Expressão Corporal e Música

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UDESC UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CEART CENTRO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MSICA ELIZIANY PERLA FERREIRA A EXPRESSˆO CORPORAL NA VIV˚NCIA MUSICAL Trabalho apresentado banca examinadora como Conclusªo do Curso de Licenciatura em Educaªo Artstica Habilitaªo: Mœsica do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC. Relativo ao ano 2007/01, sob a orientaªo da Professora Doutora Sandra Meyer Nunes. FLORIANPOLIS SC JUNHO/2007

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Dissertação

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UDESC � UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CEART � CENTRO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

ELIZIANY PERLA FERREIRA

A EXPRESSÃO CORPORAL NA VIVÊNCIA MUSICAL

Trabalho apresentado à banca

examinadora como Conclusão do Curso

de Licenciatura em Educação Artística

Habilitação: Música do Centro de Artes

da Universidade do Estado de Santa

Catarina � UDESC. Relativo ao ano

2007/01, sob a orientação da Professora

Doutora Sandra Meyer Nunes.

FLORIANÓPOLIS � SC

JUNHO/2007

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Dedico este trabalho...

A Deus que creio e aprendi a amar. Como força maior do universo e fonte geradora de toda sabedoria e forma de vida! Tão inspiradoras de sons e movimentos...

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AGRADECIMENTOS Meus primeiros agradecimentos urgentes e sinceros:

Aos meus pais, por depositarem total confiança em mim, acreditando em meu potencial,

investindo e me dando o apoio necessário para que eu crescesse: À minha mãe amada... Pelo amor incondicional... Pelo exemplo de fé e de honestidade!!! Te amo. Ao meu pai amado... Pelo exemplo de garra e energia... Por me conduzir ao �não conformismo�. Amo-te! À minha irmã �mais velha� Dina... Pelo exemplo impecável com os estudos... Carregando-me e me conduzindo ao saber...

Estando sempre ao meu lado... Desde a pré-escola... Até os dias de hoje!!! Obrigada mana querida!!! À minha irmã caçula Su... Pelo arrojo e exemplo de garra e coragem... Para com seus objetivos na vida através dos quais

demonstra o quão devemos acreditar neles... Por me �sacudir� sobre as questões familiares... Pela demonstração incondicional e espontânea de sua amizade e solidariedade!!! Valeu mana querida!!!

Aos amigos queridos e colegas... TODOS... E são tantos e muitos... Alguns tão especiais...

Que não caberiam numa única folha.... A UDESC... ao Centro de Artes... e aos Professores... Por subsidiar meus estudos nestes sete anos e meio... Com os quais pretendo de alguma forma

seguir dando continuidade... Aos professores da banca por aceitarem contribuir com meu trabalho, se disponibilizando a

ler, considerar e reconsiderar... E assim constituir essa banca que julguei ser tão especial e significativa....

À Sandra Meyer... Pelas horas e horas de dedicação para comigo... Que estava literalmente �desorientada�... Não

medindo esforços para que eu pudesse crescer com este trabalho... Sou imensamente agradecida. Aos �Colegas Demaju�... Por terem me ajudado, e por terem me compreendido neste período que passei com a

elaboração do trabalho. A Felipe Damato de Lacerda (e família)... Pela disponibilidade de recursos que me faltavam...Pelo exemplo de maturidade, dedicação,

companheirismo, solidariedade e afeto. Admiro-te �meu amigo de todas as horas...�!!!

A Deus pela Vida e Força.

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�... e conclui que, tudo que na música é de natureza motórica e dinâmica, depende não somente do ouvido, mas também de um outro sentido (...)� (DALCROZE, 1892).

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SUMÁRIO

RESUMO...............................................................................................................................6

I. INTRODUÇÃO..................................................................................................................

CAPITULO 1..........................................................................................................................

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE VIVÊNCIAS ARTÍSTICAS E PEDAGÓGICO �

MUSICAIS..........................................................................................................................13

1.2 REFERENCIANDO ALGUNS CONCEITOS DE EXPRESSÃO CORPORAL NAS

ARTES .................................................................................................................................23

CAPITULO 2...................................................................................................................... 27

2.1 CONTRIBUIÇÕES DE LABAN, DALCROZE E ORFF .............................................33

2.1.1 CONTRIBUIÇÕES DE LABAN ................................................................................33

2.1.2 CONTRIBUIÇÕES DE DALCROZE..........................................................................37

2.1.3 CONTRIBUIÇÕES DE ORFF ....................................................................................41

2.2 CONFLUÊNCIAS DE DALCROZE, LABAN E ORFF................................................44

CAPITULO 3........................................................................................................................46

3.1 A EXPRESSÃO CORPORAL DA RELAÇÃO COTIDIANA ÀS ARTES....................49

3.2 AS DEMANDAS CORPORAIS NA MÚSICA ..............................................................56

3.3 A EXPRESSÃO CORPORAL NA PERFORMANCE MUSICAL: RELAÇÃO MÚSICO

- CORPO � INSTRUMENTO................................................................................................60

3.4 A EXPRESSÃO CORPORAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL........................................67

II. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................

III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................79

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo abordar a questão da expressão corporal na vivência

musical, no âmbito da performance e da educação musical. Fundamentada em duas das mais

influentes pedagogias musicais que trataram do movimento e do ritmo do corpo no século

XX � as de Dalcroze e de Orff, bem como nos estudos sobre o corpo e movimento de Laban,

o trabalho sugere alternativas para potencializar as ações do corpo nas diversas manifestações

musicais, buscando uma maior expressividade do músico que, em sua maioria, pouco

direciona sua prática musical às necessidades de aprendizagem corporal, quer seja educador,

educando, regente, professor de instrumento, instrumentista ou cantor.

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I. INTRODUÇÃO

A ausência de um estudo sobre a expressividade nos movimentos do corpo é

realidade em grande parte dos ambientes de ensino de música no Brasil. No que se refere ao

ensino superior (Bacharelado e Licenciatura), quanto em escolas especializadas de música e

escolas do Ensino Fundamental e Médio que apresentam aula de música na grade curricular

ou a oferecem como atividade extracurricular. Em tais ambientes o enfoque sobre o corpo na

música direciona-se, quase sempre, a uma abordagem biomecânica do movimento

relacionada às exigências de saúde e técnica, vislumbrando o bom desempenho no contato

com o instrumento musical.

Sendo um dos poucos no Estado de Santa Catarina a proporcionar um espaço para

este tipo de conhecimento em sua matriz curricular, o Curso de Licenciatura em Música da

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) vem contemplando os graduandos com

dois semestres da disciplina de Expressão Corporal (I e II) até a presente data. Infelizmente,

esta foi retirada do currículo atual (2006), sendo que a mesma foi (e ainda é a presente data

em que se deu a elaboração do trabalho) inexistente na grade curricular dos Cursos de

Bacharelado em Música, nas atuais opções: piano, violino, viola e violão.

Por uma feliz coincidência, (a convite de um primo, por ocasião de sua formatura em

música), no ano de 1998, fui levada a saber do Curso de Educação Artística da UDESC, na

época pouco divulgado. Passei então a dirigir meus estudos visando o contato com a música

através da abordagem acadêmica conseguindo, no ano 2000, ingressar no Bacharelado em

Música (opção piano), do Centro de Artes desta instituição. Os três vestibulares sem êxito

(em ciências humanas), mais os estudos pré-vestibulares conciliados com o contato formal

com a música, através da prática de canto coral e do estudo do piano, levaram-me a uma

crescente necessidade de me expressar e me profissionalizar através da música.

Ainda em 2000, solicitei minha transferência interna (obtida somente em 2002), do

curso de Bacharelado em Música para o de Licenciatura em Música. Esta mudança se deu

pelo interesse de dedicar-me ao ensino de música, que foi se intensificando pela identificação

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que tive com as questões alusivas ao processo ensino-aprendizagem, intrínsecas à condição

de todo educador.

Em 2002, quando felizmente cursei os dois semestres da disciplina de Expressão

Corporal I e II, me deparei com questões que, até então, já acreditava serem instigantes e

pertinentes, fazendo-me refletir sobre minha expressão corporal enquanto tocava e me

comunicava de uma forma geral. Eis algumas delas: Como fazer com que a música fosse

vivida pelo corpo em sua totalidade? Como não me ater apenas ao domínio de técnicas de

execução, restritas em sua maioria, ao movimento condicionado de braços, mãos e dedos?

Como potencializar as ações do corpo dentro das diversas manifestações, buscando por uma

maior expressividade?

O meu percurso acadêmico foi se direcionando cada vez mais a questões relacionadas

ao trabalho corporal na formação do instrumentista e do professor de música. Neste sentido,

este trabalho pretende apontar para a importância do desenvolvimento corporal na formação

de músicos e de professores de música. Tendo por expectativa estimular futuras pesquisas

que viabilizem a expressão corporal na prática musical e também na formação de pessoas

interessadas em se profissionalizar na música ou entrar em contato de maneira mais intensiva

com esta forma de expressão tão particular do homem. Sendo assim, esta pesquisa somar-se-

á a crescente demanda que solicita o lançamento de um olhar dessa natureza para o corpo

que, incondicionalmente, faz música.

Venho salientar a importância de um olhar mais atento sobre o corpo na área da

música, de forma a contribuir para o desenvolvimento da expressividade do intérprete,

considerando a interação da música com outras linguagens artísticas. Por isso, a opção por

me referenciar nas propostas de três importantes educadores do século XX, que contribuíram

para mudanças consideráveis no ensino de música, teatro e dança: Émile Jacques-Dalcroze

(Viena/Suíça, 1865 � 1950), Rudolf von Laban (Bratislava/Hungria, 1879 � 1958) e Carl Orff

(Munique/Alemanha, 1895 � 1982).

A fundamentação teórica do trabalho está pautada nestes três autores, pela

importância e repercussão que obtiveram com suas respectivas pedagogias, difundidas e

adaptadas em diversos países desde a época de suas atuações até os dias de hoje. O entrelace

de suas propostas acontece pela peculiaridade na concepção de corpo e sua integralidade na

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área musical, teatral, na dança e na ginástica (educação física) - contribuindo

significativamente para a educação corporal de músicos, atores, dançarinos, ginastas e

educadores, dentre outros profissionais.

As transformações ocorridas na Europa relacionadas à área da educação musical, nas

primeiras décadas do século XX, propiciaram o surgimento dos chamados métodos ativos,

elaborados por alguns educadores musicais, dentre eles, Dalcroze e Orff. Estes métodos

pressupunham a participação ativa dos alunos na música, visto que a experiência musical, na

época, era somente ouvida e reproduzida, ao invés de sentida e vivida pelo corpo em sua

totalidade. Vale lembrar que estes músicos foram influenciados também pelas visões

humanísticas do filósofo e escritor Rousseau1 e pelo educador Pestalozzi2.

Este trabalho retoma algumas questões propostas pelos três autores, transportando-as para

o contexto atual, levando em conta que os princípios que regeram suas pedagogias musicais e

corporais, criadas na primeira metade do século XX, ainda não foram devidamente

vivenciados em grande parte do ambiente musical em nosso país. Nesse sentido, o trabalho

parte do pressuposto de que o enfoque sobre o corpo propicia elementos para um

desenvolvimento mais integral, consciente e expressivo dos movimentos na atuação de

músicos e instrumentistas.

1 Jean-Jaques Rousseau (1712-1778): filósofo humanista nascido em Genebra. 2 Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827): sociólogo e educador suíço.

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1 CAPITULO

1.1 Considerações sobre vivências artísticas e pedagógico - musicais

No decorrer do curso de Licenciatura em Música da Universidade do Estado de Santa

Catarina � UDESC algumas questões relacionadas ao corpo e à música foram se

configurando, advindas das minhas próprias dificuldades relacionadas a vivências

pedagógico-musicais, pois a condição de educadora ia se estabelecendo na atuação como

aluna de extensão nos cursos de música oferecidos à comunidade e também pela prática na

disciplina de estágio supervisionado, existente na grade curricular deste curso.

Ao relacionar-me musical e verbalmente com os educandos, quando lecionava,

percebia a necessidade (especialmente no contato com crianças bem pequenas), de dominar

uma linguagem corporal efetiva, atraente e significativa. Percebia, por exemplo, que mais

válido que aumentar o volume da voz para me fazer ouvir (já que concorria com o ambiente

ruidoso da sala de aula), era agregar às minhas intervenções gestos, estrategicamente mais

expressivos, que condicionados às expressões faciais o resultado atribuía-se à melhora da

entonação vocal.

Sobre este ponto, recorro a um relato pessoal, quando de minha atuação, no ano de

2006, na disciplina de estágio supervisionado - Educação Musical � Estágio IV, da grade

curricular do Curso de Licenciatura em Música da UDESC3: �Invariavelmente, as idéias

(inclusive as musicais) que surgiam a partir das interações das linguagens (musical x verbal x

corporal), eram significativamente vivenciadas, estruturadas e incorporadas�.

Estas experiências pedagógicas confirmavam, a meu ver, a importância de um

trabalho corporal mais específico direcionado ao professor de música, não somente para que

ele pudesse se comunicar melhor com os seus alunos, mas que propiciasse instrumentos para

o desenvolvimento do potencial comunicativo e expressivo dos mesmos.

3 Estas considerações estão presentes no Relatório Final de Estágio realizado em parceria com o acadêmico Milton Muniz de Almeida: Experiências significativas em música com uma turma de 2ª série do Ensino Fundamental da Escola Básica Municipal Vitor Miguel de Souza, Florianópolis/2006. O Relatório refere-se à prática da disciplina de estágio supervisionado, Educação Musical � Estágio IV, da grade curricular do Curso de Licenciatura em Música da UDESC.

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No que se refere ao instrumentista, é instigante saber que, mesmo com a ausência de

uma abordagem específica sobre o corpo, seus movimentos e os fatores expressivos dentro

do desenvolvimento musical, o número de músicos de diversas áreas (instrumentistas em

geral, cantores, regentes, etc.) que demonstram um excelente desempenho em suas práticas

musicais, é significativo. Muitos são apontados como referências por demonstrarem, além do

alto nível técnico instrumental, grande maturidade musical, atribuída à expressividade de

suas execuções, que são elevadas à condição extrema de �musicalidade�. Diante disto, vê-se

que a demanda corporal na música relacionada às questões que aponto neste trabalho não

estivera necessariamente presente durante o período de formação destes (ou pelo menos não

de maneira consciente e sistemática), subentendendo-se que não seria essa condição, o fator

determinante para uma vivência musical significativa.

Por outro lado, por mais que o músico utilize as diversas técnicas instrumentais e

interpretativas e realize algumas práticas corporais aliadas a estas técnicas (como exercícios

de concentração, relaxamento e alongamento) no período de sua formação, estudos como o

da psicopedagoga Patrícia Lima M. Pederiva Pederiva (2004)4, apontam para a permanência

de bloqueios físicos e psíquicos no corpo. A autora acrescenta que os obstáculos enfrentados

vão além da técnica musical, fazendo com que o corpo do instrumentista seja impedido de

atuar e viver a música mais plenamente, tornando-se os bloqueios determinantes em relação

ao acúmulo de habilidades técnicas.

Quando o intérprete agrega a seus estudos treinamentos inadequados, muitas vezes, em

virtude do contato imaturo com uma estética musical de outra cultura, dentro de uma época

que não a sua, juntamente com a ausência de uma vivência corporal e expressiva prévia,

poderá desencadear procedimentos corporais e vocais impróprios. Tal processo está ligado ao

fato de que, a maioria dos instrumentistas preconiza a vivência musical e ignora as leis

naturais de funcionamento e movimento do corpo. Porém, na medida em que for capaz de

atuar por meio do movimento corporal, de acordo e conhecedor das leis que regem esses

movimentos, poderá prolongar sua vida profissional de forma mais sadia e expressiva.

4 PEDERIVA, Patrícia Lima Martins. A relação músico-corpo-instrumento: procedimentos pedagógicos. Revista da ABEM � Associação Brasileira de Educação Musical, Nº 11, 2004.

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Este trabalho volta sua atenção para aqueles que, mesmo tendo iniciado seus estudos

musicais precocemente, com professores experientes, cuja metodologia utilizada é há muito

tempo inquestionável, difundida e considerada eficaz ao ser aplicada com todos, não

conseguem se desenvolver satisfatoriamente e alcançar um resultado almejado no que diz

respeito ao seu contato com a música e de sua aprendizagem com o instrumento musical.

Tais quesitos, quando aliados às exigências técnicas exaustivas, que submetem o iniciante às

condições de estudos padronizados, sem que se procure respeitar a experiência musical

prévia, os aspectos emocionais e suas características fisiológicas próprias contribuem para a

desistência do aprendizado musical. Tais questões podem levar o aluno a crer em uma

suposta inaptidão, reafirmando a idéia de que �nasce-se para a música�, logo, esta é

privilégio daquele que tem �o dom� para esta arte, tendo-se em vista o fato que não se pode

incorrer no erro de que este processo estaria ligado somente às questões do corpo.

Para a realização de uma investigação profunda e minuciosa acerca do enfoque que

músicos formados e em formação dão ao corpo em seu processo de aprendizagem ou em sua

performance musical, seria preciso procedimentos metodológicos mais específicos. Uma

pesquisa mais abrangente poderia se efetivar, a exemplo, partindo da elaboração de

perguntas, tais como: Qual a importância que o músico atribui ao corpo na prática musical?

Como considera seu nível de consciência corporal durante a realização/apresentação/prática

musical? Se enquanto músico adota algum método/atividade para promover a sensibilização

do corpo na música? Quais são essas atividades?

O que quero ressaltar é que uma formação que interligue o estudo teórico às práticas

relacionadas ao corpo, além dos aspectos biomecânicos, os expressivos, possibilitaria uma

vivência mais integral do músico, podendo ressoar numa maior qualidade sonora,

favorecendo ainda os aspectos ligados a saúde, logo, o prolongamento de sua vida artística,

dentre outros.

Desta forma, o presente trabalho busca problematizar a questão do corpo na música,

por meio de um levantamento bibliográfico, ainda que parcial, apontando como possibilidade

de desenvolvimento expressivo do corpo as propostas educacionais de Jaques-Dalcroze,

Rudolf Laban e Carl Orff.

