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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 42ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e dos Idosos Av. Mal. Floriano Peixoto, 550, Tirol - Natal/RN - Fone: (84) 3232.7244 / Fone/Fax: (84) 3232.7245 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL/RN AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 0800057-33.2012.8.20.0001 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por intermédio de sua 42ª Promotoria de Justiça, no uso das suas atribuições legais, vem tempestivamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 513 do Código de Processo Civil, interpor APELAÇÃO em face da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública em epígrafe, requerendo, após o juízo de prelibação competente, seja recebido o presente recurso e intimada a parte adversa para apresentar contrarrazões, bem como sejam remetidos os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte na hipótese de não se ver exercido o juízo de retratação por esse Juízo a quo, nos termos do artigo 296, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil. Termos em que, Pede Deferimento. Natal, 29 de fevereiro de 2012. Naide Maria Pinheiro 42ª Promotora de Justiça 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE42ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal

Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e dos IdososAv. Mal. Floriano Peixoto, 550, Tirol - Natal/RN - Fone: (84) 3232.7244 / Fone/Fax: (84) 3232.7245

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL/RN

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 0800057-33.2012.8.20.0001APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUALAPELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por intermédio de sua 42ª Promotoria de Justiça, no uso das suas atribuições legais, vem tempestivamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 513 do Código de Processo Civil, interpor APELAÇÃO em face da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública em epígrafe, requerendo, após o juízo de prelibação competente, seja recebido o presente recurso e intimada a parte adversa para apresentar contrarrazões, bem como sejam remetidos os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte na hipótese de não se ver exercido o juízo de retratação por esse Juízo a quo, nos termos do artigo 296, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil.

Termos em que,Pede Deferimento.Natal, 29 de fevereiro de 2012.

Naide Maria Pinheiro

42ª Promotora de Justiça

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RAZÕES DA APELAÇÃO

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 0800057-33.2012.8.20.0001APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUALAPELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Egrégio Tribunal de JustiçaColenda Câmara Cível

Douto Relator

I – BREVE RESUMO DOS FATOS

O Ministério Público do Rio Grande do Norte vem interpor recurso de apelação contra sentença exarada pelo juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN, nos autos da Ação Civil Pública nº 0800057-33.2012.8.20.0001, que indeferiu a petição inicial com fundamento na suposta impossibilidade jurídica do pedido, extinguindo o processo, por conseguinte, sem resolução do mérito.

Consoante o raciocínio esposado pelo Juízo a quo, seria juridicamente impossível o pedido formulado em sede de antecipação de tutela para a determinação ao Estado do Rio Grande do Norte de inclusão, nas diversas leis orçamentárias, da verba suficiente para a concretização das reformas de acessibilidade na Escola Estadual Estela Gonçalves, sob o argumento de que decisão de procedência nesse sentido configuraria ingerência ilegítima do Poder Judiciário na discricionariedade administrativa.

De igual maneira, o magistrado reputou inviável o pleito principal deste órgão ministerial referente à determinação das reformas para adaptação da escola em questão, com

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fundamento na acepção de que o Estado não poderia cumprir a prestação em comento sem a previsão dos recursos orçamentários respectivos, em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.

A aludida decisão, data venia, precisa ser reformada, especialmente em face das obrigações contidas na Lei Estadual nº 8.475/2004, a fim de se conferir total procedência aos pedidos formulados na exordial, tudo nos termos dos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos.

II - DO CABIMENTO DA APELAÇÃO

De acordo com o artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei”. Assim, ter-se-á por sentença a decisão judicial que extinguir a fase do processo com ou sem a análise do mérito.

No caso em tela, o magistrado indeferiu liminarmente a petição inicial de ação civil pública por reputá-la inepta ante a suposta impossibilidade jurídica do pedido, nos termos do artigo 295, inciso III, do Código de Processo Civil. Extinguiu, por conseguinte, o processo sem a devida resolução do mérito, lastreado no artigo 267, inciso I, do mesmo Código.

Nesse diapasão, o artigo 513, caput, do Código de Processo Civil, preconiza ser a apelação o recurso cabível contra sentença:

“Art. 513. Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269)”.

Figurando, pois, a presente situação como inconformismo em face de sentença, inquestionável se revela o cabimento do recurso de apelação interposto.

III. DO MÉRITO DO RECURSO

Na sentença recorrida, o Juízo a quo indeferiu a petição inicial de ação civil pública sob o argumento de que não se afigurariam juridicamente possíveis nem o pedido formulado em sede de antecipação dos efeitos da tutela, nem aquele consubstanciado no pleito principal da

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demanda.

Transcrevem-se, inicialmente, trechos da referida decisão que expõem uma síntese dos fundamentos adotados pelo magistrado sobre a impossibilidade jurídica da tutela antecipada requerida:

