo isso, parece prudente que não sejam deferidos

efeito suspensivo nem antecipação de tutela recursal em favor da

ANP, ao menos até que a turma julgadora possa, em colegiado,

apreciar os fundamentos das partes e julgar o agravo”.

O precedente citado é de grande relevância, Excelência, e

reforça os fundamentos para a concessão da tutela antecipada, em face de

todas as razões já expostas na inicial.

6. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS

6.1 TUTELA ESPECÍFICA ANTECIPADA

Em razão de todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL, após a oitiva da parte pública interessada - ANP (Lei 8.437/92,

art. 2º) e antes da citação das demais rés (diante do perigo da demora), pede

que seja concedida a tutela antecipada, liminarmente, para o fim de:

1) determinar, em face da ANP, da PETROBRAS, da PETRA ENERGIA

S.A. e da BAYAR EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA.,

a suspensão imediata dos efeitos decorrentes da 12ª Rodada de Licitações

promovida pela ANP, em relação à disponibilização dos blocos da bacia

do Paraná PAR-T-198, PAR-T-199, PAR-T-218, PAR-T-219 e PAR-T-220

(Setor SPAR-CN), situados na região oeste do Estado de São Paulo, para

a exploração do gás de folhelho com o uso da técnica do fraturamento

hidráulico;

2) determinar a suspensão imediata dos efeitos dos Contratos de

Concessão relativos aos processos n° 48610.000077/2014-31 (PAR-T-

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198_R12), n° 48610.000118/2014-90 (PAR-T-199_R12), n°

48610.000081/2014-08 (PAR-T-218_R12, n° 48610.000080/2014-55 (PAR-

T-219_R12) e n° 48610.000079/2014-21 (PAR-T-220_R12), firmados entre

a ANP e as empresas PETROBRAS, PETRA E BAYAR e relacionados

com a exploração de xisto por meio do fraturamento hidráulico, nos

blocos do Setor SPAR-CN;

3) impor à ANP obrigação de não fazer, no sentido de não promover

outras licitações de blocos exploratórios desta Subseção Judiciária, nem

dar seguimento procedimento realizado na 12ª Rodada, que tenham por

objeto a exploração do gás de xisto pelo faturamento hidráulico, enquanto

não houver a realização de estudos técnicos científicos que demonstrem a

viabilidade do uso dessa técnica em solo brasileiro, e, em especial, no

Setor SPAR-CN;

4) impor à ANP obrigação de não fazer, consistente em não realizar

outras licitações de blocos exploratórios desta Subseção Judiciária, nem

dar seguimento ao procedimento realizado na 12ª Rodada, que tenham

por objeto a exploração do gás de xisto pelo faturamento hidráulico,

enquanto não houver a prévia regulamentação do CONAMA, e, com

especial ênfase, não houver a realização de Estudos de Impacto Ambiental

e a devida publicidade da AAAS – Avaliação Ambiental de Áreas

Sedimentares (Portaria Interministerial n. 198/2012), cujos resultados

deverão vincular eventual exploração dos correspondentes blocos,

oportunizando-se, adequadamente, a participação popular e técnica, dos

órgãos públicos, das entidades civis interessadas e das pessoas que serão

impactadas diretamente pela exploração, para que, dessa forma, garanta-

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se o efetivo controle no uso da técnica, inclusive quanto ao depósito e

posterior descarte das substâncias utilizadas no processo de exploração;

5) impor obrigação de não fazer às empresas PETROBRAS, PETRA E

BAYAR, consistente em não realizar qualquer atividade específica de

perfuração, de pesquisa e de exploração de poços no Setor SPAR-CN,

com base nos Contratos de Concessão firmados, enquanto não elaborados

os estudos acima mencionados e não realizado processo licitatório válido

pela ANP.

6) impor obrigação de fazer à ANP, como forma de dar publicidade à

presente demanda, no sentido de que faça constar a existência da presente

ação no site institucional e no site da Brasil-Rounds Licitações de Petróleo

e Gás, com a seguinte redação: “O Ministério Público Federal de

Presidente Prudente/SP ajuizou Ação Civil Pública, distribuída na ___ Vara

Federal de Presidente Prudente/SP sob o n. ___________, que objetiva a

suspensão dos efeitos decorrentes da 12ª Rodada de Licitações realizada pela

ANP, que ofereceu a exploração de gás de folhelho, conhecido como “gás de

xisto”, na modalidade fracking (fraturamento hidráulico), na Bacia do Rio

Paraná, no setor SPAR-CN, em razão dos potenciais riscos ao meio

ambiente, à saúde humana e à atividade econômica regional, além dos

vícios que nulificam o procedimento licitatório.”

6.2 PEDIDOS

Pede-se seja julgada procedente a presente ação civil pública,

para o fim de, confirmando-se a tutela antecipada concedida:

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1) determinar, em face da ANP, da PETROBRAS, da PETRA ENERGIA

S.A. e da BAYAR EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA.,

a suspensão imediata dos efeitos decorrentes da 12ª Rodada de Licitações

promovida pela ANP, em relação à disponibilização dos blocos da bacia

do Paraná PAR-T-198, PAR-T-199, PAR-T-218, PAR-T-219 e PAR-T-220

(Setor SPAR-CN), situados na região oeste do Estado de São Paulo, para

a exploração do gás de folhelho com o uso da técnica do fraturamento

hidráulico;

