“Expansão da Educação Superior a Distância em Moçambique”: Relato de um Programa a Caminhar

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ESUD 2012 – IX Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância Recife/PE, 19 – 21 de agosto de 2012 - UNIREDE 1 “EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA EM MOÇAMBIQUE”: RELATO DE UM PROGRAMA A CAMINHAR Oreste Preti 1 Resumo Relatamos a caminhada inicial de um Programa de Cooperação Internacional na oferta de cursos de graduação a distância em Moçambique por quatro universidades federais do Brasil e duas moçambicanas com o objetivo de formar professores em serviço e gestores públicos. Criado em outubro de 2010, por meio de Portaria do Ministro da Educação, o Programa é fruto de parceria entre as universidades envolvidas, o Ministério da Educação e o Ministério das Relações Exteriores, com previsão de atender sete mil servidores públicos, num período de sete anos. Em fevereiro de 2011, foram matriculados os primeiros 700 estudantes, atendidos em três Polos. Durante o primeiro ano fomos coletando relatos orais e escritos dos coordenadores moçambicanos dos quatro cursos em andamento, além de depoimentos de estudantes e de nossa vivência, como coordenador residente do Programa em Moçambique. Assim, neste texto, descrevemos e analisamos a trajetória inicial do programa, as promessas feitas por ambos os governos, as expectativas geradas junto às instituições e aos estudantes, as primeiras dificuldades e as estratégias desencadeadas para dar continuidade ao programa mesmo com mudanças políticas no Brasil, na Presidência do País e no Ministério da Educação. A partir desta retrospectiva, apontamos alguns aspectos que, no âmbito da governança, da gestão e da implementação, não foram devidamente considerados na construção do Programa. Em seguida, apontamos caminhos que podem dar sustentabilidade, credibilidade e governança ao Programa. Palavras-chave Gestão, Programa de Educação a Distância, Cooperação Internacional Abstract – We report the initial walk of a Program for International Cooperation in the provision of undergraduate distance in Mozambique by four federal universities in Brazil and two in Mozambique in order to train teachers in service and public managers. Created in October 2010, by Ordinance of the Minister of Education, the program is the result of partnership between the universities involved, the Ministry of Education and Ministry of Foreign Affairs, scheduled to meet seven thousand public servants over a period of seven years. In February 2011, were enrolled the first 700 students attended in three Poles. During the first year we were collecting oral histories and writings of the Mozambican coordinators of the four courses in progress, plus testimonials from students and our experience as Resident Coordinator of the Program in Mozambique. Thus, this paper, we describe and 1 Professor da Universidade Federal de Mato Grosso (1976-1996), coordenador do curso de Pedagogia a Distância da UFMT (1994-2006); Coordenador Adjunto da UAB/UFMT (2007-2011); coordenador residente do Programa de Apoio à Expansão da Educação Superior a Distância na República de Moçambique (2011- 2012).

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ESUD 2012 – IX Congresso Brasileiro de Ensino Superior a DistânciaRecife/PE, 19 – 21 de agosto de 2012 - UNIREDE

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“EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA EMMOÇAMBIQUE”: RELATO DE UM PROGRAMA A

CAMINHAROreste Preti1

Resumo – Relatamos a caminhada inicial de um Programa de CooperaçãoInternacional na oferta de cursos de graduação a distância em Moçambique porquatro universidades federais do Brasil e duas moçambicanas com o objetivo deformar professores em serviço e gestores públicos. Criado em outubro de 2010, pormeio de Portaria do Ministro da Educação, o Programa é fruto de parceria entre asuniversidades envolvidas, o Ministério da Educação e o Ministério das RelaçõesExteriores, com previsão de atender sete mil servidores públicos, num período desete anos. Em fevereiro de 2011, foram matriculados os primeiros 700 estudantes,atendidos em três Polos. Durante o primeiro ano fomos coletando relatos orais eescritos dos coordenadores moçambicanos dos quatro cursos em andamento, alémde depoimentos de estudantes e de nossa vivência, como coordenador residente doPrograma em Moçambique. Assim, neste texto, descrevemos e analisamos atrajetória inicial do programa, as promessas feitas por ambos os governos, asexpectativas geradas junto às instituições e aos estudantes, as primeiras dificuldadese as estratégias desencadeadas para dar continuidade ao programa mesmo commudanças políticas no Brasil, na Presidência do País e no Ministério da Educação. Apartir desta retrospectiva, apontamos alguns aspectos que, no âmbito da governança,da gestão e da implementação, não foram devidamente considerados na construçãodo Programa. Em seguida, apontamos caminhos que podem dar sustentabilidade,credibilidade e governança ao Programa.

Palavras-chave – Gestão, Programa de Educação a Distância, CooperaçãoInternacional

Abstract – We report the initial walk of a Program for International Cooperation inthe provision of undergraduate distance in Mozambique by four federal universitiesin Brazil and two in Mozambique in order to train teachers in service and publicmanagers. Created in October 2010, by Ordinance of the Minister of Education, theprogram is the result of partnership between the universities involved, the Ministryof Education and Ministry of Foreign Affairs, scheduled to meet seven thousandpublic servants over a period of seven years. In February 2011, were enrolled thefirst 700 students attended in three Poles. During the first year we were collectingoral histories and writings of the Mozambican coordinators of the four courses inprogress, plus testimonials from students and our experience as ResidentCoordinator of the Program in Mozambique. Thus, this paper, we describe and

1 Professor da Universidade Federal de Mato Grosso (1976-1996), coordenador do curso de Pedagogia aDistância da UFMT (1994-2006); Coordenador Adjunto da UAB/UFMT (2007-2011); coordenador residentedo Programa de Apoio à Expansão da Educação Superior a Distância na República de Moçambique (2011-2012).

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analyze the trajectory of the initial program, the promises made by bothgovernments, the expectations from the institutions and students, the first difficultiesand the strategies undertaken to continue the program despite political changes inBrazil in the Presidency of the country and the Ministry of Education. From thisretrospective, we point out some aspects that, under the governance, managementand implementation, were not properly considered in the construction of theProgram. Then point out ways that can provide sustainability, credibility andGovernance Program.

