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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO DO SUL/PR O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, com fulcro no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, art. 25, inciso IV, letras "a" e "b", da Lei n. 8.625/93, e artigos 1º e 5º, da Lei n. 7.347/85 e lastreado no Procedimento Preparatório n. MPPR-0123.13.000203-3, respeitosamente, vem propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face do MUNICÍPIO DE RIO BRANCO DO SUL, pessoa jurídica de direito público interno, representado por seu Prefeito, Excelentíssimo Senhor Cezar Gibran Johnsson, podendo ser citado na Rua Horacy Santos, 222, Centro, Rio Branco do Sul -Pr.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO DO SUL/PR

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu

Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais e

constitucionais, com fulcro no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, art. 25,

inciso IV, letras "a" e "b", da Lei n. 8.625/93, e artigos 1º e 5º, da Lei n. 7.347/85 e

lastreado no Procedimento Preparatório n. MPPR-0123.13.000203-3,

respeitosamente, vem propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face do

MUNICÍPIO DE RIO BRANCO DO SUL, pessoa jurídica de

direito público interno, representado por seu Prefeito, Excelentíssimo Senhor Cezar

Gibran Johnsson, podendo ser citado na Rua Horacy Santos, 222, Centro, Rio

Branco do Sul -Pr.

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1. BREVE SÍNTESE DOS FATOS

Na data de 06/05/2010 a Presidente do Conselho Municipal de

Saúde de Rio Branco do Sul protocolizou, perante a 1ª Promotoria desta Comarca,

por meio do Ofício n. 012/2013, pedido de providências com relação ao Edital de

Concorrência Pública n. 01/2013, para contratação, através de licitação na

modalidade de concorrência por menor preço, de empresa prestadora de serviços

médicos pelo prazo de 01 (um) ano a qual, segundo especificação do edital, teria a

responsabilidade de gerir todo o sistema de saúde do Município, suprindo a

necessidade de médicos no Hospital Municipal de no Programa Saúde da Família.

Tal concorrência estava prevista, no edital, para às 08h30 do

dia 29 de julho de 2103, na sala da Prefeitura Municipal de Rio Branco do Sul e

envolve um contrato de R$ 6.136.946,71 (seis milhões cento e trinta e seis mil

novecentos e quarenta e seis reais), sendo que, por doze meses, médicos

contratados por uma empresa privada prestarão todo o serviço público de saúde do

Município, o que constitui uma irregularidade evidente, uma burla descarada à regra

constitucional que impõe a realização de concurso público para preenchimento dos

cargos públicos.

O Edital de Licitação não teve a publicidade devida e todo o

procedimento foi feito às pressas, já que esta situação chegou ao conhecimento do

Ministério Público apenas três dias antes da data marcada para a licitação. Além

disso, as cláusulas do edital são mal formuladas e permitem que uma série de

irregularidades sejam praticada, de modo que se mostra imperiosa a suspensão do

procedimento e, ao final, a procedência da presente ação civil pública para o fim de

declarar nulo o procedimento licitatório em exame.

Há que se mencionar, ainda, neste caso, outro fator importante

que revela a flagrante ilegalidade deste procedimento licitatório: o próprio Prefeito

Municipal de Rio Branco do Sul firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o

Ministério Público comprometendo-se a realizar concurso público para contratação

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de servidores, pondo fim a um permanente estado de inconstitucionalidade que

assola o Município, já que são inúmeras as contratações por vias transversas, que

criam um ralo para o dinheiro público.

Agora, ainda antes de dar efetivo cumprimento ao Termo de

Ajustamento de Conduta, inicia um procedimento licitatório para terceirizar toda

assistência médica do Município, num contrato de mais de R$ 6 milhões de reais,

que consistirá, em termos claros, na contratação informal, sob o caro regime de

plantão, de vários médicos particulares para atender no Hospital Municipal e no

Programa Saúde da Família, por meio de empresa interposta.

Assim, considerando:

(1) a inconstitucionalidade da delegação, no sentido vulgar da

palavra, da prestação do serviço público de saúde para médicos contratados por

empresa privada sem concurso público;

(2) a impossibilidade do Estado abrir mão de seu dever

constitucional de prestar o serviço público de saúde, transferindo-o integralmente

para particulares, já que a Constituição Federal determina exatamente o contrário,

sendo o particular quem atuará de forma complementar;

(3) as irregularidades do Edital de Licitação;

(4) a estranha celeridade com que o processo tramitou, sendo

impossível encontrar tal Edital na página inicial do sítio da Prefeitura e em qualquer

outro veículo oficial de comunicação; e

(5) e o alto valor envolvido, que certamente vulnerará o cofre

público, o Ministério Público, na defesa irrestrita do patrimônio público, vem a Juízo,

pleitear, em caráter liminar, a suspensão imediata do procedimento licitatório ou dos

efeitos dos atos por ventura até aqui praticados, e, ao final, a anulação do Edital n.

01/2013 e de todo o processo administrativo desencadeado.

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2. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação

do Ministério Público, atribuiu-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do

regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127).

Também previu como função institucional do Ministério Público promover o inquérito

civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Assim o fez em seu art. 129,

inciso III.

