EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE...

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1 EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE: Distribuição preferencial à 15 ª ou 16 ª Vara Cível, conforme Provimento nº 39/93 do CGJ. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por seus Promotores de Justiça ao final firmados, todos com atuação na PROMOTORIA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE PORTO ALEGRE, com endereço na Av. Santana, 440, 5 º andar, Porto Alegre, RS, vem à presença de Vossa Excelência, com base no anexo Inquérito Civil nº 136/2003, e forte no que dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, combinado com os artigos 5 º da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, e 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA

COMARCA DE PORTO ALEGRE:

Distribuição preferencial à 15ª ou 16ª Vara Cível, conforme Provimento nº

39/93 do CGJ.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL, por seus Promotores de Justiça ao final firmados, todos

com atuação na PROMOTORIA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE

PORTO ALEGRE, com endereço na Av. Santana, 440, 5º andar, Porto

Alegre, RS, vem à presença de Vossa Excelência, com base no anexo

Inquérito Civil nº 136/2003, e forte no que dispõe o artigo 129, inciso III, da

Constituição Federal, combinado com os artigos 5º da Lei n. 7.347, de 24 de

julho de 1985, e 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro

de 1993, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

contra

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GENERAL ELECTRIC DO BRASIL LTDA., pessoa jurídica

de direito privado, com sede na Rua Miguel Ângelo, nº 37, Rio de Janeiro, RJ;

OSRAM DO BRASIL CIA. LÂMPADAS ELÉTRICAS

LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob nº

61064.697/0001-59, com sede na Av. dos Autonomistas, 4229, Osasco, SP;

PHILIPS DO BRASIL LTDA., pessoa jurídica de direito

privado, inscrita no CNPJ sob nº 61.086.336/0131-91, com sede na Rua

Verbo Divino, 1400, São Paulo, SP;

SYLVANIA DO BRASIL ILUMINAÇÃO LTDA, pessoa

jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob nº 81.579118/0001-95, com

sede na Rua Amoipira, nº 81, São Paulo, SP;

SADOKIN ELETRO ELETRÔNICA LTDA., com sede na Av.

da Liberdade, 47, 2º andar, São Paulo, SP;

I – OS FATOS

O Ministério Público instaurou o Inquérito Civil nº 100/2004 para

apurar a forma como vem ocorrendo a destinação final das lâmpadas

fluorescentes no Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista que a Lei

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Estadual nº 11.019/97 veda o seu descarte em lixo doméstico ou comercial,

impondo que os produtos descartados sejam separados e acondicionados em

recipientes adequados para destinação específica, ficando proibida a

disposição em depósitos públicos de resíduos sólidos e a sua incineração (art.

1º, §1º).

De acordo com o Centro Nacional de Epidemiologia, da

Fundação Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, as lâmpadas

fluorescentes, compactas ou tubulares, tratam-se de tubos selados de vidro,

preenchidos com gás argônio à baixa pressão e vapor de mercúrio, também a

baixa pressão parcial. O interior do tubo é revestido com uma poeira fosforosa

composta de vários elementos tais como: alumínio, chumbo, manganês,

antimônio, cobre, mercúrio, níquel, entre outros. O tubo usado numa lâmpada

fluorescente padrão é fabricado com vidro, similar ao que é utilizado para a

fabricação de garrafas e outros itens de consumo comum. A concentração de

mercúrio na poeira fosforosa é de 4700 mg/kg. Uma lâmpada padrão de 40

watts possui cerca de 4 a 6 gramas de poeira fosforosa (fl. 35 do IC 100/2004).

Esse órgão estimou que o volume de mercúrio que poderá ser

lançado no meio ambiente decorrente da inexistência de procedimentos

adequados de reciclagem dessas lâmpadas é da ordem de, pelo menos, 600

kg/ano. Os riscos ao ambiente e à saúde foram descrito na Informação nº

019/00/ASSAMB/MP, da lavra do Engenheiro Químico Renato João Zuchetti,

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segundo o qual o mercúrio (Hg), quando despejado nos rios, liga-se a átomos

de carbono (processo de metilação) e entra na cadeia alimentar. Do plâncton

passa aos peixes e dos peixes ao homem. A partir daí, o mercúrio exerce ações

tóxicas importantes sobre os organismos vivos. O perito refere que:

“A nível cerebral, os compostos mercuriais, à luz da microscopia

eletrônica, promovem alterações em neurônios ganglionares

(vacuolização periférica), aumento do número de mitocôndrias e

diminuição do retículo endoplasmático rugoso. Em humanos, a

exposição aguda ao HG tem dado origem a reações psicóticas.

Exposição ocupacional resulta em eretismo comirritabilidade,

excitabilidade, timidez excessiva e insônia. A exposição ao metil-

mercúrio exerce seu efeito máximo durante o período neonatal,

provocando sérias lesões neurológicas nos recém-natos, com

retardo mental. Os sinais clínicos relatados, quanto à intoxicação

crônica do tecido nervoso são: mudança comportamental, tremor

anormal e reflexos exagerados, sinais de polineuropatias e uma

síndrome semelhante à esclerose lateral amiotrófica. Ainda

relacionadas ao sistema nervoso, as ações tóxicas do Hg

mostram o aparecimento de tremores, distúrbios sensoriais,

ataxia, disartria, dificuldades auditivas e visuais. Casos de

intoxicação leve mostram sintomas inespecíficos, como fadigas,

redução de memória, cefaléia, movimentos lentos com tremor de

lábios e dedos. As intoxicações graves levam, em geral, à morte.