(…) Lendo conjuntamente os dispositivos da Magna Carta que contemplam os princípios democráticos e da separação dos Poderes, conclui-se que é manifestamente inconstitucional, além de politicamente nefasta, a interferência do Poder Judiciário visando a determinar ou obrigar o Poder Executivo a incluir determinadas verbas no orçamento, assim como é manifestamente inconstitucional ditar onde, quando e em quais obras públicas ou serviços públicos seriam aplicadas tais verbas. (…) Vê-se, pois, que a escolha do Chefe do Executivo de propor no orçamento determinada verba para obra ou serviço, assim como a decisão do Parlamento de aprovar ou não essa verba, é uma questão política que não pode ser objeto de controle jurisdicional. Mas a não inclusão na proposta orçamentária, por recusa ou omissão do Chefe do Executivo, dos fundos dos demais Poderes ou de verbas obrigatoriamente previstas é uma questão política que pode ser sindicada e controlada pelo Judiciário, assim como a alteração unilateral das propostas dos demais Poderes pelo Executivo. . (…) Reconheço de plano, que muitos dos problemas que nos afligem nos dias atuais são frutos da incompetência, da irresponsabilidade ou condutas antidemocráticas daqueles que elegemos como nossos representantes, seja no Executivo ou no Legislativo. Mas, se erramos em nossas escolhas, caberá a nós mesmos corrigir o erro na escolha seguinte, ou afastar essas pessoas das atividades que pelo voto delegamos, pelas vias legais previstas pela Carta Republicana, quando elas incorrem em erros legalmente definidos, como já fizemos até com um Presidente da República. Mas, daí a substituir, pura e simplesmente, essas escolhas pela vontade de apenas um o juiz vai manifestamente de encontro ao princípio democrático e a ética de liberdade política nele contida. (…) - grifos acrescentados

Adentrando na análise do pedido principal, qual seja, a efetiva reforma e garantia de acessibilidade na escola em questão, o nobre Magistrado sustentou sua impossibilidade nos seguintes termos:

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(…) no caso, pretende-se que o Poder Judiciário interfira na iniciativa de lei orçamentária que é de competência exclusiva do Poder Executivo Estadual (art. 165, CF, art. 106, CE), e que, ao final, seja o Estado do RN condenado a realizar adaptações físicas em escolas, usando as verbas orçamentárias incluídas por força da decisão judicial, o que implica em obrigar o Poder Legislativo Estadual (art. 166, CF, art. 107, CE) a aprovar aquilo que restar determinado pelo Poder Judiciário a título de inclusão no orçamento, até porque é lógico que sem a verba incluída e aprovada não se poderia condenar o Estado a realizar a obra. E não se faz obra pública sem recursos orçamentários. Ou seja, à Administração Pública não basta ter verbo, é preciso ter verba. E verba para uma elaboração de gasto deve ser aprovada da forma constitucionalmente prevista. Em suma, é a lei e somente ela de iniciativa do Executivo e somente dele que votada e aprovada pelo Parlamento e somente por ele pode fazer a inclusão dessa ou daquela verba para situações como a que está posta na petição inicial desta ação civil pública, exceto, repita-se, quando se tratar de situação de omissão inconstitucional ou intervenção indevida do Poder Executivo com relação ao orçamento fiscal dos Poderes, nas situações previstas no § 5º e seguintes da Constituição Federal, e § 4º e seguintes da Constituição Estadual. A intervenção do Poder Judiciário, na hipótese retratada nos autos, seria manifestamente inconstitucional, pois consistiria uma delegação indevida, que não foi dado ao Judiciário pela Carta da República. Impende acrescentar, ademais, que em situações como a retratada nos autos, o comando sentencial seja via antecipação de tutela, seja via julgamento de mérito seria a norma jurídica para a imposição de vontade à Administração Pública Estadual, e consistiria, obrigatoriamente, em determinar que o Executivo exerça função que é de sua regulamentar atribuição, o que, reconheça-se, vem ocorrendo amiúde nos foros deste Estado (e do País), mas não deixa de ser, a meu sentir, uma afronta aos princípios da independência e da harmonia dos poderes. (…) - grifos acrescentados

Mais à frente, o Magistrado critica a elaboração do termo de ajustamento de conduta firmado entre esta Promotoria de Justiça e o Estado do Rio Grande do Norte, considerando-o “ineficaz” por ter o Ministério Público obrigado o Estado a “se comprometer com despesas sem fazer nenhuma referência à respectiva fonte de custeio”. Questiona, além disso, o fato de se ter celebrado o termo em comento com um Secretário de Estado sem “delegação expressa” para assumir compromissos financeiros.

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De acordo com os argumentos encadeados pelo nobre Magistrado, portanto, não seria viável a intervenção jurisdicional no controle de constitucionalidade e legalidade do orçamento, tampouco haveria a possibilidade de se determinar a feitura das obras necessárias à acessibilidade da escola por não existir a respectiva previsão orçamentária.

Constata-se, em suma, que, para o magistrado de Primeira Instância, não há lugar no ordenamento jurídico para qualquer demanda que porventura onere a Fazenda Pública, entendimento esse que precisa ser reformado in continenti, sob pena de se tornarem absolutamente ineficazes os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, conforme se demonstrará no decorrer desta peça recursal.

III. 1 Da mora do Poder Público Estadual no cumprimento das reformas de acessibilidade nas escolas públicas estaduais em face da Lei Estadual nº 8.475/2004

Consoante a sentença recorrida, o Poder Judiciário não poderia intervir no orçamento público, salvo no caso de omissões nas matérias de inclusão obrigatória, conforme se infere do trecho a seguir:

(…) Mas a não inclusão na proposta orçamentária, por recusa ou omissão do Chefe do Executivo, dos fundos dos demais Poderes ou de verbas obrigatoriamente previstas é uma questão política que pode ser sindicada e controlada pelo Judiciário, assim como a alteração unilateral das propostas dos demais Poderes pelo Executivo (...)