A Lei n. 7.347/85 regulamentou a ação civil pública, e

conferiu ao Ministério Público legitimidade para o ajuizamento de ação civil (art. 5º, I)

cuja aplicação do referido Diploma Legal ocorre em conjugação com a legislação

processual civil, notadamente com o Código de Processo Civil.

Diante do contexto constitucional e infraconstitucional, extrai-se

que o Parquet, pode e deve promover todas as medidas necessárias –

administrativas e/ou jurídicas – para a defesa do patrimônio público.

Assentada a legitimidade do Ministério Público para o

desencadeamento da ação civil pública no caso em tela, imperativo é o exercício de

tal mister pela 1ª Promotoria de Justiça de Rio Branco do Sul, a qual dentre outras

funções, também exerce a de velar pelo patrimônio público, neste instante violado

em virtude dos atos em discussão.

3. DO DIREITO

A presente ação civil pública se assenta em três fundamentos

jurídicos: (1) violação da regra constitucional do concurso público; (2) violação da estrutura do Sistema Único de Saúde que exige protagonismo do setor público e complementariedade pelo setor privado; e (3) irregularidade do Edital

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de Concorrência Pública n. 01/2013, que torna nulo o procedimento licitatório por ele desencadeado, por não atender às exigências da Lei n. 8666/93.

3.1. Da violação à regra constitucional do concurso

público pela contratação de médicos particulares por empresa interposta

Servidor público ou agente público é toda pessoa física

que desempenha uma função vinculada a alguma atividade do Poder Público.

A Constituição da República de 05 de outubro de 1988

estabelece no artigo 37, II, de maneira cristalina e precisa, a exigência de

concurso para o ingresso no serviço público, nos seguintes termos:

“II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, ressalvadas as

nomeações para cargo em comissão, declarado em lei de livre nomeação e

exoneração. (grifado).”

No mesmo artigo, em seu inciso V, a Carta Magna

prescreve:

“V- os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos,

preferencialmente, por servidores ocupantes de cargos de carreira técnica

ou profissional, nos casos e condições previstas em lei. (grifado)”.

Já o inciso IX, do mesmo dispositivo constitucional,

reza: “IX- a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para

atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. (sem

grifos no original).”

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Todos esses dispositivos estão a evidenciar que, após a promulgação do Texto Constitucional de 1988, salvo as exceções que enumera, a investidura no serviço público só é permitida através de aprovação em concurso público de provas, ou provas e títulos.

Assim, é ilegal a contratação de servidor para prestar serviços médicos aos munícipes mediante contrato derivado de procedimento licitatório, quando o exigido é concurso público.

Embora a Lei n. 8.666/93, no seu artigo 6º, fale que é objeto de

licitação a contratação de obras ou serviços, no segundo caso só são admitidos

serviços temporários da Administração, ou seja, aqueles desenvolvidos por exceção

e que não fazem parte das atividades rotineiras da administração. Veja-se o artigo 6º

da Lei de Licitações:

Art. 6o - Para os fins desta Lei, considera-se:

I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação,

realizada por execução direta ou indireta;

II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais; III - Compra - toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de

uma só vez ou parceladamente;

IV - Alienação - toda transferência de domínio de bens a terceiros;

V - Obras, serviços e compras de grande vulto - aquelas cujo valor estimado

seja superior a 25 (vinte e cinco) vezes o limite estabelecido na alínea "c" do

inciso I do art. 23 desta Lei; (destacado).

A respeito, ensina Marçal Justen Filho:

5) A Natureza dos “serviços”

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Não cabe, ao contrário do que o texto literal induz, a aplicação da Lei n.º 8.666/93 à contratação de todos os “serviços” de terceiros. Somente quando se tratar de serviços esporádicos ou temporários, desenvolvidos por exceção, incidirá tal regime. Quando o serviço corresponder a cargo ou emprego público, aplicam-se os dispositivos constitucionais acerca dos servidores públicos, empregados públicos ou prestadores de serviço temporário (CF, art. 37 e seus incisos). Em tais hipóteses, não caberá licitação, mas concurso público (ressalvada a hipótese de cargos em comissão). (destacado)

O objeto do contrato derivado do procedimento licitatório é

diverso do objeto do contrato derivado do concurso público.

No primeiro caso, segundo o art. 6º da Lei 8.666/93 é a obra, o

serviço, a compra, a alienação, a concessão, a permissão e a locação que, a final,

será contratada com o particular , enquanto o objeto da relação de emprego entre a

administração pública e o servidor é a prestação do trabalho humano em caráter

permanente e com subordinação.

A relação de emprego entre o servidor público e o ente para o

qual ele serve guarda similitude com a do empregado e empregador na relação de

emprego na iniciativa privada, como ensina José dos Santos Carvalho Filho:

Servidores públicos são todos os agentes que, exercendo com caráter de

permanência uma função pública em decorrência de relação de trabalho,

integram o quadro funcional das pessoas federativas, das autarquias e das

fundações públicas de natureza autárquica.

