Extensão do ensino primário brasileiro - trabalho.pdf

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TEIXEIRA, Anísio. Extensão do ensino primário brasileiro. Boletim CBAI. Rio de Janeiro, v.10, n.6, 1956. p.1614-1618. EXTENSÃO DO ENSINO PRIMÁRIO BRASILEIRO Anísio Teixeira Diretor do INEP Palavras do Prof. Anísio Teixeira na Sessão da Federação Nacional das Indústrias, em São Paulo, por ocasião da visita do Sr. Ministro da Educação. Atendendo à determinação do Senhor Ministro da Educação, direi algumas palavras sôbre o problema que hoje nos ocupa, nesta sessão, o da extensão do ensino primério brasileiro. Como um velho educador, que há mais de 30 anos luta pelos problemas de educação popular na Brasil, devo, de início, dizer que ninguém está mais satisfeito do que eu com a noite de hoje, ao ver o Govêrno da República, pelo Senhor Ministro da Educação e Cultura, o Govêrno da Cidade de São Paulo, pelo seu Prefeito, a Presidência da Federação das Indústrias, o Exército, pelo General Comandante da Região do Centro, aqui reunidos para o debate dos problemas de educação popular. É que - e hão de me perdoar a franqueza - nunca a educação popular foi, entre nós, realmente, objeto da atenção dos governos. A educação que sempre nos preocupa é a educação das classes dominantes. E a razão profunda por que as massas populares do Brasil procuram hoje, ansiosamente, o tipo de educação acadêmica que viemos ao longo de nossa história organizando para a classe dominante, é que êste novo povo brasileiro, acordado tanto quanto nós para os seus direitos, quer também receber a mesma educação aristocrática e acadêmica que julgamos indispensável ministrar aos nossos filhos. Estamos nesta noite a debater um problema de educação popular. Enquanto transcorria a discussão, lançava o olhar por tôda esta nossa sala, indagando de mim mesmo se haveria aqui entre nós um só operário, um só pai de filhos que irão amanhã trabalhar na indústria … E, como vêdes, apesar de estarmos nós próprios, muito mais conscientes do que há alguns anos, das necessidades populares brasileiras, ainda somos aqui uma pequena reunião de elementos da classe média ou da classe alta. O povo ainda não está presente aos debates, mesmo quando os problemas a debater são os próprios problemas do povo brasileiro. Na realidade, o povo brasileiro, sob a permanente lição do aristocrático academicismo de nossa educação, quer também ser acadêmico e aristocrata, quer também educar-se nos ginásios e colégios, quer também diplomar-se nas Escolas Superiores, porque infelizmente só temos dinheiro para manter escolas para a classe média ou alta, chegando a despender o país mais recursos para a educação dos hoje 60000 estudantes do ensino superior do Brasil, do que para tôda a educação primária do povo brasileiro. A razão profunda por que não se processou ainda a unificação do nosso povo, que permanece, sob muitos aspectos, dividido entre os <<favorecidos>> e os <<desfavorecidos>>, é que efetivamente nunca procuramos educar o povo, mas sempre o que chamamos de <<élite>>. Quando hoje nos admiramos de viver em certa confusão política, com tremenda dificuldade para resolver os problemas que exigem deliberação, pensamento coletivo e disciplina de ação, quando líderes brasileiros se admiram disso, pergunto eu: - Mas, como admirar? Como poderia êste povo brasileiro ser coerente, razoável, amadurecido ao apreciar e julgar os seus próprios problemas, se nunca foi para isto educado e se as escolas que lhe destinamos não chegam, sequer, a realmente alfabetizá-lo? Estamos já suficientemente esclarecidos, para saber que a democracia não significa, de modo algum, o estabelecimento de uma sociedade em que só contem e só se resolvam os problemas dos privilegiados e dos candidatos a privilegiados desta sociedade. Não precisamos de nenhuma lição do comunismo para saber que o povo é que dever ser educado, que o povo é que é o soberano da nação. A doutrina do govêrno do povo pelo povo é muito mais nossa do que do comunismo. A nossa civilização democrática é, doutrinàriamente, muito mais igualitária do que a civilização comunista. Nesta nossa América do Sul é que ainda não quisemos compreender que a democracia, para se realizar plenamente, envolve, acina de tudo, a educação sistemática do povo brasileiro e não apenas a de suas classes mais altas. http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/extensaodoensino.html 1 de 5 22/04/2015 11:08

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  • TEIXEIRA, Ansio. Extenso do ensino primrio brasileiro. Boletim CBAI. Rio de Janeiro, v.10, n.6,1956. p.1614-1618.