Nesse diapasão, traz-se à baila o conteúdo da Lei Estadual nº 8.475, de 20 de janeiro de 2004, segundo a qual o Estado do Rio Grande do Norte se comprometeu a incluir em seu orçamento e a realizar as adaptações em todos os prédios e vias públicas de sua alçada até o ano de 2007:

Art. 1º Aos portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte é assegurado o direito à acessibilidade, mediante a supressão de barreiras e obstáculos nas vias, espaços públicos e imóveis

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pertencentes ou utilizados pelo Estado do Rio Grande Norte .

Parágrafo único. O Poder Executivo terá três anos para fazer a adaptação prevista no caput deste artigo, contando a partir da sua publicação.

Art. 2º As despesas decorrentes desta Lei correrão por conta das dotações próprias do Orçamento Geral do Estado.

3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.(grifos acrescentados)

Sob essa perspectiva, tendo sido a referida Lei publicada na data de 21 de janeiro de 2004 – DOE nº 10.660, página 8 – e, por conseguinte, esgotado o prazo de 3 (três) anos por ela conferido em janeiro de 2007, o Estado do Rio Grande do Norte se encontra em mora com a obrigação legal de adaptação das suas escolas há quase 5 (cinco) anos.

Perceba-se que o termo de ajustamento de conduta juntado como documento auxiliar aos autos da ação civil pública faz referência justamente à inclusão da verba necessária para a reforma das escolas estaduais para o orçamento de 2007, ano este em que venceria o prazo concedido para o adimplemento da obrigação de adaptações incumbida pela referida Lei.

Assim, não bastasse o Estado do Rio Grande do Norte ter descumprido imposição decorrente de regramento legal de sua própria autoria, restou inadimplente também em relação ao compromisso assumido no mesmo sentido perante o Ministério Público. Constata-se, portanto, que o Estado apelado não tem adimplido nem as suas obrigações legais, tampouco as prestações firmadas em compromissos com outros entes, comportamento esse que precisa ser coibido pelo Poder Judiciário.

III. 2 Da unidade do poder político e da inexistência de afronta ao princípio da separação dos Poderes no controle jurisdicional do orçamento público e das omissões na efetivação dos direitos fundamentais

A sentença de primeiro grau se utiliza dos fundamentos da separação de Poderes e do

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princípio democrático para fincar a impossibilidade jurídica do pedido de inclusão orçamentária da verba suficiente à consecução de obras de acessibilidade na Escola Estadual Estela Gonçalves.

Em primeiro plano, lembre-se que, no Estado Democrático de Direito, somente existe um poder, qual seja o poder político, de titularidade do povo. Consoante a esclarecedora lição de José Afonso da Silva, “o poder político, uno, indivisível e indelegável, se desdobra e se compõe de várias funções, fato que permite falar em distinção das funções, que fundamentalmente são três: a legislativa, a executiva e a jurisdicional”1 (grifos acrescentados). O citado autor elucida, ainda, que “a divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que tomam os nomes das respectivas funções (…). Trata-se, pois, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder”2.

Constata-se, por conseguinte, que os “Poderes separados” nada mais são do que uma maneira encontrada para evitar abusos característicos da monopolização das vontades do Estado. Note-se, todavia, que essa divisão jamais poderá servir de óbice ao controle da constitucionalidade e da legalidade dos atos ou omissões de um dos Poderes pelos outros ou mesmo pelos entes representativos da sociedade, como é o caso do Ministério Público.

Firmadas essas premissas, há de se dizer que o Judiciário tem não somente a possibilidade, mas, também, o dever de atuar no controle da constitucionalidade e da legalidade das políticas públicas adotadas pela Administração. Se assim não fosse, que outro meio teria a sociedade de exigir coercitivamente o cumprimento dos princípios e regras regentes da ordem jurídica?

Com efeito, o Juízo a quo remete-nos à consciência na hora do voto para melhor escolhermos nossos representantes e, assim, viabilizar as mudanças que a sociedade necessita. O conselho, de fato, é louvável. Ocorre que a sociedade não pode ficar à mercê da boa vontade dos eleitos, especialmente quando esses não respeitam nem mesmo as próprias leis do ente federativo que representam.

Ademais, fosse necessário aguardar uma nova eleição para a população poder fazer valer seus direitos, não haveria razão sequer para a existência de varas jurisdicionais especializadas 1SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 108.2Ibidem, p. 108-109.

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da Fazenda Pública, uma vez que nada poderia ser exigido da Administração pela via judicial. No ponto, olvida o douto magistrado que, no exercício de sua função jurisdicional perante uma vara da Fazenda Pública, tem ele justamente a incumbência de exercer o controle das ações ou omissões do Poder Público estadual ou municipal, onerando-os quando for preciso para a efetivação dos direitos postos em questão.

Considerar juridicamente impossível ab initio uma demanda que visa à adaptação de uma escola estadual para a inclusão de inúmeras crianças e adolescentes com deficiência na rede regular de ensino, sob o argumento de que o Judiciário não pode interferir no orçamento ou determinar a execução de obrigação de fazer que implique impacto orçamentário ao Estado, é o mesmo que atestar a inutilidade das varas da Fazenda Pública nas demandas em que figurar como réu qualquer ente da Administração!

Nesse contexto, esclareça-se ainda que a legitimidade democrática do Poder Judiciário, diferentemente dos demais Poderes constituídos, constrói-se à medida que os juízes efetivam, nas diferentes demandas que lhes são postas, os direitos e garantias fundamentais previstos pela Constituição. Causa espécie, a nosso sentir, a afirmação advinda do próprio magistrado a quo no sentido de que o controle judicial dos atos do Executivo e do Legislativo feriria o princípio democrático.

