Exposição 800 anos de língua portuguesa

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Semana da LEITURA

Exposição

800 anos de Língua Portuguesa

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Junho 1214

O Testamento de D. Afonso II é considerado,

pela comunidade científica, o texto mais antigo

que se conhece em escrita portuguesa, marcando

a celebração dos 800 anos da Língua Portuguesa.

Testamento de D. Afonso II

En o nome de Deus. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal. seendo

sano e saluo. tem ete o dia de mia morte. a saúde de mia alma. e a proe de mia

molier raina dona Orraca. e de meus filios. e de meus uassalos. e de todo meu

reino fiz mia mãda per que de pos mia morte. mia molier e meus filios e meu reino.

e meus uassalos. e todas aquelas cousas que Deus mi deu en poder. sten en paz e

en folgãcia. Primeiramente mãdo que meu filio infante don Sancho que ei da raina

dona Orraca agia meu reino entregamente e en paz. e ssi este for morto sem

semmel: o maior filio que ouuer da raina dona Orraca: agia o reino entregamente e

en paz. e ssi filio barõ nõ ouuermos: a maior filia que ouuermos: agia o. e ssi no

tẽpo de mia morte meu filio ou mia filia que deiuer a reinar nõ ouuer reuora: segia

en poder ra raina sa madre e meu reino segia en poder da raina e de meus

uassalos ata quando agia reuora. e ssi eu for morto: rogo ao apostooligo, come

padre e senior e beigio a terra ante seus péés que el receba em sa comẽda. e so

seu difindemẽto a raina e meus filios. e o reino. e ssi eu e a raina formos mortos:

rogoli e pregoli que os meus filios e o reino segiã em as comẽda.

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Testamento de D. Afonso II

Em nome de Deus. Eu, rei D. Afonso, pela graça de Deus rei de Portugal estando são e salvo, temendo o dia da minha morte, para a salvação da

minha alma e para proveito de minha mulher, a rainha D. Orraca e de meus filhos e de meus vassalos e de todo o meu reino, fiz meu testamento

para que depois de minha morte, minha mulher e meus filhos e meu reino e meus vassalos e todas aquelas coisas que Deus me deu para governar

estejam em paz e em tranquilidade. Primeiramente mando que meu filho, infante D. Sancho, que tenho da rainha D. Orraca assuma o meu reino

inteiramente e em paz. E se este morrer sem deixar descendentes, o filho mais velho que houver da rainha D. Orraca tenha o meu reino

inteiramente e em paz. E se não tivermos filho homem, a filha mais velha que tivermos, assuma o reino. E se no tempo da minha morte, meu filho

ou minha filha que deve reinar não tiver idade, esteja o reino em poder da rainha, sua mãe. E meu reino siga em poder da rainha e de meus

vassalos até quando cheguem à idade. E se eu morrer, rogo ao papa, como padre e senhor e beijo a terra ante seus pés para que ele receba sob

sua guarda e sob sua proteção a rainha e meus filhos e meu reino. E se eu e a rainha morrermos, rogo e peço que meus filhos e o reino sigam sob

sua proteção.

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Cristo. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, de Pedro e Paulo santos mártires, senhores invictíssimos e triunfadores, de São Miguel Arcanjo,

cuja capela fundamos na propriedade que chamam Lordosa entre os dois rios Cavaluno e Cebrário, na base do monte Petroselo, território de Anegrie (nas duas margens do Douro), eu Muzara, servo de Deus, e Zamora damos e

concedemos para Deus e para a própria capela que nós fundamos em nome de S. Pedro, S. Paulo e S. Miguel Arcanjo, damos a própria propriedade onde construímos a própria igreja em toda a sua envolvente, seus anexos conforme determina a lei canónica: doze passais (medida de superfície) para sepultar os

corpos e 72 para sustento dos frades e dos pobres, para além dos dextros (medida de superfície) da mesma propriedade que obtivemos de presúria, em favor da mesma, até aos seus lugares e extremas antigas, com pastagens,

pauis, montes, fontes, pedras, móveis ou imóveis, águas e respetivos regos ou construções de moinhos, terras cultivados ou bravias, árvores de fruto ou infrutuosas, entrada e saída, cubos, cubas, camas, cadeiras, mesas, sino de metal (bronze), cruz, arca, cálice de prata, tudo o que também aí tem de

préstimo. Damos e…

NOTA: O Latim Bárbaro esteve na formação próxima da língua portuguesa. Os documentos oficiais, a partir do séc. IX, eram escritos nesta variante do Latim. Trata-

se de um Latim bastante diferente do Latim Clássico. Muitas palavras são novas. Além disso, a sintaxe está mais próxima do Português que do Latim original. Sofreu

já a evolução de vários séculos e a influência dos povos invasores. Documentos como o Testamento de D. Afonso II (1214), ou até as Inquirições de D. Afonso III