Keywords - Management, Distance Education Program, International Cooperation

1 UAB a caminho de Moçambique

Com a Portaria Normativa de nº 22, de 26 de outubro de 2010, o Ministério da Educação doBrasil (MEC) instituiu o Programa de Apoio à Expansão da Educação Superior a Distância naRepública de Moçambique com o objetivo de qualificar, por meio da modalidade a distância,gestores públicos e professores do Ensino Secundário e Básico do sistema público.

Implementado em sistema de cooperação, participam deste Programa duasuniversidades moçambicanas (Universidade Pedagógica /UP e a Universidade EduardoMondlane/UEM) e quatro universidades públicas brasileiras (Universidade Federal de Goiás,Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,Universidade Federal de Juiz de Fora), para a oferta dos cursos de: Administração Pública(UEM/UFJF), Biologia (UP/UFG), Ensino Básico (UP/UNRIO), Matemática (UP/UFF), noâmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB).

Na fase inicial do Programa foram abertas 90 vagas para o curso de AdministraçãoPública e 180 vagas para cada um dos três cursos de licenciatura e, para atendimento dosestudantes, estruturados três Polos de Apoio Presencial (nas cidades de Maputo – região sul,de Beira – região central, e de Lichinga – ao norte).

O Programa prevê, até final de 2014, a instalação de 10 Polos (um em cada região doPaís), com mais de 7 mil estudantes matriculados (5,5 mil professores do Ensino Secundário eBásico e 1,5 mil funcionários da administração pública).

O projeto pedagógico de cada curso - elaborado durante encontros de trabalho emMoçambique e no Brasil (em 2010) – já é indício de produtiva parceria entre as instituiçõesdos dois países no processo de desenvolvimento dos cursos e de produção de materialdidático.

O Programa apresenta algo inédito: os estudantes moçambicanos receberão dupladiplomação. São estudantes matriculados em uma universidade moçambicana e, ao mesmotempo, em uma das quatro universidades federais mencionadas anteriormente.

Além do material didático impresso e/ou digitalizado e do atendimento no Polo por“tutores presenciais”, o estudante tem acesso à plataforma de ensino do curso para seratendido por professores (moçambicanos e/ou brasileiros) e “tutores a distância”.No dia 9 de novembro de 2010, no Centro Provincial de EaD (CPED – Polo de Maputo), oentão presidente Luis Inácio da Silva proferiu Palestra de Aula Inaugural, com a presença deautoridades moçambicanas e brasileiras. Os estudantes de Maputo puderam assistir

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presencialmente e os de Beira e de Lichinga acompanharam o evento por meio devideoconferência.

Na mesma ocasião foi assinado o Ajuste Complementar e o Projeto de CooperaçãoTécnica entre o Governo Brasileiro e o Governo Moçambicano, com a participação daAgência Brasileira de Cooperação, Ministério das Relações Exteriores, da Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - entidade coordenadora do projetoda UAB em Moçambique -, e dos reitores das universidades envolvidas. O ano letivo iniciouem 28 de fevereiro de 2011, com 693 estudantes matriculados nos quatro cursos.

No segundo semestre de 2010 e início de 2011, foram realizados encontros deformação de autores, docente e tutores e, em diversas ocasiões, o Programa foi apresentado ediscutido com as instituições moçambicanas envolvidas.

No início de cada semestre, é realizado Encontro de Formação em EaD – em Maputo –e Encontro de Estudantes nos Polos. Nestes encontros, a participação de todos os envolvidostem permitido fazer alguns ajustes aos constrangimentos que foram aparecendo ao longo dacaminhada e traçar o caminho a ser percorrido ao longo do semestre.

1 No início ... compromissos, promessas, expectativas

Havia vontade política por parte do governo brasileiro em estabelecer laços mais fortes compaíses africanos de Língua Portuguesa, oferecendo diferentes tipos de serviços e apoiofinanceiro, sobretudo no campo da educação. Pois, segundo o então presidente Luiz InácioLula da Silva:

“Quando nós decidimos priorizar a nossa relação com o continente africanoe, dentro dele, os países de língua portuguesa, tem algumas razões. Primeira,é a dívida histórica com a formação do povo brasileiro, que tem muito a vercom o povo africano [...] Nenhum tema é tão capaz de unir e transformar umpaís quanto a educação” (Aula Magna dos cursos do Programa UAB emMoçambique, Maputo, 9.11.11).

No campo da educação, a oferta do curso de nível médio a distância o Programa deFormação de Professores em Exercício (ProFormação, criado em 1999) - em São Tomé ePríncipe, Timor Leste (2005), Guiné-Bissau (2007).

Em 20 de julho de 2010, o Presidente da República sancionou a lei nº 12.289instituindo a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)como Universidade Pública Federal.

Nesse mesmo ano, solicitou a expansão da Universidade Aberta do Brasil (UAB) paraos países de Língua Portuguesa, na África, iniciando por Moçambique, onde o Brasil tempresença mais significativa com projetos nas áreas da saúde, da agricultura, da exploraçãomineral2. O que ocorreu com a promulgação da Portaria Normativa do MEC n. 22 (16.10.10).

Não seria a primeira experiência de oferta de curso de nível superior no exterior3, mas

2 Os projetos estatais: Vale Moçambique (extração de carvao na região de Tete); ProAlimento (em parceria como Japão, para agricultura familiar); ProSavana (desenvolvimento da agricultura – agronegócio - na região centraldo país); a fábrica de medicamentos antirretrovirais; a criação da Rede de Banco de Leite Humano; –Alimentação escolar, etc.3 A primeira experiência está ocorrendo no Japão. A Universidade Federal de Mato Grosso – pioneira na oferta

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nascia com perspectivas de expansão para outros países da África.Por parte do governo moçambicano havia interesse na formação dos profissionais da

educação e dos funcionários públicos para melhorar a qualidade do ensino público4 e doserviço público. Cerca de 50% dos professores do Ensino Secundário não tem formaçãosuperior ou na área em que lecionam (MINED, 2010) e as Instituições de Ensino Superiorestão concentradas em Maputo e em algumas capitais das Províncias, o que dificulta o acessopor parte dos professores e es que trabalham em localidades mais interioranas.

