Experimentos com alumínio

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006 38 Experimentos com alumínio A seção “Experimentação no ensino de Química” descreve experimentos cuja implementação e interpretação contribuem para a construção de conceitos científicos por parte dos alunos. Os materiais e reagentes usados são facilmente encontráveis, permitindo a realização dos experimentos em qualquer escola. Neste número a seção apresenta cinco artigos. EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA Recebido em 27/4/04, aceito em 11/11/05 Thiago Santangelo Costa, Danielle Lanchares Ornelas, Pedro Ivo Canesso Guimarães e Fábio Merçon Por ser leve e muito resistente, o alumínio se mostra um metal ideal para uma série de aplicações, dentre as quais se pode citar peças automotivas, revestimentos, embalagens e artefatos de cozinha. Diante da ampla disponibilidade desse metal em nosso dia-a-dia, foi elaborada uma atividade experimental sobre cinética química a partir do estudo dos fatores que afetam a velocidade da reação de oxidação do alumínio em meio ácido, utilizando materiais simples e de baixo custo. alumínio, aulas experimentais, cinética química O alumínio, em sua forma me- tálica, foi obtido em labora- tório pela primeira vez em 1825, pelo dinamarquês Hans Chris- tian Oersted (1777-1851). Estudando o fenômeno da condutibilidade elé- trica, Oersted obteve cloreto de alu- mínio (AlCl 3 ) a partir do óxido de alu- mínio (Al 2 O 3 ). O sal foi, então, tratado com amálgama de potássio (mistura homogênea contendo potássio e mercúrio), obtendo-se amálgama de alumínio que, posteriormente, foi de- composta originando mercúrio e alu- mínio. Mediante a evaporação do mercúrio, conseguiu-se isolar o alumí- nio como resíduo. Entretanto, esse metal só foi obtido com uma pureza adequada em 1827, através dos trabalhos de Friedrich Wöhler (1800- 1882), que tomou a pesquisa de Oer- sted como base. A partir de então, pôde-se realizar um estudo mais de- talhado sobre as propriedades desse metal. Nos dias de hoje, o alumínio é largamente utilizado em todo o mun- do, e novos processos econômicos foram propostos para a viabilização de sua obtenção (Peixoto, 2001). Ao comparar o alumínio com ou- tros metais de aplicação cotidiana, observa-se que este apresenta baixa densidade (2,7 g/cm 3 ), baixa tempe- ratura de fusão e ebulição (660 °C e 1800 °C, respectivamente), além das características gerais dos metais, como boa maleabilidade, ductibilida- de, condutividade elétrica e brilho me- tálico. Em relação às suas propriedades químicas, o alumínio reage espontanea- mente com o oxigê- nio do ar formando uma película prote- tora de óxido de alu- mínio sobre sua su- perfície, aumentando sua resistência a intempéries. Entretanto, essa ca- mada apassivadora não impede sua oxidação por ácidos e bases fortes, mesmo quando diluídos, ocasionado a corrosão do metal. Devido a essas características, o alumínio vem se tornando cada vez mais presente no dia-a-dia, sendo sua utilização bastante variada: em- balagens de alimentos e bebidas, fabricação de aquecedores solares e utensílios domésticos, fuselagem de aeronaves, barcos e automóveis, en- tre outros. O alumínio é um elemento com ca- ráter anfótero, sendo capaz de reagir com soluções aquosas diluídas de ácidos e bases fortes (Lee, 2000). Em am- bos os casos, a oxi- dação desse metal altera suas proprie- dades mecânicas, comprometendo muitas das suas apli- cações. O estudo dos fatores que impeçam, ou mesmo retardem, a velocidade da corrosão de metais é de fundamental impor- tância nos âmbitos econômico e so- cial (Gentil, 1996). Desta forma, este trabalho teve por objetivo propor um conjunto de atividades, a partir de materiais sim- ples e de baixo custo presentes no cotidiano, baseadas na análise da Obtido pela primeira vez por Oersted em 1825, o alumínio é hoje largamente utilizado devido a um processo econômico de obtenção, descoberto posteriormente

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006

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Experimentos com alumínio

A seção “Experimentação no ensino de Química” descreve experimentos cuja implementação e interpretação contribuempara a construção de conceitos científicos por parte dos alunos. Os materiais e reagentes usados são facilmente encontráveis,permitindo a realização dos experimentos em qualquer escola. Neste número a seção apresenta cinco artigos.

EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA

Recebido em 27/4/04, aceito em 11/11/05

Thiago Santangelo Costa, Danielle Lanchares Ornelas, Pedro Ivo Canesso Guimarãese Fábio Merçon

Por ser leve e muito resistente, o alumínio se mostra um metal ideal para uma série de aplicações, dentre asquais se pode citar peças automotivas, revestimentos, embalagens e artefatos de cozinha. Diante da ampladisponibilidade desse metal em nosso dia-a-dia, foi elaborada uma atividade experimental sobre cinética químicaa partir do estudo dos fatores que afetam a velocidade da reação de oxidação do alumínio em meio ácido,utilizando materiais simples e de baixo custo.

alumínio, aulas experimentais, cinética química

Oalumínio, em sua forma me-tálica, foi obtido em labora-tório pela primeira vez em

1825, pelo dinamarquês Hans Chris-tian Oersted (1777-1851). Estudandoo fenômeno da condutibilidade elé-trica, Oersted obteve cloreto de alu-mínio (AlCl3) a partir do óxido de alu-mínio (Al2O3). O sal foi, então, tratadocom amálgama de potássio (misturahomogênea contendo potássio emercúrio), obtendo-se amálgama dealumínio que, posteriormente, foi de-composta originando mercúrio e alu-mínio. Mediante a evaporação domercúrio, conseguiu-se isolar o alumí-nio como resíduo. Entretanto, essemetal só foi obtido com uma purezaadequada em 1827, através dostrabalhos de Friedrich Wöhler (1800-1882), que tomou a pesquisa de Oer-sted como base. A partir de então,pôde-se realizar um estudo mais de-talhado sobre as propriedades dessemetal. Nos dias de hoje, o alumínio élargamente utilizado em todo o mun-do, e novos processos econômicos

foram propostos para a viabilizaçãode sua obtenção (Peixoto, 2001).

Ao comparar o alumínio com ou-tros metais de aplicação cotidiana,observa-se que este apresenta baixadensidade (2,7 g/cm3), baixa tempe-ratura de fusão e ebulição (660 °C e1800 °C, respectivamente), além dascaracterísticas gerais dos metais,como boa maleabilidade, ductibilida-de, condutividade elétrica e brilho me-tálico. Em relação àssuas propriedadesquímicas, o alumínioreage espontanea-mente com o oxigê-nio do ar formandouma película prote-tora de óxido de alu-mínio sobre sua su-perfície, aumentando sua resistênciaa intempéries. Entretanto, essa ca-mada apassivadora não impede suaoxidação por ácidos e bases fortes,mesmo quando diluídos, ocasionadoa corrosão do metal.

Devido a essas características, o

alumínio vem se tornando cada vezmais presente no dia-a-dia, sendosua utilização bastante variada: em-balagens de alimentos e bebidas,fabricação de aquecedores solares eutensílios domésticos, fuselagem deaeronaves, barcos e automóveis, en-tre outros.

O alumínio é um elemento com ca-ráter anfótero, sendo capaz de reagircom soluções aquosas diluídas de

ácidos e bases fortes(Lee, 2000). Em am-bos os casos, a oxi-dação desse metalaltera suas proprie-dades mecânicas,c o m p r o m e t e n d omuitas das suas apli-cações. O estudo

dos fatores que impeçam, ou mesmoretardem, a velocidade da corrosãode metais é de fundamental impor-tância nos âmbitos econômico e so-cial (Gentil, 1996).

Desta forma, este trabalho tevepor objetivo propor um conjunto deatividades, a partir de materiais sim-ples e de baixo custo presentes nocotidiano, baseadas na análise da

Obtido pela primeira vezpor Oersted em 1825, o

alumínio é hoje largamenteutilizado devido a um

processo econômico deobtenção, descoberto

posteriormente

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influência de alguns fatores que afe-tam a velocidade de uma reaçãoquímica (oxidação do alumínio emmeio ácido), tais como: a concentra-ção dos reagentes, a superfície decontato entre os reagentes e a tempe-ratura de reação.

Material• 2 garrafas de PET [poli(terefta-

lato de etileno)]• Papel alumínio• 4 “anéis” de alumínio retirados

de latas de bebidas• Solução “limpa piso” (ou ácido

muriático)• Soda cáustica• Cubos de gelo• 2 béqueres de 250 mL• 4 tubos de ensaio• 2 provetas de 10 mLNa ausência de material de labo-

ratório, a vidraria utilizada pode sersubstituída por material alternativo,como copos de vidro ou de plástico.Da mesma forma, em todas as etapaspode ser utilizada a água da torneira.

A concentração de ácido clorídricona solução “limpa piso” é de aproxi-madamente 5 mol/L, tendo sido pre-viamente determinada por titulaçãoácido-base. Por sua vez, a soluçãoaquosa de soda cáustica foi prepa-rada na concentração de 4 g/L(0,1 mol/L).

