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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO
Rua Santa Luzia, nº 173 – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20020-021
Tel.: (21) 3212-2000
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DO TRABALHO DA VARA
DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por
intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho, com sede na
Rua Santa Luzia, 173, Centro, CEP 20.020-021, Rio de Janeiro,
RJ, neste ato representado pelo Procurador do Trabalho
adiante assinado, vem à presença de Vossa Excelência, com
base nos artigos 127 e 129, II e III da Constituição da
República, no inciso IV do art. 83, da Lei Complementar
75/93, ajuizar
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA
em face de CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF, pessoa
jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº
33.655.721/0001-99, estabelecida na Avenida Luís Carlos
Prestes, nº 130, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro/RJ, CEP
22.775-055, pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos:
I – DOS FATOS
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O Ministério Público do Trabalho recebeu denúncia
em face da ré informando, entre outros pontos, a ausência de
participação dos árbitros de futebol e auxiliares na
negociação e nas vantagens econômicas provenientes de
patrocínio nas camisas que envergam em sua atuação
profissional, sendo instaurado o Inquérito Civil nº
003203.2015.01.000/8.
Vários árbitros de futebol e auxiliares foram
ouvidos no bojo do inquérito (docs. 1 a 4 - Depoimentos) e
confirmaram a notícia, informando que não há participação na
negociação, nem pagamento a eles de qualquer valor em relação
ao patrocínio do uniforme, de uso obrigatório para a
participação nas competições patrocinadas pela ré. Saliente-
se que o conjunto é fornecido pela ré, organizadora, no
início de cada ano, para utilização durante a temporada,
conforme contrato com a empresa de fornecimento de material
esportivo (doc. 5 - Contrato). Nesse documento, pela cláusula
nona, verifica-se que a empresa de material esportivo não
pode comercializar patrocínio ou veicular marcas no uniforme
dos árbitros.
Foi também realizada audiência pública, sendo
debatidos os principais problemas em relação aos árbitros de
futebol (doc. 6 – Audiência Pública).
Além disso, foi ouvida em audiência administrativa
a Associação Nacional dos Árbitros de Futebol – ANAF,
entidade representativa dos trabalhadores (doc. 7 -
Audiência). O presidente em exercício da entidade esclareceu
que a entidade já havia requerido vista dos contratos de
patrocínio dos uniformes, mas que a ré negou o seu
fornecimento, não tendo a associação qualquer acesso ou
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informação sobre valores. Ademais, informou que em meados de
2016 a ré distribuiu aos árbitros documento denominado
“cessão de direitos de imagem”, de forma gratuita, e que os
árbitros de Goiás e Distrito Federal não assinaram por
orientação dos respectivos sindicatos. Afirmou ainda que a
diretoria decidiu levar a questão da imposição da assinatura
desses documentos para o Ministério Público do Trabalho.
A empresa apresentou ao Ministério Público do
Trabalho somente um contrato de patrocínio.
No contrato com a Semp Toshiba (doc. 8 - Contrato),
verifica-se que foi comercializado pela ré o espaço das
costas do uniforme dos árbitros e seus auxiliares para
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utilização de sua marca no período entre os anos de 2015 e
2017. A ré recebeu valores milionários por isso, como se
percebe na cláusula 2.1 do contrato juntado. Na cláusula
7.2.3 há a previsão expressa que a contratante não “é a única
empresa a estampar os uniformes dos árbitros e seus
auxiliares nas competições”.
Apesar de não ter apresentado ao “parquet”,
verifica-se que a ré se favorece em outro contrato, com a
empresa Sky, conforme se percebe pelas fotos dos árbitros:
A ré foi instada, em audiência administrativa (doc.
9 - Audiência), a propor soluções para a questão, no entanto,
de forma inacreditável, depois de longo prazo, manifestou-se
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erroneamente no sentido de que o que se discutia no inquérito
era “direito de arena” e que se tratava de direito exclusivo
dos atletas e que “nenhum espectador se interessa por
uniformes de árbitros”, afirmando ser “risível a pretensão.”
