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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE IRATI - PR O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus agentes signatários em exercício junto às 1ª e 2ª Promotorias de Justiça da Comarca de Irati, com atribuições na área de Proteção ao Patrimônio Público e à Saúde Pública, onde podem ser pessoalmente intimados, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento no artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, e nas Leis n. o 7.347/85 e n. o 8.429/92, com base no Procedimento Preparatório nº. MPPR – 0067.11.000146-7, vem perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, em face de

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA

VARA CÍVEL DA COMARCA DE IRATI - PR

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO

DO PARANÁ, por seus agentes signatários em exercício junto às 1ª e

2ª Promotorias de Justiça da Comarca de Irati, com atribuições na área

de Proteção ao Patrimônio Público e à Saúde Pública, onde podem ser

pessoalmente intimados, no uso de suas atribuições constitucionais e

legais, com fundamento no artigo 129, incisos II e III, da Constituição

Federal de 1988, e nas Leis n.o 7.347/85 e n.o 8.429/92, com base no

Procedimento Preparatório nº. MPPR – 0067.11.000146-7, vem

perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,

em face de

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JORGE ALBERTO ANEZ ARAMAYO,

boliviano, médico, portador do registro nacional de estrangeiro nº.

V232449-9, com domicílio na Rua Visconde de Nacar, nº. 1510, apto.

609, centro, Curitiba/Paraná, pelos fundamentos de fato e de Direito a

seguir expostos:

DA LEGITIMIDADE ATIVA

É preceito do Título IV, Capítulo IV, Seção I, da

Carta Constitucional de 1988, mais precisamente do inciso III, do artigo

129, que são funções institucionais do Ministério Público:

“(...) III - promover o inquérito civil e a ação

civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos (...)”

Conferindo eficácia plena ao referido preceito,

várias são as Leis a lhe outorgar a substituição processual, mormente

aquela que regulamentou o citado dispositivo, a Lei nº 7.347, de 24 de

Julho de 1985, que, em seu art. 1°, assim preconiza:

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“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei,

sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e

patrimoniais causados:

l - ao meio-ambiente;

ll - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou

coletivo.

V - por infração da ordem econômica e

da economia popular;

VI - à ordem urbanística.”

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público,

também cuidou de legitimar-lhe a substituição, como estabelecido no

Capitulo IV, Seção I, da Lei nº. 8.625/93 da seguinte forma:

“Art.25. Além das funções previstas nas

Constituições Federal, na Lei Orgânica e em

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outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério

Público: (…)

IV – promover o inquérito civil e a ação civil

pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos

danos causados ao meio ambiente, ao

consumidor, aos bens e direitos de valor

artístico. Estético, histórico, turístico e

paisagístico, e a outros interesses difusos,

coletivos e individuais indisponíveis e

homogêneos;

b) para a anulação ou declaração de nulidade

de atos lesivos ao patrimônio público ou à

moralidade administrativa do Estado ou de

Município, de suas administrações indiretas

ou fundacionais ou de entidades privadas de

que participem;”

Não bastassem referidos textos legais, outro se

incorpora a legitimar o Ministério Público em busca de prevenir e

reprimir prejuízos ao erário e ao patrimônio públicos, como é o caso da

Lei n°. 8.429/92 que dispõe o seguinte sobre o tema em comento:

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“Art. 7°- Quando o ato de improbidade

causar lesão ao patrimônio público ou ensejar

enriquecimento ilícito, caberá à autoridade

administrativa responsável pelo inquérito

representar ao Ministério Publico, para a

indisponibilidade dos bens do Indiciado.

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à

autoridade administrativa competente para

que seja instaurada investigação destinada a

apurar a prática de ato de improbidade.

§ 1º A representação, que será escrita ou

reduzida a termo e assinada, conterá a

qualificação do representante, as informações

sobre o fato e sua autoria e a indicação das

provas de que tenha conhecimento.

§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a

representação, em despacho fundamentado, se

esta não contiver as formalidades

estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição

não impede a representação ao Ministério

Público, nos termos do art. 22 desta lei.

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Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto

nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a

requerimento de autoridade administrativa

ou mediante representação formulada de

acordo com o disposto no art. 14, poderá

requisitar a instauração de inquérito policial

ou procedimento administrativo.”

