Excertos Tese Lavinia Emocoes Em Vigotski Apoio p Dout Alba 2014

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EXCERTOS TESE LAVINIA EMOCOES EM VIGOTSKI APOIO P DOUT ALBA 2014 sentidos e significados se desenvolvem na e pela história. As emoções se transformam e se desenvolvem na e pela história. como enfatiza Vigotski, o significado de uma palavra muda ao longo da história e, nesse processo, condensa e mobiliza sentidos, afetando e transformando também o homem. As palavras utilizadas por Vigotski são marcadas pelo seu contexto histórico, pelo seu campo de interlocução. É preciso pescar a não-palavra, o que está nas entrelinhas, nos dizeres de Clarice. Ou, nos de Bakhtin, é preciso compreender historicamente o sentido em sua potencialidade infinita. A emoção não é instinto, não é puramente biológica, não é estritamente visceral, é histórica, é cultural, mas ao mesmo tempo biológica, visceral e subjetiva ............... Vigotski, portanto, não nos dá uma teoria formalizada e formalizadora das emoções. Não há, por exemplo, um livro definitivo sobre este conceito em sua obra. Mas um estudo: Teoria das emoções – um estudo histórico-psicológico. ............ São tantos e tamanhos fios, cores e bordados que às vezes nos vemos em um labirinto. E, como Teseu, precisamos de um fio que nos ajude a (re)encontrar alguma, outra saída. Mas, o labirinto aqui não é arquitetônico, no sentido comum do termo – talvez, no sentido bakhtiniano. Não é um lugar. É uma trama5, como já dissemos. Uma trama de palavras e significações, uma trama de interlocuções, uma trama conceitual apresentada bem ao modo vigotskiano. ( p.4 ) Nesse sentido, qual é o fio que cose essa trama?

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EXCERTOS TESE LAVINIA EMOCOES EM VIGOTSKI APOIO P DOUT ALBA 2014sentidos esignificados se desenvolvem na e pela histria. As emoes se transformam e se desenvolvem na e pela histria.como enfatiza Vigotski, o significado de uma palavra muda ao longo da histria e, nesse processo, condensa e mobiliza sentidos, afetando e transformandotambm o homem. As palavras utilizadas por Vigotski so marcadas pelo seu contextohistrico, pelo seu campo de interlocuo. preciso pescar a no-palavra, o que est nas entrelinhas, nos dizeres de Clarice. Ou, nos de Bakhtin, preciso compreender historicamente o sentido em sua potencialidade infinita.

A emoo no instinto, no puramente biolgica, no estritamente visceral, histrica, cultural, mas ao mesmo tempo biolgica, visceral e subjetiva...............Vigotski, portanto, no nos d uma teoria formalizada e formalizadoradas emoes. No h, por exemplo, um livro definitivo sobre este conceito em sua obra.Mas um estudo: Teoria das emoes um estudo histrico-psicolgico.............So tantos e tamanhos fios, cores e bordados que s vezes nos vemos em umlabirinto. E, como Teseu, precisamos de um fio que nos ajude a (re)encontrar alguma,outra sada. Mas, o labirinto aqui no arquitetnico, no sentido comum do termo talvez,no sentido bakhtiniano. No um lugar. uma trama5, como j dissemos. Uma trama depalavras e significaes, uma trama de interlocues, uma trama conceitual apresentada bem ao modo vigotskiano.( p.4 )

Nesse sentido, qual o fio que cose essa trama?O fil rouge que vai alinhavando os trabalhos de Vigotski a significao.Trabalhos de onde se desdobram temas e conceitos... pensamento, linguagem, memria, arte... e emoo! ento com tal fio condutor que direcionamos o nosso olhar e nosso interesse pela emoo na obra de Vigotski. Por outro lado, esse o ponto que permite, a nosso ver, ampliar o olhar e a compreenso das emoes humanas numa perspectiva histrico-cultural do desenvolvimento como Vigotski defendia.

O fio que nos conduzia aqui era um ncleo conceitual que identificamos em estudosanteriores: conscincia-linguagem-significaoA questo da afetividade e da emoo tem sido abordada por autores nas maisdiversas reas do conhecimento (Biologia, Antropologia, Psicologia, Filosofia,Neurologia). Muitos trabalhos enfocam as alteraes orgnicas que acompanham asemoes e as manifestaes expressivas, (Maturana: 1997; 2002; Damsio: 1996),enquanto outros buscam o entendimento das manifestaes emocionais a partir deelementos culturais (Geertz:1978; Lutz: 1988; Le Breton: 2009). De qualquer forma, oconceito de emoo mostra-se como algo de difcil definio, sendo utilizado, de maneiramais abrangente, para se referir a todo o conjunto dos fenmenos afetivos, ou, num sentidomais circunscrito, como reao emocional, de carter orgnico.

contribuies fundamentais de autores comoFreud (1986), Piaget (1983), Vigotski (1999, 2001, 2004), Wallon (1979, 1995), Damsio(1996, 2000) em diferentes campos do conhecimento como psicanlise, biologia,psicologia, neurologia.A contribuio dos trabalhos mencionados reside, principalmente, no fato deapontarem que afeto e cognio so compreendidos como dimenses igualmenteimportantes para o funcionamento psquico num esforo de superao do dualismo. Oafeto, os sentimentos, as emoes deixam o lugar do distrbio, da patologia, do erro paraassumir um determinado lugar de destaque, lugar esse que provoca reformulaes nosmodos de pensar, conceber e conceituar, instigando novas elaboraes.(p 10)......................(dissertao demestrado9 iniciar um estudo terico do conceito de emoo, buscando traar os9 Emoes: uma discusso sobre modos de conceber e teorizar, realizada na Faculdade de Educao daUnicamp 2004)que representam importantes reas do conhecimento como a Neurologia, aBiologia e a Psicologia: Antnio Damsio, Humberto Maturana e Fernando Gonzles ReyUnicamp, sob a orientao da prof . Dr. Ana Luiza Bustamante Smolka, defendida em outubro/2004)..................O cuidadoso estudo de Damsio, Maturana e Gonzlez Rey nos levou a umaretomada dos trabalhos de trs autores com os quais vimos dialogando: Vigotski, Wallon eBakhtin, seja por uma certa coincidncia no encaminhamento das questes, seja peladiferena fundamental na argumentao proposta.Na leitura dos seis autores vimos que as emoes so compreendidas no plano dofuncionamento orgnico, mental, como no plano das relaes sociais, das interaes entreorganismo e mundo, numa tentativa de superar diversas e arraigadas dicotomias,especialmente em relao oposio entre razo e emoo, e oposio entre interno eexterno. Fomos percebendo que as diferenas vo sendo marcadas em relao formacomo se concebe e explica conscincia, linguagem e significao e sua relao com aemoo. no sentido de avanar nesta discusso acerca da problematizao do conceito deemoo pela via da significao que se colocava a proposta de continuidade do estudosobre as emoes. P11Para tanto, nos propusemos a tomar Espinosa, Freud e Marx, autores com os quaisVigotski estabeleceu intenso dilogo sobre a temtica, como principais interlocutores dereferncia. A partir das referncias feitas por Vigotski a esses autores e dos argumentos porele desenvolvidos buscamos enfrentar algumas instigantes questes com relao emooe significao que vm sendo (re)colocadas por estudiosos de sua obra como Sawaia, Clot,Pino, na discusso atual.Assumindo uma perspectiva histrico-cultural do desenvolvimento humano,fundamentada no materialismo histrico e dialtico, compreendemos que os conceitos e osprocessos se (trans)formam ao longo da histria, e consideramos a necessidade de tomar asemoes na/pela obra do autor em seu movimento de (trans)formao que contemplavadois movimentos importantes:- a interlocuo de Vigotski com Espinosa, Freud e Marx;- uma- uma interlocuo com autores contemporneos.Tomamos como pontos de partida alguns textos de Vigotski que, por trazerem umadiscusso sobre a problemtica das emoes, serviram de disparadores para o processoinvestigativo. Destacamos inicialmente, Psicologia da Arte, Teoria e Mtodo em Psicologiae seu estudo inacabado intitulado Teoria das Emoes.Nestes trabalhos, Vigotski dialoga com Freud, Espinosa e Marx, discutindo suasideias em inmeras referncias explcitas ou no. Assim, partimos destas referncias efomos realizando vrias leituras de aproximao e explorao da obra destes autoresenquanto aprofundvamos o estudo dos prprios textos de Vigotski.