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O período de latência para aparecimento dos sintomas é longo,

podendo atingir de 10 a 28 anos” (fls. 216 do IC).

Ainda que se possa argumentar que o impacto sobre o meio

ambiente causado por uma única lâmpada seja insignificante, o somatório de

lâmpadas descartadas anualmente (cerca de 40 milhões no Brasil) terá efeito

sensível sobre os locais onde são dispostas.

Ademais, as lâmpadas fluorescentes apresentam uma

peculiaridade em relação aos demais resíduos que merece destaque: enquanto

intacta, a lâmpada não oferece risco de contaminação ambiental e, por esse

motivo, não é tratada como um produto perigoso pelos fabricantes, mas tão-

somente como um produto frágil, no entanto, se ocorrer a quebra do vidro –

o que é muito comum, já que o vidro é similar ao de garrafas - o mercúrio

dispersa-se, produzindo riscos muito graves para a saúde humana e para

o meio ambiente. É importante frisar que tais riscos, no caso da quebra do

vidro, não são suficientemente divulgados pelos fabricantes nas embalagens.

Nesse sentido, a empresa Sylvania, ora requerida, informou ao

Ministério Público que as lâmpadas fluorescentes são transportadas dentro de

embalagem de papelão corrugado com os alertas padrões de “produto frágil e

evitar umidades”, “o produto não é transportado como perigoso” (fl. 128

do IC). Na embalagem, consta que “no caso de quebra da lâmpada, cuidado,

pois o vidro poderá causar ferimento” e que “esta lâmpada contém mercúrio

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(Hg) no seu interior, em caso de quebra, evite a inalação dos gases e o

contato com a pele” (fl. 130). Não há qualquer menção, na embalagem, sobre

a destinação final adequada das lâmpadas como um produto perigoso.

Por seu turno, a empresa Osram esclareceu que “os produtos são

transportados via terrestre, em caminhões baús fechados. Esclarece-se, ainda,

que as lâmpadas fluorescentes não são produtos com potencial de risco, desta

forma as normas vigentes no país não as classificam como produtos perigosos

e por esta razão não são transportados em veículos identificados com carga

perigosa” e que “com relação ao descarte, estes produtos contêm uma

pequena quantidade de mercúrio, entre 8 (oito) e 15 (quinze) miligramas, por

lâmpada. E, desta forma, a quebra individual não oferece riscos aos

consumidores, mas o seu descarte deve ser realizado para empresas

especializadas” (fl. 154). A amostra de embalagem remetida por essa empresa

não contém qualquer alerta sobre os riscos das lâmpadas em caso de quebra,

bem como qualquer esclarecimento sobre o descarte e destinação final.

No que tange à empresa General Electric do Brasil, esta informou

que não trata as lâmpadas fluorescentes como produtos perigosos, mas apenas

como produtos frágeis. De suas embalagens não constam advertências sobre

as formas de destinação final (fls. 172/174). No mesmo sentido foi a

informação da empresa Philips do Brasil, ao aduzir que “o produto lâmpada

fluorescente não é considerado um produto perigoso, em que pese ter em sua

composição uma pequena quantidade de mercúrio. Não há, por outro lado,

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qualquer norma legal indicando, de forma taxativa, que a ‘lâmpada

fluorescente’ é um produto perigoso. A Philips, por seu turno, toma a cautela

de destacar na embalagem das lâmpadas fluorescentes, que se trata de

produto ‘frágil’ e como tal é transportado de forma a preservar a referida

fragilidade” (fl. 176 do IC). Não há informações adequadas quanto ao

descarte na embalagem da Philips.

Em síntese, as empresas ora requeridas não reconhecem a

periculosidade das lâmpadas fluorescentes, mesmo que contenham mercúrio,

pelo que não cumprem o disposto no art. 4º da Lei Estadual 11.019/97. No

entanto, ao ser rompida – o que certamente ocorre quando esse produto

“frágil” é disposto nos lixões e nos aterros sanitários, a lâmpada liberará

vapor de mercúrio que será aspirado por quem a manuseia – os catadores - , e

que contaminará o meio ambiente. E não estamos falando de uma lâmpada,

mas de toneladas de lâmpadas depositadas diariamente nos lixões e nos

aterros. Por isso, a lâmpada somente deverá ser descartada em instalação

adequada que garanta a reciclagem completa do mercúrio; ou, então, deve ser

enviada para Aterros de Resíduos Industriais, responsabilidade esta que a Lei

11.019/97 outorga aos fabricantes e/ou representantes comerciais.