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Para que os objetivos propostos pelo trabalho fossem atingidos, busquei por um

levantamento bibliográfico sobre estudos de especialistas sobre a expressividade e o

tratamento corporal na vivência musical. Ao dedicar-me à pesquisa, identifiquei-me com

questões �familiares� advindas das observações que fazia sobre o contexto escolar (a partir

das experiências de estágio), e no próprio cotidiano acadêmico, a partir de minhas práticas

musicais e pedagógicas, bem como a de colegas, professores, músicos e de outros artistas que

vinham demonstrar seus trabalhos na Universidade ou fora do ambiente acadêmico.

É comum no cotidiano do estudante de música, e está previsto como contribuição de

sua formação, a participação passiva e ativa, como observador e executante, em recitais,

concertos e apresentações musicais em geral. Particularmente, busquei o contato com

apresentações diversas que contemplassem também a manifestação de outras linguagens

artísticas e, busquei ainda, pela atuação efetiva em atividades acadêmicas e de fora da

universidade, que tinham como proposta a interação de duas ou mais linguagens artísticas,

como o teatro, a dança e artes plásticas, além da musical.

Ao participar de apresentações musicais, cursos, oficinas e palestras sobre música e

educação musical, minha atenção de um modo geral, voltava-se à questão do corpo e sua

importância, bem como às demandas corporais na prática musical dentro do processo ensino-

aprendizagem. Assim almejava por uma capacidade de escuta mais crítica, que ia sendo

favorecida pelas observações de elementos corporais nos artistas e estudantes, ora presentes,

ora inexistente em minhas próprias experiências na música. A partir destas observações,

conseguia tecer uma relação direta entre o resultado sonoro e a atuação corporal

propriamente dita. E via que isto acontecia também através de outras linguagens que eu

buscava, a dança, mais precisamente, no Sapateado Flamenco. No Flamenco a figura do (a)

dançarino (a) se dá também pela configuração de músico, onde está previsto em sua prática

corporal e performática, o domínio da linguagem musical além da habilidade de dançar. Ao

sapatear, o dançarino-músico extrai de seus pés, através dos sapatos específicos para esta arte

(adaptados com pregos em baixo do solado - taco e ponta), sons percussivos e altamente

elaborados. Dentre os elementos usados pelo (a) dançarino (a) de Flamenco (pente, leque,

lenços...) os sapatos, bem como as castanholas, compõem a instrumentação básica deste

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artista que consegue trazer na expressividade de seu corpo, os elementos rítmicos musicais

tão próprios da Arte Flamenca.

A partir da prática e das observações, optei por uma metodologia que me respaldasse,

me fazendo valer dessas observações advindas de minhas experiências pessoais para melhor

�dialogar� com as idéias propostas pelos autores consultados e, assim, subsidiar o trabalho.

Na medida em que ia pesquisando as fontes bibliográficas, estabelecia relações com as

observações efetuadas a partir do meu cotidiano, sem me ater, no entanto a relatos descritivos

sobre essas observações. Neste sentido, estas vivências e observações pessoais não estão

inseridas de forma explícita e devidamente sistematizada neste trabalho de conclusão de

curso, mas estão presentes enquanto motivações. A pesquisa sobre o cotidiano nos coloca

diante de algumas indagações que exigem certos procedimentos, tais como ver o invisível e

duvidar do que se vê, olhando-se para a complexidade dos fatos, procurando-se agir com

maior imparcialidade e fidelidade possível. O que não a torna uma tarefa muito fácil.

Em seus estudos sobre Dilemas para uma pesquisadora com o cotidiano; realizado

por Maria Teresa Esteban (2003) vê-se que, para realizar pesquisas sobre o cotidiano, deve-

se procurar fazê-la adaptando-as aos procedimentos instituídos. A autora acrescenta: �para

que uma pesquisa não pretenda apenas construir explicações para os fenômenos encontrados,

deve-se procurar aprofundar a compreensão sobre a realidade numa perspectiva dialógica

vinculada a processos de intervenção� (ESTEBAN, 2003, p. 199).

É visto também por Esteban (2003), que um dos riscos freqüentes que se corre ao se

tentar incorrer com a proposta de observação e pesquisa sobre o cotidiano, é o de formular

perguntas e hipóteses, onde o pesquisador já traz inicialmente respostas e conclusões

fazendo-o buscar, com a pesquisa, argumentos teóricos e práticos que �comprovem� o que

ele já sabia desde o início. A autora acrescenta que, por outro lado, a vivência nos mostra que

são muitas as relações possíveis, não havendo trajetos predefinidos, lineares, cujo ponto de

partida seja fixo e o ponto de chegada previsível. Pois a imprevisibilidade e a invisibilidade

tecem nosso cotidiano, ambiente em que também se dão analogamente, a previsibilidade e a

visibilidade.

Nesse sentido, corroboro com Esteban (2003) quando coloca que todo conhecimento

deva sirva para o autoconhecimento. Pois é relevante pensar que nossos próprios saberes

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possam ser desconsiderados ou colocados sob suspeição frente à pesquisa, contudo, devemos

triangular com um procedimento que atribua fidedignidade às conclusões das observações, a

fim de aprofundar esse autoconhecimento.

Ainda no que se refere ao desenvolvimento deste trabalho a partir de minha vivência

pedagógico-musical (como coralista e colaboradora dos ensaios de naipe do Coral da

UDESC e monitora das disciplinas de Prática de Regência I, II e III), visei por uma prática

corporal mais efetiva durante o período de desenvolvimento do trabalho. Busquei freqüentar

no segundo semestre de 2007 a disciplina de Técnicas Corporais (que se fundamenta em

outros autores teórico-práticos, além de Rudolf Laban) pertencente à grade curricular do

Curso de Artes Cênicas deste mesmo Centro de Artes da UDESC e ministrada pela

professora Sandra Meyer. O alicerce para as principais questões levantadas pôde se

consolidar na prática, uma vez que julguei viável agir de �bom senso� conscientizando-me da

pertinência do tema (sobretudo, para mim), buscando refletir sobre minhas ações �corporais�

enquanto musicista e educadora musical. Considerando também que o contato com a

expressão corporal, enquanto disciplina, havia se dado há muito tempo e somente no início

do curso, sentia-me distante para refletir fisicamente sobre questões que instintivamente

buscava e que conseqüentemente �me perseguiam�. Assim, mais tranqüilamente, pude

manter certa coerência e lógica no levantamento de problemas que permeiam o trabalho.

Apesar de ter freqüentado a pouquíssimas aulas de expressão corporal durante o

semestre em que desenvolvi o presente trabalho, o pouco que vivenciei, ao conciliar o

desenvolvimento do trabalho teórico com a vivência corporal, tornou-se possível a

vinculação maior de conceitos e termos acerca da expressão corporal, que puderam ganhar

maior dimensão e significados para mim enquanto estudante da área de música. Pois, na

medida em que estabelecia um diálogo com outras linguagens, não me restringindo aos

conceitos musicais; as terminologias empregadas nas diferentes linguagens foram se

definindo e se complementando.

Aparecerá, portanto, no corpo do trabalho a abordagem reflexiva acerca das idéias de

movimento, gesto, ação, ritmo, corporalidade, musicalidade, expressividade, postura e

conduta, dentro das linguagens interdisciplinadas, na visão dos três principais autores

(Dalcroze, Laban e Orff), dentre outros a serem citados.

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Voltando minha atenção também para o bem estar geral do indivíduo, minhas

pretensões com este trabalho dirigiram-se aos aspectos emocionais do ser: psíquicos e

psicológicos. Visei, no entanto, pela saúde física e mental do profissional da música,

querendo contribuir para melhor humanização de tais etapas dentro do processo ensino-

aprendizagem da prática musical.

Nascidos na Europa no final do século XIX, Dalcroze e Orff se depararam com

inúmeras questões ligadas ao corpo existentes em seus ambientes artísticos, e que são vistas,

ainda hoje, por outros estudiosos, inclusive, os que olham para nossa realidade, a brasileira.

Estas questões direcionam-se a uma crítica do ensino de música na sua forma mais

tradicional, comuns nos ambientes de ensino de música que adotam a linha metodológica dos

conservatórios de música. Exemplos de estudos como o de Figueiredo (2002), que

estabelecem um olhar panorâmico para a história da educação musical no Brasil, nos

mostram que a tradição romântica européia foi instalada como sendo a referência para

sociedade brasileira, não só no campo da música, mas nas artes em geral:

Junto com a prática musical daquela época, foram trazidos também os conceitos culturais vigentes na Europa, como por exemplo, a ênfase na execução instrumental ou vocal, a questão do talento como requisito básico para se fazer música, a questão da virtuosidade, a questão do emocional versus o racional, a questão da música erudita como sendo a música séria, dentre outros. Tais aspectos que já se encontram tão distantes cronologicamente, ainda estão fortemente arraigados na cultura brasileira, oferecendo sérios entraves para o desenvolvimento de uma educação musical significativa e apropriada. (FIGUEIREDO, 2002, p. 45 - 46).

Citando ainda Figueiredo (2002) vemos que, a exemplo de vários modelos e métodos

musicais trazidos não só da Europa, mas dos Estados Unidos para serem aplicados no Brasil,

nem sempre estes foram excelentes modelos. Estes métodos não demonstraram resultados

satisfatórios em função da inadequação das propostas, tendo-se em vista as diferentes

situações comparadas àquelas em que foram concebidas e aplicadas com sucesso. Vale

ressaltar ainda que, desde a chegada da família real ao Brasil, no início do século XIX,

modelos musicais foram trazidos e aplicados, sob condições de impedimento das práticas

musicais existentes pelas culturas que aqui já estavam, especialmente nos referindo à música

dos índios brasileiros e dos negros.

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Evidentemente que não se pretende aqui analisar e aprofundar um extenso discurso

sobre a história da educação musical no Brasil, bem como do ensino geral de artes. Mas, só é

possível compreender o contexto sócio-cultural brasileiro da atualidade, partindo-se de uma

perspectiva histórica acerca de nosso processo de colonização. Dentre os aspectos negativos

deste processo, aponta-se para a condição impositiva dos colonizadores que, quando aqui

chegavam, desconsideravam a cultura já existente. Por conta disso, a idéia do senso comum

enraizada e refletida em grande parte da produção musical atual, volta-se por uma prática

musical tradicional (principalmente em ambientes de ensino formal de música, como em

escolas especializadas), onde o equívoco está em nem sequer tomar conhecimento e

reconhecer a grandeza cultural existente em nosso País, quando se atem a uma parcela dessa

grandeza. Todavia, se desconsiderarmos a influência dos primeiros colonizadores europeus

estaremos desconsiderando a própria condição de Brasil, no sentido da miscigenação das

etnias fazendo originar na multiplicidade cultural das quais fazem parte também, as de

origem européia. Neste ponto acredito na relevância dos aspectos positivos considerando-se a

peculiaridade de todas as manifestações artísticas que, a exemplo da cultura indígena e

africana, também é considerável reconhecer a singularidade de cada contribuição no

estabelecimento da imensa pluralidade cultural como é vista hoje.

Querendo discutir a viabilidade das propostas de Dalcroze, Laban e Orff nos dias

atuais, ressalta-se, além da importância que tiveram enquanto educadores de seu tempo, o

olhar que lançaram para a pedagogia do ensino de artes de tantos países. Tais autores,

especialmente Dalcroze e Orff, constataram as lacunas referentes a uma formação corporal

integrada à musical presente no sistema educacional de países europeus, existentes também

no ambiente de ensino de música no Brasil. E para melhor compreensão de suas propostas,

faz-se necessário compreender e situar alguns dos parâmetros contextuais vividos pelas

sociedades as quais pertenciam.

Durante o século XIX, a Europa passou por um processo de transformações sociais,

econômicas, artísticas e científicas que influenciaram vários movimentos artísticos e

culturais, dentre eles, o �Körperkultur� (cultura do corpo), que se originou nos países de

cultura alemã e buscava redescobrir o corpo. A denominação desse movimento partiu de uma

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corrente estética inspirada em Schopenhauer5, Nietzsche6 e Wagner7 e refletiu-se no teatro

através das realizações artísticas de Appia8, e ainda, das teorizações e práticas de Delsarte9

(sistema que buscava integrar a psique e o corpo), dentre outros.

O interesse pelo movimento corporal e suas implicações na dança, na ginástica e na

educação física, dentre outras áreas, foi se intensificando. Os valores do ballet clássico foram

substituídos pelos novos valores da dança moderna de Isadora Duncan10, Ted Shawn11 e Ruth

Saint-Dennis12. É nesse contexto que Rudolf Laban firma-se como um dos principais, �senão

o principal teórico da dança do século XX�, como salienta Naspolini (2002).

O movimento do ser humano, sempre em conexão com o seu ambiente, era a

principal questão que instigava Laban. O seu estudo direcionava-se a aspectos do movimento

no cotidiano e nas manifestações artísticas, estabelecendo relações entre o corpo e seu meio.

A partir disso, de acordo com Naspolini (2002), ele criou uma teoria unificada, denominada

Harmonia Espacial e que trata da relação entre interior e exterior, corpo humano e natureza.

Os estudos sobre o movimento elaborados por Laban e o olhar sobre o corpo na

pedagogia musical instituídos por Dalcroze e Orff, se mantém, ainda hoje, como importantes

referenciais para aqueles que desejam pensar a relação entre corpo e música numa

perspectiva mais dinâmica e integral. Ou seja, como o próprio Dalcroze buscou estabelecer

as relações entre os ritmos do corpo e da música, com uma música posta em movimento por

meio das ações do corpo no mundo.

5 Arthur Schopenhauer (1788-1860): filósofo alemão que influenciou Nietzsche e Wagner. Considerava a música como �suprema manifestação do espírito humano�. 6 Friedrich Nietzsche (1844-1900): filósofo alemão que teve suas teorias também voltas para a cultura e para as artes. 7 Richard Wagner (1813-1883): compositor do período romântico que revolucionou a ópera através do ideal de �Arte Total� (Gesamtkunstwerk). 8 Adolphe Appia (1862-1928): diretor de cena suíço que colaborou com Dalcroze, de 1906-1926, trazendo suas pesquisas sobre luz e espaço. Muitas das experiências artísticas de Dalcroze, em especial no Instituto Hellerau, na Alemanha, fundada em 1910, se materializaram baseadas na cenografia deste. 9 François Delsarte (1811-1871): francês, responsável por uma análise sistematizada dos movimentos e gestos humanos. Teve como alunos Dalcroze e Ted Shawn, bailarino americano pertencente ao movimento de dança moderna no inicio do século XX. 10 Isadora Duncan (1877-1927): dançarina, coreógrafa e educadora norte-americana que influenciou o rompimento com o academicismo e a abertura de caminhos para a Modernidade. 11 Ted Shawn (1891-1972): dançarino, professor e coreógrafo norte-americano que foi aluno de Delsarte. 12 Ruth Saint-Dennis (1879-1968): dançarina, coreógrafa e professora norte-Americana considerada um dos pilares do Modernismo nos EUA.

Page 19: Expressão Corporal e Música

19

1.2 Referenciando alguns conceitos de expressão corporal nas artes

O homem manifesta, através de sua conduta, as múltiplas ações do seu ser complexo.

Toda conduta supõe uma ação ou um movimento, interno e externo. No primeiro caso

(interno) poderá ou não se refletir em algo externado ou observável: rubor, movimentos

peristálticos (ato de engolir), alteração da pulsação ou da pressão sanguínea, etc. No segundo

caso (externo), a observação fica mais evidenciada: gesto, emissão de som, fala, e outros

(BLEGER, 1973).

Bleger (1973) define a conduta como a �totalidade das reações do organismo na

situação global�, que compreenderia �A conduta exterior, manifesta; a experiência, tal como

se faz, incluindo as modificações somáticas13 subjetivas; as modificações somáticas

objetivas; e os produtos da conduta: escritos, desenhos, trabalhos, testes, etc.� (BLEGER,

1973, p. 28).

Toda conduta envolve uma mudança. Para Piaget (1974)14, toda ação, ou seja, todo

movimento, todo pensamento ou sentimento, responde a uma necessidade e esta, por sua vez,

é sempre a manifestação de um desequilíbrio. Em cada instante, por assim dizer, a ação está

desequilibrada pelas transformações que surgem no mundo, exterior e interior, e cada nova

conduta consiste não apenas em restabelecer o equilíbrio, mas em tender a um equilíbrio

mais estável que o do estado anterior a essa necessidade. A ação humana consiste nesse

mecanismo contínuo e permanente de reajuste e desajuste, de equilíbrio e desequilíbrio. A

conduta expressiva, de descarga, equilibra a conduta receptiva, de carga, estabelecendo-se

então, a partir dela, um equilíbrio dinâmico e integrado ao qual tende todo indivíduo em

desenvolvimento e para o qual contribuem ativamente os processos de educação, reeducação

e terapia.

Neste sentido, a música e o som também estimulam o movimento interno e externo no

homem; impulsionam-no à ação e promovem nele uma multiplicidade de condutas de

diferente qualidade e grau. A conduta musical é complexa, uma vez que expressa os

diferentes aspectos ou elementos que concernem tanto ao objeto (música), como ao sujeito 13 Somático: adjetivo relativo ao corpo humano. ROSA, Ubiratan (coord.), dicionário Rideel de Língua Portuguesa, São Paulo, 2000. 14 PIAGET, Jean. Seis Estúdios de Psicología, Buenos Aires, Corregidor, 1974, p.15.

Page 20: Expressão Corporal e Música

20

(homem), (GAINZA, 1988). Para Gainza (1988), no processo de musicalização do indivíduo,

a etapa de recepção induz de maneira imediata ou mediata uma resposta ativa no sujeito, que

se converte, assim, ao mesmo tempo, em emissor musical. Apenas quando é adquirida a

capacidade de emitir respostas musicais face aos estímulos sonoros é que se inicia o processo

de musicalização.

As diferentes pessoas segundo sua idade, experiência e estado psicofísico reagirão de

maneira diferenciada, quando submetidas a um objeto sonoro (som) qualquer (quer seja um

instrumento musical ou um ruído). Elas mostrarão menor ou maior atração ao estímulo

sonoro que está ao seu alcance ou lhes é oferecido, realizando no ato da percepção maior ou

menor internalização com diferentes graus de concentração, fluência e destreza. Na seleção

dos aspectos absorvidos irão se fixar por diferentes características do objeto sonoro, a saber:

timbre, ritmo, melodia, harmonia e estrutura formal.