(1258), seguem uma estrutura muito próxima da que se verifica neste documento do séc. IX.

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Poesia trovadoresca

Eno sagrado’, em Vigo Eno sagrad’, em Vigo

bailava corpo velido: amor hei! Em Vigo, no sagrado

bailava corpo delgado: amor hei! Bailava corpo velido

que nunca ouvera amigo: amor hei! Bailava corpo delgado

que nunca ouvera amado: amor hei! Que nunca ouvera amigo,

ergas no sagrad', en Vigo: amor hei! Que nunca ouvera amado

ergu’ en Vigo no sagrado: amor hei!

Martim Codax (CV 889, CBN 1232)

in FERREIRA, Maria Ema Tarracha, Op. cit.

Vi eu no sagrado em Vigo

Vi eu no sagrado em Vigo bailar um corpo tão lindo:

enamorei-me!

Vi em Vigo no sagrado bailar um corpo delgado:

enamorei-me! Bailar um corpo tão lindo que nunca vira em amigo:

enamorei-me!

Bailar um corpo delgado que nunca vira em amado:

enamorei-me!

Que nunca vira em amigo, Se não no sagrado em Vigo:

enamorei-me!

Que nunca vira em amado. Só em Vigo no sagrado:

enamorei-me! Natália Correia,

1970. Cantares dos trovadores Galego-Portugueses, Lisboa: Estampa

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Afonso X (1221 – 1284) Par Deus, senhor, enquant'eu for de vós tam alongado, nunca em maior coita d'amor, nem atam coitado foi en'o mundo por sa senhor homem que fosse nado,

penado, penado. Se[m] nulha rem, sem vosso bem, que tant'hei desejado que já o sem perdi por en, e viv'atormentado; sem vosso bem, de morrer en ced'é mui guisado,

penado, penado. Ca log'ali u vos eu vi, fui d'amor aficado tam muit'em mi que nom dormi, nem houve gasalhado; se m'este mal durar assi, eu nunca fosse nado,

penado, penado.

Leitura atual Por Deus, Senhora, Enquanto eu estiver Tão afastado de vós Nunca ninguém No mundo esteve Em tão grande sofrimento (de amor) Nem foi tão sofredor Por sua senhora, Ninguém que seja nascido, Aflito, aflito Sem nada Sem vosso bem (amor) Que tanto tenho desejado Que já perdi o sentido (juízo) Por causa disso, E vivo atormentado; Sem vosso amor Está destinado por causa disso a morrer cedo Aflito, aflito. Porque logo ali, Quando vos vi, Fiquei de amor atormentado de tal modo em mim Que não dormi, Nem tive conforto E se este mal Continuar assim Antes nunca tivesse nascido Aflito, aflito.

Do Cancioneiro Geral (publicado em 1516) Algumas semelhanças temáticas são visíveis em textos posteriores, como é o caso destes poemas retirados do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Senhora, partem tão tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém. Tão tristes, tão saudosos, tão doentes da partida, tão cansados, tão chorosos, da morte mais desejosos cem mil vezes que da vida. Partem tão tristes, os tristes, tão fora de esperar bem que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém. Joham Roiz de Castell’ Branco (?-1515) Meu bem, sem vos ver, Se vivo um dia, Viver não queria. Calando e sofrendo Meu mal sem medida, Mil mortes na vida Sinto, não vos vendo. E pois que, vivendo, Morro todavia, Viver não queria.

