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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Promotoria de Justiça de São Miguel do Araguaia ACP - SANEAGO - SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA - Hidrômetro ACP -ilegalidade cobrança taxa instalação/manutenção/conservação hidrômetro EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA/GO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, com amparo nos artigos 37, caput, § 4º e 129, inciso III, ambos da Constituição Federal; no artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei nº. 8625/93; e, na Lei nº 7347/85, ajuíza a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR em face da SANEAMENTO DE GOIÁS S/A - SANEAGO, CNPJ n.° 01616929/0001-02, Sociedade de Economia Mista constituída da Lei Estadual 6680/67, que deverá ser citada na pessoa do seu Diretor-Presidente NICOMEDES DOMINGOS BORGES, na Avenida José Sebba, n.° 1.245, Jardim Goiás, Goiânia/GO, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas: I) SÍNTESE DOS FATOS Em virtude de diversos cidadãos terem procurado esta Promotoria de Justiça relatando que a SANEAGO, ora ré, estaria cobrando a instalação de hidrômetros junto aos consumidores do Município de São Miguel do Araguaia, o que, a primeira vista,

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSPromotoria de Justiça de São Miguel do Araguaia

ACP - SANEAGO - SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA - HidrômetroACP -ilegalidade cobrança taxa instalação/manutenção/conservação hidrômetro

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA/GO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS,

por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, com

amparo nos artigos 37, caput, § 4º e 129, inciso III, ambos da

Constituição Federal; no artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei nº.

8625/93; e, na Lei nº 7347/85, ajuíza a presente AÇÃO CIVIL

PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR em face da SANEAMENTO DE GOIÁS S/A -

SANEAGO, CNPJ n.° 01616929/0001-02, Sociedade de Economia

Mista constituída da Lei Estadual 6680/67, que deverá ser citada na

pessoa do seu Diretor-Presidente NICOMEDES DOMINGOS

BORGES, na Avenida José Sebba, n.° 1.245, Jardim Goiás,

Goiânia/GO, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

I) SÍNTESE DOS FATOS

Em virtude de diversos cidadãos terem procurado esta

Promotoria de Justiça relatando que a SANEAGO, ora ré, estaria

cobrando a instalação de hidrômetros junto aos consumidores do

Município de São Miguel do Araguaia, o que, a primeira vista,

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSPromotoria de Justiça de São Miguel do Araguaia

representa violação ao Código de Defesa do Consumidor, fez com

que este presentante oficiasse a empresa na busca de

esclarecimentos.

Em resposta a requisição formulada, no parecer n.°

107/2007, aduz a Procuradora Simone da Cunha Vilela que:

“O artigo 38 da Lei n° 14.939/2004, que instituiu o

Marco Regulatório da Prestação de Serviços de Abastecimento de

Água e Esgotamento Sanitário, prescreve que são direitos dos

prestadores dos serviços:

(...)

IV – cobrar tarifas pelos serviços prestados, nos termos

estabelecidos nesta Lei e nos contratos e instrumentos jurídicos

equivalentes, assim como outros preços previstos;

V – cobrar, além das tarifas, outros serviços e/ou

procedimentos efetivamente prestados aos usuários.

(grifo nosso)

Conforme dispositivos legais transcritos neste parecer,

os prestadores dos serviços têm o direito, de cobrar, além das

tarifas, outros serviços e/ou procedimentos prestados aos clientes.”

Além disso, a procuradora mencionada justificou a

cobrança da instalação hidrômetro transcrevendo o artigo 20, da

Resolução 289/2003 da AGR e o artigo 55, da Lei 14.939/2004, que

abaixo também transcrevemos:

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Art. 20, da Resolução 289/2003 – Para que as

solicitações de ligações definitivas possam ser atendidas,

o interessado deverá preparar as instalações de acordo

com os padrões da SANEAGO e efetuar o pagamento das

despesas decorrentes da ligação e, nos casos especiais,

autorização do órgão competente.

Art. 55, da Lei 14.939/2004 (Lei Estadual) – Para

atender aos usuários que não têm capacidade econômica

de pagar integralmente os custos dos serviços ou para

aqueles locais nos quais, em razão dos elevados custos

da prestação ou baixa capacidade de pagamento do

conjunto dos usuários, seja inviável a recuperação total

dos custos, o Poder Público instituirá mecanismos e

fontes de subsídios ou subvenções ao consumo ou para

investimentos.

Analisando as informações e a documentação acostada,

foi instaurado o Procedimento Preparatório para Inquérito Civil

Público para apurar a legalidade da cobrança da instalação de

hidrômetro, ocasião em que entendeu este presentante, nas

conclusões do presente inquérito, serem insuficientes os argumentos

utilizados pela ré para autorizar a cobrança da instalação de

hidrômetro e, por isso, ajuíza a presente Ação Civil Pública.

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II – FUNDAMENTOS JURÍDICOS

II. A) AÇÃO CIVIL PÚBLICA DEFESA DO CONSUMIDOR – NOÇÕES GERAIS – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Ação Civil Pública, ex vi do disposto no artigo 1º da

Lei nº 7347/85, como fator de mobilização social, é a via processual

adequada para impedir a ocorrência ou reprimir danos ao patrimônio

público, ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de

valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico,

protegendo, assim, os interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos da sociedade, sendo que, diante de sua magnitude e

excelência, mereceu assento constitucional, como se extrai do artigo

129, inciso III, da Constituição da República Federativa brasileira.

Não restam dúvidas, portanto, de que o dano aos

consumidores é um interesse de dimensão difusa, o que autoriza

sua tutela processual por intermédio da ação civil pública.

Nesse contexto, em razão de sua destacada atuação,

desde 1985, no ajuizamento de ações civis públicas, o MINISTÉRIO

PÚBLICO aparece, hoje, como autêntico representante da sociedade

brasileira na defesa de seus interesses transindividuais, dentre eles

o de conservar o de proteger os consumidores.

Por isso, a Constituição Federal, através de seu artigo

127 c/c os artigos 1° e 5° da Lei 7.347, consagraram

definitivamente a legitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO para a

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defesa de interesses transindividuais, sejam eles coletivos, difusos

ou, ainda, os tidos por direitos ou interesses individuais homogêneos

tratados coletivamente.

Com essa linha de entendimento, farta é a

jurisprudência proveniente dos Tribunais, inclusive do SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL e SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

reconhecendo a legitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO para

interpor ações de civis publicas com o fito de defender os direitos

difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. A

propósito, veja-se:

(STF-014693) MINISTÉRIO PÚBLICO. Legitimidade para propor ação civil pública quando se trata de direitos individuais homogêneos em que seus titulares se encontram na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. É indiferente a espécie de contrato firmado, bastando que seja uma relação de consumo. Precedentes. (Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 424048/SC, 1ª Turma do STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. j. 25.10.2005, DJU 25.11.2005). (escurecemos e grifamos)

STJ-174337) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA (CF, ART. 129, III, E LEI 8.078/90, ARTS, 81 E 82, I). CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. RODOVIA. EXIGÊNCIA DE TARIFA (PEDÁGIO) PELA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONCEDIDO QUE PRESCINDE, SALVO EXPRESSA DETERMINAÇÃO LEGAL, DA EXISTÊNCIA DE IGUAL SERVIÇO PRESTADO GRATUITAMENTE PELO PODER PÚBLICO. 1. O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos

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de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos, nomeadamente de serviços públicos, quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. Aplicação dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, e 81 e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor. 2. A Constituição Federal autorizou a cobrança de pedágio em rodovias conservadas pelo Poder Público, inobstante a limitação de tráfego que tal cobrança acarreta. Nos termos do seu art. 150: "... é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público". Assim, a contrapartida de oferecimento de via alternativa gratuita como condição para a cobrança daquela tarifa não pode ser considerada exigência constitucional. 3. A exigência, ademais, não está prevista em lei ordinária, nomeadamente na Lei 8.987/95, que regulamenta a concessão e permissão de serviços públicos. Pelo contrário, nos termos do seu art. 9º, parágrafo primeiro, introduzido pela Lei 9.648/98, "a tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário." 4. Recurso especial do Estado do Paraná conhecido em parte e improvido; recurso especial de VIAPAR S/A conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido; recursos especiais do DNER e da União conhecidos em parte e, nessa parte, providos; e recurso especial do DER conhecido e provido. (Recurso Especial nº 417804/PR (2002/0018047-0), 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki. j. 19.04.2005, unânime, DJ 16.05.2005). (escurecemos e grifamos)

Nota-se que a presente ação tutela não um único

consumidor, mas todos os consumidores do Município de São Miguel

do Araguaia, bem como do Município de Mundo Novo, que faz parte

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da presente comarca. Isso porque, como confessado pela empresa

ré, na sua resposta, tal prática é rotineira em suas ações, atingindo

todos os usuários/consumidores dos municípios que compõem a

comarca, ou melhor, todo Estado de Goiás.