Não é outro o entendimento jurisprudencial

exposto pela Súmula do Superior Tribunal de Justiça nº. 329, que traz o seguinte

enunciado:

“O Ministério Público tem legitimidade para

propor ação civil pública em defesa do

patrimônio público.”

Dessa forma, não há que se questionar a

legitimidade do Ministério Público para agir em defesa do patrimônio público e

da moralidade administrativa.

DA LEGITIMIDADE PASSIVA

A Lei Federal nº. 8429/92 traz em seus artigos 1º

e 2º, de forma extremamente ampla e abrangente, o conceito de agente público

para fins de Improbidade Administrativa, isto é, todo agente que pode ser

responsabilizado pela prática de atos ímprobos, senão vejamos:

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“Art. 1° Os atos de improbidade praticados

por qualquer agente público, servidor ou não,

contra a administração direta, indireta ou

fundacional de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

Municípios, de Território, de empresa

incorporada ao patrimônio público ou de

entidade para cuja criação ou custeio o erário

haja concorrido ou concorra com mais de

cinqüenta por cento do patrimônio ou da

receita anual, serão punidos na forma desta

lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos

às penalidades desta lei os atos de

improbidade praticados contra o patrimônio

de entidade que receba subvenção, benefício

ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão

público bem como daquelas para cuja criação

ou custeio o erário haja concorrido ou

concorra com menos de cinqüenta por cento

do patrimônio ou da receita anual, limitando-

se, nestes casos, a sanção patrimonial à

repercussão do ilícito sobre a contribuição dos

cofres públicos.

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Art. 2° Reputa-se agente público, para os

efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda

que transitoriamente ou sem remuneração,

por eleição, nomeação, designação,

contratação ou qualquer outra forma de

investidura ou vínculo, mandato, cargo,

emprego ou função nas entidades

mencionadas no artigo anterior.”

Portanto, a legitimidade “ad causan” resta

devidamente demonstrada, uma vez que o sujeito passivo da presente ação

amolda-se perfeitamente aos conceitos delineados pelos dispositivos legais

supramencionados.

DOS FATOS

Inicialmente, conforme denúncias dirigidas a esta

Promotoria de Justiça, verificou-se que a prática de cobrar valores em

atendimento pelo Sistema Único de Saúde nos Hospitais do município de Irati, e

até, na região, é cotidiana e muito difundida, embora sempre negada, quando

perquiridos administradores, médicos e funcionários, conforme resposta ao

ofício de fls. 12/18 do anexo procedimento preparatório.

A prática de exigir valores em atendimentos cobertos

pelos SUS, na Irmandade do Hospital de Caridade de Irati encontrou solo fértil

para crescer, pois os pacientes atendidos pelo SUS fazem parte da camada mais

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humilde da população, logo não têm condições de argumentar ou mesmo não

sabem de seus direitos, muitos, talvez, até concordem com a cobrança. Enfim, o

ambiente proporcionado dá até certa naturalidade ao procedimento abusivo.

Conforme se constatou em diligência realizada por

esta Promotoria, na Irmandade do Hospital de Caridade de Irati, desde a época

dos fatos até hoje, não há cartazes esclarecendo aos usuários do Sistema Único

de Saúde sobre seus direitos.

Permeados por este ambiente, os fatos abaixo

descritos aconteceram.

Do Ato de Improbidade Administrativa consistente em enriquecimento

ilícito

No dia 17 de junho de 2010, em horário

indeterminado, na Irmandade do Hospital de Caridade de Irati, localizada na Rua

Zeferino Bittencourt, nº. 1111, na cidade de Irati, Estado do Paraná, o

demandado Jorge Alberto Anez Aramayo, então médico plantonista prestador

de serviços pelo Sistema Único de Saúde – SUS, exigiu e recebeu, para si, em

razão da função pública que ora exercia, vantagem indevida para atender a

paciente Rosa Maria Riberro Godini, no valor de R$ 50,00 (cinquenta Reais),

pago pela pessoa de Ciro Gilmar Ivatiuk, conforme documento de fl. 38 (ordem

de pagamento à vista emitida em favor do demandado) do anexo procedimento

preparatório.