Também se refletirão n o processo de assimilação os diferentes aspectos ou níveis de

integração individuais. Assim, na presença do objeto sonoro o sujeito tenderá a voltar sua

sensorialidade, sua afetividade ou suas capacidades motoras e mentais, conforme o foco de

seu maior interesse.

Nesse aspecto, o processo musical não difere do processo de aquisição da linguagem

falada, onde a resposta (ato de fonação) inicia-se desde o momento em que o indivíduo

recebe o primeiro estímulo de caráter auditivo (GAINZA, 1988). A ação musical implica

num movimento, seja das cordas vocais e do aparelho fonador daquele que fala ou canta, seja

do corpo como um todo. No último caso, o corpo aparece como instrumento produtor de som

ou se �prolonga� através de um instrumento musical propriamente dito.

É importante ressaltar que no presente trabalho, o termo expressão poderá vir como

sinônimo de movimento, de ação, embora estes dois termos serão vistos mais adiante, como

elementos constituintes da expressão. Toda ação expressiva é, por um lado, efeito, mostra ou

representação de algo e, por outro, causa ou origem de um produto expressivo (GAINZA,

1988). Esse produto toma parte também do processo de expressão, participando das

características da ação que o originou.

Para Gainza (1988), a causa e a ação expressiva (causa expressiva ação expressiva

produto expressivo), se dão sempre dentro do campo interno do sujeito, o que não acontece

Page 21: Expressão Corporal e Música

21

com o seu produto ou efeito que, embora em alguns casos permaneça no âmbito individual

(representação teatral, dança, canto), freqüentemente o transcende, cobrando autonomia

(artes plásticas, composição musical, artesanato etc.). Gainza (1988) também nos diz que o

processamento dos materiais sonoros e musicais se dá no interior do sujeito, de tal forma que

a energia proveniente da música absorvida metaboliza-se em expressão corporal, sonora e

verbal, engendrando diferentes sentimentos, estimulando a imaginação e a fantasia,

promovendo, enfim, uma intensa atividade mental.

Sintetizando, podemos dizer que toda conduta expressiva é projetiva e, como tal, tem

a qualidade de refletir aspectos da personalidade. Alguém que faz alguma coisa está se

expressando, qualquer que seja o grau, caráter ou qualidade de sua atividade ou produto

desta. Um indivíduo que executa um instrumento de forma imperfeita � sob determinado

ponto de vista � poderá ser porque intensifica demais o ataque das notas durante todo tempo

da execução, ou porque faz uma troca das mesmas (erro de notas), ou se contém demais a

nível corporal, ou por se conter de menos, porque não �fraseia� adequadamente, não

comunica afetivamente ou não manifesta um grau aceitável de compreensão mental da obra.

No entanto está se expressando, inegavelmente, tanto quanto aquele que realiza a atividade

com um nível ótimo de qualidade. Expressar-se é, pois, demonstrar tanto as deficiências

como as múltiplas capacidades hábeis.

Logo, o termo expressão em si mesmo não representa um juízo de valor, tem-se que

admitir, mas refere-se a diferentes graus na expressão, tanto no que se refere a seus aspectos

quantitativos, como a seus aspectos qualitativos. Ainda de acordo com Gainza (1988), ao

falar de aspectos quantitativos e qualitativos da expressão, o discurso se voltará

conseqüentemente para a quantidade e a qualidade de movimentos, ações e gestos; termos

que, não necessariamente, devam ser considerados sinônimos, mas sim, elementos presentes

na expressão.

Nesse sentido, o corpo comunica, independentemente do quão expressivo ele o é, pois

�a expressão corporal pertence a todos. Pertence e escapa. �O corpo significa, apesar dele,

Page 22: Expressão Corporal e Música

22

escreve E. Decroux15 (...). Ser mímico ou não sê-lo não depende de maneira alguma de você,

já que você o é irremediavelmente�� (DECROUX apud PUJADE-RENAUD, 1990, p. 93).

A partir desta condição, da expressão incondicional do corpo, e da interação dos

elementos presentes na expressão do corpo, acredito que a classificação se dará a partir da

graduação (maior ou menor) de expressividade.

Faz-se necessário, no entanto, conceituar expressão corporal e bancar tal conceito, já

que a idéia de expressão corporal, enquanto algo preservado no interior do sujeito pronto a

ser desvelado, segundo o semiólogo Patrice Pavis (2001), está caindo em desuso. �Esta �ex-

pressão�, esta �expulsão� da significação, realiza-se melhor, em cena (sempre de acordo com

o dogma clássico), na expressividade gestual e corporal do ator�. Pavis (2001, p. 154), em

seu Dicionário de Teatro, salienta que o fundamental na conceituação clássica de expressão é

a experiência estética do autor da obra, �da qual o intérprete deixa entrever algumas parcelas;

esta posição implica uma supervalorização da idéia às custas da matéria expressiva, uma

crença no sentido anterior à expressão� (PAVIS, 2001, p. 154). Pois a teoria clássica da

expressão postula implicitamente que o sentido expressivo existe previamente no texto

teatral, numa composição musical, num texto literário. �Que a expressão viria por um

processo de �extração� a partir de uma idéia prévia� (PAVIS, 2001, p. 154). Nesse sentido,

tornar-se-ia necessário adentrar na questão do intérprete, sua função e seu significado.

O conceito de expressão corporal adotado neste trabalho vincula-se a uma idéia

libertadora que o termo porta, que se tornou emblemática nas áreas da arte e da educação, e

está ligada a uma ontologia do corpo e do sensível. A expressividade corporal aparece

comumente como fundamental ao fazer artístico, e é de outra ordem que o discurso. Pois está

implícita e explícita no mover de nossos corpos no dia-a-dia, nas tarefas do cotidiano. É a

transparência do que há de único e mais pessoal em cada um de nós. É a marca pessoal de

cada um, a característica própria, reflexa das incapacidades e eficiências. Quanto maior for a

aceitação de si mesmo, acredito que mais pleno será o uso das próprias capacidades. Se

maior for a disponibilidade para o trabalho corporal, mais livre poderá ser a expressão

pessoal. Nesse sentido, o prazer do ato expressivo está ligado à aceitação própria, à abertura

15 Etienne Decroux (1898 - 1991), ator e mímico francês, criou um sistema de mímica corporal.

Page 23: Expressão Corporal e Música

23

para a vivência e trocas de experiências entre elementos internos (subjetivos) e externos

(outras pessoas, meio em que se insere).

Olhando para a questão da expressão do corpo com outro enfoque, se considerarmos

que qualquer manifestação do corpo é forma de expressão, então além de nossos

movimentos, ações e a fala, também as manifestações orgânicas e fisiológicas (doenças,

cansaço, fome, disposição, mal estar, etc...) e, até mesmo, o estado em que nos encontramos

ao dormir também poderão ser vistas como formas de expressão do corpo. E se

considerarmos ainda, que um corpo desprovido de vida �comunica� sua ausência de sinais

vitais, então, até a morte será considerada como forma de expressão corporal. No entanto nos

referimos a este ou aquele indivíduo como �inexpressivo�, muitas vezes usando de atributos

pejorativos ou comparações inadequadas: �Parece que está dormindo!�, �... faz uma cara de

�peixe morto�.

A expressão corporal da qual tento falar aqui deve desempenhar um papel

descobridor que consiga romper com um corpo moldado demasiado por normas e

convenções sociais, a ponto de fazer ver as singularidades de cada indivíduo. Acreditando

que, com a problematização de algumas questões, a ruptura desses padrões se dará através de

um processo que promova o autoconhecimento, a fim de se objetivar uma expressividade

própria e mais autêntica.

Dentre os elementos presentes na expressão corporal, estão também os gestos e as

intenções. Bernadete Zagonel (1992) em seu livro O que é Gesto Musical, nos mostra que os

gestos exprimem um sentimento interior e revelam sempre alguma intenção. A intenção, por

sua vez, é vista como algo que evoca desejo ou vontade ao desígnio de fazer. Na música sua

importância é fundamental: eles produzem sons musicais e ao mesmo tempo comunicam as

intenções estéticas e expressivas do artista.

Se formos buscar a origem etimológica da palavra gesto, vê-se que ela possui o

sentido de uma ação voluntária, do �fazer�. No dicionário Rideel de Língua Portuguesa (São

Paulo, 2000), encontra-se o seguinte: �Família do latim, gegere, gestus, �trazer sobre si� e,

em sentido figurado, �tomar sobre si, se encarregar voluntariamente de�, de onde �executar,

fazer�; gesta, particípio passado neutro plural substantivado, sinônimo de acta, �ações��.

Page 24: Expressão Corporal e Música

24

De acordo com Pavis (1999, p.184), a concepção clássica de gesto, ou seja, a que o

considera como �meio de expressão e de exteriorização de um conteúdo psíquico interior e

anterior (emoção, reação, significação) que o corpo tem por missão comunicar ao outro�,

prevalece nos dias atuais. Vê-se no gesto, não só uma ação física, mas uma intenção. No

dicionário Aurélio (2004, 3a ed.) gesto é assim definido: �movimento do corpo, em especial

da cabeça e dos braços, ou para exprimir idéias ou sentimentos, ou para realçar a expressão�.

O gesto tem um objetivo preciso de produzir ou simbolizar.

Pederiva (2004) afirma que o gesto se educa e se aprende. Para a autora, o gesto é um

movimento exterior ao corpo, mais particularmente dos membros superiores, sobretudo das

mãos ou da cabeça. Apesar de ser visto com freqüência como o revestimento da linguagem

falada, seu significado nas artes se ampliou, deixando claro que não é visto somente como

um instrumento que enfatiza a linguagem falada, e sim, para delimitar uma linguagem em si

mesmo. No entanto, em linhas gerais, para a psicopedagogia em geral, os gestos, voluntários

ou involuntários visam exprimir ou executar um estado psicológico, assim como os gestos de

conjuração dos obcecados, dos inquietos ou dos supersticiosos (bater na madeira, por

exemplo) e os �tiques�.

Em outras visões, como a de Pontbriand (2000), o gesto exprime uma relação com o

outro e o ambiente, pois exprime uma abertura, ele é potencial, introduz o movimento na

vida, que faz com que as coisas avancem, se modifiquem, se transformem, desde os pequenos

detalhes da vida cotidiana às esferas simbólicas da arte, da economia, da política e da ciência.

O gesto é o que liga o corpo e o espírito ao mundo. Ele introduz uma relação do sujeito com

o mundo.

Passando rapidamente por outras áreas, vê-se que a questão da interioridade do gesto

é bastante discutida nas teorias teatrais. As diferenças entre ação física, gesto e movimento

estão presentes nos escritos e na prática cênica dos encenadores Constantin Stanislavski e

Jerzy Grotowski16. O significado que Bertolt Brecht17, a exemplo, imprime ao gesto, refere-

16 O diretor e ator russo Constantin Stanislavski (1863-1938) foi um dos fundadores do Teatro de Arte de Moscou e criou um de atuação que, ainda hoje, é referência para o teatro. Jerzy Grotowski (1933-1999), diretor de teatro polonês, foi um dos principais nomes do teatro no século XX. Em linhas gerais, a ação física, conceito usado por Stanislavski, é a externização de uma intensividade, e o gesto, para Grotowski, pressupõe organicidade. O movimento, para ambos, constituía-se como mera atividade física, e a ação física, implicaria numa intenção interna, um impulso interior.

Page 25: Expressão Corporal e Música

25

se à situação histórica social e ao contexto de um determinado grupo. Brecht fala de �gestus

social�, se dirigindo a um complexo de gestos, de frases ou elocuções que as pessoas dirigem

umas às outras.

O problema do gesto em música é também complexo, pois um grande número de

componentes intervém nos atos de criação e execução musicais. Numa primeira abordagem,

é preciso fazer referência ao compositor. É ele quem dá forma à idéia musical e escolhe o

material sonoro da obra que chegará às mãos do intérprete. Mas é este último que a fará

existir. Cada um será, assim, portador de um gesto (abstrato ou concreto), possibilitando o

ressurgimento da obra musical (ZAGONEL, 1992). Neste sentido, o corpo vai assumir uma

importância fundamental, não somente através do gesto do instrumentista necessário para

fazer acionar o mecanismo do instrumento, mas um corpo em ação de um intérprete

exercendo a atividade de músico-ator-dançarino.

Já na música chamada eletroacústica o gesto físico é diferenciado, bem como o uso

do instrumento musical mais convencional. Produzida com aparelhos eletrônicos e também

com o auxílio da informática, a musica eletroacústica admite o uso de toda espécie de sons,

naturais ou fabricados. É gravada em fita magnética, e sua emissão é feita por alto-falante,

sendo dispensada a presença do instrumentista. Porém, o próprio Pierre Schaeffer (Apud

ZAGONEL, 1992) inventor da música concreta (ancestral da eletroacústica) no final dos

anos 40, confessa que a falta de gestos na manipulação eletroacústica é uma carência, uma

privação, uma enfermidade que muito o afetou. O fato de não mais ter gestos a fazer, de não

mais encontrar fontes sonoras em harmonia com uma gestualidade humana era para ele um

sofrimento. Seria, afinal, preciso encontrar meios de reintroduzir os gestos humanos nessa

música? Seria esta uma necessidade que provém da música ou do ser humano que a cria?

Ainda na questão do gesto na música, o mesmo aparece como um elemento não

somente produtor de som (no que diz respeito ao gesto do instrumentista), mas de expressão.

Todavia, esse fato já foi tratado e considerado de maneiras diferentes durante nosso século.

Schaeffer (Apud ZAGONEL, 1992) fala do aparecimento do �teatro musical�, onde o

compositor considera o gesto do intérprete, elemento igualmente integrante da composição

musical. Sendo assim, a mímica, o gesto e a ação, e até a iluminação e o espaço, são fixadas 17 Bertolt Brecht (1898-1956): importante dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX.

Page 26: Expressão Corporal e Música

26

antes e conscientemente consideradas partes da composição. Nesse caso não é somente o

gesto instrumental que entra em cena, mas todo um comportamento gestual de expressão

visual.

Em meio a tantas transformações do século XX, surge a música concreta e, mais

tarde, a informática musical. Com a possibilidade de produção de sons por computador, o

gesto do instrumentista se modifica, pois as máquinas produzem sons por outros meios. Os

gestos para a difusão desta música (da digitalização aos alto-falantes) são bastante reduzidos.

Pois, diante de uma mesa de controle, tratam-se apenas de movimentos diferenciados e

horizontais nos potenciômetros, ou de girar e apertar botões, para o controle da manipulação

e emissão. A música, neste caso, não está ligada direta e exclusivamente à noção clássica de

gesto (como expressão de uma interioridade) veiculada na relação do músico com

instrumentos tais como violino e piano, mas ao gesto ou ação demandando pelas novas

tecnologias de produção musical. Neste caso, a criação artística prevê o envolvimento de

mais elementos no processo de composição, desde o músico, técnico de som e os recursos

tecnológicos de produção e manipulação do som, levando a questões relacionadas à autoria

das composições e de suas interpretações. No entanto, é inegável a preponderância de certos

fatores, tanto na realização momentânea quanto na definitiva, quanto acontece com o

fenômeno musical, que passa de sua natureza efêmera do som até a imortalização em

gravações ou decodificações em partituras.

Na música, em alguns casos, por serem muito rápido a sucessão dos sons

correspondentes às figuras musicais, os mesmos nem sempre podem ser percebidos um a um,

nem tão pouco cada um desses sons poder-se-ia equiparar-se na dança a uma postura, a um

passo. Pois para ir de uma postura à outra seria necessário traçar um movimento, que para ser

equivalente a cada figura musical levar-se-ia muito mais tempo que a emissão de um som.

Sendo assim, a mais simples das danças, sejam populares ou teatrais, demandam um número

de movimentos �imperceptíveis� em cada simples passagem apreciável. Por exemplo, num

simples passo de valsa, apenas podemos distinguir três toques dos pés contra o solo, mas

cada um desses toques exige, além disso, uma mudança de peso de todo o corpo e um

movimento nascido na articulação fêmur-quadril, que é a maior do corpo.

Page 27: Expressão Corporal e Música

27

Por analogia, para executar ao piano a música de uma valsa, serão necessários apenas

três movimentos das mãos para conseguir tornar audíveis os três tempos de um compasso.

Mas o peso do corpo não descansa nesse momento sobre as mãos, o que facilita a sua

execução e, por outro lado, as articulações de menor tamanho, ao ter de deslocar pequenos

grupos musculares, resultam muito mais velozes em seus movimentos e ocasionam menor

cansaço físico que a mobilização de grandes massas musculares. Por essa razão, num só

compasso de três tempos podem-se emitir relativamente muitos sons apreciáveis ao ouvido

por meio dos membros superiores, o que seria executado de forma diferenciada na realização

da dança, pelas dificuldades inerentes a transferências de peso de todo o corpo por meio dos

membros inferiores.

Tal como a dança, a música é outra das artes temporais, e é tanto o parentesco de uma

com a outra, que às vezes são vistas numa só rubrica, sendo a dança considerada como uma

espécie de ilustração dos sentimentos que despertam a música.

Mesmo acreditando na arte integrada e na multiplicidade de suas manifestações,

torna-se pouco possível que estas possam ser cultivadas em suas especificidades de uma só

vez por uma mesma pessoa, no entanto, um especialista, ao aprofundar-se no conhecimento

de sua especialidade, faz-se mais aberto à compreensão de todas as demais, já que sua

sensibilidade e percepção se agudizam.

Diante do exposto, a expressão corporal não constitui por si mesma uma arte. É, no

entanto, um prática e abordagem corporal muito útil à formação do artista-intérprete, seja ele

cantor, instrumentista, regente, ator, mímico ou dançarino. A expressão corporal, contudo,

não deve ser confundida com a dança. Porque, embora toda dança � mesmo que a isso não se

proponha � possa ser vista como uma expressão do corpo, nem toda expressão corporal é

dança, ainda que o coreógrafo possa transformá-la em tal, ajustando-a a certos princípios da

arte coreográfica.