Em resumo, vem o Ministério Público, pela presente,

defender direito difuso, de toda população da Comarca de São

Miguel do Araguaia, possivelmente atingida pela cobrança abusiva

de instalação de hidrômetro.

Fixadas estas balizas, impende observar que a

Constituição Federal de 1988 conferiu ao Parquet o status de

guardião da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis, sendo que, no afã de

instrumentalizar o ombudsman com mecanismos idôneos para a

consecução de suas finalidades institucionais, estabeleceu

expressamente dentre suas funções a de promover o inquérito civil e

a ação civil pública (artigo 129, inciso III).

Nas pegadas da orientação dada pela Magna Carta,

diversas leis foram chancelando ao MINISTÉRIO PÚBLICO a iniciativa

da ação civil pública, como parte pública legitimada ativamente à

defesa do interesse público (em sentido lato)1.

1 Verbi gratia: a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85), o Código de Defesa

do Consumidor (Lei nº 8078/90) e o Estatuto do Ministério Público (Lei nº

8625/93.

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Dessarte, verifica-se que não apenas a Carta de 1988 e

as leis federais, mas também a jurisprudência, deixam consolidado

que o MINISTÉRIO PÚBLICO tem legitimidade ativa para a

propositura da ação civil pública para a defesa dos consumidores em

juízo.

Gizadas estas asserções, insta finalizar este item

evidenciando que a conformação institucional do MINISTÉRIO

PÚBLICO brasileiro, delineada pelo artigo 127 da Carta Republicana,

indica que o Poder Constituinte Originário, expressão suprema da

Cidadania, engendrou uma instituição nos moldes do ombudsman

dos países nórdicos, ao qual compete a “defesa do povo” contra as

agressões à eficácia vertical dos direitos fundamentais, além de

combater a improbidade, a corrupção e a criminalidade.

Em resumo, patente é a legitimidade do Ministério

Público para aforar a presente ação.

III. B) DAS JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PELA SANEAGO QUE AUTORIZAM A

COBRANÇA DA INSTALAÇÃO DO HIDRÔMETRO

As justificativas apresentadas pela Procuradora da

empresa ré não se mostram suficientes para autorizar a cobrança

que rechaçamos de abusiva. Para embasar a cobrança citou alguns

dispositivos, que transcrevemos em sua integralidade, porém

imprestáveis para tal desiderato.

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Antes de apresentarmos outros argumentos que

rechaçam a cobrança, iremos rebater o afirmado pela SANEAGO.

Comecemos com o artigo 55 da Lei Estadual 14.939/2004. Este

dispositivo não pode servir de argumento para autorizar a cobrança

de instalação de hidrômetro. A SANEAGO por manter relação de

natureza privada com o consumidor não é quem institui os subsídios

referidos no dispositivo. Nesse sentido, a Jurisprudência:

(STJ-205134) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE

RELIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. PAGAMENTO A

EMPRESA CONCESSIONÁRIA SOB A MODALIDADE DE

TARIFA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. 1.

A União Federal é parte ilegítima para figurar no pólo

passivo das ações que versam sobre cobrança de serviço

de religação de energia elétrica por parte de

concessionária de serviços públicos, uma vez que trata-se

de tarifa que não beneficia a União. 2. A relação

jurídica do serviço público prestado por

concessionária tem natureza de direito privado,

pois o pagamento é feito sob a modalidade de

tarifa, e não estando os serviços jungidos às

relações de natureza tributária, mas, ao contrário,

encontrando disciplina também no Código de

Defesa do Consumidor, inexiste empecilho à defesa dos

usuários via ação civil pública, cuja legitimação encontra

na figura do Ministério Público um representante por lei

autorizado. 3. A jurisprudência do STJ firmou-se no

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sentido de que instruções normativas não se enquadram

no conceito de "Lei Federal" do artigo 105, inciso III, da

Constituição Federal, ainda que tenham caráter

normativo. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e

improvido. (Recurso Especial nº 591916/MT

(2003/0164487-9), 2ª Turma do STJ, Rel. João Otávio de

Noronha. j. 27.02.2007, unânime, DJ 16.03.2007).

É verdade que a SANEAGO pertence ao Estado de

Goiás, sendo uma sociedade de economia mista. Contudo, como

acima aludido, a relação jurídica do serviço público prestado

por concessionária tem natureza de direito privado,

regulando-se pelo Código de Defesa do Consumidor. E este, só pode

pagar pelo que consome, nos termos da Lei.

O que nesse campo do saneamento básico é autorizado

pela Lei n.° 11.445/2007, no artigo 30, é a definição de categoria de

usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de

utilização ou consumo. Ou seja, a tarifa a ser cobrada depende do

consumo do usuário. Aqueles que consomem menos pagam menos

pela tarifa. Já os que consomem mais pagam uma tarifa maior. Isso

ocorre, como afirma a doutrina (Carvalho Filho, José dos Santos:

Manual de Direito Administrativo, 15ª ed., Ed. Lumen Juris, 2007, p.

331), em razão das diretrizes estabelecidas para a política adotada

para prestação dos serviços de saneamento básico, em que, além

dos usuários, deve ser considerado o próprio serviço a ser prestado.

Mesmo assim, esta política tarifária deve seguir o balizado pelo

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Poder Público. É o que mais ou menos acontece com a energia

elétrica também.

Em resumo, a SANEAGO não tem o direito, nem poder,

de se colocar no lugar do próprio Estado. Cabe a este as

providências previstas no dispositivo citado, e não àquela. Tudo que

for feito pela SANEAGO deve estar respaldado em Lei.

Quanto ao artigo 20, da Resolução 289/2003,

inicialmente, aduzimos que é uma resolução e não uma Lei. E

mesmo assim, aquela não pode ser interpretada de forma isolada.

Tem que ser feito conjuntamente, seguindo a diretriz maior prevista

na Lei 11.445/2007. No mais, uma coisa é a ligação da instalação

com a rede da SANEAGO, e outra, completamente diferente, é a

instalação/manutenção/conservação do hidrômetro. Tanto isso é

verdade que em inúmeras residências espalhadas por todo

Estado de Goiás existem a ligação com a rede da SANEAGO,

mas não há medição via hidrômetro. Nesses casos, a cobrança

se faz por um valor mínimo estipulado.

Quanto ao inciso V, do artigo 38, da Lei Estadual

14.939/2004, iremos abordá-lo quando do estudo da Lei

11.445/2007, pois o entendimento desse dispositivo passa,

necessariamente, pela Lei Federal em tela.

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Cabe aqui ainda salientar que mais a frente será

comentado a regra do artigo 40, inciso III, da Lei 11.445/2007, que

só reforça o aludido sobre o artigo 20, da Resolução 289/2003.

III. C) OBSERVAÇÕES SOBRE A LEI 11.445/2007

De acordo com o artigo 3°, inciso I, alínea “a”, da Lei

11.445/2007, considera-se saneamento básico o conjunto de

serviços, infra-estruturas e instalações de:

a) Abastecimento de água potável: constituído pelas

atividades, infra-estruturas e instalações necessárias

ao abastecimento público de água potável, desde a

captação até as ligações prediais e respectivos

instrumentos de medição.

b) Esgotamento sanitário: constituído pelas atividades,

infra-estruturas e instalações operacionais de coleta,

transporte, tratamento e disposição final adequados

dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o

seu lançamento final no meio ambiente.

Ora, de acordo com a norma acima escrita o serviço

de abastecimento de água potável ocorre desde a captação até

as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição,

cabendo a concessionária prestá-lo em sua integralidade. É um

serviço único. E para remunerar este serviço cabe ao usuário o

pagamento de uma tarifa.