Assim, o Programa nasceu por decisão política de dois governos, mas, sobretudo, dopresidente Lula. Por estar em seu final de mandato, isso provocou certo aceleramento nasnegociações entre os dois países, entre os Ministérios da Educação e na configuração doPrograma. No prazo de um ano, foi discutido e desenhado o sistema de EaD do Programa,elaborados os projetos pedagógicos de cada curso de tal forma que atendessem àsespecificidades de Moçambique e, ao mesmo tempo, às exigências legais das instituições deensino superior envolvidas.

Promessas e garantias eram dadas, pois se presumia tratar-se de um Programa degoverno e que contava com o compromisso do presidente da República e do Ministro daEducação, com o respaldo de Portaria Normativa e de Convênios assinados.

Quando se esbarrava em questões legais e/ou técnicas, acreditava-se que a força dadecisão política, as palavras das autoridades envolvidas seriam suficientes para dirimi-las oquanto antes. Apostava-se na continuidade política, com a sucessão presidencial, em janeirode 2011, como elemento importante na “estabilidade” e na “governanção” do Programa. Mas,era urgente “emplacar” o Programa antes do final do governo Lula. Era premente sua“institucionalização” no Brasil, sobretudo.

O trabalho então foi intenso, de idas e vindas, de encontros pedagógicos e técnicos noBrasil e em Moçambique, de conversas na Secretaria de Educação a Distância, no Ministérioda Educação, na Agência Brasileira de Cooperação, responsável pelo financiamento de grandeparte do programa.

Coordenadores brasileiros e moçambicanos dos cursos a serem iniciados seempenharam arduamente na tarefa da construção e aprovação dos projetos pedagógicos decada curso, no interior dos colegiados e conselhos de suas respectivas instituições. Teriam queser aprovados nas universidades brasileiras e nas moçambicanas, pois os estudantes teriam suamatrícula em ambas as instituições.

Ao mesmo tempo, encontros de formação foram acontecendo em Maputo, parapreparar docentes, coordenadores, tutores e autores de material didático. Formação no uso deplataformas de ensino, na compreensão do sistema de EaD a ser implementado, na produção

do primeiro curso de graduação a Distância, no Brasil (Pedagogia, em 1994) -, com o apoio da Universidade deTokai, abriu três Polos de Apoio Presencial (Hamamatsu, Nagoya e Ota) para atender 300 brasileiros residentesno Japão, beneficiando professores do ensino fundamental envolvidos na educação de brasileiros (2009 a 2013).O projeto contou com o apoio do Banco do Brasil e de empresas japonesas, como a MitsuiBussan.4 Nos Exames Nacionais – do Ensino Secundário - realizados em novembro de 2011, por exemplo, na primeiraetapa, a reprovação foi em massa, sobretudo nas disciplinas de Português e Matemática. Curioso é que, paraatender aos imperativos da expansão do sistema educacional, desde 2006, o Ministério da Educaçao (MINED)utiliza a EaD como estratégia para expansão e acesso ao Ensino Secundário Geral.

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de material didático impresso e no formato digital.As duas instituições moçambicanas têm experiência na oferta de cursos a distância. A

UP, em 2001, por meio da criação do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD),começou oferecer cursos de Inglês e Francês na modalidade a distância. Entre os anos 2007-2009, expandiu os cursos de Bacharelado em Física e em Inglês, para sete Províncias, comcerca de 1.500 estudantes matriculados. Hoje, oferece os cursos de Licenciatura em Física,Química, Inglês e Administração e Gestão Escolar (AGE), atendendo 4.156 estudantesespalhados em todas as províncias e agrupados em 34 Centros de Recursos, onde recebemapoio pedagógico e tecnológico

A UEM, em 2002, fundou o Centro de Ensino a Distância (CEND - Deliberação13/CUN/2002, 29.11.02). Porém, somente em 2008 é que ofereceu seu primeiro curso adistância: Licenciatura em Gestão de Negócios. Hoje, oferece também os cursos deLicenciatura em Organização e Gestão da Educação, Mestrado em Economia Agrária;Licenciatura Profissional em Administração Pública e Mestrado Profissional emAdministração Pública. Atende um total de 760 estudantes, distribuídos em 59 localidades dopaís.

Mas, o que estava sendo proposto pelo Programa era ir além. Propunha construircaminhos colaborativamente, vivenciar novas experiências na modalidade a distância. Havia aperspectiva de expansão expressiva de matrículas de estudantes por meio da modalidade adistância em todas as Províncias do país (5,5 mil para os cursos da UP e 1,5 mil para o daUEM), a proposta do uso da plataforma como ferramenta importante no processo de ensinar adistância, o desenvolvimento de disciplinas e de material didático em colaboração,envolvendo instituições moçambicanas e brasileiras.

Estes elementos despertavam expectativas nos intervenientes moçambicanos: apossibilidade de desenvolver novas competências na EaD, ampliação de novos saberes eenriquecimento curricular a partir da contribuição de instituições públicas de outro país.

2 Ao caminhar ... as primeiras pedras

Durante os meses de 2010, as equipes envolvidas no Programa foram se preparando para alonga caminhada (2011 a 2017), mas, assim que foi dada a largada dos cursos, em 2011,alguns componentes de apoio prometidos começaram a falhar, como a infra-estrutura básicade apoio aos estudantes nos polos e o material didático. No início do caminho não “havia umapedra” e sim várias pedras.

2.1 Infra-estrutura

Os Polos de Lichinga (inaugurado em abril 2010) e de Maputo (setembro 2008), funcionandoem espaços arquitetonicamente bem construídos, com recursos do Banco Mundial,apresentavam problemas nas instalações elétricas, no fornecimento de água e na rede parafuncionamento da internet. Assim, sem energia e sem internet nas salas de informática, osestudantes não tinham acesso à plataforma do curso, no Polo. Tinham que recorrer às salas de“Internet Café”.

No polo de Maputo, há salas previstas para o funcionamento da tutoria, da gestão, da

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secretaria, da biblioteca, mas o Instituto Nacional de Educação a Distância (INED)5 -responsável pela gestão dos CPED’s -, já havia cedido parte destas salas, “temporariamente”,ao Conselho Nacional de Exames e Certificação (CNEC). Nele também funciona o curso“Ensino Secundário a Distância”, sob a responsabilidade do Instituto de Educação Aberta e aDistância (IEDA), com 190 secundaristas matriculados -, e os cursos de Licenciatura emFísica, Química, Inglês e AGE, coordenados pelo CEAD/UP, com 346 estudantes.