    EXTENSO DO ENSINO PRIMRIO BRASILEIROAnsio TeixeiraDiretor do INEP

    Palavras do Prof. Ansio Teixeira na Sesso da Federao Nacional das Indstrias, em So Paulo, porocasio da visita do Sr. Ministro da Educao.

    Atendendo determinao do Senhor Ministro da Educao, direi algumas palavras sbre o problemaque hoje nos ocupa, nesta sesso, o da extenso do ensino primrio brasileiro.Como um velho educador, que h mais de 30 anos luta pelos problemas de educao popular na Brasil,devo, de incio, dizer que ningum est mais satisfeito do que eu com a noite de hoje, ao ver o Govrnoda Repblica, pelo Senhor Ministro da Educao e Cultura, o Govrno da Cidade de So Paulo, peloseu Prefeito, a Presidncia da Federao das Indstrias, o Exrcito, pelo General Comandante daRegio do Centro, aqui reunidos para o debate dos problemas de educao popular. que - e ho deme perdoar a franqueza - nunca a educao popular foi, entre ns, realmente, objeto da ateno dosgovernos. A educao que sempre nos preocupa a educao das classes dominantes. E a razoprofunda por que as massas populares do Brasil procuram hoje, ansiosamente, o tipo de educaoacadmica que viemos ao longo de nossa histria organizando para a classe dominante, que stenovo povo brasileiro, acordado tanto quanto ns para os seus direitos, quer tambm receber a mesmaeducao aristocrtica e acadmica que julgamos indispensvel ministrar aos nossos filhos. Estamosnesta noite a debater um problema de educao popular. Enquanto transcorria a discusso, lanava oolhar por tda esta nossa sala, indagando de mim mesmo se haveria aqui entre ns um s operrio, ums pai de filhos que iro amanh trabalhar na indstria E, como vdes, apesar de estarmos nsprprios, muito mais conscientes do que h alguns anos, das necessidades populares brasileiras, aindasomos aqui uma pequena reunio de elementos da classe mdia ou da classe alta. O povo ainda noest presente aos debates, mesmo quando os problemas a debater so os prprios problemas do povobrasileiro.

    Na realidade, o povo brasileiro, sob a permanente lio do aristocrtico academicismo de nossaeducao, quer tambm ser acadmico e aristocrata, quer tambm educar-se nos ginsios e colgios,quer tambm diplomar-se nas Escolas Superiores, porque infelizmente s temos dinheiro para manterescolas para a classe mdia ou alta, chegando a despender o pas mais recursos para a educao doshoje 60000 estudantes do ensino superior do Brasil, do que para tda a educao primria do povobrasileiro.

    A razo profunda por que no se processou ainda a unificao do nosso povo, que permanece, sobmuitos aspectos, dividido entre os e os , que efetivamentenunca procuramos educar o povo, mas sempre o que chamamos de . Quando hoje nosadmiramos de viver em certa confuso poltica, com tremenda dificuldade para resolver os problemasque exigem deliberao, pensamento coletivo e disciplina de ao, quando lderes brasileiros seadmiram disso, pergunto eu: - Mas, como admirar? Como poderia ste povo brasileiro ser coerente,razovel, amadurecido ao apreciar e julgar os seus prprios problemas, se nunca foi para isto educadoe se as escolas que lhe destinamos no chegam, sequer, a realmente alfabetiz-lo?

    Estamos j suficientemente esclarecidos, para saber que a democracia no significa, de modo algum, oestabelecimento de uma sociedade em que s contem e s se resolvam os problemas dos privilegiadose dos candidatos a privilegiados desta sociedade. No precisamos de nenhuma lio do comunismopara saber que o povo que dever ser educado, que o povo que o soberano da nao. A doutrinado govrno do povo pelo povo muito mais nossa do que do comunismo. A nossa civilizaodemocrtica , doutrinriamente, muito mais igualitria do que a civilizao comunista. Nesta nossaAmrica do Sul que ainda no quisemos compreender que a democracia, para se realizarplenamente, envolve, acina de tudo, a educao sistemtica do povo brasileiro e no apenas a de suasclasses mais altas.