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Esse entendimento esposado é confirmado pelo

artigo 29, inciso I, da Lei 11.445/2007:

Artigo 29 – Os serviços públicos de saneamento

básico terão a sustentabilidade econômico-financeira

assegurada, sempre que possível, mediante remuneração pela

cobrança dos serviços:

I – de abastecimento de água e esgotamento

sanitário: preferencialmente na forma de tarifas e outros

preços públicos, que poderão ser estabelecidos para cada um

dos serviços ou para ambos conjuntamente.

O que se entende do dispositivo é que é possível

uma cobrança única, englobando tanto o serviço

abastecimento de água e esgotamento sanitário, ou uma

cobrança em separado, isto é, uma só para o abastecimento e

outra só para o esgotamento.

Saliente-se que essa cobrança em separado é muito

comum em Goiás. Na imensa maioria das residências de São

Miguel do Araguaia e de Mundo Novo não há esgotamento

sanitário. Daí não pode a concessionária cobrar o esgotamento.

Por isso, é cindido o pagamento. Mas, quando ele existe, sobre

o valor do serviço abastecimento se cobra 80% para custear o

esgotamento. Essa é a cisão permitida.

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O que a SANEAGO pretende com a referida cobrança

é, de forma indevida, cindir algo que deve ser remunerado, em

regra, de forma única. Aqui entra o inciso V, do artigo 38, da

Lei Estadual 14.939/2004. Segundo a ré, este artigo

autorizaria a cobrança de outro serviço e/ou procedimento

prestado ao usuário. Acontece que não se pode fazer essa

interpretação do dispositivo, pura e simples, sem levar em

consideração todo ordenamento jurídico, notadamente a Lei

11.445/2007 e o Código de Defesa do Consumidor.

Como se sabe, é direito do consumidor pagar pelo

que realmente consumiu, sendo dever do fornecedor cobrar o

efetivamente consumido. E dessa forma, é preciso não

distorcer o fato.

O que se quer afirmar é que instalação de

hidrômetro faz parte da prestação do serviço abastecimento de

água, porque é o modo pelo qual o fornecedor se desincumbe

do dever de cobrar do consumidor aquilo que ele realmente

consumiu.

Tanto isso é verdade que se o fornecedor cobrar além

do devido, segundo as regras insculpidas no parágrafo único, do

artigo 42, da Lei 8.078/90, o consumidor “tem direito à repetição do

indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso,

acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de

engano justificável”.

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Hoje, a melhor forma de auferir o consumo é através

do hidrômetro. Nada impede que no futuro seja criado outro

mecanismo mais eficaz, a exemplo do que aconteceu com o serviço

de telefonia fixa, que pode ser medido por pulso ou minuto. O que

cabe ao fornecedor é cobrar do consumidor exatamente o que ele

consumiu. Isso vale dizer, engloba algo maior, previsto tanto no

CDC, como na Lei 8987/95, relacionado ao direito de informação, do

consumidor/usuário.

Em resumo o que se deseja mostrar é que quando

se paga a fatura da água, nesta, ou melhor, no valor da fatura,

estão inclusas todas as despesas, bem como os lucros, que são

auferidos pela concessionária, desde a captação até as ligações

prediais e respectivos instrumentos de medição. Autorizar a

empresa ré a continuar cobrando algo que já está incluso na

tarifa paga pelo consumidor representa enriquecimento sem

causa, vedado por nosso ordenamento jurídico.

Interessante se faz notar o artigo 40, inciso III, da

Lei 11.445/2007. Vejamo-lo:

Artigo 40. Os serviços poderão ser interrompidos

pelo prestador nas seguintes hipóteses:

(...)

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III – negativa do usuário em permitir a instalação

de dispositivo de leitura de água consumida, após

ter sido previamente notificado a respeito.

Esse dispositivo legal só comprova que o encargo

financeiro da instalação do hidrômetro tem que ficar a cargo da

concessionária e não do consumidor. Este, sequer pode recusar

a instalação. Isso porque é um direito/dever do fornecedor

auferir quanto foi gasto do consumidor, até porque também é

direito do consumidor só pagar pelo que consumiu.

Contudo, se é um direito/dever do fornecedor

instalar hidrômetro, é incongruente cobrar do consumidor a

instalação. Isso porque, além de não ter o direito de recusar a

instalação, ainda caberia o consumidor o pagamento da

mesma. Em resumo, cobrar a instalação de hidrômetro do

consumidor é violar o princípio da

proporcionalidade/razoabilidade, bem como o princípio da

eqüidade, e ainda as normas protetivas previstas no Código de

Defesa do Consumidor.

Em se percorrendo a ordem natural das coisas,

seria somente o fornecimento da água tratada ao consumidor o

serviço pretendido. É disso que necessita o usuário. O

hidrômetro, como se nota pelo artigo 40, é mais um dever da

concessionária do que do usuário/consumidor. Este, como

asseverado, tem o direito de pagar o que consumiu, sendo

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dever da concessionária cobrar o valor correto. Daí a

necessidade de se instalar o hidrômetro, para aquela se

desincumbir do seu dever.

Quando a Lei inclui “instrumentos de medição”

como parte do serviço de abastecimento de água, já o incluiu

no valor da tarifa. Essa é justificativa utilizada para se

aumentar, inclusive, o valor da tarifa, pois se aduz que a

concessionária necessita se ressarcir do valor desprendido com

a instalação dos instrumentos de medição. Agora, em se

mantendo essa cobrança o consumidor/usuário paga duas

vezes o mesmo serviço, na medida em que já o faz quando

paga a tarifa.

É bom que se diga, até levando em conta um dos

princípios basilares previstos no artigo 47, do CDC, em que as

cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais

favorável ao consumidor, a interpretação acima é a única em

consonância com a Constituição Federal (artigo 170, V c/c o

parágrafo único, incisos II e III, do artigo 175) e com o Código

de Defesa do Consumidor.

Ressalte-se que a própria Jurisprudência já se

manifestou sobre a quem cabe prover as despesas com a

instalação, manutenção e conservação dos hidrômetros. E, de

acordo com a mesma, cabe a concessionária.

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(TJRJ-040721) AÇÃO REVISIONAL DE DÉBITO - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - FORNECIMENTO DE ÁGUA - DEFEITO NA INSTALAÇÃO DO HIDRÔMETRO - RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA - COBRANÇA PELA TARIFA MÍNIMA. A prestação do serviço essencial de fornecimento de água está submetida às regras do Código de Defesa do Consumidor, sendo da responsabilidade da Concessionária os prejuízos decorrentes dos defeitos no serviço de instalação do hidrômetro. Havendo falha no serviço de instalação do medidor de fornecimento de água, ocasionando medições fictícias, o consumo deve ser cobrado com base na tarifa mínima. Improvimento do recurso. (Apelação Cível nº 200500112960, 10ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Des. José Geraldo Antônio. j. 06.09.2005).

(TJRJ-038884) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS PROCESSUAL

CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO ORDINÁRIA DE

REVISÃO DE DÉBITO C/C ANULAÇÃO DE ACORDO.

DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA A MEDIDA CAUTELAR.

AÇÃO CONSIGNATÓRIA DISTRIBUÍDA POR DEPENDÊNCIA

AO PROCESSO PRINCIPAL. CEDAE. FORNECIMENTO DE

ÁGUA. ALEGAÇÃO DE DEFEITO NO HIDRÔMETRO.

Concluiu o perito técnico que o aparelho instalado no

condomínio apresentava defeitos que comprometeram o

seu regular funcionamento, acarretando aumento

excessivo do consumo. O vínculo obrigacional

estabelecido com base no serviço de água configura

uma relação de consumo, eis que presentes as

características estabelecidas no Código de Defesa

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do Consumidor. A cobrança de tarifa de água se faz

por medição, quando há hidrômetro instalado no

imóvel, sendo responsabilidade da concessionária

sua manutenção e conservação. Correta a sentença ao

determinar que a empresa fornecedora revisse os valores

cobrados, na forma do art. 108 do Decreto 553/76, ante

a verificação de discrepante diferença na média mensal

registrada anteriormente, assim como o restabelecimento

do fornecimento de água. Pedido consignatório que

merece julgado procedente, tendo em vista que o valor

do débito depende de liquidação por arbitramento, não

podendo antes disso decidir o ilustre sentenciante pela

insuficiência do depósito. Desprovimento do primeiro

recurso. Provimento do segundo. (Apelação Cível nº

2004.001.17869, 15ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Des.

José Pimentel Marques. j. 02.03.2005).

