EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA...

94
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS – ESTADO DE SÃO PAULO “Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação da natureza. Dada a causa, a natureza produz o efeito no modo mais breve em que pode ser produzido.” (Leonardo Da Vinci) “A natureza criou o tapete sem fim que recobre a superfície da Terra. Dentro da pelagem desse tapete vivem todos os animais, respeitosamente. Nenhum o estraga, nenhum o rói, exceto o homem.” (Monteiro Lobato) Inquérito Civil nº 1.34.012.000214/2016-89 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição da República, arts. 5º, II, d, e III, d, e 6º, VII, b, ambos da Lei Complementar nº 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU), arts. 1º, I, e 5º, I, ambos da Lei nº 7.347/1985, e art. 14, § 1º, 2ª parte, da Lei nº 6.938/1981, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de FÁBIO EDUARDO LAMBIASI DE ARAÚJO, brasileiro, casado, advogado, portador da CIRG nº 20.884.832-SSP/SP e do CPF nº 151.579.568-35, residente e domiciliado na avenida Paulista, nº 1.765, 8º andar, conjunto 82, Bela Vista, São Paulo/SP, CEP 01311-200. Pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos. 1

Transcript of EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA...

Page 1: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA FEDERAL DASUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS – ESTADO DE SÃO PAULO

“Nunca o homem inventará nada mais simples nemmais belo do que uma manifestação da natureza. Dadaa causa, a natureza produz o efeito no modo maisbreve em que pode ser produzido.” (Leonardo DaVinci)

“A natureza criou o tapete sem fim que recobre asuperfície da Terra. Dentro da pelagem desse tapetevivem todos os animais, respeitosamente. Nenhum oestraga, nenhum o rói, exceto o homem.” (MonteiroLobato)

Inquérito Civil nº 1.34.012.000214/2016-89

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador

da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem

à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 127, caput, e 129,

III, da Constituição da República, arts. 5º, II, d, e III, d, e 6º, VII, b, ambos da

Lei Complementar nº 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União –

LOMPU), arts. 1º, I, e 5º, I, ambos da Lei nº 7.347/1985, e art. 14, § 1º, 2ª

parte, da Lei nº 6.938/1981, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de

FÁBIO EDUARDO LAMBIASI DE ARAÚJO,brasileiro, casado, advogado, portador da CIRG nº20.884.832-SSP/SP e do CPF nº 151.579.568-35,residente e domiciliado na avenida Paulista, nº 1.765,8º andar, conjunto 82, Bela Vista, São Paulo/SP, CEP01311-200.

Pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.

1

Page 2: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

1. SÍNTESE FÁTICA

O Inquérito Civil nº 1.34.012.000214/2016-89 foi

instaurado para apurar, com mais vagar, notícia de derramamento de

aproximadamente 50 (cinquenta) litros de óleo diesel no mar, proveniente da

embarcação AZZURRA II, de bandeira brasileira e propriedade de FÁBIO

EDUARDO LAMBIASI DE ARAÚJO. O episódio ocorreu no dia 11/3/2011, no

píer da empresa “Tchabum Garagem Náutica Ltda.”, localizado no canal de

Bertioga/SP (coordenadas geodésicas: latitude 23º 54' 14''/longitude 46º 11'

50''), onde a embarcação estava atracada.

Segundo consta, no dia 11/3/2011, por volta de 11

horas, uma equipe da Capitania dos Portos no Estado de São Paulo – órgão da

Marinha do Brasil – realizava inspeção naval no canal de Bertioga/SP quando

avistou a embarcação acima mencionada praticamente submersa, provocando

um vazamento de aproximadamente 50 (cinquenta) litros de óleo diesel no mar.

No levantamento inicial, a Capitania dos Portos

identificou a embarcação (AZZURRA II), bem assim o respectivo número (382-

09999-9) e local (Delegacia da Capitania dos Portos em Angra dos Reis/RJ) de

inscrição.

Na ocasião, a equipe de fiscalização da Capitania dos

Portos local não coletou amostra de óleo diesel, em atenção à norma interna de

tal órgão (NORTAM-01 – Norma Técnica Ambiental para a Coleta de Amostras de

Poluentes, da Diretoria de Portos e Costas), que determina a coleta apenas

quando o agente poluidor for de origem desconhecida.

O episódio redundou na lavratura de Auto de Infração

2

Page 3: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

(fl. 20), no qual a embarcação fora categorizada como de mar aberto/esporte e

recreio, e de Comunicado Preliminar de Incidente de Derramamento de Óleo e

Derivados em Águas Jurisdicionais Brasileiras (fl. 21), indicativo da provável

causa do derrame (naufrágio da embarcação), do seu horário inicial (6 horas) e

da comunicação do fato ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis (IBAMA), à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo

(CETESB) e à Agência Nacional do Petróleo (ANP). Nesse último documento,

ainda, a Capitania dos Portos consignou, entre outras coisas, que, até o final da

diligência de inspeção (16 horas do dia 11/3/2011), não havia sido adotada

nenhuma medida de contenção do óleo que estava sendo derramado no mar.

Às fls. 50/1, 52 e 53, tem-se cópia dos Autos de

Inspeção efetuada pela CETESB, que emitiu pronunciamento conclusivo e

reconheceu o vazamento do combustível, conforme despacho específico (cópia à

fl. 54).

O apuratório, inicialmente conduzido pelo Ministério

Público do Estado de São Paulo, veio para a órbita federal (fls. 58/65), instante

em se deu a formalização do inquérito civil subjacente.

No âmbito do processo administrativo conduzido pela

Capitania dos Portos, e após lhe terem sido oportunizados o contraditório e a

ampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor do infrator, de multa no

importe de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), paga no dia 8/8/2011,

através de Guia de Recolhimento da União (GRU) (fls. 24/8 e 75/91).

À fl. 96-verso, tem-se cópia do Relatório de

Embarcação Nacional, produzido e encaminhado pela Delegacia da Capitania dos

Portos em Angra dos Reis/RJ, contendo dados/informações mais específicos da

3

Page 4: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

embarcação AZZURRA II.

À fl. 97, consta cópia de instrumento contratual de

compra e venda, datado de 27/9/2004 e indicativo de que a embarcação em

questão é de propriedade de FÁBIO EDUARDO LAMBIASI DE ARAÚJO.

2. DIREITO

2.1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Oportuno invocar o art. 109, I, da Constituição da

República como um dos fatores determinantes à fixação da competência da

Justiça Federal, dada a caracterização de ofensa (direta) a bens, interesses ou

serviços da União:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar ejulgar:I – as causas em que a União, entidade autárquica ouempresa pública federal forem interessadas nacondição de autoras, rés, assistentes ouoponentes, exceto as de falência, as de acidentes detrabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça doTrabalho;(...)” (grifos adicionados)

No caso em epígrafe, a ação busca a reparação do

dano ambiental resultante do derramamento de óleo diesel no mar territorial,

bem de propriedade da União, como previsto no art. 20, VI, da Constituição da

República1.

1 “A soberania, como expressão do poder estatal, possui limites de extensão, seja em terra, água ou ar(…). O mar territorial consiste em uma faixa de terra marítima adjacente ao território e além das águasinteriores sobre a qual o Estado exerce seu poder soberano de forma plena. É parte integrante doterritório nacional e, consequentemente, submete-se em todos os aspectos ao ordenamento jurídicobrasileiro. A extensão do mar territorial é de 12 milhas marítimas, tendo como base para medição a linhade baixa-mar continental ou insular. No mar territorial há o direito de passagem inocente de embarcações

4

Page 5: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Outrossim, a competência federal, em termos de

jurisdição, determina-se pela presença de causa fundada em tratado de direito

internacional (art. 109, III, da Lei Maior), consubstanciado na Convenção

Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, de

1973, também conhecida pela sigla Marpol 73/78, promulgada pelo Decreto

nº 2.508/1998.

“CONFLITO DE COMPETENCIA. AÇÃO CIVILPUBLICA. VAZAMENTO DE OLEO DE 'BANKER'.DANO AMBIENTAL. INTERESSE DA UNIÃO.CONVENÇÃO INTERNACIONAL. COMPETENCIADA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETE A JUSTIÇAFEDERAL PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO CIVILPUBLICA MOVIDA COM A FINALIDADE DEREPARAR OS DANOS AO MEIO AMBIENTEOCASIONADOS PELO VAZAMENTO DE OLEO NOMAR TERRITORIAL, BEM DE PROPRIEDADE DAUNIÃO. CONSOLIDA-SE AINDA A COMPETENCIADO JUIZO FEDERAL POR TRATAR-SE DE CAUSAFUNDADA EM CONVENÇÃO INTERNACIONAL.CONHECIDO O CONFLITO, PARA DECLARARCOMPETENTE O JUIZO FEDERAL, PRIMEIROSUSCITADO. DECISÃO UNANIME. ACÓRDÃO PORUNANIMIDADE, CONHECER DO CONFLITO EDECLARAR COMPETENTE O JUIZO FEDERAL DA 1ªVARA DE SANTOS-SJ/SP, PRIMEIRO SUSCITADO.”(STJ, 1ª Seção, CC 16863/SP, Proc. 1996/0021144-2,rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 26/6/1996, v.u., DJ19/8/1996, p. 28.416) (grifos acrescidos)

Logo, evidencia-se a competência da Justiça Federal

para o processo e julgamento do feito.

de qualquer país, que poderão atravessar tais águas, sem ferir a soberania nacional, desde que o façamde forma ininterrupta e nunca em direção ao porto. (...)” (BÉO, Cíntia Regina. Constituição FederalInterpretada – Artigo por Artigo, Parágrafo por Parágrafo, Barueri/SP: Manole, 2010, pp. 137-8)

5

Page 6: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Sobremais, a moderna doutrina tem entendido que o

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, como órgão oficial (integrante da estrutura)

da União (entidade política), deve promover as ações de sua alçada de

atribuições na Justiça Federal, como se depreende da correta leitura do art. 109,

I, e §§ 1º e 2º, da Constituição da República.

Ao compartilhar dessa linha de pensamento, o

Subprocurador-Geral da República, Dr. João Batista de Almeida, hoje

aposentado, em parecer emitido no Agravo de Instrumento (AI) nº 233962-

8/040, que tramitou no Supremo Tribunal Federal (1ª Turma) e teve como

relator o Ministro Sydney Sanches, deixou assentado:

“É certo que a Constituição, não estabeleceexpressamente o foro para as ações promovidas peloMinistério Público Federal. Fê-lo apenas para a União,as entidades autárquicas e as empresas públicasfederais (CF, art. 109, I, e §§ 1º e 2º). Todavia, emdecorrência da simetria do Poder Judiciário daUnião com o Ministério Público da União (CF,arts. 101 a 110, c/c o art. 128), da atuação doMinistério Público Federal perante o PoderJudiciário (art. 127) e das funções institucionaisque lhe foram atribuídas (art. 129), é inegávelque o Parquet federal, na condição de órgão daUnião, utilize-se do mesmo foro. Não teriasentido que tal prerrogativa fosse reservada àsentidades autárquicas e às empresas públicasfederais, e não a órgão da Administração Diretada União, como é caso do Ministério PúblicoFederal. Além do que, os membros da instituição(MPF) atuam, como regra, perante os juízesfederais, por força do disposto no art. 70 da LeiComplementar 75, de 20.05.1993. Assim, aconclusão inarredável é a de que o termo'União', contido no art. 109, inc. I e § 1º,engloba, também, o Ministério Público Federal.”(grifos colocados)

6

Page 7: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Por sinal, o seu parecer restou acolhido por decisão

monocrática datada de 24/4/1999, com trânsito em julgado em 22/3/2004.

O mesmo Subprocurador-Geral da República, agora

em obra específica2, no intuito de demonstrar o acerto da tese, escreveu com

hialina clareza:

“Não me parece procedente o argumento de que aUnião e o Ministério Público Federal não seconfundem. Isso porque ambos integram aadministração pública federal direta, sendo esteum dos vários órgãos oficiais daquela. Salvo noque se refere às suas funções institucionais, emrazão do que foi constitucionalmente legitimadoa agir (CF, arts. 127 e 129), o Ministério PúblicoFederal não tem representação própria em juízo.Excluídas as ações decorrentes de sua atuação,as demais – que lhe são favoráveis ou contrárias– são respondidas pela Advocacia-Geral daUnião, que representa em juízo toda aadministração pública federal direta, exceto emmatéria fiscal. Deve ser lembrado, a propósito, quea autonomia administrativa e funcional doMinistério Público não o tornou órgãoindependente em relação à União.” (grifosacrescidos)

Malgrado a polêmica que o assunto tem despertado

em sede doutrinária, observa-se que a orientação acima estabelecida vem sendo

absorvida por parcela bastante significativa das Cortes de Justiça no Brasil. A

começar pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê do julgamento do Recurso

Extraordinário (RE) nº 228.955/RS, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 10/2/2000,

votação unânime.

2 Aspectos Controvertidos da Ação Civil Pública, 3ª edição, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, pp. 112-3.

7

Page 8: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Não tem discrepado de tal orientação, outrossim, a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELADE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE.COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTREO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL.DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃOATIVA. CRITÉRIOS.1. A ação civil pública, como as demais, submete-se,quanto à competência, à regra estabelecida no art.109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízesfederais processar e julgar 'as causas em que a União,entidade autárquica ou empresa pública federal foreminteressadas na condição de autoras, rés, assistentesou oponentes, exceto as de falência, as de acidente detrabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça doTrabalho'. Assim, figurando como autor da ação oMinistério Público Federal, que é órgão da União,a competência para a causa é da Justiça Federal.3. Não se confunde competência comlegitimidade das partes. A questão competencialé logicamente antecedente e, eventualmente,prejudicial à da legitimidade. Fixada acompetência, cumpre ao juiz apreciar alegitimação ativa do Ministério Público Federalpara promover a demanda, consideradas as suascaracterísticas, as suas finalidades e os bensjurídicos envolvidos.4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais,nomeadamente o princípio federativo, é atribuição doMinistério Público da União promover as ações civispúblicas de interesse federal e ao Ministério PúblicoEstadual as demais. Considera-se que há interessefederal nas ações civis públicas que (a) envolvammatéria de competência da Justiça Especializada daUnião (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam serlegitimamente promovidas perante os órgãosJudiciários da União (Tribunais Superiores) e da JustiçaFederal (Tribunais Regionais Federais e Juízes

8

Page 9: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Federais); (c) sejam da competência federal em razãoda matéria — as fundadas em tratado ou contrato daUnião com Estado estrangeiro ou organismointernacional (CF, art. 109, III) e as que envolvamdisputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d)sejam da competência federal em razão da pessoa —as que devam ser propostas contra a União, suasentidades autárquicas e empresas públicas federais, ouem que uma dessas entidades figure entre ossubstituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I);e (e) as demais causas que envolvam interessesfederais em razão da natureza dos bens e dos valoresjurídicos que se visa tutelar.6. No caso dos autos, a causa é da competênciada Justiça Federal, porque nela figura como autoro Ministério Público Federal, órgão da União, queestá legitimado a promovê-la, porque visa atutelar bens e interesses nitidamente federais, enão estaduais, a saber: o meio ambiente em áreade manguezal, situada em terrenos de marinha eseus acrescidos, que são bens da União (CF, art.20, VII), sujeitos ao poder de polícia deautarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art.18, e 7.735/89, art. 4º).7. Recurso especial provido.” (STJ, 1ª Turma, REsp440002/SE, Proc. 2002/0072174-0, rel. Min. TeoriAlbino Zavascki, j. 18/11/2004, v.u., DJ 06/12/2004,p. 195)

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DEDUTO DE ÓLEO. PETROBRÁS TRANSPORTES S/A –TRANSPETRO. VAZAMENTO DE COMBUSTÍVEL.INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO.AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA211/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.SÚMULA 150/STJ. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIOPÚBLICO FEDERAL. NATUREZA JURÍDICA DOSPORTOS. LEI 8.630/93. INTERPRETAÇÃO DO ART. 2º,DA LEI 7.347/85.1. Cinge-se a controvérsia à discussão em torno a) datempestividade do Agravo de Instrumento interpostopelo MPF e b) da competência para o julgamento de

9

Page 10: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Ação Civil Pública proposta com a finalidade de reparardano ambiental decorrente do vazamento de cerca de1.000 (mil) litros de óleo combustível após orompimento de um dos dutos subterrâneos do píer daTranspetro, no Porto de Rio Grande.2. Não se conhece do Recurso Especial quanto àtempestividade do recurso apresentado na origem,pois a matéria não foi especificamente enfrentada peloTribunal de origem. Aplicação da Súmula 211 doSuperior Tribunal de Justiça.3. Em relação ao segundo fundamento doRecurso Especial, o Tribunal Regional Federal da4ª Região decidiu que, no caso, a legitimidadeativa do Ministério Público Federal fixa acompetência da Justiça Federal.4. O Superior Tribunal de Justiça possuientendimento firmado no sentido de atribuir àJustiça Federal a competência para decidir sobrea existência de interesse processual quejustifique a presença da União, de suasautarquias ou empresas públicas na lide,consoante teor da Súmula 150/STJ.5. A presença do Ministério Público Federal nopolo ativo da demanda é suficiente paradeterminar a competência da Justiça Federal, nostermos do art. 109, I, da Constituição Federal, oque não dispensa o juiz de verificar a sualegitimação ativa para a causa em questão.6. Em matéria de Ação Civil Pública ambiental, adominialidade da área em que o dano ou o risco dedano se manifesta (mar, terreno de marinha ouUnidade de Conservação de propriedade da União, p.ex.) é apenas um dos critérios definidores dalegitimidade para agir do Parquet federal. Não éporque a degradação ambiental se deu em imóvelprivado ou afeta res communis omnium que se afasta,ipso facto, o interesse do MPF.7. É notório o interesse federal em tudo que digarespeito a portos, tanto assim que a Constituição prevênão só o monopólio natural da União para 'explorar,diretamente ou mediante autorização, concessão oupermissão', em todo o território nacional, ' os portosmarítimos, fluviais e lacustres' (art. 21, XII, f), como

10

Page 11: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

também a competência para sobre eles legislar'privativamente' (art. 22, X).8. Embora composto por partes menores esingularmente identificáveis, em terra e mar – comoterminais e armazéns públicos e privados -, o portoconstitui uma universalidade, isto é, apresenta-secomo realidade jurídica una, embora complexa;equipara-se, por isso, no seu conjunto, a bem públicofederal enquanto perdurar sua destinação específica,em nada enfraquecendo essa sua natureza o fato de seencontrarem imóveis privados inseridos no seuperímetro oficial ou mesmo o licenciamento peloEstado ou até pelo Município de algumas das unidadesindividuais que o integram.9. O Ministério Público Federal, como regra, temlegitimidade para agir nas hipóteses de dano ou riscode dano ambiental em porto marítimo, fluvial oulacustre.10. Não é desiderato do art. 2º, da Lei nº 7.347/85,mormente em Município que dispõe de Vara Federal,resolver eventuais conflitos de competência, no campoda Ação Civil Pública, entre a Justiça Federal e aJustiça Estadual, solução que se deve buscar, emprimeira mão, no art. 109, I, da Constituição Federal.11. Qualquer que seja o sentido que se queira dar àexpressão 'competência funcional' prevista no art. 2º,da Lei nº 7.347/85, mister preservar a vocaçãopragmática do dispositivo: o foro do local do dano éuma regra de eficiência, eficácia e comodidade daprestação jurisdicional, que visa a facilitar e otimizar oacesso à justiça, sobretudo pela proximidade físicaentre juiz, vítima, bem jurídico afetado e prova.12. O licenciamento pelo IBAMA (ou por órgãoestadual, mediante seu consentimento expresso outácito) de obra ou empreendimento em que ocorreu oupoderá ocorrer o dano ambiental justifica, de plano, alegitimação para agir do Ministério Público Federal. Sehá interesse da União a ponto de, na esferaadministrativa, impor o licenciamento federal, seria nomínimo contraditório negá-lo para fins de propositurade Ação Civil Pública.13. Recurso Especial não provido.” (STJ, 2ª Turma,REsp 1057878/RS, Proc. 2008/0105088-5, rel. Min.