Oscilando entre um dos plos das inmeras dicotomias que se colocam, oestruturalismo, o funcionalismo, o pragmatismo, o comportamentalismo, a gestalt e apsicanlise, constituram-se como esforos na busca de se compreender, cientificamente, ohomem e sua relao com o mundo, o conhecimento. Os termos e conceitos diversos,princpios explicativos divergentes, vo se constituindo ao longo da histria nas diferentesesferas da vida humana condensando e mobilizando sentidos igualmente diversos,divergentes, mltiplos... no incio do sculo XX, no escopo destas indagaes, que acontece a produo deVigotski.Sensvel a estas oscilaes, tenses e embates, Vigotski (p. 34 tese lavinia)Para o autor,(Vigotski), no se trata apenas de apresentar o entrelaamento do corpo e damente, do afeto e do intelecto, do interno e do externo, ou de tom-los como pressuposto.Tampouco de proclamar o afeto, ou a vivncia afetiva numa perspectiva histrico-cultural.Enfrentar o problema implica em uma busca em superar os dualismos e dicotomias quecaracterizam a crise na Psicologia, buscar uma compreenso de intelecto e afeto e suasrelaes.Uma questo terico-metodolgica se configura assim, como essencial naabordagem vigotskiana e na perspectiva histrico-cultural que Vigotski prope....fundamentada no materialismo histrico e dialtico como ponto de partida (e de chegada)para tentar compreender como as emoes se tornam complexas na histria e na culturahumana, compreender como isso se torna possvel na ontognese, na histria do sujeito e dasociedade.Tratar a questo das emoes na obra de Vigotski um desafio. Seja pelaabrangncia e persistncia do tema, que atravessa toda a sua produo, seja pelainterlocuo com os autores nos mais diversos campos e tendncias, seja pelo carterinacabado de algumas obras.Preocupaes com os processos afetivo-volitivos e a conscincia perpassam toda aobra de Vigotski. O autor nos aponta, em muitos momentos, a relevncia dos aspectosvolitivos, da atividade voluntria e da conscincia como essenciais ao estudo e investigaodo funcionamento mental. Assinalando os limites de uma explicao ancorada nareflexologia Vigotski (1925/1999a) afirma que o estudo da gnese desses processoscognitivos, das funes psicolgicas superiores mostra que qualquer processo volitivo inicialmente social, coletivo, interpsicolgico (p. 113)........................Para Vigotski a organizao da inteligncia se d numa relao dinmica, deinterfuncionalidade, entre afeto e intelecto, de modo que um dos maiores limites dapsicologia tradicional, a separao entre os aspectos intelectuais e os aspectos afetivos,volitivos. Coloca-se, desse modo, a busca da superao de uma perspectiva dualista dedesenvolvimento humano em defesa de uma perspectiva que no se resume simplesmente juno de corpo e mente, matria e esprito, mas que se constitui numa abordagem dialtica(Oliveira, 1992)..............................Sua teoria psicolgica emerge do contexto de sua relao com a arte, a literatura, oteatro fato conhecido de todos principalmente aps a publicao de seus estudos na rea,nas mais diversas lnguas e dos trabalhos de alguns dos estudiosos de sua obra. A arte estno mago de suas constantes indagaes sobre o processo histrico e cultural deconstituio humana, produzindo reverberaes que o levam a perquirir temas como aimaginao, a memria e a emoo como processos intimamente ligados experinciahistrica, social emocional e significao importante ncleo conceitual de sua obra. interessante pontuar que ao mesmo tempo em que trabalha em sua tese sobre aarte e a tcnica social do sentimento em Psicologia da Arte, problematiza o conceito deconscincia e a abordagem em psicologia em A conscincia como problema da psicologiado comportamento e escreve sobre questes do ensino e do desenvolvimento infantildedicando um captulo ao desenvolvimento emocional em Psicologia Pedaggica. Nostrabalhos que se seguem as indagaes sobre as emoes so intensificadas, algunsargumentos se tornam mais explcitos, algumas questes mais pungentes articuladas aosmais diversos temas.............Vigotski faz uso de diferentes expresses ao se referir a essa problemtica, taiscomo: paixes, afetos, emoes e sentimentos. Tal fato nos leva a indagar suas razes.Assumindo a perspectiva histrico-cultural, considerando o fato de que osignificado dos conceitos muda ao longo da histria, bem como os modos de teorizar econceber propriamente ditos, tomamos a polmica como ponto de partida e enfatizamos anecessidade de compreender o movimento do pensamento dialtico de Vigotski, asquestes que formula e os embates que trava para buscar, ao mesmos, compreender asquestes (re)colocadas.Os significados que as palavras emoo, sentimento, afeto e paixo assumem aolongo do tempo, foram revisados mais recentemente por Engelmann (1978), em relao terminologia, em vrios idiomas (dentre estes, francs, portugus, ingls, alemo, italiano).Segundo Engelmann (1978), a palavra paixo, por exemplo, de origem portuguesa,deu origem aos primeiros vocbulos a serem usados em obras referentes aos fenmenos emquesto. Inicialmente, eram atribudos a esse vocbulos significados consideradosnegativos, relacionados dor, infelicidade, sofrimento. E aqui a doutrina cartesiana decisiva.Descartes..........(...citaoes de Descartes..............)18 Engelmann (1978) afirma que estes sentidos de movimento e agitao associados emoo, se mantm nalngua portuguesa tanto em Portugal como no Brasil.Ao longo do tempo, foram ocorrendo variadas transformaes semnticas quemodificaram o sentido destas palavras, agregando ao seu significado tanto os estados demedo, vergonha, clera, como tambm amor e calma. Os termos ligados aos estadossubjetivos, dimenso afetiva, sofrem no decorrer da histria, modificaes conceituais,variando de acordo com o idioma, o autor e o campo do conhecimento. A anlise deEngelmann apresentava a problemtica em diferentes campos (desde a filosofia psicologia) e visava precisar o uso e o carter destas palavras, esclarecendo aspeculiaridades e particularidades de significado de cada termo, na medida em que eram,muitas vezes, utilizados como sinnimos. Contudo, o pesquisador acaba por concluir que,apesar dos diversos autores que analisaram o tema reconhecerem a necessidade de seestabelecer distines entre os termos, no h concordncia quanto s variaes de seu usoe significado.............................Nessa perspectiva que, apesar de situar-se num referencial terico comum econstituir-se para ns um ponto de suspeio e indagao21, temos uma elaborao queaponta para a diferenciao dos termos afeto, sentimento e emoo. A emoo est ligadaaos estados corporais, que se desenvolvem e so cultivadas como sentimentos, ourepresentaes coletivas e instrumentos sociais de pensamento. Sentimento seria ento aemoo nomeada, lugar de cultivo das emoes. Finalmente, os afetos so mediados pelasemoes e consistem, em parte energia que as (trans)forma e (i)mobiliza.Percebemos que os termos emoo, sentimento e afeto e seu uso e (in)diferenciaoenvolvem questes complicadas, marcadas por uma diversidade de fontes epistemolgicasque nos coloca uma srie de desafios terico-metodolgicos, ainda presentes no debateatual.Nesse panorama, perscrutamos como isso se d na obra de Vigotski.Um dos primeiros textos em que encontramos a discusso sobre essa problemtica Psicologia da Arte. Aqui a questo abordada a partir da problematizao da reaoesttica e das intrincadas relaes entre arte e vida, com destaque para o papel controversoda catarse.Vigotski aponta, em sua anlise, que a base da reao esttica consiste em emoessuscitadas pela obra de arte. Temos um tipo de reao essencialmente emocional, marcadapor uma determinada fora ou energia que, concentrada no sistema nervoso central articulafantasia, representao, estados internos e externos de um modo ambivalente econtraditrio que culmina num curto-circuito, numa combusto: a catarse.(p 46 lavinia)Experienciar uma obra de arte, na literatura, no teatro, viver o drama da fico narealidade do corpo, sentir na prpria pele, com seus desejos, anseios, percepes,pensamentos, memrias e, com seus prprios sentidos e significados.em Psicologia Pedaggica, asemoes aparecem como organizadores internos.Voltando a Psicologia da Arte, numa abordagem monista, vamos percebendo que todo organismo que reage aos estmulos do meio, de modo que o movimento das ideias edos sentimentos apenas uma parte deste processo complexo de reao. Nesse obra,Vigotski faz uso do termo sentimento (______/tchuvstvo) e suas derivaes o termomais empregado.O termo afeto (________/affekt) e suas derivaes aparecem mais em Pensamento eLinguagem (embora tambm encontremos ____/emotsia) e nas conferncias dePsicologia Infantil. Os trabalhos Psicologia da Arte e Psicologia Pedaggica j apontam oque viria se confirmar Sobre o problema do trabalho criativo do ator (1932/1987b): asemoes/sentimentos/afetos se desenvolvem, se complexificam na histria e na cultura.