Como ficou esclarecido, a cobrança da instalação de

hidrômetro aos consumidores da Comarca de São Miguel do

Araguaia é uma violação as regras previstas na Constituição Federal,

no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 11.445/2007, pois

representa uma dupla oneração ao consumidor/usuário, que acaba

por pagar 2 (duas) vezes um mesmo serviço, que teria que ser pago

só pela tarifa referente ao abastecimento de água.

Feitas essas considerações, entende o Ministério

Público que a interferência do Poder Judiciário é imperiosa, do

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contrário, continuamente, o consumidor/usuário será lesado no

seu direito de pagar o realmente devido.

III.D) DA NULIDADE DO ITEM 4.3 DO CONTRATO DE

ADESÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

De acordo com o item 4.3 do Contrato de Adesão

firmado entre a ré e os consumidores/usuários do serviço

público, este últimos devem: “Guardar e conservar, na

condição de fiel depositário, o padrão de ligação de Água, o

hidrômetro e outros dispositivos da SANEAGO”.

(escurecemos e grifamos)

Ora, é imperioso perceber o absurdo jurídico acima

transcrito. Em se interpretando a cláusula acima, combinada

com a exigência de que o custo da instalação do hidrômetro

fique por conta do consumidor/usuário, observa-se o seguinte:

o consumidor fará uma doação a SANEAGO de um

hidrômetro e ainda será obrigado a ser fiel depositário

da mesma.

Com o perdão do termo, isto é uma excrescência,

tamanho o abuso perpetrado pela ré. Fere de morte o princípio

da razoabilidade e o direito do usuário do serviço.

Entende o Ministério Público que isso representa um

constrangimento ilegal por parte da ré, na medida em que ela

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obriga o consumidor a lhe “doar” um hidrômetro e, pior, ainda

transforma o doador em seu fiel depositário, pois, se este

“danificar” o mesmo ainda pode sofrer penalidades.

De acordo com o artigo 538, do Código Civil,

“considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por

liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens

para o de outra”. (escurecemos e grifamos)

Dois são os elementos peculiares à doação: a) o

animus donandi (elemento subjetivo), que é a intenção de

praticar uma liberalidade; e, b) a transferência de bens,

acarretando a diminuição do patrimônio do doador (elemento

objetivo).

Compulsando o presente contexto, inexiste a

vontade do consumidor de praticar tal liberalidade em favor da

ré. O que existe é uma injusta imposição, na qual se aproveita

da condição de única fornecedora do serviço para cobrar de

forma abusiva uma “doação” do aparelho de medição.

Não há dúvidas que essa cláusula combinada com a

prática da cobrança da instalação do hidrômetro pela ré, é nula

de pleno direito. Nesse contexto, aduz o artigo 51, do Código

de Defesa do Consumidor que são nulas de pleno direito as

cláusulas contratuais que “(...) IV – estabeleçam obrigações

consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o

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consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam

incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

(escurecemos)

Ademais, como acima esclarecemos, a

responsabilidade pela instalação/manutenção/conservação

do hidrômetro pertence à ré. Nesse sentido está o farto

repositório de Jurisprudência já citado, ao qual nos

reportamos, pois só faz corroborar o argumentos acerca da

nulidade da presente cláusula do contrato de adesão que segue

anexo a esta exordial.

In casu, essa cláusula certamente é abusiva e por

isso, merece ser declarada nula. Por isso, atendendo ao

consumidor Alkemar de Melo Ferreira que procurou esta

Promotoria de Justiça, no dia 15 de agosto de 2007

(declaração em anexo), para relatar o abuso cometido pela ré,

com fulcro no §4°, do artigo 51, do Código de Defesa do

Consumidor, é medida que se impõe a declaração de nulidade

da cláusula aludida, pois além de ser abusiva, não assegura o

justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes, na

medida em coloca o consumidor/usuário em desvantagem

exagerada perante a ré.

III. E) DA RESTITUIÇÃO DO VALOR COBRADO

INDEVIDAMENTE

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Conforme o artigo 42, parágrafo único, do CDC, o

valor cobrado indevidamente do consumidor deve ser

restituído em dobro, com juros e correção monetária. Nesse

sentido, certamente, antes de se ajuizar este feito, diversos

consumidores já pagaram, e alguns, estão pagando em

parcelas a referida instalação.

Segundo a Procuradora da ré, foi utilizada como

base para elaborar a tabela em anexo a Lei 14.939/2004, no

seu artigo 38, que já demonstramos não ter a validade

preconizada.

Isto posto, os consumidores que a partir de 15 de

setembro de 2004, em que foi publicada a Lei supracitada, até

a data de julgamento da presente, que indevidamente

pagaram pelo “serviço” questionado, têm direito de se utilizar

do transporte da coisa julgada, preconizado no artigo 103, §3°,

do CDC, para promover à liquidação e à execução do valor

indevidamente pago e usado para enriquecer ilicitamente a

empresa ré.

Desse modo, além de se impedir a cobrança é

necessário possibilitar aos consumidores a restituição do valor

cobrado e pago, em arrepio ao ordenamento pátrio.

III.F) DO DANO MORAL COLETIVO

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Uma vez que a cobrança da instalação de hidrômetro aos

consumidores, não só aos da Comarca de São Miguel do Araguaia,

como também de todo o Estado de Goiás, está sendo realizada

desde 15 de setembro de 2004, ao arrepio da legislação

consumerista, inclusive confessado pela empresa ré, conduta esta

que lesou uma infinidade de consumidores/usuários, é indene de

dúvidas que tal situação ocasionou uma lesão ao direito difuso de

todos os consumidores/usuários do serviço público prestado.

Pela lesão causada a interesse ou direito difuso e coletivo,

o sujeito passivo da ação civil pública poderá ser condenado ao

pagamento de uma determinada quantia em dinheiro a título de

indenização pelos danos coletivos causados, sem prejuízo da multa

pelo eventual descumprimento.

Com se vê, há duas hipóteses de incidência da

condenação pecuniária em questão.

Os valores da condenação em pecúnia para o

ressarcimento dos danos causados aos interesses difusos ou

coletivos (cobrança por mais de três anos de diversos consumidores

para que seja instalado hidrômetro, ao arrepio da legislação

consumerista) e aqueles relativos à multa que será estabelecida em

caso de inadimplemento das obrigações de fazer ou não fazer que a

seguir serão pleiteadas.

Como ensina Carlos Alberto Bittar Filho:

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“(...) O DANO MORAL COLETIVO É A INJUSTA LESÃO

DA ESFERA MORAL DE UMA DADA COMUNIDADE, OU

SEJA, É A VIOLAÇÃO ANTIJURÍDICA DE UM

DETERMINADO CÍRCULO DE VALORES COLETIVOS.

Quando se fala em dano moral coletivo, está-se

fazendo menção ao fato de que o patrimônio

valorativo de uma certa comunidade (maior ou

menor), idealmente considerado, foi agredido de

maneira absolutamente injustificável do ponto de

vista jurídico: quer isso dizer, em última instância,

que se feriu a própria cultura, em seu aspecto

imaterial.”2

Em abalizado comentário, aduz Luis Gustavo Grandinetti

Castanho De Carvalho: “O Direito se preocupou durante séculos com

os conflitos intersubjetivos. A sociedade de massas, a complexidade

das relações econômicas e sociais, a percepção da existência de

outros bens jurídicos vitais para a existência humana, deslocaram a

preocupação jurídica do setor privado para o setor público; do

interesse individual para o interesse difuso ou coletivo; do dano

individual para o dano difuso ou coletivo. Se o dano individual

ocupou tanto e tão profundamente o Direito, o que dizer do dano

2 “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT. Vale destacar, ainda, a manifestação de André de Carvalho Ramos que, ao analisar o dano moral coletivo, assim dissertou: “(...) é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera. (“A ação civil pública e o dano moral coletivo”, Revista de Direito do Consumidor, vol. 25- Ed. RT, p. 83). Continua o citado autor, dizendo: “Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo” (idem, ibidem).

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que atinge um número considerável de pessoas? É natural que o

Direito se volte, agora, para elucidar as intrincadas relações

coletivas e difusas e especialmente à reparação de um dano que

tenha esse caráter” (Responsabilidade por dano não-patrimonial a

interesse difuso: dano moral coletivo, p. 29).