11

Page 12: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Herman Benjamin, j. 26/5/2009, v.u., DJe 21/8/2009,RSTJ vol. 216, p. 328)

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em certa

feita, também assim se pronunciou:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. AGRAVO DEINSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDAPELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIADA JUSTIÇA FEDERAL. ARTIGO 109, i, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL.1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério PúblicoFederal contra Unilever Bestfoods Brasil Ltda.,requerendo ainda a intimação da Caixa EconômicaFederal para integrar o pólo ativo da ação, naqualidade de assistente. Nela, o Parquet Federalsustenta a sua legitimidade ativa, bem assim acompetência da Justiça Federal, e visa a condenaçãoda ré ao pagamento de danos morais difusos, no valorde R$ 6.606,25 em favor do Fundo de Reconstituiçãodos Interesses Supraindividuais, nos termos da Lei n.7.347/85.2. O Ministério Público Federal alega que a CaixaEconômica Federal – CEF, no uso de suas atribuiçõesprevistas na Lei n. 5.768/71, Medida Provisória n.2.216-37/2001, Decreto n. 70.951/72 e Portaria MF090/2000, é a responsável pela autorização efiscalização da promoção comercial realizada porinstituições não-financeiras e veiculada pela imprensa,e emitiu Certificado de Autorização n.90104.01066/01, em favor da empresa UnileverBestfoods Brasil Ltda. Para a promoção denominada'Vida de Estrela Com Arisco'.3. O Ministério Público Federal é órgão da União,nos termos do artigo 128, inciso I, alínea 'a' daConstituição Federal e a presença do ParquetFederal como autor da ação civil pública firma acompetência da Justiça Federal, nos termos doartigo 109, inciso I, da Carta.4. Não se está aqui a dizer que tem o MinistérioPúblico Federal legitimidade para propor a ação

12

Page 13: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

civil pública originária, em razão da matéria neladeduzida. Contudo, a sua presença basta parajustificar a competência da Justiça Federal, atépara dizer da sua legitimidade ativa, nos termosdo entendimento consagrado na Súmula 150 doSuperior Tribunal de Justiça.5. A decisão agravada não decidiu sobre alegitimidade do Ministério Público Federal parapropor a ação civil pública, limitando-se adeclinar da competência em favor da JustiçaEstadual que, como assinalado, não detémcompetência para processar e julgar ação emque figura como autor o Parquet Federal.6. Não obstante a Caixa Econômica Federal tenhaafirmado não querer integrar a lide na condição deassistente, requereu a intimação de todos os atosprocessuais, o que evidentemente demonstra aexistência de seu interesse na lide.7. A ação civil pública foi ajuizada pelo MinistérioPúblico Federal com base em representação formuladapela Caixa Econômica Federal, que apontou assupostas fraudes no concurso em questão, que haviasido autorizado pela empresa pública, no uso de suasatribuições legais e regulamentares.8. Agravo de instrumento provido.” (TRF 3ª Região, 1ªTurma, Agravo de Instrumento nº2008.03.00.024226-0/SP, rel. Juiz Federal convocadoMárcio Mesquita, v.u., j. 06/10/2009) (grifos inseridos)

Com isso, a presença desta Instituição no polo ativo

da ação, por si só, atrai a competência da Justiça Federal para o respectivo

processo e julgamento.

2.2. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL

A legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

ao aforamento desta ação afigura-se irretorquível e deflui de seu amplo leque de

13

Page 14: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

atribuições na ordem constitucional e legal.

Deveras, o art. 129, III, da Constituição da República,

preconiza:

“Art. 129. São funções institucionais do MinistérioPúblico:(…)III – promover o inquérito civil e a ação civilpública, para a proteção do patrimônio público esocial, do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos;(...)” (grifos acrescidos)

Além da franquia constitucional, e como não poderia

deixar de ser, há, em plano jurídico-normativo inferior, uma pluralidade de

normas autorizando esta Instituição a deduzir em juízo sua pretensão em favor

do meio ambiente, direito material de titularidade difusa. Nesse sentido, cumpre

mencionar os arts. 5º, II, d, e III, d, e 6º, VII, b, ambos da Lei Complementar

nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União - LOMPU), o art. 25, IV, a,

da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP), os

arts. 1º, I, e 5º, I, ambos da Lei nº 7.347/85, e o art. 14, § 1º, 2ª parte, da Lei

nº 6.938/81 (instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente), a seguir

transcritos:

“Art. 5º. São funções institucionais do MinistérioPúblico da União:(…)II – zelar pela observância dos princípiosconstitucionais relativos:(…)d) à seguridade social, à educação, à cultura e aodesporto, à ciência e à tecnologia, à comunicaçãosocial e ao meio ambiente;

14

Page 15: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

(…)III – a defesa dos seguintes bens e interesses:(…)d) meio ambiente;(…)Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:(…)VII – promover o inquérito civil e a ação civilpública para:(…)b) a proteção do patrimônio público e social, domeio ambiente, dos bens e direitos de valorartístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;(...)

Art. 25. Além das funções previstas nas ConstituiçõesFederal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis,incumbe, ainda, ao Ministério Público:(…)IV – promover o inquérito civil e a ação civilpública, na forma da lei:a) para a proteção, prevenção e reparação dosdanos causados ao meio ambiente, aoconsumidor, aos bens e direitos de valor artístico,estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outrosinteresses difusos, coletivos e individuais indisponíveise homogêneos;(...)

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, semprejuízo da ação popular, as ações deresponsabilidade por danos morais epatrimoniais causados:I – ao meio ambiente;(…)Art. 5º. Têm legitimidade para propor a açãoprincipal e a ação cautelar:I – o Ministério Público;(…)

Art. 14. (…)(…)§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas

15

Page 16: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

neste artigo, é o poluidor obrigado,independentemente da existência de culpa, aindenizar ou reparar os danos causados ao meioambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. OMinistério Público da União e dos Estados terálegitimidade para propor ação deresponsabilidade civil e criminal, por danoscausados ao meio ambiente.(...)” (grifos acrescidos)

Nesta ação, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

assume a condição de legitimado autônomo e ordinário para a condução do

processo (selbständige ProzeBführungsbefugnis)3, desempenhando em prol da

sociedade a tutela ambiental suscitada em virtude da lesão a bem integrante do

domínio institucional da União, o qual, numa perspectiva ampla, envolve os

recursos naturais da flora e fauna marítimas (arts. 20, V, VI e VII, e 225, ambos

da Lei Maior).

2.3 DANO AMBIENTAL

O dano ao meio ambiente, caracterizado pela

contaminação do mar territorial em virtude do derrame de óleo diesel

proveniente de embarcação de propriedade do réu, encontra supedâneo nos

elementos reunidos pelo inquérito civil subjacente, com destaque para o Auto de

Infração de fl. 20 e para o Comunicado Preliminar de fl. 21, ambos lavrados pela

Capitania dos Portos, além dos Autos de Inspeção (cópia às fls. 50/1, 52 e 53) e

do Despacho (cópia à fl. 54) emitidos pela CETESB.

O fato de não ter sido coletada amostra do óleo diesel

despejado no mar, no instante da inspeção deflagrada pela Capitania dos Portos,

não é hábil a gerar conclusão no sentido da ausência de dano ambiental.

3 NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Anotada e LegislaçãoConstitucional, 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 487.

16

Page 17: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Com efeito, é fato público, notório, incontroverso e,

portanto, independente de prova, que o derramamento de produtos ou

substâncias químicas no mar constitui dano ecológico e autêntica agressão ao

meio ambiente. Os efeitos nefastos e irreversíveis da contaminação causada por

produtos ou substâncias dessa natureza são universalmente conhecidos e não

atingem apenas a fauna e a flora marinhas, mas também a própria população

humana, em ordem a expor crianças, adultos e idosos ao contato com areias e

águas insalubres, bem assim à ingestão de peixes e frutos do mar

contaminados.

Ademais, o derrame sistemático, frequente, repetido,

de óleo diesel ou demais produtos e substâncias químicas, mesmo que de

pequenas proporções, gera uma situação de estresse crônico no ecossistema

afetado e impede, inclusive, sua regeneração natural.

Não é outro o escólio doutrinal de Gilberto Passos de

Freitas e Luciano Pereira Souza:

“(...) quanto aos danos resultantes de vazamento deóleo no ambiente marinho, não se exige que oepisódio assuma proporções de uma 'catástrofeecológica', bastando o derrame de um volume'suficientemente expressivo para ictu oculi, sugerir aocorrência de dano ambiental', ainda queposteriormente tenha 'ocorrido a integral regeneraçãodo ambiente'” (Lições de Direito Ambiental, v. II,Unisanta: Santos/SP, 2002, p. 60)

Releva destacar que o Estuário de Santos é uma

região poluída, característica que a torna mais vulnerável a acidentes ou

incidentes ecológicos, se comparado a regiões devidamente preservadas.

17

Page 18: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Por ser uma região “doente”, com níveis de poluição

que, por si sós, já colocam em risco espécies da fauna e da flora, bem como a

saúde da população humana, merece ainda maior cuidado e proteção. Em razão

de seu efeito acumulativo, a eclosão de novos danos ecológicos aumenta o grau

de insalubridade do meio ambiente, dificultando ou até mesmo inviabilizando a

sua recuperação natural.

Tanto assim, que, no Despacho de fl. 54, observa-se

claramente a preocupação da CETESB com a poluição sistemática desta área

litorânea, ao assinalar:

“(...)Acidentes desta natureza são frequentes em nosso

litoral e por isto mesmo, se justifica o trabalho queestá se desenvolvendo em conjunto com a CETESB(de forma mais contundente pela Agência Ambientalde Cubatão) e as Prefeituras de nossa região,objetivando dotar estas instalações de meiosapropriados para o controle nestas situaçõesemergenciais e, além, dar treinamento adequado atodos aqueles que direta ou indiretamente cuidam dasembarcações, intensificando a adoção de medidaspreventivas na manutenção dos barcos e formas deutilização, de modo a minimizar eventos como este.(...)”

Seja de grande ou de pequeno porte, o vazamento de

óleo diesel e demais produtos e substâncias químicas no mar, sem dúvida,

provoca perturbação e desequilíbrio, em maior ou menor escala, à vida dos

ecossistemas estuarinos e marinhos, podendo a perturbação ser classificada em

letal, subletal e/ou comportamental, de acordo com o entendimento da

International Tanker Owners Pollution Federation (ITOPF), organização não

18

Page 19: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

governamental criada pelos proprietários de navios-tanque para lhes dar amparo

técnico em casos de poluição:

“Os componentes mais tóxicos existentes no óleotendem a desaparecer rapidamente através deevaporação quando o óleo é derramado. Por causadisto, concentrações letais de componentes tóxicoslevando à mortalidade de vida marinha em grandeescala são relativamente raras, localizadas e de curtaduração. Efeitos subletais que prejudicam a habilidadeindividual dos organismos marinhos para sereproduzir, crescer, alimentar ou executar outrasfunções podem ser causadas por exposiçãoprolongada a uma concentração de óleo ou decomponentes de óleo muito mais baixa do que aquelaque causaria a morte.”4

Assim, aceitar, como algo inofensivo ou

desimportante, a ocorrência de pequenos ou médios derrames de substâncias

lesivas ao meio aquático frequentemente agredido, equivale a aceitar

permanentemente o fenômeno da degradação ambiental, tolhendo, inclusive, a

possibilidade de restauração do meio ou ecossistema afetado.

Calha reproduzir, no ponto, trecho de artigo escrito

pela Juíza Federal Dra. Heloísa Helena Sérvulo da Cunha, verbis:

“Especificamente no caso do estuário de Santos, oproblema se mostra agudo e exige uma tomada deconsciência. Não é possível admitir-se a continuaçãode pequenos, ou médios vazamentos, sob alegação deque pouco representam. Isoladamente causam efeitosdanosos menores ou maiores, que muitas vezes semanifestam tempos após a emissão dos poluentes. Nasomatória, contudo, agravam o problema ambiental edificultam a recuperação natural do meio ambiente.”

4 Efeitos de Vazamento de Óleo no Mar, disponível em http://www.itopf.com/effects.html.

19

Page 20: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

(disponível em www.ajufe.org.br – Revista de DireitoFederal nº 55/1997 – Apontamentos sobre a Questãoda Poluição Marinha)

Segue, abaixo, julgado do Tribunal Regional Federal da

3ª Região, que, sensatamente, incorporou a ideia de irrelevância, para fins de

configuração da responsabilidade civil ambiental, da prévia degradação do meio

ambiente afetado, bem assim da pequena proporção da lesão individualmente

considerada:

“AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – VAZAMENTODE ÓLEO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA –INDENIZAÇÃO DEVIDA – APLICABILIDADE DETRABALHO ELABORADO PELA CETESB PARAAPURAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR À FALTA DEMELHOR CRITÉRIO PARA FIXAÇÃO DO VALOR DEVIDO– PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE QUE DEVE, EMQUALQUER CASO, SER OBSERVADO.I – A indenização decorrente de dano ao meioambiente é devida independentemente da existênciade culpa (art. 14, § 1º, Lei 6.938/81).II – O laudo pericial é categórico ao atestar alesividade do evento ocorrido. Ademais, milita emfavor da tese da ocorrência de dano uma presunção'hominis', porquanto pareça mais razoável face ásmáximas de experiência acreditar-se que umvazamento de meia centena de litros de óleoprovoque algum tipo de lesão ao ecossistema atingidodo que se imaginar que tamanha quantidade desubstância nociva seja despercebidamente assimiladapela fauna e flora local.III – A prévia degradação do local atingido nãoafasta a responsabilidade, sob pena de sesubtrair por completo a eficácia da normaconstitucional de tutela do meio ambiente.Tampouco a pequena proporção da lesão temesse condão, já que a única diferença relevanteque há entre as grandes e as pequenasagressões ao meio ambiente está na

20

Page 21: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

quantificação da punição a ser imposta aocausador.IV- A indenização a ser arbitrada deve obedecer aoprincípio da razoabilidade, sempre com vistas adesestimular a transgressão das normas ambientais.V – À míngua de melhor critério, nada impede que ojuiz adote critérios estabelecidos em trabalhorealizado pela CETESB relativo a derramamento depetróleo e derivados, desde que atentando para oprincípio da razoabilidade. A fixação de indenizaçõesdesmesuradas ao pretexto de defesa do meioambiente configura intolerável deturpação da 'menslegis', não podendo no caso em tela o Estado valer-sedo silêncio da lei para espoliar o poluidor a ponto detornar inviável o seu empreendimento.VI – Apelação parcialmente provida.” (TRF 3ª Região,3ª Turma, Apelação Cível 432487, Proc.98030675460/SP, rel. Des. Fed. Cecília Marcondes,DJU 29/1/2003, p. 173) (grifos colocados)

Não é rebarbativo dizer: não é porque o volume ou

quantidade de óleo diesel lançado no mar foi relativamente pequeno, que a

conduta deve ser admitida ou tolerada. É justamente por conta do derrame de

pequenas quantidades de óleo no mar, pelas embarcações que por aqui

circulam, que a região estuarina da Baixada Santista se encontra no atual estado

de poluição.

Logo, a conduta atribuída ao réu gerou, sim, dano

certo e efetivo ao meio ambiente físico.

2.4 MEIO AMBIENTE, EQUILÍBRIO ECOLÓGICO,

DEVER DE DEFESA E PRESERVAÇÃO PELO PODER

PÚBLICO E PELA COLETIVIDADE, E

RESPONSABILIDADE AMBIENTAL ENTRE

GERAÇÕES

21

Page 22: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

O meio ambiente é um direito subjetivo de titularidade

coletiva, que encontra projeção no ordenamento jurídico pátrio já em nível

constitucional.

É o que se vê do art. 225, caput, da Constituição da

República:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá-lo para as presentes e futurasgerações.”

Na dicção de Paulo Affonso Leme Machado,

“(...)Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado. O direito ao meio ambiente equilibrado éde cada um, como pessoa humana,independentemente de sua nacionalidade, raça, cor,sexo, idade, estado de saúde, profissão, renda ouresidência.O uso do pronome indefinido – 'todos' – alarga a

abrangência da norma jurídica, pois, nãoparticularizando quem tem direito ao meio ambiente,evita que se exclua quem quer que seja.'O meio ambiente é um bem coletivo de desfrute

individual e geral ao mesmo tempo'. O direito ao meioambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendoao mesmo tempo 'transindividual'. Por isso, o direitoao meio ambiente entra na categoria de interessedifuso, não se esgotando numa só pessoa, mas seespraiando para uma coletividade indeterminada.Enquadra-se o direito ao meio ambiente na'problemática dos novos direitos, sobretudo a sua

22

Page 23: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

característica de direito de maior dimensão, quecontém seja uma dimensão subjetiva como coletiva,que tem relação com um conjunto de utilidades' –assevera o Prof. Domenico Amirante.A locução 'todos têm direito' cria um direito

subjetivo, oponível erga omnes (…) 'Após a entrada em vigência da Carta de 1988, não

se pode mais pensar em tutela ambiental restrita aum único bem. Assim é porque o bem jurídicoambiente é complexo. O meio ambiente é umatotalidade e só assim pode ser compreendido eestudado – assinala Paulo de Bessa Antunes.(...)” (Direito Ambiental Brasileiro, 17ª edição, São

Paulo: Malheiros, 2009, pp. 127-8)

A doutrina o conceitua como “a interação dos

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento

equilibrado da vida do homem”5, ou “o conjunto de elementos da Natureza–

terra, água, ar, flora e fauna – ou criações humanas essenciais à vida de todos

os seres e ao bem-estar do homem na comunidade”6.

Legalmente, é definido como “o conjunto de

condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”7.

Ao construir a norma do art. 225, caput, da Lei Maior,

o constituinte, sem dúvida, adotou uma visão antropocêntrica sobre o meio

ambiente, que, na literalidade do escólio de Álvaro L. V. Mirra,

“É um direito fundamental da pessoa humana, comoforma de preservar a vida e a dignidade das pessoas –

5 MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado, 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, p.3.

6 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção,Habeas Data, 13ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, pp. 121-2.

7 Art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81.

23

Page 24: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

núcleo essencial dos direitos fundamentais, poisninguém contesta que o quadro da destruiçãoambiental no mundo compromete a possibilidade deuma existência digna para a Humanidade e põe emrisco a própria vida humana.” (in Fundamentos doDireito Ambiental no Brasil, RT 706/7-29, São Paulo,Revista dos Tribunais, agosto/1994)

Essa mesma visão fora incorporada pela Declaração da

Conferência do Rio de Janeiro, de 1992 (ECO-92), que, no seu Princípio 1,

estabeleceu:

“Princípio 1. Os seres humanos constituem o centrodas preocupações relacionadas com odesenvolvimento sustentável.”

A tendência antropocêntrica, contudo, encontra o seu

arrefecimento nos §§ 4º e 5º e nos incisos I, II, III e VII do § 1º do art. 225,

pelos quais se obtém o necessário equilíbrio entre o antropocentrismo e

biocentrismo, dada a preocupação de harmonizar e integrar o ser humano e a

biota.

