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Ezra Shane Spira-Cohen O movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Política da PUC Rio. Orientadora: Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva Rio de Janeiro Outubro de 2011

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Ezra Shane Spira-Cohen

O movimento ambientalista em suas arenas discursivas:

participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Política da PUC – Rio.

Orientadora: Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva

Rio de Janeiro Outubro de 2011

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Ezra Shane Spira-Cohen

O movimento ambientalista em suas arenas discursivas:

participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva Orientadora

Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio

Prof. Liszt Benjamin Vieira Departamento de Direito – PUC-Rio

Profa. Maria Sarah da Silva Telles Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio

Prof. Valter Sinder Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio

Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro

de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2011.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total

ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da

autora e do orientador.

Ezra Shane Spira-Cohen

Graduou-se em Desenvolvimento Comparativo e língua

espanhola pelo Trinity College de Hartford, Connecticut

EUA. Nativo dos Estados Unidos estuda o Brasil e outros

países da América Latina de forma comparada.

Ficha Catalográfica

CDD: 301

Spira-Cohen, Ezra Shane O movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU / Ezra Shane Spira-Cohen ; orientadora: Angela Maria de Randolpho Paiva. – 2011. 131 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Sociologia e Política, 2011. Inclui bibliografia 1. Sociologia – Teses. 2. Meio ambiente. 3. Sociedade civil. 4. Esfera pública. 5. Desenvolvimento. I. Paiva, Angela Maria de Randolpho Paiva. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Sociologia e Política. III. Título.

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Em memória de Ziggy Spira

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Agradecimentos

Aos meus pais, Roy e Eileen, pelo amor, apoio e confiança incondicional. Aos

meus irmãos, Ariel e David, por seu exemplo encorajador, e por me incentivar a

realizar êxito acadêmico.

À Ângela Paiva, obrigado por ter desenvolvido essa dissertação comigo. Sem sua

orientação e tempo esse trabalho não teria sido realizado. Seu entusiasmo e

conhecimento foi uma inspiração que eu espero levar comigo para o futuro.

Obrigado pela paciência, as conversas, as correções e por ter compreendido ambas

minhas limitações e minhas aspirações.

À PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter

sido realizado.

Aos membros da banca, Liszt Vieira, Sarah da Silva Telles e Valter Sinder. Suas

áreas de conhecimento e sua participação no meu exame de qualificação foram

fundamentais para a realização desse projeto. Obrigado pela atenção, ideias e

críticas que prepararam meu caminho.

Aos professores do departamento de Sociologia e Política da PUC por suas aulas,

por compartilhar seu conhecimento, e por uma experiência sem preço.

À Ana, Mônica e Carla por ajudar um estrangeiro muitas vezes perdido e por

oferecer belas dicas para facilitar a navegação burocrática da vida acadêmica.

A todos que me ajudaram desenvolver minha habilidade de redação: ao Jonas

Lana por sua amizade, à Alessandra Maia por seu apoio, à Marcele e Guilherme

por se terem disposto durante os momentos finais deste projeto.

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Resumo

Spira-Cohen, Ezra Shane; Paiva, Angela Maria de Randolpho. O

movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do

Brasil e EUA nas conferências da ONU. Rio de Janeiro 2008. 131p.

Dissertação de Mestrado – Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Esta dissertação examina o surgimento do movimento ambientalista como

parte de um processo maior de conscientização sobre a proteção do meio

ambiente. Observa como, através da abertura de espaço discursivo para a

participação democrática, as conferências internacionais da ONU sobre o meio

ambiente em 1972 e 1992 contribuíram para a formação deste movimento e o

próprio conceito do meio ambiente. A discussão utiliza-se dos conceitos que

Jürgen Habermas desenvolve na sua teoria de ação comunicativa para destacar a

importância da esfera pública e o papel da sociedade civil neste processo. No

entanto, a partir de uma comparação da participação do Brasil e os EUA nas duas

conferências da ONU, coloca em questão o uso dessa teoria para explicar a

atuação desses países e as mudanças ao longo das duas décadas que separaram as

conferências. Levanta uma discussão metodológica, inspirada em ideias

apresentadas por Michel Foucault, que permite uma análise do surgimento do

movimento ambientalista no Brasil e os EUA. Para além disso, contextualiza a

participação de ambos os países nas conferências internacionais e a mudança para

do foco para o desenvolvimento. Através disso, salienta as tensões entre as

perspectivas de Habermas e Foucault, discutindo seus limites e contribuições para

esta análise.

Palavras-Chave

Meio Ambiente; sociedade civil; esfera pública; desenvolvimento.

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Abstract

Spira-Cohen, Ezra Shane; Paiva, Angela Maria de Randolpho (Advisor).

The Environmental Movement in its Discursive Arenas: The

Participation of Brazil and the USA in UN Conferences. Rio de Janeiro

2008. 131p. Masters Dissertation – Departament of Sociologia e Política,

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This thesis examines the emergence of the environmental movement as part

of a larger process of increasing conscientiousness about environmental

protection. It looks at how the international UN conferences on the environment

in 1972 and 1992 contributed to the formation of this movement, and the concept

of the environment, by opening discursive space and allowing for democratic

participation. The discussion uses concepts developed by Jürgen Habermas, in his

theory of communicative action, to highlight the importance of the public sphere

and the role of civil society in this process. However, a comparison of the

participation of Brazil and the USA in the two conferences raises questions about

the application of this theory. In order to explain the activity of these countries and

the changes that occurred during the 20 years that separate the conferences a

different perspective is presented. Ideas inspired by Michel Foucault provide a

methodological discussion, which permits an analysis of the emergence of the

environmental movement in Brazil and the USA. In addition, it contextualizes

their participation in the international conferences and helps understand the turn in

the international community towards a focus on development. Finally, as a result

of the tensions that arise between Habermas and Foucault’s perspectives, the

limits and contributions of these authors for the herein analysis are uncovered.

Keywords

Environment; Civil Society; Public Sphere; Development.

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Sumário

1. Introdução 9

1.1. O movimento ambientalista 15 1.2. Os discursos ambientalistas 20 1.3. A ecopolítica 24 1.4. A sociedade civil internacional 29 1.5. O Espaço público 33 1.6. A esfera pública internacional 37

2. O movimento ambientalista em suas arenas discursivas 41

2.1. As origens das conferências ambientalistas 43 2.2. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE) 47 2.3. A Conferência das Nações sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (UNCED) 57 2.4. Vinte anos para frente. O que mudou? 70

3. A formação das arenas discursivas 74

3.1. A crise ambiental no Brasil e nos EUA 79 3.2. A institucionalização do movimento ambientalista

no Brasil e nos EUA 85 3.3. O movimento ambientalista no Brasil e nos EUA 97 3.4. A participação do Brasil e os EUA nas Conferências

da ONU 104 3.5. O futuro do movimento ambientalista nas suas arenas

discursivas 116

4. Considerações finais 121

Referências bibliográficas 126

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1 Introdução

A proteção do meio ambiente hoje é um valor muito difundido. Esse é um

valor relativamente novo, que faz parte de um processo de transformação cultural

abrangente, causado por mudanças econômicas, políticas e sociais. Ronald

Inglehart (1990) estudou as mudanças econômicas, sócio-políticas e culturais no

Século XX, examinando como estas se relacionavam e se determinavam. Através

disso, Inglehart recordou novas atitudes em países altamente industrializados. O

estudo indicou mudanças graduais em atitudes tradicionais sobre política,

trabalho, religião, família e sexo e as relacionou ao nível de segurança econômica

e física que certos países realizaram depois da segunda guerra mundial. Nesses

países, segundo a hipótese de Inglehart, as pessoas podiam pensar em outras

questões uma vez que as necessidades básicas já haviam sido atendidas. A nova

ênfase na proteção do meio ambiente faz parte do surgimento de novos valores

pós-materialistas relacionados a um senso de comunidade, à auto-expressão e à

qualidade de vida.

Valores materialistas, que acompanharam a expansão industrial ao longo

século XIX e XX, relacionados ao crescimento econômico e acumulação de bens

materiais, valorizaram o meio ambiente como um meio para fins industriais e um

objeto a ser manipulado. Os novos valores pós-materialistas indicam menos

ênfase no crescimento econômico e representam uma visão do mundo menos

mecânica onde são destacadas questões sobre o conhecimento e a vida humana

nas quais cabe a preocupação sobre o meio ambiente.

Ainda seguindo Inglehart, dar prioridade à comunidade e à qualidade de

vida não-materialista, em sociedades que tradicionalmente favoreceram ganhos

econômicos tem implicações políticas importantes. Os pós-materialistas formam

uma política baseada nos valores e se separam de política baseada na classe. Com

o surgimento de valores pós-materialistas a política tradicional baseada em

alinhamento de classe entra em crise. No conflito ou na negociação política, os

movimentos baseados no direito de autodeterminação e de certo nível de

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qualidade de vida são cada vez mais o veículo para mudança social. Inglehart

destaca os novos movimentos sociais – do meio ambiente, de mulheres, e anti-

nuclear – que refletem mudanças culturais abrangentes. “Postmaterialist values

underlie many of the new social movements – for the Postmaterialists emphasize

fundamentally different value priorities from those that have dominated industrial

society for many decades.” (INGLEHART 1990, p. 373).

A preocupação sobre a proteção do meio ambiente surgiu como parte das

mudanças culturais abrangentes em sociedades que atingiram um nível alto de

industrialização. Inglehart estabelece as conexões entre mudanças econômicas,

sócio-políticas e culturais e descreve as circunstancias que permitiram a transição

de valores materialistas para pós-materialistas. Entretanto, se vai defender aqui

que o processo que conduz essa mudança merece mais atenção. Exatamente o que

está por detrás da construção dos valores associados com a proteção do meio

ambiente e com o movimento ambientalista? Como podemos explicar a expansão

desses valores e do movimento ambientalista para países do mundo inteiro, não

apenas dentre os países altamente industrializados que Inglehart estudou?

Para responder a estas perguntas é necessário examinar a construção do

próprio conceito do meio ambiente e a formação dos discursos relacionados. O

que se refere hoje quando se fala do meio ambiente descreve uma ideia

relativamente nova. O meio ambiente é essencialmente um conceito que engloba o

mundo natural no qual vivemos. A ideia da natureza serve para separar o mundo

das paisagens, as árvores, os animais e as plantas do mundo dos homens. É

possível argumentar que essa ideia é tão antiga quanto à ideia do homem (e da

mesma maneira as duas tenham se transformado ao longo do tempo). O

pensamento moderno dos iluministas colocou a natureza em oposição direta com

o homem e com a revolução industrial a natureza foi posta numa posição de

subordinação total ao homem. Hoje, a ideia de meio ambiente ajuda a preencher a

lacuna entre essas ideias. A novidade desse conceito é que cria uma noção da

natureza onde os homens estão intimamente ligados aos processos e sistemas

naturais – o que implica que os processos humanos são parte dos processos

naturais e um afeta o outro numa relação mútua e complexa.

Historiadores localizam a origem do movimento ambientalista nos

primeiros protestos contra a poluição e nos primeiros esforços para conservar

recursos naturais e preservar a natureza selvagem no final do século XIX (ROME,

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2003). Nessa época as preocupações sobre os efeitos negativos da industrialização

se articularam em termos de saúde pública, de produção industrial garantida ou de

patrimônio nacional. Avanços em meados do século XX, com a tecnologia

atômica e petroquímica trouxeram novas ameaças ao meio ambiente e mais

atenção. Em resposta à expansão industrial e à tecnologia perigosa, crises como a

extinção de espécies entraram no foco. Através do estudo de sistemas naturais em

seu conjunto e as relações entre organismos vivos, os ecologistas identificaram

crises de grandes proporções. Na década de sessenta, a ecologia ganhou mais

atenção, com uma conscientização maior sobre a crise ecológica e entrou com

força na fileira dos movimentos sociais. O movimento ecologista se destacou

nessa década, junto aos movimentos de direitos civis, de mulheres, contra guerra e

contracultura. Assim, o conceito do meio ambiente surgiu para englobar outros

movimentos com objetivos comuns, juntando os ecologistas, os preservacionistas

e os conservacionistas, entre outros, sob uma bandeira. O conceito do meio

ambiente ligou a natureza com o homem – o ecológico com o social – e o

movimento ambientalista se formou de uma gama de ativistas com agendas e

demandas diversas.

Como um nexo entre a natureza e os homens, o meio ambiente não é

apenas pensado em termos ecológicos, biológicos ou científicos. Como um

movimento social, o ambientalismo faz o meio ambiente uma questão política

com implicações sociais e econômicas, exigindo soluções nesses âmbitos para

problemas relacionados com a degradação ambiental. Da perspectiva das ciências

sociais, o meio ambiente é uma questão nova e o movimento ambientalista é um

objeto complexo e intrigante que exige mais atenção. O movimento ambientalista

transcende áreas de estudo e cria novas categorias sociais, culturais e políticas. No

âmbito político, o movimento se descola das ideias da direita ou da esquerda e traz

uma pauta que transcende as ideologias partidárias.

O movimento ambientalista é formado por grupos e indivíduos conscientes

dos problemas ambientais e articula as demandas de vários setores da sociedade

preocupados com a proteção do meio ambiente. Identificar um único grupo,

proposta, ou causa como o movimento ambientalista o faria mais claro, mas isso

não é o caso. Sejam ecologistas, preservacionistas, conservacionistas, radicais,

reformistas, atuando a nível local, global, ou por uma variedade de causas

específicas, todos esses, e mais, formam o movimento ambientalista. Como um

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movimento social, tentar formar uma agenda clara para a negociação política

(mesmo com a diversidade de temas que tratam os ambientalistas) poderia ser

uma estratégia útil, mas é difícil. Através da atuação política, motivada pela

evidência de degradação ambiental cada vez maior e pela atenção na mídia, a

conscientização da sociedade fortalece muitos dos valores associados com a

proteção do meio ambiente.

Isso não é o caso apenas de países industrializados. Hoje, as demandas

para lidar com problemas associados com o meio ambiente se articulam no mundo

inteiro e referem não apenas a questões da qualidade de vida das populações, mas

também a questões materialistas básicas de desenvolvimento econômico, de

saúde, de habitação e de alimentação. Por exemplo, questões como a pobreza

podem ser, e são, articuladas de acordo com problemas ambientais. O movimento

ambientalista agora é um movimento internacional, cujos valores, ideias e

discursos foram incorporados por outros movimentos sociais nacionais e

internacionais. Através de um tratamento político em acordos internacionais,

principalmente nas Nações Unidas, o meio ambiente se tornou uma questão

realmente global.

As Nações Unidas criaram um modelo discursivo de negociação política

internacional no qual o movimento ambientalista internacional se fortaleceu. Na

primeira conferência internacional da ONU em 1972 sobre o meio ambiente,

organizações não governamentais e de base social participaram nos processos

preparativos e nas deliberações para contribuir para formação da agenda

ambiental internacional. ONGs internacionais como Greenpeace e o Fundo

Mundial para a Natureza (WWF) surgiram com áreas de atuação que atravessaram

as fronteiras nacionais. O caráter único da questão ambiental conecta problemas

ambientais e ativistas ao nível local com o nível global. Assim, o papel das

Nações Unidas e de negociação multilateral é central para essa questão e a

articulação dos problemas relacionados ao meio ambiente por grupos e indivíduos

independentes ilustra a formação de um novo espaço público internacional para a

negociação de interesses comuns. O movimento ambientalista não apenas

espalhou pelo mundo e por outras lutas sociais, mas também atingiu os mais

diversos setores da sociedade. Em muitos países, a proteção do meio ambiente

entrou no âmbito político, com a formação de partidos verdes, e no âmbito

econômico, com indústrias limpas e sustentáveis.

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O meio ambiente não é apenas uma nova categoria para articular as

demandas da sociedade no âmbito político, mas representa uma nova ontologia na

qual se pode entender o mundo e se relacionam as pessoas. A mudança para

valores pós-materialistas que Inglehart descreve explica as condições para o meio

ambiente surgir como conceito e eixo para atividade política, mas não examina o

processo de formação dessa nova ontologia em diversos países em contextos

distintos. Para fazer isso, este trabalho abordará uma análise ao nível discursivo

para considerar a construção do conceito do meio ambiente como parte de um

processo intersubjetivo social, não apenas uma mudança cultural num contexto

abrangente.

O primeiro capítulo aborda uma discussão da formação do conceito do

meio ambiente e do movimento ambientalista, destacando a importância da

sociedade civil e a esfera pública nesse processo. Apresentar a gama de

perspectivas que existe dentro do movimento ambientalista permite uma análise

da atuação e relações políticas relacionadas à proteção do meio ambiente ao nível

internacional. Essa discussão é inspirada no processo discursivo de racionalização

comunicativa que Jürgen Habermas usa para explicar a formação de uma ética

discursiva, política legítima em sistemas democráticos, e a própria sociedade na

qual as pessoas vivem. É através da formação de uma sociedade civil global que o

movimento ambientalista se expande e os discursos ambientalistas são

disseminados pelo mundo e para os mais diversos setores da sociedade.

A partir da teoria de ação comunicativa de Habermas, o segundo capítulo

discute duas conferências das Nações Unidas como momentos de racionalização

discursiva na formação de consenso sobre o meio ambiente. A Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE) em 1972 foi uma

reunião histórica para a ONU, a sociedade civil global e para o movimento

ambientalista. A UNCHE consagrou o meio ambiente como uma questão global e

abriu o espaço discursivo no âmbito internacional para a formação de consenso e

acordos entre os participantes. Durante as deliberações da UNCHE, um consenso

sobre a conexão direta entre os problemas ambientais e as atividades humanas foi

determinado e as negociações estabeleceram o rumo para o desenvolvimento do

conceito do meio ambiente e para as negociações futuras. A Conferência sobre o

Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) vinte anos depois, em 1992, foi

outro momento importante tanto para a construção do conceito do meio ambiente,

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quanto para a articulação do movimento ambientalista. Nessa conferência, o

espaço discursivo expandiu-se, permitindo que novas questões ambientais

recebessem atenção nas negociações e nos debates. Esta discussão da UNCHE e

da UNCED serve para ressaltar a importância da racionalização comunicativa e do

processo discursivo de Habermas – não é para fornecer uma descrição histórica

das duas conferências. O conteúdo deste capítulo traça a trajetória do movimento

ambientalista neste período e contribui para entender melhor a situação atual do

debate internacional sobre o meio ambiente.

O terceiro capítulo examina a participação dos EUA e o Brasil na UNCHE

e na UNCED. Essa comparação é importante porque ilustra a origem dos debates

internacionais nas próprias experiências e agendas nacionais de países

participantes. Aqui serão considerados os contextos específicos que determinaram

a atuação do Brasil e os EUA. Para fazer isso, é importante nos distanciarmos da

ênfase nos processos discursivos que a teoria de Habermas coloca na formação

dos acordos das conferências. Nessa comparação é evidente que uma teoria

universal sobre a formação de consenso racional e justo é problemática e que uma

análise substantiva contextual ao nível de micropolítica é mais apropriada. Michel

Foucault fornece essa perspectiva e entra no debate para definir uma metodologia

válida, livre de pressupostos teóricos ou deduções falsas. Sua argumentação

permite descobrir os atores menos visíveis e as relações de poder que determinam

a participação dos dois países nas conferências da ONU.

Ambos, Foucault e Habermas, abordam em suas teorias e críticas um alvo

principal a ser resgatado na presente análise. A mudança social e democrática está

sempre presente por detrás de qualquer diferença de opinião ou divergência de

abordagem entre eles1. A mudança social também reside no centro da discussão

sobre o meio ambiente. Como uma das questões mais importantes para a geração

atual e as futuras, é necessário alimentar e apoiar o debate contínuo sobre o meio

ambiente e explorar todas as possibilidades para realizar as mudanças que são

cada vez mais exigidas. O meio ambiente é uma questão que tem caráter

interdisciplinar e precisa ser abordado por várias perspectivas de modo

independente e transversal – da política à biologia, da economia à climatologia, do

1 Foucault não se preocupava tanto quando Habermas com respeito à continuidade teórica. Assim,

Foucault pode assumir várias posições sobre esse tema, mas aqui usamos o lado de Foucault

que tem evidência de influência de Toqueville e o projeto democrático Norte-americano.

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direito à engenharia, da filosofia à física. Assim, as ciências sociais são uma área

fértil para essa discussão por entender a possibilidade para análise multidisciplinar

e interdisciplinar.