Verificamos que uma indiferenciao terminolgica parece marcar os trabalhos deVigotski, mas percebemos tambm uma tenso em Desenvolvimento psicolgico nainfncia. Nessa conferncia, proferida por Vigotski no mesmo ano em que este texto sobreo trabalho do ator foi publicado, o autor admite a importncia da distino que as emoese sentimentos assumem na obra de Claparde (em seus experimentos com lebres impossibilidade da fuga perante o medo). Essa oscilao constitui um ponto de suspeita aoqual retornaremos mais adiante26.

As funes psicolgicas superiores e o desenvolvimento das emoes

No debate contemporneo, Veresov (2009) defende a que questo das emoes, daexperincia e de seu desenvolvimento histrico-cultural o projeto inacabado de Vigotskiargumentando ao encontro do que vimos defendendo, que h dois pontos que trazemalgumas complicaes: a no diferenciao de sensao, paixo, sentimento, emoo, afeto;e o fato de ser teoria histrico-cultural uma teoria do desenvolvimento das funespsicolgicas superiores (no das funes como elas so, mas do processo dedesenvolvimento delas).Aqui, uma indagao acerca da complexidade das emoes humanas e seudesenvolvimento e compreenso como funo psicolgica superior se insinua para o autor na medida em que elas esto intimamente ligadas volio e, tambm memria e imaginao.De fato, em diversos momentos Vigotski (1932/2003; 2004b) afirma suapreocupao com o desenvolvimento das funes psicolgicas e das prprias emoes.Autores contemporneos como Van der Veer & Valsiner (2001) afirmam queVigotski teria desistido de produzir algo sobre Espinosa por ter compreendido aps esseestudo que as respostas que procurava para a questo sobre o desenvolvimento das emoesno estava em sua filosofia.Sawaia (2000) contrapondo-se a essa verso defende a contribuio de Espinosa,fundamentando a obra de Vigotski de maneira geral e, mais especificamente, sua discussosobre as emoes. A autora aponta seus argumentos com relao positividade dasemoes nos desdobramentos conceituais da categoria de sistema, destacando: relao entreintelecto e emoo; conexo; pensamento motivado; dinmica do sistema; afeco docorpo; a ao mediada e a negatividade contingencial das emoes.Um dos ltimos trabalhos de Vigotski dedicado a um estudo histrico-psicolgicoda problemtica, Teoria das Emoes, analisa o modo como a emoo tratada napsicologia de sua poca e aponta o problema de sua vinculao filosfica doutrinacartesiana.Contrapondo-se teoria organicista de James e Langue, Vigotski defendeque asemoes no podem ser separadas da conscincia, pois tal fato inviabilizaria a possibilidadede desenvolvimento das mesmas e incorreria numa espcie de absurdo biolgico queatestava a falta de funcionalidade das mesmas. Para solucionar a questo, ele volta-se paraEspinosa em busca de elementos para enriquecer e adensar solues para a neuropsicologiade sua poca. Vigotski (2004b) afirma: Os problemas de Espinosa aguardam uma soluo,sem a qual impossvel um futuro para a psicologia.( p 52 lavinia tese)