Instado a se pronunciar acerca do tema, o Supremo

Tribunal Federal, em aresto lapidar, estabeleceu o conceito de meio ambiente:

“EMENTA: REFORMA AGRARIA - IMÓVEL RURALSITUADO NO PANTANAL MATO-GROSSENSE -DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184) -POSSIBILIDADE - FALTA DE NOTIFICAÇÃO PESSOALE PREVIA DO PROPRIETARIO RURAL QUANTO AREALIZAÇÃO DA VISTORIA (LEI N. 8.629/93, ART. 2.,PAR. 2.) - OFENSA AO POSTULADO DO DUE PROCESSOF LAW (CF, ART. 5., LIV) - NULIDADE RADICAL DADECLARAÇÃO EXPROPRIATORIA - MANDADO DESEGURANÇA DEFERIDO. REFORMA AGRARIA E

24

Page 25: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

DEVIDO PROCESSO LEGAL. - O POSTULADOCONSTITUCIONAL DO DUE PROCESS OF LAW, EMSUA DESTINAÇÃO JURÍDICA, TAMBÉM ESTAVOCACIONADO A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE.NINGUEM SERÁ PRIVADO DE SEUS BENS SEM ODEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5., LIV). AUNIÃO FEDERAL - MESMO TRATANDO-SE DEEXECUÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DEREFORMA AGRARIA - NÃO ESTA DISPENSADA DAOBRIGAÇÃO DE RESPEITAR, NO DESEMPENHO DESUA ATIVIDADE DE EXPROPRIAÇÃO, POR INTERESSESOCIAL, OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE, EMTEMA DE PROPRIEDADE, PROTEGEM AS PESSOASCONTRA A EVENTUAL EXPANSAO ARBITRARIA DOPODER ESTATAL. A CLÁUSULA DE GARANTIADOMINIAL QUE EMERGE DO SISTEMA CONSAGRADOPELA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA TEM POROBJETIVO IMPEDIR O INJUSTO SACRIFICIO DODIREITO DE PROPRIEDADE. FUNÇÃO SOCIAL DAPROPRIEDADE E VISTORIA EFETUADA PELO INCRA. AVISTORIA EFETIVADA COM FUNDAMENTO NO ART. 2.,PAR. 2. , DA LEI N. 8.629/93 TEM POR FINALIDADEESPECIFICA VIABILIZAR O LEVANTAMENTO TECNICODE DADOS E INFORMAÇÕES SOBRE O IMÓVELRURAL, PERMITINDO A UNIÃO FEDERAL - QUE ATUAPOR INTERMEDIO DO INCRA - CONSTATAR SE APROPRIEDADE REALIZA, OU NÃO, A FUNÇÃO SOCIALQUE LHE E INERENTE. O ORDENAMENTO POSITIVODETERMINA QUE ESSA VISTORIA SEJA PRECEDIDADE NOTIFICAÇÃO REGULAR AO PROPRIETARIO, EMFACE DA POSSIBILIDADE DE O IMÓVEL RURAL QUELHE PERTENCE - QUANDO ESTE NÃO ESTIVERCUMPRINDO A SUA FUNÇÃO SOCIAL - VIR ACONSTITUIR OBJETO DE DECLARAÇÃOEXPROPRIATORIA, PARA FINS DE REFORMA AGRARIA.NOTIFICAÇÃO PREVIA E PESSOAL DA VISTORIA. ANOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 2. , PAR. 2.,DA LEI N. 8.629/93, PARA QUE SE REPUTE VALIDA EPOSSA CONSEQUENTEMENTE LEGITIMA EVENTUALDECLARAÇÃO EXPROPRIATORIA PARA FINS DEREFORMA AGRARIA, HÁ DE SER EFETIVADA EMMOMENTO ANTERIOR AO DA REALIZAÇÃO DAVISTORIA. ESSA NOTIFICAÇÃO PREVIA SOMENTE

25

Page 26: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

CONSIDERAR-SE-A REGULAR, QUANDOCOMPROVADAMENTE REALIZADA NA PESSOA DOPROPRIETARIO DO IMÓVEL RURAL, OU QUANDOEFETIVADA MEDIANTE CARTA COM AVISO DERECEPÇÃO FIRMADO POR SEU DESTINATARIO OUPOR AQUELE QUE DISPONHA DE PODERES PARARECEBER A COMUNICAÇÃO POSTAL EM NOME DOPROPRIETARIO RURAL, OU, AINDA, QUANDOPROCEDIDA NA PESSOA DE REPRESENTANTE LEGALOU DE PROCURADOR REGULARMENTE CONSTITUIDOPELO DOMINUS. O DESCUMPRIMENTO DESSAFORMALIDADE ESSENCIAL, DITADA PELANECESSIDADE DE GARANTIR AO PROPRIETARIO AOBSERVANCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DODEVIDO PROCESSO LEGAL, IMPORTA EM VÍCIORADICAL. QUE CONFIGURA DEFEITO INSUPERAVEL,APTO A PROJETAR-SE SOBRE TODAS AS FASESSUBSEQUENTES DO PROCEDIMENTO DEEXPROPRIAÇÃO, CONTAMINANDO-AS, POR EFEITODE REPERCUSSAO CAUSAL, DE MANEIRAIRREMISSIVEL, GERANDO, EM CONSEQUENCIA, PORAUSÊNCIA DE BASE JURÍDICA IDONEA, A PROPRIAINVALIDAÇÃO DO DECRETO PRESIDENCIALCONSUBSTANCIADOR DE DECLARAÇÃOEXPROPRIATORIA. PANTANAL MATO-GROSSENSE (CF,ART. 225, PAR. 4. ) - POSSIBILIDADE JURÍDICA DEEXPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS NELESITUADOS, PARA FINS DE REFORMA AGRARIA. - ANORMA INSCRITA NO ART. 225, PARAGRAFO 4., DACONSTITUIÇÃO NÃO ATUA, EM TESE, COMOIMPEDIMENTO JURÍDICO A EFETIVAÇÃO, PELA UNIÃOFEDERAL, DE ATIVIDADE EXPROPRIATORIADESTINADA A PROMOVER E A EXECUTAR PROJETOSDE REFORMA AGRARIA NAS AREAS REFERIDASNESSE PRECEITO CONSTITUCIONAL, NOTADAMENTENOS IMÓVEIS RURAIS SITUADOS NO PANTANALMATO-GROSSENSE. A PROPRIA CONSTITUIÇÃO DAREPUBLICA, AO IMPOR AO PODER PUBLICOO DEVERDE FAZER RESPEITAR A INTEGRIDADE DOPATRIMÔNIO AMBIENTAL, NÃO O INIBE, QUANDONECESSARIA A INTERVENÇÃO ESTATAL NA ESFERALDOMINIAL PRIVADA, DE PROMOVER ADESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS PARA FINS

26

Page 27: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

DE REFORMA AGRARIA, ESPECIALMENTE PORQUE UMDOS INSTRUMENTOS DE REALIZAÇÃO DA FUNÇÃOSOCIAL DA PROPRIEDADE CONSISTE,PRECISAMENTE, NA SUBMISSAO DO DOMÍNIO ANECESSIDADE DE O SEU TITULAR UTILIZARADEQUADAMENTE OS RECURSOS NATURAISDISPONIVEIS E DE FAZER PRESERVAR OEQUILIBRIO DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 186,II), SOB PENA DE, EM DESCUMPRINDO ESSESENCARGOS, EXPOR-SE A DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO AQUE SE REFERE O ART. 184 DA LEIFUNDAMENTAL. A QUESTÃO DO DIREITO AOMEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTEEQUILIBRADO - DIREITO DE TERCEIRAGERAÇÃO - PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. - ODIREITO A INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE -TIPICO DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO -CONSTITUI PRERROGATIVA JURÍDICA DETITULARIDADE COLETIVA, REFLETINDO,DENTRO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO DOSDIREITOS HUMANOS, A EXPRESSAOSIGNIFICATIVA DE UM PODER ATRIBUIDO, NÃOAO INDIVIDUO IDENTIFICADO EM SUASINGULARIDADE, MAS, NUM SENTIDOVERDADEIRAMENTE MAIS ABRANGENTE, APROPRIA COLETIVIDADE SOCIAL. ENQUANTO OSDIREITOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO (DIREITOS CIVIS EPOLITICOS) - QUE COMPREENDEM AS LIBERDADESCLASSICAS, NEGATIVAS OU FORMAIS - REALCAM OPRINCÍPIO DA LIBERDADE E OS DIREITOS DESEGUNDA GERAÇÃO (DIREITOS ECONOMICOS,SOCIAIS E CULTURAIS) - QUE SE IDENTIFICA COMAS LIBERDADES POSITIVAS, REAIS OU CONCRETAS -ACENTUAM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE, OSDIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, QUEMATERIALIZAM PODERES DE TITULARIDADECOLETIVA ATRIBUIDOS GENERICAMENTE A TODASAS FORMAÇÕES SOCIAIS, CONSAGRAM O PRINCÍPIODA SOLIDARIEDADE E CONSTITUEM UM MOMENTOIMPORTANTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO,EXPANSAO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOSHUMANOS, CARACTERIZADOS, ENQUANTO VALORESFUNDAMENTAIS INDISPONIVEIS, PELA NOTA DE UMA

27

Page 28: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

ESSENCIAL INEXAURIBILIDADE. CONSIDERAÇÕESDOUTRINARIAS.” (STF, Pleno, MS 22.164-0/SP, rel.Min. Celso de Mello, j. 30/10/1995, v.u., DJU17/11/1995) (grifos acrescidos)

Trata-se, pois, do direito/interesse difuso por

excelência.

A sua vez, e como explicam Gilberto Giovanetti e

Madalena Lacerda8, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

corresponde ao “estado de equilíbrio entre os diversos fatores que formam um

ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, micro-

organismos, solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana,

seja por poluição ambiental, por eliminação ou introdução de espécies animais e

vegetais”.

Como cediço, na Natureza “cada espécie vê suas

ambições limitadas por aqueles que as devoram, pela falta de nutrição ou pelos

incômodos metereológicos. Todo o paraíso terrestre funciona como uma estufa

munida de um termostato: ele oscila, em cada um de seus parâmetros, entre

dois limites próximos”9.

Apesar disso, o equilíbrio ecológico não significa uma

perene inalterabilidade das condições naturais, inobstante a integração

harmônica entre seus diversos elementos (populações, comunidades,

ecossistemas e a biosfera) deva ser buscada intensamente pelo Poder Público e

por todas as pessoas, quer no aspecto individual, quer como membros do corpo

social.

Como “bem de uso comum do povo”, o meio ambiente

8 Melhoramentos Dicionário de Geografia, São Paulo: Melhoramentos, 1996, p. 70.9 FRIEDEL, Henri, “Les Grandes Lois de la Biosphère”, Encyclopédie de I'Écologie, Paris, Librairie Larousse,

1977, p. 23.

28

Page 29: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

é apenas gerido pelo Poder Público, que não é o seu proprietário, mas sim o

administra em favor da coletividade, devendo explicar convincentemente sua

gestão, em ordem, inclusive, a permitir e, até, estimular a participação ativa da

sociedade civil na gestão dos bens ambientais, além de impor aos governantes a

prestação de contas acerca de sua utilização, num autêntico “Estado

Democrático e Ecológico de Direito”, expressão cunhada por Paulo Affonso Leme

Machado10.

Entende-se que o meio ambiente guarda íntima

relação com a sadia qualidade de vida, na medida em que esta só pode ser

obtida e mantida no contexto de um equilíbrio ecológico.

Em função de sua capital relevância à própria

sobrevivência humana no planeta, o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado

“(...) é um direito fundamental, pois condiciona todosos demais e não se sujeita à extinção, o que, seadmitido, representaria a extinção da própria vida ou,quando menos, comprometeria insuportavelmente suaqualidade, o que é inconcebível.” (FINK, DanielRoberto. Ação Civil Pública – Prescrição – BrevesNotas e Reflexões, in A Ação Civil Pública,coordenação: Édis Milaré, São Paulo: Revista dosTribunais, p. 141)

Ademais, e parafraseando a doutrina ambientalista de

escol, tem-se o meio ambiente ecologicamente equilibrado como o ponto de

partida para o exercício dos demais direitos, porque tal direito

“(...) situa-se num degrau anterior à grande maioria

10 Ob. Cit., p. 131.

29

Page 30: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

dos direitos subjetivos, que lhe devem, inclusive,obediência. A estreita ligação e dependência da vidacom o meio ambiente faz deste direito um limitadornatural dos demais direitos subjetivos do homem.”(RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de DireitoAmbiental, p. 59)

Não é por outro motivo que, no direito pátrio, o direito

à reparação dos danos ambientais traz consigo o atributo da imprescritibilidade,

como explica, em nível dogmático, Eliana Calmon, Ministra aposentada do

Superior Tribunal de Justiça:

“A solução deve ser construída a partir de algumasconsiderações jurídicas inafastáveis.A primeira é a certeza de que os prazos

prescricionais estão estabelecidos em lei e só olegislador pode fazê-lo, ou seja, limitartemporalmente o exercício do direito de ação do titulardo direito.A segunda consideração diz respeito ao art. 37,

§ 5º, da Constituição Federal de 1988, o qualestabelece a imprescritibilidade das ações dereparação dos danos causados ao patrimôniopúblico.A partir daí pergunta-se: pode a ação de reparação

por dano ambiental enquadrar-se na especificaçãoconstitucional e assim passar a usufruir aimprescritibilidade?Entendo que sim, na medida em que a proteção

ao meio ambiente é proteção a direitofundamental e essencial à afirmação dos povos,é proteção a direito inerente à vida. Assim,entendo pertinente aceitar-se a regraconstitucional da imprescritibilidade, por umainterpretação principiológica, na falta de textolegal expresso e específico.A reflexão também leva em consideração uma

realidade prática que pode ocorrer. Se houverconflito quanto ao prazo prescricional, previstoem lei geral como regra, destinada aos direitos

30

Page 31: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

sem prazo específico e a regra constitucional daimprescritibilidade, como consta da Constituição,é inquestionável que a tutela maior deve vir embenefício do bem jurídico coletivo, indisponível efundamental. O privilégio deve-se à natureza dosdireitos de terceira geração, dentre os quais estáo direito ao meio ambiente, porque sem eles nãohaveria nenhum outro. Refiro-me ao direito àvida, à saúde, ao trabalho, ao lazer, enfim, aosdireitos que dão sustentabilidade à existênciahumana, à vida planetária.É inquestionável que, diante da grandiosidade dos

direitos tratados, cedem os direitos de naturezaeminentemente privada, os quais nascem com ummarco temporal para seu exercício, ou se submetem aum prazo estabelecido pelo legislador, prazo estedesencadeado quando há agressão ao direito,surgindo daí os institutos da decadência e daprescrição.Se a regra geral oferece ao titular do direito um

tempo certo para agir, opondo-se à violação dodireito, a partir da ciência do titular quanto àtransgressão, quando o dano causado pelatransgressão de um direito tem repercussão econsequências que se protraem no tempo,muitas vezes só identificadas ao fim de um longoperíodo, atingindo gerações futuras e seperdendo na memória o início da lesão, é naturalque se tenha uma outra regra para que se possaagir em favor das vítimas da transgressão. Estaé a regra dos direitos imprescritíveis de que falao legislador maior.” (Direito Socioambiental:Homenagem a Vladimir Passos de Freitas,coordenação: Alessandra Galli, v. 2, 1ª edição,Curitiba: Juruá, 2011, pp. 341-2) (grifos colocados)

O Superior Tribunal de Justiça dispõe de precedentes

no sentido da imprescritibilidade de tal direito:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL.

31

Page 32: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIAJURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. ANÁLISE DEMATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA POR ESTA CORTE SEMPREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.PRECEDENTES.1. O acórdão recorrido, que julgou o agravo deinstrumento do recorrente, tratou exclusivamente daprescrição. Mesmo questões de ordem pública(legitimidade passiva) não podem ser analisadas emRecurso Especial se ausente o requisito doprequestionamento. Precedentes do STJ.2. É cediço que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas, ou a responder,um a um, a todos os seus argumentos quando jáencontrou motivo suficiente para fundamentar adecisão, o que de fato ocorreu. Não violação do art.535 do CPC.3. O Tribunal a quo entendeu que: 'Não se podeaplicar entendimento adotado em ação dedireitos patrimoniais em ação que visa àproteção do meio ambiente, cujos efeitosdanosos se perpetuam no tempo, atingindo àsgerações presentes e futuras.' Esta Corte tementendimento no mesmo sentido, de que,tratando-se de direito difuso – proteção ao meioambiente –, a ação de reparação éimprescritível. Precedentes.Agravo regimental improvido.” (STJ, 2ª Turma, AgRgno Resp 1150479/RS, Proc. 2009/0142399-0, rel. Min.Humberto Martins, j. 4/10/2011, v.u., DJe14/10/2011)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITOAMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIADA JUSTIÇA FEDERAL – IMPRESCRITIBILIDADE DAREPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDOGENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUMDEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE– SÚMULAS 284/STF E 7/STJ.1. É da competência da Justiça Federal o processo e

32

Page 33: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

julgamento de Ação Civil Pública visando indenizar acomunidade indígena Ashaninka-Kampa do rioAmônia.2. Segundo a jurisprudência do STJ e STF trata-se decompetência territorial e funcional, eis que o danoambiental não integra apenas o foro estadual daComarca local, sendo bem mais abrangenteespraiando-se por todo o território do Estado, dentroda esfera de competência do Juiz Federal.3. Reparação pelos danos materiais e morais,consubstanciados na extração ilegal de madeira daárea indígena.4. O dano ambiental além de atingir de imediato obem jurídico que lhe está próximo, a comunidadeindígena, também atinge a todos os integrantes doEstado, espraiando-se para toda a comunidade local,não indígena e para futuras gerações pelairreversibilidade do mal ocasionado.5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civilassume grande amplitude, com profundas implicaçõesna espécie de responsabilidade do degradador que éobjetiva, fundada no simples risco ou no simples fatoda atividade danosa, independentemente da culpa doagente causador do dano.6. O direito ao pedido de reparação de danosambientais, dentro da logicidade hermenêutica,está protegido pelo manto daimprescritibilidade, por se tratar de direitoinerente à vida, fundamental e essencial àafirmação dos povos, independentemente denão estar expresso em texto legal.7. Em matéria de prescrição cumpre distinguirqual o bem jurídico tutelado: se eminentementeprivado seguem-se os prazos normais das açõesindenizatórias; se o bem jurídico é indisponível,fundamental, antecedendo a todos os demaisdireitos, pois sem ele não há vida, nem saúde,nem trabalho, nem lazer , considera-seimprescritível o direito à reparação.8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitosindisponíveis e como tal está dentre os poucosacobertados pelo manto da imprescritibilidade aação que visa reparar o dano ambiental.

33

Page 34: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

9. Quando o pedido é genérico, pode o magistradodeterminar, desde já, o montante da reparação,havendo elementos suficientes nos autos. Precedentesdo STJ.10. Inviável, no presente recurso especial, modificar oentendimento adotado pela instância ordinária, no quetange aos valores arbitrados a título de indenização,por incidência das Súmulas 284/STF e 7/STJ.11. Recurso especial parcialmente conhecido e nãoprovido.” (STJ, 2ª Turma, Resp 1120117/AC, Proc.2009/0074033-7, rel. Min. Eliana Calmon, j.10/11/2009, v.u., DJe 19/11/2009) (grifos postos)

Na mesma senda, o Tribunal Regional Federal da 3ª

Região:

“DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO AMBIENTAL PROPOSTAPARA CONDENAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELODERRAMAMENTO DE 'ACETATO DE VINILA' NA ÁGUADO MAR DO ESTUARIO DO PORTO DE SANTOS,JULGADA IMPROCEDENTE. REMESSA OFICIAL TIDAPOR OCORRIDA. AGRAVO RETIDO INTERPOSTO PORGLOBAL TRANSPORTE OCEÂNICO S/A NÃOCONHECIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA 'AD CAUSAM'DE OCEANUS AGÊNCIA MARÍTIMA RECONHECIDA.INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO: A PROTEÇÃO AOMEIO AMBIENTE É IMPRESCRITÍVEL (PRECEDENTES).INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225, § 3º, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL E DAS LEIS 6.938/81 E7.347/85 (TEORIA DO RISCO INTEGRAL). EFETIVAPROVA DA OCORRÊNCIA DO VAZAMENTO DESUBSTÂNCIA RECONHECIDAMENTE NOCIVA ÀSFORMAS DE VIDA. IRRELEVÂNCIA DA EXTENSÃO DODERRAMAMENTO. INDENIZAÇÃO EM FACE DATOXIDADE DA SUBSTÂNCIA QUÍMICA DERRAMADA,COM LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO(PRECEDENTES). JUROS DE MORA, CORREÇÃOMONETÁRIA E VERBA HONORÁRIA. 1. Ação de açãocivil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal epelo Ministério Público do Estado de São Paulo emface de Oceanus Agência Marítima S/A e Global

34

Page 35: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Transporte Oceânico S/A, em decorrência de danoambiental decorrente do lançamento nas águas doPorto de Santos de 'acetato de vinila', substânciatóxica que vazou do navio ALEMOA em 12 dedezembro de 1996, por volta das 00h30min, noTerminal de Granéis Líquidos, na Ilha de Barnabé.Fato incontroverso, tanto que a firma OceanusAgência Marítima S/A assumiu expressamente aresponsabilidade pelo recolhimento da multa emdecorrência do derramamento do produto químico,evento que foi registrado pela Capitania dos Portosem Santos no Auto de Infração nº 0188. 2. Remessaoficial tida por interposta tendo em vista que éobrigatória a providência diante da sentença que julgaimprocedente ação civil pública conforme orientaçãoemanada do E. Superior Tribunal de Justiça: REsp1108542/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDATURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 29/05/2009. 3.Não se conhece do agravo retido interposto por GlobalTransporte Oceânico S/A às fls. 462/467, tendo emvista que não houve reiteração nas contrarrazões. 4.A agravante Oceanus Agência Marítima S/A é partelegítima para figurar no polo passivo da demanda,tendo em vista que está devidamente identificadacomo responsável pelo ato infracional lavrado pelaCapitania dos Portos (fls. 50 e verso), verificando-se,ainda que assumiu expressamente a responsabilidadepelo recolhimento da multa em decorrência doderramamento do produto químico (fl. 63). Nega-seprovimento ao agravo retido de fls. 470/483. 5. Asações coletivas que visam tutelar o meioambiente são imprescritíveis, podendo serajuizadas a qualquer tempo. Os atos nocivos aomeio ambiente tornam vulneráveis uma extensaquantidade de direitos fundamentais individuaise coletivos ocasionando prejuízos que seprotraem no tempo e no espaço. Precedentes:REsp 1223092/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA,SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe04/02/2013; REsp 1120117/AC, Rel. Ministra ELIANACALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009,DJe 19/11/2009. 6. A proteção ao meio ambientedetém 'status' constitucional, em face do que dispõe o