Este trabalho pretende contribuir para aprofundar em alguns aspectos

relacionados à situação atual do meio ambiente. Este projeto não deve ser pensado

de modo algum como acabado ou completo, mas como o início de maior

entendimento acadêmico de uma ontologia nova e uma questão crucial que chama

a atenção de todos. Acima de tudo, pretende indicar um caminho multidisciplinar,

de acordo com o caráter desse tema, a ser aprofundado mais em futuro próximo. O

projeto partilha da sensação de que o trabalho do cientista social, tanto na forma

de teorias tanto quanto de estudos empíricos, precisa sempre ter algum sentido em

relação ao nosso presente e de tomar uma posição crítica para contribuir para o

projeto maior de mudança social.

1.1. O Movimento Ambientalista

Os novos valores pós-materialistas que dão prioridade à qualidade de vida

das pessoas e à qualidade do meio ambiente no qual as pessoas vivem resultaram

na criação do conceito do meio ambiente e do movimento ambientalista. Embora

o meio ambiente seja uma ideia muito difundida, é importante reconhecer que

existem vários movimentos ambientalistas voltados para as mais diversas áreas e

questões relacionadas ao meio ambiente. Essa diversidade pode ser organizada

conforme a causa ou problema específico destacado ou considerando sua área

distinta de atuação. Os movimentos ambientalistas podem ser divididos por tema:

por exemplo, a questão da poluição, das emissões de CO2, da preservação de

floresta ou de espécies animais. Ademais, podem ser identificados por seu alcance

local, regional ou nacional.

A teoria da ação comunicativa fornece uma base teórica interessante para a

análise do movimento ambientalista2. A heterogeneidade que existe dentro do

ambientalismo complica uma tentativa de macroanálise – por exemplo, do

movimento ambientalista brasileiro ou americano – mas, a partir da teoria de ação

2 Para autores que discutam o movimento ambientalista como um movimento social ver Scherer-

Warren (1996), e Melucci (2001). Para autores que usam Habermas na discussão dos

movimentos sociais ver Gohn (2007) e Castells (2007).

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comunicativa, que estabelece normas gerais para análise, o ambientalismo pode

ser compreendido dentro de um processo maior de racionalização comunicativa.

Assim, a construção do entendimento comum sobre a ideia do meio ambiente

pode ser analisada e comparada em contextos específicos. Assim, esse trabalho foi

inspirado pelos conceitos de Habermas, com o alvo de usá-los para melhor

entender e analisar o movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos, e

não pretende abordar uma análise crítica detalhada da teoria de ação

comunicativa.

Ao longo de quatro décadas, Jürgen Habermas desenvolveu uma teoria

social que sintetiza as teorias e os conceitos mais fundamentais do projeto

iluminista dos últimos séculos3. A partir da análise e elaboração crítica de ideias

apresentadas por vários teóricos inclusive Mead, Parsons, Weber, Durkheim e

Kant, Habermas (1987) desenvolve a teoria da ação comunicativa para entender e

explicar fenômenos fundamentais da vida social. Segundo a teoria da ação

comunicativa, todos os processos de socialização têm origem na linguagem. Isso

quer dizer que a base de toda relação social reside na necessidade de se entender e

de criar acordos comuns. Habermas procura uma ética discursiva que forma as

relações sociais e a localiza dentro do processo de racionalização comunicativa.

Uma preocupação central nesse processo é o consenso. Segundo

Habermas, a formação de uma sociedade justa e racional é possível através de

processos discursivos. Partindo do pressuposto que a linguagem é a base para a

organização social que por sua vez cria discursos os quais são institucionalizados

e estruturam a sociedade, Habermas explica esse processo usando os conceitos do

mundo da vida e sistema para diferenciar entre duas formas de integração e

formação social.

A diferença e interação entre o sistema e o mundo da vida constrói a base

da teoria da ação comunicativa. Os dois são lugares onde ideias, valores e normas

sociais são criados e divulgados, mas a forma que esses processos tomam são

bastante diferentes. O sistema é definido como totalmente racionalizado e fechado

e é representado por conceitos como o mercado, o direito, o capitalismo e outras

3 O trabalho teórico de Jürgen Habermas atravessa várias disciplinas, inclusive as ciências sociais,

filosofia, direito, política, psicologia e é considerado um dos filósofos contemporâneos mais

importantes.

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entidades institucionalizadas. O mundo da vida, por outro lado, é o espaço de

ideias e valores sociais que se formam a partir da cultura de uma vivência comum

e uma ética discursiva. No primeiro, seu modelo total, eficiente, calculado,

previsível e controlado, não permite espaço para a racionalização comunicativa.

No segundo, por tratar-se de um espaço para a formação e reificação do senso

comum de um grupo, através de experiências compartilhadas, os processos de

formação de opiniões e acordos sociais são possíveis (HABERMAS, 1987).

Nessa teoria, é somente através do mundo da vida, enquanto âmbito de

formação cultural de valores, que o sistema e suas instituições, podem ser

legitimados. A expansão do mercado e do Estado burocrático ameaça a estrutura

comunicativa do mundo da vida e assim existe a tarefa importante da

“descolonização” do mundo da vida. Isto quer dizer que os valores que são

desenvolvidos ao longo do tempo, no mundo da vida, muitas vezes são dominados

por instituições como o Estado. Assim, o mundo da vida é colonizado e a

possibilidade para ação comunicativa é restrita. Para garantir a formação legítima

de valores e opiniões comuns no mundo da vida, é importante deixar de lado os

interesses particulares que os sistemas engendram. Sem a descolonização do

mundo da vida, as diferenças numa sociedade não são discutidas, o acordo comum

não se realiza e a legitimidade política e institucional entra em crise.

(HABERMAS, 1987).

A entrada do ambientalismo nos mais diversos setores da sociedade, ao

longo dos últimos cinquenta anos, é resultado dos processos referidos na teoria da

ação comunicativa. O meio ambiente, um conceito relativamente novo, é uma

questão muito difundida atualmente. É uma nova categoria analítica na qual os

indivíduos, cientistas e os acadêmicos formulam ideias, e é uma nova base através

da qual as pessoas se comunicam e se entendem. O meio ambiente agora faz parte

do mundo da vida de muitas sociedades de uma forma sem precedentes,

transformando a política, a economia, o cotidiano, os valores e os significados

culturais de maneira inegável. Existem vários movimentos ambientalistas, mas as

mudanças ao longo dos últimos cinquenta anos chamam a atenção para o

movimento ambientalista abrangente que, segundo o pensamento de Habermas, é

construído ao nível discursivo através da racionalização comunicativa, da

deliberação discursiva e do acordo comum, e que é refletido nas relações entre

pessoas, o mundo natural, e o planeta no seu conjunto.

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Examinar a teoria da ação comunicativa através de uma análise empírica

do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos reforça e desvela

certos aspectos do pensamento habermaseano. Antes disso, para mostrar as

características únicas do movimento ambientalista, uma apresentação do seu

surgimento e suas mudanças ilustra a entrada da questão do meio ambiente no

mundo da vida de uma forma extensiva e fornece o contexto para as investigações

específicas do segundo e terceiro capítulos.

* * *

Os primeiros grupos ambientalistas, na cena contemporânea, se formaram

no final do século XIX e no início do século XX (ROME, 2003). Houve protestos

contra poluição em cidades neste período, mas os primeiros grupos particulares

enfocaram na preservação de paisagens virgens. Organizações como o Sierra Club

surgiram, nessa época nos EUA, que se preocuparam com a grande expansão

urbana e industrial que ameaçava espaços abertos e a beleza natural no território

nacional. Assim, o movimento para criar parques nacionais visando à preservação

e proteção da natureza nasceu e o movimento ambientalista iniciou sua luta

primordial para despertar as pessoas para a ideia de que a natureza é patrimônio

nacional e que há necessidade de cuidá-la. Ao longo do século XX, essa ideia se

expandiu, mas foi a partir dos anos sessenta, através do movimento ecologista,

que ela se consolidou e ampliou sua força e alcance.

O movimento ecologista nasceu em vários países (principalmente, mas não

exclusivamente, nos EUA e em países Europeus4) com um foco não apenas na

preservação, mas na existência e na função correta de sistemas naturais. As

preocupações dos ecologistas, com os efeitos negativos de processos industriais,

resíduos químicos, poluição e lixo nuclear chegaram a um público maior com o

lançamento de Silent Spring (1962) pela jornalista americana Rachel Carson.

Nesse livro, foram evidenciados os efeitos desastrosos do uso do pesticida DDT,

responsável pela dizimação de populações inteiras de insetos e pássaros. O

4 No Brasil, por exemplo, na década dos sessenta começou o movimento para preservar a

Amazônia. Esse movimento concentrou no Acre e visava mais a preservação de modos de vida

tradicionais, que dependeram do aceso aos materiais ecológicos da floresta, do que a preservação

da floresta como um recurso natural a ser utilizado para processos industriais.

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movimento ecologista chamou a atenção para as ameaças aos sistemas ecológicos

e para a falta de proteção institucional que tinham que ser denunciadas e

superadas (CARSON, 1962).

No contexto da industrialização ao longo do século XX, os

conservacionistas formularam seu movimento em resposta à ideia, importante

para o modelo de crescimento econômico, de que havia fontes infinitas de

matéria-prima para abastecer a produção e expansão industrial. O esgotamento de

recursos naturais e a incapacidade de considerar as consequências de empenhos

industriais entraram em foco. Em outro momento a ecologia destacou as ameaças

crescentes que sistemas naturais inteiros encararam e problemas como extinção

receberam atenção. Os ecologistas destacaram os efeitos dos processos industriais

e as crises ecológicas resultantes – como no livro de Carson.

Através da conscientização maior sobre a crise ecológica na década de

sessenta, o movimento ecologista chegou ao terreno dos movimentos sociais.

Neste contexto, o movimento se expandiu e o conceito do meio ambiente foi

utilizado para englobar os movimentos preservacionistas, conservacionistas, e

outros que compartilharam objetivos comuns relacionados à proteção do meio

ambiente. O movimento ambientalista relacionou a expansão industrial com a

degradação do mundo natural, mas a preocupação ambiental permaneceu como

meio para garantir e melhorar a qualidade de vida das pessoas e das comunidades.

Assim, o movimento ambientalista manteve no seu centro as consequências da

degradação para as populações humanas. O conceito abrangente do meio ambiente

representa uma mudança na maneira de pensar sobre a natureza, englobando os

sistemas ecológicos, os sistemas humanos, e tudo que é o mundo natural.

A partir da década de sessenta o meio ambiente virou uma questão

importante em contextos nacionais em resposta às condições e às crises

particulares de países e regiões. Sua formação paralela com a expansão do regime

internacional das Nações Unidas (e a natureza global dessa questão) também

consagrou a questão do meio ambiente na política internacional. A entrada do

movimento ambientalista com suas articulações diversas e protagonistas

diferenciados no palco da política multilateral e da regulação internacional

ampliou a discussão do meio ambiente e concretizou a visão do Planeta como um

conjunto e a importância das conexões cada vez mais visíveis entre o mundo da

natureza e o mundo das pessoas. Através dos mecanismos de deliberação

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discursiva e da construção de consenso na ONU a questão do meio ambiente se

institucionalizou na política e nos valores culturais nos diversos países do mundo.

1.2. Os discursos ambientalistas

A racionalização comunicativa é realizada quando as diferenças que existem

numa sociedade são discutidas e esse processo contínuo é garantido

(HABERMAS, 1987). A ênfase no processo deliberativo e no discurso é

importante pela grande diversidade de perspectivas dentro do movimento

ambientalista. Uma abordagem discursiva ressalta o ambientalismo como uma

nova maneira de ver o mundo e das pessoas se relacionarem com outras e com

seus arredores. Pensar no movimento ambientalista como uma coleção de

discursos revela simultaneamente as grandes diferenças no pensamento

ambientalista, e os elementos que o mantém unido como uma nova ontologia

abrangente formada por ideias, opiniões, valores e práticas nas sociedades

contemporâneas.

Os movimentos conservacionista e ecologista formam uma parte grande do

movimento ambientalista, mas representam apenas duas perspectivas diferentes de

um mosaico maior. Na análise da formação e transformação do movimento

ambientalista em contextos diferentes, são vários os discursos ambientalistas que

se articulam e as maneiras de interpretá-los. O que John Dryzek (1997) identifica

como um discurso representa uma maneira compartilhada de compreender o

mundo. Isso reflete o conceito do mundo da vida discutido por Habermas, mas

sem o foco nos processos discursivos da racionalização comunicativa que criam

essas ideias e valores comuns5.

Para Dryzek (1997), na área do meio ambiente, tanto quanto em outras, os

discursos são formados por pressupostos, conceitos e contenções, que fornecem a

5 John Dryzek parte do conceito Foucaulteano de ordens de discursos, que destaca as relações de

poder complexas que exstem em certas instituições e discursos. A abordagem discursiva de

Foucault não destaca o consenso, mas o jogo de poder e o conflito nos processos discursivos

que possibilita formas de dominação. Foucault (2001) analisa como os discursos refletem esse

jogo de poder e como um poder hegemônico pode ser dominante. Para Dryzek (1997), a

dominação de um discurso sobre outros é tão provável quanto a diversidade entre os discursos.

Assim, o autor faz um análise que permite a consideração da legitimidade através da

racionalização comunicativa enfatizada por Habermas. Para mais discussão sobre esta área,

ver o conceito e a crítica de democracia deliberativa de Dryzek (2000).

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base para análise, debate, acordo e desacordo. Dryzek aproveita da sua abordagem

discursiva para chamar a atenção para o significado abrangente do ambientalismo

e para analisar, de uma maneira detalhada, elementos da ação política

contemporânea baseada na questão do meio ambiente. No seguinte quadro

formado por duas escalas, reformist-radical e prosaic-imaginitive, nas quais se

pode comparar e contrastar os discursos ambientalistas diferentes, Dryzek

identifica quatro classificações distintas.

Classificações de discursos ambientalistas (DRYZEK, 1997, p. 14).

Reformist Radical

Prosaic Problem Solving Survivalsim

Imaginative Sustainability Green Radicalism

O discurso da sobrevivência que é categorizado como radical e prosaic

enfatiza os limites da capacidade do planeta para manter a vida. É caraterizado

como radical no quadro porque questiona o crescimento econômico e os padrões

de consumo, e prosaico porque as soluções propostas não são muito imaginativas

chamando apenas para mais controle administrativo e científico. Alguns

ecologistas, desde os anos 60, formaram seu movimento nessa visão. A crise

ecológica e problemas como a poluição e o esgotamento de recursos naturais

como petróleo, minerais, florestas, peixes, e terra agrícola, levantaram

preocupações sobre a finitude e a fragilidade do planeta. Uma visão que o mundo

estava chegando aos seus limites partiu das consequências cada vez mais visíveis

do crescimento econômico e populacional. Essa perspectiva permeava o

movimento ambientalista nos anos sessenta e foi consagrada em 1972 pelo Clube

de Roma no texto The Limits to Growth. Foi um estudo não técnico com a

colaboração de uma variedade de cientistas que teve muita influência na formação

de posições de vários países (principalmente países europeus e os EUA) durante a

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em 19726.

(DRYZEK, 1997), (LAGO, 2006).

6 O discurso da sobrevivência contribuiu para o grande apelo inicial por maior controle

ambiental por parte dos Estados-Nação e continua tendo grande importância no movimento

ambientalista.

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Com maior potencial para efetuar uma mudança concreta o discurso

caracterizado como reformist e prosaic tem uma visão menos apocalíptica que o

discurso da sobrevivência. A abordagem prática de environmental problem solving

reconhece a crise ambiental e procura soluções dentro das instituições e

mecanismos já existentes no sistema econômico e político de sociedades

industriais. Essa visão enfrenta a crise ambiental como qualquer outro problema,

coordenando esforços burocráticos, democráticos e econômicos, liderada por

especialistas e técnicos de diversas áreas. Nos movimentos ambientalistas que

ganham influência em governos e instituições políticas e econômicas esse

discurso é muito presente. Dentro de environmental problem solving cabem três

discursos mais específicos. O administrative rationalism, democratic pragmatism

e economic rationalism compartilham os mesmos pressupostos, mas utilizam

mecanismos diferentes para realizar soluções. No quadro esses são reformistas

porque se tratam de mudança dentro do sistema existente, e são prosaicos porque

não oferecem soluções criativas (DRYZEK, 1997).

No lado oposto do quadro há o discurso radical e imaginative que é

extremamente diverso e formado por uma variedade de ideologias, movimentos,

partidos, grupos, e pensadores. Dryzek divide o radicalismo verde em duas

categorias principais, romantic e rationalistic por uma divergência clara na

interpretação desses atores em relação ao racionalismo iluminista. Os verdes

românticos não destacam a visão iluminista de progresso e racionalismo porque

desejam mudanças na própria maneira com que os indivíduos se relacionam com

o mundo e a natureza. Em contraste, de modo mais moderado, os verdes

racionalistas reconhecem a crise da relação do homem com a natureza, mas

destacam a possibilidade para achar soluções dentro dos princípios iluministas

tradicionais da igualdade e dos direitos. Essa perspectiva também permeia uma

grande parte do movimento ambientalista. É radical porque rejeita a sociedade

capitalista industrial e imaginativo porque visa uma mudança drástica nas relações

humanas com o meio ambiente (DRYZEK, 1997).

O discurso caracterizado como reformist e imaginative encerra os

discursos voltados à sustentabilidade. Essa talvez seja uma proposta comum a

todos os elementos do movimento ambientalista, independentemente da forma

como incorporam o ambientalismo (pelo menos conceitualmente). Desde os anos

noventa, o discurso da sustentabilidade e os movimentos que assumem essa causa

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foram mais discutidos e divulgados tanto no âmbito internacional quanto no

nacional. Quando lida com a crise ambiental, parece que o discurso da

sustentabilidade tem a resposta para tudo. Resolve o conflito entre os interesses

econômicos e a proteção do meio ambiente, que é um problema destacado nos

discursos de economic problem solving. De algum modo a sustentabilidade

combina a proteção do meio ambiente, crescimento econômico, justiça social e

igualdade, de forma que tem alcance local e global. Os discursos da

sustentabilidade são reformistas porque buscam repensar o sistema econômico de

produção e consumo, sem um radicalismo inerente, e são imaginativos com

respeito às soluções do conflito entre o crescimento econômico e a preservação do

meio ambiente. (DRYZEK, 1997)

No discurso de sustentabilidade, o desenvolvimento sustentável foi

destacado em 1987 através do Relatório Brundtland. Fruto da Comissão Global do

Meio Ambiente e Desenvolvimento, esse relatório, chamado Our Common Future,

virou o documento central na concepção e na realização da Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992. O

desenvolvimento sustentável é um discurso integrador que engloba uma gama de

preocupações e soluções ambientais. Entretanto, o que significa exatamente na

prática continua a ser sujeito a debate7. (COMISSÃO MUNDIAL, 1991).

Os discursos resumidos acima não somam o ambientalismo, nem o

movimento ambientalista, no seu conjunto. Embora as quatro categorias de

discursos ambientalistas apresentadas por Dryzek constituam apenas um ponto de

partida na discussão ampla sobre o meio ambiente, formam uma base sólida para a

discussão do movimento ambientalista que segue nos próximos capítulos. A

diversidade de perspectivas, que às vezes se contrariam, contribui para a criação

de consenso legítimo porque um único discurso não domina o debate sobre o meio

ambiente. Mostra que todas elas contribuem para construí-lo, e que o movimento

ambientalista representa uma gama de ideias e visões sobre as pessoas, sobre a

natureza e as sociedades contemporâneas.

7 Outra noção de sustentabilidade que Dryzek (1997) discute é ecological modernization que

consegue encontrar meios e fins lucrativos para projetos específicos de sustentabilidade. Esse

discurso, e os projetos relacionados, são destacados na Alemanha, Japão, Holanda, Noruega, e

Suécia, onde realizaram uma reconstrução econômica e de certas indústrias para realizar um

prejuízo menor para o meio ambiente.

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Depois desta introdução aos discursos ambientalistas diferentes, ainda é

difícil hoje em dia ignorar a presença muito forte da sustentabilidade,

principalmente do desenvolvimento sustentável, na vida cotidiana em países como

o Brasil e os EUA, entre outros. Isso talvez seja pela incorporação desse discurso

pelo setor empresarial. Junto aos discursos sobre conservação e “verde”, o

desenvolvimento sustentável é usado de maneira frívola em campanhas de

marketing e relações públicas. Isso pode ser interpretado como um exemplo da

colonização do mundo da vida. Segundo Habermas, com a expansão do mercado,

os discursos correm o risco de ser manipulados por instituições onde os processos

discursivos que legitimam esses conceitos são ausentes. Hoje se vê os efeitos de

interesses particulares, dinheiro, votos e agendas políticas nos discursos

ambientalistas. O resultado é a limitação dos processos discursivos e a falta de

legitimação das questões e debates voltados ao meio ambiente.