Como foi dito acima, os servidores públicos fazem do serviço

público uma profissão, como regra de caráter definitivo, e se distinguem dos demais

agentes públicos pelo fato de estarem ligados ao Estado por uma efetiva relação de

trabalho. Na verdade, guardam em muitos pontos semelhança com os empregados

das empresas privadas: tanto estes como os servidores públicos emprestam sua

força de trabalho em troca de uma retribuição pecuniária, comumente por períodos

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mensais. Ambos são trabalhadores em sentido lato: executam suas tarefas em prol

do empregador (público ou privado) e percebem, ao final do mês, sua remuneração

(vencimentos, para os servidores, e salário, para aos trabalhadores privados).

A relação de emprego na iniciativa privada se aperfeiçoa

mediante um contrato de trabalho, formal ou informal. Na Administração Pública, onde os atos administrativos respeitam formas prescritas em lei, esse contrato

é sempre formal e deve ser precedido de concurso público, salvo nos casos excepcionados pela própria Constituição da República.

Os elementos que caracterizam a relação de emprego do

servidor público são os mesmos que caracterizam a relação de emprego na iniciativa

privada, ou seja, pessoalidade, onerosidade, continuidade, exclusividade e

subordinação jurídica.

A propósito, traz-se o ensinamento de Diógenes Gasparini:

2. Características

São caracterizados pela profissionalidade (prestam serviços à

Administração Pública direta ou indireta, como profissionais, pela

dependência do relacionamento (as entidades a que se vinculam

prescrevem seus comportamentos nos mínimos detalhes, não lhes

permitindo qualquer autonomia) e pela perenidade (não-eventualidade) da

relação de trabalho que ajustaram com as referidas entidades. Não importa,

então, o regime, estatutários ou celetistas, pelo qual se vinculam à

Administração Pública direta ou indireta se a relação de trabalho é marcada

por essas notas.

O já citado José dos Santos Carvalho Filho complementa:

2. Características

Podemos apontar algumas características que delineiam o perfil da

categoria dos servidores públicos.

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A primeira delas é a profissionalidade, significando que os servidores

públicos exercem efetiva profissão quando no desempenho de suas funções

públicas. Formam, por conseguinte, uma categoria própria de trabalhadores

–a de servidores públicos.

Outra característica é a definitividade. O sentido é o da permanência no

desempenho da função. Isso não quer dizer que não haja funções de

caráter temporário, mas todas estas vão representar sempre situações

excepcionais, que, por serem assim, refogem à regra geral da definitividade.

A regra geral é a de que o servidor desenvolverá seus misteres com cunho

de permanência.

Temos também a existência de uma relação jurídica de trabalho, e nela

pode verificar-se a todo mo tempo a presença de dois sujeitos: de um lado,

a pessoa beneficiária do exercício das funções, que em sentido amplo pode

qualificar-se como empregador (pessoas federativas, autarquias e

fundações autárquicas), e de outro, o servidor público, vale dizer, aquele a

quem incumbe o efetivo exercício das funções e que empresta sua força de

trabalho para ser compensado com uma retribuição pecuniária. Pode dizer-

se mesmo que a relação de trabalho corresponde à relação de emprego,

logicamente em sentido amplo, sem considerar apenas os empregos

regulados pela legislação trabalhista. Por isso, não é incomum ouvir-se de

um servidor exonerado a afirmação de que “perdeu o emprego”. Na prática,

emprego tanto serve para indicar a relação de trabalho das entidades

privadas em geral como para identificar a relação jurídica da qual faz parte o

servidor público.

No caso vertente, o requerido pretende contratar médicos,

das mais diversas especialidades, utilizando-se de uma manobra, consistente na

contratação de empresa interposta, que, por sua vez, os contratará, não obstante se

trate de serviço público que apenas permite a contratação por meio de concurso público, já que será não eventual e prestado com profissionalidade.

Ao se observar o Edital de Concorrência Pública n.

01/2013 constata-se que a Prefeitura Municipal de Rio Branco do Sul pretende

transferir a médicos particulares, contratados sob regime de plantão, que é muito

mais custoso ao Erário, e por uma empresa privada, a prestação integral do serviço

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público de saúde de toda a cidade, envolvendo o Hospital Público e Programa do

Médico da Família.

Veja-se que no Edital de Concorrência Pública n. 01/2013

consta como objeto de contratação “empresa de prestação de serviços médicos no

hospital municipal de Rio Branco do Sul e médicos para o programa Saúde da

Família – PSF, sob o regime de execução por preço global, tipo menor preço, pelo

período de 12 meses”.

Já no Anexo I do referido Edital estão especificados os

serviços, onde é possível verificar que as especialidades médicas que o Município

pretende contratar através do processo de licitação: 150 plantões mensais de clínico

geral, 04 plantões de cirurgia geral, 04 plantões de oftalmologia, 04 plantões de

pediatria e 24 plantões de ginecologia/obstetra, de modo que, em verdade, não

pretende a licitação contratar empresa, mas médicos, de especialidades definidas,

não sendo, assim, caso de atividade-meio do hospital, mas a própria atividade-fim, o

que é vedado pela Constituição Federal.