Chega às raias do absurdo essa ilação, pois qual seria o
sentido de empresas pagarem milhões para expor suas marcas
nos uniformes que ninguém se interessaria em ver os árbitros
em ação?
Assim, depois dessa manifestação, o Ministério
Público do Trabalho se viu obrigado a ajuizar a presente
ação.
II – DO DIREITO
Inicialmente, a ré confundiu completamente os
institutos jurídicos. Direito de Arena é, segundo o art. 42
da Lei nº 12.395/2011, a “prerrogativa exclusiva de negociar,
autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a
transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por
qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que
participem”. Ou seja, é o direito de veiculação do evento,
considerado em si mesmo.
Isso não se confunde, de forma alguma, com o
direito de imagem, que é uma das principais projeções do
direito da personalidade. É um direito personalíssimo,
previsto na Constituição da República no art. 5º, V e X e no
art. 20 do Código Civil. Direito de imagem é, segundo Uadi
Lammêgo Bulos,
“Uma noção ampla, que inclui os traços
característicos da personalidade, fisionomia do
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sujeito, ar, rosto, boca, partes do corpo,
representação do aspecto visual da pessoa pela
pintura, pela escultura, pelo desenho, pela
fotografia, pela configuração caricata ou
decorativa. Envolve, também, a imagem física, a
reprodução em manequins e máscaras, por meio
televisivos, radiodifusão, revistas, jornais,
periódicos, boletins, que reproduzem,
indevidamente, gestos, expressões, modos de se
trajar, atitudes, traços fisionômicos, sorrisos,
aura, fama etc”1
Segundo o Ministro do Superior Tribunal de Justiça,
Domingos Franciulli Netto, todas essas formas de
exteriorização, “incluídos o molde, os gestos e a voz.”2
Assim, o direito de imagem, como direito da
personalidade, é irrenunciável, porém pode ela mesma a
própria pessoa dele dispor e usufruir seu valor econômico.
Tanto é assim que os atletas recebem percentuais
sobre o direito de arena, ao mesmo tempo em que negociam com
seus clubes o direito de utilização de sua imagem.
No presente caso, a imagem dos árbitros e
auxiliares foi comercializada pela ré, tendo sido
transformados em “outdoors” humanos, com grandes valores
econômicos.
Isto posto, fica a primeira pergunta: qual a
legitimidade ou legalidade da comercialização pela ré dos
espaços nos uniformes dos árbitros?
1 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 146. 2 NETTO, Domingos Franciulli. A Proteção ao Direito à Imagem e a Constituição Federal. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 16, n. 1, p. 1-74, Jan./Jul. 2004
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De fato, a ré não é entidade representante dos
árbitros, nem mesmo os árbitros e auxiliares são considerados
seus empregados. Segundo a ré mesmo afirma, eles são
prestadores de serviços autônomos.
O direito de imagem é personalíssimo, como já se
disse. Assim, a negociação de sua imagem deveria ser
realizada pelos proprietários da imagem – ou por entidade
representativa dos trabalhadores-, e não pela ré. Ofende
qualquer noção de Direito a possibilidade de terceiro
comercializar a imagem dos trabalhadores sem sua autorização,
participação e mesmo ciência.
Imagine se a ré pudesse negociar o patrocínio de
uniforme dos clubes de futebol, sem o seu consentimento,
participação ou ciência! E imagine se, além disso, ficasse
com todo o montante do patrocínio! E justamente isso é o que
acontece, por incrível que possa parecer, no presente caso
trazido em Juízo.