No caso dos anéis de alumínio,além de ser um material de fácil aqui-sição e conhecido pelos alunos, outragrande vantagem do seu emprego éque eles apresentam, praticamente,uniformidade de massa e volume, oque contribui para os experimentospropostos.

Medidas básica de segurançaOs reagentes devem ser cuidado-

samente manipulados, já que a con-centração de ácido clorídrico no rea-gente comercial é aproximadamente5 mol/L. Assim, recomenda-se que osalunos utilizem guarda-pó, calça com-prida e sapato fechado.

Experimentos

Abordagem do caráter anfótero doalumínio

Em dois tubos de ensaio, adicio-

na-se quantidades iguais de solução“limpa piso” e solução aquosa desoda cáustica (0,1 mol/L). Em se-guida, simultaneamente, adiciona-seum anel de alumínio em cada tubo.O volume utilizado de cada soluçãodeve ser de aproximadamente 1/3 dovolume do tubo ou o equivalente paracobrir por completo os anéis de alumí-nio.

Em ambos os tubos, deve serobservado o consumo do metal eintensa formação de gás. Atravésdesses experimentos, é possívelcomprovar o caráter anfótero doalumínio, já que na solução “limpa pi-so” o reagente predominante é oácido clorídrico, enquanto na sodacáustica é o hidróxido de sódio. Asequações 1 e 2 representam os fenô-menos químicos a serem observadospara os meios ácido e básico,respectivamente.

2Al(s) + 6HCl(aq) →2AlCl3(aq) + 3H2(g) (1)

2Al(s) + 2NaOH(aq) +4H2O(l) → 2NaAlO2.2H2O(aq) + 3H2(g) (2)

O aumento de temperatura é per-ceptível em ambos os casos, eviden-ciando que as reações executadassão exotérmicas.

As velocidades da reação de oxi-dação do metal nos meios analisadospodem ser comparadas mediante aintensidade do desprendimento ga-soso e do tempo necessário para adissolução total do material. Nas eta-pas subseqüentes procura-se abor-dar os principais fatores que afetama velocidade desta reação química.Embora a reação ocorra satisfato-riamente nos dois meios testados,nos próximos experimentos optou-seapenas pelo emprego da solução“limpa piso” como reagente.

Influência da concentração do ácidoclorídrico sobre a velocidade dareação

Usando dois tubos de ensaio, aoprimeiro adiciona-se 10 mL de solu-ção “limpa piso” e, no segundo,10 mL desta mesma solução diluídaem água na proporção de 50% (v/v).

Introduz-se, simultaneamente, umanel de alumínio em cada tubo e com-para-se a velocidade de reação nosdois sistemas em função da quanti-dade de gás produzido.

Para feito de comparação, nas Fi-guras 1 e 2 pode-se observar os doistubos após 2 min e 5 min de reação,respectivamente. A partir da diferen-ça visual entre as quantidades de gásformado nos dois sistemas, pode-seconstatar que, na solução diluída, areação é mais lenta, enquanto que,com o reagente comercial (soluçãoconcentrada), a reação ocorre de for-ma mais rápida, com destaque parao tempo de 5 min no qual a quanti-dade de gás formado é tão intensaque dificulta a visualização do anel.

Influência da temperatura do sistemasobre a velocidade da reação

Adiciona-se 10 mL de solução“limpa piso” em dois tubos de ensaio.Em um béquer, introduz-se os cubosde gelo e cerca de 100 mL de água.Um dos tubos é colocado no interiordo béquer, deixando o sistema em re-pouso por 5 min. Após esse intervalo,simultaneamente, adiciona-se umanel de alumínio a cada um dos tubose compara-se a velocidade de reaçãonos dois sistemas em função daquantidade de gás produzido.

Neste caso, deve-se constatarque com o tubo mantido à tempera-tura ambiente a velocidade é maior.De forma análoga, este ensaio tam-bém poderia ser realizado com o rea-gente em contato com banho deaquecimento.

Influência da superfície de contatodo alumínio sobre a velocidade dareação

Em duas garrafas PET, adiciona-se o mesmo volume de solução “lim-pa piso”. Corta-se dois pedaços depapel alumínio de modo que estestenham o mesmo tamanho. Faz-seuma pequena bola com um dos pe-daços e, simultaneamente, adiciona-se a bola e o outro pedaço (de su-perfície lisa) a cada uma das duasgarrafas, tampando-as em seguida.Compara-se a velocidade de reação

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nos dois sistemas em função daquantidade de gás produzido e da ra-pidez com que as amostras de alumí-nio são consumidas.