Ora, se os membros do Poder Judiciário não são frutos da escolha direta do povo, a sua atuação na concretização dos objetivos da Constituição figura como condição sine qua non à aquisição da sua legitimidade no âmbito da democracia. De igual maneira, o simples fato de os membros do Poder Executivo e Legislativo serem eleitos pela maioria do voto popular não torna, per si, a realidade governamental democrática.

Sobre esse aspecto, cristalina se revela a lição do juiz federal baiano Dirley da Cunha Júnior no sentido de que “é manifestamente ingênua a crença que ainda persiste no caráter representativo das corporações legislativas e dos órgãos executivos (...). No constitucionalismo contemporâneo, a noção de democracia não pode ficar retida e reduzida a uma simples idéia ou regra de maioria. As minorias também devem ter voz num sistema democrático, até porque maioria e minoria são, igualmente, manifestações da soberania popular”3. E é justamente por meio do

3 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 5 ed. Salvador: Juspodivm, 2011. P. 209-210.9

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acesso à justiça que as minorias passam a ter voz e vontade respeitadas dentro do Estado Democrático de Direito.

No caso exposto, tem-se inúmeras crianças e adolescentes com deficiência que há muito vêm sendo excluídos da rede regular de ensino no Estado do Rio Grande do Norte, situação que reclama urgente atuação jurisdicional.

Ressalte-se, pois, que os Tribunais Superiores não têm hesitado em exarar provimentos favoráveis ao controle jurisdicional das políticas públicas quando se trata da efetivação de direitos fundamentais, inclusive no que concerne à determinação de inclusões orçamentárias. Nessa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, em se tratando de direitos sociais, como educação e saúde, o princípio da separação dos poderes não pode servir de empecilho ao controle judicial das políticas públicas, in litteris:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação civil pública, em vista de que o Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o prisma constitucional.2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico.3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais .

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4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial.6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário .Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.(REsp 1041197/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 16/09/2009)

Esse entendimento, por sua vez, estende-se ao controle jurisdicional do orçamento público, uma vez que o processo de feitura das leis orçamentárias e planos plurianuais figura como pressuposto essencial à efetividade do provimento requerido. Nesse diapasão, aquele mesmo Superior Tribunal de Justiça posiciona-se pela possibilidade jurídica de pleito que consubstancie tutela específica para a inclusão orçamentária da verba necessária à concretização de política pública necessária à concretização de direitos sociais, conforme se infere do julgado a seguir transcrito:

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ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO.1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador.2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas .4. Recurso especial provido. (REsp 493811/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/11/2003, DJ 15/03/2004, p. 236) – grifos acrescidos

Não se olvide, outrossim, que o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 410.715 AgR/SP, cujo tema precípuo englobava o direito social à educação, consolidou a percepção de que “embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional”4.

Destarte, não assiste qualquer razão à sentença a quo no que se refere à suposta ofensa ao princípio da separação dos Poderes e ao Estado Democrático de Direito. As reformas em prol da adaptação da escola sob análise precisam ser concretizadas pelo Estado e, sem a inclusão orçamentária da verba suficiente, o Poder Público acabará por se valer do argumento do respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal para se escusar de suas obrigações, recaindo num ciclo vicioso no qual jamais se verá efetivada a plena acessibilidade às crianças e adolescentes com deficiência nas Escolas Estaduais do RN.

4RE 410715 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/11/2005, DJ 03-02-2006 PP-00076 EMENT VOL-02219-08 PP-01529 RTJ VOL-00199-03 PP-01219 RIP v. 7, n. 35, 2006, p. 291-300 RMP n. 32, 2009, p. 279-290

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Resta clara, portanto, a obrigação do Poder Judiciário de atuar no controle do orçamento estadual, em respeito à Lei Estadual nº 8.475/2004 e à Constituição Federal de 1988, de modo a viabilizar as reformas de acessibilidade necessárias na escola estadual em comento, garantindo, a partir dessas medidas, os direitos fundamentais à educação e à liberdade de ir e vir das crianças e adolescentes com deficiência, bem como de toda a comunidade escolar.

III. 3 Da validade de compromisso de ajustamento de conduta firmado por representante legítimo do Estado e da proibição do venire contra factum proprium

No que concerne ao título executivo cuja validade se vê questionada no corpo da sentença, há de se ressaltar, a priori, que a presente ação não trata de execução do aludido termo de ajustamento de conduta, mas, sim, de ação civil pública com objeto próprio. O termo em questão viu-se juntado aos autos tão somente para demonstrar a inércia do Estado do Rio Grande do Norte na concretização das adaptações necessárias em suas escolas, mesmo tendo ciência dos inúmeros problemas existentes há mais de 5 (cinco) anos.

Fixada essa premissa, rebate-se o mérito dos argumentos expostos no sentido da invalidade do mencionado termo de compromisso por ter sido feito o ajuste com o Secretário Estadual de Educação.

Em primeiro plano, há de se observar que vigora no ordenamento jurídico pátrio a proibição do venire contra factum proprium, a qual veda o comportamento contraditório das partes numa determinada relação jurídica.

Dessa maneira, se uma das partes assume perante a outra determinada prestação, portando-se como agente capaz e competente para tanto, não pode, em momento posterior, querer eximir-se da obrigação pactuada sob a alegação de não ter legitimidade para figurar como parte no compromisso assumido. Ao se apresentar à outra parte como agente legitimado para a obrigação em questão, o agente incute naquela a justa expectativa de adimplemento da prestação pactuada. Se, todavia, no momento da exigência do cumprimento do acordo, o agente se esquiva afirmando não ter atribuição ou competência para tanto, estar-se-á valendo da sua própria torpeza, o que em nada condiz com os ditames da boa-fé objetiva.