De acordo com o Engenheiro Químico Eduardo Fleck, do

Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre – DMLU, “um

sistema convenientemente alocado para prover destinação ambientalmente e

legalmente correta de lâmpadas fluorescentes deve contemplar,

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necessariamente, (1) local licenciado pelo órgão ambiental regional para

armazenamento de resíduos perigosos, conforme NBR 12235, observando

toda a infra-estrutura necessária e critérios de instalação, bem como

responsabilidade técnica; (2) transporte do ponto de armazenamento até a

planta de tratamento, efetuado como transporte de produto perigoso,

seguindo toda orientação e critérios demandados pela legislação e

normalização técnica vigente, necessitando-se de frota especialmente

certificada pelo INMETRO para tal, licenciada pelo órgão ambiental e

responsabilidade técnica sobre tal transporte, (3) planta licenciada para

tratamento de lâmpadas fluorescentes com capacidade para tratamento da

demanda gerada no Município...” (fl. 107 do IC 100/2004)

Portanto, propõe-se a presente ação civil pública com o objetivo

de compelir os fabricantes de lâmpadas fluorescentes que atuam no Estado do

Rio Grande do Sul a cumprirem o disposto no art. 4º da Lei Estadual nº

11.019/97, de modo a: 1. Adotarem mecanismos adequados de destinação e

gestão ambiental de seus produtos descartados pelos consumidores; 2.

Inserirem nas embalagens advertências aos consumidores sobre os riscos dos

produtos, bem como a indicação de formas adequadas de destinação após o

uso.

II – O DIREITO

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1. O Direito Fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado

O art. 225, “caput”, da Constituição Federal de 1988, prevê que

“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes

e futuras gerações”.

O mesmo teor tem o art. 251 da Constituição do Estado do Rio

Grande do Sul de 1989, ao prever que “todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras

gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse

sentido”. No §1º desse dispositivo, consta que: “para assegurar a efetividade

desse direito, o Estado desenvolverá ações permanentes de proteção,

restauração e fiscalização do meio ambiente, incumbindo-lhe,

primordialmente, I – prevenir, combater e controlar a poluição e a erosão em

qualquer de suas formas” e III – fiscalizar e normatizar a produção, o

armazenamento, o transporte, o uso e o destino final dos produtos,

embalagens e substâncias potencialmente perigosas à saúde e aos recursos

naturais”.

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Trata-se de direito fundamental da pessoa humana, expressamente

reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 22164/SP,

de 30.10.95, e no RE 134.298, de 13.06.90, classificado como um direito de

terceira dimensão, ao lado do direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao

desenvolvimento, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural

e do direito de comunicação.

A nota distintiva do direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado é a sua titularidade difusa e sua característica de

ser um direito-dever erga-omnes, o que determina uma situação de

solidariedade jurídica e ética em que os sujeitos encontram-se em pólos

difusos. A respeito, salienta BORGES que “o direito ao meio ambiente está

fundado na solidariedade, pois só será efetivo com a colaboração de todos. A

demanda que se faz neste momento não é que se proteja a propriedade do

outro, ou sua liberdade, ou seu direito de assistência frente ao Estado, mas o

respeito ao outro, à pessoa e à vida em geral, que não se circunscreve ao

espaço delimitado pelos direitos civis, políticos ou sociais, mas abrange todo o

seu relacionamento com o meio ambiente e com o futuro, uma vez que o outro

não é mais apenas aquele que se conhece agora, mas também aquele que está

por vir, ou seja, são também as futuras gerações”1.

1 BORGES, Roxana Cardoso. Direito ambiental e teoria jurídica no final do século XX, in VARELLA, Marcelo Dias e BORGES, Roxana (org). O novo em direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey Ed., 1998, p. 21.

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Como norma de caráter teleológico, o art. 225 impõe uma

orientação a todo o ordenamento infraconstitucional, ficando patenteado o

reconhecimento do direito-dever ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, a obrigação dos poderes públicos e da coletividade de defendê-lo

e preservá-lo e a previsão de sanções para condutas ou atividades lesivas. A

preservação do meio ambiente passa a ser, portanto, a base em que se assenta

a política econômica e social, pois, uma vez inseridas em um sistema

constitucional, as normas relativas a outros ramos jurídicos, que se relacionam

com o amplo conceito de meio ambiente, não podem ser aplicadas sem levar

em conta as normas ambientais que impregnam a ideologia constitucional.

2. A responsabilidade dos fabricantes de lâmpadas

fluorescentes pelo recolhimento e destinação final de seus

produtos. Lei Estadual nº 11.019/97. Responsabilidade

pós-consumo. Risco integral.

Em razão da potencialidade de danos à saúde humana e ao meio

ambiente decorrentes da co-disposição de lâmpadas fluorescentes em lixões e

aterros sanitários, o Estado do Rio Grande do Sul, no exercício de sua

competência legislativa concorrente, editou a Lei 11.019, de 23 de setembro

de 1997, com as alterações impostas pela Lei Estadual nº 11.187/98, com o

seguinte teor:

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“Art. 1º - É vedado o descarte de pilhas que contenham mercúrio

metálico, lâmpadas fluorescentes, baterias de telefone celular e

demais artefatos que contenham metais pesados em lixo

doméstico ou comercial.

§ 1º - Estes produtos descartados deverão ser separados e

acondicionados em recipientes adequados para destinação

específica, ficando proibida a disposição em depósitos públicos

de resíduos sólidos e a sua incineração.

§ 2º - Os produtos descartados deverão ser mantidos intactos

como forma de evitar o vazamento de substâncias tóxicas, até a

sua desativação ou reciclagem.

§º 3º - O Estado orientará os Municípios em relação à escolha de

locais e recipientes apropriados para a coleta destes produtos.

Art. 2º - Os fabricantes dos produtos de que trata o artigo anterior,

e/ou seus representantes comerciais, deverão registrá-los no órgão

ambiental do Estado.

(...)