Segundo o INED, em 2011, o CNEC transferiria suas atividades para outra localidade,em novas instalações. Assim, haveria disponibilidade de mais salas para o Programa; o quenão ocorreu. Foi feito, então, um arranjo para que os tutores presenciais e os coordenadoresdos cursos pudessem ocupar duas salas, compartilhando o espaço com outros projetos. Paraatendimento aos estudantes, as salas de tutoria ficariam disponíveis somente no período danoite e aos sábados. Além da questão do espaço, havia outro problema a ser superado: ohorário do funcionário público, e, portanto, dos funcionários que atendem o CPED, é das7h30 às 15h30, de segunda à sexta-feira.

Como ficaria a situação dos estudantes, sobretudo nos finais de semana quandocostumam ter atividades no Polo? Após longas conversas e negociações conseguiu-se, a partirda presença do coordenador residente do Programa6, a abertura dos CPEDs após o horário dofuncionalismo público e em finais de semana.

Diversamente destes dois polos, o polo de Beira, funciona no campus da UniversidadePedagógica (antigo prédio da Escola Comercial de Beira, até 1989), nas dependências daantiga Escola Primária (anexa à Escola Comercial). Foi reabilitada, em agosto de 2009, parainstalação do CEAD/UP-Beira e a oferta dos cursos de Inglês e Física. Hoje, o Centro atende680 matriculados nos cursos do CEAD (477 estudantes) e do Programa (203 estudantes).Embora com espaço reduzido, oferece a vantagem de poderem ser utilizadas as dependênciasda Universidade Pedagógica, como o laboratório de biologia, a sala de informática, abiblioteca, salas para encontro de estudantes e avaliações presenciais, auditório.

Porém, sofre com as limitações da rede de internet e com o número reduzido decomputadores disponíveis aos cursos a distância; o que acabou dificultando o acesso àplataforma por parte dos estudantes do Programa.

Uma solução logo adotada foi disponibilizar aos tutores dos polos modem e carga parapoderem acessar à plataforma do curso e, assim, poderem enviar trabalhos dos estudantes,manter contato com a coordenação de curso e os docentes – que também receberam modem.Outra estratégia utilizada pelos tutores dos polos e coordenadores é o uso do celular paraenvio de mensagens aos estudantes, pois, de acordo com dados por nós coletados noformulário sobre Perfil dos estudantes (dezembro 2010), mais de 80% têm telefone móvel.

2.2 Material didático

Durante o ano de 2010, foram realizados encontros de formação de autores de materialdidático das disciplinas a serem oferecidas pela UEM e pela UP. O Programa estava

5 O INED foi instituído, em 2006, com a função coordenadora e reguladora de todo sistema de EaD no País.6 A partir de julho de 2011, a Agência Brasileira de Cooperação, após processo seletivo realizado pelo Programa

Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) contratou professional para residir emMoçambique, até junho de 2013, com o objetivo de coordenar a implantação do Programa.

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aguardando decisão do MEC para saber que equipe ficaria responsável pelo processo deprodução e sobre a liberação de bolsas da UAB para pagar aos autores. Até o momento estadecisão não foi tomada.

Assim, a solução que restou às coordenações foi: a) utilizar material já disponível deoutros cursos ou de outras instituições (no âmbito da UAB); b) textos que os docentesestavam produzindo por própria iniciativa ou a pedido da coordenação de curso. Com isto,diversas vezes, foi necessário alterar a sequência de oferta das disciplinas dando prioridade àsque tivessem material disponível.

Sem uma equipe de produção não foi possível realizar revisão dos textos em produçãonem adequação dos textos já disponíveis, nem diagramá-los a partir de um projeto gráfico doPrograma. Os textos produzidos por docentes moçambicanos passaram por revisão da línguaportuguesa e da linguagem para a EaD – realizada pela equipe do CEAD, no caso da UP e doCEND, para os textos da UEM.

2.3 Dispersão geográfica dos estudantes

O processo seletivo dos estudantes ficou a cargo de cada instituição. O curso deAdministração Pública, no polo de Lichinga, matriculou funcionários públicos que haviamsido selecionados pelo Instituto Superior de Administração Pública (ISAP), em 2009, para umcurso que acabou não sendo oferecido. Nos polos de Beira e de Maputo, a indicação doscandidatos foi feita pelos governos das duas províncias e, em seguida, a coordenação do cursoda UEM selecionou os estudantes a partir das notas que tinham obtido no Ensino Secundário.

A UP deixou a seleção a cargo da Delegação onde está instalado o Polo, a partir deuma lista enviada pela Direção Provincial e Cultura à UP. Dois critérios básicos foramseguidos: ser professor na Província, estar lecionando disciplinas relacionadas à área do cursopretendido.

Nesse processo, não foi bem dimensionada a implicação posterior da localizaçãogeográfica dos candidatos. Não foi pensada estratégia de, por exemplo, na primeira fase doPrograma, atender determinada área, numa segunda etapa atender outra área e assim pordiante. Desta forma, os estudantes ficariam concentrados em distritos próximos. Issopossibilitaria às instituições fazer uso de estratégias de atendimento mais produtivas epermitiria aos estudantes, ao realizar menor percurso, ir mais vezes aos encontros presenciaise com custos menores.

No caso do curso de Administração Pública, a maioria dos estudantes reside próximado Polo, o que não acontece com os dos cursos da UP. Os estudantes estão espalhados portoda província, sobretudo os do Polo de Lichinga, alguns residindo a mais de 500km do poloe/ou em locais sem rede de internet e, às vezes, sem energia, com rodovias muito precárias,não trafegáveis no período das chuvas (novembro a março).

Na oferta de cursos a distância em todo País, uma solução encontrada pelo CEAD daUP foi criar, nos distritos onde há maior número de estudantes, “Centro de Recursos“ - umasala de estudo, dois ou três computadores e acesso à internet. O Programa está se beneficiandodesta infra-estrutura existente nos três Polos, sobretudo na Província de Niassa, onde funcionao Polo de Lichinga. Assim, em alguns finais de semana, os tutores do polo se deslocam paraestes Centros – carinhosamente chamados de “polinhos” -, para atender os estudantes.