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Na ocasião, o demandado, Jorge Alberto Anez

Aramayo, estava no exercício de função pública, pois realizava atendimento à

saúde com cobertura de recursos públicos provenientes do Sistema Único de

Saúde – SUS. O atendimento médico consistiu em procedimento de emergência

desencadeado por falta de ar e dores experimentadas pela paciente que era

portadora de câncer em estágio avançado.

A paciente procurou a Irmandade do Hospital de

Caridade de Irati por recomendação do Hospital Erasto Gaertner, de Curitiba,

referência no tratamento da doença. Na ocasião, a paciente portava, inclusive,

carteira emitida pelo mencionado hospital da capital conveniado ao SUS.

No momento em que foi levada à Irmandade do

Hospital de Caridade de Irati por sua ex-patroa Débora Henzen, não lhe foi

carreado o devido atendimento, sendo o Sr. Ciro Gilmar Ivatuik procurado pela

acompanhante da paciente para que ajudasse a senhora doente, em virtude da

cobrança que havia sido feita pelo hospital, primeiramente pela recepcionista e

depois confirmado pelo médico demandado, no valor de R$ 50,00(cinquenta

reais), momento em que Ciro emitiu um cheque com a importância referida em

nome do demandado para possibilitar o atendimento da portadora de

enfermidade grave que corria risco de vida.

O Sr. Ciro Gilmar Ivatuik, inconformado com a

cobrança, após ter emitido o título de crédito supramencionado, influenciado

pela emoção do momento e com fim de rechaçar qualquer consequência mais

séria à saúde da Sra. Rosa Maria Riberro Godini, configurado, portanto, o vício

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da vontade do emitente da ordem de pagamento, uma vez que realizada mediante

estado de perigo (artigo 156 do Código Civil), chamou a Polícia Militar que

conduziu o demandado até a Delegacia de Policia local, onde prestou

esclarecimentos e foi liberado pela Autoridade Policial, (fls. 35 e 36 do

procedimento preparatório anexo).

Tentando disfarçar a ilegalidade da cobrança, foi

lavrado termo de opção particular em nome da paciente atendida, termo esse que

sequer foi assinado por ela, configurando mais um indício da má-fé que se faz

presente no procedimento adotado pelos profissionais da Santa Casa de Irati.

Ademais, o referido termo de opção particular, ainda que houvesse sido assinado

pela paciente, estaria contaminado por vício do consentimento (estado de

perigo), uma vez que tal declaração jurídica teria emanado de quem não poderia,

pelas circunstâncias do caso, fazê-la.

Os atendimentos, em especial os de emergência, não

devem passar por triagem prévia nas entidades de atendimento à saúde que

recebem recursos orçamentários do SUS. A saúde faz parte da seguridade social

e, ao contrário da previdência e da assistência social, submete-se ao princípio da

universalidade do atendimento, isto é, toda e qualquer pessoa tem o direito de ter

acesso a todo tipo de serviços e ações de saúde oferecidos. Em se tratando de

previdência social e assistência social, necessária se faz uma situação anterior para

que se possa utilizar de tais institutos, por exemplo, para ter direito a um

benefício previdenciário o eventual beneficiado deve ostentar a condição de

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segurado ou dependente de um segurado, para atingir tal condição é preciso que

contribua com o regime previdenciário adequado ao seu perfil.

O princípio da universalidade do atendimento vem

insculpido no artigo 196 da Constituição Federal de 1988, “in verbis”:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do

Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção,

proteção e recuperação.”

A legislação infra-constitucional também trata do

principio da universalidade do atendimento, veja-se, por exemplo, o artigo 2º, §

1º, da lei 8080/90:

§ 1º - O dever do Estado de garantir a saúde

consiste na reformulação e execução de políticas

econômicas e sociais que visem à redução de riscos

de doenças e de outros agravos no estabelecimento

de condições que assegurem acesso universal e

igualitário às ações e aos serviços para a sua

promoção, proteção e recuperação.

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Assim, a triagem prévia, prática rotineira em entidades

de atendimento à saúde, mostra-se contrária às normas constitucionais e legais

vigentes em nosso ordenamento jurídico, constituindo conduta reprovável e, sem

dúvida, ímproba.

Do Elemento Subjetivo

O réu Jorge Alberto Anez Aramayo praticou ato de

improbidade administrativa, porque, na condição de agente público (art. 2o da Lei

n.o 8.429/92), obteve enriquecimento ilícito e atuou de modo contrário ao

Direito, violando, conscientemente, os princípios informadores da

Administração Pública.

