Experiencias de consumo contemporaneo-libre

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  • Patricia BiegingRaul Incio Busarello

    ORGANIZADORES

    Experincias de consumo

    contemporneo pesquisas sobre mdia e convergncia

    So Paulo, 2013

  • Copyright Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.

    Raul Incio Busarello, MSc.Capa e Projeto Grico

    Patricia Bieging, MSc.Editorao Eletrnica

    Prof. Dra. Gilka Elvira Ponzi GirardelloComit Editorial

    Prof. Dra. Marlia Matos Gonalves

    Prof. Dra. Vania Ribas Ulbricht

    Ligia Stella Baptista Correia, MSc.

    Patricia Bieging, MSc.

    Raul Incio Busarello, MSc.

    Autores e OrganizadoresReviso

    Patricia Bieging, MSc.Organizadores

    Raul Incio Busarello, MSc.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Esta obra licenciada por uma Licena Creative Commons: Atribuio Uso No Comercial No a Obras Derivadas (by-nc-nd). Os termos desta licena esto disponveis em: . Direitos para esta edio cedidos Pimenta Cultural pelos autores, conforme as normas do edital da chamada pblica de trabalhos realizada em 2012 para esta obra. Qualquer parte ou a totalidade do contedo desta publicao pode ser reproduzida ou compartilhada. O contedo dos artigos publicados de inteira responsabilidade de seus autores, no representando a posio oicial da Pimenta Cultural.

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    E-mail: [email protected]

    2013

    E964 Experincias de consumo contemporneo: pesquisas sobre mdia e convergncia / Patricia Bieging, Raul Incio Busarello, organizadores. - So Paulo: Pimenta Cultural, 2013. 221 p..

    Inclui bibliograia ISBN: 978-85-66832-00-6

    1. Convergncia da Mdia. 2. Transmdia. 3. Consumo. 4. Redes Sociais. 5. Comunicao. 6. Identidade. 7. Criana. 8. Publicidade. 9. Novas Mdias. I. Bieging, Patricia. II. Busarello, Raul Incio. III. Ttulo.

    CDU: 659.3 CDD: 300

  • SUMRIO

    Prefcio ............................................................................................................................ 05

    Captulo I

    Convergncia e eroso de espaos no meio rural portugus

    atravs do consumo das novas mdias ................................................................ 08

    Ana Melro e Ldia Oliveira

    Captulo II

    Territrio hipermediatizado e convergncias multilocalizadas:

    dialtica entre terra e nuvens .................................................................................. 28

    Vania Baldi e Ldia Oliveira

    Captulo III

    Visualizao da informao por meio da infograia digital: uma

    anlise sob o ponto de vista da semitica peirceana ..................................... 47

    Mariana Lapolli, Tarcsio Vanzin e Vania Ribas Ulbricht

    Captulo IV

    Publicidade infantil nos indicadores de sustentabilidade para

    agncias .......................................................................................................................... 63

    Rosemri Laurindo e Aline Francielle dos Santos Oliveira

    Captulo V

    Consumo, infncia e marcas: estabelecendo vnculos atravs

    das redes sociais digitais ........................................................................................... 81

    Brenda Lyra Guedes e Slvia Almeida da Costa

  • Captulo VI

    A mdia e o envolvimento das crianas na produo de contedo

    cultural ............................................................................................................................. 106

    Ligia Stella Baptista Correia

    Captulo VII

    Aprendendo a (vi)ver com a Capricho: no evento NoCapricho .................. 117

    Gabriela Falco Klein

    Captulo VIII

    Virei um Big Mac: as classes CD e a vaidade fast food .................................... 135

    Maria de Lourdes Bacha e Celso Figueiredo Neto

    Captulo IX

    Faniction: possibilidade criativa nos ambientes digitais ............................. 155

    Beatriz Braga Bezerra

    Captulo X

    A subverso do sujeito: o produsurio nas interaes em rede

    e relaes de consumo .............................................................................................. 173

    Felipe Jos de Xavier Pereira

    Captulo XI

    Telenovela e transmidiao: o caso da temporada

    Malhao Conectados ............................................................................................... 191

    Patricia Bieging e Raul Incio Busarello

    Sobre os autores .......................................................................................................... 212

  • 05

    sumrio

    PREFCIO

    Em uma poca em que a convergncia das mdias e as novas formas de consumo

    e prticas culturais mudam a relao entre os sujeitos, tanto em um contexto

    dentro ou fora da rede, torna-se essencial entendermos mais profundamente

    como este fenmeno da convergncia miditica contribui e abre espao para a

    participao, apropriao e produo de novos contedos pelos indivduos.

    Considerando as formas contemporneas de produo e de expanso dos

    contedos gerados pelos veculos de comunicao, pelos departamentos de

    marketing das empresas e tambm pelos mais variados programas de rdio, de

    televiso, pelo cinema e pelos dispositivos mveis, busca-se com este livro o

    compartilhamento de pesquisas realizadas nas reas de consumo, convergncia

    e novas mdias.

    Apresenta-se nos diferentes captulos relexes sobre o que vem sendo produzido,

    sobre as inovaes e sobre as formas de interao com o pblico. Alm de

    estudos que evidenciam a participao ativa dos usurios nas redes sociais. Neste

    livro so relacionados aspectos tericos por meio de um olhar que abrange o

    mercado, a cultura e as prticas de consumo. Os captulos trazem o vis inter e

    transdisciplinar de pesquisadores de campo da comunicao e reas ains.

    Reletindo acerca dos fenmenos da comunicao, os quais transitam por

    diferentes pensamentos terico-metodolgicos.

    No captulo Convergncia e eroso de espaos no meio rural portugus

    atravs do consumo das novas mdias, os autores abordam a questo do

    consumo de novas mdias/crans por sujeitos nascidos nas dcadas de 60 e 70 e

    residentes no meio rural portugus. Analisou-se o uso destas mdias em

    ambientes como: trabalho, escola, lazer e famlia.

    Com enfoque nos dispositivos mveis o captulo Territrio hipermediatizado

    e convergncias multilocalizadas: dialtica entre terra e nuvens, traz uma

    relexo acerca das relaes com o espao e as implicaes dos servios

    georreferenciados nas dinmicas de apropriao do territrio. A pesquisa traz de

    uma anlise do que os autores entendem como efeito boomerang. Partindo deste

  • 06

    sumrio

    conceito, os autores fazem associaes dos contedos aos territrios de onde os

    mesmo foram gerados e vinculados, os quais atravs de dispositivos tecnolgicos

    voltam a materializar estes mesmos territrios, ganhando novos valores no

    mbito comunicional e contextual.

    Partindo do ponto de vista da semitica peirceana o captulo Visualizao da

    informao por meio da infograia digital: uma anlise sob o ponto de vista

    da semitica peirceana, traz a interpretao dos signos da tela inicial de um

    infogrico digital, demonstrando as ambiguidades e as contradies presentes

    no objeto.

    Nos trs prximos captulos Publicidade infantil nos indicadores de

    sustentabilidade para agncias, Consumo, infncia e marcas: estabele-

    cendo vnculos atravs das redes sociais digitais e A mdia e o envolvimento

    das crianas na produo de contedo cultural, a questo do relacionamento

    das crianas e das mdias posta em debate. Na primeira pesquisa so reletidas

    as questes da publicidade e do merchandising direcionado ao pblico infantil,

    assim como a discusso acerca dos Indicadores de Sustentabilidade da

    Comunicao. Na segunda so analisadas as estratgias das aes publicitrias

    adotadas por empresas de grande destaque nacional, especialmente, com foco

    nas redes sociais para chamar a ateno do pblico. Na ltima apresenta-se a

    relexo sobre o papel do consumo de produtos culturais e na possibilidade da

    participao ativa das crianas na produo de contedos.

    O captulo Aprendendo a (vi)ver com a Capricho: no evento NoCapricho traz

    a pesquisa e vivncia da autora durante o evento anual de msica realizado pela

    Revista Capricho. Questes como consumo, convergncia e identidades so

    problematizadas atravs da experienciao e observao da pesquisadora frente

    a este meio e, principalmente, junto s jovens leitoras.

    Na sequncia o captulo Virei um Big Mac: as classes CD e a vaidade fast food

    traz uma pesquisa realizada com 420 indivduos da cidade de So Paulo, onde

    so abordadas as questo da aparncia e da vaidade por consumidores das

  • 07

    sumrio

    classes C e D. O estudo avalia a relao e as noes de beleza, sucesso proissional,

    autopercepo do corpo, autoclassiicao do peso e prtica de atividades

    fsicas e a relao entre percepo de sucesso proissional e importncia do cargo

    exercido e materialismo pelos indivduos entrevistados.

    Faniction: possibilidade criativa nos ambientes digitais traz uma relexo

    sobre as redes digitais provenientes de ilmes brasileiros, tendo como objetivo

    analisar as possibilidades de participao e interao dispostas pelos produtores

    aos fs. Alm das aes de marketing adotadas que visam tal iniciativa.

    A partir do conceito de produsurio, o captulo A subverso do sujeito: o

    produsurio nas interaes em rede e relaes de consumo apresenta uma

    relexo sobre as novas formas de interao, participao e produo dos sujeitos

    frente s aes promocionais realizadas por grandes empresas, tanto do Brasil

    quanto do exterior.