Xisto Tiago de Medeiros Neto, procurador do Ministério

Público do Trabalho, leciona que Assim, há de se ressaltar que, no

tempo atual, tornou-se necessária e significativa para a ordem e a

harmonia social, a reação do Direito em face de situações em que

determinadas condutas vêm a configurar lesão a interesses: 1)

juridicamente protegidos; 2) de caráter extrapatrimonial; 3)

titularizados por uma determinada coletividade. Ou seja: adquiriu

relevo jurídico, no âmbito da responsabilidade civil, a reparação do

dano moral coletivo (em sentido lato) (Revista do Ministério Público

do Trabalho n.° 24, ano 2002, pág. 79).

André de Carvalho Ramos, captando esse aspecto,

registra que o entendimento jurisprudencial de aceitação do dano

moral em relação a pessoas jurídicas, “é o primeiro passo para que

se aceite a reparabilidade do dano moral em face de uma

coletividade”. E ainda acresce: “o ponto chave para a aceitação do

chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito,

deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que

seria exclusividade de pessoas físicas” (A ação civil pública e o dano

moral coletivo. In: Revista de Direito do Consumidor, n. 25/98, p.

82).

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Rogério Tadeu Romano, Procurador da República, em

artigo disponível na internet, considera ”perfeitamente aceitável a

reparabilidade do dano moral em face da coletividade, que apesar

de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio

ideal a ser receber proteção do Direito. Ora, se aceita-se a

reparabilidade do dano moral em face das pessoas jurídicas, quanto

a honra objetiva, a fortiori, deverá ser aceita tal tese em face da

coletividade”.

Xisto doutrina de forma conclusiva que “Resta evidente,

com efeito, que, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a

interesse moral (ressalte-se, extrapatrimonial) de uma coletividade,

configurar-se-á dano passível de reparação, tendo em vista o abalo,

o sentimento negativo, a desalentadora indignação, ou a diminuição

da estima, infligida e apreendida em dimensão coletiva. Nesse

passo, é imperioso que se apresente o dano como injusto,

usurpando a esfera jurídica da coletividade em detrimento dos

valores fundamentais do seu acervo” (Revista do Ministério Público

do Trabalho, n.° 24, ano 2002, pág. 84).

E, segundo destaca Gabriel A. Stiglitz, citado por Xisto os

danos morais coletivos devem ser indenizados na medida em que

“produzcan verdaderos sufrimientos, incomodidades o alteraciones

ponderables en el orden extrapatrimonial y en tanto las inevitables

secuelas psíquicas y espirituales que sobrevengan de esas

agresiones”.(24) Arremata, ainda, o jurista argentino: La disciplina

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de la responsabilidad civil debe tender prioritariamente a la

prevención y cesación de los perjuicios colectivos, en uma actitud

dinámica acorde con el imperativo de eficacia del derecho y guiada

por el propósito último — sustentado en principios de justicia y

solidaridad social — de mantener a la colectividad a resguardo de

padecimientos, intraquilidades y angustias generalizadas,

resultantes de una actividad o conductas desequilibrantes de la

pacífica convivencia comunitaria. Elenca-se, por fim, os seguintes

elementos que caracterizam o dano moral coletivo e revelam o seu

conceito:

• a conduta antijurídica do agente, que poderá ser uma

pessoa (física ou jurídica);

• a ofensa a valores extrapatrimoniais essenciais,

identificados no caso concreto, reconhecidos e inequivocamente

compartilhados por uma determinada coletividade (titular de

interesses morais protegidos pela ordem jurídica);

• a certeza do dano causado, correspondente aos efeitos

que, ipso facto, emergem coletivamente, traduzidos pela sensação

de desvalor, de indignação, de menosprezo, de inferioridade, de

descrédito, de desesperança, de aflição, de humilhação, de angústia

ou respeitante a qualquer outro sentimento de apreciável conteúdo

negativo;

• o nexo causal observado entre a conduta ofensiva e a

lesão socialmente repudiada (Revista do MPT, n.° 24, ano 2002,

pág. 85).

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A partir da Constituição da República de 1988,

descortinou-se um novo horizonte quanto à tutela dos danos morais

(particularmente no que tange à sua feição coletiva), face à adoção

do princípio basilar da reparação integral (art. 5º, V e X) e diante do

direcionamento do amparo jurídico à esfera dos interesses

transindividuais, valorizando-se, pois, destacadamente, os direitos

de tal natureza (a exemplo dos artigos 6º, 7º, 194, 196, 205, 215,

220, 225 e 227)(45) e os instrumentos para a sua proteção (art. 5º,

LXX e LXXIII, e art. 129, III).

Com isso, a tutela do dano moral coletivo passou a ter,

explícita e indiscutivelmente, fundamento de validade constitucional.

Destaque-se, por oportuno, a ampliação do objeto da ação popular

manejada pelo cidadão, que, em decorrência do referido artigo 5º,

LXXIII, da Lei Maior, passou a visar a anulação de ato lesivo (e a

conseqüente reparação por perdas e danos — art. 11 da Lei n.

4.717/65) ao patrimônio público e também à moralidade

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e

cultural. Daí a pertinência dessa ação no campo do dano moral

coletivo, conforme destacado por Carlos Alberto Bittar Filho, ao citar

Hely Lopes Meirelles:

“Embora os casos mais freqüentes de lesão se refiram ao

dano pecuniário, a lesividade a que alude o texto

constitucional tanto abrange o patrimônio material quanto

o moral, o estético, o espiritual, o histórico. Na verdade,

tanto é lesiva ao patrimônio público a alienação de um

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imóvel por preço vil, realizada por favoritismo, quanto a

destruição de um recanto ou de objetos sem valor

econômico, mas de alto valor histórico, cultural, ecológico

ou artístico para a coletividade local” (pág. 59).

Ainda dentro do enfoque constitucional, vê-se que o

artigo 129, inciso III, ao conferir legitimação qualificada ao

Ministério Público para o manuseio da ação civil pública, também

abriu o leque do seu objeto para qualquer interesse difuso e

coletivo, além daqueles referentes ao patrimônio público e social e

ao meio ambiente. Assim, a ação civil pública tornou-se instrumento

de alçada constitucional apto a ser utilizado pelo parquet na busca

da proteção irrestrita de todo interesse de natureza transindividual,

inclusive os de caráter moral. E por força do § 1º do mesmo artigo

129 da Lei Maior, também foram legitimados para este fim os entes

arrolados no artigo 5º (caput e incisos I e II) da Lei da Ação Civil

Pública (Lei n. 7.347/85).

Frise-se, também, que sob a égide do regime

constitucional passado, quando do surgimento da Lei da Ação Civil

Pública (Lei n. 7.347/85), o respectivo artigo 1º limitava o seu uso

somente nas hipóteses de lesão ao meio ambiente, ao consumidor e

ao patrimônio cultural, além de não fazer referência específica ao

dano moral, utilizando o termo dano, sem qualificativo.

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Com efeito, a redação original, em seu caput, previa:

“Art. 1º Regem- se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação

popular, as ações de responsabilidade por danos causados: (...).”

A possibilidade jurídica do pedido de indenização por dano

moral coletivo decorre de expresso dispositivo legal: o art. 1º,

caput, da Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal n° 7.347/85):

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem

prejuízo da ação popular, AS AÇÕES DE

RESPONSABILIDADE POR DANOS MORAIS e

patrimoniais causados (...) A QUALQUER outro

INTERESSE DIFUSO OU COLETIVO.

Xisto arremata a exposição da configuração do dano

moral coletivo com as seguintes ponderações:

“Na atualidade, a ação impositiva, por meio dos

mecanismos e órgãos competentes, objetivando a

efetivação dos direitos, em prol dos indivíduos e da

coletividade, é o que dá concretude à idéia de cidadania.

Em muito maior dimensão isso ocorrerá quando tratar-se

de valores fundamentais, status reconhecido

constitucionalmente aos direitos ou interesses coletivos,

materiais ou morais.

Sem dúvida, a evolução do regime da responsabilidade

civil, tendo por norte o equilíbrio e o desenvolvimento

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sociais, possibilitou a devida proteção em face de danos

infligidos aos valores morais reconhecidos a coletividades

de pessoas, fruto da ampla projeção que adquiriu o

conceito de dignidade humana.