Pessoalmente, entendo que a dança é um primeiro passo na educação corporal e

musical de todo indivíduo, com maior enfoque ainda, na formação do artista. Através de uma

dança educativa, criativa e recreativa, os movimentos de quem a pratica, progressivamente

vão-se ordenando em tempo e espaço. Em definitivo, constituem formas de expressar

sentimentos: desejos, alegrias, pesares, gratidão, respeito, temor, poder. Vale ressaltar que o

Page 28: Expressão Corporal e Música

28

termo dança educativa foi apresentado por Laban em seu livro �Dança educativa moderna�.

Scarpato (2001, p. 59) chama a atenção para a proposta metodológica de Laban acerca do

movimento na dança: �(...) não ensina apenas a forma ou a técnica, mas educa conforme o

vocabulário de movimento de cada um, contribuindo para o desenvolvimento emocional,

físico e social do participante�.

A dança, contudo, não se limita ao aspecto sensível, no sentido de fazer aflorar

sentimentos e emoções, mas é forma de conhecimento também, do qual nenhum indivíduo

deve ter seu acesso negado. O filósofo português José Gil (2001), seguindo o pensamento do

poeta francês Paul Valery, liga o movimento dançado ao pensamento. Gil recoloca a idéia do

movimento dançado como movimento de todos os movimentos, tendo o poder de restituir

sensações e imagens provenientes de todos os órgãos sensoriais. Os movimentos dançados,

mais do que os movimentos do cotidiano fazem-nos captar um sentido que nenhum discurso

simplesmente conceitual poderia pensar.

No capítulo a seguir, será abordado um pouco mais sobre a arte da dança e suas

implicações, conforme a visão e o trabalho de Rudolf Laban, bem como de Dalcroze e Orff.

Page 29: Expressão Corporal e Música

29

2 CAPITULO

2.1 Contribuições de Laban, Dalcroze e Orff

2.1.1 As contribuições de Laban

Rudolf von Laban foi um profundo estudioso do movimento humano e suas

abordagens possibilitaram renovações em diversas áreas de conhecimento, como a

psicologia, a educação e as artes. O pesquisador, artista plástico e coreógrafo, nascido em

1879 em Bratislava, na época pertencente à Hungria, dirigiu seu trabalho principalmente para

a dança, direcionando-a como meio de educação.

No período anterior a sua época, o corpo era considerado uma entidade somente

biológica (natural), passando a ser estudado pela ciência, sobretudo pelas ciências sociais,

como um fenômeno construído, interpretado e idealizado pela cultura e pela sociedade

(SCHILLING apud MARQUES, 2001, p. 87).

Izabel Marques (2001, p.87) em Ensino da dança hoje, cita Schilling, concordando

com este quando afirma que �o corpo não está terminado ao nascer, até certo ponto todos os

corpos são construídos socialmente�, não sendo possível que os mesmos se desenvolvam de

outra forma. Marques (2001) continua: �... nosso potencial criativo de movimento não

poderia ser livre e espontâneo, pois o mesmo é também formatado pelas experiências,

relações e processos de ensino-aprendizado por que passamos no decorrer de nossas vidas�

(MARQUES, 2001, p. 87).

Durante a Segunda Guerra Mundial, Laban abandona a Alemanha, por conta dos

conflitos ideológicos com o regime nazista, que se utiliza dos seus princípios de notação de

movimento para apresentações cívicas, foge para a Inglaterra e lá encontra ambiente

acolhedor para suas idéias sobre a vivência criativa do movimento (BOURCIER, 1987, p.

294). Nesta época, desenvolve uma pesquisa sobre como o ritmo natural no corpo de cada

pessoa e a fluência de seus movimentos, pode habilitá-la a lidar com determinadas situações

de trabalho. Esta abordagem direcionava-se à observação do movimento na indústria e o

treinamento de operários, e contribuiu para o surgimento da sua análise do movimento e os

Page 30: Expressão Corporal e Música

30

estudos sobre os esforços, centrais em sua pesquisa18. Seu livro, Effort, de 1947, é

direcionado à análise e notação dos gestos no trabalho manual (BOURCIER, 1987).

O Esforço é definido por Laban como o �impulso interno que dá origem ao

movimento� (LABAN apud NASPOLINI, 2006, p.57). Este se manifesta através de ações

corporais, com os elementos de peso, tempo, espaço e fluência. Assim sendo, torna-se

possível visualizar nos movimentos do indivíduo, a mudança de seu humor quando afetado

por estes elementos (NASPOLINI, 2002)19.

Naspolini (2002), em seu resumo fundamentado no Sistema Laban de Exploração e

Análise do movimento aponta as diferentes dinâmicas humanas, encontradas por Laban em

seus estudos, que as relacionou às qualidades psicológicas ligadas à predominância de um ou

outro elemento de Esforço, �gerando um estudo comportamental e a busca de significado a

partir das preferências pessoais de movimento e do uso consciente ou não de determinada

dinâmica, fazendo gerar conteúdos expressivos distintos� (NASPOLINI, 2002)20.

Ainda citando Naspolini (2006), em seu artigo Corpos em ação: A construção da

personagem na dança, vemos que as diferentes combinações de Esforço apontadas por

Laban, podem originar diferentes estados de espírito, �como se o impulso interior para o

movimento trouxesse cor e textura às nossas ações� (NASPOLINI, 2006, p. 57).

Laban, a partir de sua constatação de que o movimento estava presente em tudo e em

todas as formas da natureza, buscou um tipo de movimento que estivesse mais conectado

com a vida e um modo de registrá-lo, para que fosse possível a performance de várias

pessoas em locais e tempos diversos. Desenvolveu um vocabulário específico por meio de

um sistema de notações, a �kinetography Laban�, conhecida nos EUA como Labanotation,

�capaz de descrever não somente o que o corpo está fazendo, mas como ele o faz, estudando

sua estrutura e significado� (NASPOLINI, 2002).

18 www.cei.santacruz.g12.br. Acessado em 6 de julho de 2007, às 17:50h. 19 Para a elaboração deste subcapítulo referente às idéias de Laban, além de outras referências, utilizei os resumos (não publicados) em forma de apostilas elaborados pela Professora Ms Marisa Naspolini (2002) a partir dos conteúdos fundamentado no Sistema Laban de Exploração e análise do Movimento. Tais conteúdos foram apresentados nas disciplinas Expressão Corporal I e II, oferecida na grade curricular do Curso de Música do CEART � UDESC, ministrada pela professora no primeiro e segundo semestre de 2002, quando cursei a disciplina. A apostila não possui uma numeração de páginas. 20 Ibid.

Page 31: Expressão Corporal e Música

31

Estimulado pelas suas próprias necessidades enquanto artista, ele deu início a uma investigação que durou toda a sua vida e que resultaria no desenvolvimento de uma análise do movimento universalmente aplicável e que combina descrição, tanto qualitativa quanto quantitativa, do movimento. (NASPOLINI, 2002)21.

É provável que na primeira tentativa de comunicação, o homem tenha feito uso do

movimento como veículo. Mas, considera-se que o movimento assim como os gestos não

devam ser tratados como �ferramenta� de comunicação, ou como meio de expressão a que

todo homem recorre quando não pode fazê-lo por meio de palavra. Pois o movimento é

condição, e não ferramenta para a comunicação. Para Laban (1978) a necessidade de

comunicação é inata no homem. E essa necessidade orientou o próprio instinto humano para

os meios mais apropriados com que ele pudesse se expressar, ser compreendido e entender as

manifestações de outros indivíduos.

A partir das teorizações de Laban, considera-se que a �arte do movimento� é �uma

disciplina quase que autocontida, que fala por si mesma e principalmente se valendo de sua

própria terminologia�, (LABAN, 1978, p. 12). No entanto, é um grande erro considerar que o

estudo do movimento se restringe exclusivamente à dança ou ao teatro. O movimento

também é um meio essencial de expressão artística dentro da linguagem musical,

independente do diálogo que a mesma possa fazer com outras formas de linguagem como,

por exemplo, na ópera, em que contempla elementos teatrais e efeitos visuais.

Nesse sentido, defendo que em virtude da vinculação que possa ser feita em alguns casos

entre música e dança, torna-se válido o estudo do movimento do corpo por meio desta última.

Pois, creio na contribuição do desenvolvimento e entendimento do corpo por meio da dança

como fonte enriquecedora na formação de músicos bem como de outros artistas. Em situação

análoga, julgo fundamental que o dançarino realize um estudo apropriado da obra musical e

da linguagem musical propriamente dita, para que interaja corporalmente com as

especificidades da linguagem sonora e considerando que toda educação deva ser integral.

Creio que as idéias de Laban referentes à análise do movimento e as possibilidades

expressivas decorrentes de seus estudos são importantes aliados na promoção de uma

21 Idem (2002).

Page 32: Expressão Corporal e Música

32

vivência corporal para profissionais da música, assim como o são para outras áreas artísticas,

como a dança e do teatro.

Page 33: Expressão Corporal e Música

33

2.1.2 As contribuições de Dalcroze

Èmile Jacques-Dalcroze, suíço nascido em Viena, passou a lecionar no Conservatório

de Genebra a partir do ano de 1892. Já em 1898, percebe que ainda não havia encontrado

uma tradução prática para suas necessidades e pensamentos, os quais continham muitos

elementos provenientes do trabalho de Delsarte, com quem teve contato em Paris.

Praticamente o mesmo contexto cultural vivido por Laban é vivido por Jacques-

Dalcroze anteriormente. Fazendo-se necessário também, relacionar o trabalho do músico e

educador a partir do âmbito do �Körperkultur�(cultura do corpo, citado anteriormente22), que

foi um dos movimentos da época, que se originou nos países de cultura alemã e que marcou o

início do século XIX.

É neste ambiente que Dalcroze desenvolve seu trabalho, enquanto aluno de A.

Bruckner23 e do contato com Appia e Delsarte em Paris. Depois de terminar a escola e já

sendo portador de profundos estudos de música clássica, parte para Paris aos dezenove anos,

com o objetivo de estudar artes dramáticas.

O relato de Silvana Mariani (1999)24 nos mostra que Dalcroze, por meio de sua visão

de integralidade, continuou a aprofundar a sua pesquisa corporal e musical, �e por meio de

toda uma vivência no mundo das artes passando pela experiência musical e cênica da ópera e

do teatro de sombras, além de continuar atuando intensamente como compositor e educador�

(MARIANI, 1999)25.

Sentindo necessidade de aprofundar ainda mais a sua cultura musical, viaja para

Viena onde estuda harmonia, contraponto e composição, na Academia de Música com

Bruckner, entre outros. Ele se aperfeiçoa mutuamente em harmonia e composição com

22 O mesmo buscava redescobrir o corpo, partindo de uma corrente estética inspirada em Schopenhauer, Nietzsche e Wagner que refletia no teatro através das realizações artísticas de Appia e teorizações e práticas de Delsarte. 23 Anton Bruckner (1824-1896): foi um compositor austríaco da era romântica. 24 Tais escritos encontram-se no relatório (não publicado e não paginado) feito por Silvana Mariani em 1999, a partir de sua bolsa de estudos de um ano no Instituto Jacques-Dalcroze, inaugurado em 1915 em Genebra na Suíça. A bolsa lhe foi concedida pelo Fundo Nacional da Cultura, através da Secretaria de Apoio à Cultura � Ministério da Cultura do Brasil. Silvana Mariani é licenciada em Educação Artística - Música pela UDESC. 25 Idem.

Page 34: Expressão Corporal e Música

34

Fauré26 e Lavignac27. Depois de dois anos de intensa atividade em Viena, retorna a Paris para

completar os seus estudos.

Aos vinte e sete anos, retorna a Genebra, onde se inquietará com a forma seca e

estritamente mecanizada e teórica de ensinar harmonia e solfejo. Em virtude das dificuldades,

sobretudo no que diz respeito à compreensão do ritmo de seus alunos, encontradas em seu

trabalho pedagógico no Conservatório de Genebra, começa a elaborar estratégias as quais

envolvem progressivamente o corpo do aluno. A partir de então, seu trabalho passa a ter o

embasamento de exercícios rítmicos e de solfejo, utilizando-se os braços e as pernas. Pela

surpresa com a falta de ritmo de seus alunos começa a refletir sobre uma série de exercícios,

que dariam esse �ouvido interior� necessário para ser um autêntico músico. �Ele transforma

um ensinamento tradicionalmente morto em algo vivo. E sua �ginástica rítmica� começa a

nascer� (MARIANI, 1999)28. O objetivo era desenvolver o ouvido interior dos alunos e

utilizar o corpo como conector entre os sons e o pensamento.

Dalcroze começou então a ser reconhecido como o criador da rítmica e o encontro e a

amizade com o encenador teatral Adolphe Appia transformam a rítmica numa arte cênica. O

método do suíço Émile Jacques-Dalcroze, tão significativo para a educação do músico e tão

útil na formação musical do dançarino, contribuiu para o dualismo na interpretação referente

às relações música-dança por ser originalmente, um método de movimento não concebido

como dança.

Dalcroze, na obra Ritmo, Música e Educação (Apud MARIANI, 1999)29, declara:

Há 25 anos eu comecei a ensinar, na qualidade de professor de harmonia, no Conservatório de Genebra. Desde as primeiras lições, constatando que o ouvido dos futuros harmonistas não estava preparado a escutar os acordes que eles deveriam escrever, eu entendi que o erro do ensinamento usual é de só fazer os alunos experimentarem a audição no momento em que eles deveriam escrever. Ao invés de prepará-los desde o início dos estudos, quando o corpo e o cérebro se desenvolvem paralelamente, comunicando incessantemente impressões e sensações. Eu concluí que tudo que na música é de natureza motórica e dinâmica, depende não somente do ouvido, mas também de um outro sentido, que eu pensei em princípio ser o

26 Gabriel Fauré (1845-1926): compositor e professor de Maurice Ravel que junto com Claude Debussy marcaram a música francesa no início do século XX. 27 Albert Lavignac (1846-1916): foi um famoso teórico musical francês, também conhecido por algumas composições musicais. 28 Idem. 29 Idem.

Page 35: Expressão Corporal e Música

35

sentido tátil. Fiz os alunos fazerem exercícios de caminhada e parada, e os ensinei a reagir corporalmente à audição dos ritmos musicais (DALCROZE Apud MARIANI, 1999).

Mas não é só na música que Dalcroze encontra receptividade. A dança também deve

muito ao pensamento deste educador. A partir das reflexões feitas por ele sobre a �construção

do sentido muscular�, criou exercícios extremamente complexos buscando codificar

plasticamente o corpo, com o objetivo de transformá-lo em um canal de expressão visual da

própria música. Os exercícios de polirritmia (execução simultânea de diferentes partes do

corpo) ou poli-dinâmica (execução simultânea de diferentes gradações de tensão) são uma

verdadeira aula de contraponto, um �solfejo corporal�que cria nos alunos grande capacidade

para a compreensão musical, trabalhando aquilo que Dalcroze considerava de fundamental

importância: a relação de tempo, espaço e energia, peso e equilíbrio (MARIANI, 1999).

Dalcroze (apud MARIANI, 1999) afirmava que todo elemento musical poderia ser

realizado corporalmente, seja ele a altura (posição e direção dos gestos no espaço), a

intensidade (dinâmica muscular), o timbre (diversidade de formas corporais), a melodia

(sucessão contínua de movimentos isolados), o contraponto (sobreposição de movimentos), o

acorde (gesto em grupo), a construção da forma (distribuição dos movimentos no tempo e no

espaço). Afirmava que a consciência do ritmo é resultado da experiência física e vem do

aperfeiçoamento dos movimentos corporais no tempo e no espaço, onde todo o músculo pode

contribuir para avivar, clarificar, moldar e aperfeiçoar esta consciência, reforçando, junto ao

sentimento, que nasce da sensação do movimento muscular, as imagens presentes na mente.

Uma série de turnês internacionais divulga os princípios dessa pedagogia pela Europa, e

por conseqüência originam novos institutos de rítmica pelo mundo. No Brasil, a proposta de

Dalcroze poderá ser adaptada conforme nossa realidade e nossas necessidades, a partir de

instrumentos musicais regionais e nacionais, e partindo-se de �nossa própria rítmica�, tão rica

e marcada pela diversidade de ritmos, pelo forte aspecto multi-cultural.

Page 36: Expressão Corporal e Música

36

2.1.3 As contribuições de Orff

Nascido em Munique em 1895, o alemão Carl Orff iniciou seus estudos musicais na

infância. Aos dezenove anos graduou-se na Academia de Música de Munique. Aos vinte

anos tornou-se Mestre de Capela na �Munich Kammerspiele�, posto ocupado por Orff de

1918 a 1919. Posteriormente ocupou o mesmo posto no Teatro Nacional e no

�Landestheather� em Darmstadt, na Alemanha. Ainda em 1919 retornou a Munique, onde

começou a ensinar música e em 1924. Juntamente com Dorothee Günther, professora de

dança e coreógrafa, funda a escola de ginástica, música e dança: a �Güntherschule�. Tal

escola propunha-se a trabalhar com o adulto, explorando um novo relacionamento entre

música e movimento. Tinha com isso, o objetivo de �fornecer aos músicos e dançarinos a

integração de suas artes combinadas e complementadas� (LOPES, 1991, p.46). Nessa escola,

a dança e o treinamento teórico eram conduzidos por Günther, sendo que a composição

musical a ser executada nas aulas e nas apresentações era de responsabilidade de Orff.

Em 1930 aparece pela primeira vez a obra composta para a escola: �Schuwerk�. O

trabalho era composto por músicos e dançarinos e difundiram-se enquanto grupo por toda a

Europa, tendo sido adaptado às crianças pela primeira vez na apresentação da abertura das

Olimpíadas de 1936, em Berlim.

Em 1930, Orff foi regente da Sociedade Bach de Munique, para a qual arranjou e

adaptou versões para a encenação de algumas obras de Bach (compositor alemão do período

barroco) e Monteverdi (compositor italiano da renascença). A culminação desse trabalho foi

a composição de sua obra mais conhecida e significativa: �Carmina Burana�. De 1950 a 1955

ensinou composição na �Staatliche Hochschule für Musik�, em Munique. Orff atingiu uma

reputação internacional aos sessenta e quatro anos, sendo premiado com o título de Doutor

Honorário pela Universidade de Tübigen (1955) e Munique (1972). (LOPES, 1991).