1.3. A ecopolítica

Uma análise dos discursos ambientalistas ilustra que o meio ambiente é um

conceito amplo e objeto de uma variedade de perspectivas e interpretações. Isso

pode apontar para caminhos em resposta a crises ambientais e às suas causas, mas

para entender melhor a formação dessas perspectivas é importante aprofundar-se

na questão da legitimidade. Uma análise puramente discursiva não

necessariamente explica a maneira que o grande movimento no âmbito político

relacionado às questões do meio ambiente espalhou-se pelo mundo, e nem as

mudanças ao longo desse processo. Também, não faz a conexão entre a formação

de acordos comuns, através do debate pluralista, e a legitimidade desses, cuja

manutenção, pressuposto na teoria de ação comunicativa, é necessária. Como um

movimento social, a arena política é fundamental para esse processo e para a

criação de consenso.

Antes de ganhar espaço no âmbito político, os movimentos ambientalistas

particulares de preservação e de conservação trabalharam para criar uma

conscientização a nível local em resposta à expansão industrial em locais

específicos. Com a transformação política durante os anos sessenta, o movimento

ecologista surgiu no contexto maior de contracultura em vários países. Junto aos

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movimentos de paz, de direitos civis, de mulheres, antinuclear, e outros, a questão

ambiental se transformou numa plataforma política de grande alcance nacional e

internacional. A partir daí, nasceu uma nova base para a ação política, abrindo o

debate político para novos atores e levando novas questões em pauta. O canadense

Philippe Le Prestre (2000) discute esse fenômeno usando o termo ecopolítica que

refere às relações políticas no âmbito da proteção de recursos naturais e o meio

ambiente. (LE PRESTRE, 2000, p. 19 nota roda pé).

A ecopolítica teve sua origem junto aos movimentos ambientalistas em

contextos nacionais específicos, mas sem dúvida cresceu e amadureceu ainda mais

no âmbito internacional. Mais significativo, pelas ramificações globais que

resultam da crise ecológica e da degradação ambiental, a proteção do meio

ambiente contra certas atividades econômicas e sociais é ligada diretamente às

relações políticas e diplomáticas internacionais. Segundo essa conexão, a

formação e a aplicação de políticas ambientais ao nível nacional são intimamente

ligadas à política internacional. Le Prestre (2000) explora isso no livro Ecopolítica

Internacional referindo-se às “dimensões de identificação e resolução das

questões ambientais” e “às tentativas dos atores internacionais de impor sua

definição de segurança em face da natureza e da qualidade de vida das

populações...” (LE PRESTRE, 2000, p. 19). Depois de analisar as características

da ecopolítica abaixo, e segundo a gama de perspectivas e diferentes discursos

ambientalistas apresentados acima, fica evidente que a ação política relacionada às

questões do meio ambiente reflete o modelo político democrático e pluralista,

representando uma nova forma de participação política a nível global.

Dentro da política democrática de negociação de interesses, a ecopolítica

constrói o meio ambiente de acordo com os valores, demandas e opiniões que

estão em jogo. A crise ambiental e questões ecológicas muitas vezes são chamadas

à atenção por cientistas, os quais possuem um papel muito importante para a

discussão e definição de preocupações ambientais. Mesmo assim, por exemplo, na

discussão de crises ecológicas a nível local ou regional, ou de mudanças

climáticas a nível global, esses cientistas não necessariamente são valorizados ou

legitimados na criação e implementação de soluções. Isso quer dizer que na

política pluralista os problemas ambientais não existem sem o impacto que

produzem na sociedade e em certos atores. Também que os valores sociais e

morais são maiores que os dados científicos. A definição das preocupações

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ambientais é relativa e depende do lugar e dos vários fatores históricos,

demográficos, culturais, ou econômicos entre outros. Neste sentido a nível

internacional, a participação de um Estado, na ecopolítica, vai depender da própria

experiência nacional – não numa conclusão ou estudo científico. Portanto, nas

palavras de Le Prestre, “não existe melhor decisão”, que depende de dados

técnicos e estudos científicos; no mundo de ecopolítica internacional, de acordo

com a ênfase procedimental da teoria de ação comunicativa, “o que existe é uma

direção.” Essa direção é formada através do debate pluralista. (LE PRESTRE,

2000, p. 24-25).

A questão do meio ambiente leva em conta fatores sociais e econômicos na

definição dos problemas ambientais e na escolha de suas soluções. A medida dos

custos e dos benefícios, que acompanham essa definição, revela o papel da justiça

distributiva na ecopolítica. Quando se discute os recursos naturais, quais seriam

utilizados, quem os exploraria, quem se beneficiaria dos lucros, o que produzir

com eles, e como financiá-lo, sempre há um efeito nas desigualdades já existentes

numa sociedade e entre países. Na resolução de problemas ambientais,

desigualdades podem ser preservadas ou até exacerbadas porque a política

pluralista não necessariamente atende à questão distributiva. A nível nacional, isso

é evidente quando a população menos privilegiada, que em muitos casos já sofre

as condições ambientais piores, é afetada negativamente por projetos

caracterizados como soluções. (Um exemplo típico é de populações deslocadas

por projetos considerados de ter benefícios ambientais ou de não prejudicar o

meio ambiente – como a construção de barragens). A nível internacional, as

implicações distributivas também são evidentes: acordos sobre o meio ambiente

deixam alguns países com mais ganhos do que outros, ou não levam em

consideração desigualdades já existentes. Assim, não é necessariamente difícil

achar uma solução que seja geralmente positiva para todos, mas o problema reside

na distribuição dos ganhos. (LE PRESTRE, 2000), (BIERMANN, 2004).

De acordo com Le Prestre, os conflitos subjacentes aos problemas

ambientais são “inevitáveis e normais”. As oposições formadas na identificação e

solução de tais problemas fazem parte do processo político democrático e de

negociação de interesses. “Opõem poluidores e vítimas das poluições, interesses

nacionais e interesses regionais e mundiais, países ricos e países pobres.” Na

implementação de políticas ambientais e na institucionalização da ecopolítica o

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conflito de jurisdição surge entre governos e entidades administrativas com

interesses e trabalhos diferentes. A nível nacional e internacional, organizações

internacionais, ONGs e Estados, entram em conflito. Quando os resultados de

soluções implementadas não aparecem ou são difíceis de medir, esses conflitos se

tornam ainda mais inevitáveis. Assim, está sempre implicada na ecopolítica, tanto

no nível nacional quanto internacional, a questão de como administrar os conflitos

(LE PRESTRE, 2000, p. 28).

Outra característica da ecopolítica chama a atenção para o papel do Estado

em relação à sociedade. Na ecopolítica, as relações de poder e de política são

reestruturados no âmbito nacional e no internacional. Desde os anos 70, para

países em desenvolvimento, a questão ambiental virou central na articulação das

políticas de desenvolvimento tomando a forma de denuncias das atividades com

maior impacto ecológico. No palco internacional isso transformou a discussão

política de uma forma marcante. A ecopolítica se consolidou no final das décadas

de oitenta e durante os noventa, a nível nacional, como um lugar para a expressão

dos conflitos entre o Estado e a sociedade e um meio para impor políticas de

justiça ou de humanitarismo. Isso também foi expresso na política internacional

onde os conflitos voltados para as questões ambientais que existem entre Estados

no sistema das Nações Unidas foram alteradas para irem além de denúncias e

incluir soluções relacionadas à justiça distributiva e o desenvolvimento

econômico. (LE PRESTRE, 2000).

É importante mencionar que, dentro desse processo político, existe a

possibilidade que a ecopolítica trará efeitos perversos, surpresas ou negativas,

entre as contradições e as relações inversas – uma característica de qualquer forma

de ação política. As incertezas, a falta de conhecimento ou experiência, e a

manipulação dos problemas ambientais, ameaças, crises, por partes e interesses

particulares são elementos para serem sempre enfrentados. A ecopolítica conhece

bem as controvérsias das implicações científicas, políticas, financeiras,

econômicas e sociais abundantes. Considerando isso, Le Preste indica que “toda

política ambientalista deve fornecer os meios de gestão dos múltiplos dilemas e de

proteção contra os efeitos perversos inevitáveis e imprevisíveis.” (LE PRESTRE,

2000, p. 32).

No sistema internacional das Nações Unidas, o consenso é um princípio

importantíssimo para a negociação. É muito evidente no palco internacional que o

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consenso na definição de um problema, e assim a sua solução, é mais importante

que uma política ideal. Na escala mundial, o consenso é o único jeito para realizar

administração bem-sucedida e mudanças nas políticas e práticas da comunidade

internacional. O papel de conhecimento científico é central nas questões

ambientais, mas pode facilitar ou complicar o consenso. A ciência não pode ditar

as escolhas dos responsáveis por decisões, e não necessariamente serve para

esclarecer ou diminuir as dúvidas, mas na prática pode servir para adiar uma

decisão sobre uma questão que já está sendo discutida. As pesquisas cientificas

sobre o aquecimento global é um bom exemplo, no sentido de que por décadas

não havia um consenso internacional sobre esse problema e que a sua discussão

refletiu outros conflitos entre interesses no âmbito político. (LE PRESTRE, 2000).

Uma resolução para o conflito entre a proteção do meio ambiente e o

desenvolvimento econômico seria um equilíbrio que leve em consideração o

crescimento econômico, a conservação de recursos naturais e a democracia. Num

sistema político democrático pluralista, devem ser consideradas as pessoas que

são prejudicadas seja por políticas de conservação, ou de não conservação, dos

recursos naturais. A conexão entre as pessoas e a natureza exige que o meio

ambiente não seja dissociado de objetivos econômicos, sociológicos ou políticos.

Essa característica põe em questão as próprias relações entre pessoas e chama para

uma forma de contrato social que inclui a natureza como componente

fundamental. A ecopolítica tem potencial para colocar no centro da ação política

um acordo entre os humanos e a natureza. O antropocentrismo da sociedade

moderna industrial é considerado a causa da crise ecológica, mas o anti-

humanismo do ecologismo radical não é a resposta dentro de um sistema

pluralista. O objetivo é achar um equilíbrio que compreenda que os interesses dos

humanos e da natureza são mútuos. (LE PRESTRE, 2000).

Roberto Guimarães é um analista que no Brasil comenta a ação política

baseada em questões relacionadas ao meio ambiente. No livro The Ecopolitics of

Development in the Third World (1991), ele também destaca uma nova relação

entre as pessoas e o meio ambiente e a importância desta relação na vida

cotidiana. Guimarães escreve,

“Ecopolitical analysis should generate a more comprehensive

understanding about the relationships between people, and between

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people and nature. This is crucial for advancing knowledge about

political systems, and important, too, for generating inputs into policy

decisions that affect the daily life of everyone. The time for endless

emotional discussions about ecological disaster is over. The

environmental awareness of the 1970s has somehow managed to enter

our lives. The proliferation of physical fitness programs and the

presence of health-food stores and restaurants are but the most visible,

perhaps the most superficial, indications of new types of concerns.

Changing life-styles, changing positions in the social structure, as well

as changing issues in the relations between nations, are subtler,

structural signs of humankind's struggle to come to terms with nature.”

(GUIMARÃES 1991, p. 16).

As mudanças na vida cotidiana, que estão cada vez mais visíveis e

significativas, indicam mudanças maiores na forma que a política é feita, nas

relações entre pessoas e na maneira que se vê e se entende a natureza – a própria

estrutura da sociedade está em transformação. A presença na vida cotidiana das

preocupações ambientais pode ser um indicador da formação legitima desses

valores e opiniões na base da sociedade. É evidente que a política não apenas

apropriou uma nova área de atuação, mas que as próprias visões e determinantes

dessa política se transformaram e as relações sociais detrás da atividade política se

repensaram em relação à ecologia.

1.4. A sociedade civil internacional

O caráter amplo da questão do meio ambiente não é apenas o resultado do

seu alcance global, mas é relacionado ao contexto de grandes mudanças na

política internacional que ocorreram durante o crescimento da ecopolítica nas

últimas décadas. A transformação geral da política global, depois da queda da

União Soviética, criou novos espaços na arena de diplomacia internacional e nas

Nações Unidas. Também, a abertura política e econômica na América Latina e no

Leste Europeu, durante os anos 80 e 90, mudou a paisagem política a nível local e

regional para muitos países agora dispostos a sistemas democráticos capitalistas.

Como discutido acima, a questão do meio ambiente faz parte da criação de

novas relações sociais, inclusive, desde a perspectiva sociopolítica, a relação do

Estado com a sociedade. No contexto das transformações políticas e o

fortalecimento da ecopolítica, a sociedade civil assume uma nova forma como

parte da articulação das demanda do movimento ambientalista. Na construção de

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uma sociedade civil que olha para além das fronteiras nacionais, o movimento

ambientalista se expandiu e se desenvolveu. Uma análise do seu papel e

construção é essencial para entender o movimento ambientalista internacional.

Sérgio Costa (2002) destaca o despertar do conceito de sociedade civil em

resposta aos regimes autoritários e totalitários da América Latina e o Leste

Europeu a partir dos anos 70. Depois da abertura política nesses países, novas

alianças e organizações transnacionais se formaram e novos atores floresceram

com base na sociedade e na associação cívica. Costa também chama a atenção

para a ênfase nova em sociedades liberais democráticas no mesmo momento em

que a organização na sociedade civil representou uma alternativa às estruturas

políticas existentes – como o Estado capitalista, de bem estar social,

neoconservador, ou liberal. Assim, a sociedade civil criou novas redes de atuação

e de apoio que facilitaram a divulgação e desenvolvimento de grandes questões

políticas e sociais8. Com essa nova agitação cívica, o ambientalismo ganhou

espaço para se articular e se ligar com outras áreas de atuação política. Abriu o

campo para maior desenvolvimento do movimento ambientalista em contextos

locais e no âmbito de política internacional.

Para Michael Walzer (1995) o conceito da sociedade civil como um lugar

de associação humana sem coerção, como as redes de sindicatos, religiosas, de

partidos políticos, de cooperativas, de associações de vizinhos e escolares, entre

outros, é a melhor resposta para os problemas e conflitos que se encontra na teoria

política e na procura para o melhor modo de organizar as sociedades. Isso não

quer dizer que o argumento da sociedade civil seja uma alternativa que substituiria

as ideologias de democracia, socialismo, capitalismo, ou nacionalismo, mas é uma

parte fundamental da organização social e ajuda a entender a pluralidade das

sociedades e a corrigir a homogeneidade das ideologias políticas. O argumento de

Walzer é apenas uma forma de enfatizar a sociedade civil como um elemento

indispensável de sociedades democráticas e que funciona para equilibrar a relação

do Estado com a sociedade. O Estado, tanto quanto os cidadãos, enquadram a

sociedade civil e ocupam o espaço dentro dela.

8 Para mais sobre a análise de movimentos sociais usando o conceito de redes ver Scherrer-

Warren (1993), Gohn (2007) e Castells (2007).

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É evidente no crescimento da ecopolítica a partir dos anos 70 que o

movimento ambientalista conquistou muito espaço na política com esse despertar

da sociedade civil. A difusão dos conceitos e dos valores do ambientalismo para

diversos setores da sociedade é uma indicação disso, porém um exemplo mais

empírico é a explosão da quantidade de ONGs que começaram a trabalhar com

essa questão. As ONGs se aparecem na sociedade civil, muitas vezes em paralelo

ou em parceria com órgãos do Estado. As ONGs ambientalistas também ilustram

uma nova atuação política e social que transcende as fronteiras nacionais e que

liga o local, regional e o global – um elemento fundamental da nova visão do

mundo que tem o ambientalismo no seu centro (CONCA, 1995).

O papel das ONGs na política internacional é geralmente considerado de

grande importância não apenas para acadêmicos e analistas, mas para os próprios

governos que interagem com elas no âmbito político. O que os governos muitas

vezes não estão de acordo é com respeito à forma de integração das ONGs no

processo político e de cooperação com órgãos como a ONU. Com certeza essas

organizações da sociedade civil influenciam as políticas e práticas, mas o grau de

eficiência do seu papel na resolução dos problemas ambientais não está claro

(VIEIRA, 2001).

O estudo de Liszt Vieira (2001) contribui para o entendimento das

mudanças na política internacional e no movimento ambientalista discutidas

acima. É uma investigação detalhada sobre o efeito dos processos da globalização

que chama a atenção para a reorientação do papel do Estado junto aos interesses

capitalistas no contexto de desterritorialização de instituições tradicionalmente

constrangidas por fronteiras nacionais. A sociedade civil também se soltou para

crescer no nível global e formar uma rede de interesses públicos, representando a

democracia e a diversidade voltada para questões dos direitos humanos, de

segurança e o meio ambiente. Para Vieira, é necessário pensar numa sociedade

civil global para entender o processo de globalização que está transformando as

relações econômicas, políticas, e sociais. Vieira diz:

“O conceito contemporâneo de sociedade civil global tornou-se um

elemento importante na ressignificação das relações internacionais, que

não podem mais ser explicadas apenas em termos de relações entre

Estados e mercados. Ele sugere múltiplos caminhos que se entrecruzam no

espaço global, numa perspectiva que atribui aos atores um grau de agência

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que uma visão estadocêntrica não poderia admitir.” (VIEIRA, 2001, p. 29-

30).

Isso segue o argumento de Walzer de que a sociedade civil global é um

espaço plural, diverso, e muitas vezes tão influente e legítimo, se não mais, do que

quanto o próprio Estado em certas questões ou relacionado a certas agendas. A

ecopolítica e o espaço conquistado pelo movimento ambientalista, no âmbito

internacional, são características deste fenômeno.

Na sua investigação, Vieira também argumenta que a própria ideia da

cidadania está em transformação. É importante entrar nesse elemento das

mudanças sociais relacionadas à sociedade civil, que aqui é o foco, mas não está

no escopo desse trabalho descrever os conceitos tradicionais da cidadania9.

Mesmo assim, se tem que considerar que a cidadania e a sociedade civil são

noções separadas, mas dependentes. A sociedade civil é formada por grupos que

visam influenciar a política. A cidadania é ligada a um nível de status dentro do

sistema de direito. Quando a sociedade é forte funciona para fortalecer a

cidadania, mas quando é fraca é mais fácil para o Estado ou o mercado combatê-

la. Também, a sociedade civil existe principalmente dentro da esfera pública, onde

“... associações e organizações se engajam em debates, de forma que a maior parte

das lutas pela cidadania são realizadas em seu âmbito por meio dos interesses dos

grupos sociais...” Vieira também destaca a diferença entre a cidadania e a

sociedade civil pela relação com o Estado. O autor diz que “... não possa constituir

o locus dos direito de cidadania (na noção de Marshal), por não se tratar da esfera

estatal, que assegura proteção oficial mediante sanções legais.” (VIEIRA, 2001, p.

37).

Junto às transformações no âmbito político, o movimento ambientalista e

os conceitos ligados ao ambientalismo criaram novas categorias jurídicas e uma

nova perspectiva sobre os direitos e a cidadania. Com o fortalecimento do

movimento ambientalista na política internacional os direitos da quarta geração

surgiram para considerar o direito de gerações futuras de ter uma vida boa, digna e

próspera. Esse conceito exige um cuidado maior sobre o planeta e o meio

9 Para uma introdução aos conceitos tradicionais da cidadania ver Vieira (2001) e para um estudo

do desenvolvimento dos direitos que formam a cidadania ver Bobbio (1992). Para uma teoria

que usa uma tipologia de cidadania ver Turner (1992).

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ambiente no presente e traz novas formas de exercício de cidadania. A

responsabilidade de cuidar do meio ambiente virou uma questão de direito e

assim, a forma que os indivíduos atuam, seja na forma de reciclagem, preservação

de recursos como água ou de conscientização própria, se torna uma forma de

participação cívica (BOBBIO, 1992).

1.5. O espaço público

Nesta seção haverá uma breve discussão sobre espaço social, destacando a

esfera pública nos processos discursivos que formam a racionalização

comunicativa, antes de aplicá-la ao desenvolvimento do movimento ambientalista.

Para trazer a noção de sociedade civil e a ação política empreendida no

movimento ambientalista para o estudo sociológico, é fundamental entender a

esfera pública como lugar de formação e ação de atores políticos. Vieira (2001)

faz isso na sua apresentação de três modelos políticos de espaço público para

basear a sua discussão sobre as funções e características da sociedade civil. O

primeiro é o modelo na tradição republicana, que entende o debate público em

linhas definidas por relações de poder e com ênfase no conjunto social. O segundo

é na tradição liberal, que pensa no espaço público em termos do mercado onde a

competição determina o debate. O terceiro modelo é de um espaço público

discursivo, destacado na teoria de Habermas, onde através da linguagem e da

deliberação as partes se comunicam e é isso que determina o debate. (VIEIRA,

2001).