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Art. 4º - Os fabricantes de produtos de que trata a presente

Lei, e/ou seus respectivos representantes comerciais

estabelecidos no Estado do Rio Grande do Sul, serão

responsabilizados pela adoção de mecanismos adequados de

destinação e gestão ambiental de seus produtos descartados

pelos consumidores.

Parágrafo único – Das embalagens constarão advertências aos

consumidores sobre os riscos dos produtos, bem como a

indicação de formas adequadas de destinação após o uso.

Art. 5º - O Estado promoverá campanhas educacionais de

esclarecimentos sobre os riscos à saúde e ao meio ambiente dos

produtos de que trata a presente lei, visando à separação e

destinação adequada”.

A análise da legislação acima referida evidencia que as empresas

requeridas, na condição de fabricantes de lâmpadas fluorescentes, são

solidariamente obrigadas ao recolhimento e destinação final de seus

produtos. Trata-se da responsabilidade pós-consumo, hipótese em que os

fabricantes de produtos perigosos são objetivamente responsabilizados pela

destinação final após a “vida útil” do produto junto ao mercado consumidor.

Em outras palavras: o bem é fabricado, vendido ao consumidor final e, após

essa utilização, o fabricante recebe a responsabilidade por criar uma estrutura

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de recebimento e destinação final dos produtos em virtude de estes manterem

a sua periculosidade e, por conseguinte, causarem danos ao meio ambiente

caso venham a ser co-dispostos com resíduos domésticos em Aterros

Sanitários.

Na responsabilidade pós-consumo, 1 - ao Estado compete a

disciplina da responsabilização através da edição de leis e criação de uma

estrutura de controle e fiscalização; 2 - aos fabricantes e distribuidores

incumbe:

a) a implantação de mecanismos de conscientização pública,

através de publicidade e informações nas embalagens;

b) a coleta dos produtos e seu armazenamento temporário e;

c) a adequada destinação final dos produtos.

Por fim, aos consumidores compete a correta segregação dos

resíduos, encaminhando-os aos postos de coleta, pelo que necessitam de

educação ambiental e adequados esclarecimentos nas embalagens desses

produtos perigosos.

Como se pode perceber, essa responsabilidade deve ser

compartilhada entre o Estado, sociedade civil e indústria, tocando a cada um

determinados deveres, amparados no direito-dever fundamental de

preservação do meio ambiente insculpido no art. 225, “caput”, da Constituição

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Federal de 1988. A sua finalidade é a prevenção de danos ambientais tidos

como incontroversos caso os produtos perigosos venham a entrar em contato

com o meio ambiente, do que decorre o dever de os fabricantes darem

destinação final adequada aos produtos que colocaram no mercado.

A respeito da vertente preventiva da responsabilidade ambiental,

TESSLER, ao tratar da tutela inibitória e da tutela de remoção do ilícito,

assevera que, do art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988, decorre o

direito fundamental à inviolabilidade ambiental. Confira-se:

“No momento em que o constituinte conferiu este direito a todos

os cidadãos atribui aos seus titulares, além do direito de fruição

‘in natura’ do ambiente, o direito fundamental a sua proteção.

Portanto, o direito à prevenção é inerente ao direito ao meio

ambiente e está compreendido na garantia trazida pelo art. 225

da CF. Quando se concebe o direito fundamental à

inviolabilidade do ambiente, percebe-se que o cidadão tem o

direito material a usufruir deste direito ‘in natura’. Este direito

de poder gozar especificamente do meio ambiente hígido e

equilibrado – resumido na idéia do direito à inviolabilidade

ambiental, com status de direito fundamental e previsto no art.

225 da CF – consiste no fundamento material da tutela inibitória

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ambiental. Existe, portanto, um direito substancial à prevenção

do ilícito ambiental”2.

Conseqüentemente, sendo o dano ambiental um fato antijurídico

normalmente irreversível, que atinge o direito fundamental ao ambiente

equilibrado, compete ao Estado a sua prevenção através de diversos

mecanismos de gestão e controle de riscos, do que é exemplo a

responsabilidade pós-consumo, em que, por lei, se toma a decisão de que

aqueles que geram riscos significativos à saúde e ao meio ambiente, no

momento em que inserem no mercado produtos perigosos, como é o caso das

pilhas, baterias, pneus, agrotóxicos e lâmpadas fluorescentes, têm a

responsabilidade solidária por sua adequada gestão até a destinação final.

Nessas hipóteses, o principal custo deve ser arcado por aquele setor que mais

se beneficia dos lucros advindos da comercialização – a indústria,

desonerando-se o Poder Público de custos vultuosos de destinação final, pois

tais resíduos, por serem perigosos, não podem ser colocados diretamente nos

aterros sanitários e geram custos elevados de prévia descontaminação.

A responsabilidade pós-consumo cuida, então, de aplicar o

princípio do poluidor-pagador, o qual visa impor ao potencial poluidor a

completa internalização dos custos ambientais (externalidades negativas)

decorrentes da produção de bens e serviços que, ordinariamente, tendem a ser

2 TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente. Tutela inibitória, tutela de remoção, tutela de ressarcimento na forma específica. São Paulo: ed. RT, 2004, p. 238.