Orff nasceu um pouco depois de Laban e Dalcroze, tendo sua vida e obra pontuada

por aspectos das transformações sócio-culturais do final do século XIX e início do século

XX. Enquanto as tendências sobre corpo são observadas na revolução da dança moderna com

Isadora Duncan e Rudolf Laban na Suíça, Jacques Dalcroze explorava o movimento através

do treinamento do ritmo.

Page 37: Expressão Corporal e Música

37

O compositor alemão foi profundamente influenciado pelos princípios e práticas da

educação musical elementar que atravessava o mundo. A proposta educacional de Orff, é

baseada sobre a tríade básica música, movimento e fala, onde a palavra é a geradora do ritmo

e da música e as inflexões expressivas dão movimento à fala. Esse movimento, uma vez

ordenado, configura-se em ritmo e expande-se numa entonação sonora que se inicia sobre a

terça menor30.

Orff defende uma música elementar � que busque elementos essenciais encontrados

nos jogos musicais infantis e na música folclórica, uma vez que estes elementos são

intimamente ligados ao movimento, à dança e à palavra. Na música elementar não há a

condição de ouvintes passivos, apenas participantes, de modo que as propostas

metodológicas procuram a co-participação criadora � permanente e contínua � da criança,

com o objetivo de levar à improvisação e à criação de sua própria música (LOPES, 1991,

p.50).

Na visão de Orff, isto se dá na busca pela �desintelectualização� e �destecnização� do

ensino da música, (LOPES, 1991). Acreditando que a compreensão deve vir depois da

experiência � esta sim, a base do processo. Ou seja, primeiramente busca-se sentir o ritmo,

em vez de analisar seus componentes, e experimentar como estes se agrupam e se

relacionam. Adquirir noção de espaço / tempo e exprimir-se em passos e movimentos

elementares é preparação considerada indispensável para integralizar a música e a dança.

Nesse sentido, levanta-se a hipótese sobre a influência de Dalcroze, marcando o trajeto da

educação musical ao indicar o movimento corporal como fator essencial para o

desenvolvimento rítmico (e o ritmo em sentido amplo, como o fator organizador dos

elementos musicais), aspecto incorporado por diversas propostas pedagógicas posteriores.

O ritmo aparece como o ponto de partida da proposta de Carl Orff, enquanto

embasamento dos elementos musicais, que é vivenciado através de gestos e no recitado

rítmico. Orff, inclusive, propõe o preparo da audição polifônica através do trabalho rítmico a

30 Esse primeiro exercício de Orff buscava, originalmente, uma referência ao contexto dos alunos, com relação ao pássaro �cu-co�, relacionado com a chegada da primavera na Europa; não podendo aqui cumprir essa função. Deve-se procurar achar outras referências na vivência concreta de nossos alunos � como, por exemplo, o grito de �men - go� das torcidas de futebol (LOPES, 1991, p.89).

Page 38: Expressão Corporal e Música

38

partir da fala. São utilizados nomes próprios, rimas, lenga-lengas, provérbios e pregões, entre

outros como material para os exercícios rítmicos.

As propostas vinculadas a estes pedagogos da música são enriquecedoras, e sem

dúvida a formação dos esquemas de percepção necessários à apreensão da linguagem musical

realiza-se mais lentamente. A partir do manejo criativo e livre de diferentes materiais dentro

de um trabalho com base em exercícios corporais, busca-se uma expressividade conduzida no

plano da percepção. Com a identificação de elementos básicos da música já trabalhados,

torna-se possível a articulação de propostas de improvisação e criação; como a que acontece

em Orff, indicando elementos da música contemporânea.

Page 39: Expressão Corporal e Música

39

2.2 Confluências de Dalcroze, Laban e Orff

Todos os três pedagogos, Émile Jacques-Dalcroze, Carl Orff e Rudolf von Laban

elaboraram seus métodos em meio a insatisfações relacionadas à educação na música, na

dança, no teatro e na falta de inter-relação destas áreas do conhecimento humano. Uma das

características em comum presentes nos três refere-se ao fato de apontaram para a ausência

da vivência corporal nas experiências musicais, teatrais e na dança, o que os levou a elaborar

uma forma ativa de ensino. Visando uma síntese de suas propostas, ressaltar-se-á os

principais aspectos comuns entre eles.

No que se refere à presença das teorias de Laban no Brasil, estas começaram a ser

estudadas a partir da chegada de Maria Duschenes31 ao país na década de 40, que influenciou

os rumos do ensino de dança para crianças e adolescentes. As propostas educacionais de

Laban sobre dança para crianças e adolescentes variavam entre seus aspectos metodológicos,

mas existiam traços comuns que as identificam enquanto posturas filosóficas de dança e de

educação.

Laban, enquanto coreógrafo e dançarino utilizou amplamente as nomenclaturas

�dança educativa� e �dança-educação� quando divulgava seu trabalho educacional na

Inglaterra. Nos dias atuais, esclarece Marques (2001. p. 81), quando se quer dizer que uma

aula de dança segue a linha de pesquisa de Laban, usa-se o termo �dança educativa�, o que se

deve, provavelmente, ao seu livro �Modern Educational Dance� (�Dança Educativa

Moderna�), publicado em 1948. De acordo com Marques (2001), Laban teria usado este

termo em contraposição ao ensino da técnica do ballet clássico na época. Para ele, a criança e

o adolescente deveriam ter a possibilidade de expressar sua subjetividade enquanto

dançavam por meio de movimentos mais pessoais e menos ditados pelos códigos da dança

clássica, desenvolvendo assim a sua criatividade.

Marques (2001, p.80) nos chama a atenção para uma vasta denominação que

caracteriza os trabalhos de dança voltados para crianças e adolescentes, dentre eles: �dança

31 Maria Duschenes (1922-) nasceu na Hungria e conviveu com Rudolf Laban. Em 1940 veio ao Brasil fugindo da Segunda Guerra Mundial e dedicou-se a disseminar as idéias de Laban, bem como as de Dalcroze.

Page 40: Expressão Corporal e Música

40

criativa�, �dança educativa�, �dança-educ ação� e a �expressão corporal�. A respeito da

�expressão corporal�, salienta Marques:

(...), podemos notar que ela não é privilégio dos dançarinos. O teatro, a educação física, a música e até mesmo a pintura e a escultura, englobam atividades de expressão corporal, ou seja, de manifestações do corpo. O termo expressão corporal nega acima de tudo, as aulas de técnica e de repertório de dança que ensinadas de maneira tradicional, através de cópia e de mecanização de movimentos, não permitem que o indivíduo descubra seu vocabulário pessoal de movimento, sinta o organismo fluir harmonicamente com a natureza primitiva do homem. Enfim, técnicas diferentes das usadas na expressão corporal não seriam �criativas�, �educativas� e muito menos �expressivas�. (MARQUES, 2001, p.82).

Na visão de Dalcroze (apud MARIANI, 1999) sobre o contexto escolar, este afirmava

que a escola preparava a criança para todas as profissões, menos para a carreira artística.

Além disso, a educação musical se restringeria sempre a uma elite, e a grande maioria precisa

se contentar com o consumo imediato de uma arte descartável. Dalcroze sabia da necessidade

de fazer chegar o ensino de artes para todos, por isso ele chamou seu método de uma

�educação para a música e através da música� (apud MARIANI, 1999).

A idéia de música ativa e criativa postulada por Orff (apud ALFAYA, PAREJO,

1987) - que atravessou os limites da Alemanha, sendo que o seu material didático foi editado

em vários países-, trazia um enfoque sobre o teatro, o que fez com que ele perseguisse, tanto

na composição como na educação, o objetivo de desenvolver a arte �una�, onde música,

movimento e palavra sempre caminhariam juntos. Este é o grande ponto em comum das

propostas de Dalcroze e Orff, a de fazer passar por uma experiência mais intensa e integral

do movimento corporal as noções de música que até então eram aprendidas somente através

de um ensinamento mais direcionado a um esforço técnico e intelectual. Em Dalcroze, os

ensinamentos propõem várias atividades que permitem que os alunos façam suas próprias

experiências musicais e descobriram por eles mesmos os diferentes elementos da música. Há

no seu método uma preocupação do educador em despertar a expressão espontânea da

criança, e guiá-la através de exercícios e jogos a diferentes experiências musicais. Para isso o

aluno necessita participar ativamente escutando e se movimentando, e fazendo ligações entre

estas duas possibilidades. No ponto de vista de Orff (apud LOPES, 1991), todas estas

possibilidades se dariam melhor quando realizadas em conjunto por toda a comunidade, ou

Page 41: Expressão Corporal e Música

41

seja, pela união dos indivíduos. Nesse sentido, Orff acreditava que as crianças deveriam

descobrir as qualidades do espaço, do som e da forma por elas mesmas, cada indivíduo

contribuindo assim, para o grupo como um todo, e a comunidade de indivíduos torna-se um

conjunto (LOPES, 1991).

Na pedagogia musical de Orff (LOPES, 1991), vê-se dois princípios básicos no

processo musical da criança: o amadurecimento musical ontogênico e a improvisação e

criação contínua. Orff propunha que a criança buscasse percorrer os estágios de

desenvolvimento do ser humano e para isso ele recorria a atividades simples e naturais do

comportamento infantil, como a vontade de tocar um instrumento, cantar, recitar e dançar.

Ele fundamentava-se na hipótese de que a dança teria sido o primeiro meio de expressão

artística do homem, surgido da união do som com o movimento.

Quanto às etapas de improvisação e criação, elas não eram vistas por Orff como fases

de amadurecimento da criança. Ele parte da exploração e das experiências para estimular a

observação e a concretização do significado de tais conceitos. Tais explorações e

experiências são conduzidas através de improvisos e criações. Daí sua metodologia estar

fundamentada no processo percepção-expressão (LOPES, 1991, p. 51). É importante

considerar também que a condução das atividades de improvisação e criação segue um

princípio afetivo dando às atividades uma roupagem lúdica e dessa forma obedecendo ao

amadurecimento ontogênico do indivíduo, isto é, compartilhando como o mundo de sonho e

fantasia da criança.

Sintetizando, podemos traduzir os dois princípios expostos num único fundamento

que alicerça a pedagogia Orff: aprender música fazendo música (LOPES, 1991, p. 55).

Convém considerar que a princípio, o trabalho de Orff havia sido destinado ao treinamento

de dançarinos e instrumentistas adultos, cujos exercícios rítmicos e melódicos tinham a

finalidade de fornecer uma base para improvisação, bem como promover estímulos para a

expressão corporal. A pedagogia musical propriamente dita surge da transposição desse

trabalho com adultos para a aplicação com crianças, resultando tal transposição a partir da

constatação que a unidade entre música e movimento existia naturalmente nas brincadeiras

infantis, só que acrescida da linguagem (LOPES, 1991, p. 55).

Page 42: Expressão Corporal e Música

42

Assim como Laban, Orff também acreditava que o movimento humano é sempre

constituído dos mesmos elementos, seja na arte, no trabalho, na vida cotidiana, o que o faz

também empreender um estudo exaustivo sobre estes elementos constitutivos e sua

utilização, dando ênfase tanto à parte fisiológica, quanto à parte psíquica que levam o homem

a se movimentar. Mas no que se refere a elementos do movimento, creio que Laban, dos três

pesquisadores, foi quem realizou uma análise mais minuciosa e aprofundada, utilizada por

muitos campos de conhecimento, incluindo a música.

Dalcroze (apud MARIANI, 1999) propôs a união do movimento e da música, e

desejava com isso harmonizar as faculdades sensório-motoras, mentais e afetivas. Ele

desejava que o aluno sentisse e experimentasse antes de analisar, para que o aprendizado

fosse assim consciente. Sobretudo, ele desejava que o aluno aprendesse a escutar, sentir a

música e amá-la, e que participasse ativamente através da expressão corporal e da

improvisação musical. Ele apela dessa maneira à capacidade sensível do indivíduo, e para o

despertar da sensibilidade musical através da experiência do movimento do corpo.

É nesse sentido que a Rítmica, esta nova abordagem, desenvolvida por Dalcroze,

ocupa seu lugar no domínio da música e também na dimensão do movimento corporal, mais

precisamente no domínio do gesto; pois foi sem dúvida um dos educadores que elaborou uma

forma de experiência musical mais completa e profunda, porque trabalhou com três

dimensões do ser humano: a dimensão física, intelectual e emotiva.

Dessa forma utilizou a combinação de gesto na música, como acontece na

combinação do gesto com a palavra para o teatro. O gesto reforça a expressão sonora e a

mensagem sonora reforça a expressão do movimento. O gesto e a música se confirmam

mutuamente ao mesmo tempo em que se conformam. A característica própria e original da

rítmica é de utilizar sistematicamente esta união gesto e música para fins educativos.

Em resumo, a Rítmica é uma pedagogia musical que se apóia em três elementos

básicos: o movimento, o solfejo e a improvisação. Por movimento entende-se o gesto

melódico e a melodia gestual, que são o coração da rítmica. O solfejo aborda o conhecimento

reflexivo, interiorizando a experiência musical vivida, o aluno vai analisando os atos

musicais, identificando seus elementos conscientemente em relação à altura e a duração

sonora. Ele aprende a estruturar, ler e escrever. E finalmente a improvisação gestual e

Page 43: Expressão Corporal e Música

43

musical, que é o elemento criativo que assegura uma contemporaneidade à rítmica,

renovando-a a cada dia (MARIANI, 1999).

Page 44: Expressão Corporal e Música

44

3 CAPÍTULO

3.1 A Expressão Corporal da relação cotidiana às artes

Pertencente ao complexo sistema da comunicação humana está a expressão não

verbal. Esta demonstra que o corpo pode �falar� por diversas maneiras e em diversos níveis,

pois ele, por si só, nos dá informações sobre aspectos das pessoas, sexo, idade, origem étnica,

social, estado de saúde, entre outros. Guiraud (1991) coloca que nosso corpo fala e nós

falamos com nosso corpo, também por intermédio de nossas emoções, que são os

�movimentos� do nosso organismo: trememos de medo de frio, coramos de vergonha,

fazemos careta de dor, etc... Estas são reações físicas, pelas quais se exprimem os nossos

sentimentos, que são traduzidos pela linguagem, o modo pelo qual concebemos e

representamos esses fenômenos. As reações físicas são também chamadas de signos. Os

signos fisionômicos são naturais, espontâneos e até certo modo inconscientes (GUIRAUD,

1991). Esses signos têm a função inicial de conhecer o caráter, o estado de saúde, reconhecer

sentimentos dos outros e são utilizados �artificialmente� para conhecer o nosso caráter,

nossos sentimentos. A idéia de que o corpo fala, ou seja, tem uma voz própria, que se

manifesta como linguagem específica, e que não está a serviço somente da palavra, ainda tem

sido alvo de discussões na área da lingüística e comunicação. Livros como o de Pierre Weil

(1986) O corpo fala, tentam desvendar a comunicação não-verbal do corpo humano

analisando os princípios subterrâneos que regem e conduzem o corpo. A obra de Pierre Weil

representa uma época em que as questões da comunicação do corpo eram estudadas tendo os

elementos da linguagem verbal como parâmetro.

Nosso corpo �fala� através das fontes de informações que interpretamos com o

auxilio de códigos (fisionomias e caracterologias). Por outro lado, nós falamos com o corpo

através de um sistema de gestos, movimentos e mímicas:

Imaginamos um mundo segundo o modelo de nosso corpo, formando assim conceitos e palavras a partir de imagens corporais. Fazemos o nosso corpo falar, ao utilizá-lo como modo de expressão de uma realidade externa a este corpo, e falamos com o corpo, na medida em que nos servimos de gestos e mímicas corporais para transmitir informações (GUIRAUD, 1991, p.5).

Page 45: Expressão Corporal e Música

45

Weil (1986) cita o aparecimento da linguagem falada e o processo de civilização do

homem primitivo, como principais fatores da mudança pela qual o homem moderno passou e

vem passando, refletindo diretamente na forma de expressar-se. As invenções de ferramentas

e máquinas também podem ter contribuído de forma gradativa para esse acontecimento.

Logicamente ao que se refere à expressão corporal no sentido utilitário, esse avanço reduziu

o esforço físico. E é justamente em plena era da comunicação automatizada quando, apesar

de obtermos o maior registro de interligação tecnológica entre os povos, que podemos

perceber paradoxalmente sociedades tentando resgatar ou re-aprender alguns dos princípios

básicos de expressão humana que reconstrói um ser completo: instintivo/intuitivo,

emocional/espiritual e racional (WEIL, 1986).

Para o indivíduo construir-se ele precisa ser sujeito de sua ação, princípio dinâmico

de todo desenvolvimento, e só tem significado quando se comunica com o mundo. Nesse

sentido, o corpo é o modo e o meio de integração do indivíduo na realidade do mundo, logo,

carregado de significado. A necessidade de comunicação é inata no homem. Essa

necessidade orientou seu próprio instinto para os meios mais apropriados com que se

expressar, ser compreendido e entender as manifestações de outros indivíduos.

O corpo expressa, irremediavelmente, queiramos nós ou não, quer saibamos ou não.

Não somos sempre conscientes, e se os outros a decifram, o mais freqüentemente é, sem

sabê-lo, pois �espelhamos� uns aos outros mutuamente, principalmente com quem se tem

certa intimidade e afinidade (WEIL, 1986). Nós, seres humanos, manifestamos nossos

sentimentos através de palavras e movimentos, mesmo que pela suspensão destes, numa

postura passageira (OSSONA, 1988). A autora descreve:

Na atitude de uma pessoa cujo movimento tenha sido registrado e fixado pela fotografia, podemos deduzir, por exemplo, se ao correr, o faz com vistas ao futuro para alcançar algo ou alguém, ou ainda se o faz a partir do passado, fugindo de alguém, ou ainda como no caso do esporte, pelo simples prazer de correr. Se alguém simplesmente caminha, fica em pé, toma assento, deita-se ou gira, manifesta simultaneamente sua idade, seu estado de saúde, de ânimo, ou em outros casos, contextualizando-os, o agente poderá transparecer, em uma leitura mais profunda, sua inteligência, cultura e seu caráter. Estas manifestações através da expressão são instintivas e involuntárias e emergem do total da ação, como uma tonalidade musical ou uma cor dominante num quadro. É como uma chave de

Page 46: Expressão Corporal e Música

46

movimento que dá um acento comum a todas as ações voluntárias e utilitárias do ser (OSSONA, 1988, p. 26).