Duas décadas depois da sua primeira obra principal, The Structural

Transformation of the Public Sphere (publicado primeiro em 1962), a Teoria da

ação comunicativa (publicado primeiro em 1981) ressalta muitos elementos

fundamentais. Antes de estabelecer a teoria que destaca o modelo de espaço

público discursivo, Habermas (2003b) fez um estudo sobre a esfera pública

burguesa que desenvolveu na Europa durante o século XVIII com o crescimento

da burguesia, da econômica liberal, e da política democrática. Nesse livro,

Habermas ilustrou o declínio da esfera pública burguesa, ao longo do século XX,

com mudanças nas relações do Estado e a sociedade, o surgimento da sociedade

de massa e a formação do estado de bem-estar social.

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A esfera pública burguesa foi um lugar onde esse grupo urbano em

ascensão, formado por pessoas com uma igualdade de condições, podia debater e

atuar de forma coletiva. O estabelecimento desse espaço contribuiu para a

alteração da economia e facilitou o enfrentamento dos poderes políticos

tradicionais. De forma geral, ajudou a criar um espaço dentro da sociedade onde

indivíduos participaram em processos e discussões que pertenceram à vida pública

de uma forma igualada. Habermas, então, chama a atenção para a transformação

desse espaço e as mudanças nas relações entre as outras esferas da sociedade. Ele

observa que as esferas do Estado, do mercado, do privado, e do público, não

tinham as mesmas demarcações claras que antes. Essa observação influenciou

conceitos tradicionais da esfera pública e abriu a porta para discussões sobre a

esfera pública como um espaço social livre e inclusivo para discussão e

participação num plano igualitário10

(HONNETH & JOAS, 1991).

No trabalho original de Habermas, o conceito da esfera pública aludiu a

um ideal de democracia plural e burguesa. Esse idealismo induziu a uma

discussão crítica e um debate que produziu uma quantidade grande de literatura

representando várias perspectivas. Cohen e Arato (1992) partem do conceito da

sociedade civil no qual Habermas trabalha, mas se preocupam com a validade

desse modelo hoje em dia e procuram analisar uma esfera pública pós-burguesa.

Eles concluem que com a integração complexa do Estado, o mercado e a mídia,

no mundo da vida, nos processos de produção cultural e de cultural política, a

esfera pública funciona para democratizar as instituições e a política em geral. Os

autores fazem uma análise profunda da política democrática contemporânea,

chamando por uma reconstrução da sociedade civil, mas mantém a base

conceitual nas ideias apresentadas por Habermas. Mais do que uma crítica, como

no caso de Fraser, eles oferecem uma extensão analítica da obra de Habermas que

chama para mais racionalização do mundo da vida através da expansão e

fortalecimento da esfera pública.

10

Uma das críticas mais fortes originou no pensamento feminista. Nancy Fraser (1990) discute os

limites da esfera pública burguesa e chama a atenção para a presença de uma variedade de

esferas públicas que atuam na negociação de interesses particulares e coletivos. Os chamados

subaltern counter publics funcionam na esfera pública para dar voz aos indivíduos e grupos

que geralmente não alcançam espaço dentro das esferas públicas mais dominantes (como a

esfera pública burguesa). Assim, Fraser crítica o conceito de Habermas enquanto parte desse

mesmo para formular sua teoria.

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Em resposta a essas críticas e discussões, Habermas (2003a) reformula seu

modelo de política discursiva e ação baseada no debate e o consenso para resolver

os pontos de conflito, mas sempre reitera a importância do conceito em si. Em um

texto mais recente sobre esse tema, Direito e Democracia, o autor define a esfera

pública como um fenômeno social básico. Não é uma instituição, nem uma

organização ou uma estrutura normativa; não regula, mas é um sistema que

mesmo que tenha limites internos, é aberto ao exterior. Nas palavras dele, “... a

esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de

conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela, os fluxos comunicacionais são

filtradas e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas...”

(HABERMAS, 2003a, p. 92). Assim, de acordo com sua teoria da ação

comunicativa, essas opiniões fazem parte do mundo da vida e são legitimadas.

Embora o trabalho contínuo de Habermas seja aberto e flexível para dialogar com

a crítica, está sempre fundado na sua teoria da ação comunicativa.

A definição reformulada do conceito da esfera pública é utilizada por

Habermas na sua discussão contínua da democracia pluralista na teoria social para

tentar examinar a base de legitimação de poder na comunicação e a formação de

políticas legítimas ou ilegítimas. Habermas (2003a) aborda a discussão deste

conceito usando duas teorias. A primeira sendo uma teoria econômica de

democracia que destaca a política deliberativa como um conceito procedimental, e

a segunda (que Habermas critica) sendo de um sistema de regulação onde a

sociedade tem a capacidade de auto-organização. Na segunda, há uma

inadequação em relação ao modelo de política deliberativa de Habermas porque o

Estado tem um papel importante de garantir a integração das entidades

organizadas na esfera pública. Na primeira, a “política racional da vontade” não

deve ser procurada “apenas no nível individual das motivações e decisões de

atores isolados, mas também no nível social dos processos institucionalizados de

formação de opinião e de deliberação.” (HABERMAS, 2003a, p. 72).

Para Habermas, o Estado é um pré-requisito para a regulação social

através da administração da lei. Essa ênfase na institucionalização parte da ideia

que uma sociedade totalmente descentrada não pode manter a unidade. Assim, um

sistema de auto-organização não tem a capacidade de estabelecer um lugar de

reprodução da sociedade “em sua totalidade” (HABERMAS, 2003a, p. 75). Aqui,

de acordo com o modelo discursivo, a linguagem e o mundo da vida possuem a

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capacidade de encaixar a sociedade como um todo. Chamando para um Estado

mediador, Habermas não aponta para um sistema fechado com uma sociedade

paternalista que desconsidera o poder comunicativo que possuem os cidadãos e a

sociedade civil. Em vez de ver o Estado como regulador ineficiente pesado com

uma sobrecarga, o Estado pode funcionar abertamente para solucionar problemas

de regulação e do poder comunicativo. É com essa visão sociopolítica que

Habermas discute o conceito da esfera pública e da sociedade civil. Habermas

entra em detalhes dizendo que,

“... a esfera pública é um sistema de alarme dotado de sensores não

especializados, porém, sensíveis no âmbito de toda a sociedade. Na

perspectiva de uma teoria da democracia, a esfera pública tem que reforçar

a pressão exercida pelos problemas, ou seja, ela não pode limitar-se a

percebê-los e a identificá-los, devendo, além disso, tematizá-los,

problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto de

ser assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar.” (HABERMAS,

2003a, p. 91).

A aplicação da teoria da ação comunicativa dentro de um conceito de

democracia pluralista, no qual a esfera pública influencia o Estado de direito, traz

a socialização baseada na comunicação a um nível de poder comunicativo. Isso

acontece através da formação de opiniões focalizadas que podem ser

transformadas numa opinião pública de qualidade. Para Habermas, essa influência

é possível somente quando as opiniões entram nas “convicções de membros

autorizados” e assim causam resultados concretos nas ações de eleitores,

funcionários e parlamentares, entre outros. São “processos institucionalizados”

que determinam a transformação da opinião pública em poder político, portanto

também estabelecem e permitem a medida da legitimidade da influência dessas

opiniões (HABERMAS, 2003a, p. 94-95).

Segundo esse modelo, a formação da opinião pública é resultado da ação

comunicativa de diversos atores na esfera pública. O argumento da sociedade civil

de Walzer (1995) explica a composição desses atores e reforça a importância do

modelo discursivo para a esfera pública. Na discussão do conceito da sociedade

civil, Habermas também responde à crítica e o debate relacionado às suas

formulações anteriores. Ele concede que a sociedade civil hoje em dia não é a

sociedade civil no sentido liberal, formado pela classe burguesa, nem no conceito

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marxista original onde a sociedade civil se constitui no espaço que o Estado não

está presente. Nas palavras de Habermas,

“O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações

livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de

comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da

vida. A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e

associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam

nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a

esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de

associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar

problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro de

esferas públicas.” (HABERMAS, 2003a, p. 99).

Habermas chama a atenção para atores e fenômenos novos em sociedades

democráticas hoje, como a mídia e os meios de comunicação em massa, que tem

um papel importantíssimo na deliberação discursiva e na produção e reprodução

do mundo da vida. É claro que não estamos, e nunca estivemos, no tipo ideal da

esfera pública burguesa, mas esse conceito mantém seu valor heurístico. Ainda é

possível aplicá-lo para analisar a função de política democrática, e também é

aplicável no contexto das mudanças no campo político no nível internacional e a

reflexão da função da esfera pública no âmbito internacional. A construção de uma

esfera pública global é indispensável para a ação política relacionada a questões

do meio ambiente, e mantém sua base no modelo discursivo de Habermas.

1.6. A esfera pública internacional

Muita crítica do modelo original da esfera pública burguesa nasce na visão

idealista que a apresenta como um espaço aberto, neutro e pluralista. No seu

estudo inicial da transformação desse espaço social, Habermas não enfrentou o

fato que esse ideal nunca foi realizado. Contudo, em resposta à crítica, ele

simultaneamente reconhece os limites desse modelo e defende a sua essência. No

texto sobre a esfera pública hoje em dia, Manuel Castells (2008) destaca que o

conceito da esfera pública atual é muito diferente do tipo ideal burguês, mas

afirma a importância desse modelo ideal pelo seu valor analítico. Castells usa o

conceito da esfera pública habermaseana para analisar o debate público em

sistemas democráticos. A esfera pública nas palavras de Castells “is the

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cultural/informational repository of the ideas and projects that feed public debate.”

É onde são facilitadas a atuação, o debate e a influência da sociedade civil no

sistema político de representação baseada no equilíbrio entre o Estado, a

sociedade civil, e os cidadãos (CASTELLS, 2008, p. 79).

Embora a evidência histórica seja contra a noção da esfera pública como

um lugar neutro e aberto para a construção de significados, ainda se pode destacar

o papel importante desse espaço na construção das políticas nas quais uma

sociedade opera. Neste são formadas, deformadas e reformadas as representações

e opiniões de uma sociedade nas quais, na teoria de ação comunicativa, formam o

mundo da vida. Castells chama a atenção para duas formas sociopolíticas que

esses processos estão construídos em cima do tecido cultural dentro do mundo da

vida. A primeira é unilateralmente por instituições políticas numa expressão de

dominação e a segunda, por outro lado, por indivíduos grupos e associações da

sociedade civil, e pelo Estado, na esfera pública. Na primeira forma os indivíduos

não fazem parte das instituições e por isso a comunicação não acontece entre os

atores e a falta de legitimidade no sistema representativo resulta numa crise de

autoridade. Na segunda forma, de cooperação entre setores variados da sociedade,

a estrutura e dinâmica do sistema político e dos processos políticos são definidas e

facilitam a política democrática legítima (no sentido habermaseana). A

democracia é fundada na relação do Estado e a sociedade civil e quando a

sociedade não tem voz dentro da esfera pública o Estado como resultado não

funciona para servir a sociedade (CASTELLS, 2008).

Vieira, junto com Castells, chama a atenção para a crise na esfera pública

nacional dentro do contexto dos novos processos de globalização e o efeito desta

na função e no papel do Estado. Eles enfatizam três elementos desse novo

contexto: primeiro apontam para a importância da sociedade civil global, e a

formação de uma esfera pública internacional; segundo afirmam a existência da

sociedade civil global, nesse novo contexto, junto às formas de governança global

como a ONU e entidades regionais como nas Américas, na África e na Europa;

finalmente destacam que no espaço político e institucional onde o poder soberano

não aplica a esfera pública internacional é formada pelas relações entre Estados e

atores não estatais.

Aqui, é possível inferir que o mesmo processo de formação de valores,

opiniões e consenso através da racionalização comunicativa, que acontece a nível

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nacional, aplica para o âmbito internacional, mas, a este nível, as formas e a

construção da esfera pública são menos claras. A reativação da esfera pública

garante a prática de cidadania e a função do sistema democrático baseado na

representação dentro do novo contexto de política internacional. Nas palavras de

Castells, a crise na esfera pública nacional torna a esfera pública internacional

muito relevante. Ele diz que “without a flourishing international public sphere, the

global sociopolitical order becomes defined by the realpolitik of nation-states that

cling to the illusion of sovereignty despite the realities wrought by globalization.”

(CASTELLS, 2008, p. 80), (VIEIRA, 2001). Essa dinâmica tem implicações para

o movimento ambientalista e para a ecopolítica voltada às questões como a crise

ecológica e à procura por sustentabilidade e soluções para os problemas

ambientais.

Uma questão atual que o mundo vivencia é que os processos econômicos,

políticos e sociais estão com um alcance muito além das fronteiras e barreiras

nacionais. “Not everything or everyone is globalized, but the global networks that

structure the planet affect everyone.” (CASTELLS, 2008, p. 81). A década de

setenta foi uma época importante para essa transformação estrutural em relação a

muitas questões, inclusive a questão ambiental. Com a UNCHE em Estocolmo, a

primeira reunião desse tipo na comunidade internacional, a questão do meio

ambiente se tornou central junto às questões tradicionais da comunidade

internacional como a segurança e os direitos humanos. Junto a essas questões, e

talvez de forma maior, o meio ambiente é uma questão que é relevante para o

mundo inteiro. Olhando pela lente dos processos globalizados, o meio ambiente

torna o mundo menor do que nunca. A política e as chamadas para soluções

voltadas a essa questão revelam os limites de fronteiras nacionais.

A sociedade civil global é um termo que junta formas de organização

variadas (que podem ser contraditórias e competitivas) e sua ascensão é, em parte,

devido ao papel diminuído do Estado soberano e o fortalecimento de um regime

internacional. Uma análise do movimento ambientalista a nível internacional

reflete a incapacidade do Estado de lidar com uma questão de alcance global, e

destaca a atuação da sociedade civil global e o surgimento da esfera pública global

nos debates e nos processos democráticos (VIEIRA, 2001). Neste sentido, se

destaca as conferências da ONU sobre o meio ambiente como lugares de

estabelecimento de maior espaço público a nível internacional e como momentos

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discursivos para a articulação de diversos interesses e a racionalização

comunicativa. A análise da UNCHE e a UNCED revela mudanças ao longo dos

vinte anos que as separaram e indicam a ascensão e o caráter do movimento

ambientalista, além de refletir sobre o debate sobre o meio ambiente.

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2 O movimento ambientalista em suas arenas discursivas

A discussão sobre o papel da sociedade civil global é fundamental num

estudo sobre o movimento ambientalista. No entanto, trata-se de um desafio, visto

que essa tarefa nos leva à águas não muito navegadas. Não existem as mesmas

referências e relações claras entre sociedade e Estado nas quais os conceitos

tradicionais da sociedade civil foram construídos. Como apresentado no capítulo

anterior, e como destacam Vieira (2001) e Habermas (2003a), a sociedade civil

funciona hoje em dia num campo independente que ultrapassa e transforma o

Estado e o mercado. No âmbito internacional, a sociedade civil menos transcende

as definições e demarcações das fronteiras nacionais. Até bem pouco tempo havia

o Estado, como entidade estruturante, e a sociedade, como coletivo de indivíduos

ou de instituições. Agora, no âmbito internacional e nacional, existe a sociedade

civil independente dos Estados, na forma de uma grande rede de associações,

organizações e movimentos, cujos membros se aproveitam de uma variedade de

eventos, fóruns, congressos, e outras arenas discursivas para atuarem.

As Nações Unidas constituem um sistema político internacional, onde a

sociedade civil global atua, estabelecendo um espaço público para o debate e a

negociação, bem como para a formação de consensos e acordos comuns. Além

das reuniões e conferências oficiais sobre temas específicos, a Carta das Nações

Unidas criou um mecanismo para garantir a participação de entidades não estatais.

O ECOSOC (o Conselho Econômico e Social) é um importante órgão que

viabiliza a participação direta de representantes não estatais nos processos e

decisões políticos da ONU. O papel do Estado continua destacado no sistema da

ONU, mas, mesmo assim, os debates entre Estados (como no conselho de

segurança), e com entidades não estatais (como a sociedade civil global no

ECOSOC) facilitam a criação do consenso e, portanto, a formação legitima de

opiniões a serem traduzidas na forma de políticas e normas internacionais. No

âmbito das questões ambientais, pelo caráter e história própria do movimento

ambientalista, a sociedade civil internacional criou muitos espaços para se

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articular e participar nos processos discursivos da ONU. Comparado a outras

questões centrais debatidas na ONU, como os direitos humanos ou a segurança, o

meio ambiente conseguiu atravessar uma gama de temas da política internacional,

ganhando na década de setenta uma atenção que vem crescendo

exponencialmente.

A questão do meio ambiente não entrou subitamente no debate da ONU.

Antes dos anos 70, esteve presente em debates sobre questões mais tradicionais,

como a segurança alimentar ou a proliferação nuclear. A partir de 1972, no

entanto, entraram em discussão as relações entre seres humanos e meio ambiente,

e possíveis consequências das mesmas, as quais se tornaram uma questão básica

nos debates e para a formação política (GALIZZI, 2005). Nesse ano foi realizado

a UNCHE (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano),

evento no qual o meio ambiente foi apresentado como um assunto que deveria ser

discutido de maneira independente, em razão de importância que lhe foi atribuído

na época. Esse debate ao nível internacional marcou novas prioridades, mas em

1972 o foco permaneceu na poluição industrial e na preservação. Neste momento,

ainda não foi percebido como uma questão global de importância para o mundo

inteiro.

A conferência foi um evento muito importante para o movimento

ambientalista, a ecopolítica e a sociedade civil, por seu tamanho, alcance e

formato. A conferência estabeleceu um espaço público aberto à articulação de

elementos da sociedade civil e de Estados, fortalecendo desse modo o próprio o

movimento ambientalista no sistema internacional. A UNCHE foi um momento

discursivo onde a negociação e a formação de opiniões num sistema plural de

deliberação discursiva consagraram o movimento ambientalista e um conjunto de

conceitos e valores relacionados. Vinte anos depois, em 1992, foi realizada a

UNCED (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento), marcando um segundo momento discursivo importante, na

qual a legitimidade do movimento ambientalista e os debates e políticas efetuados

em 1972 foram rediscutidos e consolidados.

Antes de entrar em detalhes sobre os processos de preparação das

conferências, críticas e resultados, é essencial entender porquê e como esses

eventos surgiram. Examinar as origens das conferências contextualizará sua

realização, contribuindo para uma análise mais aprofundada do papel da sociedade

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civil nos processos discursivos e nas transformações do movimento ambientalista

contidas.

2.1. As origens das conferências ambientalistas

A Resolução 2398 (1968) da Assembleia Geral das Nações Unidas

estabeleceu a fundação administrativa e conceitual para a UNCHE, que

aconteceria em 1972. Na ocasião, foi proclamado que os seres humanos deveriam

estar no centro dos problemas ambientais e, a partir disso, as atividades humanas

tornaram-se centrais para o entendimento da crise ecológica. A postura oficial da

ONU destacou três pontos: a) que a ameaça ao meio ambiente era uma criação

humana, b) que existia a necessidade de remover os obstáculos existentes à

cooperação internacional que impediram a procura por soluções a nível nacional e

internacional, e c) que a conferência tratava de interesses de toda a espécie

humana.

A Resolução começa declarando que “...the relationship between man and

his environment is undergoing profound changes in the wake of modern scientific

and technological developments.” Mais a frente, o documento destaca que “...the

need for intensified action at the national, regional and international level in order

to limit and, where possible, eliminate the impairment of the human environment

and in order to protect and improve the natural surroundings in the interest of

man.” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1968). Esse documento

estabelece claramente, portanto, desde as primeiras linhas, a articulação da

questão do meio ambiente em relação às atividades humanas dentro da ONU.

Antes, a proteção ao meio ambiente fazia parte dos debates na ONU, mas somente

em relação ao sistema econômico internacional e à sua organização. Neste

contexto, a discussão foi limitada às questões de produção e extração de recursos.

Não obstante, a partir dos anos setenta, o debate sobre o meio ambiente saiu dos

limites das questões econômicas tradicionais e, através do debate pluralista dentro

da ONU, ganhou maior alcance (TAVARES, 1999).