Entretanto, caso ultrapassado esse ponto e,
eventualmente, na hipótese improvável de ser considerada
lícita a participação nos resultados de propaganda em imagem
alheia, fosse permitido que a ré negociasse o patrocínio dos
uniformes dos árbitros e auxiliares, isso não poderia ser
feito sem a ciência, a negociação e, não menos importante, a
participação efetiva dos interessados no montante econômico
do patrocínio.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é
pacífica no direito de imagem dos trabalhadores em relação à
comercialização de uniformes que devem vestir:
“RECURSO DE EMBARGOS. INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL - DIREITO DE IMAGEM - USO DE CAMISETA
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PROMOCIONAL DAS MARCAS COMERCIALIZADAS PELO
EMPREGADOR. O direito à imagem é um direito
autônomo e compreende todas as características do
indivíduo como ser social. Dessa forma, depreende-
se por –imagem - não apenas a representação física
da pessoa, mas todos os caracteres que a envolvem.
O direito à imagem reveste-se de características
comuns aos direitos da personalidade, sendo
inalienável, impenhorável, absoluto,
imprescritível, irrenunciável e intransmissível,
vez que não pode se dissociar de seu titular. Além
disso, apresenta a peculiaridade da
disponibilidade, a qual consiste na possibilidade
de o indivíduo usar livremente a sua própria imagem
ou impedir que outros a utilizem. O uso indevido da
imagem do trabalhador, sem qualquer autorização do
titular, constitui violação desse direito, e, via
de consequência, um dano, o qual é passível de
reparação civil, nos termos dos artigos 5º, X, da
Constituição Federal e 20 e 186 Código Civil.
Recurso de revista conhecido e desprovido”. (E-RR -
19-66.2012.5.03.0037 Data de Julgamento:
10/10/2013, Relator Ministro: Renato de Lacerda
Paiva, Subseção I Especializada em Dissídios
Individuais, Data de Publicação: DEJT 18/10/2013).
(...) O TRT concluiu que é devido o
pagamento da indenização por dano moral, por
afronta ao direito de imagem, porque a reclamante,
atendente de caixa, utilizava camisetas com
propagandas de fornecedores de produtos, por
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imposição do supermercado, sem ajuste individual e
sem remuneração correspondente. Agravo de
instrumento a que se nega provimento". (AIRR-56840-
68.2006.5.01.0001; DEJT 28.5.2010).
RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ELETRÔNICO -
DANO MORAL. DIREITO DE IMAGEM. UNIFORME COM
LOGOMARCAS DE PRODUTOS COMERCIALIZADOS.
CONFIGURAÇÃO. A decisão regional está em
consonância com a atual, iterativa e notória
jurisprudência desta Corte, a qual se firmou no
sentido de que a utilização de uniforme com
logomarcas de produtos comercializados pela
empresa, sem autorização expressa do empregado ou
compensação pecuniária, caracteriza uso indevido da
imagem do trabalhador e fere seu direito de imagem,
o que gera direito à indenização reparatória.
Incidência da Súmula 333 do TST e do art. 896 , §
7º , da CLT . Recurso de Revista não conhecido. (RR
- 803-28.2010.5.01.0018, publicado em 24/04/2015)
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. DANO
MORAL. DIREITO DE IMAGEM. UNIFORME COM LOGOMARCAS
DOS PRODUTOS COMERCIALIZADOS. Não está o empregador
autorizado, na conta da subordinação, a usar, do
empregado, o corpo ou sua projeção social – se o
faz, expõe-se ao dever de reparação civil. Em
princípio, o dano moral resultante do uso indevido
da imagem não é daqueles que invariavelmente se
verificam in re ipsa, dado que a apresentação do
corpo humano ou de suas possíveis manifestações no
mundo sensível, a sua aparição em público ou mesmo
midiática, nem sempre se sujeitam a absoluto
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controle de quem circunstancialmente promove essa
divulgação. A utilização, porém, de indumentária
com apelo ou fins comerciais, imposta pelo
empregador ao empregado, implica vulneração de
direito de personalidade, podendo dar causa à
tutela inibitória e mesmo reparatória. Há
precedentes da SBDI-1 do TST e desta Sexta Turma.
Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 137-
91.2012.5.01.0071, publicado em 08/05/2015)
Assim, são dois os elementos essenciais para o uso
da imagem: que seja autorizada e que tenha remuneração
correspondente ao uso da imagem. A ré, ao determinar aos
árbitros e assistentes que assinem pedaço de papel cedendo
graciosamente a sua imagem, conforme informação da Associação
de Árbitros, é atitude leonina e sem qualquer razoabilidade,
havendo claro vício de vontade, decorrente do poder do dador
de trabalho, mesmo que sem vínculo empregatício, pois trata-
se de entidade monopolista no segmento, sendo a ré a única
entidade a organizar competições oficiais de futebol. Caso a
ré queira impor condições, terão os árbitros que aceitar,
pois não há outro campo para a prática da profissão.
Assim, são dois os elementos essenciais para o uso
da imagem: que seja autorizada e que tenha remuneração
correspondente à sua utilização. A atitude da ré, ao
determinar aos árbitros e assistentes que assinem pedaço de
papel cedendo graciosamente a sua imagem, conforme informação
da Associação de Árbitros, é leonina e sem qualquer
razoabilidade, padecendo de claro vício de vontade,
decorrente do poder do dador de trabalho, mesmo que sem
vínculo empregatício, pois trata-se de entidade monopolista
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no segmento, sendo a ré a única entidade a organizar
competições oficiais de futebol. Caso a ré queira impor quais
condições, mesmo contrárias aos seus interesses, terão os
árbitros que aceitar, pois não há outro campo para a prática
da profissão.
Dada a disparidade de forças e o caráter
monopolista da ré, deve ser privilegiado o princípio da
negociação coletiva disposto na Constituição da República
(art. 8º, VI). Não se está a discutir nessa ação o vínculo de
emprego dos árbitros com a ré, mas é indiscutível, como a
própria ré admitiu no inquérito, que são trabalhadores,
sendo-lhes aplicáveis os princípios constitucionais, pela
própria expressão do caput do art. 7º da Constituição da
República, que não restringe a empregados os direitos de
cidadania no trabalho. Assim, caso se entenda pela
possibilidade da ré de comercializar os espaços do corpo dos
trabalhadores árbitros e auxiliares, deverá negociar
coletivamente, por intermédio da entidade representativa os
seus termos.
Caso o Juízo entenda que é possível a veiculação do
espaço do uniforme pela ré, e não pelos árbitros e seus
representantes, a maior parte deve ir para os próprios
trabalhadores e não para a ré. Desse modo, seria somente
razoável a ré perceber um percentual sobre a negociação do
patrocínio, como comissão pela intermediação do negócio. Esse
percentual, por critério de razoabilidade, nunca poderia
ultrapassar 20% do valor total, conforme as máximas de
experiência. Logo, desde já requer que o Juízo arbitre o
valor da comissão máxima que poderá ser auferida pela ré,
como intermediadora do negócio de patrocínio.
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Importante afirmar, por derradeiro, que é ofensiva
a alegação da ré que “nenhum espectador se interessa por
uniformes de árbitros”, sendo que, inclusive, nas
transmissões de televisão ou rádio, ou mesmo em jornais, há
comentaristas exclusivos para arbitragem. O árbitro, por sua
vez, fica em evidência mais tempo que qualquer outra pessoa
dentro do gramado. Segundo pesquisa, a equipe de arbitragem
tem exposição de imagem em 27,46% do tempo de transmissão
televisiva.3 Outra pesquisa demonstrou que a marca no
uniforme da arbitragem aparece nitidamente em um jogo cerca
de 63 vezes, por aproximadamente 4 minutos.4 Foi isso que
atraiu as patrocinadoras do uniforme da arbitragem no
futebol.
III. DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO
As irregularidades praticadas pela ré causaram,
causam e, enquanto não forem cessadas, continuarão causando
lesão de natureza coletiva e difusa. Há que se levar em conta
a afronta em si ao próprio ordenamento jurídico, que, erigido
pelo legislador como caminho seguro para se atingir o bem
comum, é flagrantemente violado pela ré.
A conduta da Ré em lesar os árbitros e assistentes,
realizando contrato em que estampa logomarcas, ficando para
si todo o montante do patrocínio, caracteriza-se como prática
incompatível com a consciência coletiva que reclama respeito
aos valores sociais do trabalho e à cidadania, proclamados
pela Constituição Federal.