Trazendo novamente Weil (1986), se a velocidade de uma ação for superior às

necessidades (como no caso de uma porta quando bate, impulsionada por alguém), tornar-se-

á manifesto que o estado de ânimo do executante é áspero e agressivo, ou ainda se for esse o

caráter, que poderá tratar-se de uma pessoa sem educação. No entanto, se ocorreu por um

descuido e displicência por parte do executante, a interpretação da porta batendo, poderá ser

vista de outra forma, ou até mesmo, ficando suspensa de interpretação.

Para Ossona (1988), se os gestos ficam suspensos no ar e descrevem suaves curvas

dispensáveis, indicam alegria, ilusão, bom humor; é o tipo de movimento que escolhemos

para representar uma adolescente sonhadora, por exemplo, que poderá ser pobre, rica, sadia

ou enferma, mas que nesse momento não está padecendo de dor física nem moral. A energia

e a velocidade inferiores às necessidades indicam de certo modo comodidade, passividade,

melancolia, desalento; são também aptos para descrever uma pessoa na idade muito madura.

Os gestos muito exatos em tempo, direção e energia revelam supostamente e de um

modo geral segurança em si mesmo, pedantismo, falta de imaginação, bom nível social ou

econômico, mesmo que possa lhe faltar refinamento. Quando se produz uma parada no meio

do traçado de um movimento, geralmente seguida de uma variante no desenho e velocidade,

se expressa dúvida ou enfatização do gesto (OSSONA, 1988, p. 26 � 27).

É interessante constatar todas essas expressões dos movimentos dentro das tarefas

cotidianas como escrever, andar, conversar com as pessoas, executar tarefas domésticas,

dirigir, ordenar uma seqüência de objetos, etc. Esses movimentos cotidianos, que de tal modo

revelam nossa forma de ser e de sentir, têm todos eles uma finalidade prática e pertencem a

uma etapa de educação do movimento.

Na vida humana e em toda vida animada existe uma capacidade intuitiva de

transformar a energia do corpo em movimentos. Numa primeira etapa da vida dos seres

humanos, observamos no bebê dois tipos de movimentos, ambos instintivos. Um deles

persegue uma finalidade expressiva, e o outro, uma finalidade orgânica, conforme Campos

(2000). Em seus estudos sobre coordenação e dissociação muscular, a autora nos mostra que

ao analisarmos esta primeira atividade motora do ser humano, vê-se que a mesma consiste

Page 47: Expressão Corporal e Música

47

em movimentos das extremidades do corpo. Ao golpear com os braços e empurrar com as

pernas para fora de seu centro, o corpo vai perdendo a posição esférica, como de novelo, que

tinha durante o estado embrionário. Assim, realizando repetidamente esta ação, o corpo vai

conseguindo que a posição estendida chegue a ser tão normal como o foi a anterior.

Campos (2000) propõe ainda uma análise em detalhes desses movimentos, chegando

à observação de que a direção desses movimentos é sempre a mesma. Isto é: do centro à

periferia em forma direta, quer dizer, sem nenhum desvio na execução. Do ponto de vista da

energia, a autora coloca que podemos ainda observar que muita é a energia utilizada, pois só

é possível superar o peso das extremidades empregando um considerável caudal de força. No

referente ao tempo, dada a forma direta do movimento, sua força e a falta de motivação

externa, que faz com que não encontre obstáculos no caminho, este é rápido. Além disso,

esses movimentos rápidos agrupam-se em séries de ações que se repetem em intervalos

regulares. São sumamente raros os movimentos isolados. Outra característica é a

simultaneidade. As pernas golpeiam de forma conjunta, de vez que os movimentos de uma só

parte do corpo só são adquiridas mais tarde (CAMPOS, 2000, p. 145).

Na medida em que vamos crescendo, nos formando e amadurecendo, nosso corpo vai

sendo instituído. E instituído como força de trabalho. O corpo deve se economizar para

figurar na economia a expressão das emoções. Gonçalves (2002) afirma que, na sociedade

capitalista, o processo de trabalho, ao alienar-se de suas raízes humanas, aliena também o ser

humano em sua corporalidade. O único objetivo do capital é fazer com que o corpo subsista

como força de trabalho. Então o corpo do trabalhador torna-se um corpo mecanizado e

alienado, um corpo limitado pela mecanização e pelas condições precárias de realização do

movimento, pois o sistema nervoso é agredido no trabalho por máquinas, reprimindo-se o

jogo polivalente dos músculos, tolhendo-se todas as atividades livres, corpóreas e espirituais.

Nesse contexto vê-se uma possibilidade para a compreensão do ser humano

contemporâneo e a realidade sócio-histórica em que vivemos, desvelando-se as relações

�fetichizadas� de cada um consigo mesmo, e com os outros.

Quando o complexo sistema gestual e verbal do corpo humano, que por si só já

comunica (irremediavelmente), ganha sentido específico através das linguagens artísticas,

obtém-se uma fonte inesgotável de comunicação. A arte é vista por Campos (2000) como

Page 48: Expressão Corporal e Música

48

uma necessidade humana. Esta necessidade tem várias características segundo a autora, uma

delas tem sido freqüentemente sublinhada: é a necessidade de �evasão�. Esta �evasão� não é,

contudo, uma pura e simples �exteriorização� do ser humano. Pelo contrário, o tipo de

evasão artística é um meio dos quais o homem transborda ou satisfaz uma determinada

situação vital.

A maior expressão da arte pode ser considerada e encontrada na natureza, com suas

formas singulares e cheias de movimentos, quando agrupadas, constituem grandes formas

estáticas, vivas ou sonoras, aceitando mansamente o movimento que a natureza lhes impõe,

na variação da luminosidade da hora do dia, estação do ano e região. Quem sabe se nossa

impossibilidade de melhor observar a Natureza seja simples reação ao impacto causado pelo

seu farto conteúdo informativo. Por ser ela forte e majestosa aos olhos humanos, ora ofusca,

ora encanta. E o homem incapaz de absorvê-la na sua totalidade, fraciona-a ao procurar

�imitá-la�, ao tentar recriá-la nas diferentes linguagens.

É quando surge a arte, em suas diversas manifestações, aquelas que se definem pela

sua materialidade objetiva e, portanto, ocupam lugar no tempo: a literatura, a música, o

canto; as �cênicas� se definem por sua representação através de unidades móveis e, portanto,

ocupam um lugar simultâneo no espaço e no tempo: o cinema, o teatro, a história em

quadrinhos, a animação.

A música reproduziria os padrões temporais dos sentimentos interiores. É importante

reconhecer que a música representa muitos tipos de sentimentos interiores, não apenas os

abertamente emocionais, como afirma Jourdain (1998):

Ela pode imitar não apenas a fúria da pantera, mas também o que a pantera sente,

ao caminhar, pular ou galgar. Isso é feito através da duplicação dos ritmos desses

movimentos, mudando a harmonia para reproduzir as tensões e liberações do corpo

e fazendo a melodia seguir a geometria das ações físicas (JOURDAIN, 1998,

p.376).

Se hoje possuímos enorme riqueza artístico-cultural que nos oferece a possibilidade

de apreciar tanto um solista, quer seja instrumentista, cantor, dançarino, narrador ou poeta,

quer seja a apresentação de uma orquestra de câmara ou sinfônica, por um coro, uma banda

Page 49: Expressão Corporal e Música

49

de Rock, um corpo de baile, uma companhia de teatro ou de ópera, é por trata-se de um

acúmulo de bens decantados durante séculos, e ainda que possamos preferir uma linguagem

ou outra, aquele que, por razões de moda ou sofisticação, manifesta que este ou aquele outro

tipo de expressão está fora de época, evidencia possuir a única pobreza digna de contestações

� a pobreza de espírito.

Em se tratando da arte � Música - o que faria os seres humanos gastarem tanta energia

com a produção de tantos sons e sua organização? É o que nos coloca Jourdain (1998) em

sua obra Música, Cérebro e Êxtase. O autor escreve que o processo civilizatório levou o

homem a se identificar com todos os tipos de atividades que à primeira vista, parecem

inúteis. Mas que nas sociedades pré-históricas, tudo serviria para a sobrevivência, de uma

forma ou de outra.

Page 50: Expressão Corporal e Música

50

3.2 As demandas corporais na Música

Os gestos são de fundamental importância na música, eles produzem sons musicais e

ao mesmo tempo comunicam as intenções estéticas e expressivas do artista. A decodificação

de um texto musical em todos os seus níveis, e o preparo técnico para a execução,

compreendem a tomada de uma série de decisões, e domínio de habilidades, sendo resultado

de profunda elaboração minuciosa. Desse modo, escolher dedilhados, definir o tipo ideal de

sonoridade, melhorar a projeção do som numa sala de concerto, aperfeiçoar a compreensão

da estrutura da obra e idéias do compositor, priorizar a questão de estilos, evoluir na análise

técnica de execução e experimentar novos timbres ou efeitos dinâmicos; entre outras

variáveis, nada mais seriam do que exemplos dessas decisões e domínios de habilidades que

exigem profunda elaboração intelecto-corporal (GERSCHFELD, 1996).

Howard (1984) diz que fazer música é um fenômeno puramente interior. Para ele, a

criação dela supõe evidentemente a pré-existência da mesma. Howard (1984) nos aconselha

procurar perceber a vida que há dentro da música e a ação do corpo ao transmiti-la. Tudo que

tem a ver com a música está no corpo e se a música não está suficientemente clara para o

intérprete, percebe-se logo, pois até a mínima frase musical é vivida através do corpo, na

execução musical. Portanto, a música, na sua expressão, tem um movimento do interior para

o exterior � sentimento, pensamento, energia, corpo, instrumento e expressão.

A palavra expressão em música, segundo CAMPOS (2000), tem sido sempre

associada à afetividade, quando deveria ser resultado da integração de comportamentos que

também incluam mente e corpo. A execução musical exige uma alta demanda de trabalho

corporal. No tocante à atividade humana, é uma das que exigem maiores habilidades motoras

finas. As demandas corporais pertinentes à atividade musical costumam ocasionar freqüentes

problemas médicos em músicos, tal como síndrome do superuso, distonias focais e estresse

psicológico. Fry apud Gabrielsson (1999) apresenta extensivos dados sobre a síndrome do

superuso em músicos de orquestra sinfônica e em escolas de música. A síndrome é causada

por fatores genéticos, de técnica musical e intensidade e tempo de prática. O Medical

Problems of Performing Artists e o International Journal of Arts Medicine demonstram uma

ampla evidência da grande quantidade de casos neste campo (GABRIELSSON, 1999).

Page 51: Expressão Corporal e Música

51

Costa (2003) relata que sintomas como nervosismo, tremores, taquicardia,

palpitações, hipertensão arterial, falta de ar, sudorese na palma das mãos, boca seca, náusea e

micção imperiosa são manifestações somáticas, sintomas físicos decorrentes de descarga

excessiva de adrenalina, encontradas na atividade do músico e publicadas pelo Medical

Problems of Performing Artists. Já em 1887, a pane dos pianistas começa a ser estudada por

Poor. Em 1932 surge a primeira publicação sobre distúrbios no aparelho músculo-esquelético

dos músicos, por K. Singer (JOUBER et al. apud COSTA, 2003).

Gabrielsson (1999) define a performance musical como um tema que pode ser tratado

de diferentes maneiras. Alguns manuais de psicologia da música acercam-se da performance

musical discutindo questões de interpretação e técnica sob vários aspectos e diversas

abordagens. Bayle apud Deutsch (1999) afirma que processos motores também fazem parte

do estudo da performance musical. Embora a questão sobre o processo motor seja um

assunto central em performance musical, é ainda um tema que requer um maior

aprofundamento. Nesse setor, Sidnell apud Deutsch (1999) tem se destacado por realizar

pesquisas sobre diversos assuntos nesta área, tais como: eficiência da prática motora,

memória motora, memória sensorial, transferência de habilidade motora e aplicação de

modelos motores.

Wilson e Roehmann apud Deustsch (1999) refletem sobre a complexidade do

comportamento humano em música, não crendo que se possam solucionar os problemas

dessa área em futuro próximo. Costa (2003) destaca a criação de centros de pesquisa e

atendimento, no Brasil, destinados à saúde do músico. A literatura sinaliza dados alarmantes,

evidenciando o número expressivo de adoecimento de músicos, o que estaria contribuindo

para abreviar suas carreiras. Haveria também entre músicos, uma cultura silenciosa da dor,

como se esta fizesse parte da profissão. A autora alerta, ainda, para a necessidade de

gerenciar as exigências da tarefa e dos limites psicofisiológicos existente em cada músico.

O Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, unidade da Fundação Oswaldo Cruz, no

Recife, criou em 2001 um serviço especializado que atende a músicos e atores que

apresentam problemas nos ossos e músculos. Além de desenvolverem técnicas de

reabilitação dirigidas a esses profissionais, os responsáveis pelo serviço fazem campanhas

preventivas. Estudos realizados em diversos países indicam que 75% dos instrumentistas são

Page 52: Expressão Corporal e Música

52

portadores de algum dos chamados distúrbios osteomusculares relacionados com o trabalho.

Muitos perdem a capacidade de tocar (PEREIRA, 2002).

A medicina das artes performáticas tem crescido no mundo desde 1980 (PEDERIVA,

2004). A partir dessa data é que se voltou a atenção para a necessidade de uma medicina da

música, quando renomados pianistas resolveram falar publicamente sobre os problemas

médicos que afetam suas habilidades na performance. Certo medo por parte dos músicos em

falar de seus problemas, o receio em prejudicar a carreira, ou ainda experiências de colegas

que haviam recebido tratamentos inadequados contribuíram para que o trabalho nesse campo

fosse instituído.

Sterbach apud Costa (2003) relata que existe um alto estresse ocupacional na

profissão de músico. Do período de formação ao ingresso no mercado de trabalho evidencia-

se o medo de palco e os incidentes musculares ocasionados pelo uso excessivo da

musculatura. O tensionamento em instrumentistas pode ser causado pela alta carga de

estresse, predispondo à ansiedade. A atividade requer um bom condicionamento físico,

alongamentos específicos e pausas sistemáticas. Músicos e educadores deveriam levantar

maiores questionamentos e críticas positivas sobre o que pode ser feito quanto à saúde do

músico (BRANDFONBRENER; KJELLAND, 2002).

É imprescindível estabelecer meios para avaliar suas necessidades físicas e

psicológicas, buscando-se re-aprender hábitos e habilidades motoras. A excessiva tensão

muscular e emocional, freqüentemente inseparáveis, a que os músicos se expõem e são

expostos, são importantes fatores de riscos. Rotinas básicas de aquecimento como yoga e

outros exercícios de consciência corporal ajudam, mas não parecem ser ainda suficientes para

resolver o problema, já que as causas que originam esses fatores ainda estão por serem

esclarecidas. Costa (2003) descreve que o estudo da práxis interpretativa e da fisiologia da

execução musical é um dos aspectos fundamentais que fazem parte da pedagogia de

instrumentos musicais. A formação de um intérprete envolve intensamente o

desenvolvimento sensório-motor. Controle corporal, destreza motora e habilidades de

execução são somados a esta atividade. Professores necessitam estar alerta quanto a sinais

que alterem a prática, pois a educação deve ser considerada como um fator de cautela, tendo

Page 53: Expressão Corporal e Música

53

em vista que as bases motoras e posturais são adquiridas no período de formação do aluno,

maior ainda no período de crescimento.

O fazer musical envolve o desenvolvimento total do corpo, conclamando o sentido

tátil e da consciência sinestésica. Trabalhar em uma perspectiva integralizada causará

mudanças altamente positivas na performance musical (LIEBERMAN, 1995). Ao buscar os

meios para alicerçar compromissos satisfatórios, integrando as circunstâncias físicas,

químicas e biológicas do organismo, bem como sua realidade afetiva e relacional imersas da

realidade social estar-se-á edificando o processo básico de saúde (DEJOURS apud COSTA,

2003).

A prática musical envolve o desenvolvimento e a manutenção de aspectos técnicos,

aprendizado de novas músicas, memorização, interpretação e preparação para performances

(BARRY; HALLAN, 2002). A prática capacita o músico para habilidades físicas e

cognitivas. Brandfonbrener e Kjelland (2002) afirmam que a interação física e psicológica do

músico com o repertório musical, a performance técnica e as questões específicas de cada

instrumento poderiam ser fatores geradores de problemas médicos em músicos. Alertam que

a prevenção deve fazer parte da rotina, antes que se necessite de tratamentos, mas que ainda

serão necessárias muitas pesquisas que visem esclarecer a prática musical, tal como a

identificação de fatores de risco em sua atividade. Nesse sentido, as questões apontadas,

relacionadas ao corpo na música se restringiram em sua maioria aos aspectos da fisiologia e

saúde do corpo na performance e na prática musical; mas não são desvencilhadas do processo

expressivo, uma vez que se parte de um corpo são e livre de traumas físicos e/ou psíquicos e

querendo-se ter uma visão mais integral das relações entre corpo-mente-espírito e expressão

artística.

Page 54: Expressão Corporal e Música

54

3.3 A Expressão Corporal na performance musical: relação músico - corpo -

instrumento

Uma das principais exigências dos cursos de bacharelado, na formação do

instrumentista, é a de que o aluno, ao estudar inúmeras obras de diversos períodos da história

e de várias culturas, desenvolva a capacidade de executar satisfatoriamente cada estilo e

gênero, com certa maturidade musical e domínio técnico. Tal prática ocorre muitas vezes, em

desacordo ao contexto musical, corporal e cultural do aluno, tendo em vista a ausência de um

trabalho corporal efetivo e focado que poderia acontecer concomitantemente à abordagem

histórica, estilística e harmônica.

Tomando como exemplo o gênero suíte (música com caráter de dança), muito

difundida no período Barroco (1600 � 1750), da história da música, trago aqui uma das

experiências pessoais que vivenciei enquanto aluna do Bacharelado em piano, durante o

período de um ano (2000), antecedente à transferência de curso que optei. Ao ter em meu

repertório uma Suíte Inglesa de J. S. Bach32 (nº3 � BWV 80), passei pela situação conflitante

de ter que exprimir um caráter específico (de dança), estando tão distante daquela realidade,

cultura e época. Buscava por alternativas para o meu desafio naquele momento, que era de

interpretar o caráter de dança sem ter tido nenhuma experimentação com aquela dança e

mesmo assim, tendo que ressaltar tais aspectos, sem que nenhuma experimentação corporal

efetiva era feita nesse sentido. Felizmente, tive justamente naquela época a oportunidade

desenvolver um trabalho prático com danças antigas e dança contemporânea33. Foi quando se

deu de forma mais efetiva a minha compreensão em relação à suíte: movendo-me e

dançando-a.