Conde de Vimioso (1483? – 1549)

Algumas semelhanças temáticas…

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Sedia-m'eu na ermida de Sam Simion e cercaron-mi as ondas, que grandes son! eu atendend’o meu amig'o, eu atendend’o meu amig'o! Esta[va eu] na ermida ant'o altar, E cercaron-mi as ondas grandes do mar: eu atendend’o meu amig'o, eu atendend’o meu amig'o! E cercaron-mi as ondas, que grandes son: Nom hei [i] barqueiro nen [ar son] remador: eu atendend’o meu amig'o, eu atendend’o meu amig'o! E cercaron-mi as ondas do alto mar; Nom hei [i] barqueiro nen [ar son] sei remar: eu atendend’o meu amig'o, eu atendend’o meu amig'o! Nom hei [i] barqueiro nen [ar son] remador; Morrerei, eu fremosa no mar maior: eu atendend’o meu amig'o, eu atendend’o meu amig'o! Nom hei [i] barqueiro nem [ar] sei remar Morrerei, eu fremosa, no alto mar: eu atendend’o meu amig'o, eu atendend’o meu amig'o!

Mendinho (CV 438/CBN 852)

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Estava eu na ermida de São Simeão, cercaram-me as ondas que tão altas são!

eu esperando o meu amigo! eu esperando o meu amigo!

Estando eu na ermida diante do altar, cercaram-me as ondas grandes do mar:

eu esperando o meu amigo! eu esperando o meu amigo!

Cercaram-me as ondas que tão altas são! remador não tenho nem embarcação:

eu esperando o meu amigo!

Cercaram-me as ondas do alto mar; não tenho barqueiro e não sei remar:

eu esperando o meu amigo! eu esperando o meu amigo!

Remador não tenho nem embarcação; morrerei formosa na imensidão:

eu esperando o meu amigo! eu esperando o meu amigo!

Não tenho barqueiro e não sei remar morrerei formosa no alto mar:

eu esperando o meu amigo! eu esperando o meu amigo!

Natália Correia, 1970. Cantares dos trovadores Galego-Portugueses, Lisboa: Estampa

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Levantou-s'a velida, levantou-s'alva, e vai lavar camisas eno alto. Vai-las lavar alva. Levantou-s'a louçana, levantou-s'alva, e vai lavar delgadas eno alto, Vai-las lavar alva. [E] vai lavar camisas; levantou-s'alva, o vento lhas desvia eno alto, Vai-las lavar alva. E vai lavar delgadas; levantou-s'alva, o vento lhas levava eno alto, Vai-las lavar alva.

O vento lh’as desvia; levantou-s'alva, meteu-s' alva em ira eno alto, Vai-las lavar alva. O vento lh’as levava; levantou-s'alva, meteu-s'alva em sanha eno alto, Vai-las lavar alva.

D. Dinis

(CV 172/CBN 569)

Levantou-se a bela; rompe a alvorada; vai lavar camisas

no rio: lava-as, de alvorada.

Levantou-se a alva; rompe a alvorada; alvas roupas lava no rio: lava-as, de alvorada.

Vai lavar camisas; rompe a alvorada; o vento as desvia

no rio: lava-as, de alvorada. Alvas roupas lava; rompe a alvorada; o vento as levava no rio: lava-as, de alvorada.

O vento as desvia; rompe a alvorada; fica a alva em ira

no rio: lava-as, de alvorada.

O vento as levava; rompe a alvorada; fica a alva irada

no rio: lava-as, de alvorada.

CORREIA, Natália, 1970. Cantares dos trovadores Galego-

Portugueses, Lisboa: Estampa

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Levad', amigo, que dormides as manhanas frias tôdalas aves do mundo d'amor dizia[m]: leda m'and'eu. Levad', amigo que dormide'las frias manhanas tôdalas aves do mundo d'amor cantavam: leda m'and'eu. Tôdalas aves do mundo d'amor diziam, do meu amor e do voss[o] em ment'haviam: leda m'and'eu. Tôdalas aves do mundo d'amor cantavam, do meu amor e do voss[o] i enmentavam: leda m'and'eu. Do meu amor e do voss[o] em ment'haviam vós lhi tolhestes os ramos em que siíam: leda m'and'eu.

Do meu amor e do voss[o] i enmentavam vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam: leda m'and'eu. Vós lhi tolhestes os ramos em que siíam e lhis secastes as fontes em que beviam; leda m'and'eu. Vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam e lhis secastes as fontes u se banhavam; leda m'and'eu.