    O ltimo captulo Telenovela e transmidiao: o caso da temporada Malhao

    Conectados analisa como a narrativa apresentada na mdia televisiva serve de

    apoio para que o telespectador utilize o ambiente da web como agente de

    motivao e solidiicao do produto miditico. A pesquisa tem como foco

    reletir sobre as possibilidades de interao entre o espectador e as formas

    narrativas apresentadas.

    Percorrendo diversas mdias e conceitos relacionados convergncia miditica,

    s novas mdias e ao consumo, este livro convida os leitores a um mergulho em

    estudos empricos e estudos de caso, que buscam contribuir para a relexo e a

    discusso sobre a participao ativa dos sujeitos na construo coletiva de novos

    contedos. Entender estas apropriaes e a nsia dos sujeitos por espaos que

    permitam variadas formas de participao tambm entender a metamorfose

    pela qual a sociedade contempornea, as mdias e os sujeitos experienciam as

    prticas culturais e de consumo nos dias de hoje.

    Patricia Bieging e Raul Incio Busarello

  • ana melro e ldia oliveira

    convergncia e eroso de espaos nomeio rural portugusatravs do consumodas novas mdias

    01

  • CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 09

    sumrio

    A utilizao de novas mdias, como a televiso, o computador e o celular, comea

    a ser um ato constante e irreletido por parte dos indivduos. Usam-se esses

    artefatos para trabalhar, conviver, fomentar discusses, reunir com algum,

    alimentar tempos mortos Um ininito nmero de motivos que conduzem a

    que seja cada vez mais difcil passar tempos prolongados sem se estar em contato

    com um desses artefatos.

    A relao persistente entre dispositivos e indivduo origina alteraes profundas

    na vida deste, nos seus modos de trabalhar, passar momentos de lazer e familiares,

    tais que, por vezes, nem as fronteiras se encontram bem deinidas entre esses

    diferentes tempos e espaos. Alis, Urry (2000) considera mesmo que esta

    disrupo temporal ocorre de um modo mais profundo, onde () o futuro cada

    vez mais parece dissolver-se num presente alargado. (URRY, 2000, p. 128,

    traduo nossa).

    Para se adaptar, o indivduo precisou redeinir os seus tempos e espaos, bem

    como integrar as novas mdias em todas as atividades e tarefas. Ver o e-mail,

    consultar as redes sociais, atender telefonemas de trabalho ou de familiares e

    amigos, assistir televiso, aceitar o convite para uma festa, uma exposio, uma

    pea de teatro ou mesmo comprar bilhetes para estas ltimas, todas elas deixaram

    de ser atividades que apenas se podero desempenhar num local especico, mas

    de uma forma que esses locais agora convergem todos num s, aquele onde o

    indivduo se encontra, seja ele qual for e a que altura do dia for.

    No meio rural portugus o panorama no muito diferente. H algumas

    vantagens associadas ao fato de no se viver preso a tantos tempos vazios, como

    o tempo no trnsito, ou de se poder ainda usufruir de atividades mais no exterior,

    mas a apropriao das novas mdias tem sido realizada de forma bastante

    intrusiva, com o celular e o computador (associados internet) a acompanhar os

    ritmos dirios dos seus residentes que se encontram numa fase de vida ativa

    proissional, familiar e socialmente.

    Ser abordada a questo da redeinio dos tempos e espaos, devido utilizao

    das novas mdias, no cotidiano da gerao dos indivduos nascidos entre 1960 e

  • CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 10

    sumrio

    1970, ou seja, que tm entre 34 e 53 anos de idade. Esta redeinio dos tempos

    e espaos origina uma alterao nas relaes sociais, pelo que tambm se iro

    analisar as transformaes nas relaes sociais desses indivduos, residentes no

    meio rural, decorrentes da utilizao frequente das novas mdias. Para o

    enriquecimento deste estudo contribui a anlise de questionrios aplicados no

    territrio rural (Portugal Continental e Ilhas).

    Redeinio de tempos e espaos atravsda utilizao das novas mdias

    Desde inais da dcada de 1950 que, em Portugal, tm ocorrido mudanas

    profundas nos modos de fazer, viver e sentir. A integrao das novas mdias no

    cotidiano primeiro a televiso, seguida do computador e, por ltimo, do celular

    provocou uma mudana de prticas e uma nova compreenso do que

    efetivamente importante acompanhar e manter atualizado. Para alm disso, com

    a utilizao desses dispositivos, os indivduos tm uma noo diferente das

    distncias, logo, do espao, da sua disponibilidade imediata e, por isso, do tempo.

    Assiste-se, assim, a uma reorganizao individual e, consequentemente, social.

    Thompson (1998, p. 36) airma que esta reorganizao social e societal uma

    forma dos indivduos atingirem os seus objetivos, na medida em que a adaptao

    s novas mdias uma obrigao presente e real, no permitindo que quem se

    queira manter atualizado se desligue desta imposio. De um modo geral, diz o

    autor que antes do desenvolvimento das indstrias da mdia, a compreenso

    que muitas pessoas tinham de lugares distantes e passados era modelada

    basicamente pelo intercmbio de contedo simblico das interaes face a face

    (THOMPSON, 1998, p. 38). Harvey (1990) tem, inclusivamente, uma forma de

    representar esta reestruturao global, que se poder aplicar conigurao das

    relaes sociais, laborais e familiares, designado de mapa de reduo do mundo,

    que pode ser veriicado na Figura 1.

    O autor deine a diminuio do mundo atravs das velocidades mdias atingidas

    pelos meios de transporte mais utilizados em cada uma das pocas, ou seja, a

  • CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 11

    sumrio

    forma como a evoluo tecnolgica permite fazer-se o caminho de forma mais

    clere, logo encurta as distncias entre espaos e diminui o tempo de viagem e

    de encontro. Como refere,

    Como o espao parece encolher numa aldeia global de telecomunicaes

    e numa nave espacial terrestre de interdependncias econmicas e

    ecolgicas e como o horizonte temporal encurta a um ponto em que o

    presente tudo o que existe, temos que aprender a lidar com um esmagador

    sentido de compresso dos nossos mundos espaciais e temporais. (HARVEY,

    1990, p 240, traduo nossa)

    A internet veio acelerar de forma exponencial este efeito de reduo do mundo.

    Sendo que, apesar de todas as suas especiicidades, o mundo rural no ica de

    fora desta dinmica. No que diz respeito ao meio rural, caracterizado pela sua

    pluralidade de sentidos (FIGUEIREDO, 2011) e pelo seu carter idlico (FIGUEIREDO,

    2003; BAPTISTA, 2011), a viso do construtivismo social considera que h uma

    Figura 1: Mapa de reduo do mundo atravs das inovaes nos transportes que aniquilam o espao atravs do tempo. Fonte: Harvey (1990, p. 241)

  • CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 12

    sumrio

    luidez e hibridez de espaos e lugares, bem como da sua relao com o tempo

    neste meio (BRYANT E PINI, 2011, p. 5). O rural percebido como um espao onde

    se pode ter um estilo de vida exterior, com harmonia, segurana, valores familiares

    e coeso da comunidade, aqui entende-se o contraste com o estilo de vida

    urbano (BRYANT E PINI, 2011, p. 6), considerado bem mais agitado. No entanto,

    no que diz respeito utilizao das novas mdias, os residentes nos meios rural e

    urbano no apresentam tantas diferenas assim. Como refere Fidalgo (1999),

    pode-se dizer com propriedade que se assiste a uma libertao do homem

    relativamente s distncias geogricas. (FIDALGO, 1999, p. 94), e essa libertao

    decorre da utilizao dos meios tecnolgicos ao seu dispor, que tambm o

    empurra para a parafernlia de exigncias simultneas que transportam consigo.

    Na Figura 2 pode analisar-se um organograma do tempo realizado por Silva

    (2010), no qual o tempo absoluto, enquanto construo social se divide em

    tempo de trabalho e tempo livre absoluto. Este, por sua vez, subdivide-se em

    tempo livre comprometido, semi-lazer e tempo de lazer descomprometido. Entre

    o tempo livre e o de lazer surge, segundo o autor, um tempo online e no cran

    (SILVA, 2008, p. 4).

    Figura 2: Organograma do Tempo. Fonte: Silva (2010, p. 288)

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 13

    sumrio

    Apesar da existncia destes diferentes tipos de tempos, provavelmente os

    indivduos no sentem estes limites entre uns e outros. A portabilidade associada

    s novas mdias est na origem desta diluio de limites e fronteiras. A

    portabilidade faz com que os dispositivos se tornem cada vez mais ubquos,

    transparentes e invasivos, transportando com eles quaisquer que sejam os

    espaos e os tempos para todo o lado. Por exemplo, o celular, nas palavras de

    Ganito (2007), proporciona novos usos do tempo, novas formas de interaco

    social e o esbater das barreiras espaciais (GANITO, 2007, p. 13). Ou, como refere

    Ilharco (2007, p. 72, traduo nossa) o celular promete tornar tudo o que importa

    permanentemente disponvel. Todo o espao uma localizao apropriada quer

    para trabalho ou lazer. E para Dias (2007), o celular permite a fuso do espao

    pblico com o privado, do real com o virtual e do local com o global (DIAS, 2007,

    p. 83), nos quais o utilizador pode estar sem se encontrar efetivamente em algum

    deles. Assim, h uma () possibilidade de prescindir do corpo, ou seja, poder

    estar em dois locais ao mesmo tempo: o local fsico, onde se encontra, e o local

    onde est atravs da conversa mediada (TEIXEIRA-BOTELHO, 2011, p. 75).