Se considerarmos que a relação do músico com seu instrumento musical ou objeto

pode variar ao tocar música relacionando-a com dança, torna-se necessário uma análise dessa 32 Johann Sebastian Bach (Alemanha, 1685 - 1750), foi compositor do período Barroco, compôs diversos gêneros musicais dentre eles as suítes (previstas para a dança ou inspiradas na dança) que mais tarde deram origem a outras danças conhecidas atualmente como a valsa, que conseguiu perpetuar-se e difundir-se em vários países. 33 bwv.bach.show.br- Um concerto diferente promovido pelo Grupo Allegro Vivace de Florianópolis, que buscava estabelecer um diálogo entre as músicas e danças contemporâneas e antigas - a partir da proposta de releitura das principais danças �de corte� européias do século XVIII, das quais se originaram as atuais danças de salão, danças folclóricas e o ballet clássico.

Page 55: Expressão Corporal e Música

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relação. Laban (1978) em Domínio do Movimento (edição organizada por Lisa Ullmann em

1978), no capítulo que trata dos movimentos relacionados a pessoas e objetos diz:

Quando nos movimentamos, criamos relacionamentos mutáveis com alguma coisa. Esta alguma coisa poderá ser um objeto, uma pessoa ou mesmo partes de nosso próprio corpo, podendo ser estabelecido um contato físico com qualquer um destes (LABAN, 1978, p. 109).

Neste sentido, Laban (1978, p.45) distingue a preparação, o contato e o soltar, como

três frases principais no contato entre pessoas e objetos, realizadas pelos movimentos

corporais. Ele afirma que o rosto e as mãos desempenham um papel relevante nesta fase, pois

o rosto, �como principal sede de nossos sentidos, terá maior destaque na fase preparatória, ao

passo que as mãos, instrumentos naturais de apreensão, irão sobressair na fase do contato

propriamente dito� (LABAN, 1978, p.109). As mãos dos seres humanos, tão imprescindíveis

na arte musical, são vistas por Laban (1978) como instrumentos magníficos, visto que

executam movimentos que abarcam níveis variados de sutileza e complexidade. O autor

salienta que �conquanto seja possível reduzi-los à sua função fundamental de segurar e soltar,

as ações de cada um dos dedos, bem como a relação entre objetos e pessoas, conduzem a

uma variedade de situações, particularmente relevantes na segunda fase, ao do contato�

(LABAN, 1978, p.109).

O nosso corpo, segundo Campos (2000), ao buscar interação com o instrumento piano

(como exemplo), faz apoio, na ponta dos dedos, nádegas e pés. A autora nos mostra que,

consciente de seu corpo na sua totalidade, sentindo fisicamente os pontos de contato com tal

instrumento, o pianista se adapta, corpo e piano, numa atitude que lhe proporcionará maior

ou menor liberdade na expressão musical. Na comodidade se encontra a sensação de �estar

presente�. E a sensação de integração resulta da maior adaptação física e psicológica ao

instrumento. (CAMPOS, 2000, p.141).

Consideremos mais detalhadamente as três fases referentes ao processo de realizar

movimentos corporais no contato com o objeto por Laban (1978). Pertencem à fase

preparatória ou de preparação ações de �olhar�, tais como para a face, mãos, pé e peito (caso

o contato físico ocorra entre pessoas, como numa cena de teatro). �Isto tem por resultado

aquilo que poderíamos denominar de �endereçar� o ponto de interesse, o que poderá ocorrer

Page 56: Expressão Corporal e Música

56

em uma direção� (LABAN, 1978, p.110). No que concerne ao ato de �aproximarmo-nos� do

ponto de interesse e �encontrá-lo�, ou �rodeá-lo�, ou �penetrá-lo� (LABAN, 1978, p.110).

Ele sistematiza desta forma:

a) tocando, a partir de qualquer direção;

b) resvalando ao longo de qualquer direção da superfície do objeto;

c) transferindo o peso de cima do objeto;

d) carregando por debaixo do objeto que descansa sobre uma superfície ou em

alguma parte do corpo;

e) segurando em qualquer lado do objeto, rodeando-o com várias partes do corpo.

Eis o que nos diz Laban (1978), sobre o ato de aproximarmos-nos:

A aproximação, que envolve tanto a locomoção, quanto gestos, ou ambos, pode ser efetuada a partir de qualquer um dos lados do objeto em questão. (...) No encontro é importante a relação espacial da localização dos sujeitos da ação, e existe uma total liberdade direcional (LABAN, 1978, p. 110).

Para Laban (1978), as ações corporais responsáveis pela liberação do contato poderão

assumir uma direção qualquer, desde que seja a direção contrária ao objeto com o qual foi

efetuado o contato. �Os objetos móveis como, por exemplo, uma bola batendo no chão, ou

um arco girando no solo, atravessam o espaço segundo um trajeto definido� (LABAN, 1978,

p. 111). Laban (1978), continua:

Em algumas oportunidades, contudo, podem ser executados sem a participação interior, o que lhes confere conseqüentemente um caráter mecânico. Noutras vezes, porém modulam-se ricamente conforme modelos peculiares de esforço que não têm qualquer serventia funcional. Uma vez que todos esses se originam das próprias raízes da personalidade, podem criar expressões características que se tornam visíveis na ação corporal (LABAN, 1978, p.111).

Pesquisas recentes como a de Pederiva (2004), enfocam o músico profissional que,

em sua maioria, ao buscar o produto final, deixam de lado questões pertinentes ao corpo

como as que foram vistas por Rudolf Laban (tensões, relação do peso do corpo com outros

objetos) em seus estudos sobre o movimento humano, é onde muitos músicos, até adoecem.

Observa-se que, durante o aprendizado de instrumentos musicais, a formação do intérprete é

Page 57: Expressão Corporal e Música

57

delineada em função da técnica musical. Esquece-se que o músico é um ser humano

possuidor de um corpo que abrange o físico, o cognitivo e o emocional. Trata-se o intérprete

como se este fosse uma �máquina de fazer música�. O corpo, como conseqüência dessa

percepção, é fragmentado em função dos objetivos a serem alcançados: a decodificação de

símbolos, o domínio da técnica do instrumento e da expressão musical.

O desequilíbrio existente na relação que envolve o músico, seu corpo e seu

instrumento em sua prática tem sido evidenciado por diversas investigações. Pesquisa

realizada por Costa (2003), por exemplo, constatou que a organização do trabalho dos

músicos, as relações hierárquicas, a pressão temporal, os picos de demanda, o número

insuficiente de instrumentistas específicos, como os violistas de orquestras, logo, a escassez

de folgas para a pausa dos estudos e apresentações e do revezamento que possibilite maior

descanso físico e mental; poderiam estar contribuindo significativamente para a existência de

dores e lesões corporais relacionadas ao tocar.

Em um artigo onde trata do risco da profissão do músico, Costa e Abrahão (2002)

afirmam que, no Brasil, as ações preventivas ainda não contemplam os músicos em

formação, o que já ocorreria em outros países que já utilizam vários tipos de orientação

como, por exemplo, a Técnica Alexander34. Já em pesquisa realizada com harpistas, Silva

(2000) alerta para a necessidade de estudos sobre o corpo, pois o harpista (assim como outros

instrumentistas de instrumentos musicais de grande porte), possuiria diversos problemas

corporais, por ter que equilibrar seu instrumento e/ou equilibrar-se diante dele, que ao ter o

porte avantajado, passa a incorrer com a baixa resistência para o estudo e até dores e desvios

ósseos.

Ray (2001), por sua vez, ressalta a importância do aspecto corporal relacionado a

tocar um instrumento, com fundamentos emprestados das artes marciais, propondo a

identificação e o domínio dos elementos que interagem e uma performance artística. Andrade

e Fonseca (2000) desenvolvem reflexão sobre a utilização do corpo na performance dos

instrumentos de cordas, sugerindo que a formação do músico deveria ser pensada como a

formação de um atleta, tendo em vista que tocar um instrumento demanda do alto preparo 34 Técnica de Alexander desenvolvida pelo ator australiano F. M. Alexander (1869 � 1955), com o objetivo de levar o aluno a fazer um bom uso de si mesmo. Neste processo de conscientização, trabalha-se a relação da cabeça com o pescoço, que Alexander chamou de controle primordial.

Page 58: Expressão Corporal e Música

58

físico e psicológico para a execução da tarefa. Galvão e Kemp (1999) afirmam que pesquisas

que se referem a um sentido corporal de espaço e movimento, são ainda campos pouco

explorados, podendo ter grandes implicações para o ensino-aprendizagem de instrumentistas.

As questões relativas à aprendizagem motora também foram contempladas em

pesquisa realizada por Lage (2002). O autor afirma que o estudo da aprendizagem motora

seria de particular interesse tanto para o intérprete quanto para o professor de música, pois,

por meio da compreensão e da aplicação de conhecimentos que reagem o movimento, poder-

se-ia buscar uma diminuição significativa dos erros de performance, bem como um controle

maior da variabilidade dos movimentos corporais. Os autores asseveram que restam ainda

muitas carências nas interfaces da performance musical com áreas como a medicina, a

psicologia, a física e as ciências do esporte.

Em estudo realizado com pianistas em conservatório público mineiro, Martins (2000)

relata que a percepção sobre o corpo entre os professores desse instrumento é um fator que

dificulta o processo ensino-aprendizagem, já que pianistas apresentariam diversos problemas

dessa ordem. A autora relata que talvez isso aconteça devido à crença tradicionalmente

solidificada da supremacia da mente em relação ao corpo, bem como o desprezo dado à

percepção.

O contato físico com o instrumento pode delimitar a relação do músico com a música.

A maioria dos instrumentistas, no entanto, ignora as leis naturais de funcionamento e

movimento do corpo. Na medida em que for capaz de atuar sem tensões, em acordo com as

leis do movimento, o músico poderá prolongar sua vida profissional ativa. A falta de

consciência corporal entre músicos é evidente, mesmo entre grandes executantes. È

necessário, com bases nas ciências que estudam o corpo humano em atividade, realizar um

processo de consciência corporal entre músicos (GAINZA, 1988). A autora recomenda a

prática de expressão corporal, ginástica consciente e a prática da eutonia.

Gainza (1997) nos traz ainda sobre a criação da eutonia, por Alexander - método que

busca o conhecimento e o estudo do tônus. Para Alexander apud Gainza (1997) os músicos

acumulam tensão na base da pelve, tendo influência direta sobre o coração e a pressão

sanguínea. Tensões também são notadas nas articulações, especialmente dedos das mãos e

pés. Instrumentistas costumam desconhecer o seu próprio corpo, baseando a sua atividade na

Page 59: Expressão Corporal e Música

59

imitação do professor, uma atitude equivocada em relação ao instrumento, já que isso limita a

capacidade de expressão, provocando grandes dificuldades. O corpo não mente, por isso é

preciso reconhecê-lo em ato, ampliando a consciência da ação.

Os referenciais teóricos utilizados demonstram existir um grande distanciamento

acerca da consciência corporal na prática musical, mostrando a ineficiência acerca da

reflexão de como o corpo pode ser considerado em sua integralidade, no processo ensino-

aprendizagem de instrumentos musicais, em relação a teorias que já delimitam bases para

uma ação concreta. A reflexão sobre a prática estabelecida demonstra estar arraigada a

princípios dicotômicos da relação mente-corpo, bem como dos princípios da sociedade

capitalista no que se refere a um corpo mecanizado e alienado, e ainda de uma

�aprendizagem sem corpo�. Seria por isso que, como as pesquisas anteriormente citadas em

música apontam, os músicos precocemente estariam adoecendo? Ainda há muito que

pesquisar, mas é visível a necessidade de interagir com outros campos esclarecedores de

conhecimento a respeito da questão humana, do corpo e das relações estabelecidas a partir de

então, para que o fenômeno vá sendo aos poucos compreendido e sistematizado.

Procurando-se �ilustrar� a importância da saúde do corpo para a performance musical,

um trecho de Zagonel (1992) em sua obra O que é gesto Musical, sobre o corpo em cena:

No âmbito da performance o corpo adquire uma importância fundamental no espetáculo. O corpo disseminado em gestos-sons-ações-luzes-cores de um artista durante um espetáculo total; o corpo em ação de um intérprete exercendo a atividade de músico-ator-dançarino; o corpo que espera � dispensado de assumir a iniciativa, mas solicitado pelo espetáculo gestual que lhe é dirigido � do ouvinte que contribui ao final da representação, mas efetua a abertura do espetáculo em direção a outras formas significativas, em direção a outros conjuntos semióticos. Lugar descentrado de movimentos plurirreacionais de dispositivos diferentes do jogo, o espetáculo músico-teatral coloca em evidência a gestualidade pensada como conjunto de possibilidades de um corpo�(ZAGONEL, 1992, p. 49).

Page 60: Expressão Corporal e Música

60

3.4 A Expressão Corporal na Educação Musical

A aprendizagem e desenvolvimento corporal ocorrem dentro de uma cultura, de uma

sociedade organizada, que tem suas regras, suas proibições, suas leis. Num momento em que

a criança pega um objeto, com toda a curiosidade de sua descoberta, a mãe grita: �Não

pegue!�. É como se falasse que esse movimento é negativo, que não deve ser executado.

Então aquele corpinho aberto, solto, pronto pra receber todo tipo de estimulação, está

aprendendo a respeitar regras e reconhecer limites para a atuação do corpo. A mãe informa

que aquilo que é natural e espontâneo na criança não é aceito. Portanto, a imagem corporal

que formamos na nossa mente através de todos os processos sensoriais, reflete todos os

conflitos emocionais relacionados com a nossa cultura e auto-orientação. No momento da

contração do músculo, acontece a modificação do seu funcionamento e do seu registro

mental.

Desde pequenos, estamos aprendendo a usar o nosso corpo de maneira limitada (sob

alguns aspectos), própria à nossa estrutura e condicionamentos sociais. Por outro lado, não

podemos esquecer que o desenvolvimento do organismo depende da riqueza da estimulação

externa. Portanto, a formação da imagem corporal já ocorre dentro de um conflito. De um

lado, os pais e os outros de um modo geral, delimitam o contato com o meio, o fazem através

do contato com brinquedos e do acesso às facilidades tecnológicas da vida moderna (controle

remoto e máquinas). Por outro lado, somos incentivados a uma certa curiosidade, mesmo

delimitando a nossa experiência corporal, querendo que façamos as coisas do jeito que já

foram vistas, pelos mais velhos, (pais, avós...), uma vez terem passado anteriormente pelas

experiências. Contudo, não podemos nos servir da imitação como um dado repressor ou

negativo, somente, como é visto por Gaiarsa (1996): �A criança precisa imitar o outro, para

mais tarde construir sua própria identidade. Os problemas deste jogo de imitação e de

construção de identidade fazem parte do processo de crescimento da criança� (GAIARSA,

1996, p. 20).

A imitação, no tocante às crianças, era a técnica aconselhada para a formação de

hábitos, visando demonstrar a falta de moderação em certas atitudes. A idéia de um todo

exemplar formava a base das regras sociais, requerendo um controle intenso. A idéia de

Page 61: Expressão Corporal e Música

61

repressão era vivida nos gestos proibidos, e o corpo era valorizado na medida em que se

tornasse silencioso e discreto, procurando evitar a evidência de uma presença, com o fim de

não incomodar, excluindo também as emoções responsáveis pela incorreta organização dos

movimentos dos corpos. Os alunos eram submetidos a uma ordem e uniformidade assumida

por cada interveniente no processo educativo, e não apenas pelo professor. Reconhecia-se, aí,

um processo sutil de domínio dos corpos, que, ao longo do tempo, viria a aprofundar-se por

diversas formas (CAMPOS, 2000).

Proponho refletir sobre a criança recém � nascida, a partir de Gaiarsa (1996) quando

diz que a criança nos primeiros anos de vida estabelece seu primeiro contato com o mundo,

corporalmente. Ela não pensa, não enxerga bem, não sabe o que é tudo isso em sua volta, ela

não tem conceitos, pois ainda não desenvolveu os processos cognitivos. Não sabe diferenciar

as coisas mentalmente, mas fisicamente � através das sensações corporais. Começa a

conhecer o mundo tocando, cheirando, colocando na boca, se lambuzando, chupando. Essas

são as primeiras experiências que servirão para a sua vida inteira, pois esse é o contato real

com sua vida. É através do corpo que recebemos as informações sobre o que acontece fora e

dentro de nós. Essa �informática corporal� servirá como base para o desenvolvimento

cognitivo do indivíduo em toda sua vida (GAIARÇA, 1996).

Na luta pela vida, pelo poder, o ser humano usava seu corpo diretamente em contato

com a natureza e a atividade física. Se ele precisava lutar, lutava com o corpo, se precisava

transportar ou levantar algo, usava seu corpo, portanto viver significava deixar o corpo em

constante atividade física, em movimento. Com o passar do tempo essa relação direta e ativa

se transforma em outro tipo de relação. O que se fazia antes com o corpo, hoje está sendo

feito pelas máquinas. Enquanto o artesão produzia uma peça inteira, o operário executa

somente alguns movimentos na elaboração do produto. Hoje estamos mudando nosso

ambiente e produzindo através de outros recursos, que não diretamente os corporais, logo,

nesse sentido, corremos o risco de uma super valorização de nossa capacidade intelectual e

cognitiva, isolando-a ou separando-a de nossa inteligência corporal.

Mas, os humanos, sejam eles primitivos ou civilizados de diferentes culturas, são

capazes de instituir complexos sistemas de comunicação através de seus corpos. O homem

tem a capacidade de compreender qualidades e naturezas distintas e de reconhecer os ritmos,

Page 62: Expressão Corporal e Música

62

estruturas e seqüências, dos movimentos corporais. Tem a possibilidade e a vantagem do

treinamento consciente por si só, que lhe permite alterar e enriquecer seus hábitos de esforço

até mesmo sob condições externas desfavoráveis.