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  • As circunstncias me permitiram, durante o corrente ano, participar de um Congresso de Educao naAmrica do Norte e de uma reunio de ministros no Peru, para examinar o problema da educaoprimria, e encontrar-me agora neste debate educacional no Brasil. Sinto, perfeitamente, pelo menosdois grandes nveis de progresso da democracia nessas trs naes.

    Na Amrica do Norte, participei de uma Conferncia de peritos internacionais da pesquisa educacional;entre les encontrava-se um professor do Instituto de Pedagogia de Moscou. Durante 10 dias convivicom sse pedagogo russo, em prolongadas sesses da conferncia e em excurses e passeios deobservao, em Atlantic City. Discutimos a civilizao americana, observando-lhe eu que a sociedadeamericana talvez fsse mais igualitria do que a sua. Nesta sociedade americana, dizia eu, veio a seconstruir um igualitarismo social de tal ordem que no h nenhum homem que aceite estar a serviopessoal do outro; veja bem, que a primeira sociedade que suprimiu os criados, isto , uma classedestinada a servir outra classe. Uma classe, destinada a tornar doce a vida da outra classe. Por isso que muitos de ns, sul-americanos, quando visitamos a Amrica do Norte, achamos spera acivilizao americana. Outras vzes, chamamo-la de materialista. Materialista, porque suprimiu adoura de viver, pois a doura de viver depende de classes dominadas que sirvam s classesdominantes e lhes tornem a vida amvel e suave. No Brasil, ainda temos essa doura e essasuavidade, porque h pobres suficientes para nos servirem, embora comecem a ser menos numerososnas grandes cidades. Nas grandes cidades, estas classes pobres esto acordando, esto pleiteando osdireitos da classe mdia e, dentro em pouco, no contaremos com elas para nos servirem, para nosfazerem a vida doce As tendncias, cada vez mais acentuadas, para o desenvolvimento democrtico,nas linhas do igualitarismo continental, vo destruir muitas das douras, do que chamamos a da vida abaixo do Rio Grande. E voltando ao professor russo, repetia-lhe: esta civilizao, assim, mais igualitria que a sua. E como que me confirmando, revelou-me le que na Rssia haviacriados. Porque, dizia, h nveis de inteligncia to modestos, que seus portadores melhor serviro sociedade como criados, a fim de permitir aos mais capazes dar tda a expresso do seu valor.

    A diferena entre a civilizao democrtica e a civilizao comunista , na realidade, a de que nstemos a aspirao igualitria, e a civilizao comunista, a aspirao hierrquica. A civilizao comunista, no fundo, a civilizao platnica, a civilizao na qual cada um vai ter o lugar que a hierarquia de suainteligncia determinar. Se h inteligncias to modestas que devam ser inteligncia de criados, que aclasse de criados se organize. E explicava-me o pedagogo russo: .

    Efetivamente, a civilizao democrtica a nica que se funda no postulado de uma real igualdadehumana. No h ningum to desprovido de inteligncia que possa ser apenas mandado pelos outros.ste que o nosso dogma de f. Por mais modesta que seja a inteligncia de algum vivente, podeste vivente ser educado suficientemente para participar da vida e para participar dos atos quegovernarem a sua vida. Esta que a distino profunda entre uma civilizao baseada numa estritaou, digamos, limitada conceituao cientfica da capacidade humana, e a civilizao democrtica,baseada na aspirao profunda, ideal, proftica talvez, de que possvel construir a sociedade humanacomo a sociedade em que todos existamos como pares, e em que, independentemente das diferenaspsicolgicas, das diferenas econmicas, das diferenas sociais e das diferenas de histria passada,possamos viver todos, como iguais, independentes e solidrios.

    Pois bem, queiramos ou no, esta a civilizao que se vai estabelecer na Amrica do Sul, emconseqncia natural de sua posio geogrfica e por uma tendncia profunda de sua histria, seruma civilizao democrtica. Nenhuma fra poder conter o povo sul-americano em sua aspirao poressa igualdade democrtica.