35

Page 36: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

artigo 225 da Constituição Federal, sujeitando osagentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, asanções civis, penais e administrativas, as quaispodem ser aplicadas de forma cumulativa, em face daindependência das instâncias (artigo 225, § 3º, daConstituição Federal, artigo 4º, VII, c/c art. 14, § 1º,da Lei nº 6.938/81). Aplica-se à tutela ambiental aresponsabilidade objetiva (Teoria do Risco Integral),conforme consignado no artigo 4º, inciso VII, c/cartigo 14, § 1º, ambos da referida Lei nº 6.938/81. 7.Houve incontrovertível derramamento de 'acetato devinila' nas águas do Porto de Santos; a capacidadetóxica dessa substância é flagrante, conforme secolhe de informações disponíveis na internet, poronde se fica sabendo que se cuida de materialextremamente inflamável, altamente perigoso para osseres vivos já que atua principalmente no tratorespiratório e na pele, podendo causar depressão dosistema nervoso central e gerar risco de câncer.Ocorrendo o vazamento desse material - registradona Lista Oficial de Poluentes sob o n° 108-05-4, doMinistério do Meio Ambiente - os especialistasaconselham o isolamento da área do acidente, aadoção de medidas para impedir o alastramento doproduto derramado, evitando a contaminação de riose mananciais, sendo impossível o descarte domaterial derramado para redes de esgoto. 8. Sendo onexo causal evidente (o acontecimento se deu quandoda operação de descarga do produto químico feitapelo navio tanque ALAMOA), há dano ambiental - nãose pode de modo algum desprezar a capacidadepoluidora de substância capaz de gerar sériosprejuízos aos organismos vivos ainda mais quandoespargida em meio líquido - e não há que se falar emincapacidade de valoração desse dano. 9. Avulnerabilidade do Estuário de Santos não derivasomente de grandes vazamentos; mesmo os maismodestos, mesmo porque são freqüentes, contribuemmuito para a deterioração da biota; por isso se faznecessário coibir e prevenir todo e qualquer tipo deação ou omissão degradadora do meio ambiente,aplicando-se a cada singular ocorrência asproporcionais medidas protetivas e repressivas, de

36

Page 37: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

modo eficaz. 10. Verificando-se a ocorrência de danoambiental, necessário se faz fixar o 'quantum'indenizatório, o qual deve ser suficiente pararepercutir na esfera patrimonial do poluidor,desestimulando-o a praticar atos deletérios ao meioambiente. O valor da indenização, no caso em tela,deverá ser estimado por meio de liquidação porarbitramento, nos termos do disposto nos arts. 475-Ce 475-D, do Código de Processo Civil, cujosparâmetros a serem utilizados para a fixação do valordeverão ser: 1) a quantidade de 'acetato de vinila'derramado: aproximadamente 100 (cem) litros; 2) ograu de vulnerabilidade da área atingida; 3) atoxidade do produto químico derramado: "acetato devinila" (VAM - IMO 3.2.1. - ONU - 1301), derivado depetróleo leve; 4) sua persistência no meio ambiente;e 5) a estimativa da mortalidade de organismos, emcasos análogos. 11. Ao valor da indenização devemser acrescidos juros de mora de 6% (seis por cento)ao ano ou 0,5% (meio por cento) ao mês (arts.1.062, 1.063 e 1.064, do antigo Código Civil), atédezembro/2002. A partir de 01/2003, com a entradaem vigor do Novo Código Civil, deverá ser observadoo que dispõe o seu artigo 406, oportunidade em queos juros serão computados com base na Taxa SELIC,excluído qualquer outro índice de correção ou de jurosde mora. 12. Considerando-se o grau do zeloprofissional, bem como a complexidade da ação,razoável a fixação da verba de sucumbência nopercentual de 10% sobre o valor da condenação nostermos do artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil,a ser revertido ao Fundo mencionado no art. 13 da Lei7.347/1985.” (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AC1743011/SP, Proc. 0013488-09.2009.4.03.6104, rel.Des. Fed. Johonsom Di Salvo, j. 26/9/2013, e-DJF3Judicial 1 4/10/2013)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONSTITUCIONAL -PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANOAMBIENTAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DOPEDIDO - LITISPENDÊNCIA - COMPETÊNCIA -PREVENÇÃO - CARÊNCIA DA AÇÃO - PRESCRIÇÃO.

37

Page 38: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Afastada a alegação de impossibilidade jurídica dopedido, visto que de acordo com o disposto na alínea'd' dos pedidos firmados a título de tutela antecipada,conforme traslado de fl. 61 destes autos (fl. 13 daação originária), não pretende o órgão ministerial asubstituição da tecnologia utilizada pela ré, mas sim ocumprimento do disposto art. 2º, inciso V, da Lei nº9.976/2000. O pedido guarda estrita conformidadecom o disposto art. 2º, inciso V, da Lei nº9.976/2000. Não há como desvendar, na quadradesta cognição não exauriente, se o modelo demonitoramento 'on line' postulado pelo órgãoMinisterial é, na prática, viável ou não, devendo aquestão ser dirimida após ampla dilação probatória.Não há litispendência a ser reconhecida, visto que ospedidos postulados nas duas ações civis públicas sãodistintos, conforme traslado de fls. 60/61 e 292. Nostermos do art. 109, inciso I, da Carta Política, 'aosjuízes federais compete processar e julgar as causasem que a União, entidade autárquica ou empresapública federal forem interessadas na condição deautoras, rés, assistentes ou oponentes, excetos as defalência, as de acidente de trabalho e as sujeitas àJustiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho'. In casu, foiautorizada a intervenção do IBAMA na lide, comoassistente litisconsorcial do autor, conforme requerido(fl. 473). Evidente a competência da Justiça Federalpara processar e julgar o pedido. Não há prevenção aser reconhecida, haja vista que a Ação Civil Pública nº2001.61.04.005688-5 foi julgada por esta EgrégiaCorte, consoante consulta ao sistema informatizadoda Justiça Federal. Igualmente não prospera aalegação de carência da ação, haja vista que aConstituição da República, art. 225, garante a todosdireito 'ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadiaqualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e àcoletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo paraas presentes e futuras gerações.' No caso os fatosque deram origem à demanda ocorreram no ano de2004, vale dizer, sob a égide da atual Carta Política eda Lei 7.347/85. Afastada a alegação deprescrição, haja vista que tratando-se de dano

38

Page 39: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

ambiental, de natureza difusa, a ação éimprescritível. Precedente jurisprudencial: REsp200900740337, Eliana Calmon, STJ, SegundaTurma, DJE 19/11/2009. Agravo de instrumento aque se nega provimento.” (TRF 3ª Região, 4ª Turma,AI 491407/SP, Proc. 0032976-21.2012.4.03.0000, rel.Des. Fed. Marli Ferreira, j. 7/6/2013, e-DJF3 Judicial 11/7/2013) (grifos acrescidos)

Conforme a doutrina vanguardista, “Ter uma sadia

qualidade de vida é ter um meio ambiente não poluído”.11

A seu turno, a poluição está conceituada no art. 3º,

III, da Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente:

“Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-sepor:(…)III – poluição, a degradação da qualidade ambientalresultante de atividades que direta ou indiretamente:a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estarda população;b) criem condições adversas às atividades sociais eeconômicas;c) afetem desfavoravelmente a biota;d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meioambiente;e) lancem matérias ou energia em desacordo com ospadrões ambientais estabelecidos;(...)”

Referido artigo, sobre ter sido recepcionado pela atual

ordem constitucional, apresenta amplo espectro protetivo, abrigando o Homem e

a Natureza. Ou seja, não só os seres humanos devem ser protegidos da poluição

e de seus efeitos nefastos, como também a Natureza, o que guarda coerência

11 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ob. Cit., 131.

39

Page 40: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

com a ponderação e o equilíbrio (antropocentrismo e biocentrismo) existentes

no sistema jurídico pátrio, como dito linhas atrás.

A qualidade de vida, como elemento finalístico do

Poder Público, em todas as suas esferas de atuação governamental, é dissecada

com muita propriedade por Paulo Affonso Leme Machado, ad litteris:

“O direito à vida foi sempre assegurado como direitofundamental nas Constituições Brasileiras. NaConstituição de 1988 há um avanço. Resguarda-se adignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e é feita aintrodução do direito à sadia qualidade de vida. Sãoconceitos que precisam de normas e de políticaspúblicas para serem dimensionados completamente.Contudo, seus alicerces estão fincadosconstitucionalmente para a construção de umasociedade política ecologicamente democrática e dedireito.A saúde dos seres humanos não existe somente

numa contraposição a não ter doenças diagnosticadasno presente. Leva-se em conta o estado doselementos da Natureza – águas, solo, ar, flora, faunae paisagem – para aquilatar se esses elementos estãoem estado de sanidade e se de seu uso advém saúdeou doenças e incômodos para os seres humanos.

'A qualidade de vida é um elemento finalista doPoder Público, onde se unem a felicidade do indivíduoe o bem comum, com o fim de superar a estreita visãoquantitativa, antes expressa no conceito de nível devida.'

Essa ótica influenciou a maioria dos países, e emsuas Constituições passou a existir a afirmação dodireito a um ambiente sadio. O Protocolo Adicional àConvenção Americana de Direitos Humanos12 prevê,em seu art. 11, que: '1. Toda pessoa tem direito deviver em meio ambiente sadio e a dispor dos serviços

12 Decreto nº 3.321, de 30/12/1999 (promulga o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre DireitosHumanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – “Protocolo de São Salvador”, concluídoem 17/11/1988, em São Salvador, El Salvador, DOU 31/12/1999, pp. 12-5).

40

Page 41: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

públicos básicos. 2. Os Estados-Partes promoverão aproteção, preservação e melhoramento do meioambiente'.” (Ob. Cit., p. 132)

Como se infere do texto reproduzido no início deste

tópico, a ordem constitucional impôs ao Poder Público e à coletividade o dever

de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

“(...)O texto emprega figuras genéricas – 'Poder Público'

e 'coletividade' – como sendo aquelas obrigadas apreservar e defender o meio ambiente. 'Poder Público'não significa só o Poder Executivo, mas abrange oPoder Legislativo e o Poder Judiciário, tanto que noart. 2º esses três Poderes constam como 'Poderes daUnião'. Os constituintes engajam os três Poderes daRepública na missão de preservação e defesa do meioambiente, agindo eles com independência e harmoniarecíproca. Não vejo como figura de retórica esseenvolvimento de todo o Poder Público no problemaambiental, pois o legislador infraconstitucional temelaborado leis para combater a omissão dosintegrantes do Poder Público, tanto no campo civilcomo criminal.

À 'coletividade' cabe também o dever de defender epreservar o meio ambiente. Entendo que osconstituintes fizeram um chamamento à ação dosgrupos sociais em prol do meio ambiente. O termoabrange a 'sociedade civil' (expressão acolhida naConstituição – art. 58, II), não integrandoformalmente o Poder Público, compreendendo asorganizações não-governamentais (ONGs),constituídas em associações e fundações, e asorganizações da sociedade civil de interesse público. AConstituição Federal poderia ter feito menção deforma mais clara à participação da coletividade. Aação da coletividade, diferentemente da do PoderPúblico, em geral é facultativa, ainda que no caso dasorganizações da sociedade civil de interesse público,quando houverem celebrado contratos de parceriacom o Poder Público, poderão ser compelidas a

41

Page 42: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

cumprir os deveres desses contratos.'Progresso imensamente maior foi a coletividade

conquistar a posição de poder dividir com o Estado asresponsabilidades ambientais. O triunfo do particularfoi trazer a si parcela do exercício da funçãoambiental' – no entender de Antônio Herman V.Benjamin. A presença e a atuação da sociedade civilna defesa do meio ambiente revela-se como uma dasmarcas inconfundíveis do novo Direito Ambiental.

(...)” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ob. Cit., p.133)

Mas, note-se: o meio ambiente a ser defendido e

preservado é o desejado pela Constituição da República, e não qualquer meio

ambiente. Vale dizer, o meio ambiente focado pelo constituinte é o

ecologicamente equilibrado, de modo que a ruptura do equilíbrio ambiental,

mesmo quando houver o placet do Poder Público ou da própria coletividade, gera

uma dívida para com a Lei Maior.

No caso da poluição ou degradação tratada no

inquérito civil subjacente, é oportuno trazer à colação o disposto no art. 4 da

Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por

Navios, de 1973, também conhecida pela sigla Marpol 73/78 e promulgada

pelo Decreto nº 2.508/1998:

“ARTIGO 4Violações1 – Serão proibidas quaisquer violações dos requisitosda presente Convenção e serão estabelecidas ascorrespondentes sanções, nos termos da lei daadministração do navio em questão,independentemente do local em que a violação ocorra.Sempre que a administração for informada dequalquer violação e considerar que dispõe de provassuficientes que lhe permitam proceder relativamente àalegada violação, instaurará o respectivo processo

42

Page 43: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

logo que possível, em conformidade com a sua lei.2 – Serão proibidas quaisquer violações aos requisitosda presente Convenção cometidas na área dajurisdição de qualquer Parte na Convenção e serãoestabelecidas as correspondentes sanções, nos termosda lei dessa parte. Sempre que tal violação ocorra,essa Parte:a) Instaurará um processo, de acordo com a sua lei;(…)4 – as penas fixadas na lei de uma Parte, nos termose para os fins do presente artigo, serãosuficientemente severas para desencorajar asviolações da presente Convenção e serão igualmenteseveras independentemente do local em que asviolações ocorram.”

E, para essa particular forma de poluição ou

degradação ambiental, tem-se a proibição estabelecida, como regra geral, no

art. 17, caput, da Lei nº 9.966/2000:

“Art. 17. É proibida a descarga de óleo, misturasoleosas e lixo em águas sob jurisdição nacional,exceto nas situações permitidas pela Marpol 73/78, enão estando o navio, plataforma ou similar dentro doslimites de área ecologicamente sensível, e osprocedimentos para descarga sejam devidamenteaprovados pelo órgão ambiental competente.”

Por fim, calha sublinhar a existência, ope

constitutionis, de um novo tipo de responsabilidade jurídica, a saber, a

responsabilidade ambiental entre gerações, como elucida didaticamente a

doutrina especializada:

“A Constituição estabelece as presentes efuturas gerações como destinatárias da defesa eda preservação do meio ambiente. Orelacionamento das gerações com o meio

43

Page 44: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

ambiente não poderá ser levado a efeito deforma separada, como se a presença humana noplaneta não fosse uma cadeia de elossucessivos. O art. 225 consagra a ética dasolidariedade entre as gerações, pois asgerações presentes não podem usar o meioambiente fabricando a escassez e a debilidadepara as gerações vindouras.

Uma geração deve tentar ser solidária entre todosos que a compõem. A Constituição da Espanha (1978)afirma que os Poderes Públicos devem defender erestaurar o meio ambiente, 'apoyandose en laindispensable solidaridad colectiva'. A continuidadeda vida no planeta pede que esta solidariedadenão fique represada na mesma geração, masultrapasse a própria geração, levando em contaas gerações que virão após. (…)

A continuidade na boa gestão do meioambiente traduz o que se chama de'desenvolvimento sustentado'. Esse conceitoencontra sua mais ampla elaboração no art. 170da CF, ainda que tenha seu fundamento no art.225. 'O gênero humano tem perfeitamente osmeios de assumir o desenvolvimentosustentado, respondendo às necessidades dopresente, sem comprometer a possibilidade paraas gerações futuras de vir a satisfazer as suasnecessidades.'

O princípio da responsabilidade ambientalentre gerações 'refere-se a um conceito deeconomia que conserva o recurso sem esgotá-lo,orientando-se para uma série de princípios. Odano ambiental das emissões e dos lançamentosde rejeitos não deve superar a absorção daparte do próprio meio ambiente. O consumo dosrecursos não-renováveis deve-se limitar a umnível mínimo. Grandes riscos ambientais, quepossam prejudicar outros recursos, devem serreduzidos numa medida calculável e submetidaa contrato de seguro. Esta norma geral, já exigidapela geração atual, causa enormes problemas àordenação atual da sociedade industrial, orientadapara o crescimento contínuo' – afirma o Prof. Helmuth

44

Page 45: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Shultze-Fielitz.(...)” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ob. Cit., 134-

5) (grifos acrescidos)

2.5 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

No século XX, surgiu um movimento em prol da

qualidade de vida do ser humano.

Como marco significativo dessa tendência mundial

tem-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,

ocorrida em Estocolmo (Suécia) em 1972, reputada como o primeiro ensaio a

respeito da organização e regulamentação das relações entre o homem e o meio

ambiente, prestando decisiva contribuição para os encontros que aconteceram

posteriormente.

Para se ter uma ideia dessa contribuição, o Princípio 1

da Declaração/Conferência de Estocolmo prevê:

“Princípio 1. O homem tem o direito fundamental àliberdade, à igualdade e ao desfrute de condições devida adequadas, em um meio ambiente de qualidadetal que lhe permita levar uma vida digna, gozar debem-estar e é portador solene de obrigação deproteger e melhorar o meio ambiente, para asgerações presentes e futuras. A esse respeito, aspolíticas que promovem ou perpetuam o 'apartheid', asegregação racial, a discriminação, a opressão coloniale outras formas de opressão e de dominaçãoestrangeira permanecem condenadas e devem sereliminadas.”

Vinte anos mais tarde, sobreveio a ECO-92, que traçou

os primeiros objetivos para a redução dos gases que geram o agravamento do

45

Page 46: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

efeito estufa, e ainda deu origem à maior conferência mundial sobre o clima e o

meio ambiente: o Protocolo de Kyoto, no Japão, que, por sua vez, redundou na

elaboração de um tratado internacional, com rígidas imposições aos países

signatários, mediante compromisso de reduzir a emissão de gases poluentes à

atmosfera, no propósito de combater o preocupante fenômeno do aquecimento

global.

NA ECO-92, deu-se a aprovação do Princípio 16, que

assim preconiza:

“Princípio 16. Tendo em vista que o poluidor deve,em princípio, arcar com o custo decorrente dapoluição, as autoridades nacionais devem procurarpromover a internalização dos custos ambientais e ouso de instrumentos econômicos, levando na devidaconta o interesse público, sem distorcer o comércio eos investimentos internacionais.”

Eis a primeira abordagem específica do critério do

poluidor-pagador, atualmente erigido em princípio jurídico.

O princípio do poluidor-pagador, numa concepção mais

singela, pode ser entendido como a incumbência do poluidor em arcar com os

custos necessários à reparação do dano ambiental.