17

suportados pela sociedade. Sobre o tema, TESSLER aponta que “as

externalidades representam custos sociais que não foram computados pelo

agente econômico como custos do processo produtivo; portanto, não foram

por ele arcados. O produtor privatiza os lucros e socializa as perdas. O

agente aufere o lucro da produção, enquanto toda a sociedade sofre os efeitos

da poluição. Na medida em que estas perdas não entram como custo da

produção, o lucro torna-se maior; a atividade, mais atrativa e,

conseqüentemente, as perdas suportadas pela sociedade, ainda mais

acentuadas”3.

O princípio do poluidor-pagador encontra-se positivado na

Declaração do Rio de Janeiro de 1992, no princípio 164 e no art. 225, §3o, da

Constituição Federal de 1988, segundo o qual “As condutas e atividades

consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas

físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da

obrigação de reparar os danos causados”.

Esse princípio também foi acolhido pelos arts. 4º, VII, e 14, §1º,

da Lei 6938/81, cujo teor é o seguinte:

“Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

3 TESSLER, op. cit., p. 136. 4 Princípio 16 – As autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais”.

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(...)

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de

recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da

contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins

econômicos.

Art. 14, §1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas

neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da

existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao

meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade...”

Embora tais dispositivos denunciem apenas o aspecto repressivo

do princípio do poluidor-pagador, já que mencionam “reparação do dano”, a

doutrina vem incorporando uma vertente nitidamente preventiva ao princípio,

entendendo-se que o explorador de uma atividade de risco, passível de causar

danos ambientais, ou utilizadora de recursos naturais, deve incorporar, no seu

processo produtivo, medidas de prevenção e controle ambientais, a fim de

impedir a ocorrência da degradação5. Conforme esclarece ARRUDA, “num

primeiro momento, ele atua preventivamente, visando evitar ou, ao menos,

mitigar os danos ambientais, obrigando, por conseguinte, que o agente

econômico adote medidas no sentido de afastar os riscos da atividade. No

5 ARRUDA, op. cit., p. 30.

19

momento seguinte, entretanto, o princípio se manifesta exigindo que o

poluidor arque com todos os custos de reparação em vista do dano causado”6.

O fundamento para essa internalização dos custos de prevenção e

controle é a responsabilidade pelo risco integral, entendendo-se que a

simples existência de uma atividade que gera riscos sobre a sociedade, bem

como a simples inserção no mercado de produtos perigosos, é causa do dever

de prevenção desses riscos e reparação dos eventuais danos. Este dever é

imputado objetivamente ao explorador da atividade de risco,

independentemente de qualquer ato ilícito, bem como de conduta culposa.

Portanto, não se requer nem mesmo o dano para perfectibilização

da responsabilidade pós-consumo. A mera ameaça, eventualidade de dano,

tida como certa caso tais produtos perigosos venham a ser dispostos no meio

ambiente como resíduos comuns, já é suficiente para autorizar a

responsabilização das indústrias por providências preventivas de controle,

gestão e destinação final dos produtos.

Conforme ensina WOLD, são três os tipos potenciais de custos

que podem ser internalizados por intermédio da aplicação do princípio do

poluidor-pagador, a saber: custos de prevenção, custos de controle e de

reparação:

6 ARRUDA, Domingos Sávio de Barros. Responsabilidade ambiental no direito brasileiro: categorias – reparatória e acautelatória. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005, p. 29.

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“Os custos de prevenção associam-se às medidas de prevenção

dos impactos negativos decorrentes do desenvolvimento de

determinada atividade econômica (...) Os custos de controle

consistem nos custos associados aos sistemas de controle e

monitoramento ambiental cuja adoção é exigida como requisito

para a implantação e operação dos empreendimentos

potencialmente poluidores (...) Já os custos de reparação são

aqueles associados à adoção de medidas de recuperação ou

reabilitação ambiental. São, portanto, os custos sobre que se

discute nas ações de responsabilidade civil por danos ao meio

ambiente e sua imposição ocorre após o advento de eventos

específicos de degradação ambiental”7.

No caso de produtos perigosos, como o são as lâmpadas

fluorescentes por conterem mercúrio, reconhece-se que estes conservam a sua

periculosidade para a vida, saúde e meio ambiente mesmo após a utilização

pelo consumidor final, motivo pelo qual devem ser segregados e previamente

tratados antes de serem dispostos no meio ambiente, sob pena da ocorrência

de degradação ambiental. É que as lâmpadas fluorescentes, por serem frágeis,

acabam se quebrando nos lixões e aterros, pelo que o mercúrio se propaga no

7 WOLD, Chris. A emergência de um conjunto de princípios destinados à proteção internacional do meio ambiente. In SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 24.

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meio ambiente. O efeito cumulativo do mercúrio produz danos ambientais,

além de riscos imensos para a vida humana.

E o paradoxo aqui é o seguinte: o fabricante reconhece a

fragilidade das lâmpadas até o momento do consumo. Depois, ele deixa de

se preocupar com tais produtos e as lâmpadas acabam, então, sendo co-

dispostas com o lixo comum, não mais consideradas como frágeis, embora o

mercúrio continue dentro do recipiente de vidro, o qual se pode quebrar como

qualquer garrafa comum. E isso fatalmente ocorre, já que os catadores e

mesmo os funcionários dos departamentos de limpeza urbana não têm

preocupação em não quebrar as lâmpadas. Nem sabem que elas estão ali. Até

porque, nos Municípios onde não há coleta seletiva, os resíduos são todos

misturados.