    Estas potencialidades so associadas aos celulares, mas tambm aos

    computadores, sobretudo, aos portteis, ainda mais quando a eles se junta a

    internet. Aliado s comunicaes telefnicas, surge a consulta do e-mail e das

    redes sociais quer pessoais, quer proissionais; a pesquisa de pginas de internet,

    ou seja, d-se uma deslocalizao de todas as tarefas que antes se encontravam

    bem deinidas no tempo e no espao, sendo que o que se perde em corpo

    ganha-se em rapidez e capacidade de disseminar o eu no espao-tempo (SILVA,

    1999, p. 1) na medida em que

    A Internet simultaneamente real e virtual (representacional), informao e

    contexto de interaco, espao (site) e tempo, mas que altera as prprias

    coordenadas espacio-temporais a que estamos habituados, compactando-

    as, ou seja, o espao e o tempo na rede existem na medida em que so

    construo social partilhada. (SILVA, 1999, p. 1)

    Atualmente, o tempo como antes era deinido e ocupado, deixa de fazer sentido.

  • CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 14

    sumrio

    dada a possibilidade ao indivduo de estar constantemente conectado, sendo

    esta lexibilidade temporal apenas quebrada pela rigidez dos contatos com

    outros pases, por exemplo, com fusos horrios diferentes. Vilhelmson (1999)

    apresenta uma proposta das atividades mais ixas e das mais lexveis em termos

    de tempo e espao.

    Figura 3: Aplicao do esquema de classiicao de atividades de acordo com os requisitos do tempo e do lugar: exemplos de atividades estacionrias. Fonte: Vilhelmson (1999, p. 181)

    Pode, ento, dizer-se que o espao fsico tem sofrido alteraes no sentido da

    integrao do ciberespao, o tempo delimitado deu lugar a um tempo hbrido,

    quer no meio urbano, quer no meio rural. O tempo j no marcado pelo relgio,

    mas pelas novas mdias e pelas atividades que necessrio realizar recorrendo

    aos meios tecnolgicos, ou seja,

    A ordem das aes esto desconectadas da linearidade do tempo e

    reestruturadas no presente, e as funes de estrutura e sincronizao do

    tempo-relgio so reduzidas e substitudas pela disponibilidade. Atravs da

    conexo e disponibilidade a necessidade de coordenar atividades ou aes

    de acordo com um padro comum conhecido como tempo-relgio

    reduzido, e o tempo , por isso, entendido como algo imediato. (JOHNSEN,

    2001, p. 67, traduo nossa)

  • CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 15

    sumrio

    Redeinio das relaes sociais atravs da utilizao das novas mdias

    Com todas as alteraes em termos de espao e tempo que foram analisadas na

    seco anterior, quase que se torna bvio que ocorram tambm mudanas nas

    relaes sociais, uma vez que estas se desenrolam sempre num determinado

    tempo e espao (delineados com antecedncia ou no). Alis, ao contrrio das

    indicaes, de certa forma, fatalistas, de que os indivduos estariam a se isolar por

    detrs dos crans (GENTILE E WALSH, 2002), Arajo e outros investigadores (2009)

    consideram que a Sociedade em Rede potencia as relaes de convivialidade

    existentes, ao mesmo tempo que acrescenta novas formas de sociabilidade,

    reforando mesmo as relaes sociais. (ARAJO, ESPANHA et al., 2009, p. 248).

    Quando, virtualmente, um indivduo conversa com algum on-line ou procura

    comunidades de partilha de contedos (blogs ou pginas de facebook, por

    exemplo) essas aes so bastante objetivas para esse indivduo e para os que o

    acompanham no ciberespao. A procura da partilha nesses espaos sempre

    baseada num interesse e esse comum a todos os que o procuram e se mantm.

    Isso seria mais complicado de ocorrer no mundo fsico, na rua, no trabalho, em

    casa de familiares, amigos, ou outros locais mais pblicos como cafs, bibliotecas,

    cinemas, por exemplo, os designados terceiros lugares (OLDENBURG, 1999),

    onde o indivduo se integra nas conversas que ocorrem, sem ter sido, muitas das

    vezes, ele a procurar os tpicos sobre os quais recai a conversa. Logo, nos cenrios

    de comunicao mediada pelas crans, h uma conexo entre pessoas que evolui

    ao longo do tempo, mas que diicilmente passa para o mundo of-line (CRUMLISH

    E MALONE, 2009).

    A fora dos laos sociais , ento, uma associao entre o tempo que se

    disponibiliza relao, a intensidade emocional, a intimidade e a reciprocidade

    dos atos relacionais (GRANOVETTER, 1973, p. 1361), fatores vistos de forma

    positiva e simtrica. Com os contornos que tm, na sociedade contempornea,

    as relaes sociais, na qual os indivduos interagem com quem conhecem ou

    desconhecem, no sendo necessrio deterem informao acerca do seu passado

  • CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 16

    sumrio

    para que uma conversa e contatos frequentes sejam estabelecidos, como era nas

    sociedades tradicionais (ALMEIDA, SILVA et al., 2011, p. 414), aquelas caractersticas

    dos laos sociais passam a fazer sentido atravs de mediao tecnolgica.

    Naqueles laos ou relaes sociais esto, por isso, sempre, includas relaes

    tecnolgicas, em perfeita simbiose, de tal forma que, como dizem Law e Bijker

    (1992), relaes puramente sociais so encontradas somente na imaginao dos

    socilogos, entre os babunos, ou possivelmente, em praias de nudistas; e

    relaes puramente tcnicas so encontradas somente nas descobertas

    selvagens da ico cientica (LAW E BIJKER, 1992, p. 290, traduo nossa). Talvez

    esta viso seja tecnicista demais, no entanto, no possvel considerar muitas

    das relaes sociais que ocorrem com recurso s novas mdias sem que se pensem

    que antes delas ocorre uma relao tecnolgica e que, por isso, esto ambas

    intimamente ligadas. E como de pessoas que se fazem as relaes sociais, ento,

    nas relaes tecnolgicas esto tambm includas essas mesmas pessoas. uma

    trade que, sendo virtual, no sobrevive sem um dos seus elementos.

    Atualmente, as conexes so mais intensas, porque tambm so mais ilimitadas,

    constantes e contnuas. So, por isso, provavelmente, mais hiper-reais (TEIXEIRA-

    BOTELHO, 2011, pp. 56-57). O estudo Social Isolation and New Technology. How

    the internet and mobile phones impact Americans social networks (HAMPTON

    et al., 2009), analisa a forma como a tecnologia e outros fatores esto relacionados

    com a dimenso, a diversidade e o carter das redes sociais. Este estudo, cuja

    amostra foi de 2.512 adultos, residentes nos Estados Unidos concluiu que, a

    utilizao da internet e de redes sociais contribuiu para aumentar e diversiicar as

    relaes sociais dos envolvidos (HAMPTON et al., 2009), ou seja, para alm da

    realidade associada aos contatos no mundo fsico, junta-se uma hiper-realidade,

    a das redes sociais virtuais, que transforma as relaes sociais em algo mais

    abstrato e difuso.

    Assim, as relaes sociais podem, hoje, ser desenvolvidas atravs de chamadas

    de voz ou vdeo, por escrito, atravs do e-mail, salas de chat ou mensagens de

    texto (SMS"1"); os contatos podem, por isso, ser sncronos ou assncronos; e podem

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 17

    sumrio

    ser desenvolvidos enquanto o ou os indivduos esto num local ixo (computador

    ou telefone ixo) ou quando esto em movimento (celular, computador porttil

    ou tablet) (VAN DEN BERG, ARENTZE et al., 2012, p. 990). Estas relaes, apesar de

    modernizadas, porque se modernizaram os meios que as sustentam, mantm

    caractersticas tradicionais, como a reciprocidade. Se algum envia uma SMS

    espera uma resposta, como espera tambm que a outra pessoa retribua a

    chamada que no conseguiu atender, por exemplo (TEIXEIRA-BOTELHO, 2011, p.

    64).

    Conclui-se que, apesar dos inmeros estudos que vm sendo realizados em

    torno desta temtica das relaes e das redes sociais, este um tpico que ainda

    ter de ser mais explorado, no s para entender a forma como os indivduos

    agem em determinadas situaes, como esperam que o outro o faa. Como se

    referiu, so fenmenos sociais que j possuem caractersticas das sociedades

    modernas, sobretudo, o meio que as alimenta e lhes d vida (os suportes onde

    ocorrem), mas que ainda no se libertaram das caractersticas mais tradicionais

    das sociedades indgenas (como o potlatch (sistema de trocas) de Marcel Mauss)

    e isso confere-lhes um carter de ritual, no qual apenas os envolvidos se entendem

    e entendem o que se passa e o que devem fazer a seguir para que tudo decorra

    dentro da normalidade que esto habituados.