Durante a realização deste ensaio,visando facilitar a observação, reco-menda-se que a solução de ácidomuriático esteja previamente resfria-da, isto é, seja mergulhada em banhode gelo por alguns minutos antes darealização do experimento, pois, umavez rompida a “barreira protetora” deóxido de alumínio, a reação se tornamuito rápida. Desta forma, caso a so-lução esteja à temperatura ambiente,

as velocidades dereação nas duasgarrafas serão mui-to próximas, dificul-tando o entendi-mento do experi-mento.

Recomenda-seo uso das garrafasde PET neste en-saio por serem im-permeáveis ao gáshidrogênio e tam-bém por facilitarema comprovação daformação desteproduto através doaumento da pres-são interna do sis-tema. Vale destacartambém a possi-bilidade da realiza-ção do “teste dechama”, já que oexperimento é reali-zado em sistemafechado, permi-tindo a identi-ficação qualitativado gás produzidomediante os efeitossonoro e visualdecorrentes dacombustão enér-gica do hidrogênio.

Considerações finais

O estudo da reação de oxidaçãodo metal alumínio em meios ácido ebásico possibilita a interpretação docaráter anfótero desse metal, bem co-mo o desenvolvimento de umaseqüência de experimentos abordan-do a influência de alguns fatores navelocidade de uma reação química.

Questões propostas1. A reação de oxidação do alu-

mínio metálico em solução diluída deácido clorídrico é um processo es-pontâneo (∆G < 0). Discuta como os

Referências bibliográficasGENTIL, V. Corrosão. Rio de Janeiro:

Livros Técnicos e Científicos Editora,1996.

LEE, J. Química Inorgânica não tãoconcisa. São Paulo: Editora EdgardBlücher, 2000.

PEIXOTO, E.M.A. Elemento: Alumí-nio. Química Nova na Escola, n. 13,p. 51, 2001.

Para saber maisATKINS, P.W. e SHRIVER, D.F. Inor-

ganic chemistry. 3ª ed. Nova Iorque:Oxford University Press, 1999.

CANTO, E. L. Minerais, minérios emetais – De onde vêm? Para onde vão?São Paulo: Editora Moderna, 1996.

PALMA, M.H.C. e TIERA, V.A.O. Oxi-dação de metais. Química Nova na Es-cola, n. 18, p. 52-54, 2003.

Abstract: Experiments with Aluminum – Being light and very resistant, aluminum is an ideal metal for a series of applications, among which the following can be cited: automotive parts, lining,packaging and kitchenware. Taking into account the ample availability of this metal in our daily lives, a chemical-kinetics experimental activity was developed based on the study of the factors thataffect the rate of the aluminum oxidation reaction in acid medium, using simple and low-cost materials.Keywords: aluminum, experimental classes, chemical kinetics

Figura 2: Evolução da reação entre o alumínio e a soluçãocomercial contendo ácido clorídrico, após 5 min: (a)concentrada e (b) diluída.

fatores entalpia (∆H) e entropia (∆S)contribuem para a espontaneidadeda reação, a partir das observaçõesexperimentais e da respectiva equa-ção química.

2. Na realização do ensaio da su-perfície de contato, ao se empregaro reagente comercial à temperaturaambiente, a velocidade de reação nasduas garrafas é muito próxima. Sugirauma explicação para este fato.

3. O emprego de ácido muriáticoseria indicado para a limpeza de umaescada de alumínio utilizada durantea pintura de uma casa?

Thiago Santangelo Costa ([email protected]), aluno do curso de licenciatura emQuímica da Universidade do Estado do Rio de Ja-neiro (UERJ), é bolsista do programa de iniciaçãocientífica (SR-2/PIBIC-CNPq/UERJ). DanielleLanchares Ornelas ([email protected]), alu-na do curso de Engenharia Química da UERJ, ébolsista do SR-2/PIBIC-CNPq/UERJ. Pedro IvoCanesso Guimarães ([email protected]), químico in-dustrial pela Universidade Federal Fluminense(UFF), licenciado em Química pela UERJ, doutor emCiência e Tecnologia de Polímeros pela UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ), é docente do Ins-tituto de Química da UERJ (IQ-UERJ). Fábio Merçon([email protected]), engenheiro químico e licenciadoem Química pela UERJ, doutor em EngenhariaQuímica pela UFRJ, é docente do IQ-UERJ e doInstituto de Aplicação Fernando Rodrigues daSilveira.

Figura 1: Evolução da reação entre o alumínio e a soluçãocomercial contendo ácido clorídrico, após 2 min: (a) con-centrada e (b) diluída.