Sem dúvida, a UNCHE estabeleceu a direção para o debate sobre o meio

ambiente para as décadas seguintes, chegando aos mais diversos setores da

sociedade em diferentes partes do mundo. A Conferência foi resultado direto da

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atenção internacional crescente aos problemas e aos efeitos cada vez mais

evidentes e graves das crises ecológicas. O campo político se abriu para além da

discussão sobre preservação e conservação, incorporando ao debate questões

sobre a qualidade de vida geral das populações no mundo, como, por exemplo, o

alívio da poluição. Os conceitos e princípios consolidados durante a UNCHE,

através deste novo espaço discursivo para a racionalização comunicativa,

formaram a base para ação política relacionada às questões do meio ambiente e

para a elaboração da agenda ambiental atual.

Uma mudança significativa na direção e foco do movimento ambientalista

é evidente dentro do espaço de discussão constituído durante a UNCHE, mas as

origens dos valores, perspectivas e discursos, associados com isso residiram

apenas principalmente na sociedade civil dos países altamente industrializados.

Embora crises ecológicas tivessem criado situações problemáticas em países com

os mais variados perfis, situados nos hemisférios sul e norte, a atenção da

sociedade civil e da opinião pública às questões ambientais tiveram origem na

Europa Ocidental, Austrália, Japão e Estados Unidos.

Nas décadas dos 60 e 70, no contexto da Guerra Fria, as questões sobre o

meio ambiente, como outros temas políticos ou econômicos, se destacaram sob a

lente do conflito político e ideológico entre o Ocidente e o Oriente. Assim, o

questionamento do modelo de desenvolvimento industrial, que foi central na

articulação do movimento ambientalista durante essa época, foi utilizado como

mais uma arma ideológica. Nos países capitalistas, por exemplo, era fácil explicar

as crises ambientais globais como resultado do modelo socialista de

industrialização. Seguindo essa linha de análise, a prática de chamar a atenção

para as falhas do socialismo soviético revela mais uma fonte possível para o

fortalecimento do movimento ambientalista nos países capitalistas mencionados

acima.

Outro elemento importante na formação do movimento ambientalista e da

opinião pública sobre o tema nesses países, que não por acaso eram os mais

economicamente poderosos, foi o fato que desde o fim da Segunda Guerra

Mundial passaram por vinte anos de crescimento econômico ininterrupto. Como

resultado, a classe média fortalecida havia suprido relativamente as necessidades

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básicas de saúde, habitação, educação e alimentação.1 Assim, foi possível para a

sociedade civil, e a sociedade em geral, formar novas prioridades, destacar novas

ideias na base da sociedade e fundar novos comportamentos e práticas. Em outros

países com uma sociedade civil ativa durante as décadas dos 60 e 70, do Leste

Europeu e América Latina, por exemplo, a preocupação estava voltada às

liberdades básicas e às questões de direitos políticos e civis. Em países como

EUA, Austrália e Japão, os grandes setores da sociedade dotados de meios

políticos e econômicos para considerar os efeitos de ações humanas sobre a

ecologia, tinham a capacidade de olharem-se no espelho, de questionar o que viam

e de adotar medidas para alterar seu modo de vida. Com a ajuda de livros como

Silent Spring (1962) de Rachel Carson, no contexto de transformação cultural

maior da década dos 60, a sociedade civil foi mobilizada. A opinião pública foi

impactada e mudanças nos padrões de produção e consumo entraram em foco

(LAGO, 2006).

No contexto de transformação cultural ampla e da introdução de novas

práticas ambientalmente “consciente” na base da sociedade, a UNCHE marca a

transição do meio ambiente como uma questão predominantemente científica para

uma questão cada vez mais política e econômica. Ao nível internacional, em

países com graus diferentes de desenvolvimento, industrialização e riqueza

(financeira e natural), essa transição foi abordada de acordo com o contexto

interno de cada país. Portanto, na ONU, havia fortes diferenças de opinião,

expectativas e necessidades entre os participantes da conferência. Nesse contexto,

destacou-se o lado político e econômico do debate relacionado à questão do meio

ambiente, e uma grande divisão entre países desenvolvidos e países em

desenvolvimento em torno do conteúdo do debate na UNCHE e das direções a

serem tomadas (BIERMANN, 2004).

Na UNCHE, dois textos científicos influenciaram muito a formação das

opiniões, principalmente dos países desenvolvidos, afetando o desenho da questão

ambiental em linhas econômicas e políticas. The Limits to Growth (1972), do

Clube de Roma, foi escrito por diversos autores e cientistas e representou a visão

pessimista do modelo de desenvolvimento presente. Destacou que a origem da

1 Ronald Inglehart (1990) observou a substituição desses valores materialistas para novos

valores pós-materialistas que enfatizam a qualidade de vida das comunidades e das pessoas.

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crise ecológica encontrava-se em um modelo de desenvolvimento que não

considerava o fato dos recursos naturais serem finitos. Chamou a atenção para a

necessidade de transacionar as tendências de crescimento atual para um modelo

equilibrado a fim de evitar uma crise catastrófica global. Aqui, a questão do

crescimento econômico de países em desenvolvimento, que queriam seguir o

modelo industrial, foi destacada como uma ameaça a ser evitada. Também, o livro

Blueprint for Survival (1972) anunciava uma crise global catastrófica, chamando a

atenção para a necessidade de limitação e controle da população mundial. Esse

último também destacou o crescimento populacional de países em

desenvolvimento. Os dois textos representaram uma grande parte do pensamento e

discurso dos países desenvolvidos expressos antes e durante a UNCHE.

Apresentaram um diagnóstico baseado nas projeções e conclusões de certos

cientistas, negadas pelos representantes de países em desenvolvimento. Por isto, e

por seu caráter alarmante, levantaram diferenças de interesses entre países com

graus diferentes de desenvolvimento gerando, como resultado, ainda mais

discussão política e econômica pouco fundamentada pelos termos científicos

(LAGO, 2006).

A divisão entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento com

respeito às questões ambientais, tanto a nível internacional quanto a nível

nacional, foi estabelecida e destacada na UNCHE. Os países ricos valorizaram

conforto, saúde mental, redução da poluição e qualidade de vida, enquanto os

países que não alcançaram o mesmo nível de desenvolvimento econômico

priorizaram a exploração de recursos para necessidades materialistas básicas de

comida, vestuário e habitação. Um símbolo como uma chaminé enfumaçada

poderia ter, nesse sentido, significados muito diversos em países diferentes.

Embora as perspectivas não fossem iguais, ocorreu na UNCHE, entretanto o fato

histórico de publicação de documentos que apresentavam objetivos

compartilhados por países que a rigor possuíam graus de desenvolvimento muito

diferentes. Uma nova era da política internacional e do movimento ambientalista

nasceu com o acordo firmado para avançar na cooperação internacional e no

tratamento da questão ambiental (UDALL, 1973).

A UNCHE permanece um marco histórico para o movimento

ambientalista, ao nível da política internacional e do espaço público global. Como

um momento discursivo, a conferência faz parte de um processo contínuo de

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realização de um entendimento comum sobre o meio ambiente. Através dos

processos discursivos, os países que não possuíram as condições políticas e

econômicas para disseminar as críticas relacionadas à crise ecológica na opinião

pública, e não desenvolveram um movimento interno forte na sociedade civil,

participaram nos debates e na formação dos acordos. O nível dessa inclusão e a

qualidade do debate determinariam a influência e a legitimidade da nova agenda

ambiental e do movimento ambientalista.

2.2. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE)

A UNCHE, em Junho de 1972, aconteceu em Estocolmo e foi a primeira

grande reunião das Nações Unidas dedicada à questão do meio ambiente,

marcando a articulação da questão do meio ambiente pela comunidade

internacional. Entre os 113 países que estariam presentes na conferência,

representantes dos governos de apenas os seguintes 27 países participaram no

Comitê Preparatório: Argentina, Brasil, Canadá, Chipre, Cingapura, Costa Rica,

EUA, França, Gana, Guiné, Índia, Irã, Itália, Iugoslávia, Jamaica, Japão, Ilhas

Maurício, México, Nigéria, Países Baixos, Reino Unido, República Árabe Unida,

Suécia, Tchecoslováquia, Togo, União Soviética e Zâmbia (LAGO, 2006).

Desde as reuniões preparatórias, foi visível que o caminho para Estocolmo

havia deixado os países em desenvolvimento insatisfeitos. Esses países

apresentavam uma variedade de perspectivas, inclusive a percepção de que as

preocupações sobre o meio ambiente somente pertenciam aos países

industrializados. Através da política multilateral, acharam que os países

desenvolvidos queriam impor legislação ambiental através das normas

internacionais para reprimir ou ameaçar o futuro desenvolvimento da indústria e

dos setores produtivos. O Secretário-Geral da UNCHE, Maurice Strong, foi

sensível às atitudes dos países em desenvolvimento e destacou a importância de

considerá-las para assegurar a legitimidade e o sucesso da conferência. Um passo

grande no processo preparatório foi a Resolução 2657 da XXV Assembléia Geral

(1970), que declarou a necessidade de considerar as políticas ambientais no

contexto de desenvolvimento econômico e social e levar em conta as necessidades

dos países em desenvolvimento. Strong destacou a importância da inclusão desses

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países na discussão preparatória e na realização da conferência, adotando uma

série de medidas para garanti-la (LAGO, 2006).

O Secretário-Geral convocou o Grupo de Peritos sobre Desenvolvimento e

Meio Ambiente, em Junho 1971, no qual foi produzido o Founex Report on

Development and Environment (nomeado pela cidade na Suíça, onde se reuniram

os participantes), voltado diretamente às relações entre o meio ambiente e o

desenvolvimento. O documento expressou as preocupações de países em

desenvolvimento, ressaltando as tensões entre países com graus diferentes de

desenvolvimento. Estabeleceu, ainda, a base para os debates e as políticas a ser

desenvolvidos na UNCHE. Com o apoio de países em desenvolvimento, o

Relatório Founex ilustrou a sua postura, estabelecendo muitos conceitos que

seriam incluídos na Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, um dos três

documentos principais produzidos na UNCHE. Vários princípios chamaram a

atenção para as consequências das novas preocupações ambientais da comunidade

internacional da perspectiva dos países em desenvolvimento como, por exemplo,

a) os efeitos negativos nas exportações dos países em desenvolvimento resultantes

de regulação ambiental, b) a necessidade de monitorar barreiras comerciais

baseadas em preocupações ambientais e c) os altos custos financeiros para

compensar os padrões ambientais elevados. Contudo, o Relatório Founex chamou

a atenção para a potencialidade do ambientalismo para fomentar o

desenvolvimento. Países podiam aproveitar das considerações ambientais para

criar novas indústrias e produtos; portanto, a responsabilidade ambiental não

necessariamente significava um mau negócio para a grande do mundo, podendo

atender a necessidades de desenvolvimento. Esses princípios não apenas

estabeleceram o tom da UNCHE, determinando ainda argumentos da agenda

ambiental que se tornariam clássicos da negociação política internacional para as

próximas décadas (MAURICESTRONG.net, 1971), (LAGO, 2006).

O Relatório Sobre o Estado do Meio Ambiente foi coordenado por Barba

Ward e René Dubos em 1971, durante a terceira sessão do Comitê Preparatório

em Nova York, e foi outro texto fundamental para o processo preparatório da

conferência em Estocolmo. Esse segundo Relatório, que criou preocupação para

alguns países em desenvolvimento pela possibilidade de contrariar os princípios

de Relatório Founex, teve contribuições principalmente de especialistas

identificados com o movimento ambientalista de países desenvolvidos. Assim,

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ecoava no texto o tom alarmante sobre o impacto humano no futuro do planeta,

expresso pelos países presentes na conferência. Depois do processo preparatório,

esse Relatório foi publicado como um livro, cujo título trazia o mote central da

conferência: Only One Earth (WARD & DUBOS, 1972), (LAGO, 2006).

Sem dúvida, Only One Earth destacou as preocupações dos países

desenvolvidos, mas, como implicado nesse slogan, defende a importância da

cooperação internacional para lidar com as questões ambientais. Embora essa

mensagem seja chave para a UNCHE e para o futuro do movimento ambientalista

internacional, a declaração de Only One Earth foi problemática para os países em

desenvolvimento que questionaram para quem e na visão de quem existe apenas

uma terra. A perspectiva que prescrevia a limitação do crescimento econômico, ou

sua interrupção, foi estabelecida de diferentes maneiras em textos influentes como

The Limits to Growth e Blueprint for Survival, sendo, entretanto, plenamente

rejeitada pelos países em desenvolvimento. A consideração dessas duas

perspectivas opostas pela conferência indica o seu caráter discursivo. Como o

Secretário Geral Maurice Strong indicou com seu apoio para a reunião em Founex

a forte participação dos países em desenvolvimento no processo preparatório

aumentou a possibilidade de sucesso em Estocolmo.

Para o movimento ambientalista e para a ação política voltada às questões

ambientais, 1972 foi marcante não apenas pela formação de espaço discursivo que

fomentou a racionalização comunicativa — que comparada com 1992 vinte anos

depois foi bastante incipiente — como também pela maior participação da

sociedade civil a nível internacional. A conferência abriu o processo preparatório

à observação por ONGs, as quais tiveram uma influência sobre a agenda geral e

sobre os representantes dos governos presentes. As ONGs agiram como

consultores no processo de preparação e na realização da conferência e seu papel

foi central no estabelecimento da agenda (TAVARES, 1999). Embora não

houvesse precedente para a participação de ONGs em termos numéricos, a sua

presença ressaltou o já descrito desequilíbrio: somente 10% das ONGs

representaram países em desenvolvimento. A participação limitada de

representantes da sociedade civil desses países, por circunstâncias políticas e

sociais internas, foi um fator significante da inclusão de opiniões alternativas na

UNCHE e da direção do movimento ambientalista internacional (CONCA, 1995),

(HAAS, 1992).

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Embora os países em desenvolvimento clamassem por reformas, como

levantado no Relatório Founex, pode-se entender essa postura como defensiva. A

base do conflito envolvendo a questão ambiental residiu no setor produtivo,

concentrando-se nas áreas industrial, de agricultura e de energia. Tanto nos países

desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento esses setores resistiram

muito à regulação e a legislação ambiental. No final da década dos 60 e o início

dos 70, diante de novas leis e restrições, o setor produtivo teve que responder às

demandas ambientais. Em alguns casos o setor produtivo chegou a incorporar os

valores e práticas do movimento ambientalista. Em outros casos, para não

prejudicar os fins produtivos e ainda para demonstrar compromisso com a

proteção ambiental, contornou legislação ambiental existente e manipulou a

atenção da opinião pública e da mídia. Uma maneira de manter o status quo

produtivo em países desenvolvidos no novo contexto foi desviar a atenção para os

países em desenvolvimento, livrando-se dessa maneira da responsabilidade

ambiental. A resposta foi uma postura defensiva contra o peso da responsabilidade

de mudar. Como resultado, no debate internacional, essas tensões e a resistência

contra a necessidade de mudar, funcionaram para tirar a atenção, em países

desenvolvidos tanto quanto nos em desenvolvimento, de demandas internas para

maior proteção do meio ambiente e poucos avanços reais aconteceram (LAGO,

2006).

Para nações pobres, normas internacionais como ponto de partida para

lidar com crises ambientais significaram a restrição do seu desenvolvimento

econômico, enquanto os países ricos continuaram a consumir a grande maioria

dos recursos do planeta. Assim, para quem valorizava uma abordagem

multilateral, como para o político americano Stewart L. Udall (1973), foi

estabelecida uma divergência entre o Norte e o Sul que implicou na limitação dos

resultados da cooperação internacional. A respeito da UNCHE, Udall observa que

“...two diametrically opposite approaches to the environment met head-on at

Stockholm and the predictable result was an impasse which produced only

promised studies and token reforms.” (UDALL, 1973, p. 724).

Esse impasse pode ser traduzido em um elemento fundamental que

separou esses grupos. Para os países altamente industrializados, a proteção do

meio ambiente foi abordada de forma autônoma da economia. Por exemplo, nos

EUA, o Clean Air Act (1963 /1970) e a subsequente criação do Environmental

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Protection Agency (1970) se dirigiam ao controle e à avaliação científica e

legislativa. Não atendeu às questões sobre a estrutura social e a economia

nacional. Nos países em desenvolvimento, por outro lado, a abordagem da questão

ambiental não podia ser separada da questão econômica e social. Assim, a

proteção ambiental não podia tomar a mesma forma daquela adotada em países

como os EUA. Proteção em si, definida por técnicos e recursos científicos,

significava limitar o desenvolvimento econômico e o não uso de recursos naturais.

Não podia aliviar a degradação ambiental porque nos países em desenvolvimento

os problemas eram outros. Isso quer dizer que a pobreza e a desigualdade social

extrema nesses países exigiam uma abordagem para a questão ambiental que

considerasse as conexões diretas entre a economia, a sociedade e a proteção

ambiental (HAAS et al., 1992).

Trinta anos depois da UNCHE, Maurice Strong fez algumas reflexões no

livro Worlds Apart: Globalization and the Environment (2003). Ele destaca três

elementos da conferência: a) que as diferenças entre países em desenvolvimento e

os mais industrializados ficaram claras e não foram resolvidas, b) que os temas do

meio ambiente e o desenvolvimento se tornaram centrais nas negociações

internacionais, e c) que o maior sucesso e impacto para o futuro das Nações

Unidas foi a criação de um modelo para negociações e acordos cooperativos que

inclui os países em desenvolvimento ao debate (STRONG, 2003). Segundo

Habermas, essa ênfase procedimental e discursiva criou a base para a

racionalização comunicativa necessária para a questão ambiental e os acordos

estabelecidos se institucionalizarem de forma legitima e justa.

Conforme a perspectiva, ou o assunto específico, a UNCHE pode ser

considerada um sucesso ou um fracasso. A falta de consenso sobre o resultado da

conferência e a complexidade dos assuntos relevantes permite dizer que não foi

um sucesso total, tampouco um fracasso total. De qualquer modo, é possível

apontar para as áreas em que a UNCHE produziu resultados concretos. Com a

participação das ONGs e a aprovação de dois textos importantes, a UNCHE

consagrou o meio ambiente como uma questão nova para a ação política e como

um meio para relacionamento entre nações e povos. O primeiro texto importante

foi uma declaração de princípios, A Declaration of the United Nations Conference

on the Human Environment (1972), no qual 26 princípios foram estabelecidos,

refletindo os conceitos da Resolução 2398 (1968), documentando o consenso

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internacional sobre as questões ambientais. O segundo texto foi “O Plano de Ação

para o Meio Ambiente Humano”, que listou 109 recomendações a serem adotadas

pelo sistema internacional e consideradas pelos Estados-membro para lidar com as

questões ambientais. (LAGO, 2006), (GALIZZI, 2005), (TAVARES, 1999).

Outro resultado importante da UNCHE foi a criação do Programa das

Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). Esse órgão virou um tipo de

consciência ambiental da ONU cuja declaração de missão reflete o tono da

conferência – “To provide leadership and encourage partnership in caring for the

environment by inspiring, informing, and enabling nations and peoples to improve

their quality of life without compromising that of future generations.” (UNEP,

Mission Statement). O UNEP promove debates sobre questões ambientais a nível

nacional e regional, e como resultado facilita o relacionamento com ONGs

nacionais e internacionais (TAVERES, 1999). O Programa produziu uma

movimentação abrangente de expansão das discussões sobre o tema pela

sociedade civil e pelo movimento ambientalista. Nos países onde não havia muita

atuação na área ambiental, a UNEP estimulou a criação de entidades nacionais e

ONGs focadas na questão do meio ambiente aptas a tratar de situações nacionais e

a dialogar com o sistema internacional. Em muitos casos, a UNEP depende de

ONGs e da sociedade civil para coletar informações não distorcidas (por governos

ou setores resistentes à fiscalização internacional ambiental) e para preencher os

espaços não ocupados pelos Estados (LAGO, 2006).

Um dos resultados mais importantes, embora menos visível ou tangível

que os documentos e instituições, foi o fortalecimento da própria ONU no que diz

respeito ao seu modelo multilateral de organização e de negociação internacional.

Essa conquista gerou uma série de outras conferências e debates nos anos

seguintes e, segundo os conceitos na teoria de ação comunicativa, representa a

racionalização das instituições internacionais através de processos discursivos. O

tema ambiental entrou definitivamente na agenda internacional multilateral,

destacando novas prioridades, valores e ideias, e estabelecendo uma fundação

para futuras negociações relacionadas ao meio ambiente. A criação do UNEP, o

apoio das ONGs e a articulação dos seus interesses nesse cenário, expandiram a

possibilidade para a futura cooperação e coordenação com a sociedade civil.