Consoante a doutrina de escol, aqui personificada em

Édis Milaré, este princípio reflete, claramente, a vocação redistributiva do Direito

Ambiental13:

13 Acerca da vocação redistributiva do Direito Ambiental, assinala Ramón Martín Mateo:

“Uno de los aspectos cardinales del Derecho ambiental es precisamente su intento de corrección de lasdeficiencias que presenta el sistema de precios, sobre todo como es lógico en las economías de cuñoliberal para interiorizar los costos que suponen para la colectividad la transmisión de residuos ysubproductos a los grandes ciclos naturales. Sólo podrán conseguirse resultados ambientalmente

46

Page 47: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

“Assenta-se este princípio na vocação redistributiva doDireito Ambiental e se inspira na teoria econômica deque os custos sociais externos que acompanham oprocesso produtivo (v.g., o custo resultante dos danosambientais) precisam ser internalizados, vale dizer,que os agentes econômicos devem levá-los em contaao elaborar os custos de produção e,consequentemente, assumi-los. Busca-se, no caso,imputar ao poluidor o custo social da poluição por elegerada, engendrando um mecanismo deresponsabilidade por dano ecológico abrangente dosefeitos da poluição não somente sobre bens epessoas, mas sobre toda a natureza. Em termoseconômicos, é a internalização dos custos externos.”(Direito do Ambiente, 3ª edição, São Paulo: Revistados Tribunais, 2004, p. 142)

A seu turno, averba Cristiane Derani:

“(...) durante o processo produtivo, além do produto aser comercializado, são produzidas 'externalidadesnegativas'. São chamadas externalidades porque,embora resultantes da produção, são recebidas pelacoletividade, ao contrário do lucro, que é percebidopelo produtor privado. Daí a expressão 'privatizaçãode lucros e socialização de perdas', quandoidentificadas as externalidades negativas. Com aaplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-secorrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por isto, este princípio étambém conhecido como o princípio daresponsabilidade.” (Direito Ambiental Econômico, São

aceptables si este Derecho consigue canalizar recursos para compensar en último extremo a losprejudicados, y para financiar al establecimiento de instalaciones que eviten la contaminación.Cuáles sean las medidas apropiadas, será materia sobre la que habrá de recaer un pronunciamientopolítico que tenga en cuenta los principios ideológicos que animen al sistema, las características de sueconomía en los mecanismos que en él para la distribución de bienes y servicios. Sea el contaminador elque deba pagar, como reza el principio aparentemente mãs propugnado (quien contamina, paga), sea elusuario o el consumidor, el Derecho ambiental deve responsabilizarse de esta problemática aportando losinstrumentos normativo adecuados para la efectividad de los criterios adoptados.” (Derecho Ambiental,Madrid: Instituto de Estudios de Administración Local, 1977, p. 87)

47

Page 48: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Paulo: Max Limonad, 1997, p. 158)

Ao explicá-lo, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, numa

linguagem bastante didática, identifica duas órbitas de alcance, atribuindo-lhe

um caráter preventivo e um caráter repressivo:

“Podemos identificar no princípio do poluidor-pagadorduas órbitas de alcance: a) busca evitar aocorrência de danos ambientais (caráterpreventivo); b) ocorrido o dano, visa suareparação (caráter repressivo).

Desse modo, num primeiro momento, impõe-seao poluidor o dever de arcar com as despesas deprevenção dos danos ao meio ambiente que asua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônusde utilizar instrumentos necessários à prevençãodos danos. Numa segunda órbita de alcance,esclarece este princípio que, ocorrendo danos aomeio ambiente em razão da atividadedesenvolvida, o poluidor será responsável pelasua reparação.” (Curso de Direito AmbientalBrasileiro, 10ª edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p.37) (grifos postos)

No mesmo diapasão, já se pronunciou o Supremo

Tribunal Federal: ADIn nº 3.378-6/DF, Pleno, rel. Min. Carlos Ayres Britto,

abril/2008.

Observa-se, da redação do art. 3º, IV, da Lei nº

6.938/81, que tal princípio não se impõe apenas àquele que causa ou poderá

causar poluição, mas sim àquele que, efetiva ou potencialmente, produzir

degradação ambiental, cujo conceito detém maior amplitude.

O princípio em comento, todavia, não confere ao

agente econômico o passaporte necessário ao exercício de um, por assim dizer,

48

Page 49: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

direito de poluir, ou seja, não há tolerância à atividade poluidora mediante

pecúnia.

“O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluiçãomediante um preço, nem se limita apenas acompensar os danos causados, mas sim,precisamente, evitar o dano ao ambiente. Nesta linha,o pagamento pelo lançamento de efluentes, porexemplo, não alforria condutas inconsequentes, demodo a ensejar o descarte de resíduos fora dospadrões e das normas ambientais. A cobrança só podeser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, penade se admitir o direito de poluir. Trata-se do princípiopoluidor-pagador (poluiu, paga os danos) e nãopagador-poluidor (pagou, então pode poluir). Acolocação gramatical não deixa margem a equívocosou ambiguidades na interpretação do princípio.”(MILARÉ, Édis. Ob. Cit., p. 143)

Em sua gênese, não constitui necessariamente uma

punição, sendo propriamente uma medida de internalização do custo ambiental

gerado em virtude do desempenho de determinada atividade (antrópica), custo

esse que não poderá ser diluído no âmbito da sociedade ou do Poder Público.

Logo, cabe unicamente ao poluidor, enquanto usuário

dos recursos naturais e único ou principal interessado na realização da atividade,

suportar os custos ambientais que esta venha a causar, efetiva ou

potencialmente.

Indubitável, entretanto, que sua aplicação encontra

uma dimensão mais abrangente no direito brasileiro, dada a explícita

contemplação legal e constitucional da incidência de mecanismos de repressão

administrativa e, até, penal, como se infere do art. 225, § 3º, da Lei Maior, e do

art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81:

49

Page 50: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

“Art. 225. (…)(…)§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas aomeio ambiente sujeitarão os infratores, pessoasfísicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas,independentemente da obrigação de reparar os danoscausados.”

“Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará:(…)VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, daobrigação de recuperar e/ou indenizar os danoscausados e, ao usuário, da contribuição pela utilizaçãode recursos ambientais com fins econômicos.”

2.6 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA EM

MATÉRIA AMBIENTAL

A responsabilidade pela ocorrência do dano ambiental

é objetiva. Significa dizer que não se perquire o dolo ou a culpa do agente

poluidor/degradador, mas tão somente o nexo de causalidade entre a lesão

infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pela produção do

dano.

Eis a dicção do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81:

“Art. 14. (…)(…)§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstasneste artigo, é o poluidor obrigado,independentemente da existência de culpa, aindenizar ou reparar os danos causados ao meioambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. OMinistério Público da União e dos Estados terálegitimidade para propor ação de responsabilidade

50

Page 51: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

civil e criminal, por danos causados ao meioambiente.” (grifo inserido)

Em outras palavras, não há uma apreciação subjetiva

da conduta do agente poluidor/degradador, mas apenas do resultado prejudicial

ao meio ambiente e do elo causal entre esse resultado e o comportamento de tal

agente.

Segue doutrina:

“A responsabilidade objetiva, em se tratando dedanos ambientais, tem fundamento na teoria dorisco. Quem exerce uma atividade potencialmenteperigosa, deve responder, mesmo sem culpa, pelosdanos que ela porventura cause. (...)” (BRAGA NETTO,Felipe Peixoto, Responsabilidade Civil, São Paulo:Saraiva, 2008, p. 388)

“O direito ambiental, atendo a essasmodificações e considerando a importância dosbens tutelados, adota a responsabilidade civilobjetiva. Vale frisar que, anteriormente àConstituição Federal de 1988, a Lei da PolíticaNacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) já previaa responsabilidade objetiva do poluidor no seu art. 14,§ 1º. Com a promulgação da Lei Maior tal normainfraconstitucional foi recepcionada, tendo comofundamento de validade o art. 225, § 3º, porquantoeste não estabeleceu qualquer critério ou elementovinculado à culpa como determinante para o dever dereparar o dano causado ao meio ambiente.Consagrou-se, portanto, a responsabilidadeobjetiva em relação aos danos ambientais.”(FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de DireitoAmbiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 29)(grifos acrescentados)

Seguem, também, julgados do Superior Tribunal de

51

Page 52: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Justiça, que, no fundo, refletem a jurisprudência pacífica de nossas Cortes de

Justiça:

“DANO AMBIENTAL. CORTE DE ÁRVORES NATIVAS EMÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL.RESPONSABILIDADE OBJETIVA.1. Controvérsia adstrita à legalidade da imposição demulta, por danos causados ao meio ambiente, comrespaldo na responsabilidade objetiva,consubstanciada no corte de árvores nativas.2. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente(Lei 6.938/81) adotou a sistemática daresponsabilidade civil objetiva (art. 14,parágrafo 1º) e foi integralmente recepcionadapela ordem jurídica atual, de sorte que éirrelevante e impertinente a discussão daconduta do agente (culpa ou dolo) paraatribuição do dever de indenizar.3. A adoção pela lei da responsabilidade civilobjetiva, significou apreciável avanço nocombate à devastação do meio ambiente, umavez que, sob esse sistema, não se leva em conta,subjetivamente, a conduta do causador do dano,mas a ocorrência do resultado prejudicial aohomem e ao ambiente. Assim sendo, para que seobserve a obrigatoriedade da reparação do danoé suficiente, apenas, que se demonstre o nexocausal entre a lesão infligida ao meio ambiente ea ação ou omissão do responsável pelo dano.4. O art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81 prevêexpressamente o dever do poluidor ou predador derecuperar e/ou indenizar os danos causados, além depossibilitar o reconhecimento daresponsabilidade, repise-se, objetiva, ,dopoluidor em indenizar ou reparar os danoscausados ao meio ambiente ou aos terceirosafetados por sua atividade, como dito,independentemente da existência de culpa,consoante se infere do art. 14, § 1º, da citadalei.6. A aplicação de multa, na hipótese de dano

52

Page 53: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

ambiental, decorre do poder de polícia – mecanismode frenagem de que dispõe a Administração Pùblicapara conter ou coibir atividades dos particulares quese revelarem nocivas, inconvenientes ao bem-estarsocial, ao desenvolvimento e à segurança nacional,como sói acontecer na degradação ambiental.7. Recurso especial provido.” (STJ, 1ª Turma, Resp578797/RS, Proc. 2003/0162662-0, rel. Min. Luiz Fux,j. 5/8/2004, v.u., DJ 20/9/2004, p. 196)

“DANO ECOLÓGICO. REPARAÇÃO. ROMPIMENTO DEDUTO. POLUIÇÃO AMBIENTAL. ARTIGO 14,PARÁGRAFO 1º, DA LEI N. 6.938/81. COBRANÇA DASDESPESAS FEITAS PELA COMPANHIA DESANEAMENTO. PROCEDÊNCIA. É O POLUIDOR OBRIGADO,INDEPENDENTEMENTE DE CULPA, A INDENIZAROU REPARAR OS DANOS CAUSADOS AO MEIOAMBIENTE E A TERCEIROS, AFETADOS POR SUAATIVIDADE.TENDO A COMPANHIA DE SANEAMENTO,ENCARREGADA DE ZELAR PELO MEIO AMBIENTE EGUARDIÃ DE UM INTERESSE DIFUSO DACOMUNIDADE, TOMADO AS MEDIDAS NECESSÁRIASPARA O COMBATE À POLUIÇÃO OCASIONADA PELOROMPIMENTO DE UM DUTO, DEVE SER RESSARCIDA,COMO TERCEIRA, DAS DESPESASCORRESPONDENTES.” (STJ, 2ª Turma, REsp20401/SP, Proc. 1992/0006769-7, rel. Min. HélioMosimann, j. 10/12/1993, v.u., DJ 21/3/1994, p.5.467) (grifos colocados)

Nesse particular aspecto, tem prevalecido na doutrina

a ideia de que o direito brasileiro incorporou, em matéria de responsabilidade

(civil) por dano ambiental, a teoria do risco integral, e não a do risco

administrativo, em ordem a vincular, como regra, o poluidor/degradador mesmo

nas hipóteses de caso fortuito e força maior.

“(...) nos danos causados ao meio ambiente, tal

53

Page 54: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

responsabilidade é agravada, prevalecendo aquia teoria do risco integral, e não a do riscoadministrativo. Pela teoria do risco integral, ocausador do dano por ele responde ainda que tenhahavido, na espécie, caso fortuito ou força maior. (...)”(NETTO BRAGA, Felipe Peixoto, Ob. Cit., p. 389)

“(...)Em outras palavras, com a teoria do risco integral

ambiental o poluidor, na perspectiva de umasociedade solidarista, contribui – nem sempre demaneira voluntária – com a reparação do danoambiental, ainda que presentes quaisquer dasclássicas excludentes da responsabilidade oucláusula de não-indenizar. É o poluidorassumindo todo o risco que sua atividadeacarreta: o simples fato de existir a atividadeproduz o dever de reparar, uma vez provada aconexão causal entre dita atividade e o danodela advindo. Segundo esse sistema, só haveráexoneração de responsabilidade, quando: a) orisco não foi criado; b) o dano não existiu; c) odano não guarda relação de causalidade com aatividade da qual emergiu o risco.” (MILARÉ, Édis.Direito do Ambiente, São Paulo: Revista dos Tribunais,2001, p. 435) (grifos postos)

A objetivação em si, sobre constituir um fenômeno

que guarda íntima relação com a evolução histórica do direito ambiental no

Brasil14, apresentou-se como um passo decisivo para que o instituto da

14 “(...)No início do surgimento e consolidação do direito ambiental, a responsabilidade civil foi objeto de'desprezo' tanto dos doutrinadores como do legislador, tendo a matéria sido apenas desenvolvida em sedede direito público, através do direito administrativo.Posteriormente, percebeu-se que a relevância do direito em foco não era compatível com a restrição dasua regulação no âmbito do direito público. Ora, se a poluição e degradação a recursos naturais são dano– e onde há dano há responsabilidade civil – dever-se-ia transportar o instituto para 'a linha de frente dareação do ordenamento aos desmandos praticados contra o meio ambiente'.Antonio Herman V. Benjamin sintetiza quatro causas para a rejeição da responsabilidade civil em relação àproteção do meio ambiente: a) as funcionais, na medida em que a tradicional visão da responsabilidadecivil a caracterizava como instrumento pos factum, visando, portanto, à reparação e não à prevenção; b)as técnicas, nas quais acentuavam-se a inadequação da complexidade do dano ambiental às exigências dedano atual, autor e vítima claramente identificáveis, comportamento culposo e nexo causal estritamenteidentificados; c) as éticas, relacionadas ao argumento de que na impossibilidade de se restabelecer oequilíbrio ambiental, ter-se-ia que atribuir um preço à natureza, e d) as acadêmicas, constituídas, de um

54

Page 55: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

responsabilidade civil em matéria ambiental se adequasse às novas exigências

sociais, incorporando uma concepção mais humana e fulcrada na solidariedade

social15.

No caso vertente, o dano ambiental minuciosamente

descrito no tópico 2.3 desta proemial, deve ser atribuído, objetivamente, a

FÁBIO EDUARDO LAMBIASI DE ARAÚJO, visto ter sido produzido pelo

derramamento de óleo diesel proveniente de embarcação de sua propriedade e

possivelmente utilizada em atividade recreativa ou de lazer.

2.7 VALORAÇÃO MONETÁRIA DOS DANOS

AMBIENTAIS MATERIAIS

A forma ideal e prioritária de reparação ambiental é a

natural ou in specie, a significar a recomposição ou reconstituição dos atributos

lado, por uma 'tendência monopolista e egoísta do Direito Público, enxergando a proteção do meioambiente como seu domínio exclusivo, e de outro, uma timidez injustificável da jusprivatística, abdicandode intervir em tão nuclear hemisfério da danosidade humana.'Em seguida, destaca o jurista seis razões que estão por trás do que denominou o (re)descobrimento daresponsabilidade civil neste campo: a) a transformação do ambiente de recurso infinito e inesgotável (porisso mesmo res communis) em recurso crítico e escasso, daí valorizado, b) a percepção de que aintervenção solitária do Estado, via comando-e-controle (ou seja, Direito Público), não protegiasuficientemente o meio ambiente, c) a compreensão de que, por melhores que sejam a prevenção e aprecaução, danos ambientais ocorrerão, na medida em que os 'acidentes são normais em qualqueratividade', d) o caráter contraditório da mensagem, enviada pelo ordenamento ao mercado, colocando seuexército sancionatório penal e administrativo em combate e, ao mesmo tempo, isentando o bolso (o'órgão' mais sensível do ser humano) do poluidor, ao afastar a possibilidade de uma responsabilizaçãocivil, e) o surgimento de novos direitos subjetivos, até constitucionalizados (art. 225, da ConstituiçãoFederal brasileira, p. ex.), a exigir submissão das condutas anti-ambientais a duplo controle, público(centralizado) e privado (descentralizado), f) uma maior sensibilidade do Direito para com a posição davítima (favor victimae) própria do Welfare State.(…) Antonio Herman V. Benjamin ressalta que a Constituição Federal não se limitou a recepcionar, silenciosa, osistema de responsabilidade civil ambiental pré-estabelecido, 'mas lhe deu uma visibilidade e solidez quepoucos sistemas jurídicos no mundo podem ostentar'.(…) Ao final, conclui o citado jurista que a 'responsabilidade civil ambiental deixa de ser um fantasmaintrometido rondando a ordem constitucional estabelecida e, de repente, é convidada a tomar assento dehonra na Constituição'.(...)” (FLORENCE, Tatiana Magalhães. Danos Extrapatrimoniais Coletivos, Sergio Antonio Fabris Editor:Porto Alegre, 2009, pp. 80-2)

15 LANFREDI, Geraldo Ferreira. A objetivação da teoria da responsabilidade civil e seus reflexos nos danosambientais e no uso antissocial da propriedade, Revista de Direito Ambiental, nº 6, 1997, p. 90.

55

Page 56: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

originais do ecossistema degradado, mediante a interrupção da atividade lesiva

e/ou dos seus efeitos, obtendo-se, por conseguinte, a reversão do cenário de

degradação anteriormente produzida.

Aliás, não é à toa que a Carta Política de 1988, em seu

art. 225, § 2º, estabelece:

“Art. 225. (…)(…)§ 2º Aquele que explorar recursos minerais ficaobrigado a recuperar o meio ambiente degradado, deacordo com solução técnica exigida pelo órgão públicocompetente, na forma da lei.(...)”

Preciso, nesse ponto, o comentário de Édis Milaré:

“4.1 Reparação natural ou in specieA modalidade ideal – e a primeira que deve ser

tentada, mesmo que mais onerosa – é a reconstituiçãoou recuperação do meio ambiente agredido, cessando-se a atividade lesiva e revertendo-se a degradaçãoambiental. É, pois, imperioso, que o aplicador da leiatente para essa constatação, já que não são poucasas hipóteses em que 'não basta indenizar, mas fazercessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheironão substitui o sono recuperador, a saúde dosbrônquios ou a boa formação do feto'. (…)

A regra, pois, é procurar, por todos os meiosrazoáveis, ir além da ressarcibilidade (indenização) emsequência ao dano, garantindo-se, ao contrário, afruição pleno do bem ambiental. Aquela, como jáalertamos, não consegue recompor o dano ambiental.O valor econômico não tem o condão – sequer poraproximação ou ficção – de substituir a existência domeio ambiente ecologicamente equilibrado e oexercício desse direito fundamental. O trabalho dolegislador, por conseguinte, visa a garantir a

56

Page 57: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

possibilidade de fruição e, só excepcionalmente, oressarcimento monetário da lesão.” (Ob. Cit., p. 671)

O embasamento mais específico da reparação in

natura encontra-se plasmado no art. 225, § 1º, I, da Constituição da República,

e no art. 4º, VI e VII, da Lei nº 6.938/81:

“Art. 225. (…)§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito,incumbe ao Poder Público:I – preservar e restaurar os processos ecológicosessenciais e prover o manejo ecológico das espéciese ecossistemas;(...)”

“Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará:(…)VI – à preservação e restauração dos recursosambientais com vistas à sua utilização racional edisponibilidade permanente, concorrendo para amanutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, daobrigação de recuperar e/ou indenizar os danoscausados e, ao usuário, da contribuição pelautilização de recursos ambientais com finseconômicos.” (grifos acrescentados)

Não é outro o entendimento doutrinário:

“PRIORIDADE DA REPARAÇÃO ESPECÍFICA DO DANOAMBIENTALO ressarcimento do dano ambiental pode ser feito de

duas formas. A primeira delas ocorre com o que sedenomina reparação natural ou específica, em que háo ressarcimento in natura. A segunda é a indenizaçãoem dinheiro.

Todavia, isso não significa que a reparação pode,indiferentemente, ser feita por um modo ou outro.

57

Page 58: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Pelo contrário, primeiramente, deve-se verificar se épossível o retorno ao statu quo ante por via daespecífica reparação, e só depois de infrutífera talpossibilidade é que deve recair a condenação sobreum quantum pecuniário, até mesmo porque, porvezes, é difícil a determinação do quantum a serressarcido pelo causador do ato feito, sendo semprepreferível a reparação natural, pela recomposiçãoefetiva e direta do ambiente prejudicado.

Observe-se que com isso não se quer dizer que umdano ambiental seja reversível e completamentereparável, uma vez que não se conseguiria restaurarpor completo um ecossistema afetado, por exemplo,por uma determinada poluição que lhe tenha sidocausada. Se imaginarmos que numa área de 10 (dez)metros quadrados de floresta coabitam centenas demilhares de ecossistemas responsáveis pelo equilíbrioecológico daquele específico meio ambiente, logopercebemos a impossibilidade técnica do homem emrefazer o que somente em milhares de anos pôde serlentamente arquitetado e construído pela natureza.Entretanto, ainda que não possa ser possível aidêntica reparação, é muito mais vantajosa areparação específica, não só ao próprio homem comoao próprio meio ambiente, do que a indenização empecúnia. Esta, repetimos, deve ser alcançada eobjetivada na total impossibilidade de se conseguiraquela.” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ob. Cit.,p. 45)

“7. Obrigação de restauração, reparação erecuperação do meio ambiente

Quando, por exemplo, o lançamento de poluentescausa a morte de peixes num rio, seria inadequadauma indenização meramente monetária aoproprietário, seja o Poder Público ou o particular.Destarte, seria tarefa difícil estabelecer o montante apagar. A reparação poderia, no caso, ser umarecomposição efetiva e direta do ambienteprejudicado. H. Bocken, em um artigo – 'O prejuízoecológico' –, cita a possibilidade de serem osgravames ecológicos de pequeno espectro fáceis deserem reparados, exemplificando com a obrigação de

58

Page 59: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

criarem-se os filhotes de peixe para sua reintroduçãoem riachos poluídos. A reparação também seriaatribuir aos poluidores as despesas de purificação doambiente agredido.