As emoes na obra de Vigotski

Como compreender o amor de Dante por Beatriz? Como compreender essa emoo,esse sentimento, essa paixo?Pensemos em Descartes. Como vimos, o filsofo define as paixes comopercepes, sensaes e movimentos da alma, provocadas mantidas e fortalecidas pelosespritos animais29 (que, so corpos materiais movidos pelas leis mecnicas, finssimaspartculas de sangue, mveis e quentes, produzidas no corao por destilao) queproduzem nos rgos sensaes e movimentos que orientam as funes vitais.Na carta que escreve princesa Isabel ou Elizabeth30, Descartes explica no s oamor, mas boa parte de nossas emoes com base na percepo das alteraes corporais.Descartes reconhece a dificuldade de sua tarefa admitindo que no fcil estudar osfenmenos orgnicos correspondentes a cada paixo e argumenta que isso se d porque, nogeral, esto mesclados. Para ele necessrio decompor os fatos, buscar resultados precisos,com ajuda da estatstica, da comparao e eliminao em sua anlise o amor associado alegria, tristeza, etc. Para o filsofo a causa das paixes simples: repousa no caso, da28 Atristeza e alegria, por exemplo, na atividade do estmago que aumentada ou diminuda, namedida em que nossas primeiras paixes tm, ento, uma origem alimentcia.Recordemos o que diz James: [...] as mudanas corporais seguem diretamente apercepo do fato excitante, e o nosso sentimento de que as alteraes que ocorrem aemoo31.James, como Descartes, explicaria amor com base somente nos versos que nosservem de epgrafe: Neste enleio, Meu sangue em cada gota convulsionado, De amor naantiga flama eu me incendeio?O que diria Vigotski?En efecto, es inadmisible que la mera percepcin de una silueta femenina provoqueautomticamente un sinfn de reacciones orgnicas de las que podra nacer unamor como el de Dante por Beatriz, sino no se presupone el conjunto de las ideasteolgicas, polticas, estticas y cientficas que conformaban la conciencia delgenial Alighieri (Vigotski, 2004b: 213- 214 grifos nossos).Para Vigotski ao separar as emoes do sistema de representaes, conceitos evalores humanos, estabelecendo sua dependncia estrita da estrutura orgnica, James chegaa uma concepo fatalista das emoes, que inclui tanto os animais como os homens, queas resume s mudanas corporais ou, melhor dizendo, viscerais Langue e Kant vo para omesmo caminho.

exatamente isso que nosso autor vai se dedicar a combater.Numa perspectiva vigotskiana, o amor por Beatriz apareceria muito mais comofruto da poesia e da prpria vida de Dante e de sua histria com Beatriz no contexto dapoca em que viviam: Beatriz era a amada de Dante na terra, aquela que o conduz aoparaso..........................

Nesse embate, puxamos os primeiros fios do pensamento de Vigotski sobre asemoes.Vigotski contrape-se aos autores que propuseram e defenderam um enfoqueretrospectivo das emoes que so compreendidas como restos, resqucios de nossa origemancestral animal, ou distrbios, enfermidades, vcios.Nesse embate, procura Nesse embate, procura romper comInmeras ideias em pauta, dentre as quais destacamos:- a proximidade ou identificao das emoes humanas com as emoes animais;- a inutilidade funcional e biolgica das emoes no psiquismo humano;- a tendncia ao desaparecimento e involuo;- a natureza estritamente biolgica e corporal ou visceral das emoes humanas.58- a proximidade ou identificao das emoes humanas com as emoes animais;- a inutilidade funcional e biolgica das emoes no psiquismo humano;- a tendncia ao desaparecimento e involuo;- a natureza estritamente biolgica e corporal ou visceral das emoes humanas.Aqui, preciso uma advertncia. Vigotski emprega os termos utilizados novocabulrio corrente dependendo do campo e dos interlocutores, mas os sentidos que ostermos assumem vo se tornando diferenciados em sua elaborao a trama conceitual transformada. Em outras palavras, a colcha de retalhos assume a forma de fuxicos. preciso, ento, com Vigotski, atentar sempre aos modos como temas, conceitos eproblemticas so constantemente recolocados, reformulados e reelaborados, frente sinmeras contribuies e interlocues que vo se estabelecendo. Este procedimento marcaa elaborao terica vigotskiana e dele desdobram-se importantes consideraesmetodolgicas; seja pela abrangncia e persistncia do tema, que atravessa toda a suaproduo, seja pela interlocuo com os autores nos mais diversos campos e tendncias.A crtica a respeito do idealismo, dualismo e naturalismo presentes na doutrina dasemoes de seu tempo apresentada por Vigotski ao longo de sua obra como um modo deenfrentar o problema da natureza das emoes e de sua funo e de sua relao com asdemais funes psicolgicas.

Nesse processo, algumas definies emergem na discusso de Vigotski(1926/2004a) sobre as emoes. Na crtica a James e Langue encontramos em um de seusprimeiros textos Psicologia pedaggica, uma preocupao com a natureza psicolgica dasemoes e a sua caracterstica ativa e sua funo ou lugar no psiquismo:Toda emoo um chamamento ao ou uma renncia a ela. (...) As emoes soesse organizador interno das nossas reaes, que retesam, excitam, estimulam ouinibem essas ou aquelas reaes. Desse modo, a emoo mantm o seu papel deorganizador interno de nosso comportamento (p. 139).Essa preocupao persiste. retomada, recolocada, reformulada, elaborada ao longoda obra acompanhada por uma mudana na terminologia empregada, como percebemosTeoria das emoes.

Mas, em Sobre os sistemas psicolgicos, que Vigotski afirma de forma maiscategrica: Por conseguinte, as emoes complexas aparecem somente historicamente eso a combinao de relaes que surgem em conseqncia da vida histrica,combinao que se d no transcurso do processo evolutivo das emoes (p.126-127 - grifos nossos).

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Como compreender esse processo complexo que emerge historicamente, de carterno s passivo, mas ativo e que organiza nosso comportamento, na obra de vigotskiana?Os primeiros fios que puxamos dizem respeito aos estudos no campo da neurologia trazemos alguns experimentos comentados por Vigotski e seus apontamentos. Emseguida nos detemos em Espinosa e na psicanlise de Freud. Finalmente, entramos tambmem dilogo com Marx...............................................................Dentre os pontos que nos ajudam nesta compreenso, podemos destacar alguns queorientam o nosso olhar. Procuramos, em meio trama de interlocues, relevar aspectosque dizem respeito natureza e funo das emoes humanas: o biolgico e o psquico, ocorporal e o mental; s emoes e demais funes psicolgicas: relaes dialticas nosistema dinmico e funcional do psiquismo humano; e questes relacionadas conscincia, linguagem e significaoAssim, considerando esses aspectos e procurando explorar os sentidos que asemoes assumem na obra do autor, pontuamos alguns ncleos de discusso que nospermitam avanar na compreenso do que Vigotski denomina emoes complexas.