Em Estocolmo a sociedade civil global se definiu de uma nova forma,

diversificando-se, e onde as diferenças entre as ONGs que atuaram na área

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ambiental ficaram claras. Aqui os diferentes discursos ambientalistas começaram

a surgir e se relacionar: ONGs naturalistas ou conservacionistas, trabalhando

dentro do discurso científico; outras mais tradicionais, enfocando nas questões

originais do movimento ecologista; e ainda ONGs militantes, questionando o

desenvolvimento industrial e o modelo econômico internacional. A partir da

UNCHE, a gama de perspectivas e discursos ambientalistas começou a crescer e

se desenvolver. O precedente que a conferência estabeleceu, em relação à

participação de ONGs, favoreceu a expansão do movimento ambientalista e a sua

base na sociedade civil (LAGO, 2006), (LE PRESTRE, 2000).

A UNCHE efetuou a fundação institucional para ação e negociação

política em relação a questões do meio ambiente, estabelecendo uma base

discursiva a fim de buscar consensos na comunidade internacional. Da perspectiva

dos países em desenvolvimento, um consenso internacional tinha que levar em

conta seus interesses em relação ao desenvolvimento econômico. Esses países

exigiram garantias ou reparações para as perdas resultantes das restrições

impostas pelos novos padrões ambientais relacionadas, por exemplo, à redução da

renda das exportações e ao surgimento de novos custos decorrentes de adequações

à legislações ambientais. Ademais, esses países apoiaram resoluções protegendo

os princípios de direito nacional de soberania e de exploração de recursos naturais

próprios estabelecidos no Princípio 21 da Declaração da UNCHE (UNEP, 1972).

O sucesso dos países em desenvolvimento em estabelecer e fazer avançar

sua agenda constituiu uma faca de dois gumes. Embora a conferência houvesse

fomentado acordos sobre as 109 recomendações que formam o Plano de Ação, a

intenção original de criar consenso e estabelecer normas internacionais foi

prejudicada. Stewart L. Udall, político e acadêmico americano, que passou a toda

a carreira destacando a importância das questões ambientais, vocalizou sua crítica

no artigo “Some Second Thoughts on Stockholm” (1973) depois da conferência

dizendo que a cooperação internacional foi subvertida e que o estabelecimento de

normas concretas foi limitado pelos interesses políticos e econômicos nacionais.

Udall não comemorou o novo regime internacional da proteção ao meio ambiente

pelo fato de não constituir reformas e normas concretas para sua implementação e

pela falta de vontade política por parte de países, desenvolvidos ou não, para

produzir um caminho progressista no sistema internacional (UDALL, 1973).

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Udall ressalta neste texto as tensões entre países com graus diferentes de

desenvolvimento. Segundo o autor, a partir da UNCHE, os países ricos tinham

que considerar as demandas e preocupações dos países em desenvolvimento.

Entretanto os desenvolvidos acreditavam que seguir o caminho atual do modelo de

desenvolvimento inevitavelmente resultaria em descuido e negligência ambiental

nos países em desenvolvimento. Para Udall, faltou uma visão alternativa de

desenvolvimento que permitisse uma mudança maior, exigida pela situação da

época. Ao outro lado da brecha política, As propostas dos países desenvolvidos

para restrições ambientais que limitariam taxas de desenvolvimento,

representaram para muitos países um caminho para intensificar a desigualdade

econômica já existente no sistema econômico internacional. Assim, os limites da

nova consciência global e da cooperação internacional ficaram claros. Udall

expressa a decepção dos ambientalistas que esperavam que a conferência criasse

medidas para correções e ações para enfrentar a crise ecológica. No entanto, para

essas pessoas, a UNCHE acabou sendo um exercício de retórica eloquente e não

um palco para iniciar planos de ação decisivos (UDALL, 1973).

Como um momento discursivo, segundo a teoria de ação comunicativa de

Habermas, a UNCHE possibilitou a criação de um espaço aberto para os

argumentos em disputa, embora, para muitos observadores, os avanços concretos

alcançados tenham sido pouco expressivos. A crítica de Udall coloca em questão a

capacidade da racionalização comunicativa de sair do âmbito da linguagem e

entrar no âmbito institucional e de mudança concreta. As decepções de Estocolmo

levantaram questões muito importantes nos debates sobre o meio ambiente e na

política multilateral das Nações Unidas. Udall percebeu a incapacidade dos

Estados-nação contemporâneos para lidar com a crise ecológica global e fornecer

soluções para mudanças progressistas. A conferência tinha muito potencial, mas

falhou porque os grandes assuntos ecológicos eram considerados menores do que

outros temas caros às discussão políticas entre nações pobres e seus vizinhos mais

ricos, como, por exemplo, os conflitos internacionais desencadeados em tempos

de Guerra Fria.

Nesse contexto de compromisso perpétuo e diplomacia cautelosa, a

UNCHE tornou-se mais uma luta por força ideológica e contestação ousada; não

foi um lugar para articular uma visão de toda a humanidade para cooperação

internacional e proteção mútua do meio ambiente. A conferência representou uma

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oportunidade para a descolonização dos interesses geopolíticos e ideológicos do

mundo das relações internacionais e para mudar o foco ao meio ambiente. Os

participantes receberam um mandato legítimo, justificado e apoiado, para abrir

mais espaço para a realização dos processos voltados ao entendimento comum. As

expectativas eram altas, mas as possibilidades desse espaço foram limitadas com a

tendência de preservar as forças ideológicas e políticas já existentes. Udall

expressou essa decepção quando resumiu sua crítica:

“The innocuous declarations and vague agreements at Stockholm clearly

attest to the current unwillingness of nations to subordinate their narrow

interests to our imperiled global ecosystem. While some have praised

the Conference as a momentous step forward, I submit that history will

judge Stockholm as a missed opportunity, a failure to think holistically

and to identify the approaching perils of global catastrophes.” (UDALL,

1973, p. 728).

Para Udall a necessidade de pensar holisticamente para encarar a crise

ecológica global foi prejudicada pelas grandes divergências da conferência e pela

proteção de interesses particulares. Udall critica como a reunião de Estocolmo

acentuou a maneira descentralizada e fragmentada de lidar com as questões

ambientais. Setores e programas diferentes da ONU abordaram tarefas diferentes

relacionadas aos novos desempenhos ambientais. Por exemplo, pesquisar sobre o

uso do solo para a eliminação ou tratamento de resíduos e reciclagem foi delegado

na Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento industrial, a

Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e a Organização

Mundial de Saúde. Da mesma forma descentralizada entidades muito diferentes

foram indicadas para compartilhar informações entre si a fim de alcançar

melhores resultados em trabalhos realizados separadamente por cada uma delas: a

Comissão Oceanográfica Intergovernamental junto a Organização das Nações

Unidas para Agricultura e Alimentação, a Organização Mundial Meteorológica, a

Organização Marítima Internacional, a Organização Mundial de Saúde, a Agência

Internacional de Energia Atômica, a Organização Internacional Hidrográfica, e o

Conselho Internacional para a Exploração do Mar. Todos esses braços do sistema

internacional continuam trabalhando de forma descentralizada para promover

discussões, troca de informações e a definição de normas. Contudo, a preocupação

apresentada por Udall é a dificuldade neste sistema de criar políticas muito

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substantivas. A UNCHE criou a Secretaria do Meio Ambiente das Nações Unidas

e o Environment Coordination Board (parte do UNEP) como órgãos centralizados

para lidar com questões ambientais, que não têm uma ênfase gerencial e nem o

poder para capitanear e desenvolver um programa internacional. Para Udall falta

ao esquema organizacional a concentração necessária de recursos para administrar

ações que se dirigem à crise ecológica (UDALL, 1973).

Esse caráter descentralizado também é refletido nas 109 recomendações

aprovadas na UNCHE. Falta uma direção unificada e organizada para a efetivação

das mesmas, as quais são frequentemente abordadas por mais de uma instituição.

Embora a inclusão de perspectivas, valores e ideias nos debates e nos resultados

da conferência seja objeto de crítica por Udall, não se pode desprezar o efeito

legitimador que ela produz do ponto de vista da teoria da ação comunicativa. A

incapacidade de pensar holisticamente e identificar o perigo iminente de

catástrofes globais pede um entendimento comum compartilhado, possibilitado

pela ação comunicativa. A UNCHE não criou normas concretas e mecanismos

para enforcar legislação ambiental, mas criou uma estrutura para a organização

multilateral e espaço para o debate pluralista.

Através de uma análise dos resultados da UNCHE é possível reconhecer

aquilo que Habermas destaca na teoria da ação comunicativa. Não se trata de

buscar uma conclusão sobre os efeitos da conferência, mas antes, de compreender

a conferência como o início de um processo. Não era necessário para os

participantes chegar a um acordo ou a uma conclusão final ou que fosse ótima,

dentro do quadro limitado de possibilidades. O que vale, e o que tem efeito

legitimador, é a realização dos processos que possibilitam a formação de tal

acordo ou conclusão, algo que reside no coração da teoria da ação comunicativa.

A existência de um espaço discursivo que permita a ocorrência da

racionalização comunicativa, não necessariamente tem uma correlação com

caráter quantitativo de resultados. No contexto de busca de políticas e regulações

internacionais para lidar com a crise ecológica e gerenciar os recursos naturais, a

legitimidade da discussão não produz eficiência e políticas concretas. Segundo a

teoria da ação comunicativa, os sistemas são eficientes, mas são fechados e

totalizadores. A eficiência exigida por alguns para lidar com a crise ecológica não

é legítima porque neste caso os interesses particulares determinam o debate e não

um processo discursivo aberto e pluralista. Só através da racionalização do mundo

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da vida – dos processos discursivos que fomentam a racionalização comunicativa,

do debate pluralista, e da participação da sociedade civil – as políticas e

instituições burocráticas são legítimas.

2.3. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED)

A UNCED foi outro momento discursivo importante para o movimento

ambientalista e para o sistema internacional da ONU. Como seu antecedente em

Estocolmo, a UNCED quebrou recordes. Foi a maior reunião de países e

organizações nacionais e internacionais até aquela data. Em Inglês, o chamado

Earth Summit, e em Português conhecido como a Rio-92, promoveu uma reunião

sem precedentes de representantes de governos e da sociedade civil do mundo

inteiro.

Em Junho de 1992, a cidade do Rio de Janeiro quebrou recordes recebendo

um total de representantes de 172 países, dos quais 108 eram chefes de Estado ou

de governo. Além disso, foi marcado pela a grande presença da sociedade civil

organizada em diversas ONGs. Segundo os dados das Nações Unidas, 1.400

ONGs participaram diretamente na conferência, enquanto membros de mais 7.000

ONGs formaram um evento paralelo, chamado Fórum Global. O evento incluiu

ainda quase 10.000 jornalistas (UNITED NATIONS, 1997). Sem dúvida, a Rio-92

foi o momento de maior interesse no meio ambiente do século XX. Segundo a

Resolução 44/228 (1989), que convocou a UNCED, depois de considerar

resoluções do ECOSOC, do UNEP e recomendações de países membros, a

conferência teria como objetivo “elaborate strategies and measures to halt and

reverse the effects of environmental degradation in the context of increased

national and internacional efforts to promote sustainable and environmentally

sound development in all countries.” (UNITED NATIONS GENERAL

ASSEMBLY, 1989). Na Rio-92, os debates chegaram além dos problemas

associados com a poluição e a conservação. O meio ambiente virou uma questão

com proporções globais.

Da Resolução 44/228, nasceu o processo preparatório para a realização da

Rio-92. Esse texto estabeleceu 23 objetivos para a conferência, divididos em

quatro grupos: (i) identificar estratégias regionais e globais; (ii) reunir objetivos

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relacionados à degradação ambiental e o quadro econômico mundial; (iii) incluir

questões sobre a formação de recursos humanos, educação, cooperação, e

informação; (iv) abordar os encaminhamentos institucionais para a execução das

decisões da conferência (LAGO, 2006). A Resolução também estabeleceu a

convocação de cinco sessões preparatórias (PrepComs) abertas aos membros da

ONU para negociar acordos sobre três temas centrais: a mudança climática, a

diversidade biológica e as florestas. Esses foram claramente construídos como

questões globais. Ademais, objetivou a criação de uma “Carta da Terra”, mais

tarde intitulada como Declaração do Rio, destacando o caminho futuro para a

realização do desenvolvimento sustentável, e, ainda, de um Plano de Ação, que,

por visar o século diante, seria chamado de “Agenda 21”.

Mesmo que a Agenda 21 não fosse o documento mais importante do

processo preparatório, com certeza foi o mais extenso. Com 40 capítulos, o Plano

de Ação teve 85% de suas proposições aprovadas pelos participantes ao final dos

cinco PrepComs. Esses dados indicam a grande tarefa e dificuldade para alcançar

o consenso e a participação coletiva dos membros da ONU (LE PRESTRE, 2000).

Na Rio-92, os debates e o número de participantes foram muito maiores que em

Estocolmo. Portanto, e dentro do modelo da ONU baseado no consenso, cresceu

também a importância de estabelecer um entendimento comum. A Agenda 21 foi

resultado do processo de criação de consenso entre a comunidade internacional, e

as ideias e princípios nela expressados definiram o futuro do debate sobre o meio

ambiente dentro e fora da ONU. Para resumir, o Plano de Ação conferiu novas

dimensões ao sistema internacional visando estimular todos os setores da

sociedade, os governos, a sociedade civil, os setores produtivos, acadêmicos e

científicos, a abordar o desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 destacou a

cooperação internacional entre esses setores para poder mudar o pressuposto

limitador que separava o desenvolvimento econômico da proteção do meio

ambiente (LAGO, 2006).

O processo preparatório foi construído sobre quatro eixos principais.

Aquele em que governos chegariam a um acordo sobre a agenda e aos conteúdos

através de reuniões preparatórias e desenvolvimento de posições regionais ou

entre países com interesses comuns, chamado de eixo político. Aquele onde

especialistas independentes e de organizações internacionais definiram os

problemas e as opções possíveis para resoluções, chamado o eixo científico.

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Aquele em que ONGs ambientalistas, desenvolvimentistas e sociais

influenciariam a agenda propondo soluções, chamado o eixo civil. Finalmente, o

eixo em que os participantes negociariam e assinariam as convenções sobre a

diversidade biológica, a mudança climática e as florestas (LE PRESTRE, 2000).

Para o eixo civil, o processo preparatório foi de importância primária.

Desde a Resolução 44/228 de 1989 até a realização da Rio-92 destacou-se o

tamanho e forma de organização por parte de ONGs de diversos tipos. O UNEP,

criado em Estocolmo, contribuiu nesse sentido com a primeira pressão

institucionalizada para ampliar a participação da sociedade civil no sistema

internacional. Esse crescimento das ONGs provavelmente foi motivado pelas

mudanças na política internacional e regional ocorridas durante as décadas de 70 e

80, relacionado a um fortalecimento da sociedade civil e dos movimentos sociais

e, consequentemente, do próprio movimento ambientalista. As ONGs

ambientalistas se expandiram e a necessidade de assegurar a participação de

ONGs de países desenvolvidos e em desenvolvimento, no debate tornou-se clara.

No início do processo preparatório estavam presentes somente organizações

ambientalistas e grupos lobistas industriais dos EUA, Canadá e a Europa

Ocidental. No entanto, antes do fim dos cinco PrepComs, 1.420 organizações do

mundo inteiro foram autorizadas a participar na Rio-92, através de um processo

mais flexível de credenciamento (TAVARES, 1999).

A Resolução 44/228 convidava ONGs internacionais e nacionais,

membros ou não da ONU ou da ECOSOC, a contribuir na preparação da Rio-92.

Houve uma série de conferências regionais para coordenar as posturas que se

diferenciaram de acordo com os tipos de organização e de regiões, além de outras

reuniões políticas como, por exemplo, a do G7 e da União Europeia, destinadas à

estabelecer suas posições particulares. Estados produziram e apresentaram

relatórios sobre suas experiências nacionais, resumindo os progressos e problemas

relacionados ao desenvolvimento sustentável nos seus territórios. No total, 75

documentos como estes foram recebidos em 1991, e 139 em 1992, que, juntos,

somavam cerca de 18.000 páginas. Além da coleta dessa grande quantidade de

informação, a Resolução 44/228 estabeleceu a maior participação de ONGs em

um processo preparatório para uma conferência internacional, as quais

contribuíram diretamente na formação da agenda da conferência e, portanto, nos

textos produzidos. Além disso, a sociedade civil foi representada não apenas por

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essas organizações, mas pela comunidade científica, industrial e numerosos

sindicatos (LE PRESTRE, 2000).

A diversidade de participantes em 1992 reflete o fato de que a questão

ambiental tinha alcançado um público muito maior. Uma das mudanças mais

evidentes, de 1972 para 1992, foi a entrada da questão ambiental na teoria

econômica e no mundo dos negócios. A perspectiva empresarial, que exerceu

grande influência na Rio-92, foi expressa no livro Mudando o Rumo: uma

perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente (1992),

publicado pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny. O otimismo do fim da

Guerra Fria foi acompanhado por incerteza e crise nos discursos e estruturas

políticas e econômicas tradicionais. Isto sacudiu o mundo dos negócios no mundo

inteiro. O meio ambiente e o desenvolvimento econômico se destacaram como as

áreas de preocupação mais elementar, resultado não apenas da nova dinâmica da

política internacional, mas também da aceitação das inegáveis ligações entre esses

campos. Em 1992, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu e se

consolidou como o discurso quase oficial comum aos campos do movimento

ambientalista e das empresas, por prometer a conciliação da preservação do meio

ambiente e do desenvolvimento econômico (LAGO, 2006).

Imediatamente, a Rio-92 propunha a criação de um novo mundo. O rumo

do desenvolvimento sustentável podia resolver a crise ambiental e a crise de

desenvolvimento para gerar mais prosperidade de uma maneira douradora. Nas

palavras de Le Prestre (2000), duas décadas depois da UNCHE, caso a

comunidade internacional “... se empenhasse em catalisar a cooperação

internacional em favor de uma seria de ações concretas e ambiciosas com vistas

ao crescimento econômico, à melhora da qualidade de vida dos indivíduos e à

proteção do meio ambiente natural.” (LE PRESTRE 2000, p, 202).

O conceito de desenvolvimento sustentável, adotado na Rio-92, foi

anteriormente consolidado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como a Comissão Brundtland por ser

presidida, desde sua criação em 1983, pela Primeira-Ministra da Noruega Gro

Harlem Brundtland. O relatório que essa Comissão publicou primeiro em 1987,

Nosso Futuro Comum (1991) – conhecido como o Relatório Brundtland –

antecipava a proposição das ideias e dos procedimentos adotados na Rio-92,

dando o tom para as próximas duas décadas de política internacional relacionada

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às questões ambientais. Seu significado pode ser comparado com a do Relatório

Founex na época da UNCHE na medida em que ofereceu alternativas que não

excluíram o desenvolvimento dos países pobres e as preocupações sobre os

padrões de produção e consumo de países mais ricos. Em Estocolmo, a maior

parte do êxito foi relacionada à consideração da perspectiva dos países em

desenvolvimento. Por isso, o Secretário-Geral Maurice Strong, responsável pelo

forte apoio do Founex, foi chamado novamente para presidir a conferência em

1992.

No Relatório Brundtland, foi estabelecido o foco no desenvolvimento

sustentável como uma abordagem integral do problema ambiental. Ele destacou

ainda o papel especial das ONGs, expressando a necessidade de estimular mais a

criação dessas organizações e a atuação das mesmas para compensar as falhas de

governos e manter o interesse público e político voltado à proteção ambiental.

Assim, essa visão, que chegou a dominar o discurso do movimento ambientalista,

não apenas juntou os elementos econômicos e ambientalistas através da conclusão

que os dois se reforçaram mutuamente, mas, consolidou a importância das ONGs

nessa discussão (LAGO, 2006), (TAVARES, 2000), (COMISSÃO MUNDIAL,

1991).

Provavelmente a maior diferença da Rio-92 quando comparada a UNCHE

de 1972, foi não apenas o aumento do volume e da participação de ONGs, como

também o fato de que parte significativa desses órgãos eram provenientes de

países em desenvolvimento (que em 1972 somente representava 10% das ONGs),

fruto da atividade política crescente em vários países desde a década dos 70 e do

fortalecimento da sociedade civil principalmente nos países da América Latina e

no Leste Europeu. Com essa expansão da sociedade civil, explodiu o número de

ONGs na década dos 90. A dinâmica interna entre as ONGs, e em relação ao

sistema da ONU, determinou em parte o procedimento da Rio-92. Havia grupos

distintos de ONGs com perspectivas, abordagens e objetivos diferentes. As ONGs

políticas, como, por exemplo, os representantes de Partidos Verdes da Europa e de

países em desenvolvimento, sentiram-se frustrados com a tendência da Rio-92 a

reproduzir os debates de Estocolmo e com os limites das ONGs para influenciar a

política. As ONGs interessadas em uma transformação social abrangente, através

de consciousness-raising, em vez de pressionar diretamente com uso da ação

política, formaram um grupo distinto e igualmente frustrado. De qualquer

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maneira, esses grupos e organizações estavam presentes e podiam vocalizar suas

atitudes e prioridades para contribuir com debate crescente sobre o meio ambiente

(CONCA, 1995).