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Esta dispersão dos estudantes em locais distantes e de difícil acesso, com condiçõesprecárias de comunicação foi fator não previsto e que veio dificultar o atendimento maisintenso por parte dos tutores e docentes e ausência maior dos estudantes nos encontros(virtuais e presenciais).

2.4 Acompanhamento e avaliação dos estudantes

O Programa prevê a dupla diplomação. Portanto, há o envolvimento de docentes e tutores adistância das instituições brasileiras. Com os problemas técnicos das plataformas de ensino,com a falta de internet nos polos e com a dificuldade da maioria dos estudantes terem acesso àinternet, como fica o processo de ensinar, sobretudo quando a disciplina é oferecida por umdocente brasileiro?

Assim, às pedrinhas encontradas logo no ponto de partida do Programa, uma pedramaior foi se somando. Como garantir o acompanhamento dos estudantes por parte do docentee do tutor a distância? As provas aplicadas nos polos demoravam dias ou semanas parachegarem até à coordenação do curso, em Maputo. Depois, o envio para o Brasil, às vezes,levava mais de um mês. Pois, implicava custos. Quem arcaria com as despesas do envio?Assim, ao concluir o semestre, os estudantes não tinham ainda recebido o feedback dealgumas disciplinas. Esta situação criou sérios constrangimentos e críticas constantes dosestudantes.

Porém, algumas soluções provisórias foram encontradas. O curso de AdministraçãoPública começou realizar as avaliações nos computadores. Eram gravadas no pen drive (flashdrive) do tutor que depois acessava internet e enviava ao docente brasileiro.

Dois cursos da UP fizeram opção para que o tutor a distância de disciplinas oferecidaspela universidade brasileira fosse um professor moçambicano que, sob o acompanhamento eorientação do docente brasileiro, se responsabilizava para fazer a correção das provas.

3 Uma parada para rever os caminhos

A partir deste breve relato podemos fazer uma pausa e, ao olhar para trás, para o caminhopercorrido, pontuar alguns aspectos.

3.1 Diagnóstico das condições de implantação do Programa

Apesar de inúmeros encontros ocorridos entre a equipe brasileira e moçambicana durante opercurso de configuração dos projetos pedagógicos, não foi realizado levantamento e estudode alguns aspectos fundamentais para implantação do Programa com o formato que sepropunha: as demandas de formação em cada província e distrito, as condições de infra-estrutura das províncias onde o Programa seria implantado, inicialmente; o perfil sócio-econômico e profissional dos possíveis estudantes; as experiências realizadas pelas UEM epela UP no campo da EaD; a capacidade técnicas e política do Ministério da Educação(MINED), por meio do Instituto Nacional de Ensino a Distância (INED), oferecer a estruturanecessária nos polos para atendimento aos estudantes; o apoio concreto ao Programa por partedas duas universidades moçambicanas envolvidas (em termos de recursos humanos, de infra-

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estrutura técnica). Pois, na configuração do Programa deveria estar presente a preocupaçãocom sua sustentabilidade (financeira, administrativa, tecnológica e recursos humanos) paraque, ao terminar o convênio, as duas instituições moçambicanas possam dar continuidade àexpansão de seus cursos com a modalidade a distância.

Apostou-se que o lado brasileiro como o lado moçambicano cumpririam suasresponsabilidades acertadas na assinatura dos Convênios.

3.2 Sistema de EaD

O CEND da UEM optara por um modelo de EaD baseado numa “plataforma de e-learning,combinando o uso do skype”. O CEAD estruturou seus cursos sobre bases físicas: materialimpresso e centros de recursos espalhados pelas províncias, com presença de tutoresgeneralistas.

Assim, tínhamos dois “modelos” de EaD em andamento. O Programa buscou unificá-los: uma base virtual por meio do uso intensivo da plataforma de ensino, uma base física deapoio nos polos - com infra-estrutura de comunicação e presença de tutores -, e o materialdidático fazendo a ponte entre estas duas bases. Mas, logo apareceu não uma pedra, masdiversas “pedrinhas” a incomodar nossa caminhada.

A primeira, na qual tropeçamos logo de saída, foi que as plataformas de ensino nãofuncionaram como se esperava. Na UEM, por problemas físicos de rede, a plataformaconstantemente estava fora do ar. Na UP, mesmo ficando no ar de maneira mais constante, oambiente era pouco amigável, aumentando as dificuldades que os estudantes tinham ao lidarpela primeira vez com uma plataforma de ensino. Além disso, não havia equipe demanutenção da rede à noite e em finais de semana. Assim, à noite, aos sábados e domingos,quando o estudante tinha mais tempo para acessar, regularmente a plataforma estava fora doar.

A segunda pedrinha era que lá na ponta, nos polos não havia internet ou, quando haviaera de baixa velocidade. Além disso, os estudantes, em suas localidade, tinham dificuldade deacessar à internet ou porque não havia rede, ou a rede era de baixa velocidade ou os custoseram altos para fazer uso constante dos Café Internet.

A terceira pedrinha era passar de um modelo artesanal de ensino (para poucosestudantes), praticado pela UP e pela UEM, para um modelo que se propunha ser, ainda, dotipo “fordista” (Preti, 1998; 2003),visando atender contingente cada vez maior de estudantes.Era proposto um sistema de EaD que envolvia os sub-sistemas de gestão, avaliação, tutoria,produção de material didático,com envolvimento de diferentes profissionais, o que exigiatrabalho em equipe, postura colaborativa e de abertura a aprender.

Parecia que havia entendimento do que estava sendo proposto como sistema de EaDdo Programa, mas quando as ações começaram a serem desencadeadas apareceram osequívocos, os “mal entendidos”. O INED alegava não ter compreendido que certasresponsabilidades eram de sua alçada na oferta das condições básicas nos polos, pois osCPED`s haviam sido planejados para funcionar com outra dinâmica. Da mesma maneira, osgestores dos polos, que acumulam a função de gestores ou dos CPED (Lichinga e Maputo) oudo CEAD/UP (Beira). Estavam acostumados a fazer gestão destes centros de outra forma.Agora, com o Programa novas exigências e procedimentos se sobrepunham às suas práticas

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consolidadas. Acabavam não entendendo bem seu papel e a diferença entre seu trabalho comofuncionário público responsável pela gestão do Centro e o trabalho como gestor de polo,recebendo bolsa pela UAB.