A ordem jurídica, assim, considera ser a coletividade

titular de direitos ou interesses extrapatrimoniais, os

quais são passíveis de tutela por meio do sistema

processual apto a essa finalidade, definidor da chamada

jurisdição civil coletiva, cujos fundamentos principais

encontram-se gizados na Carta Constitucional de 1988

(art. 5º, XXXV e LV, e art. 129, III e § 1º), ordenando-se

instrumentalmente com a interação das normas da Lei da

Ação Civil Pública (art. 21) e da parte processual do

Código de Defesa do Consumidor (arts. 90 e 117).

Não se há de duvidar, enfim, que, no tempo presente, o

reconhecimento e a efetiva reparação dos danos morais

coletivos — na medida em que sanciona o ofensor

(desestimulando novas lesões) e compensa os efeitos

negativos decorrentes do desrespeito aos bens mais

elevados do agrupamento social — constitui uma das

formas de alicerçar o ideal de um Estado Democrático de

Direito (ob. cit.pág. 109).

Ressalte-se que, para fins de indenização por danos

morais, é suficiente a demonstração do fato que deu origem ao

dano, o que pensamos já ter feito nesta inicial:

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“Indenização de direito comum. Dano moral. Prova.

Juros moratórios. Súmula n.º 54 desta Corte. 1 – Não

há que falar em prova do dano moral, mas, sim,

na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento,

sentimentos íntimos que o ensejam. Provado

assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena

de violação ao art. 334 do Código de Processo

Civil. 2 – Na forma da Súmula n.º 54 da Corte, os

juros moratórios nestes casos contam-se da data do

evento. 3 - Recurso especial conhecido e provido, em

parte.”3

O VALOR DEVIDO a título de indenização pelos

danos morais coletivos, observa Carlos Alberto Bittar,

“(...) deve traduzir-se em MONTANTE QUE

REPRESENTE ADVERTÊNCIA AO LESANTE E À

SOCIEDADE DE QUE SE NÃO SE ACEITA O

COMPORTAMENTO ASSUMIDO, OU O EVENTO

LESIVO ADVINDO. Consubstancia-se, portanto, em

IMPORTÂNCIA COMPATÍVEL COM O VULTO DOS

INTERESSES EM CONFLITO, REFLETINDO-SE DE

MODO EXPRESSIVO, NO PATRIMÔNIO DO

LESANTE, A FIM DE QUE SINTA, EFETIVAMENTE,

A RESPOSTA DA ORDEM JURÍDICA AOS EFEITOS

DO RESULTADO LESIVO PRODUZIDO. DEVE,

3 STJ - RESP n.º 86.271 – SP – 3ª Turma - Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJ 09/12/97.

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POIS, SER QUANTIA ECONOMICAMENTE

SIGNIFICATIVA, EM RAZÃO DAS

POTENCIALIDADES DO PATRIMÔNIO DO

LESANTE. Coaduna-se essa postura, ademais, com a

própria índole da teoria em debate, possibilitando que

se realize com maior ênfase, a sua função inibidora

de comportamentos. Com efeito, o peso do ônus

financeiro é, em um mundo em que cintilam

interesses econômicos, a resposta pecuniária mais

adequada a lesionamentos de ordem moral.”4

Por oportuno, vale trazer à baila a judiciosa lição do Ministro Luiz Fux, vazada no RECURSO ESPECIAL Nº 598.281 – MG:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. DANO MATERIAL E MORAL. ART. 1º DA LEI 7347⁄85.1. O art. 1º da Lei 7347⁄85 dispõe: "Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:I - ao meio ambiente;II - ao consumidor;III - a bens e direitos de valor artístico. estético. histórico. turístico e paisagístico;IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;V - por infração da ordem econômica."2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por isso alcançado a eminência de garantia constitucional.3. O advento do novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano moral - possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade.

4 “Reparação Civil por Danos Morais” in RT, 1993, pp. 220-222.

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4. No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC.5. Com efeito, o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando atuar ilícito contra o patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido.6. Deveras, os fenômenos, analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais elementos do meio ambiente constituem dano patrimonial ambiental.7. O dano moral ambiental caracterizar-se quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano.8. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental.9. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado.10. Sob o enfoque infraconstitucional a Lei n. 8.884⁄94 introduziu alteração na LACP, segundo a qual passou restou expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais

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causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei.11. Outrossim, a partir da Constituição de 1988, há duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral, gerando a possibilidade de o cidadão responder pelo dano patrimonial causado e também, cumulativamente, pelo dano moral, um independente do outro. (escurecemos e grifamos)12. Recurso especial provido para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral, decorrente da ilicitude perpetrada contra o meio ambiente, nos termos em que fixado na sentença (fls. 381⁄382). VOTO (transcrição de alguns trechos) EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Preliminarmente, conheço do recurso pela alínea "a", do permissivo constitucional, uma vez que a matéria restou devidamente prequestionada. (...)In casu, a controvérsia cinge-se à possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano moral em sede de dano ambiental.O art. 1º, da Lei 7.347⁄95, assim dispunha:Lei 7347 de 24 de julho de 1985Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados:l - ao meio-ambiente;ll - ao consumidor;lll - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;IV - (VETADO).Atualmente o art. 1º Lei 7.347⁄95, com a novel redação dada pelo art. 88 da Lei nº 8884⁄94, prevê:Lei 8884 de 11 de junho de 1994Art. 88. O art. 1º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação e a inclusão de novo inciso:

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Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:.........................................................................................V - por infração da ordem econômica."Com efeito, originariamente, o objeto da lei que disciplina a Ação Civil Pública versava, apenas, os danos causados ao meio-ambiente, consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Contudo, a legislação sofreu significativas mudança, no sentido de ampliar o objeto da ação sub examine, para abranger a responsabilidade do infrator pelos danos morais causados a quaisquer dos valores e direitos transindividuais amparados pela referida legislação.(...) "OS DANOS MORAIS E PATRIMONIAISoriginariamente, o objeto da LACP consistia na disciplina da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,turístico e paisagístico. Mas, como já anotamos a legislação subseqüente ampliou gradativamente o objeto da ação civil pública.Diante, porém, das inevitáveis discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a ação civil pública da Lei n. 7.347⁄85 também alcançaria ou não os danos morais, o legislador resolveu explicitar a mens legis. A Lei n. 8.884⁄94 introduziu uma alteração na LACP, segundo a qual passou a ficar expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei.São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato - é o que dispõe a Súm. 37, do Superior Tribunal de Justiça. E, nos termos de sua Súm. 227, a pessoa jurídica também pode sofrer dano moral.omissis" (p. 132-132)(...)4. Responsabilidade coletiva

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Em matéria de responsabilidade civil, fala-se de um "declínio da responsabilidade individual",1 para destacar o fato de que o fenômeno imputativo se descola do indivíduo para o grupo. Neste contexto intervém a "teoria dos danos coletivos", que podem revestir formas ou expressões variadas e especiais como o caso do dano ecológico.8Faz-se, igualmente, referência ao dano causado coletivamente e sofrido por grupos.Quando se fala de grupos na responsabilidade coletiva, faz-se referência aos grupos de risco ou de autoria anônima. São tais os casos em que os danos a terceiros são causados por um grupo de vizinhos, ou uma equipe de médicos, ou de fabricantes, ou de"caçadores, sem que se possa saber quem é o autor. O problema aqui são os grupos que atuam em uma sociedade massificada, e que produzam riscos para terceiros. Estes riscos derivam de um relaxamento da atividade inibitória do sujeito pelo só fato de agir em grupo, ou ainda pelo princípio de confiança que deposita nos demais.Os grupos podem sofrer danos, como tais, e dar origem a pretensões ressarcitórias.Na medida em que se reconhecem bens coletivos, há também um dano dessa categoria derivado da lesão desse bem. A titularidade da pretensão ressarcitória não é individual porque o bem afetado não o é; é grupo no caso em que se tenha concedido a um grupo a legitimação para atuar ou, ainda, que se houve difusão.No plano da legitimação para agir, estamos habituados a que se concedam ações individuais como reconhecimento de um interesse individual, seja um direito subjetivo ou um interesse legítimo ou de fato, não reprovado pela lei.Podem existir também muitos indivíduos interessados na mesma coisa. Por exemplo, quando um aposentado reclama o reajuste de sua pensão, e o juiz lhe dá a razão, podem existir milhares de pessoas na mesma situação, como tem acontecido na Argentina. Por isso é razoável que se dite um acórdão que sirva para todos os casos semelhantes, conferindo-lhe efeitos erga omnes à coisa julgada. Com isso se economiza um gasto inútil de atividade jurisdicional.