Conforme pontuado, o demandado, na condição de

médico que prestava serviço pelo Sistema Único de Saúde – SUS, exigiu o

pagamento de quantia indevida à paciente que, por estar utilizando o SUS, fazia

jus ao atendimento gratuito.

A conduta do demandado foi consciente e deliberada

no sentido de exigir o pagamento da quantia, que era indevido.

Resta demonstrada a vontade livre e consciente do

demandado de, na qualidade de médico que prestava serviço pelo Sistema Único

de Saúde – SUS, exigir e receber o pagamento de quantia indevida da paciente

que, por estar utilizando o SUS, fazia jus ao atendimento gratuito.

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Outrossim, de acordo o depoimento do Sr. Ciro

Gilmar Ivatiuk colhido nesta Promotoria, ficou evidenciada a insistência em

receber os valores, pois há ação de cobrança proposta pelos demandados contra

ele, conforme o relato de fls. 31/32 e cópia da inicial e contestação da

mencionada ação de cobrança (fls. 40/49) no anexo procedimento preparatório.

Evidenciado, igualmente, que a prática implicou o

enriquecimento ilícito e o descumprimento de princípios informadores da

Administração Pública e aos deveres de honestidade, legalidade e de lealdade às

Instituições.

Da Improbidade Administrativa

O demandado, na condição de médico que prestava

serviço pelo Sistema Único de Saúde – SUS, exigiu e recebeu o pagamento de

quantia indevida aos pacientes que, por estarem utilizando o SUS, faziam jus ao

atendimento gratuito.

Prescreve a Lei n.o 8.429/92, “in verbis”:

“Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir qualquer vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão,

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percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;”

Inicialmente, deve ser frisado que o rol apresentado no

“caput” do art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa é meramente

exemplificativo, visto que contém a expressão “notadamente”, o que implica

dizer constituem atos de improbidade administrativa, na modalidade de

enriquecimento ilícito, aqueles relacionados e outros que, porventura,

enquadrem-se no suporte fático do caput do mencionado artigo.

Assim, o funcionário público que aufere, dolosamente,

qualquer vantagem patrimonial indevida, em razão do exercício do cargo, pratica

ato de improbidade administrativa e, como já ressaltado, foi exatamente a

conduta realizada pelo demandado.

Além disso, no presente caso, os fatos enquadram-se

ao inciso I, do referido artigo, visto que Jorge Alberto Anez Aramayo recebeu,

para si, ordem de pagamento à vista, a título de honorários médicos de paciente,

sendo que todo o procedimento realizado foi pago pelo Sistema Único de Saúde

– SUS, não podendo, por evidente, ser, também, cobrado do paciente.

Juridicamente, a prática do réu é ímproba, inclusive, o

Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente julgado a ilegalidade da exigência

de valores em serviços médicos cobertos pelo Sistema Único de Saúde,

declarando a improbidade administrativa do médico que assim proceder.

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ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – CONFIGURAÇÃO DO ATO ILÍCITO – ART. 9º DA LEI N. 8.429/92. 1. Resume-se a controvérsia em ação civil pública de

improbidade administrativa em razão de supostas práticas de exigências de honorários médicos de pacientes do SUS, por duas vezes. 2. Consta dos autos a contratação do recorrido para o serviço de anestesia, quando da realização de cesariana em paciente do SUS, com pagamento particular ao médico para a realização do referido procedimento. Cabe a esta Corte aferir a questão de direito devolvida, qual seja, a configuração da improbidade administrativa. 3. A aludida situação, ao contrário do entendimento proferido pelo Tribunal a quo, não pode ser considerada mera irregularidade, especialmente quando existe norma expressa que tipifica o ato em questão. 4. O Ministério Público Federal, ao analisar os autos, verificou que os procedimentos realizados na internação, assim como os medicamentos e demais serviços prestados, encontravam-se cobertos pelo SUS. Deixou claro, em seu parecer, que a referida autorização garantia a gratuidade total da assistência prestada e estaria vedada a cobrança de qualquer valor a título de diferença. 5. Não há como entender o procedimento de anestesia como "complementaridade" aos serviços prestados, pois sua essencialidade é manifesta. Nesse contexto, patente configuração do ato de improbidade administrativa, previsto no art. 9º, inciso I, da Lei n.8.429, de 2 de junho de 1992. 6. Em razão da devolutividade vinculada do recurso especial, não cabe a esta Corte adentrar no contexto fático-probatório para verificar a extensão da pena cabível. Devolução dos autos para o Tribunal a quo, a fim de que seja julgada a questão da aplicação da pena e condenação em eventuais honorários. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 961586/RS Agravo Regimental no Recurso Especial 2007/0141524-6, Relator Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, Data do Julgamento: 27/05/2008)”.