Daí que, até chegarem ao consumidor, as lâmpadas são

transportadas como produtos frágeis em papelão corrugado. Depois, quando já

utilizadas, não mais se adota qualquer providência preventiva para impedir a

dispersão do mercúrio. O consumidor nem é informado adequadamente sobre

isso, violando-se, inclusive o Código de Defesa do Consumidor, cujo art. 6º,

III, assegura como direito básico do consumidor “a informação adequada e

clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de

quantidade, características, composição, qualidade, preço e garantia, bem

como sobre os riscos que apresentem”.

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Por sua vez, a solidariedade entre os fabricantes de lâmpadas

fluorescentes decorre do art. 3º, inc. IV, da Lei 6938/81, combinado com os

artigos 259 e 942, ambos do Código Civil.

Consequentemente, em observância aos arts. 225, “caput” e §3º,

da Constituição Federal de 1988, arts. 3º, IV, 4º, VII e 14, §1º, todos da Lei

Federal nº 6938/81, e ao art. 4º da Lei Estadual nº 11.019/97, os fabricantes de

lâmpadas fluorescentes, ora requeridos na presente ação civil pública, devem

ser responsabilizados solidária e objetivamente pelos custos com a prevenção

dos danos ambientais decorrentes da disposição inadequada de tais produtos, o

que significa o dever de implantar um sistema de logística inversa, tendente ao

armazenamento e destinação final das lâmpadas, bem como de

esclarecimentos nas embalagens, na forma da Lei Estadual acima invocada.

A omissão das empresas quanto ao cumprimento do art. 4º da Lei

11.019/97, no alegado aguardo de uma regulamentação federal para a matéria,

não se justifica, pois o Estado do Rio Grande do Sul, com amparo no art. 24,

incisos VI e VIII, da Constituição Federal, tem competência concorrente para

legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa

do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da

poluição” (inc. VI) e sobre “responsabilidade por dano ao meio ambiente...”

(inc. VIII), podendo legislar supletivamente na hipótese de ausência de

normas gerais, como prevê o art. 24, §3o, da Constiuição Federal.

23

Daí que o Estado tem competência legislativa plena para tratar da

responsabilidade pela destinação final das lâmpadas fluorescentes, devendo as

empresas requeridas atenderem à legislação estadual, mesmo que não haja

normativa federal genérica sobre o assunto.

A respeito da responsabilidade pós-consumo, convém colacionar

importante precedente do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, em que este,

analisando a responsabilidade pela destinação de vasilhames plásticos do tipo

“pet” (polietileno tereftalato), aplicou o princípio do poluidor-pagador de

modo a consagrar a responsabilidade pós-consumo, ao manifestar que o custo

da destinação final desses resíduos deveria ser privado, não sendo “justo que

a responsabilidade pelo crescimento exponencial do volume de lixo resultante

seja transferida apenas para o governo ou a população”. Confira-se a

ementa:

“Ação civil pública. Dano ambiental. Lixo resultante de

embalagens plásticas tipo “Pet”. Empresa engarrafadora de

refrigerantes. Responsabilidade objetiva pela poluição do meio

ambiente. Acolhimento do pedido. Obrigações de fazer.

Condenação da requerida sob pena de multa. Inteligência do art.

225 da CF/88. Lei 7347/85, arts. 1º e 4º, da Lei Estadual n.

12.943/99 e 14, §1º, da Lei 6938/81. Sentença parcialmente

reformada. Apelo provido em parte.

24

1. Se os avanços tecnológicos induzem o crescente emprego

de vasilhames de matéria plástica tipo “Pet” (polietileno

tereftalato), propiciando que os fabricantes que delas se utilizam

aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a

responsabilidade pelo crescimento exponencial do volume do lixo

resultante seja transferida apenas para o Governo ou a população.

2. A chamada responsabilidade pós-consumo no caso de

produtos de alto poder poluente, como as embalagens plásticas,

envolve o fabricante de refrigerantes que delas se utiliza, em ação

civil pública, pelos danos ambientais decorrentes. Esta

responsabilidade é objetiva, nos termos da Lei 7347/85, arts. 1º e

4º da Lei Estadual 12.943/99 e arts. 3º e 14, §1º, da Lei 6938/81, e

implica na sua condenação nas obrigações de fazer, a saber:

adoção de providências em relação à destinação final e

ambientalmente adequada das embalagens plásticas de seus

produtos, e destinação de parte dos seus gastos com publicidade

em educação ambiental, sob pena de multa. (TJPR, AC

18652100, 8ª CC, Rel. Des. Ivan Bortoletto, j. em 05.08.2002)”.

III - A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

O art. 5º, XXXV, da CF/88, ao enunciar que “a lei não excluirá

da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”, serve como

fundamento para todas as tutelas preventivas. Trata-se do fundamento maior

25

da tutela inibitória, que permite ao autor postular a tutela do direito em juízo

mesmo antes de sua violação8.

O art. 273 do Código de Processo Civil estabelece que “o juiz

poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos

da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca,

se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano

irreparável ou de difícil reparação”.

Por sua vez, o art. 461, do mesmo diploma, institui que “na ação

que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz

concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao

do adimplemento”. No seu §3º, refere que “sendo relevante o fundamento da

demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é

lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia,

citado o réu (...).