2) determinar a suspensão dos efeitos dos Contratos de Concessão

relativos aos processos n° 48610.000077/2014-31 (PAR-T-198_R12), n°

48610.000118/2014-90 (PAR-T-199_R12), n° 48610.000081/2014-08 (PAR-

T-218_R12, n° 48610.000080/2014-55 (PAR-T-219_R12) e n°

48610.000079/2014-21 (PAR-T-220_R12), firmados entre a ANP e as

empresas PETROBRAS, PETRA E BAYAR e relacionados com a

exploração de xisto por meio do fraturamento hidráulico, nos blocos do

Setor SPAR-CN;

3) impor à ANP obrigação de não fazer, no sentido de não promover

outras licitações de blocos exploratórios desta Subseção Judiciária, nem

dar seguimento procedimento realizado na 12ª Rodada, que tenham por

objeto a exploração do gás de xisto pelo faturamento hidráulico, enquanto

não houver a realização de estudos técnicos científicos que demonstrem a

viabilidade do uso dessa técnica em solo brasileiro, e, em especial, no

Setor SPAR-CN;

4) impor à ANP obrigação de não fazer, consistente em não realizar

outras licitações de blocos exploratórios desta Subseção Judiciária, nem

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dar seguimento ao procedimento realizado na 12ª Rodada, que tenham

por objeto a exploração do gás de xisto pelo faturamento hidráulico,

enquanto não houver a prévia regulamentação do CONAMA, e, com

especial ênfase, não houver a realização de Estudos de Impacto Ambiental

e a devida publicidade da AAAS – Avaliação Ambiental de Áreas

Sedimentares (Portaria Interministerial n. 198/2012), cujos resultados

deverão vincular eventual exploração dos correspondentes blocos,

oportunizando-se, adequadamente, a participação popular e técnica, dos

órgãos públicos, das entidades civis interessadas e das pessoas que serão

impactadas diretamente pela exploração, para que, dessa forma, garanta-

se o efetivo controle no uso da técnica, inclusive quanto ao depósito e

posterior descarte das substâncias utilizadas no processo de exploração;

5) impor obrigação de não fazer às empresas PETROBRAS, PETRA E

BAYAR, consistente em não realizar qualquer atividade específica de

perfuração, de pesquisa e de exploração de poços no Setor SPAR-CN,

com base nos Contratos de Concessão firmados, enquanto não elaborados

os estudos acima mencionados e não realizado processo licitatório válido

pela ANP;

6) impor obrigação de fazer à ANP, como forma de dar publicidade à

presente demanda, no sentido de que faça constar a existência da presente

ação no site institucional e no site da Brasil-Rounds Licitações de Petróleo

e Gás, com a seguinte redação: “O Ministério Público Federal de

Presidente Prudente/SP ajuizou Ação Civil Pública, distribuída na ___ Vara

Federal de Presidente Prudente/SP sob o n. ___________, que objetiva a

suspensão dos efeitos decorrentes da 12ª Rodada de Licitações realizada pela

ANP, que ofereceu a exploração de gás de folhelho, conhecido como “gás de

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xisto”, na modalidade fracking (fraturamento hidráulico), na Bacia do Rio

Paraná, no setor SPAR-CN, em razão dos potenciais riscos ao meio

ambiente, à saúde humana e à atividade econômica regional, além dos

vícios que nulificam o procedimento licitatório”.

7) que seja decretada a nulidade da 12ª Rodada de Licitações promovida

pela ANP, em relação à disponibilização dos blocos da bacia do Paraná

PAR-T-198, PAR-T-199, PAR-T-218, PAR-T-219 e PAR-T-220 (Setor

SPAR-CN), situados na região oeste do Estado de São Paulo, e dos

Contratos de Concessão relacionados no item “2”, destinados à

exploração do gás de folhelho com o uso da técnica do fraturamento

hidráulico, com efeitos ex tunc, desfazendo todos os vínculos entre as

partes e obrigando-as à reposição das coisas ao status quo ante, como

consequência natural e lógica da decisão anulatória.

6.3 MULTA

Requer-se, em relação aos pedidos formulados nos itens 6.1 e

6.2, que seja cominada às rés multa diária não inferior a R$500.000

(quinhentos mil reais) por dia, para cada obrigação de fazer ou de não fazer,

em caso de descumprimento da ordem judicial (Lei 7347/85, art. 11 e art. 12,

§1º).

6.4 REQUERIMENTOS

Requer-se:

a) a citação dos réus para, querendo, responderem a presente

ação, sob pena de revelia;

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b) a intimação da Advocacia da União em Presidente

Prudente, para que manifeste eventual interesse em intervir no feito;

c) não obstante já tenham sido apresentados os documentos

comprobatórios do alegado, que seja o ônus da prova invertido em favor da

proteção do ambiente, até o despacho saneador, protestando-se, ad cautelam,

pela produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo,

inspeção judicial, que se fizerem necessárias à plena cognição dos fatos,

inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a

apresentação da contestação;

d) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros

encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei n. 7.347/85;

e) a condenação da parte-ré nas custas processuais e outras

despesas que decorram do presente processo;

Dá-se à causa o valor de R$ 65.290.000,00 (sessenta e cinco

milhões e duzentos e noventa mil reais).55

Presidente Prudente, 16 de dezembro de 2014.

Luís Roberto Gomes

Procurador da República

55

O valor corresponde ao somatório do bônus de assinatura ofertado para os 5 blocos (R$ 10,29

milhões) e o Programa Exploratório Mínimo a ser executado pelas empresas na fase exploratória (R$

55 milhões) para o setor SPAR-CN, conforme informado pela ANP na fl. 33 dos autos principais.