NUNO FERNANDES TORNEOL

(CV 242/CBN 641)

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Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs frias! Todas as aves do mundo, de amor, diziam:

alegre eu ando. Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs claras! Todas as aves do mundo, de amor, cantavam:

alegre eu ando. Todas as aves do mundo, de amor, diziam; do meu amor e do teu se lembrariam:

alegre eu ando. Todas as aves do mundo, de amor, cantavam; do meu amor e do teu se recordavam:

alegre eu ando. Do meu amor e do teu se lembrariam; tu lhes tolheste os ramos em que eu as via:

alegre eu ando.

Do meu amor e do teu se recordavam; tu lhes tolheste os ramos em que pousavam:

alegre eu ando. Tu lhes tolheste os ramos em que eu as via; e lhes secaste as fontes em que bebiam:

alegre eu ando. Tu lhes tolheste os ramos em que pousavam; e lhes secaste as fontes que as refrescavam:

alegre eu ando.

CORREIA, Natália, 1970. Cantares dos trovadores Galego-Portugueses, Lisboa: Estampa

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Proençaes soen mui ben trobar e dizen eles que é con amor; mais os que troban no tempo da frol e non en outro, sei eu ben que non an tan gran coita no seu coraçon qual m'eu por mha senhor vejo levar. Pero que troban e saben loar sas senhores o mais e o melhor que eles poden, soõ sabedor que os que troban quand'a frol sazon á, e non ante, se Deus mi perdon, non an tal coita qual eu ei sen par. Ca os que troban e que s'alegrar van eno tempo que ten a color a frol consigu', e, tanto que se for aquel tempo, logu'en trobar razon non an, non viven [en] qual perdiçon oj'eu vivo, que pois m'á-de matar.

D. DINIS (CV 127/CBN 489)

Os provençais que bem sabem trovar! e dizem eles que trovam com amor, mas os que só na estação da flor vejo trovar jamais no coração semelhante tristeza sentirão qual por minha senhora ando a levar. Muito bem trovam! Que bem sabem louvar as suas bem-amadas! Com que ardor os provençais lhes tecem um louvor! Mas os que trovam durante a estação da flor e nunca antes, sei que não conhecem dor que à minha se compare. Os que trovam e alegres vejo estar quando na flor está derramada a cor e que depois quando a estação se for, de trovar não mais se lembrarão, esses, sei eu que nunca morrerão

da desventura que vejo a mim matar.

CORREIA, Natália, 1970. Cantares dos trovadores Galego-Portugueses, Lisboa: Estampa

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A DAMA PÉ DE CABRA (séc. XIV) Dom Diego Lopez era mui bõo monteiro e, estando üu dia en sa armada e atendendo quando vêrria o porco, ouviu cantar muito alta voz üu molher en

cima deüu pena e el foi pêra lá e viu-a seer mui fermosa e mui ben vistida e namorou-se logo dela mui fortemente e préguntou-lhe quen era e ela lhe

disse que era üu molher de muito alto li-nhagen, e el lhe disse que, pois era molher d’alto linhagen, que casaria con ela, se ela quisesse, ca el era

senhor daquela terra toda, e ela lhe disse que o faria, se lhe prometesse que nunca se santificasse, e ele lho outorgou e ela foi-se logo con ele. E esta

dona era mui fermosa e mui ben feita en todo seu corpo, salvando que avia un pee forcado, como pee de cabra. E viveron gran tempo e ouveron dous

filhos e un ouve nome Enheguez Guerra e a outra foi molher e ouve nome dona…

E, quando comian de suun don Diego Lopez e sa molher, asseentava el apar de si o filho e ela asseentava apar de si a filha, da outra parte. E üu dia

foi ele a seu monte e matou un porco mui grande e trouxe-o pera sa casa e pose-o ante si, u sia comendo con sa molher e con seus filhos, e lançaron

un osso da mesa e vëeron a pelejar üu alão e üa podenga sobr’ele, en tal maneira que a podenga travou ao alão ena garganta e matou-o. E don Diego

Lopez, quando esto viu, teve-o por milagre sinou-se e disse:

— Santa Maria, vai! quen viu nunca tal cousa E sa molher, quando o viu assisinar, lança mão na filha e no filho, e don Diego Lopez travo do filho e non lho quis leixar filhar, e ela recudi con a filha

por üu fresta do paaço e foi-se pera a montanhas en guisa que a non viron mais nen a filha.