3 www.editorafontoura.com.br/periodico/vol-6/.../Vol6n2-2007-pag-185a192.pdf, acesso em 10/07/2017. 4 www.eeffto.ufmg.br/biblioteca/1785.pdf, acesso em 10/07/2017
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Como tais lesões se amoldam na definição do artigo
81, incisos I e II, da Lei 8.078/90, cabe ao Ministério
Público do Trabalho, com fulcro nos artigos 1º, caput e
incido IV, e 3º da Lei 7.347/85, propor as medidas judiciais
necessárias à sustação da prática e, também, à reparação do
dano.
Em se tratando de danos a interesses difusos e
coletivos, a responsabilidade deve ser objetiva, porque é a
única capaz de assegurar proteção eficaz a esses interesses.
Saliente-se que, de modo algum e jamais, o montante
pecuniário relativo à indenização genérica aqui mencionada
será deduzido de condenações judiciais que venham a imputar
reparação individual pelo dano causado a alguém, por
idênticos fatos. De igual forma, a indenização genérica aqui
acordada não quita, nem parcialmente, nem muito menos,
integralmente, qualquer indenização conferida, ou a conferir,
aos lesados efetivamente, pelos mesmos danos e fatos
correlatos.
Justifica-se a reparação genérica, não só pela
dificuldade de se reconstituir o mal já impingido à
coletividade, mas também, por já ter ocorrido a transgressão
ao Ordenamento Jurídico vigente.
Busca-se, aqui, a reparação do dano jurídico social
emergente da conduta ilícita da ré, bem como – e
especialmente – a imediata cessação do ato lesivo (art. 3º),
através da imposição de obrigação de não fazer.
Pelas razões acima expostas, entende o Ministério
Público que é bastante razoável a fixação da indenização pela
lesão a direitos difusos no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco
milhões de reais), atendendo à máxima gravidade do dano, a
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capacidade econômica do ofensor, a repercussão social do
ilícito e a função punitivo-pedagógica da indenização.
Trata-se de indenização simbólica, considerando-se
os malefícios causados pela ré com a conduta ilegal, privando
um grande número de trabalhadores de verbas que poderiam
auxiliar no cumprimento das obrigações da vida.
Esses valores deverão ser revertidos em prol de um
fundo destinado à reconstituição dos bens lesados, conforme
previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85. No caso de
interesses difusos e coletivos na área trabalhista, esse
fundo é o FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador -, que,
instituído pela Lei nº 7.998/90, custeia o pagamento do
seguro-desemprego (art. 10) e o financiamento de políticas
públicas que visem à redução dos níveis de desemprego, o que
propicia, de forma adequada, a reparação dos danos sofridos
pelos trabalhadores, aqui incluídos os desempregados que
buscam uma colocação no mercado.
A ré age de forma consciente de seu ilícito,
burlando as verbas que são devidas e deveriam ser pagas em
decorrência da relação de trabalho havida entre os árbitros e
auxiliares em relação à ré.
Considerando que se trata de entidade de grande
porte; considerando que obteve grandes vantagens financeiras
com os contratos de patrocínio, não cedendo nada aos
trabalhadores; considerando que já foi alertada pelo
Ministério Público do Trabalho em audiência, sem que a ré se
conscientizasse acerca da precarização da mão de obra e não
obstante a conduta reiterada no mesmo sentido, como se
pudesse se furtar ao cumprimento das normas trabalhistas ou
que o ordenamento jurídico trabalhista não se lhes aplicasse;
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considerando os lucros obtidos pela ré a partir da lesão ao
ordenamento jurídico, entendo a indenização deve ser fixada,
em, no mínimo, R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
Tendo em vista que o montante postulado condiz
com todos os fatores e limites acima expostos, não há como
negar, no particular, a adequação e a equidade da pretensão
autoral.
IV. DA TUTELA DE EVIDÊNCIA
No caso em tela, verificam-se presentes todos os
requisitos que ensejam o deferimento de tutela de evidência.