Os intervenientes da UEM e da UP com experiência em EaD se baseavam nela e nãona nova proposta para realizarem suas intervenções e os que não tinham experiência tinhammaior dificuldade em compreender a dinâmica proposta pelo Programa. A prática era da salade aula presencial, o professor como centro do processo, atuando de maneira individual eautônoma.

O tempo de implantação foi curto, não suficiente para que os envolvidos discutissemcompreendessem o sistema de EaD do Programa, discutissem a proposta, as implicaçõespessoais e institucionais na passagem de uma docência presencial para uma docência “adistância”.

3.3 Aproveitamento

Apesar das dificuldades vivenciadas neste início do Programa, os estudantes têm demonstradomotivação e persistência. O índice geral de abandono foi de 11,0%.

PolosCursos

Beira Lichinga Maputo TOTAL Abandono2011 2012 2011 2012 2011 2012 2011 2012 n. %

AdministraçãoPública

30 26 30 30 30 26 90 82 8 9,0

Biologia 74 66 69 50 66 60 209 176 33 16,0Ensino Básico 75 71 73 70 71 69 219 210 9 4,0Matemática 63 51 58 47 55 49 176 147 29 16,0TOTAL 242 214 230 197 222 203 694 615 79 11,0

Tabela 1 - Número de matrículas por curso e por Polo, fevereiro de 2012

Podemos justificar estes resultados quantitativamente positivos, por dois aspectos. Oprimeiro é a “teimosia” do estudante que não desiste, que estuda e aprende apesar de todos osconstrangimentos. Persiste no curso por ser uma ocasião única na sua vida – sobretudo para osque não residem na cidade sede do polo – para freqüentar uma universidade, o que representaascensão social numa sociedade em que, após 50 anos da criação da primeira universidade noPaís, menos de 2% da população tem curso superior.

Associado a isto, o fato de, por serem funcionários públicos, o curso representa nãosomente estabilidade no trabalho como, sobretudo, progressão funcional e, consequentemente,melhoria nas condições de vida. Daí, todo empenho em não abandonar o curso.

O segundo componente é o trabalho intensivo realizado pelos tutores nos polos que,diante das dificuldades de os estudantes acessarem à plataforma, acabaram realizando otrabalho do docente e dos tutores a distância (às vezes, ausentes na plataforma). Associa-se aisto o fato de os tutores presenciais dos cursos da UP são docentes da própria instituição.

Assim, mesmo com o pouco contato que o estudante possa ter tido com o docente e otutor a distância, a presença próxima de um tutor - que é docente - lhe possibilitou condiçõesde estudo e de aprendizagem. O esforço empreendido por muitos destes tutores ao se

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deslocarem para os distritos, em finais de semana, para atender os estudantes, foi compensadopelos resultados do aproveitamento dos estudantes sob sua tutoria.

Na pesquisa que realizamos sobre as percepções dos estudantes em relação ao curso(novembro 2011), os estudantes alegaram como causa do abandono do curso, sobretudo nocaso do curso de Matemática, questões financeiras (dificuldade em pagar as propinas - ou aspesadas multas pelo atraso no pagamento -, e o material didático) e/ou à falta de “base” paraacompanhar o curso (em parte, isso poderia explicar a evasão ser maior nos cursos deBiologia e de Matemática).

4 Caminhos a serem construídos

Para finalizar este breve relato dos inícios do Programa, alguns indícios que podem contribuirna re-construção dos caminhos percorridos, alguns componentes para dar integração aoPrograma.

4.1 Sustentabilidade

Um dos princípios norteadores do Programa a ser construído é o da sustentabilidade. Deve serentendida não apenas em sua dimensão política, financeira, administrativa e tecnológica, mascomo é entendia por Capra (1997) e por Morin (2000), como processo complexo, dinâmico eprogressivo que envolve não somente a relação humana com o mundo, com o ambiente, mas,sobretudo, várias dimensões e interpretações, tais como a parceria colaborativa entre asinstituições envolvidas no Programa e entre seus participantes, a flexibilidade nos processo deensinar e de aprender, a diversidade cultural, de conhecimentos e de práticas, a interconexão einterdependência dos fatos, dos conhecimentos, etc.

Daí, a necessidade de superarmos o paradigma cartesiano fortemente presente emnossa formação, separando o campo da ação política do campo técnico, fragmentando aformação do ser (que pensa, sente e age), do homem integral, da “identidade humana”.

Nas práticas pedagógicas do Programa esta dicotomia se torna presente entre oproposto, o idealizado e o que está sendo realizado, entre disciplinas de cunho teórico e aspráticas (didáticas e de laboratório), entre o conteúdo trabalhado ao longo do semestre e osSeminários Temáticos ou os Temas Transversais7. Projetos que se fundamentam emabordagens sócio-construtivistas, mas que se materializam seguindo rastros pedagógicos debase pós-fordista e/ou neo-tecnicista que têm alimentado o Sistema Universidade Aberta doBrasil (Preti, 2009; Medeiros, 2010). Como possibilitar caminhos flexíveis de aprendizagemaos estudantes quando as normas institucionais são interpretadas à luz da rigidez e dalegalidade burocrática e não à luz do contexto e da proposta pedagógica? Como realizaracompanhamento e avaliação processual do estudante quando, por exemplo, o sistema

7 Nos projetos pedagógicos dos cursos sao postos como elemento integrador do conteúdo desenvolvido emdeterminado semestre e ponte entre a discussão teórica das disciplinas e a prática profissional, possibilitando,assim, formação integrada do estudante. Na prática, são tratados como “uma disciplina a mais”, às vezes, comcarga horária reduzida (16h, por exemplo), eu que nada ou pouco tem a ver com os temas trabalhados pelasdemais disciplinas. Não ofercem elementos integradores e, menos ainda, possibilidade de relação da teoria coma prática, por meio da investigação e da “transversalidade” que o tema oferece.

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avaliativo acaba se reduzindo a fórmulas e a métricas quantitativas?