Por fim, seu §5º, afirma que “para a efetivação da tutela

específica ou para obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz,

de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a

imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de

8 TESSLER, op. cit., p. 239.

26

pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva,

além de requisição de força policial”

O mesmo teor tem o art. 84, §§3º e 5º, do Código de Defesa do

Consumidor.

Destes dispositivos, conforme leciona TESSLER, infere-se que o

cidadão tem o direito de ver cumprida exatamente a obrigação trazida por lei.

Por isso, diante do descumprimento de uma obrigação de fazer, ou de uma

obrigação de não fazer (dever de abstenção), surge ao jurisdicionado o direito

subjetivo de postular em juízo a tutela inibitória positiva ou negativa,

conforme se pretenda a ordem para fazer ou para uma abstenção. Esta ordem,

destinada a inibir a violação à obrigação, tem por último escopo garantir o

direito ao uso do bem in natura9.

Sobre a tutela inibitória, a autora destaca que “se ainda não

ocorreu qualquer violação à norma, mas existe uma probabilidade da

concretização de um ilícito, cabível a inibitória para evitar a prática do ilícito.

Neste caso, em que a inibitória é antecedente a qualquer ilícito, a tutela

assume caráter genuinamente preventivo. Quando a ação ilícita já ocorreu, é

necessário verificar se a eficácia do ilícito perdura no tempo ou não. Se ela

perdura, o caso será de remoção. Em caso contrário, caberá verificar se houve

dano, pois então caberá tutela ressarcitória. Porém, há casos em que, embora

9 Idem, p. 239.

27

não exista a eficácia continuada decorrente de ação ilícita, há ação continuada

ilícita. Ou seja, no primeiro caso há uma ação cuja eficácia perdura no tempo,

enquanto no segundo, a medida (tempo) da ilicitude depende da continuidade

da ação. Nesta última hipótese, como a ilicitude deriva de uma ação que ainda

está em marcha, o necessário é impedir a sua continuação, motivo pelo qual se

deve pensar em tutela inibitória – e não em remoção do ilícito”10.

No caso dos autos, apesar da vigência da Lei Estadual 11.019/97,

as indústrias de lâmpadas fluorescentes que atuam no Estado do Rio Grande

do Sul continuam se omitindo quanto à implantação de mecanismos para sua

coleta, gestão e destinação final, pelo que estão perpetrando um ilícito de

caráter continuado, pelo que cabível a tutela inibitória a fim de, em caráter de

antecipação de tutela, impor às requeridas obrigação de fazer no sentido de

implantarem um sistema de logística inversa, tendente a promover a coleta,

armazenamento e destinação final em local previamente licenciado pelo órgão

ambiental competente, das lâmpadas fluorescentes por elas produzidas e

consumidas no Estado.

A respeito do adiantamento da tutela prevista na legislação acima,

NERY JR. aduz que “para o adiantamento da tutela de mérito, na ação

condenatória em obrigação de fazer ou não fazer, a lei exige menos do que

para a mesma providência na ação de conhecimento tout court (CPC 273). É

suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da

10 Idem, p. 240.

28

demanda, para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou

não fazer, ao passo que o CPC 273 exige, para as demais antecipações de

mérito (a) prova inequívoca; (b) o convencimento do juiz acerca da

versossimilhança da alegação; c) ou o periculum in mora (CPC 273 I) ou o

abuso do direito de defesa do réu (CPC 273 II)”11.

Na hipótese sub judice, as lâmpadas fluorescentes, por conterem

mercúrio e outros metais pesados, são produtos perigosos, tendo sido feita,

inclusive, uma opção legislativa, pelo Estado do Rio Grande do Sul, no

sentido de reconhecê-las como produtos perigosos. A matéria é jurídica,

sendo, inclusive desnecessária qualquer outra prova no sentido da

periculosidade das lâmpadas para a vida e para o meio ambiente. Apenas a

título de argumentação, acaso venha a ser determinada a produção de prova no

sentido da periculosidade de tais produtos, deve-se destacar que o ônus desta

prova é das requeridas, como já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul no julgamento do Agravo de Instrumento nº 70011872579, 3ª

Câmara Cível, julgado em 25.08.2005.

Por outro lado, o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, como já exposto, assegura o direito de

inviolabilidade ambiental, que está sendo lesado de forma continuada na

11 NERY JR., Nelson. “Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante em vigor”, 6ª ed., SP: RT, 2002, p. 763.

29

medida em que as indústrias, por omissão, concorrem para que essas lâmpadas

sejam co-dispostas em aterros e lixões sem prévio tratamento.

O Relatório elaborado pela FUNASA, acima mencionado,

evidencia que, no país, o volume de mercúrio que poderá ser lançado no meio

ambiente decorrente da inexistência de procedimentos adequados de

reciclagem dessas lâmpadas é da ordem de, pelo menos, 600 kg/ano. Esse

dano ambiental é irreversível, pois não há meios de promover a

descontaminação do solo, da flora e dos mananciais, já que o mercúrio insere-

se na cadeia alimentar, com efeitos cumulativos que se projetam sobre a vida

humana.

Daí a configuração do periculum in mora, pois não há motivos

para aguardar que as principais beneficiárias dos lucros advindos da

comercialização de lâmpadas fluorescentes adotem providências de controle e

prevenção de danos ambientais, com isso desonerando-se o Poder Público de

custos vultuosos de descontaminação, que, em última análise, acabam sendo

absorvidos pela coletividade.