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o interesse é individual, a legitimação é individual, mas há homogeneidade.objetiva entre todos eles, e é suscetível de uma única decisão.Além disso, pode existir um interesse que não seja de um indivíduo, mas de: um grupo como tal. O interesse grupal importa à corporação, não aos indivíduos que a compõem. Por isso o titular é o grupo e pode acionar como tal.No interesse individual, plurindividual e grupal, há uma relação direta com seu titular. Este vínculo assemelha-se à mesma noção difundida no direito privado patrimonial: desfrute sobre um bem ou uma coisa, calcada sobre o modelo do domínio; há uma relação de imediatismo.Contrariamente, há outros interesses que importam à sociedade em seu conjunto ou ainda a uma generalidade indeterminada de sujeitos. Estes são os transindividuais gerais, que podem referir-se a toda a comunidade ou a um grupo, com maior' ou menor grau de coesão em função do interesse, mais ou menos determinado. A titularidade é difusa, porque não há um vínculo direto entre uma pessoa a esse tipo de interesse. Não há nada que se assemelhe ao vínculo de domínio, ao seu imediatismo. É característico dos interesses difusos, sua individualidade: se são gerais e não há relação de imediatismo no desfrute, não há possibilidade de dividir seu gozo.Em virtude disto, designa-se a um representante, o Estado, e se dá a esse interesse geral o caráter de público. O titular é a comunidade, o legitimo é o Estado, o interesse é público.Em razão das insuficiênCias do Estado neste campo, legitima-se genérica- í mente aqueles que usam ou gozam deles. Surge assim a titularidade difusa.É importante esclarecer que esta co-titularidade não surge de um contrato, nem de uma obrigação legal, mas de um contato social, ou, de fato, cuja proximidade é reconhecida pelo legislador como suposto de fato da co-titularidade. Contrariamente, nos interesses coletivos, naqueles em que há um grupo, existe uma relação jurídica, não de fato, que fundamenta a co-titularidade.

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Finalmente, por razões de organização, legitimam-se agrupamentos, que se consideram mais eficazes que os indivíduos, para atuar neste meio.Podemos fazer a seguinte tentativa classificatória: a) interesse individual: o interesse é individual, a legitimação também, e é diverso de outros interesses; cada titular inicia uma ação e obtém uma decisão;b) interesses plurindividuais homogêneos: o interesse é individual, d' legitimação é individual, mas o interesse é homogêneo e suscetível de uma única decisão. Cada titular exerce uma ação individual, e pode obter uma decisão (seria desejável que tivesse efeito erga omnes);c) interesse transindividual coletivo: o titular do interesse é o grupo, resulta legitimado. Promove uma ação, e seus efeitos obrigam o grupo;d) interesse transindividual difuso: que importam à sociedade em seu conjunto ou a uma generalidade indeterminada de sujeitos;e) interesse público: legitima-se o Estado para a defesa de um interesse geral.Os interesses do direito "coletivo" foram conceituados como "os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular, grupo, categoria ou classe de pessoas ligada entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base" (CDC, art. 81, par. un.).A Lei argentina 24.240 de proteção dos consumidores e usuários confere ação às associações de consumidores, constituídas como pessoas jurídicas, quando os interesses dos mesmos resultem afetados ou ameaçados (art. 52). A Lei 10.000⁄86 da Província de Santa Fé permite a defesa de "valores da comunidade" e estabelece um recurso que procede "contra qualquer decisão, ato ou omissão de uma autoridade administrativa provincial, municipal ou comunal ou de entidades ou pessoas privadas em exercício de funções públicas, que, violando disposições da ordem administrativa local, lesionarem interesses simples ou difusos dos habitantes da província". A Constituição argentina faculta ao defensor do povo e às associações que persigam esses fins, a interpor ação de amparo contra qualquer forma de discriminação, no

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relativo a direitos que protejam o meio ambiente, a concorrência, o usuário e o consumidor e os direitos de incidência coletiva em geral (art. 43).A responsabilidade civil atual apresenta duas áreas: a tutela resarcitória e a tutela inibitória. Um caso de tutela inibitória é a Lei da Ação Civil Pública, 7.347⁄ 85, art. 11, que afirma que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária.5. Dano moralSegundo entendimento generalizado na doutrina, é possível distinguir, no âmbito dos danos, a categoria dos danos patrimoniais, de um lado, dos danos extrapatrimoniais, ou morais, de outro. A caracterização do dano moral tem sido deduzida na doutrina sob forma negativa, na sua contraposição ao dano patrimonial; assim, "quando ao dano não correspondem as características de dano patrimonial, estamos em presença de dano moral".O dano moral é susceptível de uma definição positiva: lesão aos direitos personalíssimos,14 o mais amplamente; lesão aos direitos fundamentais, individuais ou coletivos.A noção restritiva do dano moral começou a ser expandida.O agravo moral em seu sentido originário no século XIX, é uma sanção diante de um comportamento doloso do autor. De tal maneira surge quando a causa fonte do crédito indenizatório é delitual. Logo, a doutrina começou a interpretar que o dano moral é o gênero, e que o agravo moral é uma de suas espécies.O dano moral começou a ser aplicado fora dos delitos e dos quase-delitos. A partir da admissibilidade do dano moral nos contratos, abre-se um importante capítulo. Poderíamos assinalar diferentes pontos:- o ressarcimento do dano derivado do descumprimento da prestação com prometida. que é o caso de maior resistência da admissibilidade do ressarcimento;- o de interesse extrapatrimonial comprometido na prestação de

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conteúdo patrimonial, que se tem admitido com freqüência; - o dos danos sofridos pela pessoa. com motivo, ou com ocasião da celebração ou cumprimento de um contrato. Este suposto é indiscutível.O requerimento da tipicidade do dano moral para admitir sua reparação, foi se desvalorizando.O Código Civil alemão em seu art. 253 dispunha que, em se tratando de um prejuízo que não fosse pecuniário, só poderia se exigir a reparação em dinheiro.omisiss6. Dano moral coletivo ressarcitório e punitivoAno atrás, indicou-se a possibilidade jurídica do dano moral coletivo, assinalando que muitos tocam a categorias de pessoas: usuários de telefones, a comunidade habitacional de um prédio, os consumidores de uma publicidade desleal, que poderiam ver afetados sentimentos grupais.Um avanço muito importante neste tema foi dado pelo art. 43 da Constituição argentina, ao reconhecer a legitimação para agir das associações com fins de deduzir o amparo quando há lesão de direitos q'de protegem o ambiente, a concorrência, os direitos de incidência coletiva em geral.Na Argentina admitimos a possibilidade da reparação do dano moral coletivo.No Brasil, a Lei 7.347, art. 1.°, diz: "regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados (...) ao meio ambiente (...)".No suposto da lesão dos bens coletivos, e o meio ambiente, o dano moral admite uma função ressarcitória e punitiva.O criticável na tese punitiva dentro desta matéria foi que pretendia ser excludente com relação a uma finalidade reparatória, e restritiva, ao permitir somente alguns casos específicos de ressarcimento. Consolidada a tese ressarcitória, revaloriza-se progressivamente a possibilidade de utilizar a indenização como pena, recorrendo-se à tese anglo-saxônica do dano punitivo. "Na reparação dos danos morais, o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como em regra,

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nos danos materiais, porém, concomitantemente, a função satisfatória é a pena". O que nos interessa pôr em relevo é que essa teoria aponta, basicamente, para a destruição da razão econômica, que permitiu que o dano se ocasionara. Era mais rentável deixar que o prejuízo se realizasse que preveni-lo; o dano punitivo arruína este negócio e permite a prevenção.Na concepção punitiva, não se reclama dinheiro como preço nem como reparação, mas como satisfação exigida do culpado, a vindicta, a pena. O dano moral e uma sanção por algo imoral.Na Argentina, as Jornadas Nacionales de Derecho Civil, disseram: "Es prudente establecer como requisito de admisibilidad de Ias condenaciones punitivas Ia existencia de un dafio resarcible individual o colectivo causado por el sancionado ("De lege ferenda", punto 6)". No Proyecto de Código Civil Argentino de 1998, art. 1622. Dafio a intereses de incidencia colectiva. En el caso de dafio a intereses de incidencia colectiva corresponde prioritariamente Ia reposición aI estado anterior al hecho generador, sin perjuicio de Ias demás responsabilidades. Si Ia reposición es total o parcialmente imposible, el responsable debe reparar e! dafio mediante otros bienes que satisfagan intereses de incidencia colectiva equivalentes aIos afectados. Están legitimados para accionar el damnificado directo, el defensor deI pueblo, el Ministerio Público y Ias asociaciones que propenden a Ia defensa de esos intereses y están registradas conforme a Ia ley especial."O advento do novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano moral - possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade.No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na: art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC.(...)