A variedade de ONGs que participaram na Rio-92 foi expressiva. Algumas

eram ambientalistas, outras desenvolvimentistas; algumas eram grandes entidades,

outras buscavam serem mais visíveis; algumas estavam presentes para promover

uma agenda política, outras participaram para formar um estatuto consultivo

oficial; algumas faziam parte de delegações nacionais, outras eram independentes.

As mais ativas eram as ONGs internacionais como a União Internacional para a

Conservação da Natureza (WWF), o Environmental Defense Fund (EDF),

Greenpeace e os Amigos da Terra. Essas não representaram nações especificas,

agindo internacionalmente, mas geralmente apoiavam uma agenda ambiental que

refletia os interesses dos países em desenvolvimento nas questões sobre os

padrões de consumo, as transferências financeiras, a reforma econômica

internacional e o controle de instituições internacionais de desenvolvimento.

Assim, essas ONGs enfatizaram essas questões, apoiando a ação direta para a

implantação de políticas. Procuraram ainda ampliar os debates sobre questões

ambientais aproveitando-se do contexto de abertura à participação política e de

desenvolvimento de democracia local, que no fim legitimaria ainda mais o modelo

discursivo internacional (LE PRESTRE, 2000), (GALIZZI, 2005).

A criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CSD) como

órgão de implementação e regulação de políticas internacionais ressaltou o papel

das ONGs na UNCED e o fortaleceu no sistema internacional. Embora a CSD e os

documentos importantes produzidos na conferência abrissem muito espaço para as

ONGs, ainda permaneceram limites à sua influência, pois mesmo que o número

de ONGs envolvidas na Rio-92 tenha superado as expectativas, devido ao

processo de credenciação flexível, nem todas tiveram acesso. Isso não impediu,

contudo, a participação das organizações que desejavam acompanhar a

conferência. Um Fórum paralelo ao Rio-92 foi formado por aquelas as quais

estava vedado acesso direto às negociações oficiais. O “Fórum Global” criou um

espaço alternativo de discussão, aproveitando-se da visibilidade favorecida pela

presença dos meios de comunicação internacional para se envolver nos debates da

Rio-92. A influência das ONGs que tinham acesso direto às negociações também

era limitada. O fato de que muitas ONGs receberam financiamento de governos

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limitou a sua participação como um terceiro setor independente. Além disso, o

acordo sobre a Declaração e a Agenda 21 não resultou em mecanismos que

exigidos para fazerem os Estados-membro da ONU a cumprirem as ações

previstas, diminuindo dessa maneira o peso da influência das ONGs (TAVARES,

1999), (LE PRESTRE, 2000).

As ONGs tinham mais influência nas áreas da Agenda 21 onde não

encontravam resistências pelos Estados. Eram as áreas para as quais os governos

ainda não haviam adotado políticas específicas. Em geral, eles estavam a favor da

proposta, ou não temiam que teriam que comprometer recursos financeiros

substanciais. Em outras palavras, tratavam-se das áreas apenas relacionadas a

questões não polêmicas. A dinâmica de compromisso entre as ONGs e os Estados

criou uma atmosfera que não divergiu das negociações e compromissos firmados

entre Estados (TAVARES, 1999). No espírito de debate aberto e pluralista, além

da negociação entre os participantes, havia uma forma de negociação entre os

temas diversos que as ONGs representavam. Os temas globais abrangentes que

receberam muita atenção no sistema da ONU, como os direitos humanos, a saúde

e populações indígenas, se cruzaram com a agenda ambiental e por vezes diluíram

as fronteiras das questões ambientais. Nesse contexto, ficou difícil determinar

onde terminavam as preocupações ambientalistas e onde começavam os interesses

sobre outras questões (TAVARES, 1999), (CONCA, 1995).

No fundo da variação entre perspectivas e agendas representadas na Rio-

92 havia uma nova divisão no mundo. Isso existia em Estocolmo, mas, devido ao

novo contexto político internacional nos anos 90, essa nova ordem se tornou

central aos debates e aos resultados. A conferência em Estocolmo estava restrita a

divisões definidas pela Guerra Fria e relacionadas a problemas de economia

política e soberania nacional. A Rio-92 refletiu uma nova divisão global delineada

economicamente e não politicamente. Não existia mais a separação política do

Oriente comunista e Ocidente capitalista. Agora o mundo estava dividido entre o

Norte e o Sul, embora essa nova divisão tenha continuado tão arbitrária em termos

geográficos quanto a anterior. Essa organização espacial localizou a maioria dos

países industrializados no hemisfério norte e os países considerados em

desenvolvimento no hemisfério sul. Assim, como em Estocolmo, através da

interação entre governos e organizações de países com graus diferentes de

desenvolvimento e de riqueza, dos mais industrializados aos menos

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industrializados, existiram prioridades e perspectivas diferentes com respeito ao

meio ambiente. A grande distância entre o grau de desenvolvimento dos países do

Norte e do Sul foi acompanhada pelas diferenças entre os dois grupos.

A nova divisão do mundo e o novo contexto político internacional deram

um novo aspecto ao debate de 1992. O aumento no número de ONGs

participantes (liderado pelo Brasil desde a UNCHE) que favoreceu a

representação de países em desenvolvimento e o fortalecimento dos seus

interesses no debate internacional ressaltou o novo caráter da discussão de 1992

(BIERMANN, 2004). No final dos anos 80 a discussão sobre a convenção a

respeito das mudanças climáticas aconteceu dentro da UNEP com a Organização

Metrológica Mundial (WMO), que tinha uma orientação técnica e científica. A

partir de 1990, a mudança dessa negociação na Assembleia Geral da ONU, para

um campo político e econômico, beneficiou os países em desenvolvimento. Isso

atendeu melhor aos interesses dos países em desenvolvimento na medida em que

queriam melhorar os índices econômicos antes de levar em consideração os

índices ecológicos. No debate pluralista do sistema internacional a questão do

meio ambiente foi tratada na Rio-92 de uma maneira que permitiu melhor

entendimento e acordo entre países e legitimou os resultados da conferência

(LAGO, 2006).

Como em Estocolmo, os resultados da Rio-92 foram diversos. Nesse

momento discursivo de grandes proporções, os objetivos foram sujeitos a

interesses e estratégias políticas diferentes. Da mesma maneira que alguns países

adotaram uma postura defensiva durante a UNCHE para proteger interesses

nacionais, na Rio-92 o objetivo principal para alguns Estados foi de bloquear ou

impedir os acordos com respeito aos elementos contrários aos seus interesses

particulares. Nas negociações sobre mudanças climáticas, por exemplo, os países

produtores de petróleo objetivaram a resistência total; da mesma maneira os

Estados Unidos bloquearam avanços com respeito à redução de emissões. Por

outro lado, os países puderam adotar uma estratégia ativa e objetivar dirigir um

debate relevante para impor sua definição sobre problemas específicos ou

soluções propostas. Para a decepção de muitos, as posturas defensivas e os

interesses políticos de países e grupos particulares ressaltaram as negociações de

Estocolmo, dificultando um debate aberto e produtivo (LE PRESTRE, 2000).

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A divisão do Planeta entre Norte e Sul provou-se problemático para a

definição dos interesses e os objetivos que determinaram o debate da UNCED. Na

Rio-92, os interesses dos países do Sul foram destacados como se formassem um

grupo uniforme, embora suas demandas não necessariamente formassem um

bloco único. Tampouco, da mesma maneira, os objetivos homogêneos dos países

desenvolvidos criaram problemas na definição das agendas. Mesmo assim, de

forma geral, os países industrializados compartilharam os objetivos de evitar a

obrigação financeira gerada por medidas e soluções acordadas na conferência, e

de impedir a criação de novas instituições fortes para gerenciá-las. Não queriam

que a Rio-92 se transformasse num debate sobre desenvolvimento e medidas para

fomentá-lo, as quais gerariam efeitos negativos para suas economias nacionais

(LE PRESTRE, 2000).

Os países industrializados apoiaram, entre outros temas, um acordo sobre

florestas, convenções sobre mudança climática e biodiversidade, a ação

internacional que visava os problemas ambientais numa escala mundial, o

princípio do poluidor-pagador, e mais estudos técnicos e científicos sobre os

impactos ambientais. Ainda entre esses países, objetivos diferentes às vezes os

dividiram em grupos opostos. A União Europeia e o G7, por exemplo, eram

grupos que mantinham os interesses comuns descritos acima, embora divergissem

quanto a outros objetivos2 (LE PRESTRE, 2000).

Para os países em desenvolvimento, a formação de uma agenda

compartilhada poderia ter ajudado na negociação com os interesses dos países

industrializados. Havia a oportunidade de criar uma visão alternativa dos

problemas ambientais a nível mundial, mas as diferenças internas e os objetivos

individuais limitados dos países em desenvolvimento dificultaram um acordo

entre eles mesmos. O maior obstáculo na Rio-92 foi a visão míope direcionada

apenas às vantagens de curto prazo e ao resultado financeiro imediato ao invés de

olhar além, em busca de reformas a longo prazo.

Os países em desenvolvimento foram agrupados de maneiras diferentes:

entre estes havia os mais pobres, os destituídos, ou os ricos em recursos naturais

2 A EU é uma união política e econômica que destaca os interesses comuns regionais

relacionados à instituições como cortes e bancos. O G7 também é um grupo com interesses

políticos e econômicos de representantes de sete países industrializados.

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(todos possuindo objetivos diferentes e por contrários). Outros grupos formados

por esses mesmos países eram o G77, a Organização dos Países Exportadores de

Petróleo (OPEC), a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) e as

economias em transição. Embora esses grupos não formassem um grupo unido, os

PrepComs que precederam a Rio-92 facilitaram a criação de uma agenda geral dos

países em desenvolvimento na qual se encontravam priorizadas a pobreza dos

Estados e dos indivíduos. Os países em desenvolvimento também acordaram que

os problemas ambientais resultavam do modo de consumo abusivo dos países

ricos e do sistema internacional desigual, os quais podiam ser resolvidos através

do desenvolvimento. Assim, o foco na soberania e no direito de utilizar recursos

naturais permaneceu e a maioria se opôs a uma convenção obrigatória sobre as

florestas, fonte econômica importante para muitos países em desenvolvimento,

como o Brasil. O G77 (com 130 membros) reafirmou o direito dos princípios de

desenvolvimento, aproveitando-se da questão ambiental para conseguir apoio para

seus objetivos de crescimento econômico, de controle sobre ações de bancos

internacionais de desenvolvimento e de obtenção de ajuda financeira para cumprir

os novos compromissos de proteção do meio ambiente (LE PRESTRE, 2000),

(BIERMANN, 2004).

O tamanho e dimensões da Rio-92 era inédito e, como em Estocolmo, os

documentos produzidos e aprovados forneceram uma base para as negociações

futuras no sistema internacional. A importância da questão do meio ambiente na

agenda internacional, vinte anos depois da UNCHE, foi reafirmada e seu

significado reiterado. O fato de a conferência ter sido realizada em um país em

desenvolvimento refletiu que a questão e a preocupação ambiental ao nível global

não existia apenas nos países ricos, e também que o espaço público para debate e

participação da sociedade civil estava mais aberto. Sob diversos pontos de vista, a

conferência foi um grande sucesso, embora tenha sido objeto de críticas

importantes.

Na Rio-92, pela utilização do documento que a funda, Nosso Futuro

Comum (1991), e pela influência e participação dos governos e ONGs de países

em desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável se destacou como conceito

principal e duradouro. Este documento estabeleceu a sustentabilidade na base de

um novo paradigma de cooperação internacional, embora seu significado e função

não tenham ficado muito claros. A definição do desenvolvimento sustentável

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adotado na Rio-92 foi bastante vaga, e continua assim até hoje, dificultando um

acordo sobre o conceito, que por esse motivo ficou aberto à interpretação e

manipulação. “Afinal, o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente

de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração de recursos, a

orientação dos investimentos, os rumos de desenvolvimento tecnológico e a

mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras.”

(COMISSÃO MUNDIAL, 1991, p. 10). Essa linguagem geral da Comissão

Brundtland é muito atraente, mas assim que o desenvolvimento sustentável surgiu

como uma maneira de formar as relações entre os países surgiram preocupações

sobre sua compatibilidade com os processos de globalização contemporânea. Para

alguns, o rumo de globalização econômica e política representava um obstáculo

para implementação desse novo paradigma face ao crescimento do modelo

neoliberal, de empresas transnacionais e dos padrões elevados de produção e

consumo (LAGO, 2006).

Além do fortalecimento do desenvolvimento sustentável como o discurso

ambientalista dominante, outros temas principais eram estabelecidos nos textos

produzidos durante todo a deliberação da conferência. A Declaração do Rio e a

Agenda 21 eram os documentos mais definitivos: expressaram o interesse da

comunidade internacional na cooperação, visando à ligação entre o

desenvolvimento e o meio ambiente, estabelecendo medidas para realizar os

objetivos mútuos. Os temas das florestas, mudanças climáticas e biodiversidade

também receberam atenção específica, apesar de não ter-se chegado a um acordo

geral sobre eles. Uma Declaração sobre as Florestas foi escrito e todos os

participantes concordaram sobre o conteúdo. Convenções sobre mudanças

climáticas e sobre a diversidade biológica foram discutidas, mas não receberam o

mesmo reconhecimento nos anos que seguiram à Rio-923 (LE PRESTRE, 2000),

(GALIZZI, 2005).

3 Um acordo sobre a convenção sobre biodiversidade foi bastante apoiado, mas com certeza não

foi consensual. Os EUA, por exemplo, com fortes interesses dos setores de agricultura e

biotecnologia em mente, resistiram a essa negociação. Quatro anos depois, em 1996, os EUA

assinaram o acordo que falta ser ratificado no Congresso. O acordo sobre mudanças climáticas

foi destacado por vários países e especialistas. A falha dessa negociação não impediu o avanço

da questão. A convenção basear-se-ia na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a

Mudança do Clima que produziu mecanismos internacionais sem precedentes como o

Protocolo de Kioto, o qual recebeu apoio abrangente quando assinado em 1997.

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Como na discussão de Estocolmo, definir a Rio-92 como um sucesso ou

um fracasso é uma tarefa difícil. Contudo, é importante descrever os documentos

e os resultados concretos da conferência e analisar os pontos de crítica junto às

perspectivas diferentes nas quais se originaram. Vinte anos após Estocolmo,

perduravam visões negativas e positivas sobre o êxito desse evento. Chegar a uma

conclusão sobre a Rio-92 não é simples porque não foi um sucesso ou um fracasso

uniforme. Para o Secretário-Geral Maurice Strong, qualquer análise ou conclusão

sobre a conferência deve ser baseada nos seguintes pontos: a) na assinatura de

convenções; b) na aprovação de uma Carta da Terra e um Plano de Ação; c) num

acordo sobre financiamento e transferências de tecnologia; c) em reformas

institucionais; e d) no fortalecimento do UNEP. Essas são as áreas concretas, nas

quais se pode medir a qualidade do debate e a legitimidade dos resultados da Rio-

92 (LE PRESTRE, 2000).

Na sua análise da conferência, Le Prestre (2000) identifica três categorias

onde as críticas se originam. Em primeiro lugar, aquelas proferidas pelas ONGs

da América do Norte e Europa, para as quais não havia sido criado uma “Carta da

Terra” com compromissos firmes e reformas concretas para enfocar mais nas

áreas de mudança climática, biodiversidade e florestas. Elas responsabilizaram os

Estados obstrucionistas como os EUA por essa falha. Em segundo, as críticas dos

Estados que procuraram reformar o sistema econômico internacional através da

proteção ambiental. Finalmente, das ONGs e indivíduos que destacaram que,

embora fossem marginalizados pelo favorecimento dos movimentos

transnacionais na agenda ambientalista, faltou questionar as estruturas políticas

dominantes que mantiveram o sistema político e econômico global. Para muitos, a

preparação era por demais parecida com a de Estocolmo, na medida em que

enfatizava Estados e era desequilibrada pela forte influência do mundo dos

negócios e das grandes ONGs do Norte. Assim, refletindo algumas críticas feitas à

UNCHE, as prioridades aos problemas dos países em desenvolvimento não eram

realmente atendidas, não passando de vagas promessas financeiras (LE

PRESTRE, 2000).

Uma grande decepção para as ONGs e os países em desenvolvimento foi a

fraqueza dos meios estabelecidos para implementar as indicações da Agenda 21.

Em vez de reforçar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

(UNEP) criado em Estocolmo, a Rio-92 criou a Comissão para o

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Desenvolvimento Sustentável (SDC) como órgão de implementação. A SDC e as

duas convenções foram encabeçadas por representantes não independentes

nomeados por governos, fator que limitou o progresso e mudanças concretas. No

nível nacional, de acordo com a Agenda 21, vários países criaram Comitês para o

desenvolvimento sustentável para examinar a implementação dos princípios e

recomendações, mas seu impacto passou a depender da atuação política contínua

da sociedade e participação dos governos4. Não foi criado um mecanismo

concreto dentro do sistema internacional. Tampouco criaram-se mecanismos

independentes e eficientes nos países que aderiram ao desenvolvimento

sustentável (LE PRESTRE, 2000).

A falta de mecanismos e de resultados concretos na Rio-92 coloca em

questão a legitimidade dos debates e dos acordos estabelecidos nela. Para

responder a isso, segundo os critérios do Secretário Geral Maurice Strong, a

conferência foi um sucesso apenas em parte. Contudo, quando se vê a Rio-92

como parte de um processo maior de mudança política e ontológica, seu valor

como um momento discursivo fica ainda mais claro. Sem dúvida, a Rio-92

fortaleceu o movimento ambientalista, as ONGs, a sociedade civil internacional, e

o caráter cooperativo das Nações Unidas.

Para Philippe Le Prestre (2000), a Rio-92 foi bastante significativa. Ele

escreve:

“Os acordos internacionais no âmbito da ecopolítica não

constituem fins em si mesmos, mas iniciam um processo. Não definem

objetivos absolutos e inamovíveis ou um mandato de ação imperativa,

mas servem de base a negociações e ajustamentos futuros entre os atores

interessados, definindo seus parâmetros. Por conseguinte, a Conferência

do Rio não foi um ponto culminante de um processo, porém uma etapa

que permite compreender os limites das utopias, a complexidade dos

mecanismos e as dimensões múltiplas dos problemas. Ela forneceu um

meio de mobilização contínua dos governos e sociedades civis e um

quadro intelectual que permitirá a consideração de interesses diversos. A

despeito dos seus limites, a Conferência do Rio criou um potencial de

progresso substancial e mostrou a via para uma inserção melhor da

dimensão ambientalista nas políticas econômicas e nos processos de

decisão.” (LE PRESTRE, 2000, p. 240).

4 A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima na Rio-92 foi assinado por

quase todos os países do mundo, mas não fixou obrigações. Só nos anos seguintes os países

entraram em acordos que estabeleceram obrigações sobre a redução de emissões de gases do efeito

estufa, como o já citado Protocolo de Kioto.

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Como um espaço discursivo, a Rio-92 forneceu a racionalização

comunicativa, e pelo seu caráter político, a mediação de ideias e valores centrais

nesse debate as legitimou, abrindo o caminho para sua institucionalização a nível

nacional e internacional. A gama de representantes que participaram da

conferência e o alcance da discussão demonstram a tendência desse processo a

criar mais atividade na sociedade civil – assim, o próprio processo se legitima.

Através dos processos discursivos, estes foram se institucionalizando e

legitimando novos conceitos, valores e opiniões. Entrou na discussão por exemplo

a) a precaução para evitar danos ao meio ambiente de nações vizinhas; b) o

princípio de cooperação para proteger o meio ambiente através de notificações

sobre quaisquer catástrofes e de compartilhar outras informações que pudessem

afetar a outras nações; c) a definição da tarefa de estudar o impacto do princípio

de poluidor-pagador e a responsabilidade comum e diferenciada; d) a importância

da consideração dos direitos e necessidades de gerações presentes e futuras e a

participação de populações em decisões que pudessem afetá-las (LE PRESTRE,

2000), (GALIZZI, 2005). Esses princípios talvez não se concretizaram como

compromissos por seus signatários, mas estabeleceram essas normas através de

um processo discursivo que, segundo a teoria de ação comunicativa, tem o

potencial de criar e transformar políticas e instituições refletidas nas práticas e

opiniões públicas, criando um regime de normas e valores com base na cultura e

no mundo da vida racionalizado das sociedades.