Os elementos do inquérito civil instruído pelo Ministério
Público revelam que há prova inequívoca (art. 311, IV do novo
CPC, caput) de violação de direitos dos trabalhadores:
Art. 311. A tutela da evidência será
concedida, independentemente da demonstração
de perigo de dano ou de risco ao resultado
útil do processo, quando: (...)
IV - a petição inicial for instruída com
prova documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito do autor, a que o
réu não oponha prova capaz de gerar dúvida
razoável.
Assim, requer-se, inicialmente, a concessão de
tutela de evidência a fim de que a ré seja imediatamente
condenada nos pedidos abaixo realizados, nos termos do art.
12 da Lei 7.347/85.
V. DOS PEDIDOS
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Diante do exposto, pede o Ministério Público do
Trabalho que sejam acolhidos os pedidos a seguir formulados,
com efeito em todo território nacional:
a) COMO TUTELA DE EVIDÊNCIA
a.1) seja condenada a ré a se abster de negociar
contratos de patrocínio nos uniformes dos árbitros
e assistentes nas partidas de campeonatos por si
organizados, sob pena de multa de R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) por contrato firmado em
descumprimento à obrigação, reversível ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT);
Sucessivamente,
a.2) seja condenada a ré a se abster de negociar
contratos de patrocínio para os uniformes dos
árbitros e assistentes sem a sua autorização e
participação por intermédio de sua entidade
representativa, em negociação coletiva, sob pena de
multa de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)
por contrato firmado em descumprimento à obrigação,
reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
a.3) seja condenada a ré a distribuir aos árbitros
e auxiliares, de maneira negociada com a entidade
de árbitros, remuneração referente a percentual não
inferior a 80% (oitenta por cento) dos valores
recebidos em relação a patrocínio das camisas dos
árbitros, conforme arbitramento realizado pelo
Juízo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00
(dez mil reais) por trabalhador irregular,
reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
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b) DEFINITIVAMENTE
b.1) seja condenada a ré a se abster de negociar
contratos de patrocínio nos uniformes dos árbitros
e assistentes nas partidas de campeonatos por si
organizados, sob pena de multa de R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) por contrato firmado em
descumprimento à obrigação, reversível ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT);
Sucessivamente,
b.2) seja condenada a ré a se abster de negociar
contratos de patrocínio para os uniformes dos
árbitros e assistentes sem a sua autorização e
participação por intermédio de sua entidade
representativa, em negociação coletiva, sob pena de
multa de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)
por contrato firmado em descumprimento à obrigação,
reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
b.3) seja condenada a ré a distribuir aos árbitros
e auxiliares, de maneira negociada com a entidade
de árbitros, remuneração referente a percentual não
inferior a 80% (oitenta por cento) dos valores
recebidos em relação a patrocínio das camisas dos
árbitros, conforme arbitramento realizado pelo
Juízo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00
(dez mil reais) por trabalhador irregular,
reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
b.4) seja condenada a ré ao pagamento da quantia de
R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) a título
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO
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de reparação pelos danos causados aos direitos
difusos e coletivos dos trabalhadores, corrigido
monetariamente até o efetivo recolhimento em favor
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
VI. REQUERIMENTOS:
a) a citação da ré, para contestar, querendo, a
presente ação, sob as penas da lei;
b) a produção de todos os meios de prova admitidos
em direito, especialmente os depoimentos pessoais dos
representantes legais da ré, oitiva de testemunhas e tudo o
mais que for imprescindível ao deslinde da questão;
c) a intimação pessoal do órgão do Ministério
Público do Trabalho, nos autos, a teor do art. 18, II, “h”,
da Lei n. 75/93.
VII - VALOR DA CAUSA:
Embora inestimável o valor aqui discutido, dá-se a
causa o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).
Termos em que pede e espera deferimento.
Rio de Janeiro, 20 de julho de 2017.
RODRIGO DE LACERDA CARELLI
Procurador do Trabalho