Natureza e funo das emoes humanas: o biolgico e o psquico, o corporal e o mental

A questo do problema da natureza, funo e desenvolvimento das emoes,coloca-se como central para a abordagem vigotskiana. Tendo em mente o desafio lanado,tomamos como ponto de partida a questo da natureza das emoes humanas e apossibilidade de (re)pensar o seu estatuto, seu lugar, papel ou funo no psiquismo.Na perspectiva de James e Langue, a teoria das emoes s concerne ao homem, namedida em que um animal superior, um ser biolgico, de modo que consiste, como afirmaVigotski, numa zoopsicologia das emoes:

Ello aparece de manera indudable en la teora del origen animal de las pasioneshumanas, en la afirmacin del carcter comn de las principales emociones de losanimales y del hombre, y por ltimo en la presentacin fundamental de toda lateora de la naturaleza innata, refleja y animal de las emociones (p. 211).Para Vigotski, essa teoria, alvo de exame de diferentes correntes psicolgicas(psicologia

De fato, estes autores explicam as emoes a partir de fundamentos biolgicos eestritamente orgnicos, o que seria importante. E, para tanto, definem, como vimos, oseguinte caminho percorrido pela emoo: a percepo, a expresso corporal e umsentimento. Contudo, nesta perspectiva cuja base dos problemas tericos era que, a partirdo aspecto biolgico a emoo o reflexo dos estados fisiolgicos na conscincia e, quehaveria estados especficos para distintas emoes, os sentimentos nasceriam das expresses corporais desapareceriam se estas fossem reprimidas.E so os experimentos realizados pelos prprios laboratrios de fisiologia eneurologia, de Cannon, Bard, Sherrington e Maraon que contradizem a teoria James-Langue.Nos experimentos de Cannon com gatos, cachorros, mamferos sobre a relao dasemoes com mudanas no estado do organismo (rgos internos, vsceras) verifica-se queemoes distintas podem ter uma mesma expresso orgnica e nega-se a correspondnciada emoo e sua expresso corporal: esta no especfica da natureza psquica das emoes. Experimentos de extirpar o sistema nervoso simptico em uma gata, porexemplo, e compar-la a outra normal apontam como concluso sobre a expresso dasemoes o fato de as duas gatas se comportarem da mesma maneira em situaes anlogas.Refuta-se, assim, a tese sobre a subtrao mental dos sintomas das emoes; A emoopersiste, mesmo quando se retira no animal a possibilidade das reaes vegetativas.

Assim, os experimentos de Maraon confirmam a teoria James-Langue, ao mesmotempo que a contradizem na medida em que ao injetar adrenalina esta provocariamanifestaes corporais tpicas das emoes fortes, mas estas so experimentadas comosensaes e no como emoes, ou seja a emoo no sentido verdadeiramentepsicolgico no existia.

Vigotski conclui, em meio a tudo isso, que a hiptese visceral no capaz deexplicar a diversidade e a complexidade das emoes humanas por conta da falta de umaestrutura principal e da inadequao de um princpio explicativo que no capaz deencontrar nenhum nexo lgico entre a natureza psquica de uma emoo e as sensaes orgnicas que a provocam.

Em seu estudo Teoria das Emoes, Vigotski procura analisar e discutir as diversascorrentes e perspectivas sobre as emoes humanas focalizando o problema da natureza edesenvolvimento. De maneira geral, nesse estudo, argumenta Vigotski (2004b), o problemadas sensibilidades associado ao estudo dos valores considerado inacessvel psicologiaque se dedica ao estudo psicofsico e psicolgico dos processos elementares da conscinciae de seu substrato corporal. Por isso, da inconsistncia de uma psicologia explicativa dasemoes nasce uma psicologia teleolgica que descreve as sensibilidades superiores.Assim, a psicologia deveria romper com a psicologia naturalista, causal (de James, porexemplo) em busca de outros caminhos.

Alguns destes caminhos so apontados por Vigotski quando faz referncia aEspinosa e a Freud. No sentido de dar visibilidade aos seus argumentos e (re)colocar adiscusso vamos comear por explorar a questo, analisando o modo como Vigotski discutee assume a filosofia espinosana ao analisar e criticar os trabalhos sobre o tema e asperspectivas tericas de sua poca desde James e Langue a Freud.

Como Espinosa afeta Vigotski

Vigotski (2004b) atesta que Espinosa ope seu ponto de vista ao de Descartesprecisamente no seguinte ponto: a teoria de natureza psicofsica das paixes. Espinosaops uma anttese doutrina de Descartes, mas uma anttese materialista que se ope aopensamento filosfico idealista.

Segundo a anlise de Vigotski, Fischer coloca que o critrio de classificao de semelhante viso demundo de Espinosa e Descartes se acha na ideia de uma oposio do pensamento e da extenso, na ideia deum paralelismo psicofsico. Assim, a teoria psicolgica de Espinosa em sua investigao sobre a natureza dosafetos, na doutrina da servido humana, ou da fora dos afetos, do poder da razo sobre os mesmos, ou daliberdade do homem expressaria um paralelismo que aproximaria do cartesianismo. Vigotski afirma: Nosparece que, incluso en el caso del Tratado Breve, el hecho que Spinoza vaya tras los pasos de Descartescuando enumera las pasiones primarias y particulares es una cuestin de mtodo de investigacin relativo alos afectos, antes que la sustancia principal de su teora, mientras que el hecho de que Spinoza entreabiertamente en contradiccin con Descartes cuando niega la libertad de la voluntad, cuando estudia lainfluencia y el destino de las pasiones, su dinmica en la vida general de la consciencia, las relaciones de laspasiones con el conocimiento y la voluntad, y, por ltimo, cuando examina su naturaleza psicofsica, esprecisamente la cuestin de la sustancia principal de la teora de Spinoza. (p. 87) Com isso, para Vigotski,Espinosa no s no um cartesiano que desenvolve e transforma o sistema do mestre colocando emevidncia suas contradies, mas declara-se um anticartesiano isto j no incio, no Breve Tratado, deixandomais claro na tica. Dessa forma, a originalidade de Espinosa no est em seu mtodo de argumentao, masem seu contedo principal, adverte Vigotski pois no Prefcio , tica V, Do poder do entendimento ou daliberdade humana, Espinosa ope com maior clareza seu pensamento ao de Descartes que, defende a uniodo corpo e da alma por meio da glndula pineal, a opinio errnea de que os afetos dependem totalmente desua vontade que pode govern-los de maneira ilimitada.

Desse modo, segundo Vigotski, a diferena no reside apenas no fato de queEspinosa no reduz a explicao das paixes pela unio do corpo e da alma na glndulapineal por um mecanismo fisiolgico, defendendo que os afetos dependem totalmente davontade que pode govern-los de maneira ilimitada como faz Descartes. Vigotski atesta queEspinosa as emoes como um fenmeno psquico condicionado pelo nosso modo deconhecimento37.

Para Vigotski, Langue e os demais autores, quando recorrem definio de afeto,no atentam para esse fato e tampouco compreendem as outras duas definies quecomplementam a de afeto: passividade e atividade; causa adequada e inadequada.--------------------------------Na terceira definio, tratando do afeto, Espinosa afirma: Por afeto compreendo asafeces do corpo, pelas quais sua potncia de agir aumentada ou diminuda, estimuladaou refreada, assim como as ideias dessas afeces (tica III, Definio 3).

Num primeiro momento deparamo-nos nesta definio de Espinosa com umaidentificao dos afetos s afeces corporais, ou seja, s modificaes pelas quais passaum corpo38. Entretanto, conforme explicou o filsofo, embora sejam afeces do corpo(modo do atributo extenso), os afetos compreendem tambm as ideias dessas afeces (noatributo pensamento, do qual a mente um modo). Desse modo, preciso ressaltar que, aesta definio, Espinosa acrescenta um adendo: Assim, quando podemos ser a causaadequada de alguma dessas afeces, por afeto compreendo ento uma ao; nos outroscasos, uma paixo (tica III, Definio 3).