Portanto, esse serviço que o requerido busca selecionar

por meio de licitação é, na verdade, serviço que exige concurso público, sendo ilegal

a conduta do Administrador Público.

Neste sentido, reiteradamente tem se manifestado a

jurisprudência pátria:

TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. DESCONFIGURAÇÃO. A TERCEIRIZAÇÃO

NO SERVIÇO PÚBLICO SÓ É POSSÍVEL NOS CASOS PREVISTOS EM LEI.

EDUCAÇÃO, LIMPEZA E SAÚDE, FAZEM PARTE DA ATIVIDADE-FIM DO

MUNICÍPIO, NÃO SENDO PASSÍVEIS DE TERCEIZIRAÇÃO, COM O

AGRAVANTE DA AUSÊNCIA NOS AUTOS DE PROVA DA CONTRATAÇÃO DE

EMPRESA PRESTADORA DO SERVIÇO.

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Reclamante admitida após 05/10/88, sem concurso público. Contrato nulo. Não

atendido o requisito do concurso público, afigura-se como nulo o contrato

avençado, com efeitos ex tunc. Entretanto, havendo a prestação de serviços e

sendo impossível se restituir a força do trabalho despendida, faz jus o prestador à

indenização relativa ao salário stricto sensu.(TRT 21ª Região, RO 00168-2003-

022-21-00-9, Ac. 51.241, Relatora Maria de Lourdes Alves Leite, DJRN

27/08/2004). Destacado.

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO DE

MÃO-DE-OBRA. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES INERENTES ÀS

CATEGORIAS FUNCIONAIS DO QUADRO DE PESSOAL OU DE SERVIÇOS

QUE COMPÕEM A ATIVIDADE FINALÍSTICA DO ÓRGÃO. VIOLAÇÃO AO

ARTIGO 37, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO DECRETO Nº

2.271/97. EXISTÊNCIA DE TERMO DE CONCILIAÇÃO JUDICIAL FIRMADO NOS

AUTOS DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA, AJUIZADA PERANTE A JUSTIÇA DO

TRABALHO, PARA SUPRESSÃO GRADUAL DA CONTRATAÇÃO IRREGULAR.

NÃO IMPEDIMENTO DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA (ART. 17, § 1º , DA LEI Nº 8.429/92). CARÊNCIA DE

PESSOAL EM VIRTUDE DE CESSÃO DE SERVIDORES EM QUANTIDADE QUE

COMPROMETE O FUNCIONAMENTO DA PRÓPRIA ENTIDADE CEDENTE,

COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.270/91– CESSÃO DE

SERVIDORES NÃO ILIMITADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS

AUTORIZADORES DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DA

CONTRATAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.

I. Contratação irregular de mão-de-obra admitida pela própria agravante, em

afronta ao Decreto nº 2.271/97, que proíbe a execução indireta de atividades

inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos de órgão ou

entidade pública, salvo nos casos de expressa autorização legal, e ao art. 37,

inciso II, da Constituição Federal.

II. Caso em que a agravante, ancorada na existência de termo de conciliação

judicial, firmado nos autos da ação civil pública trabalhista 00751-2007-018-10-00-

4, que dá à f u n a s a prazo até 2012 para, gradativamente, regularizar as

contratações, sustenta falta de interesse do Ministério Público Federal para

manejar ação de improbidade administrativa fundada na irregularidade dessa

contratação. O termo de conciliação judicial, de fato, prevê a substituição gradual,

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em sua cláusula 3ª, de terceirizados por servidores concursados, até 2012, com o

seguinte cronograma, em percentuais mínimos: 20% até 30/06/2009, 20% até

30/06/2010, 20% até 30/06/2011, e, totalmente, até 30/06/2012 (fls. 55/56). E é,

ainda, mais flexível, pois permite, excepcionalmente, prorrogação desses prazos e

substituição pela via da contratação temporária.

III. A ação civil pública é regida pela Lei nº 7.347/85, que, em seu art. 5º, § 6º,

faculta aos órgãos públicos legitimados ‘tomar dos interessados compromisso de

ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá

eficácia de título executivo extrajudicial’. Essa mitigação ao princípio da

indisponibilidade do interesse público, no entanto, não existe na ação de

improbidade administrativa, regida pela Lei nº 8.429/92, que, expressamente, em

seu art. 17, § 1º, veda ‘a transação, acordo ou conciliação’. O objeto da ação de

improbidade administrativa é específico. Portanto, diverso da amplitude do da

genuína ação civil pública. Dita a lia (Lei nº 8.429/92) que ‘os agentes públicos de

qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos

princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos

assuntos que lhe são afetos’ (art. 4º) e que ‘os atos de improbidade praticados por

qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou

fundacional de qualquer dos poderes da união, dos estados, do Distrito Federal,

dos municípios, de território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de

entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com

mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na

forma desta Lei’ (art. 1º ). (destacou-se)

IV. Assim, o termo de conciliação judicial pode até barrar eventual ação civil

pública para o mesmo objeto de que cuidou a demanda presumivelmente extinta

com a possível homologação desse termo, pois, convertido em título executivo

judicial, faltaria interesse de agir ao Ministério Público para propor ação de

conhecimento. Contudo, esse título executivo não repercute na esfera do objeto

perseguido na ação de improbidade administrativa, que não admite transação,

acordo ou conciliação.