    Apresentao dos resultados

    Na investigao aplicaram-se questionrios. Foram selecionados 13 municpios

    rurais: Macedo de Cavaleiros, Vieira do Minho Norte; Sabugal, Penela Centro;

    Nisa, Odemira, Mrtola Alentejo; Vila do Bispo, Alcoutim Algarve; Nordeste,

    Lajes do Pico Regio Autnoma dos Aores; e, Porto Moniz, Santana Regio

    Autnoma da Madeira, dos quais se fez um estudo das escolas existentes. A partir

    das escolas, e da aplicao dos questionrios aos alunos dos 2 e 3 ciclos e

    secundrio"2", foi solicitado que os seus pais e avs tambm preenchessem o

    questionrio. No total foram validados 1.151 questionrios de trs geraes, dos

    quais se apresentam os resultados referentes aos pais, a gerao dos indivduos

    nascidos nos anos 1960 at inais dos anos 1970, um total de 401 questionrios.

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 18

    sumrio

    Relativamente caracterizao sociodemogrica dos respondentes, das 401

    respostas, 100 eram de indivduos do sexo masculino e 291 do sexo feminino. 15

    eram solteiros, 338 pertenciam ao grupo dos casados ou que viviam em unio

    estvel, 160 estavam divorciados ou separados e 122 eram vivos. Em relao

    escolaridade, a maior parte dos respondentes airmou ter o 9 ano (74 indivduos),

    70 respondentes disserem ter o ensino secundrio, 61 o 6 ano, 57 a 4 classe e

    com licenciatura havia 53 respondentes.

    A situao proissional dos respondentes era, na sua maioria, de funcionrio

    pblico (99 respostas), seguida de empregado por conta prpria (67 respostas),

    em situao de desemprego estavam 54 indivduos e trabalhadores

    administrativos ou dos servios eram 42. A opo Outra situao fora

    mencionadas em 68 respostas.

    Os Pais tinham entre 24 e 62 anos (esto aqui includas respostas dadas de

    indivduos nascidos nas dcadas de 1950 e 1980, no entanto, so pouco

    signiicativas estatisticamente). A mdia das idades situa-se nos 44 anos (desvio

    padro de 6,041). A Tabela 1 mostra a distribuio dos respondentes de acordo

    com as faixas-etrias.

    Idade N %

    21 a 30 4 1,0

    31 a 40 111 27,7

    41 a 50 222 55,4

    51 a 60 40 10,0

    61 a 70 3 0,7

    No respostas 21 5,2

    Total 401 100,0

    Tabela 1: Faixa-etria dos respondentes

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 19

    sumrio

    Analisando agora a aquisio das novas mdias pelos respondentes, veriica-se

    pelo Grico 1 que a maior parte deles adquiriu o computador, a internet e o

    celular j na dcada de 2000, enquanto que a televiso 34,2% dos indivduos

    Sempre se lembra de ter em casa. Este aspecto poder ter inluncia na forma

    como as mdias so utilizadas, em conjunto com outras caractersticas como a

    portabilidade, a localizao no espao casa, entre outras.

    Para a compreenso da opinio sobre as relaes sociais dos respondentes,

    procedeu-se a uma anlise descritiva dos questionrios. Conclui-se que apenas

    9,2% (37 respondentes) considera que as relaes sociais nos dias de hoje, com a

    utilizao das novas mdias esto mais presenciais, no entanto, 58,9% considera

    que esto mais virtuais (236 respondentes). Alis, 158 respondentes (39,4%) da

    opinio de que, no s as relaes sociais esto diferentes do passado, como

    esto piores, contra 93 indivduos (23,2%) que considera que essa diferena foi

    para melhor. Nesta anlise ainda importante incluir a opinio dos respondentes

    relativamente s relaes intergeracionais familiares. Dos dados recolhidos

    possvel veriicar que a maior parte dos respondentes considera que as relaes

    entre avs e netos, pais e ilhos e entre irmos se mantm iguais ao perodo em

    que no utilizavam as mdias. No entanto, h ainda uma percentagem bastante

    Grico 1: Ano da primeira mdia (adquirido ou oferecido), em %.

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 20

    sumrio

    elevada que da opinio de que essas relaes esto mais prximas ou prximas.

    Por exemplo, nas relaes dos avs e netos so 19,2% e 20,7% que se incluem

    nestas opes de resposta, em oposio a 35,4% que as considera iguais. Nas

    relaes entre pais e ilhos so 28,2% e 19,2% contra 28,7% e, por ltimo, quanto

    s relaes entre irmos, 25,9% e 22,7% consideram-nas muito prximas e

    prximas, respetivamente, e 29,2% iguais. A percentagem de indivduos que

    considera as relaes intergeracionais familiares distantes ou muito distantes

    nunca ultrapassa os 10%.

    No que respeita ementa diria de consumo das mdias, a maior parte dos

    respondentes utiliza a televiso (93,3%), o computador (48,4%), a internet (43,4%)

    e o celular (89,5%) diariamente. E, durante o dia, a utilizao da televiso

    realizada pela maior parte dos respondentes, entre 1 e 3 horas (56,9%), do

    computador, da internet e do celular menos de 1 hora (31,2%, 39,2% e 59,6%,

    respetivamente). Para alm disso, os respondentes consideram ainda que se

    residissem em meio urbano, a utilizao da televiso (58,1%), do computador

    (54,9%), da internet (52,4%) e do celular (66,3%) seria igual.

    A convergncia de espaos e tempos devido utilizao das novas mdias foi

    outro dos tpicos que se pretendeu explorar com a aplicao do questionrio.

    Numa escala entre Concordo totalmente e Discordo totalmente, os indivduos

    deveriam assinalar a opo que melhor se aplicava sua situao relativamente

    s frases que lhes eram facultadas. Na Tabela 2 so apresentados os resultados.

    Contexto CT C D DT NO NA NS/NR

    O fato de ter computador porttil faz com que traga muitas vezes trabalho para casa

    29 51 82 38 9 150 19 N.

    7,2 12,7 20,4 9,5 2,2 37,4 4,7 %

    Respondo a e-mails pessoais no trabalho 11 60 69 53 7 154 21 N.

    2,7 15,0 17,2 13,2 1,7 38,4 5,2 %

    Acesso s redes sociais no trabalho 6 27 73 71 18 161 18 N.

    1,5 6,7 18,2 17,7 4,5 40,1 4,5 %

    Vejo televiso no trabalho 3 30 79 87 18 144 15 N.

    0,7 7,5 19,7 21,7 4,5 35,9 3,7 %

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 21

    sumrio

    Veriica-se que a opo mais assinalada foi a NA (No se aplica minha situao)

    para todas as frases. Tal poder signiicar que, no desempenho da atividade

    proissional, os respondentes no precisam recorrer utilizao das novas mdias

    e, como foi possvel perceber na caracterizao sociodemogrica, um elevado

    nmero de respondentes encontrava-se em situao de desemprego, logo era

    difcil responder a algumas destas questes. Seguidas destas respostas, as mais

    facultadas situam-se na opo de discordncia, o que signiica que os

    respondentes no so da opinio de que ocorra uma convergncia entre espaos

    to acentuada como esperado, exceto quando em frias vem informao sobre

    trabalho na internet, em que 15,7% airmam fazer; ou quando airmam que

    interrompem a atividade que esto realizando no trabalho para atender o celular,

    a opo que teve 20% de concordncia.

    Discusso dos resultados e consideraes inais

    Os resultados apresentados mostram que o consumo das novas mdias bastante

    frequente (numa base diria) na gerao dos indivduos nascidos nas dcadas 60

    e 70. Na realidade, se pensarmos que so pais, indivduos em idade ativa (de

    trabalho) e com uma rede de contatos diversa, compreende-se que assim seja,

    uma vez que necessitam estar atentos s necessidades dos ilhos, responder a

    responsabilidades laborais e estar a par do que se passa com a sua rede de amigos

    e familiares.

    Ao se reletir sobre as mudanas que esta utilizao diria das novas mdias

    trouxeram, uma das mais evidentes a interferncia nas dinmicas de percepo

    do tempo e do espao. De forma mais explcita, o dia tem as mesmas 24 horas

    Quando vou de frias vejo informao sobre o trabalho na internet

    16 63 70 57 14 142 15 N.

    4,0 15,7 17,5 14,2 3,5 35,4 3,7 %

    Quando estou trabalhando interrompo o que estiver a fazer para atender o celular

    20 80 89 59 18 92 17 N.

    5,0 20,0 22,2 14,7 4,5 22,9 4,2 %

    Tabela 2: Opinio relativamente utilizao das mdias nos diferentes contextos"3"

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 22

    sumrio

    que tinha antes da disseminao do uso das novas mdias em grande escala

    pelos indivduos, estes passaram a ter acesso a computadores ixos e portteis,

    celulares, tablets, leitores de livros (e-book readers), jogos ixos e portteis,

    televiso, leitores de msica e de vdeo portteis e ixos, ou seja, um grande

    nmero de opes de hardware que podem utilizar para realizar as tarefas

    laborais, familiares e de lazer, sobretudo se se considerarem igualmente as

    possibilidades de software que lhes esto associados (aplicaes, pginas de

    internet, redes sociais, programas, etc.). Sendo o tempo que tm disponvel o

    mesmo, tendencialmente, deixaro de existir momentos mortos ou invisveis,

    na medida em que as rotinas passaram a usufruir das potencialidades de cada

    meio tecnolgico, que alarga o horizonte cognitivo e relacional.