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No que tange à vantagem ilícita efetivamente auferida

pelo demandado, pode se argumentar que não restou caracterizada, tendo em

vista que a ordem de pagamento à vista emitida em seu favor foi sustada pelo

emitente do título. Todavia, tal circunstância posterior ao ato de improbidade não

deve servir para afastar a ilicitude da conduta, conforme ensina Silvio Antônio

Marques ao tecer comentário sobre o artigo 9º, inciso I, da Lei nº. 8.429/92:

“Trata-se de tipo formal que pode ser aplicado a qualquer

situação concreta em que o agente recebe vantagem ilícita,

independente da ocorrência do resultado finalístico contrário ao

erário ou ao interesse público.

Também não importa o total desviado ou a posterior devolução

do valor.” (Silvio Antônio Marques, Improbidade

Administrativa, 2010, Ed. Saraiva, pág. 68/69)

Com relação ao montante da vantagem ilícita, não há

que se falar em eventual aplicação do princípio da insignificância pertinente ao

Direto Penal, pouco importando a quantia ou natureza da vantagem ilícita. Trata-

se de ato que atenta contra a moralidade administrativa, sendo impossível calcular

ou estabelecer um “quantum” para esse valor supremo da sociedade. Nesse

sentido, caminha a Jurisprudência pátria, tome-se, por exemplo, as palavras

utilizadas pelo eminente Ministro Herman Benjamin em seu voto ao julgar o

REsp 892.818/RS,j. em 11-11-2008 da Superior Corte Federal:

“O princípio da insignificância do Direito Penal não pode ser

aplicado para afastar as condutas reconhecidas com ímprobas, os

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atos de improbidade administrativa não se confundem com as

irregularidades administrativas, a despeito de serem espécie do

mesmo gênero. Não se aplica o princípio da insignificância às

condutas reconhecidas como ímprobas, pois não existe ofensa

insignificante ao princípio da moralidade, não há com aplicar os

princípios administrativos com a calculadora na mão,

expressando em forma de reais e centavos.”

Não obstante, as hipóteses previstas no artigo 11, da

Lei n.o 8.429/1992 – atos que decorrem da violação de princípios –

acompanham, neste caso, o ato de improbidade praticado pelo demandado.

O réu Jorge Alberto Anez Aramayo praticou ato de

improbidade administrativa, porque, na condição de agente público (art. 2o da Lei

n.o 8.429/92), atuou de modo contrário ao Direito, violando, conscientemente, os

princípios informadores da Administração Pública. Mesmo que não tenha

recebido o valor exigido, teria o agente público consumado a improbidade

administrativa, no momento da exigência realizada, pois sua conduta já atentaria

contra o princípio da moralidade administrativa e legalidade, estando capitulada

no artigo 11 da Lei nº. 8.429/92.

No entanto, a atitude do réu foi além, pois, como

pontuado, o demandado recebeu, na condição de médico que prestava serviço

pelo Sistema Único de Saúde – SUS, o pagamento de quantia indevida ao

paciente, que, por estar utilizando o SUS, fazia jus ao atendimento gratuito.

Apenas não se locupletou ilicitamente da quantia representada pela cártula

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comercial por circunstância alheia à sua vontade, qual seja a sustação do cheque

pelo correntista titular.

Essa conduta vai contra o ordenamento jurídico,

ofendendo, notadamente, os artigos 196 da Constituição Federal, artigo 7o da Lei

Federal n.o 8.080/90, além de configurar conduta criminosa tipificada pelo artigo

316 do Código Penal.

Violado, assim, o princípio da legalidade.