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Destaque-se que a vedação em comento se aplica não somente aos negócios jurídicos particulares, mas, também, aos atos praticados pela Administração Pública. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou em diversas situações no sentido de que a Administração Pública não pode retroceder em seus atos quando esses, ainda que praticados de modo irregular, tenham despertado a justa crença de legitimidade nos administrados, em respeito aos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica5.

Nessa perspectiva, ensina o Ministro Celso de Mello que “a essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé do cidadão (seja ele servidor público, ou não), representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio (...) na realidade, os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado”6.

No caso sob exame, questiona-se a legitimidade de um termo de ajustamento de conduta firmado com Secretário de Estado, sob o argumento de que esse agente público não teria competência para a prática do referido ato em nome do Estado do Rio Grande do Norte. Aqui, alguns aspectos precisam ser esclarecidos.

Em primeiro lugar, o Ministério Público esclareceu, logo por ocasião da notificação enviada para o Secretário Estadual de Educação, que o objetivo precípuo da audiência a ser realizada nesta Promotoria de Justiça seria o firmamento de um compromisso de ajustamento de conduta (notificação anexa). Assim, aquele agente público compareceu ao citado evento plenamente ciente do que lhe seria proposto, tendo assumido a feição de representante legítimo do Estado do

5 Nesse sentido, vide os seguintes julgados: RE 598099, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011; MS 24781, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES; RE 592148 ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009; MS 28666/DF, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 6/10/2011.6 MS 30185 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 14/06/2011, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-117 DIVULG 17/06/2011 PUBLIC 20/06/2011

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Rio Grande do Norte ao assinar o respectivo termo e assumir a obrigação regularmente pactuada.

Ora, eminentes Desembargadores, caberia ao Ministério Público manifestar óbice àquele que, ciente das obrigações a serem assumidas, apresentou-se como agente legítimo e capaz para o ato a ser praticado? Não. Este órgão ministerial atuou imbuído de boa-fé, deixando claros os seus objetivos desde o momento da convocação à discussão do compromisso de ajustamento de conduta. Caberia, sim, ao Secretário notificado arguir a sua incompetência para a prática do ato proposto, comunicando ou indicando a pessoa responsável para tanto. Ao quedar-se inerte, atuou como se o próprio Estado fosse e gerou a justa expectativa de adimplemento da obrigação pactuada.

Repise-se, sobre esse aspecto, que no sistema administrativo brasileiro vigora a teoria do órgão, segundo a qual se presume manifestada a vontade da pessoa jurídica de direito público a partir dos atos praticados por seus órgãos, por intermédio dos agentes públicos que neles atuam. No preciso ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho, “a característica fundamental da teoria do órgão consiste no princípio da imputação volitiva, ou seja, a vontade do órgão público é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence. Há, pois, uma relação jurídica externa, entre a pessoa jurídica e outras pessoas, e uma relação interna, que vincula o órgão à pessoa jurídica a que pertence”7.

Nesse diapasão, há de se lembrar que, de acordo com a teoria da aparência, decorrente da própria teoria do órgão, considera-se o ato praticado pelo Estado inclusive quando for perpetrado por mero agente de fato, desde que se revista o ato da aparência de legitimidade e que se presuma ser aquele que o exerceu agente público competente para tanto.

Ante as circunstâncias descritas, portanto, a assunção de compromisso de ajustamento de conduta pelo Secretário de Educação, na condição de agente público capaz, não pode ser considerada de outra maneira senão como manifestação da vontade válida do próprio Estado, em respeito à teoria do órgão e aos princípios da proteção da confiança e do ne venire contra factum proprium.

Não há como se sustentar, dessa forma, o argumento de invalidade do termo de ajustamento de conduta por incapacidade do agente, sob pena de se permitir ao Poder Público a

7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P. 14.

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utilização de escusas dessa espécie sempre que se vir pressionado a adimplir seus compromissos.

Saliente-se, outrossim, que o termo de ajustamento de conduta não foi firmado com um funcionário qualquer - com alguém que não tivesse poderes para responder pela Secretaria. O ajuste foi firmado com nada mais, nada menos, que o Exmo. Sr. Secretário de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, ou seja, a autoridade máxima na respectiva pasta; a pessoa que conduz toda a política de atuação do Governo no assunto Educação; a pessoa que é o ordenador de despesas dentro daquela Secretaria; por aquele que, conhecendo profundamente sua Secretaria e gerindo diretamente o orçamento que lhe é disponibilizado, avaliou a necessidade de implementação das reformas pactuadas e assim se posicionou perante o Ministério Público. Ninguém, no âmbito do Poder Executivo Estadual, era tão capacitado para assumir o compromisso firmado como a autoridade que o pactuou.

Ademais, inexiste norma legal que vincule a atuação administrativa do Secretário de Estado à chancela do Procurador do Estado.