    Os problemas brasileiros so sobretudo os problemas dos atritos que decorrem do processamentodesta igualdade humana, no Brasil. O povo est realmente ascendendo no Brasil. No podemos maisdizer, como dizamos antigamente: ; somos hoje obrigados a dizer: , ste povo que ainda no vem a sesses como estas para debater conosco seusproblemas de educao, mas que j resolve os problemas polticos, j faz, pelo voto livre e secreto, aescolha dos seus governantes, pouco se lhe dando que fiquemos desconcertados com as suasescolhas. Vem, com efeito, cada dia se sentindo mais livre e independente, na conquista de suaautonomia. O momento , como dizia h pouco o Sr. Ministro da Educao, um momento histrico.Temos que ir ao encontro dsse povo e oferecer-lhe a educao necessria, para que possa melhorcumprir o seu dever de soberano nos pases americanos.

    A educao que vimos at hoje organizando no pas, nunca foi dirigida para le. Era a educao para anossa classe. Permitimo-la ao povo, por tolerncia. Embora estratificado em uma sociedade declasses, sempre tivemos o senso de humor de conservar nossas classes abertas. E, graas a uma

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  • educao seletiva, retirvamos das classes populares queles que se revelassem capazes de participarconosco do banquete da vida brasileira. No lhes fechavamos a porta, mas escolhamos aqules quepodiam entrar. Desde a escola primria, comeamos a seleo, dividindo, por meio dessa escola, quedeveria ser a escola comum do povo brasileiro, os meninos entre e . Aos , educamos, levando-os por um sistema quase chins de exames,at o fim da escola primria e da para outra escola para , que a escola acadmica, aescola verbal, a escola pela qual les a participar da classe mdia brasileira, da classede trabalhos leves, da classe de trabalhos fceis, da classe de trabalhos de tempo parcial, da classeque no seja produtiva, prpriamente dita, mas de servio. Dividimos o trabalho brasileiro em doisgrandes tipos de trabalho: o trabalho para ns e o trabalho para os no educados. Os que esto nafbrica e na indstria, so os que no se puderam educar; os que se puderam educar, so os quefreqentaram a escola secundria e tal escola secundria cumpre que seja uma escola de letras e nouma escola de trabalho, porque no estamos educando ningum para trabalhar. Estamos educandopara que deixem de trabalhar. Depois de pass-los por essa escola secundria, levamo-los a umaescola superior, e como somos sutis, inteligentes, uns virtuoses desta mistura de vida democrtica eantidemocrtica, criamos escolas superiores que sejam apenas escolas para dar diplomas, e no paraeduc-los. Por meio dessa mistificao, atendemos presso democrtica do povo brasileiro, sem nosdesfazermos do carter estratificado de uma sociedade de e .

    Pois bem: o problema que o Ministro traz hoje aqui, o problema desta encru zilhada. Precisamos fazeruma reviso profunda em nosso sistema educacional. Temos que educar o povo brasileiro paratrabalhar, e ns tambm, para trabalhar. Se, por acaso, nos couberem os trabalhos mais leves e maisfceis, que nos caibam les porque somos mais competentes nesses tipos de trabalho, e no, por umafatalidade de posio social, por mais generosos que sejamos em que outros essa posio social. A prpria escola primria brasileira tem sido, com efeito, umaescola seletiva. Desde o seu primeiro ano, por meio de um engenhoso sistema de reprovaes, divideos brasileiros em meninos e meninos . Os so osmeninos verbais, os meninos que do para as artes, para as pequeninas artes escolares, os que nogostam de fazer coisa nenhuma, mas preferem ler e falar; os que discursam, os que recitam poesias,os meninos . So stes os meninos que a prpria escola primria comea a escolhercomo os capazes de ir at o fim da escola, os capazes de se , pois opreparo para essa pequenina e falsa elite, que a nossa elite.