Não se olvide, também, que ao exigir vantagem

indevida, o demandado atentou contra seu dever de honestidade.

Quanto à aferição de dolo (elemento volitivo) na

conduta do primeiro réu, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, ao

comentarem o princípio da moralidade administrativa, assim lecionam:

“Para que seja identificada a real intenção do agente, a qual poderá revelar a verdadeira motivação do ato e o objetivo colimado com a sua prática, afigura-se impossível a penetração em seu psiquismo, o que conduzirá à analise de tal elemento volitivo a partir da situação fática embasadora do ato e dos elementos externos – ainda que não declinados – que venham a influir na sua prática.

A intenção, assim, é indício aferidor da moralidade do ato, sendo também verificada a partir da compatibilidade entre a competência prevista na norma e a finalidade pretendida com a prática do ato. (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 3a Edição, pág. 79”).

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De acordo com os ilustres estudiosos, o elemento

volitivo somente é aferível a partir das circunstâncias que cercam determinado

ato, visto que é impossível a penetração no psiquismo do agente.

No caso apresentado, existem três circunstâncias que

são indispensáveis para aferir a intenção do agente e verificar a imoralidade do

ato. A primeira circunstância externa seria o estado de perigo, pois alguém

acometido de dano iminente é capaz de contrair obrigação onerosa para salvar-se.

No entanto, sozinha, tal circunstância não denota imoralidade, visto que não é

irresistível, podendo tal pessoa contrair obrigações justas. A segunda

circunstância fática seria o conhecimento da outra parte da circunstância anterior.

A última circunstância seria a existência de obrigação excessivamente onerosa ou

indevida envolvida no negócio jurídico, pois evidentemente estaríamos diante de

um abuso propiciado pela primeira circunstância, pois óbvio que tal era de

conhecimento do outro contraente, dando certo grau de segurança para aferir a

intenção de quem aproveitou tal obrigação.

Assim, objetivamente, a junção de estado de perigo,

conhecimento de tal pelo outro contraente e obrigação excessivamente onerosa

ou indevida enseja um grau razoável de certeza para sustentar-se juridicamente a

má-fé do contraente que tentou lucrar indevidamente. E má-fé, de acordo com a

Lei 8.429/92, é igual à improbidade administrativa.

Destarte, exsurge cristalina a imoralidade existente na

conduta do réu que, aproveitando-se de momento de fragilidade e necessidade da

paciente Rosa Maria Riberro Godini, a qual era de seu inteiro conhecimento,

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exigiu prestação indevida ao seu serviço de atendimento médico. Obviamente,

não podia a paciente apresentar resistência à exigência do pagamento ilegal do

réu, que exigiu e acabou por receber título representativo da vantagem indevida.

De resto, a cobrança de paciente beneficiário do SUS,

além de, como já pontuado, significar atuação contrária ao Direito e desrespeito

ao dever de honestidade, encontra, também, tipificação no artigo 11, caput, da Lei

n.o 8.429/92, por ofensa aos demais princípios que informam a Administração

Pública e de lealdade às Instituições.

Do Conceito Jurídico de Moralidade

O valor moralidade administrativa, previsto

constitucionalmente, trata-se de um bem jurídico a ser protegido pelo

Ordenamento Jurídico, tendo, inclusive, algumas garantias processuais

expressamente previstas na própria Constituição Federal, como é o caso da Ação

Popular e da Ação Civil Pública.

A previsão do princípio da moralidade, em nível

constitucional, trouxe maior preocupação quanto ao seu exato conceito aos

operadores do Direito. O Direito Administrativo desenvolveu algumas teses no

tocante à moralidade administrativa, evoluindo desde a noção básica de

identificação legal até as novas modalidades de aferimento conceitual.

O problema não é meramente conceitual, mas se

refere, principalmente, aos limites entre a moralidade social e jurídica. A Ciência

do Direito, através dos tempos, construiu critérios sólidos para a verificação de

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casos concretos acerca da moralidade da conduta de agentes. Assim, o primeiro

critério aferidor da moralidade envolvida em determinado caso era o critério do

“bonus pater famílias”, segundo o qual, se o agente se comportou objetivamente

como se comportaria um bom pai de família, sua conduta estaria então em

conformidade com a moralidade exigida para o caso.