V. Mesmo em se tratando de ação civil pública, a doutrina não afasta a tese de

que, se o objeto de nova ação for mais amplo, de modo a buscar o mais

satisfatório e adequado atendimento ao interesse público, o interesse processual é

legítimo, tendo em conta que os colegitimados ativos não têm disponibilidade

sobre o bem jurídico ofendido, sobre seu conteúdo material, pela prevalência do

reitor princípio da indisponibilidade do interesse público, que, em essência, não

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admite transação, o que afastaria eventual alegação de ofensa ao princípio da

segurança jurídica.

VI. A agravante admite a cessão de servidores, em demasia, a outros órgãos e

entes da federação, mas a fundamenta no art. 20 da Lei nº 8.270/91, que facultou

ao ministério da saúde colocar servidores seus, das autarquias e fundações

públicas a ele vinculadas a serviço da implementação do Sistema Único de Saúde.

Esse dispositivo, entretanto, não pretendeu. Nem poderia. Permitir a cessão de

servidores a ponto de desequilibrar ou comprometer o funcionamento dos órgãos

vinculados ao ministério da saúde. O excesso de servidores cedidos contraria o

dever jurídico de boa gestão administrativa. Equivale a uma absorção ou

cooptação de parte do quadro de pessoal da Funasa. Como pontifica Celso

Antônio bandeira de melo, ‘tomar uma Lei como suporte para a prática de ato

desconforme com sua finalidade não é aplicar a Lei; é desvirtuá-la; é burlar a Lei

sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício. Denominado

‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’. São nulos. Quem desatende ao fim

legal desatende à própria Lei’.

VII. Presença dos requisitos do art. 273 do CPC. A verossimilhança da alegação

foi amplamente demonstrada. É a própria agravante, Funasa, que admite a

ilicitude da contratação e a existência de excessivo contingente de pessoal cedido

a outros órgãos e entes da federação. O fundado receio de dano irreparável ou de

difícil reparação está na possibilidade de que recursos públicos federais podem

estar sendo empregados, pela Funasa, desnecessariamente, em mão-de-obra

terceirizada, já que, incontroversamente, possui servidores cedidos em quantidade

suficiente para substituir os terceirizados. De outro lado, se evidenciada a

necessidade de contratação temporária, observados os pressupostos inscritos no

art. 37, inciso IX, na forma disciplinada na Lei nº 8.745/93, especialmente com as

alterações feitas pela Lei nº 11.784/2008, há um interesse difuso que não pode ser

desprezado, que é o direto de acesso à ocupação pública, como regra, pelo

mérito, por meio de processo seletivo simplificado, sujeito a ampla divulgação (art.

3º da 8.745/93). Não sendo o caso, a regra constitucionalmente assegurada é a do

concurso público. A burla ao concurso público ou ao processo seletivo simplificado

retira de um universo indefinido de cidadãos, em todo o país, o direito de ingresso

no serviço público pelo mérito, violação à Lei que se dá pela negativa irreparável

de oportunidade, pois cada dia pago ao ocupante irregular jamais será revertido

àquele que, por mérito, poderia estar no exercício do cargo público, e que,

justamente pelo descumprimento da regra do concurso, pode estar

desempregado.

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VIII. Mantida a decisão agravada que vedou a prorrogação do prazo de vigência

do contrato 66/2007. Agravo improvido. (TRF 1ª Região, AI 2008.01.00.052535-0,

3ª Turma, Relator Rosa de Jesus Oliveira, j. 18/8/2009, DJF1 28/8/2009, p. 307).

Destacado.

AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL.

TERCEIRIZAÇÃO PELO MUNICÍPIO. ILEGALIDADE. RESPONSABILIDADE

SUBSIDIÁRIA.

Serviços essenciais e necessários ao Município, que têm continuidade no tempo,

não podem ser terceirizados, devendo a Administração Pública promover a

contratação de empregados por meio de concurso público. O processo ‘licitatório’

do qual resultou ajuste entre os Reclamados, afronta a norma constitucional

inserta nos arts. 30, VII, e 198, I, na medida em que visou mascarar a ‘delegação’

pelo ente público da prestação de serviço de sua atribuição exclusiva, sem que se

verificassem as hipóteses legais de contratação sem concurso público, por prazo

determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse

público (art. 37, IV, da Constituição Federal). Evidenciada a hipótese de

‘terceirização ilícita’ pelo Município a um ente privado, para prestação de serviço

eminentemente público, em ofensa aos princípios que regem a Administração

Pública, reconhece-se sua responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas

do ‘agente comunitário de saúde’, consoante entendimento da Súmula nº 331, IV

do C. TST. (TRT 9ª Região, Proc. 01589-2007-242-09-00-7, Ac. 10887-2009; 1ª

Turma, Relatora Janete do Amarante, DJPR 17/4/2009). Destacado.