É importante fazer uma distinção entre a representação do ente público em juízo da sua representação administrativa. Em juízo, por força o art. 12 do Código de Processo Civil, é o Procurador do Estado a pessoa que representa o ente público. Administrativamente, porém, são os respectivos Secretários que representam o Governo nos assuntos ligados às suas pastas. A possibilidade de um Secretário de Estado buscar a assessoria do Procurador do Estado não significa que todos os atos por aquele praticados, sem o “aval” desse último, sejam inválidos. Se assim o fosse, não poderia o Secretário de Estado firmar qualquer convênio, contrato ou ordenar qualquer ato administrativo sem a concordância do Procurador do Estadual.

Acaso acatada a tese sustentada pelo Estado, nenhum negócio jurídico firmado entre o Estado e qualquer outra pessoa (jurídica ou física) teria validade se não tivesse sido assinado pelo Governador ou pelo Procurador Geral do Estado. Um contrato de aluguel, por exemplo, que conta no máximo com a assinatura do Secretário de Estado, jamais poderia ser objeto de cobrança judicial. Imaginem o absurdo da tese sustentada pelo embargante!

Assim, considerando que o ajuste de conduta firmado nos autos constituiu ato administrativo praticado por autoridade legalmente competente, inaceitável a tese sustentada nos

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embargos de que o Estado estava indevidamente representado no compromisso firmado perante o Ministério Público.

No que concerne à suposta ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal, há de se dizer que não procedem os argumentos esposados na sentença recorrida. A previsão do custeio para as obrigações assumidas pelo Poder Público consiste em atribuição da própria Administração, de sorte que, assumido um compromisso perante o Ministério Público e a sociedade, caberia ao Estado do Rio Grande do Norte destinar as receitas dentro do seu orçamento para adimplir sua prestação.

Inaceitável a tese de que o ajuste seria inválido pelo fato de não ter sido prevista exatamente de onde viria a receita para cumpri-lo. Se assim o fosse, nenhum acordo feito em juízo teria validade, já que é absolutamente incomum se ver, nos acordos judiciais, a indicação do orçamento responsável pelo adimplemento da prestação.

Destaque-se, no caso concreto, que a Lei Estadual 8.475/2004 já previu, expressamente, conforme detalharemos abaixo, que as reformas nos prédios públicos do Estado, para promoção do direito à acessibilidade, correrão por conta do Orçamento Geral do Estado. Seria totalmente redundante repetir tal menção no ajuste de conduta firmado.

Ante os argumentos acima delineados, constata-se que não procedem as alegações sobre a suposta invalidade do termo de ajustamento de conduta firmado, além do que, ainda que inválido, tal ajuste é apenas uma peça informativa na presente ação civil pública (que indica o reconhecimento do Estado da necessidade de feitura da obra), de modo que eventual invalidade dele não prejudicaria o regular processamento da ação civil pública.

III. 4 Da possibilidade jurídica do pedido formulado na ação civil pública

Além de todos os argumentos até aqui esposados, mostra-se imperioso observar que o pleito consubstanciado na demanda tida como “juridicamente impossível” pelo Juízo a quo encontra forte amparo tanto na legislação pátria, quanto em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Nesse diapasão, o inciso II do parágrafo 1º do artigo 227 da Constituição Federal de

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1988, ao tratar da assistência governamental à criança e ao adolescente, determina a “criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação”.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por sua vez, determina, em seu artigo 20, que “os Estados Partes tomarão medidas efetivas para assegurar às pessoas com deficiência sua mobilidade pessoal com a máxima independência possível”. Vale ressaltar, aqui, que essa convenção viu-se aprovada pelo Congresso Nacional nos moldes do § 3º do artigo 5º da Constituição, apresentando, por conseguinte, status de norma constitucional.

No mesmo sentido, a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, a qual possui status normativo supralegal (RE 466.343-SP, rel. Min. Cezar Peluso), estabeleceu ainda como obrigação dos Estados Partes “tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade”.

No âmbito da legislação nacional, a Lei nº 10.098/00 estabelece as normas gerais e os critérios basilares para a efetivação da acessibilidade, definindo-a como “a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida” (art. 1º). Determina essa mesma Lei, em seu artigo 11, caput, que “a construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados de uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida”.

Regulamentando a Lei nº 10.098/00, o Decreto nº 5.296/04 fincou a obrigatoriedade de atendimento às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a concretização das reformas em prol da acessibilidade, concedendo às obras já existentes na data da sua promulgação o prazo de 30 (trinta) meses para as devidas adaptações, consoante se infere do

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parágrafo 1º de seu artigo 19:

Art. 19 (omissis)§1º. No caso das edificações de uso público já existentes , terão elas prazo de trinta meses a contar da data de publicação deste Decreto para garantir acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida” (grifos acrescidos).

Tendo sido publicado o Decreto em comento na data de 02 de dezembro de 2004, o Estado do Rio Grande do Norte teria no máximo até junho de 2007 para realizar as adaptações necessárias em suas escolas estaduais. Não o tendo feito até a presente data, encontra-se em absoluta mora para com a sociedade e sua atuação – ou melhor, a sua não atuação – configura comportamento contra legem, que precisa ser corrigido pelo Poder Judiciário.

Repise-se, no ponto, que a Lei Estadual nº 8.475/2004 instituiu, para o Estado do Rio Grande do Norte, a obrigação de incluir em seu orçamento e realizar as adaptações em todos os prédios e vias públicas de sua alçada até o ano de 2007. Constata-se, pois, que o Estado apelado vem descumprindo tanto as normas federais que tratam do assunto, quanto a própria legislação estadual.