(...)” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ob. Cit., p.363)

“Uma medida compensatória, consistente emsubstituição por equivalente em valor pecuniário, nãocumpre a função de reconstituir a característicacoletiva do bem. Constata-se não interessar remédiosde simples compensação. Medidas desse teortransformam em dinheiro valores sociais de naturezadiversa, que não encontram correspondência nosparâmetros de mercado. Para cumprir sua funçãonessa esfera, os mecanismos processuais devem sercompreendidos e aplicados de maneira a conduzir àadoção de soluções capazes de impor condutas, demaneira a evitar o dano ou a reconstituir o bemlesado.” (SALLES, Carlos Alberto de. Execução Judicialem Matéria Ambiental, Boletim Informativo da EscolaSuperior do Ministério Público de São Paulo, 15/8-12,ano 2, outubro de 1998)

Nem sempre, contudo, a reparação natural é viável,

por diversos fatores, a exemplo da ausência de tecnologia atualmente disponível

e da impossibilidade de se dimensionar materialmente a área ou o quantum a

ser recuperado pelo infrator, na proporção do dano causado pela conduta.

Nessas hipóteses, não restará outra alternativa senão implementar a

compensação financeira/monetária do dano ambiental produzido.

É o que acontece no caso em epígrafe, em que se

busca, proporcionalmente, a compensação/indenização por dano ambiental

material (aí incluído o interino/intermédiário, dado o hiato que existirá até a –

idealmente – efetiva e completa regeneração do ambiente lesado), e por dano

ambiental moral (extrapatrimonial), caracterizado pela perda, ainda que

59

Page 60: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

temporária, desse valor ambiental, que não poderá ser desfrutado ou

contemplado pelo corpo social, a ser tratado no tópico subsequente.

Mas, cabe ressaltar, na valoração do dano ambiental

material, não existe a possibilidade de se calcular, por critérios pura ou

exclusivamente objetivos, a dimensão monetária da ofensa produzida, pois o

meio ambiente não é constituído por bens comerciáveis ou que encontrem

similares entre os bens inseridos no comércio.

Assim sendo, não há possibilidade de se verificar no

comércio o valor dos bens equivalentes para o fim de, por equiparação, calcular-

se o quantum debeatur. Por exemplo, quando alguém tem o seu automóvel

destruído por culpa de outrem, o cálculo da indenização desse bem levará em

conta o preço de mercado do veículo da mesma marca, modelo e ano de

fabricação, tomando esse preço como valor da indenização a ser paga pelo

causador do dano. Nada disso, contudo, pode ser feito em relação aos bens fora

do comércio.

Logo, é correto dizer que a atribuição de valor

monetário aos danos ambientais, em sua acepção material – e a símile do que

acontece com o dano ambiental moral, como se verá no próximo item –,

invariavelmente envolve a adoção de critérios subjetivos.

De um lado, existe o dano ambiental, com suas

dimensões objetivas, e de outro lado a escolha (subjetiva) do método ou critério

a ser utilizado pelo avaliador para imputar um valor monetário ao dano. Isto é,

parte-se da realidade objetiva do dano (mortandade da fauna e flora,

quantidade de poluente, área atingida etc) e, a partir dela, segundo critérios

subjetivos, escolhe-se um método ou critério de elaboração do cálculo, o qual,

60

Page 61: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

uma vez aplicado aos dados apreendidos pela realidade, redunda em

determinado valor.

Esse resultado, derivado de escolhas subjetivas, é

sempre subjetivo e, portanto, inexato (ALMEIDA, J. R. Perícia Ambiental Judicial

e Securitária: Impacto, Dano e Passivo Ambiental, Thex Editora, 2006).

O juiz, na tarefa de valorar os danos ambientais, pode

optar pela adoção de critério simples de cálculo.

Com efeito, o juiz, independentemente da adoção de

fórmulas ou modelos matemáticos, e considerando apenas a extensão objetiva

do dano ambiental causado, pode imputar-lhe determinado valor, o reputando

justo e suficiente para efeito de indenização. Esse método de cálculo é

perfeitamente admissível e ocorre corriqueiramente em ações de indenização

por danos morais de cunho individual. O importante, nessa e em qualquer outra

forma de cálculo de danos materiais ou morais, é que esteja sempre presente o

critério da razoabilidade, como sistematicamente alerta a jurisprudência pátria.

De outro vértice, o juiz pode optar pela adoção de

critérios complexos, que envolvam a aplicação de fórmulas ou modelos

matemáticos desenvolvidos em conformidade com critérios técnicos, mas

sempre subjetivos, para atribuir valor monetário ao dano ambiental (material).

Como exemplo de critério mais elaborado na valoração

do dano ambiental material, tem-se a fórmula desenvolvida pela Companhia

Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), detalhadamente explicada no

documento de fls. 104/128, intitulado “Proposta de Critério para Valoração

Monetária de Danos Causados por Derrames de Petróleo ou de seus Derivados

61

Page 62: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

no Ambiente Marinho”, de julho/1992.

Os parâmetros adotados pela CETESB, e decisivos na

valoração monetária do dano ambiental, são o volume de produto derramado, o

grau de vulnerabilidade da área atingida, a toxicidade do produto, a persistência

do produto no meio ambiente e a mortalidade de organismos.

Sem dúvida, o método de cálculo da CETESB inclui-se

entre os critérios complexos de valoração dos danos ambientais. Embora tenha

sido criticado, inclusive por profissionais da própria CETESB, esse método vem

sendo utilizado pela jurisprudência brasileira em diversas ações por danos

ambientais sucedidos em virtude do derramamento de óleo no mar. E,

excepcionalmente, quando a aplicação da fórmula não tem levado a valores

adequados, os juízes, segundo seu prudente arbítrio, têm efetuados os ajustes

necessários, no intuito de adequar o valor obtido ao princípio da razoabilidade,

de modo a estabelecer, alfim, a justa compensação/indenização monetária.

Seguem, a propósito do assunto, julgados oriundos do

Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL.DERRAMAMENTO DE ÓLEO NO MAR. VALOR DAINDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO PELA METODOLOGIACETESB. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO.- A divergência que ensejou a apresentação dosembargos infringentes cingiu-se, unicamente, ao valorda indenização por dano ambiental. O juízo de origemcondenou as rés ao pagamento de R$ 40.000,00(quarenta mil) reais a título de indenização por danoambiental. O voto vencido, por sua vez, majorou omontante para R$ 158.489,32, consideradodesproporcional para reparar os danos ambientais no

62

Page 63: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

caso concreto, ao fundamento de que a área doacidente já se encontrava em avançado estágio dedegradação em razão da própria atividade portuária,de forma que o voto vencedor estabeleceu aindenização em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).- Se a lei não oferece critérios para a fixação domontante da indenização por dano ambiental,nada obsta a aplicação dos critériosestabelecidos na metodologia CETESB ,atendidas, evidentemente, as particularidadesdo caso em exame e observados os princípios darazoabilidade e da proporcionalidade. Nãoobstante as críticas que a ela se fazem, não adesqualificam como um instrumento técnicoadequado para estimar a quantificaçãomonetária do valor da indenização.- A adoção da metodologia CETESB justifica-se,ainda, por traduzir medida que evita a imposiçãoaleatória do quantum passível de indenização,pois funciona como um padrão matemático paraa valorização monetária de danos causados porderramamento de petróleo ou de seus derivadosno mar, desde que precisamente observados osseus cinco aspectos relevantes (volume,vulnerabilidade da área, toxicidade do produto,persistência do produto e mortalidade deorganismos), aos quais, divididos em níveis, foiatribuído peso correspondente, de acordo com aseveridade do risco ou dano gerado, que varia de0 a 0,5, e ressalvada a necessidade deadequação do valor apurado às peculiaridadesdo caso e atendidos aos critérios darazoabilidade e proporcionalidade à ofensa realao estuário. Precedentes desta corte.- Conforme minudentemente explicitado no votovencido, o cálculo da indenização com base nafórmula estabelecida pela CETESB representacritério técnico-científico que incorpora arazoabilidade e a proporcionalidade, de modoque dispensa e deve prevalecer sobre qualqueroutra valoração.- Embargos infringentes providos.” (TRF 3ª Região, 2ªSeção, Embargos Infringentes 1331362/SP, Proc.

63

Page 64: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

0006757-75.2001.4.03.6104, rel. p/ acórdão Des.Fed. André Nabarrete, j. 7/6/2016, m.v., e-DJF3Judicial 1 23/6/2016)

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAMENECESSÁRIO. DANO AMBIENTAL. DERRAMAMENTODE ÓLEO NO MAR. PRELIMINARES DE CERCEAMENTODE DEFESA, INÉPCIA DA INICIAL E FALTA DEINTERESSE PROCESSUAL AFASTADAS.RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONDUTA, DANO ENEXO CAUSAL COMPROVADOS. VALOR DAINDENIZAÇÃO. FÓRMULA DE CÁLCULODESENVOLVIDA PELA CETESB. REINCIDÊNCIA.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INDEVIDOS PARA OMINISTÉRIO PÚBLICO. DEVIDOS PARA A UNIÃOFEDERAL QUE FIGURA COMO LISTICONSORTE ATIVO.JUROS MORATÓRIOS DO EVENTO DANOSO (SÚMULA54, STJ). RECURSO DA EMPRESA IMPROVIDO.REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, EAPELAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DAUNIÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r.sentença deverá ser submetida ao reexame necessário(interpretação analógica do art. 19 da Lei nº4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma desteTribunal e jurisprudência do Superior Tribunal deJustiça.- Não há que se falar em inépcia da inicial, pois osfatos encontram-se devidamente descritos na petiçãoinicial, bem como os fundamentos jurídicos do pedido.- Quanto ao cerceamento de defesa, o magistrado, nouso de suas atribuições, deverá estabelecer aprodução de provas que sejam importantes enecessárias ao deslinde da causa, é dizer, diante docaso concreto, deverá proceder à instrução probatóriasomente se ficar convencido da prestabilidade daprova.- O art. 225 da Constituição Federal consagrou odireito ao meio ambiente ecologicamente equilibradocomo direito fundamental, criando o dever de o agentedegradador reparar os danos causados e estabeleceuo fundamento de responsabilização de agentes

64

Page 65: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

poluidores, pessoas físicas e jurídicas.- Com relação à tutela ambiental, se aplica aresponsabilidade objetiva, ou seja, não há espaço paraa discussão de culpa, bastando a comprovação daatividade e o nexo causal com o resultado danoso. Talresponsabilização encontra fundamento nos artigos4º, VII, c/c 14, §1º, ambos, da Lei nº 6.938/81.- Após análise do conjunto probatório, não há dúvidasque houve vazamento de óleo hidráulico envolvendo aembarcação DG Colúmbia de propriedade da empresaDi Gregório Navegações Ltda.- Configurado o dano, basta ratificar a comprovaçãoda atividade e o nexo causal com o resultado danoso.Neste aspecto, está evidente de que o resultadodecorreu do exercício da atividade de risco exercidapela ré.- Considerando o inconteste prejuízo ao meioambiente marinho e a reincidência da empresa, omontante da indenização deve ser majorado. Ovalor apontado no laudo de fls. 396/405, combase na fórmula criada pela CETESB , mostra-seadequado ao caso concreto.- Indenização fixada em US$ 79.621,43 (setenta enove mil, seiscentos e vinte e um dólares americanose quarenta e três centavos de dólar), a ser convertidaem reais segundo a cotação oficial de fechamentodivulgada pelo Banco Central do Brasil para a data doevento - 4 de agosto de 1997, a qual deverá serrevertida para o Fundo para a Reconstituição de BensLesados (Lei 7.347/1985), e integralmente aplicadaem medidas para o controle e restabelecimento doecossistema aquático na área do estuário eadjacências.- Na ação civil pública, sagrando-se vencedor oMinistério Público, autor da demanda, são indevidoshonorários advocatícios, em seu favor, por força doque dispõe art. 128, inciso II, § 5º, II, alínea a, daConstituição Federal, da aplicação, por simetria detratamento, das disposições do art. 18 da Lei nº7.347/85.- A União Federal, figurando como litisconsorte ativo,deve receber a verba honorária em face do princípioda causalidade.

65

Page 66: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

- Considerando o valor da causa e a matéria discutidanos autos, os honorários advocatícios deve serarbitrados em 1% (um por cento) do valor da causa,devidamente atualizados, conforme a regra previstano § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil.- Os juros moratórios incidem a contar da data doevento danoso, nos termos da Súmula 54 do E.Superior Tribunal de Justiça.- Recurso da empresa Di Gregório Navegações Ltdaimprocedente. Remessa oficial, tida por interposta, eapelações do Ministério Público Federal e da Uniãoparcialmente providas.” (TRF 3ª Região, 4ª Turma,Apelação Cível 1533243/SP, Proc. 0001897-31.2001.4.03.6104, rel. Des. Fed. Mônica Nobre, j.18/11/2015, v.u., e-DJF3 Judicial 1 16/12/2015)

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOAMBIENTAL. DERRAMAMENTO DE ÓLEO NO MAR.LEGITIMIDADE DA UNIÃO. LITISCONSÓRCIO.RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 225, § 3º,CF/88). CONDUTA, DANO E NEXO CAUSALCOMPROVADOS. ALEGAÇÃO DE PEQUENAQUANTIDADE DERRAMADA. IMPROCEDÊNCIA. BEMJURÍDICO INDISPONÍVEL. TÍPLICERESPONSABILIZAÇÃO. INVIABILIZADA A REPARAÇÃOIN NATURA. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO. ART. 3º,LEI N.º 7.347/85. FUNDO DE DEFESA DOS DIREITOSDIFUSOS (ART. 13, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO,LACP). VALOR DA INDENIZAÇÃO. FÓRMULA DECÁLCULO DESENVOLVIDA PELA CETESB. FIXAÇÃO EMMOEDA CORRENTE NACIONAL. REDUÇÃO.ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE OFÍCIO.RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DACONTROVÉRSIA. MANUAL DE ORIENTAÇÃO DEPROCEDIMENTOS PARA OS CÁLCULOS NA JUSTIÇAFEDERAL. RESOLUÇÃO CJF N.º 134/2010. JUROSMORATÓRIOS DO EVENTO DANOSO (SÚMULA 54,STJ). CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOSPROFISSIONAIS ÀS CUSTAS DO SUCUMBENTE.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTIGO 20, § 3º, DOCPC. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. CORREÇÃO

66

Page 67: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

MONETÁRIA DE OFÍCIO.

- Legitimidade da União para figurar como autora dapresente ação civil pública, nos termos do artigo 5º daLei n.º 7.347/85, porquanto, não obstante o processotenha sido extinto em relação ao Ministério PúblicoFederal, autor originário, o ente fazendário ingressouna lide na condição de litisconsorte ativo (fls.241/242).- Ação civil pública proposta para apurar eventualresponsabilidade da empresa ré por dano ambientalperpetrado no estuário de Santos, decorrente dovazamento, em 24/02/1989, de cerca de 20 litros deóleo combustível da embarcação 'Chata TanqueMaristela' no ambiente marinho.- A responsabilização pela prática de dano ambientalencontra disciplina na Constituição Federal que, aotratar do direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, prevê, no § 3º de seu artigo 225, que osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, estarãosujeitos às sanções penais, administrativas e civis, deforma independente. Não obstante tenha sidoinaugurada no âmbito constitucional pelo texto de1988, a responsabilização pelo evento danoso ao meioambiente já estava prevista no parágrafo único doartigo 14 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente(Lei n.º 6.938/81), norma que foi recepcionada pelaatual Constituição. À vista da referida previsão, aresponsabilidade civil é objetiva, de modo que oagente fica obrigado a reparar ou indenizar o danoambiental, independentemente da existência de culpaou dolo, ou seja, é apenas necessário que secomprove a ação ou omissão do agente poluidor, odano e o nexo causal entre ambos, sem se perquirirquanto à licitude ou não da atividade. O dever deindenizar decorre pura e simplesmente do risco daatividade e se funda no nexo causal entre ato e dano.- No caso dos autos, impõe-se a responsabilização civilda apelante, na medida em que comprovada suaconduta, o dano e o respectivo nexo de causalidade.- Não resta dúvida quanto à conduta da ré, eis que ovazamento foi admitido por ela própria em diversasoportunidades, inclusive nas razões recursais ora sob

67

Page 68: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

análise. Ademais, os fatos foram consubstanciados noAuto de Infração n.º 001/89, acostado à fl. 26, queatesta o lançamento de óleo ao mar pela embarcação'Chata Tanque Maristela' por ocasião do abastecimentono terminal de Alemoa, com consequente a violaçãoao artigo 1º da Lei n.º 5.357/67 e imposição de multaadministrativa.- O dano ao meio ambiente, igualmente, foi provadocom base nos elementos colacionados aos autos,dentre eles o já mencionado auto de infração lavradopela autoridade administrativa (fl. 26), a 'proposta decritérios para valoração monetária de danos causadospor derrames de petróleo ou de seus derivados noambiente marinho', de relatoria da CETESB (fls.99/123) e o laudo apresentado pela assistente técnicado autor, às fls. 204/221. Consoante asseverado peloórgão do Ministério Público atuante como custos legis,o perito judicial designado, ao prestar esclarecimentosem audiência especialmente designada para esse fim,reformulou em parte seu laudo de fls. 138/164 ereconheceu a existência de dano ambiental por forçada natureza tóxica do material derramado - fl. 260.- A natureza de bem jurídico indisponível e essencial àsadia qualidade de vida das presentes e futurasgerações, ao qual foi alçado o meio ambiente, reclamauma proteção integral por parte dos entes públicos, dasociedade e de toda a coletividade, inclusivepreconizada pelo texto constitucional, que não toleraas pequenas infrações que, mesmo que a médio oulongo prazo, contribuem para a deterioração do bemconstitucional. Pelos mesmos fundamentos afasto aalegação de que a pequena quantidade de óleoderramada teria alta potencialidade de dispersão.- O nexo causal explica-se pelo fato de que o danoambiental objeto da presente ação decorreudiretamente de conduta praticada pela empresa queora recorre.- A responsabilização do agente poluidor nas esferaspenal, civil e administrativa, de forma independente,dita tríplice responsabilização, afasta a insurgência daapelante no sentido de que as punições decorrentes dederramamento de óleo no mar estão previstas na Lein.º 5.357/67 e por ter efetuado o pagamento da multa

68

Page 69: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

de que trata o referido diploma legal, bem como àvista do comando do artigo 14, § 4º, da Lei n.º6.938/81, não se justificaria sua condenação àreparação na órbita civil.- Não se discute o cabimento da indenização,porquanto, inviabilizada a reparação in natura doambiente marinho, impõe-se a reparação in pecúnia,conforme possibilita o artigo 3º da Lei n.º 7.347/85,Os referidos valores devem ser recolhidos ao Fundo deDefesa dos Direitos Difusos, regulamentado peloDecreto n.º 1.306, de 09.11.1994, nos termos doartigo 13, caput e parágrafo único, do mesmo diplomalegal.- Relativamente ao valor da indenização, o juízoa quo , acertadamente, acolheu a fórmula decálculo desenvolvida pela CETESB para valoraçãomonetária de danos causados ao ambientemarinho por petróleo e seus derivados,reconhecida como legítima pela jurisprudênciadesta corte (fls. 99/123). Ocorre que o quantumindenizatório, fixado em R$ 119.597,91 (cento edezenove mil, quinhentos e noventa e sete reais enoventa e um centavos), merece reparo, em razão doselementos considerados no caso concreto, uma vezque o valor a ser obtido deve ser compatível com aocorrência (fl. 98). Ressalve-se, porém, que, nãoobstante o método se apresente em dólares, a fixaçãodo valor deve ser em moeda corrente nacional, ouseja, em reais, como dispõe a legislação (art. 315, CC,Decreto-Lei nº 857/69, arts. 1º e 2º, Lei nº10.192/01, art. 1º).- Nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81,comprovado o nexo causal entre a conduta do poluidore a poluição causada e não reparado o dano, cabefixar indenização pecuniária, que, pela metodologiadesenvolvida pela CETESB, consoante demonstradoanteriormente remonta a R$ 93.325.43 (noventa etrês mil, trezentos e vinte e cinco reais e quarenta etrês centavos).- De rigor a atualização monetária e o cômputo dejuros ao quantum debeatur, mesmo que de ofício, àvista do disposto no REsp 1.002.932/SP,representativo da controvérsia. No tocante aos índices

69

Page 70: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

de correção monetária a serem utilizados, deve serobservado o Manual de Orientação de Procedimentospara os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pelaResolução n.º 134, do Conselho da Justiça Federal, de21 de dezembro de 2010, a partir da condenação. Osjuros moratórios incidem a contar da data do eventodanoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça)em 6% (seis por cento) ao ano, observado o limiteprescrito nos arts. 1.062 e 1.063 do Código Civil/1916até a entrada em vigor do novo Código, quandosubmeter-se-á à regra contida no art. 406 desteúltimo diploma.- As custas processuais devem ser suportadas pelarecorrente, especialmente os honorários profissionaisdevidos ao perito, que, uma vez atualizados, devemser imediatamente depositados, à vista de sua idadeavançada e do longo tempo decorrido desde aapresentação do trabalho.- Os honorários advocatícios devem ser reduzidos aopatamar de 10% (dez por cento) do valor dacondenação, para adequadamente remunerar osserviços prestados, em razão do disposto no artigo 20,§ 3º, do Código de Processo Civil e pagos à partevencedora, uma vez que não se destinam ao Fundo deDefesa dos Direitos Difusos.- Apelação parcialmente provida para reduzir o valorda indenização a ser paga pela ré ao valor de R$93.325.43 (noventa e três mil, trezentos e vinte ecinco reais e quarenta e três centavos) e a verbahonorária para 10% sobre o valor da condenação,devidamente atualizada. Correção monetária deofício.” (TRF 3ª Região, 4ª Turma, Apelação Cível319092/SP, Proc. 0205453-77.1989.4.03.6104, rel.Des. Fed. André Nabarrete, j. 16/8/2012, v.u., e-DJF3Judicial 1 6/9/2012)

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. DANOAMBIENTAL. DERRAMAMENTO DE ÓLEO AO MAR. CF,ART. 225. LEIS 6.938/81, 9.605/98.RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDEPENDÊNCIA DEINSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA.