Chau (2005) traz importantes apontamentos para essa discusso em termos de ideia e afeto.No pensamento de Espinosa, o termo ideia tomado em dois sentidos principais:a ideia como um conceito que nossa mente forma (ter ideia de alguma coisa); aideia como a natureza de nossa prpria alma (ser ideia do corpo e ser ideia de simesma). Nos dois casos, porm, h um trao comum: uma ideia um ato (ato dointelecto para ter ideia; e a existncia da mente ou alma como fora para ser ideia,isto , um modo do atributo Pensamento). No sentido de ter ideia, h dois tipos deideias: as imaginativas ou inadequadas e as intelectivas ou adequadas (p. 99, grifosda autora).

Apesar de sua referncia a Espinosa e sua compreenso das emoes em umacaracterstica ativa, tal como vimos anteriormente na discusso sobre a natureza psicolgicadas emoes, Vigotski faz referncia tambm a Marx e Engels.

O desenvolvimento do intelecto para Vigotski, tal como apontam Marx e Engels, fruto da vida e histria do homem, das possibilidades novas de atividade e de trabalho.

Retornemos por um momento a Marx. Ao destacar o papel da produo da vidamaterial pelos homens, Marx coloca o trabalho, atividade especificamente humana quediferencia o homem dos animais e o faz um ser histrico, no cerne das condies de vida econscincia humana. Atividade e trabalho so concebidos em relao aos conceitos deestranhamento, alienao num primeiro momento, e aos valores sociais e a prpria sociedade. ( p94 da tese lavinia).

No modo como Marx entende o homem, est presente um importante apontamento:Todas as suas relaes humanas ao mundo viso, audio, olfato, gosto,percepo, pensamento, observao, sensao, vontade, atividade, amor em suma,todos os rgos da sua individualidade [...] so no seu comportamento objetivo ouno seu comportamento perante o objeto a apropriao do sobredito objeto, aapropriao da realidade humana. (MARX, 1993: 197). Assim, no e pelo movimento autotransformador da natureza humana, Marx queabrange modificao, no s das formas de trabalho e organizao prtica de vida, mastambm dos prprios rgos dos sentidos e das percepes, sensaes, conscincia evontade: A formao dos cinco sentidos trabalho de toda a histria passada (Marx1993: 197).Nesse sentido, numa perspectiva vigotskiana das emoes, fundamentada nomaterialismo histrico e dialtico, as emoes tambm no se desenvolveriamhistoricamente?

Acreditamos que sim. Acreditamos que importante pensarmos ento que a conduta humana, as emoes, a vontade so (trans)formadas numa perspectiva vigotskiana, nasrelaes sociais humanas, marcadas por ideologia e poder, na e pela cultura e histriahumana. Mas, para esclarecer esse ponto, vale a pena retomar o que Vigotski aponta em relao ao problema do desenvolvimento das emoes humanas Vigotski e sua crtica teoria organicista e filosofia cartesiana por considerar a fatalidade lgica intrnseca a esse modo de colocar o problema e de sua soluo.

O nexo entre o sentimento e o restante da vida consciente, psquica, subjetiva (queconfere sentido e significado ao sentimento), no levado em conta por nenhuma dascorrentes psicolgicas em pauta, pois, segundo Vigotski (1999a), h uma separao radical entre a vivncia emocional e o sentimento, entendido estritamente como sensao. Assim,ele adverte que para preservar a vida do sentimento, rechaa-se o seu sentido ou ento,para preservar sua vivncia e seu sentido, rechaa-se a vida.As colocaes de Vigotski acerca do debates sobre o problema da vinculaofilosfica da teoria organicista de James e Langue, trazem tona uma tentativa de elaborao de uma concepo integrada de afetos, sentimentos e emoes, por meio da qual seria possvel compreender melhor suas expresses, seu lugar no psiquismo humano frente ao processo de desenvolvimento histrico evidenciando a necessidade de concentraresforos nas relaes que se estabelecem entre as emoes e a conscincia.Freud, tambm contrapondo-se a James e Langue, assume uma perspectiva evolucionista e importante porque compreende a transformao e se ope ao enfoque retrospectivo. A teoria organicista acaba por configurar-se como um retrocesso em relao a Darwin, porque, segundo Vigotski (1932/2003; 2004), acopla as emoes aos rgos maisbaixos, invariveis, menos evoludos e separa as emoes da conscincia.Assumindo a contribuio de Freud, Espinosa e Marx, Vigotski ressalta anecessidade de (re)pensar a relao do afeto com o inconsciente e a conscincia, alinguagem e emerge a questo da significao.

Conscincia, linguagem e a emergncia da significaoNo livro psicologia da artetendo Freud como interlocutor, Vigotski enfatiza que preciso atentar para uma noo exata da natureza da reao esttica, problematizando o conceito de afeto e sua relao com o inconsciente60.

-----------------------------E o que um afeto, no sentido dinmico? Em todo caso, algo muito complexo. Um afeto inclui, em primeiro lugar, determinadas inervaes ou descargas motoras e, em segundo lugar, certos sentimentos; estes so de dois tipos: percepesdas aes motoras que ocorreram e sensaes diretas de prazer e desprazer que, conforme dizemos, do ao afeto seu trao predominante. No penso, todavia, que com essa enumerao tenhamos chegado essncia deum afeto. Parecemos ver em maior profundidade no caso de alguns afetos e reconhecer que o cerne que rene a combinao que descrevemos a repetio de alguma experincia significativa determinada (Freud, 1986, p 102).

Vigotski argumenta que se faz necessrio tentarinicialmente situar e caracterizar, em termos gerais, o sentimento enquanto processo nervoso, que propriedades objetivas podemos atribuir a esse processo. Para muitos autores que se detm nos mecanismos nervosos, o sentimento aparece como processo de consumo ou descarga de energia nervosa cuja expresso final se percebe como sensao.

Para Vigotski, contudo, a reao esttica se fundamenta em mecanismos complexos de percepo da integralidade da obra de arte que implicam forma e contedo. Assim sendo, tal processo no pode ser compreendido e explicado apenas pelo esquema estmulo resposta.Assim, reflexologistas e reactologistas com quem Vigotski (1925/1999a) tambm dialoga, trazem uma concepo de que o comportamento e todos os seus componentes limitam-se a uma soma de reflexos: O que a sensao? um reflexo. O que so alinguagem, os gestos, a mmica? Tambm so reflexos. E os instintos, os lapsos, as emoes? So tambm reflexos (p.61). Tal como nos estudos da arte, tudo se reduz sensao.

Nos estudos que desenvolve na interseco dos campos da arte, psicologia eeducao, Vigotski enfatiza as relaes intrincadas entre palavra e emoo. Afirma: As mesmas palavras, porm pronunciadas com sentimento, agem sobre ns de modo diferente daquelas pronunciadas sem vida (Vigotski, 2004a: 135).

Encontramos tambm em Freud uma preocupao com o problema da arte61. Freud tambm investiga o poder da palavra que afeta. Seus estudos tematizam a vinculao dapalavra com o afeto.