Não fosse apenas a ofensa aos princípios constitucionais,

ocorrerá também dano ao erário, pois o Município está contratando médicos sob

regime de plantão, o que é muito mais oneroso uma vez que contratado de forma

isolada. Não é compreensível o motivo pelo qual o requerido deixa de realizar

concurso público e, assim, contratar um médico com carga horária de servidor

público, para pagar mais de R$ 1.000,00 (mil reais) por plantão isolado. O plantão, exceção no regime de prestação de serviços, está sendo institucionalizado

como regra no Município, o que abre ainda mais o ralo para o dinheiro público.

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Veja-se. Por 186 plantões o Município de Rio Branco do

Sul gastará R$ 4.621.200,00 (quatro milhões, seiscentos e vinte um mil reais e

duzentos reais) no período de um ano. Certamente quantia muito superior ao que

gastaria realizando concurso público e pagando determinada quantia mensal a um

médico de carreira, já que os plantões geralmente têm valor elevado.

Ademais, está evidente que com tal prática, o Município

de Rio Branco do Sul ficará impedido de contar em seus quadros com profissionais

de saúde qualificados, escolhidos pelo mérito, através de um concurso público

imparcial.

Outra questão preocupante neste Edital é que não há especificação quanto ao vínculo que deverá se estabelecer entre a empresa privada contratada pela Administração Pública e os médicos plantonistas.

Assim, nada impede que, na ânsia de aumentar os lucros, sejam desrespeitadas

cláusulas trabalhistas, o que poderá, futuramente, gerar o redirecionamento de

eventual reclamatória trabalhista ajuizada por estes médicos ao Município de Rio

Branco do Sul, que, por sua vez, pagará duas vezes, agora, na contratação do

serviço, e depois, quando chamado a integrar eventual ação de responsabilidade.

Também há que se lembrar que o Município firmou, com o

Ministério Público, Termo de Ajustamento de Conduta comprometendo-se a realizar

concurso público e, assim, resolver um problema crônico de muitas Administrações

Públicas, que constantemente violam a regra constitucional, lançando mão, de forma

até fraudulenta, de outros meios de contratação.

Não obstante este Termo de Ajustamento de Conduta,

vem, agora, o Município e pretende contratar médicos privados através de uma

licitação para contratação de empresa gestora de serviços de saúde, em clara

violação ao princípio e regra constitucional do serviço público, razão pela qual a

suspensão da licitação em comento é medida que se impõe.

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3.2. Da ilegalidade pela violação à estrutura constitucional do Sistema Único de Saúde, que exige protagonismo do setor público e atuação meramente complementar do setor privado.

O artigo 196 da Constituição Federal afirma que a saúde

pública é direito de todos e dever do Estado e que os serviços públicos de saúde

serão executados pelo Estado de forma direta ou indireta, hipótese em que

particulares poderão atuar nessa área.

Contudo, o art. 199 da Constituição Federal, é claro ao

afirmar que os particulares poderão participar apenas de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferências as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

No plano infraconstitucional não é diferente. O artigo 24

da Lei n. 8.080/90 também é expresso quanto a tal complementaridade: “Quando as

suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à

população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá

recorrer, mediante contrato ou convênio, aos serviços ofertados pela iniciativa

privada”.

No caso em tela, o que se pretende através do Edital

de Licitação n. 01/2013 é a completa substituição do Estado pelos particulares,

já que a Prefeitura, por meio de um contrato com prazo de vigência de um ano e de

mais de R$ 6 milhões de reais, irá transferir a uma empresa privada que contratará

médicos particulares que se encarregarão por todo o serviço de saúde do Município.

Tal procedimento licitatório se torna, sublinhe-se, ainda

mais estranho uma vez que a Prefeitura Municipal firmou Termo de Ajustamento de

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Conduta com o Ministério Público comprometendo-se a realizar concurso público

para contratação de servidores, alinhando-se, assim aos ditames constitucionais.

Considerando que, se formalizado, o contrato em tela terá

seu termo final em agosto de 2014, no máximo, resta evidente a má-fé da Prefeitura

Municipal, que, por certo, não tem a intenção de cumprir o Termo de Ajustamento de

Conduta.

É sabido e consabido que a Administração Pública é

regida pelo princípio da legalidade, devendo atuar nos exatos termos da lei e da

Constituição Federal. Nesse sentido, são claras as palavras de Celso Antonio

Bandeira de Mello:

"Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-

administrativo. Justifica-se, pois, que seja tratado - como o será - com

alguma extensão e detença. Com efeito, enquanto o princípio da

supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de

qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins

políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente

aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é

o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito

Administrativo (pelo menos aquilo que com tal se concebe) nasce com o

Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do

Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração

Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte,

a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na

expedição de comandos complementares à lei."(Curso de Direito

Administrativo, Editora Malheiros, 22ª edição, p. 96/97).

Desse modo, não pode o Administrador Público criar um

regime próprio de gestão administrativa, já que sua atuação é vinculada à legalidade

estrita. Se a Constituição Federal diz que a atuação privada é complementar, não

pode o requerido decidir transferir toda a atuação, praticamente a uma empresa

privada que, por sua vez, terceirizará os serviços para médicos particulares.