    Nada mais natural que uma escola primria seletiva dessa ordem reprove na proporo de 70% osseus alunos. No do les para os estudos. significa no gostar de trabalhar,no gostar de fazer fora, mas gostar de aprender as inutilidades verbalistas, de decorar asnomenclaturas ridculas, que a escola lhes impe. Com tal processo de , iniciado noprimeiro ano primrio, leva a escola ao ltimo ano primrio 15% dos seus alunos. Cousa a de uns 600mil alunos. Dstes 600 mil, entram para as escolas secundrias crca de 200 mil, e dstes 200 mil,terminam o ltimo ano do colgio apenas crca de 20 mil, que so os candidatos s EscolasSuperiores. Na Escola Superior fazem-se doutores, conquistando uma posio definida na vidabrasileira, e o direito de poder viver sem realizar trabalho produtivo. E no dia em que todos estiverem, quem ir trabalhar pelo Brasil? ste, sem tirar nem pr, o problema em que nosdebatemos. Esta, a encruzilhada. No h como adiar uma reviso profunda da educao nacional. Nopodemos inici-la de golpe, mas todos os problemas aqui suscitados decorrem do fato de no ser anossa educao verdadeiramente popular. ste, o grande problema. O problema de educar os quetrabalham, os que vo trabalhar. A est o SENAI, com a sua grande obra. Mas mesmo o SENAI no dbem a idia de como grande o problema, porque os alunos do SENAI so j uma aristocraciaoperria, pois visa le mais o trabalhador qualificado do que a mo-de-obra comum. O problemabrasileiro o do grande grupo de crianas que abandona as escolas primrias, porque no tem,segundo a nossa falsa pedagogia, condies de para estudar. ste grande grupo debrasileiros, que, longe de inteligentes, so os bem dotados para a ao, os que gostam de fazer coisas,os que tm amor ao trabalho, stes no podem ficar na escola. Dentre os sobreviventes, aqules maisdceis tortura acadmica da escola, que, por paus e por pedras, de reprovao em reprovao,logram chegar ao 4 ano, ainda dentre stes, crca de 500 mil crianas no conseguem escolas paraprosseguir a educao, nem sequer a de tipo acadmico, que a nica que vimos improvisando paralhes oferecer.

    para a soluo dsse impasse que nos convoca o Sr. Ministro da Educao. O problema tem que serresolvido com a transformao da escola primria. Como no a podemos fazer de golpe, temos queiniciar, reformando-lhe os ltimos anos. Ver se, pelo menos, stes alunos que chegam at ao quartoano, encontram depois do 4 ano, no smente a escola ginasial, onde vo aprender latim para poderganhar a vida, - no se sabe bem como que les ganham a vida aprendendo latim - mas h muitosbrasileiros que acham que se no aprenderem latim, a civilizao brasileira desaparecer! - no

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  • smente as escassssimas oportunidades das escolas industriais, as menos escassas mas tambmpouco abundantes chances das escolas comerciais, mas a possibilidade mais ampla de continuar ocurso primrio em dois anos complementares, de cursos prticos. Algumas centenas de milhares dealunos, com efeito, terminaram o quarto ano primrio e no podem nem continuar os estudos, nem seempregar. sses novos a ficam, sabe Deus como, sem esocla nem oficina,aguardando a idade legal de trabalho, dos 12 aos 14 anos. para stes pr-adolescentes que oMinistrio da Educa, Sr. Clvis Salgado, gostaria que se organizassem dois anos de estudos, que jno fossem seletivos nem acadmicos, mas sem perda de nenhum dos privilgios dsses cursosacadmicos, porque no podemos pedir ao povo que aceite uma educao que seja boa s para le eno o seja para ns - sejam de educao fundamental para iniciao ao trabalho. De maneira que stesnovos dois anos de educao complementar escola primria, em que o aluno continuar a suaintruo, mas tambm trabalhar em oficinas industriais, de artes industriais e artes aplicadas, possamcoroar a obra de educao fundamental, permitindo imediatamente o emprgo. Indispensvel, porm, que gozem tais sries dos cursos que se destinam classe mdia. Do contrrio, o povo no aceitarentrar em tais cursos complementares, pois, no podemos pedir ao povo brasileiro um esclarecimentoto profundo que lhe permita dizer: . preciso quetenhamos a coragem de admitir que o nosso curso de latim no d nenhum direito a mais do que ocurso de trabalho que lhe estamos oferecendo. A razo por que vem sendo mantido sse tremendoequvoco do prprio povo brasileiro procurar estudar latim para ganhar vida, que le obrigado aacreditar que se os que pertencem classe mdia julgam o latim essencial sua educao, que olatim o segrdo do privilgio e da ser essencial tambm ao povo, que se recusa ento a entrar paraos cursos profissionais, ou os cursos prticos.