Por meio de palavras uma pessoa pode tornar outra jubilosamente feliz ou levlaao desespero, por palavras o professor veicula seu conhecimento aos alunos,por palavras o orador conquista seus ouvintes para si e influencia o julgamentoe as decises deles. Palavras suscitam afetos e so, de modo geral, o meio demtua influncia entre os homens. Assim, no depreciaremos o uso daspalavras na psicoterapia, e nos agradar ouvir as palavras trocadas entre oanalista e seu paciente. (Freud, 1986: 10)

Tais consideraes demonstram uma determinada proximidade no modo como os autores discutem a relao entre emoo e linguagem e o papel desta na transformao ou elaborao do afeto e das emoes apesar das diferenas, sobretudo em relao concepo de linguagem e, como j apontado, ao princpio explicativo assumido por Vigotski fundamentado no materialismo histrico e dialtico.

Vigotski e Freud apontam o papel da palavra na constituio/transformao daemoo ou do afeto. A palavra incide sobre a dinmica afetiva e a altera. Na medida em que so inconscientes as representaes dissociadas de palavras, Freud coloca a ao do recalque como uma espcie de defeito de traduo os signos associados originariamente satisfao da pulso, indicam uma recusa inscrio no sistema mnemnico que os colocariam disposio da conscincia, so recalcados e se atolam num simbolismo corporal. Esse processo de separao da ideia e do afeto levaria este ao campo doinconsciente e ao risco de um desligamento no sistema inter-funcional da conscincia.Essa discusso de fato, nos remete s elaboraes de Espinosa e aqui indagamos acerca das influncias do filsofo na obra do psicanalista. Na terceira definio, de afeto, como vimos, o filsofo afirma: Por afeto entendo as afeces do corpo, pelas quais sua potncia de agir desse corpo aumentada ou diminuda, favorecida ou entrevada, assim como as ideias dessas afeces (tica III, Definio 3).

Como j pontuamos, Espinosa identifica os afetos s afeces corporais, isto , s modificaes pelas quais passa um corpo. Porm, embora sejam afeces do corpo (modo do atributo extenso), os afetos compreendem tambm as ideias dessas afeces (no atributo pensamento, do qual a mente um modo), de maneira que a concepo de corpo est ligada de ideia e mente. Mas, Freud parece deixar de lado essas especulaes metafsicas e sua postura parece ser muito mais consistente com um monismo materialista. Mas, aqui preciso uma ressalva. Segundo Vigotski, essa unidade (corpo e mente) no deve levar identificao dos processos fsicos e psquicos numa filosofia idealista ou num materialismo mecanicista em que os processos psquicos equivalem aos processos fisiolgicos nervosos tal como apontava j nos estudos da arte. Alm disso,como vimos, Vigotski defende a relao entre as funes psicolgicas superiores e o conceito especfico de personalidade, de natureza mais complexa e integral no encara o afeto encerrado na esfera da causalidade psquica.Vigotski (1930/1999a; 1933/2004b) .

Espinosa posiciona-se contra a separao corpo e mente, razo e emoo... Freud vai constatando isso empiricamente: toda representao traz um afeto. Vigotski se volta para isso porque Freud um dos poucos pensadores que se dedicava questo.Com Espinosa, podemos pensar em aumento e diminuio da potncia no processo de afeco, mas s um afeto mais forte e contrrio pode transformar outro afeto numa tentativa de esclarecer que a profunda diferena entre os problemas psquicos e fisiolgicos107 que j se insinua na discusso sobre arte e se desenvolve em Teoria das Emoes no pode ser superada pelo pensamento metafsico.Vigotski coloca o acirrado debate acerca dos modos de compreender os processos do psiquismo humano em termos de processos fisiolgicos, processos psquicos ou de uma justaposio dos mesmos compreendidos como psicofisiolgicos. Mas a mudana na nomenclatura no resolve o problema. Sua proposta seria pensar tais processos com baseem uma psicologia dialtica. Aqui se explicita a influncia do materialismo histrico e dialtico, que marca uma importante diferena nos princpios explicativos das perspectivas tericas.------A problematizao sobre a emoo e sua relao com a conscincia a linguagem coloca-nos diante da emergncia da significao revelando uma preocupao que est no mago das elaboraes e indagaes de Vigotski em relao s funes psicolgicas especificamente humanas: o problema do desenvolvimento, da transformao dos processos elementares em complexos.

Nas crticas que Vigotski vai tecendo ao modo como os autores reduzem semoes sensao, ao modo como as compreendem desvinculadas de outras funes psicolgicas e isoladas da conscincia e da vida psquica, ao modo como relevam e explicam seu carter de contgio e, dentre outras coisas, ao problematizar o impacto daobra de arte, vamos percebendo em sua reflexo a busca por um princpio explicativo diferenciado.Assim, argumentamos que aqui, na discusso sobre as emoes, se encontram osprimeiros indcios de sua reflexo sobre a mediao semitica e o princpio de significaoafirmando: a arte como o social em ns, a arte como tcnica do sentimento que vai se adensando com as elaboraes acerca da linguagem e significao, sobretudo no dilogo com Marx.

As questes deixadas em aberto por Vigotski remetem a problemas com os quais a cincia ainda hoje se debate e dizem respeito essencialmente natureza, funo e ao desenvolvimento das emoes.

Diversos autores vm se dedicando ao tema em diferentes campos. Numaabordagem biolgica das emoes poderamos citar, por exemplo, Humberto Maturana. Numa perspectiva antropolgica das emoes poderamos destacar Lutz e Le Breton. No campo da sociologia numa abordagem histrica das emoes temos Solomom, Elias,Reddy. No campo da neurologia Edelman, Hinde, Damsio. Na psicologia poderamos ainda pontuar inmeros autores nas mais diversas abordagens.

Damsio (2005), dedicando-se ao estudo das emoes e ao problema daconscincia, em seu mais recente livro afirma que os sentimentos de dor ou prazerconstituem os alicerces da mente humana e atesta:

As frases de Espinosa, simples e sem qualquer adorno, revelam comoentreviu uma arquitetura para a regulao da vida semelhante quela queWilliam James, Claude Bernard e Sigmund Freud viriam a propor doissculos mais tarde. Mas a modernidade de Espinosa no termina a. Espinosarecusou-se a reconhecer uma finalidade nos planos da natureza e concebeucorpos e mentes como construdos a partir de componentes que se podiamcombinar em diversos padres e formar diferentes espcies. Assim, Espinosa compatvel com o pensamento evolucionrio de Charles Darwin (p. 21-22)

EssaAssim, Vigotski e Luria ressaltam que, de acordo com Freud, a histria da psiquehumana incorpora duas tendncias, a conservadora-biolgica e a progressivo-sociolgicaque compem a dialtica do organismo e so responsveis pelo distintivo espiral dodesenvolvimento do ser humano.Desse modo, Freud parece abrir caminho para uma compreenso dosafetos/sentimentos/emoes numa perspectiva de interao entre ideia e afeto, corpo emente, ainda que isso no signifique uma compreenso materialista, histrica e dialticacomo Vigotski vai defender.Vigotski (2003) discute o problema das emoes e seudesenvolvimento na infncia,analisando a concepo de inmeros autores, pontuando limites e possibilidades. Destaca acontribuio de Freud na anlise que revela a ambivalncia das emoes nas primeirasetapas do desenvolvimento em que ocorre uma diferenciao do ncleo, que encerrasentimentos contraditrios reafirmando alguns aspectos salientados na discusso sobrearte e catarse. A anlise da psicopatologia da vida cotidiana demonstra, segundo Vigotski,que o mais importante no estudo das emoes no so os componentes orgnicos que asacompanham, mas a dinmica da vida emocional.