    O que antes eram atos contnuos, sem interrupes, agora so cada vez mais

    tarefas permanentemente interrompidas pelo celular, por alguma notiicao

    recebida na agenda ou na rede social, um novo e-mail. Estas suspenses so cada

    vez mais frequentes e, por isso, como refere Boaventura de Sousa Santos (2002

    [2000]), as rupturas e as descontinuidades, de to frequentes, tornam-se rotina e

    a rotina, por sua vez, torna-se catastrica. (SANTOS, 2002 [2000], p. 39). Os

    indivduos comeam a se habituar a esta nova agitao, algo que tambm

    acontece a quem reside no meio rural. A televiso ocupa a maior parte dos

    momentos familiares, ou ento serve como pano de fundo quando esto

    realizando outra qualquer tarefa, o computador ocupa o dia de trabalho, bem

    como o celular e a internet. A necessidade da multitarefa est tambm associada

    a esta parafernlia de meios ao dispor dos indivduos, que na urgncia de usufruir

    de tudo e de fazer tudo, acaba por precisar emparelhar vrias tarefas.

    A multitarefa est associada eroso dos espaos, como se veriicou, sobretudo

    utilizao do celular. Alis, este dispositivo vive com os indivduos como uma

    segunda pele, como diz Ilharco (2007), como o celular porttil, pode-se dizer

    que est localizado com o nosso corpo. () o celular est acoplado a ns e

    pertence nossa acoplao no mundo (ILHARCO, 2007, p. 69, traduo nossa).

    Esta caracterstica potencia a noo de disponibilidade imediata quer para quem

    entra em contato, quer para quem est com o celular ou o e-mail, sempre

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 23

    sumrio

    comunicveis, deixando de ser necessrio esperar por horas especicas para falar

    com algum. O que cria a necessidade de cruzar contextos e perodos temporais,

    interromper tarefas numa base constante e adaptar-se multitarefa.

    As relaes sociais so tambm um bom indicador dos tempos. Provavelmente,

    os indivduos no esto mais isolados, procuram menos o exterior da casa, os

    terceiros lugares, como cafs, bares, locais de encontro para conversar. No

    entanto, como foi possvel ver nos resultados dos questionrios, as relaes

    mantm-se na opinio dos respondentes, e, hipoteticamente, nada seria diferente

    se residissem num meio urbano.

    Para terminar, pode concluir-se que os habitantes do meio rural portugus,

    nascidos nas dcadas 1960 e 1970, possuem os dispositivos tecnolgicos

    caractersticos da contemporaneidade e incorporaram o seu uso das rotinas

    cotidianas. Contudo, os dados mostram que ainda mantm uma separao

    signiicativa entre os espaos: domstico, laboral e de lazer. As novas mdias no

    potencializaram de forma signiicativa, para estes indivduos, a eroso das

    fronteiras reais e simblicas entre esses espaos-contextos. Os dados denotam

    que h uma coabitao entre especiicidades dos lugares que no so violentadas

    pela presena das novas mdias. Esta caracterstica denota uma especiicidade

    do contexto rural onde o ndice de mobilidade substancialmente inferior ao

    dos contextos urbanos onde as pessoas tm de fazer grandes e/ou demoradas

    deslocaes entre o lugar onde habitam e o lugar onde trabalham, com migraes

    pendulares que geram grandes perodos de tempos intermdios relativos

    espera dos transportes pblicos, numa viagem de txi, numa ila de trnsito, etc.

    em que os indivduos ocupam esses tempos intermdios com o uso de

    dispositivos mveis conectados internet que permitem aceder a informao e

    estabelecer comunicao, redeinindo o signiicado do lugar, que passa a

    coincidir com o prprio indivduo, que satura o tempo intermdio com prticas

    sociais mediadas tecnologicamente.

    No contexto rural, a conectividade ubqua no demonstra ter um forte impacto

    na redeinio dos espaos, podendo assim os seus habitantes usufruir dos

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 24

    sumrio

    espaos de lazer para se divertirem e reporem as energias, dos espaos domsticos

    para fortalecer os laos fortes familiares e dos espaos de trabalho para se

    focalizarem nas tarefas proissionais. A lgica dos espaos hbridos promovidos

    pela saturao do tempo pela tecnologia ainda no caracteriza o ecossistema

    social do contexto rural. A comunicao mvel ainda no conseguiu homogeneizar

    os espaos no contexto rural.

    Notas

    1. Short Message Service. (p. 16)

    2. Em Portugal, os primeiros nveis de ensino so divididos em ensino bsico e secundrio. O ensino bsico contempla 3 ciclos: 1 ciclo de ensino bsico com a durao de 4 anos (do 1 ao 4 ano escolaridade - dos 6 aos 10 anos de idade); 2 ciclo de ensino bsico com a durao de 2 anos (5 e 6 anos de escolaridade - dos 11 aos 12 anos) e 3 ciclo de ensino bsico com a durao de 3 anos (7, 8 e 9 anos de escolaridade - dos 13 aos 15 anos). O ensino secundrio tem a durao de 3 anos (10, 11 e 12 anos de escolaridade - dos 16 aos 18 anos de idade). (p. 17)

    3. Legenda: CT: Concordo totalmente; C: Concordo; D: Discordo; DT: Discordo totalmente; NO: No tenho opinio; NA: No se aplica minha situao; NS/NR: No sei/No respondo. (p. 21)

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  • TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS

    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 29

    sumrio

    O vestido duma mulher de Lhassano seu lugar um elemento visvel daquele lugartornado visvel

    Wallace Stvens

    Do espao ao territrio, do territrio ao lugar

    No nos relacionamos com o espao puro, mas com o espao construdo

    simbolicamente. Mesmo os espaos de natureza so apropriados a partir de um

    quadro geocultural e geoemocional que vincula o indivduo ao territrio

    enquanto lugar de sentido. O GeoCMS (Geospatial Content Management System)

    cria a possibilidade de gerao de servios que suscitam um contexto a partir do

    qual o usurio pode partilhar as suas experincias dos lugares, pode conhecer o

    que os outros usurios sentiram, pensaram, sugerem numa lgica de cultura de

    convergncia e participao (HAMILTON, 2009). Mas, tambm usufruir de servios

    de realidade aumentada e de realidade acelerada que lhe permitem fruir de

    modo intensivo das dinmicas fenomnicas do lugar (JESUS, 2009). Assistir

    festividade que apenas ocorre num dado momento do ano, aceder s tradies e

    aos objetos culturais que foram povoando historicamente o lugar, assistir s

    metamorfoses arquitetnicas do lugar. Enim, um lugar aumentado signiicar

    um lugar que se pode explorar como quem explora um quadro com a tcnica do

    palimpsesto, em que se vai explorando camada a camada e se vo

    compreendendo as redes e espessuras culturais, histricas, polticas e sociais de

    um dado ambiente social. Ampliando as potencialidades de fruio esttica do

    lugar "Camadas de dinmicas e dados contextuais sobre o espao fsico um

    caso particular de um paradigma esttico geral: como combinar diferentes

    espaos juntos (MANOVICH, 2006, p.266, traduo nossa).

    A proposta de lugar aumentado que se apresenta, prope lgicas dialticas entre

    vinculao territorial e usufruto de contedos digitais, entre participao

    amadora dos usurios (User-generated content - UGC) e participao

    especializada com a criao de contedos especializados produzidos pelas

    indstrias culturais (Specialist-generated content SGC) (KEEN, 2008) (FLICHY,

    2010). A convergncia assume-se numa pluralidade semntica (JENKINS, 2009)

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    sumrio

    enquanto horizontalizao da comunicao em que especialistas e amadores

    conluem num mesmo espao, mas tambm convergncia de meios e linguagens

    utilizadas para expressar a relao com o lugar e a fruio cultural do mesmo

    (LEMOS, 2007; SANTAELLA, 2008); bem como, convergncia participativa com a

    hibridao das funes de produtor/consumidor de contedos e convergncia

    colaborativa no sentido da autoria coletiva efetivada na dinmica da rede, em

    que no se trata apenas da relao usurio-contedo, mas usurio-usurio da

    qual nasce o capital social como camada imaterial-relacional do lugar aumentado

    (MEIKLE; YOUNG, 2012).

    As pessoas transformam o espao em territrio e povoam o territrio de lugares.

    Este trabalho de domesticao/apropriao do espao para o transformar em

    lugares passa por um processo de povoamento do espao com artefatos que

    cristalizam a cosmoviso dos indivduos, dos grupos, das sociedade. Assim, o

    espao passa a territrio deixando de ser uma entidade homognea e ganhando

    diferentes espessuras simblicas, que criam assimetrias, que diferenciam e que

    do sacralidade, no sentido em que atribuem signiicao e valor. O espao

    profano homogneo no existe, existem territrios povoados de lugares de

    diferentes densidades, com diferentes capacidades de habitar e atrair capitais

    (inanceiros, culturais, sociais, etc.). A proposta promover estratgias de

    comunicao baseadas em servios georeferenciados que acrescentem camadas

    ao territrio, aos lugares, que os tornem mais competitivos por serem multiplexos.