Para Laban (1978, p. 19) o homem se movimenta a fim de satisfazer uma

necessidade, tendo por objetivo, atingir algo que lhe é valioso. �É fácil perceber o objetivo do

movimento de uma pessoa, se é dirigido para algum objeto tangível. Entretanto, há também

valores intangíveis que inspiram movimentos� (LABAN, 1978, p 19).

Em relação a esse ponto, Laban (1978) continua a discorrer: �É óbvio que poderá

ocorrer ao espectador indagar se acaso este movimento, aparentemente sem propósito,

objetivo, não teria sido executado no intuito de revelar alguns traços de seu estado de espírito

(...)� (LABAN, 1978, p.20).

Os movimentos do corpo exprimem e conferem vivacidade e energia às nossas ações,

revelam pensamentos e intenções de modo verdadeiro e espontâneo. As expressões corporais

revelam evidentemente muitas coisas diferentes, suas formas mostram a atitude da pessoa

que se move numa determinada situação, podendo tanto caracterizar um estado de espírito ou

uma reação, como atributos mais constantes da personalidade, podendo estes atributos ainda

ser influenciados pelo meio ambiente do ser que se move. Nossos movimentos voluntários

são constantemente realizados em decorrência de uma motivação, de um desejo e de um

significado.

Quando o homem começa a criar significados usando gestos corporais, sons vocais e

objetos como símbolos de realidades ausentes ou como forma de expressão de seus

sentimentos e pensamentos, iniciou-se a comunicação gestual, a linguagem oral e a criação

de simbolismo com objetivos, marcando temores e esperanças, servindo à adoração de

deuses.

A escola, por ser uma instituição social, encontra-se em uma relação dialética com a

sociedade em que se insere, reproduzindo as estruturas de dominação existentes. Constitui-se,

de outro modo, em um espaço onde se pode lutar pelas transformações sociais.

As práticas escolares originam-se da marca da cultura e do sistema dominante. A

forma como a escola controla e disciplina o corpo encontra-se ligada aos mecanismos das

estruturas do poder, resultantes do processo histórico da civilização ocidental. Houve uma

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63

supervalorização das operações cognitivas e um progressivo distanciamento da experiência

sensorial direta. Nos últimos 150 anos de processo civilizatório, a escola pretendeu não

somente disciplinar o corpo, mas, com ele os sentimentos, idéias e lembranças a ele

associado, como também buscou anulá-lo. (FONSECA, 1995).

Em seus estudos históricos, Foucault apud Pederiva (2004) discorre como o poder

disciplinador sobre o corpo se efetivava nas escolas do século XVIII e XIX. As escolas

funcionavam como fábricas, que produziam disposições para ações racionais voluntárias ao

mesmo tempo em que procuravam eliminar dos corpos, movimentos voluntários. O

comportamento corporal dos alunos em sua distribuição no espaço e para a divisão do tempo

escolar era rigorosamente e minuciosamente estipulado em regulamentos. Objetivava-se

controlar as erupções afetivas, que com seus movimentos espontâneos e suas forças

heterogêneas poderiam surgir do corpo. Perpetuando-se o controle e a manipulação, os

movimentos corporais tornavam-se dissociados das emoções momentâneas (PEDERIVA,

2004, p.92).

Crespo (1990), em História do Corpo, aborda como se realiza o tratamento corporal

em Portugal nos séculos XVIII e XIX. O autor relata a inexistência de um controle social

�eficaz�, que, desse modo, revelava os desregramentos dos corpos. Buscou-se, então, uma

estratégia de controle sobre estes, com o fim de regulação de hábitos, dando margem aos

educadores para a propagação das virtudes correspondentes aos novos modos de vida.

Observando a escola de hoje e a expressão do corpo vistas nela, por Gonçalves

(2002), analisa-se o controle do corpo pela presença dos regulamentos da escola, no conteúdo

das disciplinas, nos livros didáticos e nos discursos e hábitos metodológicos do professor. Os

regulamentos da escola teriam como objetivo eliminar do corpo movimentos involuntários e

uma participação espontânea, ao permitir somente realizar ações voluntárias com objetivos

racionais definidos, regidos pelas normas sociais. Observa-se esse controle na distribuição

espacial dos alunos na sala de aula, na distribuição do tempo escolar, na postura corporal dos

alunos e professores, cujos movimentos refletiriam a repressão de sentimentos espontâneos,

procurando não revelar nada de pessoal e de subjetivo. O discurso do professor, por sua vez,

seria, em geral, impessoal, livre de qualquer tonalidade emocional, com o objetivo de

Page 64: Expressão Corporal e Música

64

estabelecer um limite entre a racionalidade oficial, de um lado, e a experiência pessoal

carregada de sentimentos, idéias e lembranças, de outro. (GONÇALVES, 2002).

A aprendizagem de conteúdos, ainda de acordo com Gonçalves (2002), seria uma

aprendizagem �sem corpo�. Não somente pela exigência de o aluno ficar sem movimentar-se,

mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o

colocariam em um mundo diferente daquele no qual ele viveria e pensaria com seu corpo. O

conhecimento do mundo seria feito de forma fragmentada e abstrata. As disciplinas,

limitadas a um horário prefixado e rígido, sendo distribuídas diferentemente. A avaliação

privilegiaria, sobretudo, as operações cognitivas, e os alunos tornar-se-iam objeto de

mensurações quantitativas. A aprendizagem na escola, na maior parte das vezes, não seria

considerada como elaboração das experiências sensoriais, mas sim como acumuladora de

conhecimentos abstratos, tendo pouca participação do corpo, originada de uma cinética

reprimida e frustrada, o que poderia ser fator gerador de violência e agressividade nos alunos.

(GONÇALVES, 2002).

Em pesquisa realizada com um grupo de professoras, Almeida (1997) demonstrou que

o afeto, a cognição e o aspecto motor são definidos por estas como diferentes categorias.

Uma possibilidade de articulação entre esses aspectos não aparece como prática pedagógica

entre as docentes. As diversas reações posturais entre alunos foram consideradas pelas

mesmas como responsáveis pela falta de aprendizagem entre eles. Para as professoras

investigadas, o aspecto motor é um fator que impede o desenvolvimento cognitivo. Foi

também evidenciado que as professoras não sabiam lidar com o aspecto motor em sala de

aula. Há, portanto, um completo desconhecimento de como o movimento colabora para o

desenvolvimento psicológico de crianças.

Um dos atributos do movimento é, por exemplo, a sua capacidade de representar as

emoções. É também um aspecto considerado importante no desenvolvimento psicológico da

criança. A autora Almeida (1997) alerta para o fato de que a escola não pode apenas prover

funções intelectuais. Tanto o aspecto motor quanto o emocional devem também ser

observados, para que possa haver benefícios para a prática pedagógica do professor. Tanto

movimento quanto emoção, além do cognitivo, também são aspectos vivenciados no dia-a-

dia da escola. Sua participação em todas as realizações humanas é evidente. A escola,

Page 65: Expressão Corporal e Música

65

portanto, deveria procurar compreender e abarcar esses aspectos da dimensão humana no

processo ensino-aprendizagem.

Nas escolas de música e conservatório, a educação musical de elementos teóricos

acontece, muitas vezes, antes da escolha por um instrumento musical, tendo como um de

seus objetivos, a preparação do aluno para o ingresso no instrumento. As metodologias

empregadas são diversas, desde as mais tradicionais, onde apenas se repassam conteúdos, até

aquelas que buscam considerar o aluno como co-construtor de seu conhecimento. Algumas

dessas metodologias, como as de Dalcroze, Gainza, Alexander, Orff, entre outras, como

foram vistas, consideram o corpo como base do aprendizado em música no processo de

musicalização.

A depender do contexto e dos parâmetros referenciais, a expressão sonora pode ser

considerada até certo ponto, no domínio do ruído (LAPIERRE; AUCOUTURIER apud

PEDERIVA, 2004). E para dominar um ruído é preciso dominar um gesto. Além de ser um

aprendizado motor, é uma aprendizagem psicológica. Para conseguir exprimir-se em uma

evolução progressiva até os meios de expressão mais abstratos, é preciso conhecer as pulsões

da vida, reconhecê-las em seu nível mais primitivo: o nível corporal (LAPIERRE;

AUCOUTURIER apud PEDERIVA, 2004, p. 94). A educação musical visa propiciar o

conhecimento teórico e a vivência de diversos aspectos da linguagem musical. O estudante

de música deve ser capaz de, pouco a pouco, representar mentalmente, ler, escrever, analisar,

recompor estruturas e compor novas combinações musicais.

A Euritmia de Jacques-Dalcroze, criada em 1903, em Genebra, na qual fundamenta-

se também este trabalho, surge em resposta à observação que Dalcroze fez sobre a forma

puramente mecânica e superficial com que seus alunos realizavam música. A experimentação

se tornou a base do método, em oposição a técnicas virtuosísticas de leitura e escrita,

desprovidas de criatividade. Segundo Paz (2000), a rítmica de Dalcroze entroniza o corpo

como catalisador do ritmo e do fenômeno musical como um todo. O sentir ocupa seu lugar ao

lado do saber. É a partir de Dalcroze que a educação musical dá lugar a um ensino de música

ativo e intuitivo. Dalcroze considera necessário fazer música fisicamente para expressá-la.

Fisicamente, no sentido de ser expressa com todo o corpo.

Page 66: Expressão Corporal e Música

66

O objetivo do método é a realização expressiva do ritmo, bem como a sua vivência

por meio do movimento corporal. A representação de movimentos corporais expressa o

fenômeno musical de caráter rítmico, melódico, harmônico, frases, estruturas e formas

musicais. A rítmica de Dalcroze também objetiva expressar e equilibrar o movimento

corporal de modo consciente, desenvolvendo a coordenação dos movimentos e a capacidade

de concentração, bem como a capacidade de dissociar o movimento, libertar, expandir e

comunicar.

O método também possibilita a coordenação física da musculatura, que, segundo

Dalcroze, pode ser transferida para atividades relacionadas. Os movimentos musculares

amplos seriam mais significativos, com uma corporificação de esquemas musicais, ao invés

de movimentos estreitos e conceitos intelectuais. O corpo possibilitaria a liberação de tensões

emocionais, incentivando a integração e realização de práticas em grupo, poderia promover a

socialização. O curso contempla exercícios de adaptação e flexibilidade dos movimentos,

técnicas de movimentos, exercícios de reação, de relaxamento, jogos e improvisação. Paz

(2000) comenta que o registro por intermédio do corpo possibilitaria fixar a aprendizagem

mais profunda e racionalmente. A educação rítmica corporal poderia ser contemplada em

alguns métodos de ensino de música.

Compagnon e Thomet (1996) consideram que o método de Dalcroze beneficia uma

cultura corporal sem pretender substituir uma educação física. Seria antes de tudo, um fator

de formação e de equilíbrio do sistema nervoso. Ele visa uma educação simultânea do ouvido

musical e fazer do corpo um instrumento dócil do ritmo e emoção musical, opondo-se à

imitação passiva. Dalcroze, entretanto, tem sofrido críticas por priorizar o elemento rítmico,

necessitando do suporte de outros métodos para propiciar uma formação mais global em

música, já que o mesmo é bastante difundido e aplicado nas escolas e faculdades de educação

física, pois foi o precursor da ginástica rítmica (PAZ, 2000).

Para Gainza (1986), por meio do movimento corporal são possíveis a aproximação e

compreensão da linguagem musical, mediando a aprendizagem dos signos e da notação

rítmica, que em outras épocas se realizou de modo puramente teórico e abstrato. Já a

proposta ideológica de Orff, criada na Alemanha, considera o corpo como instrumento de

Page 67: Expressão Corporal e Música

67

percussão que pode produzir variadas combinações de timbre, utilizando várias partes do

corpo (pés, mãos, dedos, entre outros), realizando uma diversidade de timbres e ritmos.

Para Orff, o aluno aprende no momento da aula, não tendo lições para casa. Assim,

preconiza a vivência musical, prescindindo de documentos grafados. O controle do corpo é

realizado por meio de noções de espaço e coordenação (PAZ, 2000). O corpo cumpre a

função primária como sede e origem dos processos psíquicos. A expressão artística pode ser

encontrada no equilíbrio entre o físico, o emocional e o mental. A descoberta de um

instrumento para o músico pode ser comparada à descoberta do corpo pela criança.

Diante do exposto e acreditando em uma educação integradora e instigante, vislumbro

uma maneira de motivar o aluno qualquer que seja a sua idade, ou mesmo condição física, a

encontrar um agente mobilizador próprio: o corpo. Pois o corpo é o meio pelo qual o

indivíduo se comunica com os outros seres, com o mundo em que vive e com ele mesmo,

portanto é a porta de todas as experiências desde o nascimento até a morte. Nesse sentido

será integralizadora porque visará o desenvolvimento do indivíduo em sua totalidade.

Page 68: Expressão Corporal e Música

68

II. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou parcialmente refletir sobre a expressividade do corpo

humano, abordando questões que abarcaram desde a saúde do corpo e o bem estar psíquico-

emocional à expressividade corporal implícita na música. O trabalho objetivou a importância

e pelo bom uso do corpo e sua eficiência, desde a vida frente ao trabalho cotidiano, às

atividades que ele pode desempenhar nas mais diversas manifestações artísticas.

Do ponto de vista dos significados de Expressão, vi que �expressar� pode ter vários

significados, em relação ao corpo, a mente e a emoção, nas mais variadas manifestações da

vida. E resumidamente, pode-se dizer que possibilita ao indivíduo:

Manifestar através de movimentos corporais e plenamente sua mente,

suas emoções e suas idéias;

Relacionar-se e integrar-se criativamente com os membros de sua

sociedade;

Aprender a desfrutar e manejar seu corpo como uma totalidade

integrada nas artes ou em qualquer atividade ou nível de relacionamento

humano.

É importante descobrir nosso corpo, senti-lo, conhecê-lo, em seu poder, sua força, para

através desse corpo conhecido e consciente, ter um contato com a realidade, um contato

verdadeiro e não neurótico, desfigurado, que nos afaste de nós mesmos.

Penso que, nós, educadores temos a obrigação de fazer algo como prevenção para que as

pessoas não caiam nesse processo de desfiguração do corpo, mesmo estando em condições

culturais que empurrem para essa desestruturação. E quem pode fazer alguma coisa concreta

nesse sentido, são principalmente aqueles que trabalham diretamente com o corpo. E o artista

está envolvido no quadro de profissionais que fazem o uso especial de seu corpo, o usa como

fonte expressiva. Nesse sentido, é de responsabilidade de todo educador de educação

artística, aprender a trabalhar principalmente com a criança, enfocando a importância da sua

experiência corporal, da participação ativa na aprendizagem do uso de seu corpo. Considero

Page 69: Expressão Corporal e Música

69

importante vivermos conjuntamente com o educando à busca de seus limites e das suas

capacidades, desenvolvendo ativamente a seu corpo e sua mente.

Ao focalizarmos nossa atenção para o corpo aprenderemos a perceber a conexão existente

entre o físico e outros aspectos do ser (emocional, intelectual e espiritual), podendo descobrir

a vinculação do corpo com a mente, do processo de interpretação. Pois somos

CORPOMENTE, somos organismos auto-reguladores e auto � orientacionais, tendo a

capacidade de evoluir nossa consciência e bem decidir nossas vidas, buscando desenvolvê-la

rumo aos nossos objetivos. Quanto a isto, atento para o fato de que enquanto seres humanos,

não há atividade, manifestação ou intervenção humana, que não ocorra pela atuação direta ou

indireta de nossos corpos. Ou seja, atuamos e experimentamos com corpo em tudo o que

fazemos.

Se existimos e pensamos, fazemos isto através da mente e das atividades cerebrais que

estão vinculadas a um corpo. E que, na elaboração deste trabalho, busquei defender a não

separação das intelectualidades e funções desenvolvidas pelas partes do mesmo.

Nesse sentido, vale ressaltar que quando crescemos, nos desenvolvemos, amadurecemos

e envelhecemos, e acompanhamos tal processo, vendo que ele se dá através da transformação

de nossos corpos e das experiências por ele vividas. Logo, sentimos com o corpo.

Como dito anteriormente, pretendi com o presente trabalho, estimular futuras pesquisas

sobre a Expressão Corporal na Prática Musical. Para tanto, busquei alternativas que

apontassem para o desenvolvimento expressivo corporal, ao propor a interação da música

com outras linguagens artísticas, referendadas nas pedagogias de Jaques-Dalcroze, Rudolf

Laban e Carl Orff.

Busquei também me alicerçar na ciência, pois, ressaltando os aspectos emocionais do ser,

psíquicos e psicológicos, acreditando que se estaria olhando para a saúde física e mental do

indivíduo, querendo contribuir para melhorias dentro do processo de humanização. É neste

sentido, que em futuros estudos, pretendo juntar-me à crescente demanda de pesquisas que

solicitam o lançamento de um olhar dessa natureza para o corpo que incondicionalmente, faz

música.

Creio que o trabalho de corpo e movimento no ensino da música no Brasil, tanto no

ensino superior (Bacharelado e Licenciatura) quanto no ensino informal, pode auxiliar na

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70

abordagem relacionada às questões expressivas, além das exigências de saúde e técnica,

buscando o desempenho integral do músico no país.

Busquei neste trabalho, ainda que parcialmente, reunir subsídios para, ao menos

problematizar a principal questão que acompanha meu percurso como artista e educadora

musical: Seria, afinal, a prática corporal a condição determinante na efetiva interpretação

musical?

A partir de observações realizadas durante o processo da pesquisa, de experiências

pessoais vividas, relacionadas ao corpo e à música e desta com outras linguagens, e do

contato com as teorias aqui expostas, especialmente as desenvolvidas por Dalcroze, Laban e

Orff; conclui que tudo que se relaciona ao fazer musical pode ocorrer sim,

independentemente de uma reflexão consciente, sobre os aspectos corporais dentro destes

processos. No entanto, com o trabalho, percebi ainda que as atuações do corpo de quem

venha a se envolver com a Música, podem ser otimizadas quando aliadas a um estudo

profundo dos movimentos e da expressividade potencial de cada um.

Page 71: Expressão Corporal e Música

71

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