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Deveras, o dano moral individual difere do dano moral difuso e in re ipsa decorrente do sofrimento e emoção negativas. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado.Sob o enfoque infraconstitucional a Lei n. 8.884⁄94 introduziu uma alteração na LACP, segundo a qual passou a ficar expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei.Outrossim, A partir da Constituição de 1988, existem duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral, separadamente, ou seja, pode o cidadão responder pelo dano patrimonial causado e também, cumulativamente, pelo dano moral, um independente do outro.

O egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região também

admite a configuração do dano moral com repercussão coletiva,

senão vejamos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSAS CONTRA COMUNIDADEINDÍGENA. DANO MORAL COLETIVO. MAJORAÇÃO.1. Tendo restado demonstrada a discriminação e o preconceito praticados pelos réus contra grupo indígena Kaingang, é devida indenização por danos moral.2. O dano moral coletivo tem lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, tomado individualmente, tem pouca relevância para cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso comum.

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3. Indenização por danos morais majorada para R$ 20.000,00, a ser suportada de forma solidária por ambos os réus desta ação (TRF 4ª Região, Apelação Cível, Processo n.° 200371010019370, relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA).

Consubstanciado a necessidade de se reparar o dano

moral coletivo, este deve ser fixado em patamares suficientes para

reparar o mal causado, além de funcionar como fator de inibição de

outras ilegalidades e punição das já consumadas.

Em se considerando que existem nos municípios de São

Miguel do Araguaia e Mundo Novo (integrantes da comarca) cerca de

6.277 (seis mil duzentos e setenta e sete) ligações feitas pela

empresa ré, conforme por ela mesmo informado, nos ofícios-

resposta em anexo, pode-se entender que este número é o melhor

referencial para se demonstrar o número de vezes que houve a

lesão do direito perpetrado, na medida em que ou se cobrou

efetivamente a instalação, ou ainda deixou o usuário/consumidor de

instalá-lo por falta de condições financeiras para arcar com tal

despesa, tendo assim que pagar a esdrúxula “taxa mínima”.

Como, segundo tabela fornecida, em anexo, confirmada

pela ré, faz-se a cobrança de R$ 51,67 (cinqüenta e um reais e

sessenta e sete centavos) por cada hidrômetro instalado, em se

multiplicando este valor por 6.277 teríamos R$ 324.332,59

(trezentos e vinte e quatro mil e trezentos e trinta e dois reais e

cinqüenta e nove centavos), numerário que consideramos justo,

necessário e apto a sanar o dano moral coletivo perpetrado.

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O valor deverá ser revertido ao Conselho da

Comunidade da Comarca de São Miguel do Araguaia, instituído

por este juízo.

IV – DO PEDIDO LIMINAR

Da análise do arcabouço trazido com esta vestibular,

vislumbram-se presentes os pressupostos que rendem azo ao

deferimento da medida liminar, nos termos do artigo 12 da Lei n.°

7.347/85 c/c o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor. Esta

medida é possível porque a tese jurídica exposta é plausível e

fundada na necessidade de se assegurar a fruição da tutela de

mérito pretendida antes da estabilização da demanda e da

efetivação do contraditório.

Disso, resulta que em se continuando a desmedida

cobrança por parte da empresa ré, incontáveis consumidores

continuarão a pagar duplamente o mesmo serviço. Ou melhor,

continuarão a enriquecer a parte ré sem causa prevista no

ordenamento. E pior, com o passar do tempo, mais e mais

consumidores/usuários continuarão a serem atingidos por essa

cobrança, sem meio de defesa, pois, conforme o artigo 40, da Lei

11.445/2007, é possível existir até o corte do abastecimento de

água, caso o consumidor se recuse em pagar o preço pedido.

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Pois bem, estão presentes a fumaça do bom direito e o

perigo da demora. Assim, requer o parquet à imediata suspensão

por parte da SANEAGO, da cobrança do referido “serviço” de

instalação/manutenção/conservação do hidrômetro de todos

os usuários da Comarca de São Miguel do Araguaia

(englobando os Municípios de São Miguel do Araguaia e

Mundo novo), bem como a imediata suspensão do pagamento

daqueles que se encontram em curso.

Em caso de descumprimento desta, requer ainda a

cominação de multa na ordem de R$ 5.000,00 (cinco mil

reais) por cada consumidor/usuário que for impelido pela ré

a pagar pelo irregular serviço de instalação de hidrômetro.

V – DOS PEDIDOS DEFINITIVOS

Tecidas estas razões, o Ministério Público do Estado

de Goiás requer:

a) Que seja concedido o pedido liminar na forma do item

IV;

b) Que a presente Ação Civil Pública seja recebida,

autuada e processada, eis que presentes os requisitos

dos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil e da

Lei 7.347/85;

c) Que seja citado o requerido na pessoa de seu

representante legal, na forma em que preceitua o

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Código de Processo Civil para, querendo, ofertar

resposta, sob pena de confissão quanto à matéria de

fato e sob os efeitos da revelia;

d) Que, após a regular tramitação processual, seja julgado

procedente o pedido nessa Ação civil Pública para

que a empresa ré se abstenha de cobrar dos

usuários do serviço de abastecimento de água nos

Municípios de São Miguel do Araguaia e Mundo

Novo a indevida cobrança de

instalação/manutenção/conservação de

hidrômetro;

e) Que a SANEAGO seja condenada, nos termos do artigo

parágrafo único, do artigo 42, do CDC, a restituir, em

dobro, acrescido de correção monetária e juros

legais o valor cobrado indevidamente, e já pago,

total ou parcialmente, pelos consumidores para a

instalação de hidrômetros desde 15 de setembro

de 2004 até a data do julgamento do julgamento

da presente Ação Civil Pública;

f) Que, até para garantir o transporte da coisa julgada,

que pode beneficiar milhares de consumidores

prejudicados com a desmedida cobrança e que já a

pagaram em parte ou em sua integralidade, e

autorizado no §3°, do artigo 103, do Código de Defesa

do Consumidor, a empresa ré, após o deferimento do

pedido, seja compelida a custear ampla divulgação

junto aos meios de comunicação, na Comarca de

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São Miguel do Araguaia, do resultado positivo do

presente feito, para, assim, possibilitar aos

consumidores à liquidação e a execução nos

termos dos artigos 96 a 99, do CDC;

g) Cominação de astreintes, nos mesmos valores da

multa diária supra, para assegurar o cumprimento da

decisão final;

h) A condenação da Ré ao pagamento de INDENIZAÇÃO

POR DANOS MORAIS COLETIVOS, em valor não

inferior a R$ 324.332,59 (trezentos e vinte e quatro

mil e trezentos e trinta e dois reais e cinqüenta e nove

centavos), valor este a ser revertido ao Conselho da

Comunidade da Comarca de São Miguel do Araguaia;

i) Que seja declarada nula de pleno direito a seguinte

cláusula “Guardar e conservar, na condição de fiel

depositário, o padrão de ligação de Água, o

hidrômetro e outros dispositivos da

SANEAGO” (item 4.3 do contrato em anexo), face aos

expostos, para com os consumidores residentes na

presente comarca, que alberga São Miguel do Araguaia

e Mundo Novo.

j) A produção de todas as provas admitidas em direito,

notadamente documental, depoimento pessoal do réu,

sob pena de confissão, oitiva das testemunhas que

oportunamente serão arroladas, perícias e inspeções.

Termos em que pede deferimento.

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Dá-se à causa o valor de R$ 324.332,59 (trezentos

e vinte e quatro mil e trezentos e trinta e dois reais e

cinqüenta e nove centavos), para efeitos meramente fiscais.

São Miguel do Araguaia/GO, 27 de novembro de 2007.

Cristhiano Menezes da Silva CairesPromotor de Justiça Substituto