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A única possibilidade de atuação livre está na iniciativa

privada, no empreendedorismo, aí sim o Administrador pode ser criativo e trabalhar

com infinitas e não previstas possibilidades de acordos no desempenho de suas

atividades. A coisa pública, exatamente porque não lhe pertence, não funciona

dessa maneira.

Assim, seja porque a saúde é serviço público que não

permite o protagonismo por particulares, seja porque o concurso público é regra

constitucional da qual o gestor público não pode fugir, salvo em exceções

devidamente fundamentadas, o que não se verifica nesse caso, a concessão da

liminar para suspender o procedimento administrativo e, caso já tenho ocorrido a

licitação, os efeitos dos atos jurídicos praticados, é medida que se impõe.

3.3. Da nulidade do procedimento licitatório pela

irregularidade de cláusulas do Edital de

Concorrência Pública n. 01/2013, que não atendem às disposições da Lei n. 8666/93.

Neste aspecto, torna-se necessário reiterar, consoante já

exposto cima, que o princípio da legalidade, na sua acepção moderna, envolvendo

princípios e regras, é o vetor de atuação da Administração Pública.

Cabe aqui uma clássica lição de Hely Lopes Meirelles: "A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa

que o administrador público, está, em toda a sua atividade funcional, sujeito

aos mandamentos da lei e às exigências do em comum, e dele não se pode

afastar ou desviar-se, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a

responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso." (Op. cit., p.

82)

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Como acima explanado, o objeto do Edital de Concorrência n.

01/2013 é flagrantemente inconstitucional. Não há como contratar serviço público

por meio de licitação que na verdade pretende terceirizar atividade-fim do Estado.

Mas, não obstante a flagrante e completa inconstitucionalidade

da contratação de médicos através de procedimento licitatório direcionado para

empresa, a presente demanda também deve ser julgada procedente ante às

inúmeras irregularidades do Edital de Concorrência Pública n. 01/2013, conforme se

passará a expor.

Inicialmente, cabe dizer que é no mínimo estranha a celeridade

com que o processo vem sendo conduzido, sobretudo num cenário em que foi

firmado um TAC para realização de concursos públicos que nunca aconteceram.

Com relação à celeridade, já na cláusula 1.2 verifica-se a

possibilidade de renúncia ao prazo de interposição de recurso, um direito de todo

administrado perante a Administração Pública.

A cláusula 2, especificando o objeto do Edital, está traçada

nos seguintes termos: “contratação de empresa de prestação de serviços médicos

no hospital municipal de Rio Branco do Sul e médicos para o programa Saúde da

Família – PSF, sob o regime de execução por preço global, tipo menor preço, pelo

período de 12 meses”. É latente a irregularidade da disposição editalícia, já que, em

verdade, não se busca a contratação de empresa de prestação de serviços médicos,

mas a contratação direta de médicos particulares pelo Estado através de empresa

interposta, constituindo verdadeira terceirização ilícita de atividade-fim.

Prosseguindo, a cláusula 4 é a que talvez revele mais

estranheza, já que traz as condições para participação na licitação, as quais, em

verdade, inexistem. Com efeito, segundo o Edital n. 01/2013, para participar da

concorrência que, relembre-se, concederia, no sentido comum da palavra, toda

prestação de serviço público de saúde do Município, bastaria que as empresas

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fossem “regularmente estabelecidas no País, cuja finalidade e ramo de atuação

principal estejam relacionados ao presente certame”. Ora, não trouxe, o Edital,

qualquer disposição a respeito do corpo técnico, dos responsáveis técnicos e legais

e da estrutura mínima para uma empresa assumir um contrato de mais de R$ 6

milhões de reais, envolvendo toda prestação de serviço de saúde na cidade.

Veja-se que a Lei de Licitações, n. 8666/93, é muito clara ao

dispor sobre os requisitos para licitação de obras e serviços. Como o Edital n.

01/2013 pretende ter como objeto a contratação de serviço, deveria obedecer à

seguinte sequencia: projeto básico, projeto executivo e, finalmente, a execução do

serviço. Nada disso é tratado de forma série no Edital em comento, já que, em

verdade, o que se busca é a contratação, por vias transversas, de um serviço público que sequer se encaixa no conceito de serviço referido na Lei n. 8666/93.

Assim, o art. 7º da Lei n. 8666/93 foi frontalmente

desrespeitado pelo Edital n. 01/2013, bem como todos os demais dispositivos que

versam sobre a contratação de serviços por licitação.

Assim, pela estranheza e rapidez com que o processo foi

conduzido, bem como pelas irregularidades nas cláusulas do Edital n. 01/2013, a

suspensão liminar do procedimento ou dos efeitos dos atos nele praticados, mostra-

se imprescindível, para, ao final da demanda, declarar-se a completa nulidade do

Edital de Concorrência n. 01/2013.

4. DA MEDIDA LIMINAR

Como leciona RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, a Lei n.

7.347/85 possibilita a tutela cautelar tanto através de ação cautelar própria (artigo

4º), quanto na própria ação civil pública (artigo 12).

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No presente caso, necessária a medida liminar para cessar, imediatamente, os efeitos nefastos de uma licitação que se anuncia prejudicial ao interesse público e ao patrimônio público, vedada pelo artigo 37 da Constituição Federal.