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Depois, a cabo de tempo, foi este don Diego Lopez a fazer mal aos mouros e prenderon-no e levaran-no para Toledo preso. E a seu filho Enheguez

Guerra pesava muito de sa prison e vêo falar con os da terra, per que maneira o poderia aver fora da prison. E eles disseron que non sabian maneira por

que o podesse aver, salvando se fosse aas montanhas e achasse sa madre e que ela lhe diria como o tirasse. E el foi alá soo, en cima de seu cavalo, e

achou-a en cima de üu pena, e ela lhe disse:

— Filho Enheguez Guerra, ven a min, ca ben sei eu ao que veens. E el foi pera ela e ela lhe disse:

— Veens a preguntar como tirarás teu padre da prison. Enton chamou Ou cavalo que andava solto pelo monte, que avia nome Pardalo, e chamou-o per seu nome, e ela meteu üu freo ao cavalo que tiinha e

disse-lhe que non fezesse força polo desselar nen polo desenfrear, nen por lhe dar de comer nen de bever, nen de ferrar, e disse-lhe que este cavalo lhe

duraria en toda sa vida e que nunca entraria en lide que non vencesse dele. E disse-lhe que cavalgasse en ele e que o poria en Toledo, ante a porta a

jazia seu padre logo en esse dia e que, ante a porta u o cavalo o posesse, que ali decesse, e que achairia seu padre estar en üu curral e que o ficasse

pela mão e fezesse que queria falar con ele, que o fosse tirando contra a porta u estava o ca valo e que, des que ali fosse, que cavalgasse eno cavalo e

que posesse seu padre ante si e que ante noite seria en sa terra con seu padre e assi foi. E depois, a cabo de tempo, morreu dou Diego Lopez e ficou a

terra a seu filho don Enheguez Guerra. D. Pedro, Conde Barcelos (1344)

Dom Pedro Afonso, Conde de Barcelos (1287 - Lalim, 1354) foi, segundo algumas fontes, o primeiro filho natural de D. Dinis e de D. Grácia Froes (de identificação insegura). Foi poeta e trovador como seu pai, teve um papel de relevo na vida política e sobretudo cultural do seu tempo, a ele se ficando a dever uma boa parte dos mais importantes textos da literatura medieval portuguesa.

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A DAMA PÉ DE CABRA

Há muito, muito tempo atrás, foi senhor de extensos territórios na região portuguesa um cavaleiro chamado D. Diogo Lopes. Como muitos outros

senhores daquelas épocas remotas, e doutras mais recentes, o seu desporto favorito era a montaria, isto é, a caça. E D. Diogo era excelente

monteiro.

Estando certo dia à espera que o javali lhe aparecesse dentre as brenhas, ouviu o canto de uma mulher, uma voz muito bela e alta. Relanceou o

olhar em volta, buscando-a, e achou-a sentada no cimo de um penedo. Era tão formosa e estava tão bem vestida que se enamorou imediatamente.

Assim, não pôde deixar de perguntar:

Quem sois, senhora?

Uma dama de muito alta linhagem, monteiro.

Pois se assim é, casarei convosco porque sou senhor de toda esta terra!

Casemos pois, senhor, mas com a condição de nunca mais vos benzerdes em tempos da minha vida!

D. Diogo concordou com a condição e partiram juntos.

Era muito formosa a dona, e muito bem feita de corpo, à excepção de um pé, que tinha forcado como o das cabras. Isso, porém, não foi

obstáculo para a felicidade de ambos, que viveram longo tempo e tiveram dois filhos. O rapaz chamou-se Enheguez Guerra, e da rapariga não reza a

história o seu nome. Quando comiam juntos, D. Diogo Lopes gostava de sentar o rapaz a seu lado e ela gostava de sentir a moça muito perto.

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Um dia D. Diogo foi à caça e trouxe para casa um gigantesco javali. À hora da ceia pô-lo à frente do estrado onde comia com a mulher e os

filhos. Como sempre faziam, lançaram um osso da mesa para os alões e podengos que por ali andavam. Porém, ante seus olhares atónitos, uma

cadela das mais pequenas, lutando pelo osso com um grande alão, filou-o pelo pescoço e matou-o. D. Diogo espantou-se com o que lhe pareceu

milagre e benzendo-se disse:

Valha-me Santa Maria! Quem já viu tal coisa!?