Essareao esttica. De acordo com essa teoria, no a obra de arte quedesperta no pblico os sentimentos, assim como as teclas do piano, produzem o som, mas opblico que projeta nos objetos artsticos seus sentimentos e emoes, empatizando, sofrendo com o heri, participando de seu drama como vemos em Hamlet50. Embora essateoria trouxesse muitos defeitos, representava, segundo Vigotski, um avano em relao ideia de Christiansen de que o objeto esttico infunde no pblico suas tonalidadesemocionais........................................

para tratar da questo da relao entre emoo/sentimento efantasia/imaginao Vigotski se refere Lei da Dupla Expresso Emocional formulada porZienkovski. E, alm disso, discute a concepo de Ribotxv, na qual demonstrava-se que todaemoo faz uso da imaginao para (re)elaborar/transformar uma srie de representaes eimagens da fantasia, que por sua vez evocavam uma segunda expresso do sentimento51.Tomando por base essa dupla expresso do sentimento, por meio da imaginao, Vigotskiapresenta a Lei da Realidade dos Sentimentos52.Se pela noite em casa confundo um palet pendurado com um homem, meu erro evidente, j que minha vivncia falsa e no corresponde a nenhum contedo real.Mas o medo que experimento neste caso verdadeiro. Deste modo, todas nossasvivncias fantsticas e irreais se desenvolvem sobre uma base emocionalcompletamente real. Por conseguinte, o sentimento e a fantasia no so doisprocessos isolados um do outro, mas de fato representam o mesmo processo, etemos direito de considerar a fantasia como a expresso central da reao emocional(Vigotski, 2001b: 258).Tal

O sentimento artstico se constitui e semantm por meio da imaginao, que o refora, e isso faz com que a expresso dossentimentos e emoes suscitados tambm pelos jogos e faz-de-conta infantil (Vigotski,1997, 2003, 2001b), pelo teatro ou pela obra de arte sejam contidos, controlados erecalcados numa clara aluso ao pensamento psicanaltico. Mas, por conta de suaintensidade, sua fora contraditria e da elevada atividade do psiquismo, Vigotski(2001b) acrescenta, tambm transformados. Para ele, as emoes da arte so emoesinteligentes (p. 260) aqui percebemos o uso que faz da concepo espinosana de afetoativo, marcado pela razo.

Vigotski, na discusso sobre arte, ele demonstra que na reao estticase configura uma contradio original54 retomada em diversos momentos. No intuito deexplicar tal contradio, Vigotski apia-se no princpio de anttese dos movimentosexpressivos de Darwin (assumido por diversos autores no debate da poca) segundo o qualdeterminados atos, ao se associarem a certas sensaes ou sentimentos, causavam atosinvoluntrios em decorrncia da associao gerada com o hbito55 do efeito daquelassensaes e daqueles sentimentos.Em seus estudos da fbula, do conto e da tragdia Vigotski acreditava terdemonstrado como essa contradio afetiva suscitava sentimentos opostos e contraditrios,provocando um curto-circuito que os transformava. Era esse o marco caracterstico de todae qualquer criao artstica, como atividade criadora humana, e, por conseguinte, da reaoesttica. Nesse momento, ele aponta a especificidade do sentimento artstico, a diferenaespecfica da reao esttica. Essa reao, especificamente humana, obtida a partir dacontradio de sentimentos, o fundamento de sua elaborao sobre o conceito de catarse.

Vigotski diz:Sabemos muito pouco de fidedigno sobre o prprio processo da catarse, mas mesmo assim,conhecemos o essencial, isto , sabemos que a descarga de energia nervosa, que constitui a essncia de todo sentimento, realiza-se nesse processo em sentido oposto ao habitual, e que a arte assim se transforma em um poderosssimo meio paraatingir as descargas de energia nervosa mais teis e importantes.

base desse processo a natureza contraditria que subjaz estrutura de todaobra de arte (Vigotski, 2001b: 112; grifos nosso nossos).VigotskiEm Psicologia Pedaggica Vigotski afirma a importncia das emoes nocomportamento da criana e a necessidade de uma educao dos sentimentos, ressaltandoque A emoo no um agente menor do que o pensamento (p. 144).58Espinosa considerava as pulses (drives) e motivaes, emoes e sentimentos oconjunto que Espinosa designava como afetos um aspecto central da humanidade.A alegria e a tristeza foram dois conceitos fundamentais na sua tentativa decompreender os seres humanos e sugerir maneiras de a vida ser bem mais vivida.(Id. IBID. p.16-17).

Apesar de admitir no se saber ainda como os mapas neurais se transformam emimagens mentais, Damsio defende que a possibilidade de criar e evocar imagens essencial na mente humana tanto aquelas que denomina imagens da carne (mapas dosestados corporais) como imagens das sondas sensitivas especializadas (mapas neurais dasregies somatosentivas: SI e SII, crtex do cngulo, nsula, tronco cerebral). Isto, graastambm, ainda segundo o neurologista, a nossa imaginao criadora, o que permite aohomem simbolizar.Essa formulao fundamentada em Espinosa , para Damsio, a base dacompreenso e anlise da conscincia humana. A formao de imagens, a formao deideias de ideias que incluem uma representao do que acontece no corpo abrem caminho representao e simbolizao... Aqui reencontramos Freud?Damsio, em seus estudos e anlises, utiliza-se de dados empricos de pacientes quepossuem alguma doena ou que sofreram alguma leso cerebral. E o faz assumindo................

Em Espinosa afeco, em Freud pulso, em Damsio afeto, em Vigotski emoo...?Esse processo de desenvolvimento das emoes acompanhado do desenvolvimento danomenclatura...? Isto , desenvolver o conceito, a palavra quer dizer desenvolver a funo?As emoes como funes psicolgicas... As emoes como funes psicolgicassuperiores?

Assumindo a contribuio de Van der Veer & Valsiner, as autoras afirmam queVigotski faz distino entre as emoes primitivas, originais, de raiz instintiva (medo,raiva, etc.) e emoes superiores complexas (melancolia, despeito). Mas o que o autorcoloca em perspectiva o fato de que as emoes poderiam desenvolver-se.As autoras apontam uma perspectiva importante sobre o pensamento de Vigotski: apossibilidade de desenvolvimento das emoes.

Na concepo de Vigotski, as emoes tambm so funes mediadas, sosentimento humanos superiores, pois, at o prprio organismo reage a significadosde forma que as sinapses cerebrais so mediadas socialmente. (p. 14)