Nesse contexto, esclareça-se que as normas de acessibilidade figuram como regras jurídicas8, não comportando a flexibilização típica dos princípios, de modo que precisam ser cumpridas em seu inteiro teor. Dessa maneira, o Estado do Rio Grande do Norte deve ser compelido a realizar as reformas necessárias na escola estadual sob análise, a fim de viabilizar o concreto exercício da liberdade fundamental de ir e vir de todas as pessoas que dela necessitam, em especial, das crianças e adolescentes com deficiência que lá precisam estudar.

IV – DA NECESSIDADE DE DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PELO DESEMBARGADOR RELATOR

8As regras jurídicas, diferentemente dos princípios, que podem ser efetivados em maior ou menor grau, configuram um dever-ser objetivo e imperativo, não permitindo flexibilização de seus preceitos. Esclarecedora, nesse sentido, é a lição de Robert Alexy, ao ensinar que “as regras, ao contrário, só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então há de se fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Por conseguinte, as regras contêm determinações no âmbito do que é fática e juridicamente possível” (ALEXY apud MENDES, Gilmar Ferreira; et. al. Curso de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 37)

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Segundo dicção do art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, diante do justificado receio de ineficácia do provimento final, mostra-se possível, nas ações que tenha por objeto obrigações de fazer ou não fazer, que o magistrado conceda a antecipação dos efeitos da tutela, desde que seja relevante o fundamento da demanda, in litteris:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.(...)§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

No caso em tela, indiscutível é a relevância do fundamento da demanda, posto que a presente ação visa a garantir acesso das pessoas com deficiência (alunos, professores, funcionários e familiares) ao ambiente escolar, permitindo que diversas crianças e adolescentes com deficiência física possam usufruir do seu direito constitucional de acesso à educação.

Deve-se observar, também, que o provimento jurisdicional não será eficaz se o Estado do Rio Grande do Norte não incluir, nos seus respectivos projetos de leis orçamentárias previsão de orçamento destinado à execução da reforma e adaptação do Centro de Apoio à Criança e ao Adolescente – CAIC.

Nesse contexto, válido se revela trazer à baila trecho da exímia decisão proferida pela magistrada da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN que, no Processo nº 0803774-87.2011.8.20.0001, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela pleiteada em demanda de natureza semelhante à discutida nos autos:

Quanto ao pedido de antecipação de tutela, observando-se as provas coligidas aosautos, vê-se que, não obstante o Estado do Rio Grande do Norte, através da Secretaria de Educação, da Cultura e dos Desportos, ter celebrado, em 27/04/2006, Termo de Ajustamento de Conduta, comprometendo-se a incluir no orçamento de 2007 a previsão de recursos para o custeio de reformas nas escolas,

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dentre as quais encontra-se a Escola Estadual Atheneu, a fim de torná-las acessíveis aos portadores de deficiência, não o fez até o presente momento. As normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida foram estabelecidas na Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, cujo Capítulo IV prevê os requisitos mínimos de acessibilidade nos Edifícios Públicos ou de Uso Coletivos.(...)Confrontando-se os registros fotográficos inseridos no Laudo Técnico, acostado pelo Parquet, com os requisitos exigidos pelos arts. 11 e 12 da Lei nº 10.098/00, observa-se a ausência de condições de acessibilidade no prédio da Escola Estadual Atheneu, impossibilitando o acesso aos portadores de deficiência às suas instalações, seja como aluno ou como integrante da comunidade interessada, em descumprimento à Lei nº 6.255, de 10 de janeiro de 1992, que assegura às pessoas portadoras de deficiência, atendimento educacional na rede regular de ensino, e reserva de espaço físico apropriado, e, ainda, a Lei Municipal nº 4.090/92, cujo art. 1º torna obrigatória a adaptação dos edifícios e logradouros de uso público para acesso, circulação e utilização das pessoas portadoras de deficiência; e o art. 8º, prevê o prazo de 05 (cinco) anos para a realização das modificações consideradas necessárias. A par das considerações tecidas até agora, já nesse juízo preliminar, verifico a existência dos requisitos autorizadores da concessão de antecipação da tutela constantes do art. 273, do Código de Processo Civil, vez que está demonstrada a verossimilhança das alegações aduzidas e há prova inequívoca da inobservância dos comandos constitucionais e legais de promoção da acessibilidade aos portadores de deficiência, estando presente o fundado receio de dano irreparável na no impedimento do acesso à educação das crianças e adolescentes portadores de deficiência . Frise-se que não se trata de indevida ingerência do Poder Judiciário, mas sim da garantia de concretização dos direitos fundamentais e diplomas legais que os regulamentam, visando assegurar o minimo existencial das pessoas portadoras de deficiência. Quanto ao deferimento da antecipação de tutela em ação civil pública sem a oitiva do demandado, encontra-se respaldo legal no art. 12 da Lei nº 7347/85: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. A despeito da regra contida no art. 2º da Lei nº 8.437/92 ("Art. 2º No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas") , o Superior Tribunal de Justiça, em jurisprudência assente da Corte, admite a

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concessão de liminar em Ação Civil Pública sem a prévia oitiva do poder público em casos excepcionais, segundo acórdão colacionado adiante:ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE LIMINAR SEM OITIVA DO PODER PÚBLICO. ART. 2° DA LEI 8.437/1992. AUSÊNCIADE NULIDADE. 1. O STJ, em casos excepcionais, tem mitigado a regra esboçada no art. 2º da Lei 8437/1992, aceitando a concessão da Antecipação de Tutela sem a oitiva dopoder público quando presentes os requisitos legais para conceder medida liminar em Ação Civil Pública.2. No caso dos autos, não ficou comprovado qualquer prejuízo ao agravante advindo do fato de não ter sido ouvido previamente quando da concessão da medida liminar .3. Agravo Regimental não provido.(AgRg no Ag 1314453/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 13/10/2010)