4.2 Compromisso político com capacidade técnica ou vice-versa

Como parte desta sustentabilidade, o compromisso político e a capacidade técnica devemcaminhar juntos, de mãos dadas. Mas, o que constatamos foi que, ao longo do processo deimplantação, e também no começo da implementação, as vontades políticas, as promessasesbarraram com questões técnicas e/ou legais paralisando o andamento do Programa.Soluções não eram procuradas para garantir o andamento do Programa. Passava-se aquestionar o próprio Programa.

As “promessas” não eram percebidas como sendo proferidas e assumidas por umgoverno, mas por pessoas que estavam no/com o governo. Com mudança de pessoas, ocomprometimento com as promessas se diluiu, se tornou efêmero, mesmo com Portaria eConvênios assinados. Tempo e energia foram gastos para superar os impasses; em parte, poisainda há entraves a serem retirados para que a caminhada flua.

Assim, continua atual o debate histórico da década de 1980 da relação entre ocompromisso político e a capacidade técnica ou a capacidade política e o compromissotécnico8.

Ou, talvez, podemos entender melhor o descompasso entre o Programa, como parte deuma política de governo, e sua execução, a “inércia governamental” para tomar decisõesnecessárias ao andamento do Programa recorrendo à discussão de Max Weber quando sereferia à burocracia como a “nova servidão”, a “ditadura do funcionário”.

Em projeto de pesquisa-intervenção em área de colonização agrícola ao norte de MatoGrosso, que coordenamos entre os anos 1982-87, pudemos perceber que, na estrutura daimplementação de políticas e projetos – entre a tomada de decisão e a execução – haviaequipes de funcionários, nos Ministérios, que detinham uma espécie de “micro poder”,podendo emperrar ou apoiar a execução de determinado projeto ou programa.9

4.3 Cultura Organizacional

Observando e acompanhando a rotina do Programa temos percebido a dificuldade que osintervenientes apresentam em compreender os processos de comunicação e de gestão quedeveriam tornar leve e rotineira a dinâmica do funcionamento do Programa. Há necessidadede instalar e desenvolver práticas que consolidem, ao longo do percurso, organização, unidadee fluxo para que haja efetividade no trabalho cotidiano, para que se rompa o silêncio queexiste na rede, com pouca interação e colaboração na construção coletiva do percurso (nastomadas das decisões, na elaboração de documentos, nos planejamentos) e que acaba

8 O debate entre Guiomar Namo de Mello, Dermeval Saviani e Paolo Nosella (1982-83). Posteriormente, Nosellafará uma retrospectiva deste debate: NOSELLA, Paolo. Compromisso político e competência técnica: 20 anosdepois. In: Educação e Sociedade, v. 26, n. 90, p. 223-238.9 Trata-se do Projeto “Escolonização” - que fazia parte do Programa “Interação entre os diferentes contextosculturais existentes no País – realizado por equipe da UFMT em parceria com a Fundação Pró-Memória (Preti,Oreste. A trajetória de um sonho: a experiência do Projeto “Escolonização”. Cuiabá: IE/UFMT, 1997.Mimeografado).

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provocando muitos ruídos, com o conseqüente gasto de tempo e de energia.Essa dificuldade em entender a estrutura e o ritmo de um Programa que pretende atuar

de forma sistêmica e em rede tem propiciado gasto de tempo e de energia na condução erealização de tarefas.

Porém, temos que compreender o porquê desta pedra no meio do caminho. Podemosdeduzir que o longo processo colonizador a que foram submetidas as populações deMoçambique (1885-1975) e a atual estrutura centralizada da gestão pública, talvez, tenhamdesenvolvido fraca capacidade de gestão nas instituições (Brouwer et al. 2010) e, portanto,nos funcionários públicos.

Também, a dificuldade às vezes do sujeito tomar iniciativa ou uma decisão está ligadaà questão da hierarquia, das relações de poder, muito presente na estrutura do funcionalismopúblico. Remete-se sempre a alguém superior a tomada de decisão, que, por sua vez, remete aoutro superior. Com isso qualquer solução ou decisão é demorada, leva algum tempo, o queacaba emperrando ações do Programa ou dos cursos.

Temos que compreender também que lidamos com uma sociedade eminentementerural (cerca de 70% da população reside no campo10), que se utiliza, predominantemente, dalinguagem oral – cujas características são a circularidade, a repetição, a dependência11. Otempo e o ritmo é o da vida (o ápeiron dos gregos), dos acontecimentos da vida (estações,nascimento, casamento, morte, etc.). Portanto, a “organização do tempo” para esta sociedadesegue outra lógica12, diferente da que existe em uma sociedade que se comunica pela palavraescrita (linear, previsível, autônoma) e hoje, de maneira crescente, pela linguagem digital(descontínua). Trata-se de uma sociedade que não vive intensamente o “tempo industrial”(Kenski, 2004, p. 31), mecânico e objetivo (o kronos dos gregos), o “aqui e agora” do atualmundo globalizado e, menos ainda, o “tempo virtual”, o tempo fenomênico da exposição.

Na EaD fala-se muito na qualidade de ser um sistema “flexível”. Mas, o que seentende por “flexibilidade? Que a EaD é um sistema aberto, com ritmos diferenciados nosprocessos de ensinar e de aprender? Que o tempo é o tempo de cada estudante? Como fica o“tempo da instituição” e do Programa que tem normas, procedimentos e prazos a seremcumpridos?

Há pouca clareza em relação a este conceito por parte dos intervenientes. Assim, o quepercebemos é a dificuldade em colocar em andamento decisões tomadas, prazos estabelecidosno coletivo, mudanças a serem implementadas. É um tempo indefinido: “Há de se fazer”. Issotorna a caminhada não somente lenta como pouco produtiva.

Não queremos com isto dizer que se trata simplesmente de estabelecer certa“organização”, fluxo de comunicação e procedimentos de gestão. É muito mais do que

10 Dados fornecidos ao “Correio da Manhã” pelo INE: em 2012, estima 23,5 milhões de habitantes, dos quais16.315.421 residiriam no campo (4.1.12).11 Dos 20,2 milhões de moçambicanos, 50,4% são analfabetos (Dados do INE, 2007. Na prática, estima-se quesomente 30% sabem ler e escrever português, pois, no cotidiano a maioria das pessoas utiliza sua própria línguae não o português.12 Em Moçambique, ouve-se dizer “Estou a chegar” (no Brasil, o comum é ouvir “Estou chegando” – alias, opovo brasileiro usa e abusa do gerúndio – “gerundismo”- talvez, por influência do inglês). Muitas vezes ao dizer“Estou a chegar”, na verdade a pessoa está a dizer: “Estou a sair de casa!”. O gerúndio aponta uma ação emcurso, o infinitivo indica uma ação, sem situá-la no tempo.