    Temos, por conseguinte, que dar aos novos cursos, por mais modestos que sejam, as mesmasconseqncias pedaggicas que damos aos cursos ginasiais. Ser simplesmente um ato desinceridade, de honestidade. Se uma parcela da sociedade brasileira julga que se educar melhor seno fr educada para o trabalho, mas para certas artes parasitrias, que, pelo menos, os alunos dssescursos parasitrios no tenham nenhuma vantagem sbre os alunos daqueles cursos que estejam,realmente, educando o povo brasileiro para o trabalho. Smente no dia em que a legislao der a taiscursos o mesmo direito dos cursos privilegiados ou de candidatos a privilegiados, que poderemosiniciar a formao do povo brasileiro, efetivamente, para uma vida de trabalho, pela qual cada umconquiste a sua independncia econmica, independente da qualidade ou natureza do trabalho querealize. Dste modo, que se tornar possvel a democracia brasileira, isto , uma democracia em queos operrios sejam operrios, mas possam gozar de situao econmica perfeitamente equivalente da chamada classe mdia; e que os da classe mdia sejam os que muitas vzes tenham de dizer:. Est livre a classe mdia de preferir o seucolarinho em vez de avental de trabalho, mas no deve gozar de vantagens superiores s demaisclasses. No seremos a nao democrtica que temos que ser, seno no dia em que a maior honra dobrasileiro seja a de trabalhar, e a de trabalhar produtivamente. De maneira que nenhuma posiopoder ser mais honorfica do que a posio do operrio.

    A exposio do Senhor Ministro da Educao , pois, algo de muito significativo. O aplo, a queresponde, o da Federao das Indstrias. As palavras to auspicioss do Presidente do SESI de apoio iniciativa, a que se juntou o Prefeito de So Pulo, do-nos bem a idia de que o momento propcio reviso proposta. tda a escola primria que tem que se transformar, mas a transformao s serpossvel se a tentarmos, de incio, acrescentando escola primria sses dois anos complementares.Podero les dar como ao milagre da recuperao da escola primria, hoje apenas preparatria escola secundria. Ao mesmo tempo, o curso complementar articula a escola primria com o cursomdio, que hoje a ambio de todo o povo brasileiro, permitindo aos alunos prosseguirem suaeducao alm do 4 ano primrio, com mais dois anos de estudos prticos, inteligentes, de trabalho,com os quais podero no s conquistar a possibilidade de continuar depois, indefinidamente, a suaeducao, como se dirigir ao trabalho, empregando-se no comrcio, na indstria, em tda a sorte deatividades, com a satisfao de no haver sido ludibriado pela escola, que antes s lhe oferecia umaoportunidade: a de continuar os estudos at o ltimo degrau da sua formao.

    O assunto demasiado complexo para que possamos aqui nos estendermos a todos os detalhestcnicos. A soluo aventada possvel, embora no lhe faltem dificuldades. Queria apenas indicar, e ofiz talvez com excessivo calor, quanto sria e grave a conjuntura educacional brasileira. Somos umanao que transformou a educao no processo pelo qual se retira do povo uma parcela, cada vezmais considervel, dos seus habitantes, para dar-lhes condies artificiais de ocupaosemi-parasitria e fazer infelizes os demais que trabalham nos trabalhos produtivos do pas. stetremendo paradoxo educacional, graas ao qual a prpria educao um dos mais graves problemas

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  • brasileiros, que me faz falar com ste calor. A um homem que sente que o Brasil um dia dever ser,todo le, educado, sse homem no pode deixar de se revoltar em sentir que a educao, longe de sera preparao de cada um para fazer o que antes fazia, de modo melhor e mais perfeito, seja apenas oprocesso pelo qual o brasileiro deixa de pertencer s classes produtoras brasileiras, para engrossar asfileiras de suas classes parasitrias ou semi-parasitrias. E o dia, repito, em que todos estiveremeducados? Quem ir trabalhar pelo Brasil?

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