70

Page 71: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

PORTARIA DA CETESB. ESTIMATIVA DO DANO.PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES.I. Evento danoso incontroverso, decorrente dederramamento de óleo ao mar por navio quandoatracado no Porto de Santos. Irrelevância dapreexistência de elemento poluidor na área.II. O meio ambiente goza de proteção constitucionalex-vi do art. 225.III. A efetividade da proteção ao meio ambiente, deinteresse da coletividade, só é alcançada apenando-seo causador do dano. Em se tratando de danoambiental é objetiva a responsabilidade do poluidor.Leis 6.938/81, 9.605/98. CF § 3º, art. 225.IV. Independência das instâncias. Verificado o danoambiental, coexistem a obrigação civil de indenizar, aresponsabilidade administrativa e a penal.Precedentes (STF: Tribunal Pleno - MS-21113/DF,Mandado de Segurança. Rel. Min. Moreira Alves, DJ de14-6-91; STJ: RHC 9610/SP, Rel. Min. FernandoGonçalves, DJ de 21-8-00; ROMS 9859/TO, RecursoOrdinário em Mandado de Segurança, Rel. Min. JoséArnaldo da Fonseca, DJ de 17-4-00; HC 9281/PR,Recurso Ordinário em Habeas Corpus, Rel. Min. GilsonDipp, DJ de 30-10-00; e TRF: RCHC, Recurso emHabeas Corpus, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. SaletteNascimento, DJ de 06-8-97).V. Portaria da CETESB. Critérios genéricos parafixação do evento danoso. Validade.VI. É o Judiciário, na análise de cada casoconcreto que dirá da pertinência do montanteindenizatório, sempre atento ao princípio darazoabilidade que deve permear as decisõesdessa natureza.VII. Apelo da autora improvido. Apelo ministerial eremessa oficial parcialmente providos.” (TRF 3ªRegião, 6ª Turma, Apelação Cível 401518, Proc.97030864171/SP, rel. Des. Fed. Salette Nascimento, j.23/5/2001, v.u., DJU 7/1/2002, p. 38) (grifoscolocados)

No caso concreto, este Órgão Ministerial, para o

71

Page 72: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

cálculo do valor monetário devido pelo infrator em razão dos danos materiais

produzidos ao meio ambiente, levou em consideração também o critério

elaborado por biólogo da Universidade Santa Cecília, de Santos/SP, cujo estudo

fora apresentado a esta Procuradoria da República em 26/7/2008 (documento

constante às fls. 129/137), em complementação à proposta original da CETESB,

mais especificamente quanto ao parâmetro correspondente ao grau de

vulnerabilidade da área atingida, nos seguintes termos:

“Segundo Gundlach & Hayes (1978) o grau devulnerabilidade dos ambientes costeiros aderramamento de óleo dependem de processos físicosque controlam a maior ou menor deposição de óleo noambiente e a consequente persistência do óleo noecossistema.Assim sendo, para a escala de valoração em

diferentes ambientes o relatório técnico da CETESB(CETESB, 1992) leva em consideração o grau devulnerabilidade proposta por Gundlach & Hayes (1978)baseando-se no nível de energia do ambiente e nopoder de retenção do óleo no ambiente.Desse modo, são considerados 10 tipos de ambientes

costeiros e seus respectivos pesos a serem aplicadosno expoente da fórmula de valoração:Costões rochosos expostos (0,05)Terraços de abrasão marinha (0,10)Praias arenosas de granulometria fina (0,15)Praias arenosas de granulometria grossa (0,20)Baixios compactos expostos pelas marés (0,25)Praias mistas de areias e cascalhos (0,30)Praias de cascalho (0,35)Costas rochosas abrigadas (0,40)Regiões entre-marés abrigadas (0,45)Marismas e manguezais (0,50)No entanto, nota-se nessa classificação a ausência do

ambiente especificamente definido como estuário.Em função do exposto nos itens acima e pela

influência primordial que o estuário exerce sobre obentos e sobre os manguezais e marismas opresente estudo propõe a inclusão de Ambientes

72

Page 73: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Estuarinos, com a presença de remanescentes demanguezal, como um tipo de ambiente costeirocom o maior peso (0,50) a ser aplicado nafórmula de valoração.CONSIDERAÇÕES FINAISAmbientes estuarinos devem ser considerados com

peso 0,50 no cálculo da fórmula de valoraçãomonetária de danos causados por derrames depetróleo ou de seus derivados neste tipo deecossistema, toda vez que no mesmo ocorreremremanescentes de manguezal, a exemplo do queocorre em Santos-SP.A justificativa do peso máximo se dá, pois os

estuários com manguezais são consideradosambientes aquáticos muito produtivos em relação àcadeia trófica e a pesca e, portanto, são ambientesonde o óleo pode permanecer por vários anosprejudicando seriamente o ecossistema.” (grifo nooriginal)

Ademais, mediante adequada imposição do valor da

indenização, estimula-se a busca de medidas de prevenção a novas lesões e

agressões ao meio ambiente, que lamentavelmente ocorrem com espantosa

frequência no caso de derivados de petróleo e demais produtos químicos,

denegrindo ainda mais o já combalido meio ambiente marinho/aquático do

Estuário de Santos.

Não por outra razão, a Convenção Internacional

para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, de 1973 (Marpol

73/78), promulgada pelo Decreto nº 2.508/1998, estabelece:

“ARTIGO 4Violações(…)4 – As penas fixadas na lei de uma Parte, nos termose para os fins do presente artigo, serãosuficientemente severas para desencorajar as

73

Page 74: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

violações da presente Convenção e serão igualmenteseveras independentemente do local em que asviolações ocorram.”

Releva acrescer, por amor à transparência, que o valor

fixado pode parecer, a um leigo, elevado. Entretanto, a reparação de um dano

ambiental exige a recomposição da biodiversidade, da quantidade e da qualidade

do pescado atingido e dos efeitos (diretos e cumulativos) da contaminação

ambiental para a saúde da população humana, devendo ainda abranger, dentro

do possível, o cálculo do quanto se perdeu com a redução da qualidade

ambiental até que ocorra a efetiva recuperação do meio ambiente lesado, com

ou sem a interferência direta do homem.

2.8. DANO MORAL DIFUSO

Oportuno gizar que o meio ambiente, em sua essência,

compõe-se de uma diversidade de elementos corpóreos e incorpóreos, cuja

tutela se justifica também no regime da reparação civil. Nessa premissa,

qualquer espécie de dano ou, mesmo, as sequelas ou malefícios decorrentes da

degradação privam a sociedade do bem ambiental afetado, devendo, assim, a

reparação ser completa tanto quanto possível para compensar a nova situação

fática.

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVILPÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA(CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADEAMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA.INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DALEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85.PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DOPOLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃODE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E

74

Page 75: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO).REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANOAMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL EMORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃOAO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIOPRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta como fito de obter responsabilização por danos ambientaiscausados pelo desmatamento de vegetação nativa(Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal deJustiça de Minas Gerais consideraram provado o danoambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém,julgaram improcedente o pedido indenizatório pelodano ecológico pretérito e residual.2. A legislação de amparo dos sujeitosvulneráveis e dos interesses difusos e coletivosdeve ser interpretada da maneira que lhes sejamais favorável e melhor possa viabilizar, noplano da eficácia, a prestação jurisdicional e aratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pronatura.3. Ao responsabilizar-se civilmente o infratorambiental, não se deve confundir prioridade darecuperação in natura do bem degradado comimpossibilidade de cumulação simultânea dosdeveres de repristinação natural (obrigação defazer), compensação ambiental e indenizaçãoem dinheiro (obrigação de dar), e abstenção deuso e de nova lesão (obrigação de não fazer).4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro,imputar responsabilidade civil ao agente causador dedegradação ambiental difere de fazê-lo administrativaou penalmente. Logo, eventual absolvição no processocriminal ou perante a Administração Pública não influi,como regra, na responsabilização civil, tirantes asexceções em numerus clausus do sistema legal, comoa inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência dedegradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ouindireta), nos termos do art. 935 do Código Civil.5. Nas demandas ambientais, por força dos princípiosdo poluidor-pagador e da reparação in integrum,admite-se a condenação do réu, simultânea e

75

Page 76: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer eindenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativaou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º,VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do MeioAmbiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei7.347/85, a conjunção 'ou' opera com valor aditivo,não introduz alternativa excludente. Essa posiçãojurisprudencial leva em conta que o dano ambiental émultifacetário (ética, temporal, ecológica epatrimonialmente falando, sensível ainda àdiversidade do vasto universo de vítimas, que vão doindivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras eaos próprios processos ecológicos em si mesmosconsiderados).6. Se o bem ambiental lesado for imediata ecompletamente restaurado ao status quo ante(reductio ad pristinum statum, isto é,restabelecimento à condição original), não há falar,ordinariamente, em indenização. Contudo, apossibilidade técnica, no futuro (= prestaçãojurisdicional prospectiva), de restauração in naturanem sempre se mostra suficiente para reverter ourecompor integralmente, no terreno daresponsabilidade civil, as várias dimensões do danoambiental causado; por isso não exaure os deveresassociados aos princípios do poluidor-pagador e dareparação in integrum.7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dosprincípios do poluidor-pagador e da reparação inintegrum arrisca projetar, moral e socialmente, anociva impressão de que o ilícito ambiental compensa.Daí a resposta administrativa e judicial não passar deaceitável e gerenciável 'risco ou custo do negócio',acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasórioda proteção legal, verdadeiro estímulo para queoutros, inspirados no exemplo de impunidade de fato,mesmo que não de direito, do infrator premiado,imitem ou repitam seu comportamento deletério.8. A responsabilidade civil ambiental deve sercompreendida o mais amplamente possível, demodo que a condenação a recuperar a áreaprejudicada não exclua o dever de indenizar -juízos retrospectivo e prospectivo.

76

Page 77: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer epagar não configura bis in idem, porquanto aindenização, em vez de considerar lesão específica jáecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe ofoco em parcela do dano que, embora causada pelomesmo comportamento pretérito do agente,apresenta efeitos deletérios de cunho futuro,irreparável ou intangível.10. Essa degradação transitória, remanescenteou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízoecológico que medeia, temporalmente, oinstante da ação ou omissão danosa e o plenorestabelecimento ou recomposição da biota, valedizer, o hiato passadiço de deterioração, total ouparcial, na fruição do bem de uso comum dopovo (= dano interino ou intermediário), algofrequente na hipótese, p. ex., em que o comandojudicial, restritivamente, se satisfaz com aexclusiva regeneração natural e a perder devista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruínaambiental que subsista ou perdure, não obstantetodos os esforços de restauração (= danoresidual ou permanente), e c) o dano moralcoletivo. Também deve ser reembolsado aopatrimônio público e à coletividade o proveitoeconômico do agente com a atividade ouempreendimento degradador, a mais-valia ecológicailícita que auferiu (p. ex., madeira ou minérioretirados irregularmente da área degradada oubenefício com seu uso espúrio para fimagrossilvopastoril, turístico, comercial).11. No âmbito específico da responsabilidade civil doagente por desmatamento ilegal, irrelevante se avegetação nativa lesada integra, ou não, Área dePreservação Permanente, Reserva Legal ou Unidadede Conservação, porquanto, com o dever de reparar odano causado, o que se salvaguarda não é alocalização ou topografia do bem ambiental, mas aflora brasileira em si mesma, decorrência dosexcepcionais e insubstituíveis serviços ecológicos quepresta à vida planetária, em todos os seus matizes.12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tantoo de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012)

77

Page 78: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão,encontra-se uniformemente protegida pela exigênciade prévia e válida autorização do órgão ambientalcompetente, qualquer que seja o seu bioma,localização, tipologia ou estado de conservação(primária ou secundária).13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentidoda viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, denão fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel.Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe4.9.2012; Resp 1.178.294/MG, Rel. Ministro MauroCampbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010;AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. MinistroArnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe27.4.2011; Resp 1.120.117/AC, Rel. Ministra ElianaCalmon, Segunda Turma, Dje 19.11.2009; REsp1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma,DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro JoséDelgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori AlbinoZavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma,DJ 31.8.2006, entre outros).14. Recurso especial parcialmente provido parareconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação deindenização pecuniária com as obrigações de fazer enão fazer voltadas à recomposição in natura do bemlesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origempara que verifique se, na hipótese, há danoindenizável e fixe eventual quantum debeatur.” (STJ,2ª Turma, Resp 1198727/MG, Proc. 2010/0111349-9,rel. Min. Herman Benjamin, j. 14/8/2012, v.u., DJe9/5/2013) (grifos colocados)

O apreço da sociedade brasileira pelo meio ambiente,

notadamente nas últimas décadas, pode ser visualizado na vasta e densa

legislação que compõe o ordenamento jurídico pátrio, na considerável

quantidade de associações civis sem fins lucrativos criadas pela sociedade

organizada com o escopo de proteger o meio ambiente, em seus diferentes

78

Page 79: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

segmentos (atualmente há milhares de ONGs ambientais em funcionamento no

País), na crescente introdução de disciplinas escolares dedicadas à ecologia, na

profusão de programas veiculados nos meios de comunicação em geral

(especialmente o televisivo) e inspirados na temática ambiental, no uso

crescente de produtos reciclados e de sistemas de reciclagem, mormente em

áreas urbanas, no emprego de técnicas de produção menos agressivas ao meio

ambiente e na introdução progressiva de veículos e combustíveis menos

poluentes.

No fundo, cuida-se de uma preocupação mundial de há

muito externada, como se vê, à guisa de ilustração, da Conferência das Nações

Unidas sobre o Meio Ambiente, de 1972, realizada em Estocolmo/Suécia; do

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado pela

Assembleia-Geral da ONU em dezembro/1972, ainda sob os auspícios da

Conferência de Estocolmo; da criação, no âmbito da ONU, de uma Comissão

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1983; da Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, sucedida em 1992 no

Rio de Janeiro e que adotou a “Agenda 21”, um diagrama para a proteção do

planeta e seu desenvolvimento sustentável; da Convenção da ONU sobre a

Diversidade Biológica, de 1992; da Convenção da ONU para o Combate à

Desertificação, de 1994; da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável,

ocorrida em 2002 na cidade de Johanesburgo/África do Sul; da revisão do

Programa de Barbados das Nações Unidas, de 2005; e da constituição, em 2014,

de uma Assembleia Ambiental da ONU (UNEA), a mais importante plataforma

das Nações unidas para a tomada de decisões em matéria ambiental, e que,

pela primeira vez, colocou as preocupações dessa temática no mesmo plano de

relevância da paz, segurança, finanças, saúde e comércio, reunindo, em sua

primeira edição, mais de 160 (cento e sessenta) líderes de alto nível.

79

Page 80: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Além disso, cumpre acrescentar que a pauta ambiental

não passou ao largo sequer dos segmentos e lideranças religiosas, a exemplo da

Igreja Católica, cujo Sumo Pontífice, o Papa Francisco, escreveu a Encíclica

Laudato Si', publicada em 24/5/2015, na qual, entre outras considerações,

alertou:

“Os poderes econômicos continuam a justificar osistema mundial atual, onde predomina umaespeculação e uma busca de receitas financeiras (…)qualquer realidade que seja frágil, como o meioambiente, fica indefesa face aos interesses domercado divinizado, transformados em regraabsoluta.”

Induvidosa, portanto, a existência de uma forte

consciência ética coletiva (lato sensu) relacionada à premente necessidade de

proteger o meio ambiente e, por conseguinte, reprimir as condutas que lhe

sejam prejudiciais ou maléficas.

No propósito de verticalizar o debate, convém dedicar

algumas palavras acerca da viabilidade, no plano jurídico, da compensação

pecuniária do dano moral (extrapatrimonial) difuso.

Com efeito, a lesão causada a um grupo

indeterminado de pessoas apresenta maior gravidade do que a lesão infligida à

órbita pessoal e/ou patrimonial de uma única pessoa. Aliás, não seria razoável

devotar a possibilidade de reparação do dano à hipótese de dor individual,

excluindo o dano extrapatrimonial difuso/coletivo.

Não por outro motivo, Yussef Said Cahali, do alto de

sua sabedoria, pontifica:

80

Page 81: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

“Se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, não hápor que não se possa sê-lo a coletividade. Assim,pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injustalesão da esfera moral de uma dada comunidade, ouseja, é a violação antijurídica de um determinadocírculo de valores coletivos. Quando se fala em danomoral coletivo, está-se fazendo menção de fato deque o patrimônio valorativo de uma certa comunidade(maior ou menor), idealmente considerado, foiagredido de maneira absolutamente injustificável doponto de vista jurídico: quer isso dizer, em últimainstância, que se feriu a própria cultura, em seuaspecto imaterial.” (Dano Moral, 2ª edição, São Paulo:Revista dos Tribunais, 1999, pp. 347-8, apud GARCIA,Emerson, e ALVES, Rogério Pacheco. ImprobidadeAdministrativa, 4ª edição, Rio de Janeiro: LumenJuris, 2008, p. 688)

Os fundamentos para a reparação dos danos

morais/extrapatrimoniais (difusos/coletivos) ao meio ambiente, em princípio,

são encontráveis no art. 225, § 3º, da Constituição da República, e nos arts. 186

e 927, ambos do Código Civil, verbis:

“Art. 5º. (…)(…)V – é assegurado o direito de resposta, proporcionalao agravo, além da indenização por dano material,moral ou à imagem;(...)

“Art. 225. (…)(…)§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas aomeio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicasou jurídicas, a sanções penais e administrativas,independentemente da obrigação de reparar os danoscausados.(...)”

81

Page 82: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissãovoluntária, negligência ou imprudência, violar direito ecausar dano a outrem, ainda que exclusivamentemoral, comete ato ilícito.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Observe-se que, em nenhum momento, os dispositivos

constitucionais e legais acima transcritos mencionam a inviabilidade da

reparação do dano moral produzido, pela simples indeterminação da pessoa

lesionada, não cabendo, nesse particular, adotar interpretação restritiva,

máxime por se tratar de um tema tão caro à qualidade de vida e à própria

subsistência da coletividade.