Como se sabe, para concessão da medida liminar necessário

se faz a presença de dois requisitos essenciais: fumus boni iuris e periculum in

mora.

O fumus boni iuris consiste no dizer de WILARD DE CASTRO

VILAR:

"No juízo de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser

acertado e o provável perigo de dano possível ao direito pedido no processo

principal."

Sobre periculum in mora, escreve ORLANDO ASSIS CORRÊA:

"A atividade cautelar foi preordenada para evitar que o dano oriundo da

inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do

remédio jurisdicional."

No caso em tela, o relevante fundamento da demanda – fumus

boni juris – e o justificado receio de ineficácia do provimento final – periculum in

mora – estão devidamente demonstrados nos documentos que acompanham a

presente ação.

O requisito do fumus boni juris se constata facilmente no

embasamento constitucional e infraconstitucional que exsurge dos artigos 37 e 196

da Constituição Federal e dos demais dispositivos da Lei n. 8666/93, que estão

sendo flagrantemente violados nesta concorrência pública.

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Quanto à existência do periculum in mora, este se

caracteriza pela urgência da concessão da antecipação de tutela. Com efeito, o

Município, ao levar a cabo a concorrência agendada para o dia 29 de julho do ano

em curso, caminha para a finalização do procedimento e possibilidade de repasse, a

um particular de quantia superior a R$ 6.000.000,00 (SEIS MILHOES DE REAIS).

Além disso, a não concessão da tutela pretendida gerará

prejuízos irreparáveis aos cofres públicos, eis que caso o negócio jurídico não venha

a ser obstado ou anulado, a empresa privada dará início a contratação de médicos e

assumirá o controle dos serviços públicos de saúde, prejudicando toda a população,

já que o modo como esses médicos estão sendo contratados é muito mais oneroso

do que o concurso público – regime de plantão – e, ainda, não está sendo feita

qualquer tipo de avaliação desses profissionais, em desrespeito à meritocracia,

própria dos certames públicos, que buscam selecionar candidatos com melhor

preparo técnico e profissional para o exercício da atividade junto à coletividade.

Ressalte-se que, ainda, que, uma vez contratados os médicos, os vencimentos percebidos não poderão ser devolvidos ao Erário, de maneira que a não-concessão da liminar resultará numa situação juridicamente irreversível, dado que, uma vez prestado o serviço, não poderá a Fazenda Pública buscar seu ressarcimento, havendo evidente dano ao patrimônio público.

Deste modo, a concessão da liminar para determinar que a

suspensão do procedimento licitatório decorrente do Edital de Concorrência Pública

n. 01/2013 e de todos os efeitos jurídicos dos atos eventualmente praticados é

medida imprescindível para resguardar o direito à tutela coletiva.

5. DO PEDIDO

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARANÁ requer:

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I – seja a presente demanda registrada e autuada, juntamente com

os documentos que a acompanham (Procedimento Preparatório n. MPPR-0123.13.000203-3), e recebida como AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, processando-se o

presente feito sob o rito ordinário;

II – a concessão de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, com fundamento

no art. 273 do Código de Processo Civil, aplicável à Ação Civil

Pública por força do que dispõe o art. 19 da Lei 7.347/85, tendo em

vista a gravidade e urgência do caso (o contrato é de mais de R$ 6

milhões de reais), inaudita altera pars, para o fim de determinar ao Município de Rio Branco do Sul, na pessoa de seu gestor, que SUSPENDA o procedimento de licitação desencadeado pelo Edital de Concorrência Pública n. 01/2013 e os efeitos jurídicos

decorrentes dos atos eventualmente já praticados, ato que deverá ser publicado, sob pena de aplicação de multa diária e pessoal ao gestor municipal, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), bem como de instauração de persecução penal por crime de

desobediência, sem prejuízo dos eventuais delitos de

responsabilidade a serem apurados.

III – a citação pessoal do Município de Itaperuçu para, querendo,

oferecer resposta a presente ação, com as cautelas do art. 285 e

172, § 2°, do Código de Processo Civil, sob pena de revelia;

IV – a PROCEDÊNCIA DO PEDIDO da presente demanda, para o fim de ANULAR o procedimento decorrente do Edital de

Concorrência n. 01/2013 tornando, também, nulos e sem quaisquer efeitos os atos jurídicos já praticados diante das inconstitucionalidades e ilegalidades expostas;

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V – a produção, se necessárias, de todas as provas em direito

admitidas, inclusive perícias e, especialmente, a juntada INTEGRAL dos autos do procedimento licitatório desencadeado pelo Edital de Concorrência Pública n. 01/2013;

VI – a condenação da parte requerida nos consectários legais de

sucumbência.

Dá-se à causa o valor de R$ 6.136.946,74 (seis milhões cento

e trinta e seis mil novecentos e quarenta e seis reais), referente ao valor do objeto

da licitação desencadeada pelo Edital de Concorrência Pública n. 01/2013.

Rio Branco do Sul, 30 de julho de 2013.

ANDRÉ LUIZ DE ARAÚJO

Promotor Substituto