Diante do exposto, tendo em vista o prazo de encaminhamento dos projetos das leis orçamentárias para aprovação pelo Poder Legislativo, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, determinando que o Estado do Rio Grande do Norte proceda com inclusão no orçamento, a ser encaminhado ainda no corrente ano, da verba necessária para a conclusão das obras de acessibilidade às pessoas com deficiência na Escola Estadual Atheneu, repetindo-se tal previsão em todos os anos subsequentes até a perfeita conclusão da reforma, a ser concluída no prazo máximo de 02 (dois) anos. (…)(Processo nº 0803774-87.2011.8.20.0001, 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN, decisão proferida em 06 de setembro de 2011)

Ressalte-se, ademais, que, fosse necessário aguardar o julgamento do presente recurso para só depois se ver apreciado o pedido de antecipação de tutela pelo juízo de primeiro grau, estar-se-ia comprometendo a efetividade de toda a demanda.

Diferentemente, acaso seja determinado que o Estado tome desde logo as medidas necessárias para garantir que terá dinheiro para executar a obra pretendida, terá o Poder Judiciário acautelado o provimento final buscado ação. Sem a previsão orçamentária, não pode o Estado do Rio Grande do Norte efetuar a obra necessária no estabelecimento de ensino indicado, de modo que

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o provimento jurisdicional vai se tornar ineficaz.

Mostra-se relevante observar, ainda, que, na situação descrita, o indeferimento liminar da petição inicial pelo Juízo a quo trouxe consigo o indeferimento da própria antecipação dos efeitos da tutela requerida. Em razão do princípio da unirrecorribilidade das decisões9, portanto, o presente recurso de Apelação serve ao questionamento não só da extinção do processo sem julgamento do mérito, mas, também, ao indeferimento intrínseco da medida antecipatória formulada na inicial.

Assim, em respeito aos princípios do duplo grau de jurisdição, da economia processual e da efetividade das decisões judiciais, faz-se mister que o pedido de antecipação dos efeitos da tutela seja apreciado liminarmente pelo douto Relator desta apelação.

Destarte, pugna este órgão ministerial pela concessão da antecipação de tutela requerida na ação civil pública, a fim de que o Excelentíssimo Desembargador Relator do presente recurso de apelação determine in limine itis ao Estado do Rio Grande do Norte a inclusão da verba suficiente para tornar plenamente acessível a Escola Estadual Estela Gonçalves em suas diversas propostas de leis orçamentárias a serem encaminhadas ao Poder Legislativo (Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual e Plano Plurianual), respeitados os prazos e normas orçamentárias vigentes, repetindo-se tal previsão anualmente até à perfeita conclusão das reformas para a adaptação da escola em comento.

V – DO PEDIDO

Diante do exposto, requer seja o presente recurso recebido e processado na forma de

9 EMENTA: CAUTELAR DE ARRESTO - SENTENÇA - INDEFERIMENTO DA LIMINAR E JULGAMENTO DO MÉRITO - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES - PRECLUSÃO CONSUMATIVA - NÃO CONHECIMENTO. Seguindo a sistemática do Código de Processo Civil, não seria possível qualificar-se o ato judicial que resolve várias questões incidentais e julga o mérito extinguindo o processo, como sendo a um só tempo, decisão interlocutória e sentença. Contra a decisão que indefere liminar no bojo da sentença cabe apenas o recurso de apelação, por se tratar de decisão única, que põe termo ao processo. Não merece ser conhecido o recurso de apelação interposto contra decisão já atacada por agravo, uma vez que, em razão do princípio da unirrecorribilidade, operou-se a preclusão consumativa. (TJMG, 12ª Câmara Cível, Rel. Alvimar de Ávila, julgado em 20/08/2008) – grifos acrescidos

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Apelação, para que:

a) o douto Relator conceda, desde logo, a antecipação dos efeitos da tutela requerida, a fim de determinar, liminarmente, ao Estado do Rio Grande do Norte que preveja a verba suficiente para tornar plenamente acessível a Escola Estadual Estela Gonçalves em suas diversas propostas de leis orçamentárias (Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual e Plano Plurianual), respeitados os prazos e normas orçamentárias vigentes, repetindo-se tal previsão anualmente até a perfeita conclusão da reforma, fixando-se multa diária e multa pessoal, essa última nos termos do parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, a quaisquer dos gestores que, eventualmente, venham a descumprir o provimento liminar desse Juízo;

b) seja dado PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, confirmando-se, pelo órgão colegiado, a antecipação da tutela requerida na alínea acima, e reformando-se integralmente a sentença recorrida, a fim de que a Ação Civil Pública tenha seu regular processamento para, ao final, quando do julgamento da ação, ser determinado ao Estado do Rio Grande do Norte que adapte fisicamente o prédio onde está estabelecida a Escola Estadual Estela Gonçalves, visando a garantir o pleno acesso, circulação e utilização das pessoas com deficiência em todo o ambiente escolar, nos termos da legislação vigente e em conformidade com as normas técnicas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) - NBR 9050/2004, no prazo máximo de dois anos.

Termos em que,Pede Deferimento.Natal, 29 de fevereiro de 2012.

Naide Maria Pinheiro

42ª Promotora de Justiça

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