A mulher, quando o viu benzer-se, lançou mão da filha e do rapaz. D. Diogo, porém, agarrou o filho e não a deixou apanhá-lo. Então, ela elevou-

se no ar e, com a filha pela mão, saiu do Paço por uma fresta, perdendo-se nas montanhas de modo que nunca mais ninguém as viu.

A mulher, quando o viu benzer-se, lançou mão da filha e do rapaz. D. Diogo, porém, agarrou o filho e não a deixou apanhá-lo. Então, ela elevou-

se no ar e, com a filha pela mão, saiu do Paço por uma fresta, perdendo-se nas montanhas de modo que nunca mais ninguém as viu.

Passou-se o tempo e certo dia D. Diogo foi fazer uma corrida aos mouros. A surtida correu-lhe mal, porém, e acabou prisioneiro dos muçulmanos

na cidade de Toledo. Enheguez Guerra, muito triste e sem saber como proceder para libertar o pai, aconselhou-se com os senhores da terra sobre o

modo de livrar D. Diogo das cadeias. Aqueles, sem conseguirem atinar com a melhor maneira de o jovem proceder, aconselharam-no a que

procurasse a mãe nas montanhas, que ela lhe daria, sem dúvida, um modo de libertar o pai.

E Enheguez Guerra, decidido, montou a cavalo e partiu completamente só para as montanhas em busca de sua mãe. Embrenhou-se nos bosques

e, ao fim de uma longa caminhada, encontrou-a sobre um penhasco.

Esperava-o, sem que ele a tivesse ainda visto:

Filho, Enheguez Guerra, vem cá que bem sei ao que vens!

O rapaz aproximou-se e ela continuou:

Vens perguntar-me como hás-de tirar teu pai da prisão?!

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Sim, senhora! - respondeu o rapaz cheio de espanto.

Então ela chamou pelo nome um cavalo que andava solto nos montes e que respondia por Pardalo. O cavalo chegou e ela meteu-lhe um freio,

enquanto ia dando instruções sobre como libertar D. Diogo e dirigir o animal. Disse-lhe que não fizesse força, nem para o travar nem para o

desenfrear, que não lhe desse nunca de comer ou beber e que jamais o ferrasse. Este cavalo durar-lhe-ia a vida inteira e todas as lides a que fosse,

sobre ele, seriam vitoriosas. Ordenou-lhe então e não a deixou apanhá-lo. Então, ela elevou-se no ar e, com a filha pela mão, saiu do Paço por uma

fresta, perdendo-se nas montanhas de modo que nunca mais ninguém as viu.

Passou-se o tempo e certo dia D. Diogo foi fazer uma corrida aos mouros. A surtida correu-lhe mal, porém, e acabou prisioneiro dos muçulmanos

na cidade de Toledo. Enheguez Guerra, muito triste e sem saber como proceder para libertar o pai, aconselhou-se com os senhores da terra sobre o

modo de livrar D. Diogo das cadeias. Aqueles, sem conseguirem atinar com a melhor maneira de o jovem proceder, aconselharam-no a que

procurasse a mãe nas montanhas, que ela lhe daria, sem dúvida, um modo de libertar o pai.

E Enheguez Guerra, decidido, montou a cavalo e partiu completamente só para as montanhas em busca de sua mãe. Embrenhou-se nos bosques

e, ao fim de uma longa caminhada, encontrou-a sobre um penhasco.

Esperava-o, sem que ele a tivesse ainda visto:

Filho, Enheguez Guerra, vem cá que bem sei ao que vens!

O rapaz aproximou-se e ela continuou:

Vens perguntar-me como hás-de tirar teu pai da prisão?!

Sim, senhora! - respondeu o rapaz cheio de espanto.

Então ela chamou pelo nome um cavalo que andava solto nos montes e que respondia por Parda/o. O cavalo chegou e ela meteu-lhe um freio,

enquanto ia dando instruções sobre como libertar D. Diogo e dirigir o animal.