    A relexo vai no sentido da gerao dos lugares aumentados multiplexos, por

    uma estratgia de duplo enraizamento: um enraizamento na terra, no contexto

    material produtor de diferena e um enraizamento nas nuvens em que a partir

    do lugar material tenho acesso a um territrio complementar que aditiva

    positivamente a experincia dos lugares. A convergncia nas mdias com

    georefernciao permite criar este cenrio de lugares aumentados multiplexos.

    Os dispositivos mveis, os crans pessoais, conectados internet em permanncia

    (celulares, tablets, laptops, etiquetas RFID, Wi-Fi, bluetooth, etc.) e que esto com

    cada sujeito, abrem uma nova porta para o territrio criando novas formas de

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    sumrio

    relao e gesto das redes sociais com os indivduos que geram/agregam valor

    ao lugar e com as memrias do lugar, com a sua identidade. Mais nuvens

    signiicar mais terra. Mais terra incrementar a nuvem, a espessura imaterial do

    lugar, graa s lgicas mltiplas da convergncia dos meios e da compulso para

    a proximidade (BODEN; MOLOTCH, 1994), com os lugares e com as pessoas.

    Autctone ao mesmo tempo um atributo de soberania e submisso

    Emmanuel Lvinas

    Orientaes, destinos, sentidos: informar o espao

    A nossa relao com o mundo vem da nossa relao com o espao e o ambiente.

    A dimenso espacial aquela a partir da qual e dentro da qual procuramos, desde

    sempre, orientaes signiicativas. Damos sentido s nossas preferncias

    escolhendo percursos, e atravs destes nos aproximamos, duma forma

    ciberntica, ao que fulcral, ou central, para ns. O sentido dos lugares nunca

    ingnuo, embora nos preexistam, uma vez que com estes nos deparamos,

    teremos que nos situar nestes espaos, material e simbolicamente.

    Como nos encontros entre seres humanos precisamos constantemente de uma

    avaliao acerca do contexto de interao, para testar e entrever todas as

    possveis implicaes presentes no processo comunicacional que se vai

    desenvolvendo. Necessitamos de coordenadas, embora que invisveis, para

    poder assim entender e supor o destino de qualquer relao.

    Relativamente aos ambientes fsicos, ica ainda mais urgente a sensao,

    antropologicamente fundamentada e inesgotvel, de dever promover uma

    capacidade de familiarizar com tais espaos, e com muito mais evidncia quando

    uma espacialidade se apresenta como alheia. Instituir e aplicar coordenadas ao

    ambiente circunstante, apesar de evocar uma atitude normativa, acaba por

    resultar em uma atitude naturalmente tcnica de codiicao do circundante.

    Algo de necessrio, mas que proporciona um certo gozo no aproveitamento

    semntico do habitat.

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    sumrio

    Esta tcnica de adaptao ao ambiente nos leva prtica do habitar, sem esta

    hermenutica espacial, sem esta procura de orientao no conseguiramos criar

    um centro (um centro relativo, em dilogo com outros centros, mas o nosso

    centro), um lugar que nos faa sentido. Esta habilidade antropolgica no

    imediata, nem nos dada, mas vem sempre de uma relao entre um aqui e um

    fora, onde se perdem os conins desta relao, mas constantemente recriam-se

    no confronto com um exterior que no deixa de exercer a sua presena. Orientar-

    se no ambiente, seja ele urbano ou desabitado, tem a ver com a procura de

    presenas, com a descodiicao destas e com o deixar sinais (mais ou menos

    duradouros) de presenas.

    Esta atitude cognitiva, mas tambm emocional e afetiva, de orientao ao

    mesmo tempo geral e particular, porque sempre nos localizamos atravs de um

    pensamento e de uma sensibilidade localizada, conforme a superfcie do

    ambiente circunstante. Para cumprir uma tarefa to essencial desenvolvemos

    uma sensibilidade heurstica ligada ao espao, a georeferenciao, que um dos

    efeitos desta nossa sensibilidade. Mas com sensatez podemos considerar e

    destacar como provvel de que a nossa mente funcione mesmo por localizaes,

    assim como a nossa memria chegue a icar vinculada e condicionada pelos

    lugares, como se estes fossem invocadores de experincias maneira de uma

    madeleine proustiana, conigurando assim as lembranas como mais que um

    passado, isto , como um espao passado (PEREC, 1974).

    Foram mile Durkhiem e Marcel Mauss os estudiosos que, no comeo do sculo

    passado, avanaram com a hiptese de que a lgica dos sistemas de classiicao

    fosse toponomstica, e os conceitos se encontrassem localizados em um milieu

    de relaes em rede com outros conceitos (DURKHEIM; MAUSS, 1903). Neste

    sentido, os conceitos vm sempre de uma igurao espacial projetada pela

    nossa mente, de uma localizao ideal, remetendo a lugares comuns

    esquematizados (os topoi aristotlicos), as formas espaciais de grupos ou de

    afastamentos de ideias.

    A psicologia da evoluo nos explica tambm de como o feto j muda de posio

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    sumrio

    vinte vezes por cada hora, este movimento permanente corresponde primeira

    experincia de si mesmo atravs de uma explorao espacial, de propriocepo,

    que a base do equilbrio (PERRIN, 1991).

    Neste sentido, um dos fundadores da psicologia ambiental, Kevin Lynch, no seu

    livro A imagem da cidade (LYNCH, 2009/1960) explica como o sentido de

    orientao que se forma atravs do envolvimento com os territrios representa a

    base das nossas representaes mentais, dos nossos mapas cognitivos que,

    fundamentalmente, acabam para constituir o nosso ethos.

    Um autor heterodoxo como George Perec, no seu livro Espces d'espaces (PEREC,

    1974), antecipou sem querer a idealizao das aplicaes digitais de geolocalizao

    por sistemas mveis. A sua relexo abre com uma constatao banal: todos tm

    e andam com um relgio pessoal, mas no encontra ningum andando com

    bssolas. Na poca em que Perec escrevia no havia o mnimo indcio sobre as

    futuras mdias locativas. Esta curiosa diferena entre o uso dirio do relgio e a

    total ausncia da bssola remonta a um conhecimento do espao que mais

    intuitivo, concreto e referido nossa sensibilidade e individuao corprea,

    enquanto o tempo depende de coordenadas independentes de ns e da nossa

    adaptao a ele.

    s vezes, teremos que perguntar-nos "aonde estamos: fazer o ponto da

    situao: no apenas sobre o nosso humor, o estado de sade, as ambies,

    as convices e motivaes, mas somente sobre a nossa posio topogrica,

    e no apenas em relao aos eixos (latitude, longitude) j mencionados,

    mas em relao a um lugar ou a um ser cuja pensar, ou pensar-se-. Por

    exemplo [], questionar-se, num momento certo do prprio dia, sobre a

    posio que ocupam, uns em relao aos outros e vs, alguns dos vossos

    amigos: pensar os seus caminhos, imaginar as suas deslocaes no espao.

    (PEREC, 1974, p.112, traduo nossa)

    Hoje em dia existem aplicaes de georeferenciao que desempenham mesmo

    este exerccio de orientao espacial constante (ALMEIDA; ABREU et al., 2011). O

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    sumrio

    que ser interessante questionar e referir se as aplicaes interativas so

    capazes de criar contextos de interao e familiaridade com os lugares.

    Aprendemos que vivemos mergulhados no espao e que atravs do espao

    exterior que chegamos ao nosso centro e nossa produo de habitat familiares

    e ntimos. Ser que as mdias locativas permitem estabelecer relaes

    comunicativas, e no apenas informativas, acerca da tangibilidade dos lugares e

    dos habitat?

    Sobre a toalha de gua, luz de um sol real,dana e respira, respira e dana a vida,o seu corpo um barco que o prprio mar modela.

    Antnio Ramos Rosa

    A mapa no o territrio

    O ambiente e o espao devem ser traduzidos em lugares. Sendo, os humanos,

    antropologicamente desorientados na sua englobante e unilateral exterioridade

    acabamos por vivenci-la como um desaio cognitivo e afetivo, abrigando-nos

    ento a uma abertura, a reagir e a familiarizar com as suas presenas criando

    mapas informativos e cdigos signiicativos, incitados assim a injetar cultura na

    natureza e a projetar mundos alfabticos na superfcie do ventrloquo espao

    terrestre.

    A troca e a transposio entre mente e geograia, a assimilao recproca entre

    lugares e culturas locais, so as condies que os antroplogos nos indicam para

    termos um aproveitamento saboroso do mundo. Em castelhano existe uma

    expresso que explica este processo at fsico de ambientao: Hacerse con un

    sitio. Este processo pressupe e gera uma competncia especial, a construo de

    um mapa cognitivo visado localizao. Os habitantes no so utentes de um

    territrio, mas competentes situados nele e, ao mesmo tempo, construtores dele.

    Estamos enraizados nos lugares, essa vinculao enraizada aos lugares gera o

    crescimento da pessoa e dialeticamente o crescimento e enriquecimento do

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    sumrio

    lugar. Este processo dialtico pode ser fertilizado pelas nuvens, que acrescentam

    novas camadas informativas e comunicacionais nos e com os lugares.