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somente isso. É importante, para que o Programa ganhe sustentabilidade, a construçãocoletiva de “cultura organizacional”, cada sujeito tomando consciência que é parte de umaequipa, de um coletivo, de um projeto institucional, que o trabalho do outro depende dotrabalho dele, dos prazos a serem cumpridos, das tarefas a serem realizadas, de valores eprincípios a serem consolidados.

4.4 Governança do Programa

Formalmente o Programa foi “institucionalizado” quando o Ministério da Educação publicoua Portaria Normativa n. 22 (2010) e as universidades aprovaram os projetos pedagógicos nosórgãos colegiados e ao assinaram Convênios.

Mas, a quem caberia conduzir, coordenar o Programa? A Portaria indicava aCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Universidade deIntegração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), como responsáveis pela“coordenação” do programa em “estreita colaboração” com universidades que fazem parte doSistema UAB.

A UNILAB em momento algum participou do processo de implantação. A CAPES,somente em abril de 2011 começou pagar as bolsas aos intervenientes moçambicanos e nosegundo semestre de 2011 se fez presente em Moçambique para conhecer in loco o Programa.

Na visita de dezembro, a CAPES afirmou a necessidade de dar “governança” aoPrograma. A CAPES assumiria seu papel e solicitava ao governo moçambicano indicar ointerlocutor neste processo. Em 19 de abril de 2012, o Ministro da Educação de Moçambiqueassinava Despacho n. 23 criando o Comitê de Gestão do Programa, formado pelo diretor doINED, representantes da Direção de Planificação e Cooperação, da Direção de Coordenaçãodo Ensino Superior, da Universidade Pedagógica, da Universidade Eduardo Mondlane, daEmbaixada do Brasil e pelo coordenador local do Programa. Tem como função principalacompanhar e avaliar o andamento do Programa, realizar estudos para expansão do Programa,sugerir ao Comitê Gestor brasileiro mudanças no Programa.

A pedra “filosofal”?13

Podemos dizer que as pedras encontradas no caminho e que mencionamos ao longo do textoseriam removidas ou nem estariam no caminho se houvesse uma espécie de “pedra filosofal”a sustentar o chão da estrada: o Projeto Pedagógico do Programa.

O Programa havia sido bem desenhado nos aspectos técnicos e financeiros, mas faltoua construção coletiva de um Projeto Pedagógico que elaborasse pontos de partida e dechegada comuns (valores, princípios norteadores, perfis), recuperasse experiências de EaDdas instituições envolvidas para que fosse proposto um sistema de EaD sustentável,“conformado” à realidade local (perfil dos estudantes, infra-estrutura física e tecnológica deapoio, sistema de comunicação, normas institucionais, recursos humanos, políticaseducacionais e sociais). Enfim, que propiciasse unidade, direção e sentido a todas as ações e

13 Era o sonho dos alquimistas da Idade Média: encontrar esta “pedra” que teria o poder de transformar em ouroqualquer coisa!

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decisões do Programa.Cada curso voltou-se para construção do seu projeto pedagógico, baseado ora em

objetivos de aprendizagem, ora em competência e ora em resolução de problemas. Faltou aelaboração de um projeto comum - “guarda chuva” - que abrigasse cada projeto, tecendo umarede entre os diferentes caminhos traçados por cada curso.

Um projeto que possibilite sustentabilidade e potencialize o poder transformador daeducação, tendo como meta não o simples domínio e reprodução de conteúdos por parte dosestudantes, mas mudanças em suas práticas profissionais e em suas vidas; que vise não apenaso estudante apresentar resultados, desenvolver competências técnicas e profissionais, mas,sobretudo dimensões pessoais e culturais. Um projeto que aponte os caminhos da açãoeducativa interdisciplinar na formação do estudante e da sua intervenção na comunidade locale nacional.

Esta “pedra filosofal” ajudaria a retirar as pedras no caminho e a re-construir caminhospercorridos para que o Programa tenha significado educativo e político na formação deprofissionais competentes e críticos, capazes de participar efetivamente no desenvolvimentodo País. Chegaremos, assim, ao oceano, como nos encoraja a escritora moçambicana PaulinaChiziane.

Neste sentido, o Programa poderá desenvolver nos estudantes não somente a atitude dacoruja que aguarda o findar do dia para levantar vôo e perscrutar os acontecimentos do dia,mas, sobretudo, a da águia que, não espera o entardecer, mas. em pleno dia, ao caminhar dajornada, levanta seu vôo. Quanto mais alto melhor sua visão de conjunto, mas com o olharfocado no seu objetivo, na sua presa para que – quando descer – obtenha os resultadosdesejados; que é capaz do sacrifício, da renúncia aos seus instrumentos de vôo e de caça que,com o passar do tempo, não são mais eficazes, para se renovar e se transformar.

Referências

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CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos. S. Paulo:Cultrix, 1997.

KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e Ensino Presencial e a Distância. Campinas, SP.:Papirus, 2003.

MEDEIROS, Simone. A Docência (e a formação docente) na Educação a Distância (EaD):notas para reflexão. In: Educação em perspectivas, v. 1, n. 2, p. 331-254.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2 ed. S. Paulo: Cortez;Brasília: UNESCO, 2000.

PRETI, Oreste. Educação a Distância e globalização: desafios e tendências. Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n. 191. P. 19-30, jan./abr. 1998.

__________. O estado da arte sobre “tutoria”: modelos e teorias em construção. Cuiabá:IE/UFMT; Saint-Foye/Quebec: Tèle-université Du Québéc, 2003. Disponível em:www.uab.ufmt.br/uab/images/artigos_site_uab/tutoria_estado_arte.pdf

___________. Educação a Distância: políticas e fundamentos. Cuiabá: EdUFMT, 2009.

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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Ministério da Educação. Direção de Planificação eCooperação. Estatística da Educação: Levantamento Escolar – 2010. Maputo, ago 2010.