Após surgiram outros critério aferidores, inclusive, o

critério decorrente das teorias monistas, as quais identificavam a norma e o valor,

ou seja, tudo que é legal é moral. Naturalmente, esse critério não foi bem aceito

pela doutrina, pois como se sabe, nem sempre a Lei identifica-se com a moral.

Atualmente, o princípio da boa-fé objetiva nas

relações entre privados também reclama novas análises da Ciência do Direito.

Hoje, a valoração da probidade, no Direito Privado, dá-se, diretamente, nas

condutas dos sujeitos. Por isso, atualmente, entende-se que o aspecto de maior

relevância está no agir, pois revela, segundo o finalismo, com certo grau de

segurança, as intenções subjetivas e interiores da psique humana.

Hodiernamente, o meio de aferir a moralidade

administrativa mais aceito seria o critério segundo o senso médio superior da

moralidade vigente em determinada comunidade. Na verdade, trata-se de

conceituar a moralidade com a reprovabilidade de conduta segundo o sentir do

homem comum.

Portanto, deve-se analisar o caso dentro do prisma de

raciocínio moral de certa comunidade para sabermos se o agir corrompeu a

moralidade vigente daquele grupo humano. Naturalmente, as reações adversas

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apresentadas pela comunidade quanto a determinado fato indicam o seu conceito

de moral. As manifestações sociais de inconformidade, em verdade, compõem de

certa forma a conceito negativo do que é moral, pois a sociedade, no tocante à

moral, sempre se manifesta em reação, portanto contrária a alguma coisa. Assim

seria o caso das reações adversas das pessoas, quando veem outras pessoas nuas

em via pública, materializando as normas morais vigentes naquela comunidade,

no sentido de que não se pode andar pelado pela rua.

Observa-se que o conceito de moral segundo esse

critério, logo, tem certa gama de variabilidade, pois alguns fatos considerados

imorais, anteriormente, hoje, são mais aceitos. Em contra partida, alguns fatos

considerados imorais, hoje, ganharam maior relevo de imoralidade segundo o

sendo médio superior de moralidade.

Portanto, seguramente, a análise da moralidade

administrativa, no tocante a sua incidência ao caso particular, deve sempre ter

como ponto de partida a moral vigente no senso médio superior da comunidade,

que se manifesta através de reações adversas aos fatos considerados imorais.

Não se trata de equiparar o valor à norma, embora

ambas possuam, indiscutivelmente, ponto de contato. A moralidade

administrativa seria a exigência constitucional e legal do agente agir em

conformidade com seu dever de honestidade, vale dizer, a atuação correta

pressupõe a conformação da conduta aos ditames superiores da moralidade

normativa.

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A Lei n.º 8.429/92 descreve como sendo atos de

improbidade administrativa aqueles que importam enriquecimento ilícito (artigo

9.º - previsto apenas na forma dolosa), lesão ao erário, por ação ou omissão,

dolosa ou culposa (artigo 10) e os que atentam contra os princípios da

Administração Pública (artigo 11 - igualmente apenas na forma dolosa). Nesse

passo, a grave violação do princípio da moralidade já possui o condão de

configurar a improbidade administrativa que, por sua vez, requer (para sua

conformação) inequívoca intenção desonesta e grave violação do senso médio

superior da moralidade vigente numa determinada comunidade.

Sem prejuízo do conceito de moralidade até o

momento exposto, a Moralidade Administrativa vai além. O entendimento

mais aceito e difundido por estudiosos da seara pública é no sentido de

conceituar a o Princípio Moralidade Administrativa como um superprincípio

informador dos demais, e não mero integrante do Princípio da Legalidade. Dessa

forma, torna-se possível o combate ao ato válido, porque respeitado o processo

de formação previsto em lei, mas destituído do elemento moral.

Conforme ensina, brilhantemente, Maria Sylvia Zanella

Di Pietro:

“O Princípio da Moralidade Administrativa exige o

comportamento (do administrador e do administrado) compatível

não somente com a lei, mas, também, com a moral

administrativa, os bons costumes, as regras de boa

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administração, justiça, equidade e honestidade” (Maria Sylvia

Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, pág. 71)

A Moralidade Administrativa possui um “plus” em

relação à moralidade comum, uma vez que abrange a noção de boa

administração; o administrador não deve exercer sua função pública apenas de

acordo com a boa-fé e os bons costumes, ele deve administrar da melhor forma

possível, de maneira que venha a assegurar e perseguir incessantemente o

interesse público.