    A nossa mente, explicou um estudioso como Gregory Bateson, ecolgica e

    cinestsica, e tende a criar, de forma interativa com o espao, representaes e

    mapas dos territrios, que todavia nunca so isomricas com estes, mas

    representam necessariamente a signiicao cultural destes, isto , a tentativa de

    objetivar e tornar visvel o invisvel desta relao geocultural e geoemocional.

    Neste sentido, podemos entender os nossos dispositivos tecnolgicos locativos

    como herdeiros das nossas primeiras cartograias. Estas, de fato, mapearam,

    mensuraram e analisaram os nossos trajetos nos espaos percorridos. Mas qual

    que a natureza destes espaos codiicados?

    O elemento temporal, diacrnico, o da familiarizao com os lugares subjaz

    aquisio da competncia antropolgica do habitar, competncia entremeada,

    como fcil entender pelo j referido, com a faculdade de representar e codiicar

    uma especica rea geogrica. Mas qual que a forma mais pertinente de

    representar um lugar vivenciado no tempo, aquela mais adequada e conforme

    experincia sentida duma especica rea geogrica? Como podemos passar

    dum mapa mental para um mapa exteriorizado?

    Narrar a presena e as presenas envolventes num contexto socioambiental

    remete a mais uma habilidade, aquela da evocao e da traduo da materialidade

    e da sensorialidade do espao vivido numa alegoria grica de signos e smbolos,

    hoje em dia sempre mais dinmicos e interativos por meio de softwares e

    webwares (MANOVICH, 2008).

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    sumrio

    Semelhante imvel transparncia inesgotvel face pedra larga onde o olhar repousa

    Antnio Ramos Rosa

    Remediar as relaes com os territrios

    De fato, a experincia contempornea dos lugares sempre mais uma experincia

    hipermediatizada. Os lugares sempre mudaram por meio das nossas intervenes

    e das nossas redes de relaes atuantes neles. Hoje estas redes relacionais no (e

    com) os territrios atravessam e desfrutam novos suportes tecnolgicos que, por

    sua vez, proporcionam vrias camadas de experincias scio-espaciais. Olha-se

    no cran e na rua, ica-se na praa, mas ao p do hotspot Wi-Fi, se ouve o ritmo

    da cidade e a voz do GPS, se procuram amigos e se encontram notcias com

    comentrios, entra-se num meio de transporte e pergunta-se ao smartphone o

    percurso. Os relacionamentos com o territrio tornam-se multiplexos, densiicam-

    se, h recombinao de elementos numa estrutura caleidoscpica, ressigniicando

    os lugares.

    As mdias sempre estruturaram a dimenso espaciotemporal e perceptiva da

    nossa experincia: elas organizam o frame atravs do qual mediamos cognitiva e

    afetivamente a nossa interao com a realidade. O frame, como a familiaridade

    com um habitat, resulta geralmente invisvel para quem ica dentro dele e

    incompreensvel para quem est no seu exterior.

    Neste sentido, McLuhan fala de auto-amputao, isto , o que ocorre quando

    aceitamos como bvio um sistema que medeia e que iltra as nossas relaes

    com o mundo. Redimensionando a relao com o espao fsico dos territrios

    redimensionamos, tambm, a possibilidade de perder-nos (facilmente) nele,

    para posteriormente reencontrar-nos (felizmente) como seres situados. Ao

    mesmo tempo, ganhando tecnicamente um posicionamento e uma orientao

    algortmica e instantnea, ganhamos tambm, novas informaes e novos

    estmulos para sentirmo-nos multi-situveis, ou potencialmente situados, pr-

    situados, pelo programa locativo informatizado (SANTAELLA, 2007).

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    sumrio

    Os frames que antigamente produziam, com muita eiccia, as instituies

    polticas e religiosas, hoje so produzidos pelas mdias. Mas no pelas mquinas

    mediticas, no mais o hardware a condicionar a forma comunicacional, mas o

    software, as regras de funcionamento dos programas e as convenes desaiadas

    pelas aplicaes interativas. O frame a mensagem, ele a matriz da signiicao,

    signiicao desencadeada por caixas pretas 2.0!

    Estudar a cultura do software no signiica analisar apenas as prticas de

    programao, os valores e a mission dos programadores e das empresas; assim

    como no seria suiciente analisar a cultura que atravessa os contextos de

    produo. Para completar o estudo sobre a cultura contempornea deveramos

    esclarecer como o software readapta, remodela, remedia os objetos e os

    contedos aos quais se aplica, determinando o nosso processo de fruio.

    Foi mrito de estudiosos como Bolter e Grusin (BOLTER; GRUSIN, 2000) ter

    recuperado e reconigurado a centralidade do conceito de remediation em

    McLuhan: o contedo de um medium sempre um outro medium. O contedo

    da escritura o discurso, assim como a palavra escrita o contedo da imprensa,

    e o da imprensa o telgrafo (MCLUHAN, 1964). A remediao hoje em dia

    uma hipermediao que pretende ser imediao. Neste sentido, o tempo

    consubstancial ao habitar ica transigurado pela remediao constante do

    espao em cones digitalizados.

    Mudam as coordenadas cognitivas e perceptivas nas relaes com o mbito

    cultural atingido pelo software, isso , quase todas as prticas sociais da nossa

    vida cotidiana esto sujeitas a transcodiicarem-se na rede das relaes

    intersticiais entre cidados-territrios-Web-utilizadores.

    Porm, os software studies no so os code studies, porque o que interessa a

    uma anlise cultural a experincia medial proporcionada pelo software, a

    interatividade com os documentos digitais. A leitura em suporte digital de um

    documento PDF, ou a viso de uma fotograia determinada pelo software que

    deine as opes para a navegao, o editing e a partilha do documento. No

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 38

    sumrio

    apenas o documento em si, o seu contedo, que determina a sua recepo.

    Para entender e participar na cultura contempornea essencial um estudo das

    premissas tcnicas e dos princpios culturais implicados no funcionamento do

    software; ao mesmo tempo necessrio focar a ateno na customizao (as

    apropriaes dos meios nas suas diferentes utilizaes) dos artefatos

    programados.

    A experincia com as mdias digitais, a interpretao dos seus produtos, no

    permite pressupor os seus contedos (como na cultura analgica) como

    completos e deinidos. De fato, os contedos digitais so inacabveis e

    constantemente alterveis: Google Earth atualizado diariamente, mas tambm

    um arquivo PDF ou um arquivo de msica nos disponibiliza e desaia uma fruio

    tecnicamente lexvel.

    A terra tambm se tornou lquida e lexvel? Pensar e experimentar os territrios

    atravs destas novas lentes muda a relao com os mesmos, mas no a

    necessidade de dever familiarizar-se com eles. No ser com um cran ou com

    um interface grico que familiarizaremos e aprenderemos a habitar, mas sempre

    com um contexto espacial, geocultural e geoemocional.

    Os lugares aumentados multiplexos

    O mapa ele prprio um dispositivo cultural que foi tendo a sua metamorfose do

    proto-mapa aos mapas lexveis em suporte digital. O mapa um interface

    cultural, poltico, geoestratgico, clssico entre o sujeito e o territrio. O mapa

    permite relacionar agentes e sobrepor diversas camadas de informao: o

    modelo estrutural do mapa composto por trs nveis de base: o mapa sinttico,

    o mapa semntico, e o mapa pragmtico. Os diversos nveis permitem ao mapa

    expressar-se como ferramenta de conhecimento, poder e comunicao. (NEVES,

    2011,p.1). A passagem do paradigma analgico para o paradigma digital trouxe

    tambm ao mapa novas identidades e novas potencialidades. O mapa digital

    passa a ser dinmico, permitindo usufruir da gesto de dados geogricos e

    ambientais complexos que os Sistemas de Informao Geogrica (SIG) passaram

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    sumrio

    a permitir. Desde o surgimento da geographic information science passaram-se

    mais de 20 anos (GOODCHILD, 2012), neste perodo deu-se uma mudana radical

    nos nveis de conectividade internet, na computao ubqua, na miniaturizao

    dos dispositivos de comunicao que permitiu a sua portabilidade. neste

    contexto em que os dispositivos mveis conectados em rede e apetrechados de

    aplicaes que usam informao georeferenciada, em que o mapa surge como

    interface no qual se partilham contedos e se estabelecem redes sociais, que

    interessa pensar a relao entre mapa e territrio: onde acaba o mapa e comea

    o territrio? A terra como interface (NEVES, 2011). E onde comea o territrio e

    acaba o mapa? H uma dupla textualidade.

    O mapa como plataforma geomedia multifuncional e multidimensional (NEVES,

    2011) abre, num efeito quase paradoxal, a oportunidade de ter o territrio a

    desempenhar a funo de interface, de mapa que remete para o mapa. O

    territrio passa a estar embutido de sensores, de etiquetas RFID, etiquetas QR

    Code, etc., que o tornam num corpo implantado de dispositivos que o convertem

    em agente. Simbiose entre biolgico, ecolgico e a codiicao, um meio saturado

    de capacidade computacional (KANG; CUFF, 2005). A ideia do cyborg, com a

    incorporao da tecnologia no prprio corpo, salta agora para o territrio

    Cyborguizao do territrio (Cyborgeo) o territrio como organismo ciberntico,

    corpo implantado de dispositivos que o tornam agente. Os trs atores natureza

    (espao), ambiente construdo (territrio) e subjetividade (usurio/lugar)

    interatuam tendo como pele o mapa sensitivo e o territrio sensitivo que

    permitem ampliar as relaes no cotidiano: O territrio humano o espao

    povoado de artefatos tecnolgicos. (...) um mundo de tecnologias iniltradas,

    das tecnologias que, quanto mais poderosas, mais invisveis. (FIRMINO; DUARTE,

    2012, p.71).