De qualquer maneira, o Código de Defesa do

Consumidor, em seu art. 6º, reza explicitamente:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(…)VI – a efetiva prevenção e reparação de danospatrimoniais e morais, individuais, coletivos edifusos;VII – o acesso aos órgãos judiciários eadministrativos com vistas à prevenção ou reparaçãode danos patrimoniais e morais, individuais,coletivos ou difusos, assegurada a proteçãojurídica, administrativa e técnica aos necessitados;(...)” (grifos acrescentados)

Fácil intuir que, se a lei consumerista previu essa

possibilidade em favor dos consumidores, numa perspectiva ampla, coletiva, não

seria razoável deixar de aplicá-la às condutas danosas ao meio ambiente.

82

Page 83: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Mesmo assim, a própria Lei nº 7.347/85, em seu art.

1º, I, contemplou, com todas as letras, a reparabilidade do dano moral

ambiental, colocando uma pá de cal na possível questão:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, semprejuízo da ação popular, as ações deresponsabilidade por danos morais e patrimoniaiscausados:I – ao meio ambiente;(...)” (grifos postos)

Nem poderia ser diferente, em um ordenamento

jurídico que consagra o princípio da reparação integral do dano ao meio

ambiente:

“a reparação integral do dano ao meio ambientedeve compreender não apenas o prejuízocausado ao bem ou recurso ambiental atingido,como também, na lição de Helita BarreiraCustódio, toda extensão dos danos produzidosem consequência do fato danoso, o que inclui osefeitos ecológicos e ambientais da agressãoinicial a um bem ambiental corpóreo queestiverem no mesmo encadeamento causal,como, por exemplo, a destruição de espécimes,habitats e ecossistemas inter-relacionados como meio afetado; os denominados danosinterinos, vale dizer, as perdas de qualidadeambiental havidas no interregno entre aocorrência do prejuízo e a efetiva recomposiçãodo meio degradado; os danos futuros que seapresentarem como certos, os danos irreversíveis àqualidade ambiental e os danos morais coletivosresultantes da agressão a determinado bemambiental.” (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação CivilPública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente, 2ªedição, Ed. Juarez de Oliveira, 2004, pp. 314-5)

83

Page 84: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

“Como visto, o princípio da reparação integral domeio ambiente impõe a consideração datotalidade dos efeitos determinados pelo danoaos bens corpóreos do ambiente, pelo que deveser acrescida ao custo das obras de recomposição doambiente, a compensação in natura ou pecuniária pelodano extrapatrimonial, que compreende:1. danos morais coletivos e danos sociais,consistentes na perda pública representada pelanão fruição do bem de uso comum do povo;2. dano ao valor intrínseco do ambiente, que temconteúdo ético e diz respeito ao valor daexistência do bem ambiental.” (STEIGLEDER,Anelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental –As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro,Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 258)(grifos colocados)

O dano moral difuso/coletivo ambiental atinge

direitos/interesses (de personalidade, por que não?) de um grupo massificado e

indeterminado de pessoas, não se fazendo necessária, à sua caracterização e

consequente reparabilidade, a demonstração de dor, repulsa, indignação ou

abalo psicológico por parte da coletividade.

Em outros termos, a privação ou restrição imposta à

sociedade, no tocante ao seu direito de utilizar ou, que o seja, apenas

contemplar os atributos originais do bem ambiental, tem o condão de ensejar o

dano moral difuso/coletivo, como decorrência do direito correlato ao meio

ambiente hígido. Esse dano moral de compleição difusa, conquanto fluida, não

se confunde com o dano moral suscetível de aferição ou perscrutação subjetiva,

cuja expressão mais comum é o direito à personalidade, em caráter individual.

Em recente julgado, o Tribunal Regional Federal da 3ª

Região admitiu a reparabilidade do dano moral ao meio ambiente:

84

Page 85: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

“PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DIREITOAMBIENTAL - DESCARTE DE PNEUS INSERVÍVEIS -CONDENAÇÃO - APELAÇÃO POSTULANDO AELEVAÇÃO DOS DANOS MORAIS - PEDIDO GENÉRICOAPRESENTADO NA PETIÇÃO INICIAL - VALORARBITRADO PELO JUÍZO - MODERAÇÃO - PRINCÍPIOSDA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE -ATO TRANSGRESSOR QUE NÃO SE REPETIU -SENTENÇA MANTIDA. I - De acordo com a PolíticaNacional de Meio Ambiente, disciplinada pela Lei nº6.938/81, a responsabilidade daqueles que causamdanos ao meio ambiente e a terceiros é objetiva,independendo da existência de culpa ou dolo (artigo14, § 1º). II - A apelante, em sua petição inicial, nãoforneceu qualquer elemento mínimo comprobatóriosobre a extensão do dano extrapatrimonial etampouco indicou um valor que entenderia condizentepara satisfazer a reparação dos danos suportados pelacoletividade. Pleiteou apenas que a ré fossecondenada "ao pagamento de indenização pecuniáriano valor a ser fixado pelo MM. Juízo, a título de danospatrimoniais". III - A ausência de balizas podeconfigurar afronta ao artigo 286 do CPC porque opedido não é certo, violando, ainda, os princípios docontraditório e da ampla defesa, vez que impede acorreta identificação da pretensão e dificultasobremaneira a defesa do réu, cerceado em seudireito de impugnar eventual abuso ousuperdimensionamento do dano. IV - Inobstante, pornada ter sido questionado a respeito, analisa-se amatéria devolvida, resumida ao valor do danoextrapatrimonial em matéria ambiental. V - Sãoenormes as particularidades que envolvem a fixaçãode valores nos casos de dano moral coletivo diante daimpossibilidade de sua mensuração e de restituição dobem ao estado anterior. Em se tratando de danoextrapatrimonial causado ao meio ambiente, a E. 4ªTurma deste C. Tribunal pontuou que a indenização"não se refere tão somente à extensão dos prejuízosexperimentados pelo afetado, que neste caso, é aprópria coletividade, mas considera uma série de

85

Page 86: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

fatores correlatos, como a desídia do infrator, osconstrangimentos sofridos pela contraparte, areprovabilidade da conduta, a reiteração ou repetiçãodo ocorrido, a possibilidade de se incutir notransgressor a consciência de não tornar a causardanos ambientais, o porte ou tamanho da empresa,entre outros elementos." (AC nº00213158820064036100, Rel. Juiz Federal ConvocadoDavid Diniz Dantas, e-DJF3 14.01.2013). VI - Apesardo grau de reprovação da conduta inicial da empresaapelada (descarte inadequado de pneumáticosinservíveis), não se pode olvidar que ela demonstrouter consciência ambiental e que tem evitado repetir oato transgressor, contratando empresas habilitadasjunto ao IBAMA para promover a destinaçãoambientalmente adequada dos pneus. Inobstante, nãocriou embaraços para o cumprimento do provimentojurisdicional liminarmente deferido, o que evidenciasua boa-fé. VII - Moderado e condizente com osprincípios da razoabilidade e da proporcionalidade afixação dos danos extrapatrimoniais em R$ 30.000,00(trinta mil reais), valor este suficiente para reprimir oato ilícito e conscientizar a empresa sobre anecessidade de conservar o meio ambiente. VIII -Dano moral e multa administrativa são sançõesdistintas e com requisitos e finalidades jurídicas idem.A multa administrativa não é base para a fixação doquantum debeatur do dano moral e, na hipótese, oIBAMA não demonstrou a efetiva necessidade damajoração deste. IX - Apelação improvida." (TRF 3ªRegião, 3ª Turma, AC 1397270, Proc. 0012410-94.2006.4.03.6100/SP, rel. Des. Fed. CecíliaMarcondes, j. 14/11/2013, e-DJF3 Judicial 122/11/2013)

À guisa de simples ilustração, reproduz-se, na

sequência, julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, mais antigo:

“ACÃO CIVIL PUBLICA. MEIO AMBIENTE. DANOPATRIMONIAL E DANO MORAL COLETIVO.REPARACAO. PROCEDENCIA. 1 - A

86

Page 87: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

RESPONSABILIDADE PELOS ATOS QUEDESRESPEITAM AS NORMAS AMBIENTAIS EOBJETIVA, NAO PERQUIRINDO QUANTO A CULPA (LEIN. 6.938/81). PORTANTO, E O POLUIDOR OBRIGADO,INDEPENDENTEMENTE DA EXISTENCIA DE CULPA, AINDENIZAR OU REPARAR OS DANOS PATRIMONIAIS EEXTRAPATRIMONIAIS (MORAIS) CAUSADOS AO MEIOAMBIENTE E A TERCEIROS, AFETADOS POR SUAATIVIDADE. 2 - O MEIO AMBIENTE GOZA DEPROTECAO CONSTITUCIONAL, EX VI DO ART. 225, IIE PARAGRAFO 3, DA CONSTITUICAO FEDERAL ELEGISLACAO INFERIOR, A EFETIVIDADE DAPROTECAO AO MEIO AMBIENTE, DE INTERESSE DACOLETIVIDADE, SO E ALCANCADA APENANDO-SE OCAUSADOR DO DANO. ASSIM, EM SENDO O EVENTODANOSO INCONTROVERSO, DECORRENTE DEDEGRADACAO AMBIENTAL CONSISTENTE EMPOLUICAO ATMOSFERICA E DO SOLO, COMO NOCASO DOS AUTOS, A CONSEQUENCIA E APROCEDENCIA DO PEDIDO. 3 - O ADVENTO DONOVEL ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL - NO QUECONCERNE À PROTEÇÃO AO DANO MORAL -POSSIBILITOU ULTRAPASSAR A BARREIRA DOINVIDUO PARA ABRANGER O DANOEXTRAPATRIMONIAL A PESSOA JURIDICA E ACOLETIVIDADE. O MEIO AMBIENTE INTEGRAINEGAVELMENTE A CATEGORIA DE INTERESSEDIFUSO, POSTO INAPROPRIAVEL UTI SINGULI. DESSAFORMA, A SUA LESÃO, CARACTERIZADA PELADIMINUIÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DAPOPULAÇÃO, PELO DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO, PELALESÃO A UM DETERMINADO ESPAÇO PROTEGIDO,ACARRETA INCÔMODOS FÍSICOS OU LESÕES ÀSAÚDE DA COLETIVIDADE, REVELANDO LESÃO AOPATRIMÔNIO AMBIENTAL, CONSTITUCIONALMENTEPROTEGIDO, ENSEJANDO A REPARAÇÃO MORALAMBIENTAL CAUSADA À COLETIVIDADE, OU SEJA, OSMORADORES DAQUELA COMUNIDADE. 4 - SENTENÇAREFORMADA. CONDENAÇÃO DA REQUERIDA/APELADAA RECUPERAR E COMPENSAR OS DANOSAMBIENTAIS, SÓCIOECONOMICOS E À SAÚDEPÚBLICA, BEM COMO EM DANO MORAL COLETIVO.APELO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJGO, 3ª Câmara

87

Page 88: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Cível, Apelação Cível 108156-4/188, Proc.200700552663/Itumbiara, rel. Des. Lenadro Crispim,j. 28/6/2007, v.u., DJ 15040 de 12/7/2007)

Curial assinalar, outrossim, que o Superior Tribunal de

Justiça tem jurisprudência consolidada sobre o assunto:

“AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUALCIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO EPRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXOPARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPCNÃO CONFIGURADA. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕESDE FAZER COM INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 3ºDA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE. DANOSMORAIS COLETIVOS. CABIMENTO.1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunalde origem decide, fundamentadamente, as questõesessenciais ao julgamento da lide.2. Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidadehermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite acumulação das condenações em obrigações de fazerou não fazer e indenização pecuniária em sede deação civil pública, a fim de possibilitar a concreta ecabal reparação do dano ambiental pretérito, jáconsumado. Microssistema de tutela coletiva.3. O dano ao meio ambiente, por ser bem público,gera repercussão geral, impondo conscientizaçãocoletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direitodas futuras gerações a um meio ambienteecologicamente equilibrado.4. O dano moral coletivo ambiental atingedireitos de personalidade do grupo massificado,sendo desnecessária a demonstração de que acoletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação,tal qual fosse um indivíduo isolado.5. Recurso especial provido, para reconhecer, emtese, a possibilidade de cumulação de indenizaçãopecuniária com as obrigações de fazer, bem como acondenação em danos morais coletivos, com adevolução dos autos ao Tribunal de origem para queverifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do

88

Page 89: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

eventual quantum debeatur.” (STJ, 2ª Turma, REsp1269494/MG, Proc. 2011/0124011-9, rel. Min. ElianaCalmon, j. 24/9/2013, v.u., DJe 1/10/2013)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃODO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃOCIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO ADANO EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORALCOLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIOPRO NATURA.1. Não há violação do art. 535 do CPC quando aprestação jurisdicional é dada na medida da pretensãodeduzida, com enfrentamento e resolução dasquestões abordadas no recurso.2. A Segunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que de formareflexa, a degradação ao meio ambiente dáensejo ao dano moral coletivo.3. Haveria contra sensu jurídico na admissão deressarcimento por lesão a dano moral individualsem que se pudesse dar à coletividade o mesmotratamento, afinal, se a honra de cada um dosindivíduos deste mesmo grupo é afetada, osdanos são passíveis de indenização.4. As normas ambientais devem atender aos finssociais a que se destinam, ou seja, necessária ainterpretação e a integração de acordo com o princípiohermenêutico in dubio pro natura.Recurso especial improvido.” (STJ, 2ª Turma, REsp1367923/RJ, Proc. 2011/0086453-6, rel. Min.Humberto Martins, j. 27/8/2013, v.u., DJe 6/9/2013)(grifos postos)

Como critérios a serem observados na estipulação do

quantum debeatur do dano ambiental material interino/intermediário e do dano

ambiental moral/extrapatrimonial, têm-se, dentre outros, as circunstâncias do

fato, a gravidade da perturbação (intensidade leve, moderada ou severa), a

dimensão da área afetada, a duração da agressão, o tempo de recuperação da

89

Page 90: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

área afetada e a condição econômica do poluidor16.

Ao se debruçar sobre o tema, o Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais (Apelação Cível 1.0400.04.012207-1/001[1], 8ª Câmara

Cível, rel. Des. Edgard Penna Amorim, v.u., publ. 27/4/2007) já se pronunciou

no sentido de que, à falta de elementos seguros de aferição do dano

extrapatrimonial difuso/coletivo, deve-se observar os critérios estabelecidos no

art. 6º da Lei nº 9.605/98, obviamente com as devidas adaptações:

“Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, aautoridade competente observará:I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos dainfração e suas consequências para a saúde pública epara o meio ambiente;II – os antecedentes do infrator quanto aocumprimento da legislação de interesse ambiental;III – a situação econômica do infrator, no caso demulta.”

Releva acrescer que a quantificação da

reparação/compensação por danos ao meio ambiente, especialmente no aspecto

moral, a símile do que acontece no contexto do dano moral individual, deve se

orientar pela necessidade de, a um só tempo, propiciar a compensação pela

perda/lesão acarretada e desestimular a reiteração de práticas dessa natureza,

hábeis a atingir negativamente o bem jurídico tutelado (caráter punitivo-

pedagógico).

“Em havendo condenação em dinheiro, deve aplicar-se, indubitavelmente, a técnica de valor dedesestímulo, a fim de que se evitem novas violaçõesaos valores coletivos, a exemplo do que se dá emtema de dano moral individual, em outras palavras, o

16 Critérios elaborados por: MARQUES, José Roque Nunes, em sua dissertação de mestrado, orientada peloProf. Dr. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, PUCSP, 1996, p. 36.

90

Page 91: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

montante da condenação deve ter dupla funçãocompensatória para a coletividade e punitiva para oofensor; para tanto, há que se obedecer, na fixaçãodo quantum debeatur, a determinados critérios derazoabilidade elencados pela doutrina (para o danomoral individual, mas perfeitamente aplicável aocoletivo), como, v.g., a gravidade da lesão, a situaçãoeconômica do agente e as circunstâncias do fato.”(BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do Dano MoralColetivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro)

2.9 PEDIDOS

Com essas considerações, o MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL requer:

A) O recebimento, a autuação e o processamento da presente ação na forma e

no rito preconizados em lei, juntamente com o Inquérito Civil nº

1.34.012.000214/2016-89, em anexo;

B) A citação do demandado para, querendo, contestar os pedidos judicializados,

sob pena de revelia e confissão, de acordo com os arts. 335, 336 e 344, todos

do Novo Código de Processo Civil;

C) A intimação da UNIÃO, para, assim o querendo, integrar a lide, na qualidade

de litisconsorte (rectius: assistente litisconsorcial17), de acordo com o disposto

no art. 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/1985, tendo em vista a ofensa a bens e

interesses de tal ente público federal;

17 “23. Assistência. Como o nosso direito processual não admite a constituição superveniente delitisconsórcio facultativo unitário, instaurada a relação processual por um dos colegitimados, os outros quequiserem participar do processo terão que ingressar na qualidade de assistentes litisconsorciais (CPC 54).(...)” (NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada eLegislação Constitucional, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2006, p. 489)

91

Page 92: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

D) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde

logo, à vista do disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85, esclarecendo que o

Ministério Público não faz jus a honorários advocatícios;

E) A intimação pessoal do autor, mediante a entrega e vista dos autos nesta

Procuradoria da República, tendo em conta o disposto no 183 do Novo Código de

Processo Civil, e no art. 18, II, h, da Lei Complementar nº 75/1993;

F) No mérito, a condenação do réu à obrigação de dar, consistente (a) no

pagamento, a título de compensação/indenização pelos danos materiais

causados ao meio ambiente natural, do valor mínimo de US$ 125.892,54

(cento e vinte e cinco mil, oitocentos e noventa e dois dólares norte-

americanos e cinquenta e quatro centavos) 18 , consoante estimativa

resultante da aplicação da fórmula elaborada pela CETESB e

complementada pela Universidade Santa Cecília, bem assim (b) no

pagamento, a título de compensação/indenização por dano moral difuso

(ambiental), de valor equivalente ao calculado para os danos materiais

ao meio ambiente, acrescidos de custas judiciais, honorários advocatícios e

demais despesas processuais de sucumbência, sujeitos à incidência dos juros de

mora e dos índices legais de correção/atualização monetária, desde a data dos

fatos, até a data do efetivo depósito no Fundo Federal de Direitos Difusos de que

trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985, regulamentado pelo Decreto nº

1.306/1994;

G) A expedição de ofício à Receita Federal do Brasil, para que encaminhe, em

prazo razoável a ser estabelecido por Vossa Excelência, cópia da última

declaração de renda (IRPF) apresentada pelo réu (sobre a qual deverá recair o

18 A conversão deste valor, considerando o valor de venda do dólar americano na data dos fatos (1,6649, conforme pesquisa efetuada no site do Banco Central) perfaz o total de R$ 209.598,48 (duzentos e nove mil, quinhentos e noventa e oito reais e quarenta e oito centavos)

92

Page 93: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

sigilo judicial, a ser decretado oportunamente), no intuito de se verificar a atual

situação patrimonial do réu, tendo em vista os pedidos deduzidos na alínea

anterior;

H) A condenação do réu aos ônus da sucumbência.

I) Protesta pela produção de todos os meios de prova admitidos em Direito, a

serem oportunamente especificados.

Informa não se opor à designação de audiência de

conciliação, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil, para

eventual celebração de acordo e consequente elaboração de Termo de

Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) em face do réu.

Atribui-se à presente causa o valor de R$ 419.196,96

(quatrocentos e dezenove mil, cento e noventa e seis reais e noventa e seis

centavos), para efeitos fiscais.

Nestes termos,

pede deferimento.

Santos (SP), 17 de fevereiro de 2017.

RONALDO RUFFO BARTOLOMAZIProcurador da República

93

Page 94: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA …mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-vazamento-de-oleo-azzurra-ii-versao-final.pdfampla defesa, operou-se a aplicação, em desfavor

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTOS/SP

Inquérito Civil nº 1.34.012.000214/2016-89

À Secretaria:

1. Em atendimento ao disposto no art. 27, § 1º, da Lei nº

9.966/2000, comunique-se ao Ministério Público do Estado de São Paulo, por

ofício, o ajuizamento da presente ação civil pública, com a remessa de cópia da

respectiva petição inicial.

2. Encaminhe-se a petição inicial da ação civil pública à

Justiça Federal local, contendo 93 (noventa e três) laudas digitadas somente no

anverso, e instruída pelo presente inquérito civil.

Santos (SP), 16 de fevereiro de 2017.

RONALDO RUFFO BARTOLOMAZIProcurador da República

94