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Disse-lhe que não fizesse força, nem para o travar nem para o desenfrear, que não lhe desse nunca de comer ou beber e que jamais o ferrasse. Este

cavalo durar-lhe-ia a vida inteira e todas as lides a que fosse, sobre ele, seriam vitoriosas. Ordenou-lhe então que o montasse pois nesse mesmo dia

ele o poria em Toledo. E acrescentou,enquanto o filho montava:

Na porta em que o Pardalo te deixar é aí que está teu pai. Desmonta e achá-lo-ás num curral. Pega- lhe na mão fingindo conversar e

devagarinho vai-te chegando com ele para a porta. Monta o Pardalo, põe o teu pai à frente e antes que seja noite estarás de volta à tua terra com

Dom Diogo!

Depois de ouvir tudo isto com muita atenção, Enheguez Guerra despediu-se da mãe e sentiu-se subitamente elevar nos ares. Antes que se

refizesse da surpresa achou-se em Toledo, descendo próximo de determinada porta. Fez então tudo quanto a mãe lhe tinha aconselhado e, pouco

depois, estava de volta ao Paço com D.Diogo.

Ao fim de muitos anos morreu de velho D. Diogo Lopes e Enheguez Guerra ficou com toda aquela terra.

NOTA: Esta narrativa, inserida no Livro de Linhagens do conde D. Pedro, refere-se à origem extra-humana da antiquíssima família peninsular dos

Haros. Na realidade, trata-se do aproveitamento tradicional de um mito muito espalhado na Idade Média, cujas versões mais antigas remontam aos

finais do século XII. Deste mito restaram obras eruditas como o célebre Romance de Melusina de João Arras, em França, no fim do século XIV, além

de inúmeros contos populares um pouco espalhados por toda a Europa.

A versão actualmente mais conhecida em Portugal, versão já bastante romanceada, é a de Alexandre Herculano, nas Lendas e Narrativas.

Contudo, a fonte da sua inspiração foi exactamente este antigo texto.

in Lendas Portuguesas, Investigação, Recolha e Textos de Fernanda Frazão

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Os Lusíadas – Luís Vaz de Camões – séc XVI1572

Publ. 1572

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“Sermões” – Padre António Vieira – séc. XVII

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Censura do M. R. P. M. Frei Tomé da Conceição, da Sagrada Ordem do Carmo, Qualificador do Santo Ofício.

Ilustríssimo Senhor.

Por mandado do Conselho Geral do Santo Ofício vi esta Quarta Parte dos Sermões do Padre António Vieira, da Sagrada Religião da Companhia de Jesus, e digníssimo Pregador de Sua Majestade. Todos li com o cuidado que pude, e pede a obrigação como Qualificador de tão íntegro Tribunal. Confesso que nos Sermões deste grande Talento, e admirável Pregador nada há a censurar a atenção mais crítica e escrupulosa; pois sendo o Autor tão subtil na elevação dos pensamentos, tão claro e elegante nas palavras, com que os exprime, tão persuasivo, assim pregando como escrevendo, tão revelador da verdade das Escrituras e dos Santos Padres, acho que em nada diverge da pureza de nossa Santa Fé e que tudo quanto diz, encaminha à reforma dos costumes. Só uma censura se pode fazer a este Autor, não pelos Sermões, com que sai à luz, mas porque tem não saído à luz com todos os seus Sermões, pois prometendo, no Prólogo do Primeiro Tomo, doze, se acham impressos apenas três, e agora este é ainda o Quarto. E será lamentável que pela passagem do tempo se deixem no esquecimento, obras que merecem [ser] eternizadas em carateres de ouro.(…)

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“Frei Luís da Sousa” – Almeida Garrett – séc. XIX

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“Os Maias” – Eça de Queirós – séc. XIX

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“Os Maias” – Eça de Queirós – séc. XIX

“Mensagem” – Fernando Pessoa – séc. XX

MENSAGEM

Quinto

O Encoberto Que símbolo fecundo Vem na aurora ansiosa? Na Cruz morta do Mundo A Vida, que é a Rosa. Que símbolo divino Traz o dia já visto? Na Cruz, que é o Destino, A Rosa, que é o Cristo. Que símbolo final Mostra o sol já desperto? Na Cruz morta e fatal A Rosa do Encoberto.