Na ação civil pública versando também sobre responsabilidade

pós-consumo que tramita perante a Justiça Federal de Santa Cruz, sob nº

2003.71.11.004601-2, ajuizada contra o IBAMA e contra a União Federal,

para que estes “notifiquem as empresas fabricantes das pilhas para que

comprovem a implantação de um sistema de logística inversa destinado a

30

recolher as pilhas exauridas e conferir-lhes destinação adequada, na forma

da Resolução nº 257/99, desconsiderando, apenas, o art. 13, que permite a

disposição em aterros sanitários comuns”, a Juíza Federal, Dra. Cristina de

Albuquerque Vieira, quando de sua fundamentação para concessão da

antecipação de tutela, pontuou o seguinte:

“Assim passo a analisar o requisito do perigo da demora. Na

espécie, em se tratando de risco potencial de dano ao meio

ambiente, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação é evidente, pois nesta hipótese o ‘status quo ante’,

quando viável, é extremamente lento, e pode obrigar várias

gerações a suportá-lo, devendo, assim, ser evitado sempre com a

maior brevidade possível.

Sobre a questão, cumpre destacar o ensinamento do ilustre

doutrinador Vladimir Passos de Freitas, conforme segue:

‘Na verdade, a reparação busca colocar o bem ambiental

ofendido no seu estado anterior, o que nem sempre é fácil ou

mesmo possível. Ou, em certos casos, depende da passagem de

muitos anos, pois o bem ofendido necessita de tempo para

recuperar-se. O exemplo mais exacerbado disso é o depósito de

lixo nuclear’.

31

Assim, buscando evitar o risco de privação a recursos essenciais

e de comprometer alguns dos mecanismos fundamentais da

biosfera dos quais depende a conservação da vida sobre a terra,

entendo que o fundado receio de dano irreparável ou de difícil

encontra-se suficientemente comprovado”.

Portanto, estão presentes os pressupostos autorizadores da

antecipação de tutela, inibindo-se a continuidade do ilícito que, por omissão,

vem sendo produzido pelas indústrias ora requeridas.

IV - OS PEDIDOS.

Diante do exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:

A concessão de antecipação de tutela, determinando

liminarmente a citação das requeridas para que

a) implantem, no prazo de noventa dias, sistema de logística

inversa, tendente a promover a coleta, armazenamento e

destinação final em local previamente licenciado pelo órgão

ambiental competente, das lâmpadas fluorescentes

inutilizadas, produzidas pelas requeridas e consumidas no

32

Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de multa diária no

valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada ré, a ser

revertida para o Fundo Estadual de Meio Ambiente;

b) no mesmo prazo, insiram nas respectivas embalagens de

lâmpadas fluorescentes advertências aos consumidores sobre a

periculosidade e os riscos dos produtos para o meio ambiente,

bem como a indicação de formas adequadas de destinação

final após o uso, sob pena de multa diária no valor de R$

100.000,00 (cem mil reais), para cada ré, a ser revertida para o

Fundo Estadual de Meio Ambiente;

c) após a implantação da logística acima, pelo período de

noventa dias, promovam ampla divulgação nos meios de

comunicação, no Estado do Rio Grande do Sul, a respeito dos

locais de recolhimento das lâmpadas fluorescentes

inutilizadas, produzidas pelas requeridas e consumidas no

Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de multa diária no

valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser revertida para o

Fundo Estadual de Meio Ambiente;

Requer-se, ainda:

d) a citação das empresas requeridas, para, querendo,

contestarem a presente ação, sob pena de revelia;

33

e) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos,

bem assim a inquirição de testemunhas oportunamente

arroladas e a realização de perícias eventualmente necessárias.

f) a inversão do ônus e dos custos da prova, com fulcro no art.

6º, VIII, combinado com o art. 90, ambos do Código de Defesa

do Consumidor.

g) a procedência da ação, com a ratificação da antecipação de

tutela acaso concedida, para o fim de impor às empresas rés,

solidariamente, o cumprimento de obrigações de fazer,

consistentes:

1. na implantação de sistema de logística inversa, tendente a

promover a coleta, armazenamento e destinação final em

local previamente licenciado pelo órgão ambiental

competente, das lâmpadas fluorescentes inutilizadas,

produzidas pelas requeridas e consumidas no Estado do Rio

Grande do Sul; e

2. na inserção, nas embalagens das lâmpadas fluorescentes, de

advertências aos consumidores sobre os riscos dos produtos,

bem como a indicação de formas adequadas de destinação

após o uso. Caso indeferida a antecipação de tutela, sejam as

empresas compelidas ao cumprimento das obrigações de fazer

no prazo de um ano a contar da prolação da decisão judicial,

sob pena de pagamento de multa diária no valor de

R$100.000,00 (cem mil reais), para cada ré, a ser revertida

34

para o Fundo Estadual de Meio Ambiente, para a hipótese de

inadimplemento de cada uma das obrigações;

Dá-se à causa valor de alçada.

Termos em que pede e espera deferimento.

Porto Alegre, 14 de julho de 2006.

Annelise Monteiro Steigleder Ana Maria Moreira Marchesan

Promotora de Justiça Promotora de Justiça

Sandra Santos Segura Gustavo de Azevedo e Souza Munhoz

Promotora de Justiça Promotor de Justiça