    O territrio cran, o prprio territrio o elemento desencadeador da interao

    devido sobreposio de territorialidades, o mesmo lugar pode ser desdobrado

    em camadas virtuais customizveis graas computao ubqua, realidade

    aumentada, aos interfaces tangveis, aos smart objects (objetos conectados com

    a internet), wearable computers (dispositivos de computao e telecomunicaes

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 40

    sumrio

    embebidos no vesturio), etc.

    Nasce e incrementa-se uma nova dinmica de relacionamento com o territrio,

    de possibilidade de antropologicamente nos situarmos, em que o territrio

    ganha novas camadas atuantes e em que o usurio se relaciona consigo, com o

    territrio e com os outros numa lgica de convergncia e participao.

    A anlise deve ser realizada em trs eixos: a representao, a semntica e a

    participao (ORELLANA; BALLARI, 2009, p.29).

    Muitos termos tm sido usados para tentar deinir este novo papel ativo dos

    cidados: neogeograia, informao geogrica voluntria, ambientes de

    participao e de colaborao, as pessoas como sensores. Em suma, o que

    esses termos representam que a produo de informao geogrica,

    bem como, os servios e aplicaes baseados em localizao j no so

    atividades exclusivas de organismos oiciais e de empresas privadas de

    cartograia. Neste contexto, cada um de ns tem em suas mos a

    oportunidade de participar ativamente na captao de informao e

    partilhar os seus prprios dados com outros possveis usurios. (ORELLANA;

    BALLARI, 2009, pp.38-39, traduo nossa)

    Assim, os LBSM (Location Based Social Media) como os LBSM criam um novo

    tipo de visibilidade e de memria sobre lugares, pessoas e atividades eu

    argumento que eles so signiicativos para a atribuio subjetiva de laos de

    elevado sentido com o lugar. (FISCHER, 2008, p.586, traduo nossa) permitem

    gerar novas dinmicas de fruio do territrio, com uso de dispositivos mveis

    usando GeoCMS (Geospatial Content Management System), como por exemplo:

    Layar (www.layar.com), Wikitude (http://www.wikitude.com/), Foursquare

    (https://pt.foursquare.com/), Citysense (www.citysense.com), Sense Networks

    (https://www.sensenetworks.com/retail-retargeting/), Tripit (https://www.tripit.

    com/), Google Latitude (http://www.google.com/mobile/latitude/), Facebook

    Places (https://www.facebook.com/about/location), UberTwitter (http://m.

    ubertwitter.com/).

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 41

    sumrio

    A comunicao em rede v a sua dinmica enriquecida pela percepo do

    contexto que se passa a ter. O enraizamento da comunicao na territorialidade

    abre novas fronteiras na cultura da mobilidade, que deixa de ser apenas

    mobilidade virtual, navegao no ciberespao, para ser navegao entre terra e

    nuvens. Sobre a imagem captada da realidade o utilizador pode obter novas

    camadas de informao sobre esse lugar, camadas de experincia e relao que

    no estariam ao seu alcance, criando ambientes mistos aumentados baseados

    na colaborao ACME Augmented Collaboration in Mixed Environments

    (LUCAS, 2012).

    Trata-se de uma ecologia miditica hbrida (SANTAELLA, 2008) novas

    espacialidade / hipercomplexidade cultural e comunicacional dos lugares

    memria e esquecimento, individual e coletivo.

    De fato, as mdias locativas esto criando oportunidades para se repensar e

    re-imaginar o espao cotidiano. Embora conectados imaterialidade das

    redes virtuais de informao, no poderia haver nada mais fsico do que

    GPS e sinais Wi-Fi que trazem consigo outras maneiras de pensar o espao e

    o que se pode fazer nele. Uma nova espacialidade de acesso, presena e

    interao se anuncia: espacialidades alternativas em que as extenses, as

    fronteiras, as capacidades do espao se tornam legveis, compreensveis,

    prticas e navegveis, possibilitando, sobretudo, prticas coletivas que

    reconstituem os modos como nossos encontros com os lugares especicos,

    suas bordas e nossas respostas a eles esto fundados social e culturalmente.

    (SANTAELLA, 2008, p.97)

    Ler e escrever nos lugares icar com a sua narrativa para uso pessoal ou partilha

    MIM (Mapeamento Interativo Mnsico) o rastro, a memria, as marcas

    interpretativas do lugar, a complementaridade subjetiva do lugar, recupervel

    pelo MIM. Diz-me por onde andas dir-te-ei quem s! a experincia dos lugares

    como elemento estruturante da identidade e da capacidade de explorao futura

    de novos lugares - os lugares passam a dialogar, o sujeito pode fazer anotaes

    no espao o contexto ganha um novo valor.

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    sumrio

    A informao geogrica (GIS), a internet das coisas dadas pelas tags de

    radiofrequncia (RFID) e a linguagem de marcao geogrica (GML Geographic

    Markup Language), entre outras tecnologias, criam a oportunidade de

    desenvolvimento de servios que permitem gerar uma relao afetiva e sensorial

    com o lugar (sensorizao do espao -> sensibilidade do lugar). Os elementos

    dos lugares passam a ser atores que dinamizam o usufruto e a fruio esttica,

    emotiva, histrica, poltica e cultural do lugar. A questo central no a tecnologia

    que rapidamente se torna obsolescente, a questo central o ontos do lugar, a

    sua essncia, o que o torna particular, ou seja, a dimenso geocultural e

    geoemocional que central as pessoas tm no essencial uma relao esttica

    com os lugares, gostam dos stios. Mais do que um clculo racional de um

    clculo relacional, afetivo que se trata. Deixam-se afetar pelo lugar. Esta

    sensorialidade projetada na prpria tatilidade dos dispositivos que interatuam

    com o territrio.

    Cada lugar esconde um conjunto de informaes, de relaes potenciais, de

    desaios, mistrios e oportunidades, com os servios de informao e comunicao

    georeferenciados abre-se a oportunidade de tornar visvel o invisvel dos lugares,

    de tornar patente o latente. Rede de pontos quentes do lugar (hotspots places)

    rede de geotags que permite transformar/adicionar ao lugar uma camada que

    est nas nuvens, mas se cola ao lugar ampliando o potencial de relao. O lugar

    como um corpo com histria e com histrias.

    A comunicao em rede v a sua dinmica enriquecida pela percepo do

    contexto que se passa a ter. O enraizamento da comunicao na territorialidade

    abre novas fronteiras na cultura da mobilidade, que deixa de ser apenas

    mobilidade virtual, navegao no ciberespao, para ser navegao entre terra e

    nuvens.

    O territrio interface, desaios futuros

    A criao de novos servios em que a componente cultural e social seja central

    o desaio principal. O envolvimento das instituies e organizaes culturais a

    participarem na criao de contedos culturais de qualidade, que potenciem a

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 43

    sumrio

    riqueza histrica, cultural, social, poltica e cientica de um lugar. Para alm desta

    componente formal de participao de especialistas, os servios tm a ganhar

    com a participao amadora dos habitantes e visitantes dos lugares que

    adicionam informao emotiva e sensitiva relativa sua experincia dos lugares.

    Vive-se numa realidade mista a realidade mista deine a partilha de um espao-

    tempo entre o real e o mundo virtual. (LUCASA; CORNISHB et al., 2012, p.277,

    traduo nossa) na conluncia da fruio do territrio com a fruio da

    territorialidade imaterial da camada cultural e social desse territrio.

    Mark Weiser (1991), o pai da expresso computao ubqua (ubiquitous

    computing) sublinha a ideia da transparncia das tecnologias no cotidiano - as

    tecnologias mais profundas so aquelas que desaparecem. Elas tecem-se no

    tecido da vida cotidiana at que se tornam indistinguveis a partir dele. (WEISER,

    1991, p.94, traduo nossa), essa transparncia uma das caractersticas centrais

    dos dispositivos mveis, que passam a ter uma presena naturalizada no

    cotidiano.

    Os desaios para alm de tecno-sociais so tambm ticos e polticos. Levantam-

    se questes como: quem e como garantir a proteo da informao? Se estamos

    disponveis para ser vigiados a todo o momento e em todos os lugares? Como

    so utilizadas as informaes recolhidas sobre os hbitos das pessoas,

    nomeadamente, para ins publicitrios e comerciais? (ORELLANA; BALLARI, 2009,

    p.49). E novas oportunidades como aprendizagem informal ubqua (SANTAELLA,

    2010) com base em servios de realidade aumentada e MEIS (Mobile

    Environmental Information Systems) que abrem novas formas e estratgias de

    relao com o territrio e com as sua histria e redes de sentido.

    Estamos face a lugares plissados, que mostram e escondem conforme os

    movimentos do usurio, em que a terra (os objetos, as materialidades) so a

    interface para as nuvens (a camada digital de informao e comunicao)

    potencializadas pelo lugar.

    Estar e ser entre terra e nuvens, num jogo dialtico.

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    EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 44

    sumrio

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