No que toca à aplicação do Princípio da Moralidade

Administrativa, representando a melhor doutrina sobre o assunto, preconiza

Wallace Paiva Martins Júnior:

“É certo que, à primeira vista, parece carregado o princípio da

moralidade administrativa por uma certa e exagerada dose de

subjetividade, individualizada e diferente. No entanto, trata-se

de uma aparência. O princípio da moralidade administrativa

não precisa ter seu conteúdo definido ou explicitado por regra

expressa em lei. Ele se estabelece objetivamente a partir do

confronto do ato administrativo (desde a pesquise de seus

requisitos, com destaque ao motivo, ao objeto e à finalidade, até a

produção de seus efeitos, ou seja, perquirindo-se a validade e a

eficácia) ou da conduta do agente com as regra éticas tiradas da

disciplina interna da Administração (e que obrigam sempre ao

alcance do bem comum, do interesse público), em que se deve

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fixar uma linha divisória entre o justo e o injusto, o moral e o

imoral (e também o amoral), o honesto e o desonesto.” (Wallace

Paiva Martins Júnior, Probidade Administrativa, 4ª edição,

Saraiva, pág. 35)

Portanto, realmente, a conduta do médico aqui

descrita viola o sentimento de moralidade, em seu senso médio superior, e, sem

dúvida, desrespeita a moralidade administrativa, juridicizando a conduta descrita

anteriormente, tipificando-a como ímproba, perante a Lei nº 8.429/92.

Dos pedidos

Ante o exposto, o Ministério Público requer:

a) seja o requerido notificado para que ofereça

manifestação escrita, nos termos do art. 17, § 7º, Lei n.o 8429/92;

b) com ou sem manifestação escrita, seja recebida a

inicial, sendo o réu citado para que apresente resposta;

c) a produção de todos os meios de prova em direito

admitidos, especialmente a pericial, documental e testemunhal, cujo rol segue

abaixo, além do depoimento pessoal do demandado;

d) a procedência da ação proposta, a fim de que seja

declarado o fato imputado ao demandado como ato de improbidade

administrativa tipificado pelo art. 9o, inciso I, ou art. 9o, caput, da Lei n.º 8.429/92.

Subsidiariamente, requer-se seja declarado o fato imputado ao demandado

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como ato de improbidade administrativa tipificado pelo artigo 11, caput, da Lei n.o

8.429/92;

e) como conseqüência do item anterior, seja o

demandado condenado, a fim de que lhe sejam aplicadas as sanções previstas no

artigo 12, inciso I, da Lei n.o 8.429/92, especificamente: e.1) suspensão dos

direitos políticos por 10 (dez) anos; e.2) pagamento de multa civil de 03 (três)

vezes o valor do acréscimo patrimonial obtido pelo demandado; e.3) proibição de

contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos; Subsidiariamente,

sejam aplicadas as sanções previstas no artigo 12, inciso III, especificamente: e.4)

suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco) anos; e.5) pagamento de multa

civil de 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelos demandados, na

época, devidamente corrigida; e.6) proibição de contratar com o Poder Público

ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,

ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo

prazo de 03 (três) anos.

Dá-se à causa o valor de alçada.

Irati, 29 de fevereiro de 2012.

Caio Bergamo Marques da Silva Maria Luíza Correa de Mello

Promotor de Justiça Substituto Promotora de Justiça

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ROL DE TESTEMUNHAS:

CIRO GILMAR IVATIUK, brasileiro, RG nº 6.020.439-0, residente e

domiciliado à Rua Nossa Senhora de Fátima, nº 661, nesta cidade e

Comarca de Irati (fl. 31);

ROSA MARIA RIBERRO GODINI, brasileira, cuja qualificação e

endereço será oportunamente informado nos autos;

DÉBORA HENZEN, brasileira, cuja qualificação e endereço será

oportunamente informado nos autos.

OSMAR GONÇALVES PEREIRA, brasileiro, RG nº 1.318.622, residente e

domiciliado à Rua Teixeira Soares, nº 27, Bairro Rio Bonito, nesta cidade

e Comarca de Irati (fl. 13).