2.4. Vinte anos para frente. O que mudou?

Todo o processo preparatório oficial da Rio-92, de 1989 até a realização da

conferência em 1992, aconteceu durante uma época de grandes mudanças no

palco internacional, com o estabelecimento de novas relações entre países e novas

possibilidades políticas e diplomáticas: foi a época do fim da Guerra Fria e da

redemocratização de países de América latina, um momento de mudança geral

para a organização da ONU e para a sociedade civil global. Para o movimento

ambientalista, esse período marcou o momento da mundialização da questão

ambiental. Neste novo contexto, os problemas ecológicos e a degradação do meio

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ambiente apontada pelos indicadores ambientais alcançaram um público muito

maior. Diferentemente da conferência de 1972, realizada em plena Guerra Fria,

em 1992 não havia as mesmas barreiras políticas ou ideológicas que dificultavam

a cooperação internacional, impedindo a busca por soluções viáveis para crises

como as ambientais, e a questão global se tornou o foco.

No contexto da Rio-92, surgiu um novo otimismo sobre o futuro mundial.

O fim do grande conflito que dividiu o mundo durante quase meio século abriu as

portas para novas possibilidades políticas, econômicas e sociais a muitos povos,

governos e indivíduos. Novas perspectivas surgiram com visões diferentes e

grandes esperanças; entre as quais se destaca o “eco”, um conceito apropriado do

movimento ecologista e inserido numa ampla gama de áreas para expressar o

interesse e valorização da natureza (BENZ, 2000). O meio ambiente e as

preocupações dos ambientalistas começaram a receber cada vez mais atenção,

deixando de ser objeto apenas de especialistas. Em 1992, o ambientalismo já tinha

sido estabelecido no debate e nos órgãos internacionais, como um espaço

discursivo mais aberto com maior papel da sociedade civil nacional e

internacional.

No período entre 1972 e 1992 a ampliação da mobilização política

relacionada às ameaças das crises ecológicas e às questões do meio ambiente não

foi exponencial ou sequer estável. Na verdade, ao longo dos anos 70 e 80, houve

uma variação notável no grau de interesse por essas questões em todo o mundo.

Houve fases de mobilização onde programas foram adotados, e políticas e

instituições foram criadas, mas houve também uma contra corrente de progressivo

desinteresse. As razões dessa instabilidade são complexas, mas o fator econômico

é sempre um bom indicador do sucesso ou falha de movimentos progressistas e

reformistas em geral. A década dos 80, por exemplo, foi marcada pela definição

de prioridades em um cenário de estagnação econômica de países europeus e de

reestruturação econômica radical nos EUA. Durante a década dos 70, as políticas

ambientais, como as de controle de poluição, foram bem-sucedidas e não

implicaram em custos altos. Entretanto, na década seguinte houve um novo clima

econômico acompanhado por preocupações a respeito de uma nova onda

ambientalista. Pelos interesses políticos e do mercado que foram consagrados na

década dos 80, as críticas profundas aos elevados padrões de produção e consumo

encararam resistência. Neste contexto, os países mais industrializados tenderam a

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transferir a responsabilidade por crises ambientais aos países menos

desenvolvidos, para justificar a falta de atenção interna ao problema5

(LAGO,

2006), (TAVARES, 2000).

O rumo do movimento ambientalista e das políticas nacionais e

internacionais de 1972 até 1992 direcionou-se a uma reformulação de prioridades

relacionada uma tendência à variação do nível de atenção ao meio ambiente. Na

sociedade civil, depois da conferência de Estocolmo, o foco e importância dada à

preocupação ambiental não rendeu frutos, embora tenha sido resultado na Rio-92.

No cenário internacional, as mudanças políticas e diplomáticas, bem como os

debates vinculados nas duas conferências, colocaram o meio ambiente em uma

posição que ultrapassa o sistema tradicional da ONU de negociação entre Estados.

Pelo caráter específico das questões ambientais, havia mais necessidade de

consultar cientistas e ONGs, fazendo com que o campo de relações internacionais

mudasse. A comparação dos processos de preparação e organização entre a

UNCHE e o UNCED reflete essas mudanças, além do fato de serem processos de

mão dupla. Fora do âmbito político internacional, que longe de representar um

sistema perfeito, surgiram novos interesses agora aliados com o movimento

ambientalista e novas relações entre a sociedade e o Estado.

O caráter aberto do debate público das duas conferências abriu espaço para

a discussão sobre os problemas ambientais, as crises ecológicas e as possíveis

soluções. O papel da sociedade civil neste processo permitiu a elaboração de

formas abrangentes de ecopolíticas. Os documentos importantes das conferências

e a criação dos órgãos como o UNEP e a SDC permitiram a ampliação da

participação da sociedade civil nesse debate. Portanto, a UNCHE e a UNCED

deram a tom para a ampliação do espaço discursivo a nível internacional tanto

quanto a nível nacional. Os resultados da UNCED foram importantes, mas a

dificuldade de criar acordos concretos demonstrou uma crise no modelo

discursivo da ONU e deu a tom aos impasses futuros na política ambiental

internacional.

Examinar as conferências como momentos discursivos marcantes revela o

significado da relação entre as mudanças sociais ocorridas nos últimos cinquenta

5 O desastre nuclear de Chernobyl ocorrido na então União Soviética é exemplo disso.

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anos e o conceito, o entendimento e a discussão sobre o meio ambiente. Através

do espaço discursivo, e o debate sobre o meio ambiente que este forneceu, novas

opiniões e valores sobre o mundo, a sociedade e o futuro se desenvolveram,

formando novos entendimentos sobre a natureza, a política, e a sociedade civil. Os

valores e os discursos ligados ao movimento ambientalista alcançaram os mais

diversos setores da sociedade, ganhando legitimidade por terem promovido

mudanças com base na cultura não impostas por entidades como o Estado ou o

mercado, como demonstrado pelo nível de abertura dos debates apresentados

anteriormente. Para que se possa entender melhor os debates promovidos a nível

internacional nas duas conferências, é prudente examinar casos específicos do

movimento ambientalista e a ecopolítica a nível nacional brasileiro americano e

entender as diferentes posturas adotadas pelos diversos participantes nos debates

realizados na ONU.

Apesar dos impasses, o debate pluralista sobre o meio ambiente funcionou

durante as duas conferências, e nos vinte anos que as separaram, como a força

legitimadora da questão ambiental e do ambientalismo como um novo conceito

ontológico e uma maneira diferente de entender o mundo. Junto a isso, grupos e

atores da sociedade civil cresceram como força social através do cultivo de

valores, defesa e estabelecimento de normas associados ao movimento

ambientalista. Este movimento, formado por grupos relacionados com diversos

temas, trabalhou para abrir o espaço ao debate sobre o meio ambiente. Através das

Conferências de 1972 e 1992, a sociedade civil entrou em uma nova etapa. As

transformações de 1972 para 1992 são acompanhadas por mudanças sofridas pelo

movimento ambientalista e de sua força para legitimar a ação política, os

conceitos e os valores relacionados às questões sobre o meio ambiente.

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3 A formação das arenas discursivas

A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas ajuda a explicar como

os valores e conceitos relacionados à proteção do meio ambiente se formam num

processo discursivo para criar políticas e instituições. Através do debate aberto,

plural e democrático, têm-se as condições para formar políticas legitimas, com

base e apoio nos valores e ideias compartilhados no mundo da vida. Durante a

UNCHE e a UNCED, vimos que a participação dos países em desenvolvimento,

de ONGs e representantes da sociedade civil podem contribuir para a legitimação

do sistema de cooperação internacional e para o consenso resultado das duas

Conferências. Entretanto, ainda que ambas as Conferências fossem momentos

discursivos importantes na formação de um entendimento comum sobre

problemas ambientais globais e sobre a necessidade da cooperação internacional,

houve muita dificuldade para criar soluções consensuais a fim de fortalecer, por

exemplo, a proteção do meio ambiente dentro de instituições e políticas concretas.

Habermas destaca a democracia e o debate como pressupostos para a

formação de valores e normas legítimos. Sua abordagem universalista para

examinar a formação de instituições e políticas pode ser considerada uma forma

de macropolítica que destaca os processos discursivos como uma das bases

necessárias para o consenso democrático. Pelo caráter procedimental das duas

Conferências em questão, tal abordagem parece adequada. As instituições

democráticas criadas durante a UNCHE e a UNCED, como o UNEP e a CSD,

contribuíam para a ética discursiva que Habermas identifica como integrante do

caminho legítimo para a mudança social e democrática. Todavia, algumas críticas

à perspectiva adotada por Habermas apontam que sua ênfase nos pré-requisitos de

um espaço discursivo aberto e pluralista pode nos distrair da realidade no terreno

e, por isso, haveria a necessidade de uma abordagem menos idealista

(FLYVBJERG, 1998).

Outro autor, Michel Foucault, como Habermas, também se interessa pela

função e pela formação social de instituições nas sociedades modernas em relação

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a temas filosóficos da razão e da subjetividade. Os dois autores muitas vezes

representam duas perspectivas muito diferentes e por suas abordagens distintas

muitos concluem que eles não se falam. Os dois autores tratam da emancipação de

indivíduos. Enquanto Habermas acredita que isso seja possível através de uma

sociedade racional e justa, Foucault discorda com o pressuposto que a

racionalidade e justiça resultariam em emancipação. Para Foucault mesmo numa

sociedade racional e justa existem relações de poder, dominação e subordinação

onde a emancipação não se realiza e é sempre precisa. Similarmente os dois

formam teorias sobre o discurso, mas, para Habermas, o discurso permite a

organização social e institucionalização nas quais uma sociedade justa e racional é

construída. Para Foucault, o discurso é algo mais concreto onde a dominação e as

relações de poder se manifestam.

Diferentemente de Habermas, Foucault não empreende uma teoria

abrangente e definitiva que se preocupe tanto com consistência. Foucault

estabelece teorias sobre discurso, conhecimento e outros temas, mas, ao invés de

apresentar uma teoria geral, ele se utiliza de mecanismos metodológicos para

formar sua análise em oposição a uma teoria geral. Através de uma análise do

poder, ao invés de uma teoria, Foucault examina certas instituições nas sociedades

modernas e descobre elementos e características menos visíveis durante a

aplicação de uma teoria geral. O alvo não é explicar estruturas e práticas sociais,

mas se utilizar de uma análise crítica para expandir as dimensões da definição do

poder para chegar além de discussões relacionadas a modelos legais de poder

legítimo, ou modelos institucionais relacionados com o Estado, e descobrir os

micro elementos e atores por detrás (DREYFUS & RABINOW, 1983).

A partir de uma análise de poder, os meios para realizar a ética discursiva,

que Habermas localiza na racionalização comunicativa, existem ao nível das

ideias. Desta perspectiva, nas conferências da ONU, uma análise que enfatiza os

processos discursivos não considera o contexto no qual as agendas diversas foram

estabelecidas. Olhando o conteúdo das conferências, Habermas destaca a situação

na qual os participantes determinaram o debate. Enquanto isso, Foucault formaria

uma microanálise substantiva dos próprios participantes e dos discursos que estão

presentes (FLYVBJERG, 1998), considerando que o espaço discursivo das

conferências não existiu num vacum. Antes dos processos discursivos que

formaram o consenso, os participantes chegaram ao debate com sua própria

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bagagem e sua própria agenda – as normas e valores de cada país, que são

produtos de situações e experiências específicas nacionais. Segundo o pensamento

de Foucault isso determinaria a agenda e influenciaria o debate.

Numa discussão sobre as relações entre o direito, a verdade e o poder,

Foucault levanta alguns conceitos que podem ser aplicados na análise do

surgimento do movimento ambientalista, sua institucionalização e sua entrada em

diversos setores da sociedade. Na coletânea Microfísica do Poder, Foucault

(2009) ressalta o direito como instrumento de dominação e, assim, possui um

poder produtivo. Para Habermas, a instituição do direito precisa passar pelos

processos de racionalização comunicativa para contribuir à organização da

sociedade e para a produção cultural no mundo da vida. Foucault analisa a

instituição do direito de forma diferente para tentar descobrir como ela pode ser

mais democrática. Assim, Foucault claramente discorda da abordagem

habermaseana. “O sistema do direito, o campo do judiciário são canais

permanentes de relações de dominação e técnicas de sujeição polimorfas. O

direito deve ser visto como um procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e

não como uma legitimidade a ser estabelecida.” (FOUCAULT, 2009 p. 182).

Os dois autores se preocupam muito com a intersubjetividade. Habermas

destaca a ação comunicativa e processos discursivos como mecanismos de

individualização, mas Foucault parte do conceito de poder produtivo e o

mecanismo para produção de sujeitos. Considerando a importância que Foucault

dá em não criar universais ou formar totalidades, uma contradição aparece – na

sua análise, o poder toma o lugar como um conceito totalizador. Habermas (1994)

percebe essa contradição e expressa uma preocupação sobre o conceito de poder

como uma força de controle total. Esta situação não deixa espaço para a ação

comunicativa e ignora a questão de agenciamento individual, que é muito

importante para Habermas. Lembrando que Foucault não propõe uma teoria de

poder e sua perspectiva parte de observações históricas e contextuais, podemos

ultrapassar as preocupações de Habermas nessa área e nos valer das considerações

metodológicas de Foucault.

É claro que a abordagem do Foucault difere da de Habermas. Esse estudo

sobre o movimento ambientalista e sobre a importância da ampliação e

participação da sociedade civil na política internacional e nas Conferências da

ONU foi fortemente inspirado nos conceitos habermaseanos, mas questioná-los

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pode contribuir para essa discussão. O propósito não é formar uma dupla teoria,

mas usar o pensamento de Foucault para abrir mais os conceitos que estão

discutidos aqui. Um debate teórico sobre Habermas e Foucault não é no escopo

deste trabalho, mas usar Foucault para enriquecer o levantamento metodológico

implica uma crítica dos conceitos de Habermas que é importante considerar.

Para Foucault, se pode fazer uma análise descendente que usa uma teoria

generalizante, mas também pode fazer uma análise ascendente. Segundo o autor,

a segunda opção é metodologicamente mais válida. É possível deduzir fenômenos

de um fato geral global, no caso de uma análise descendente, mas, dessa maneira,

se pode chegar a uma gama de conclusões que não necessariamente levam tudo

em conta. Isso é um resultado que todo cientista social precisa considerar, mas

parece que para Foucault o problema não é a intenção em si de encaixar tudo

numa teoria totalizadora. É melhor “examinar historicamente, partindo de baixo, a

maneira como os mecanismos de controle puderam funcionar.” (FOUCAULT,

2009, p. 185). Assim, não corre o risco de fechar um assunto para a análise. Em

relação ao surgimento do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados

Unidos, não significa que houve uma transformação nas opiniões das pessoas que

resultaram na legitimação e na criação de políticas ambientais, mas pode-se

deduzir várias coisas partindo do pressuposto geral de que a possibilidade por

processos discursivos resultou na disseminação do movimento ambientalista para

diversos setores da sociedade e sua institucionalização com leis e órgãos

ambientais. Ao invés disso, Foucault recomenda olhar desde baixo as origens

dessas instituições e do ambientalismo1.

Abordar uma discussão sobre a analítica do poder de Foucault pode abrir a

análise do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos para além da

preocupação com a legitimidade dos modelos legais e institucionais. Para

Foucault, perguntar se políticas, normas, valores, práticas e opiniões são legítimos

é uma questão falsa, ou uma distração das relações de poder múltiplas e os

processos de subjugação e dominação que sempre estão em jogo (mesmo quando

1 A falta de discussão sobre o meio ambiente nos textos de Foucault instigou alguns autores nos

últimos vinte anos a fazer análise crítica do ambientalismo de perspectivas teóricas inspiradas

na obra de Foucault. A extensão do conceito de bio-poder introduzido na Historia da

Sexualidade para eco-poder é um exemplo que, entre outras ideias, é discutido por vários

autores na coletânea Discourses of Environment (Org. DARIER, 1999).

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legítimo). Antes de perguntar sobre a legitimidade ou o consenso, seria prudente

analisar a formação única e as mudanças internas nos dois países para poder

entender suas participações nas Conferências da ONU. As diferenças políticas,

históricas, econômicas e sociais entre o Brasil e os Estados Unidos determinaram

o desenvolvimento distinto dos movimentos ambientalistas e, portanto, o

desempenho diferente e variável nas Conferências da ONU. As diferenças que

serão discutidas entre a história e política nos dois países demonstrarão que,

embora durante o período entre 1972 e 1992 a legislação e regulamentação

ambiental fossem fortalecidas e a atuação da sociedade civil expandisse os

processos dessas mudanças, as circunstâncias eram muito diferentes. O

surgimento dos conceitos, ideias, normas e valores que promovem a proteção do

meio ambiente não fazem parte de um processo uniforme e sua racionalização ou

entrada no mundo da vida (no sentido habermaseano) ao nível nacional é muito

diferenciada. Uma análise comparativa a nível nacional tentará estabelecer uma

ponte entre o movimento ambientalista em contextos nacionais e a maneira que as

questões são enfrentadas a nível nacional.

Comparar e contrastar são ferramentas metodológicas que vão ajudar a

entender a tendência maior da expansão do movimento ambientalista para

diversos setores da sociedade, seu fortalecimento na atuação e na função da

sociedade civil e as transformações que acompanharam e formaram essa mudança

abrangente. As diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos tomam várias formas

dependendo da área ou da época. As situações internas em 1972 visando a

Conferência em Estocolmo foram muito diferentes da Rio-92. Os dois países

podem ser analisados desde várias perspectivas usando abordagens distintas. Para

a seguinte análise, os temas dos capítulos anteriores, como o processo maior da

entrada dos valores e a consciência na sociedade geral e a importância da

sociedade civil nos processos de institucionalização e na legislação ambiental,

serão discutidos. Todavia, uma discussão sobre as relações complexas e fatores

internos e externos que determinaram a forma e desenvolvimento desses temas

contribuirá para entender melhor a transformação na atuação dos países no

sistema internacional e no seu papel na negociação multilateral.

Estudos nas áreas sociais, tanto quanto nas políticas e econômicas, que

comparam o Brasil e os Estados Unidos podem ter um tom que expressa uma

inadequação por parte do Brasil, ou que o modelo ou sistema do país Norte-

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americano são preferíveis ao brasileiro. De nenhuma maneira, essa comparação

tenta estabelecer, por exemplo, que o Brasil está inadequado para gerenciar os

seus recursos naturais ou para lidar com a comunidade internacional, e sequer

argumentar que o movimento ambientalista ou as políticas ambientais nos EUA

representam um modelo a ser atingido. De fato, desde uma perspectiva objetiva, o

Brasil e os Estados Unidos são candidatos de primeira linha para uma comparação

dessa natureza. Além de serem países ricos em recursos naturais, estes

desempenharam papéis centrais na UNCHE e na UNCED e nos debates sobre o

meio ambiente global. Os dois países de uma forma ou outra enfrentaram crises

ambientais significantes e passaram por processos de conscientização e

valorização ambiental.

3.1. A crise ambiental no Brasil e nos EUA

Toda discussão sobre o meio ambiente – a conservação, a ecopolítica, a

regulação ambiental, o desenvolvimento sustentável – tem sua origem na crise

ambiental. A Conferência de Estocolmo em 1972 estabeleceu o consenso na

comunidade internacional, ao dizer que os problemas ambientais e as crises

ecológicas afetaram o mundo inteiro e o meio ambiente humano era um assunto

junto às questões tradicionais de segurança e direitos humanos para as Nações

Unidas considerar. Embora um consenso internacional sobre a necessidade de

discutir essa questão fosse estabelecido, surgiram dois conflitos fundamentais que

ressoariam daí por diante. Primeiro, que as crises ecológicas atingem países

diferentes e populações diferentes. Segundo, que as soluções também trarão

benefícios diferentes para países diferentes. Uma teoria que examina os processos

democráticos do sistema internacional de cima para baixo, como a teoria de ação

comunicativa, não leva isso em conta. Para uma análise mais sensível à diferença

e aos conflitos aqui, podemos usar a abordagem de Foucault que procura as

relações de poder por detrás desse processo.

A crise ambiental permaneceu o assunto subjacente em 1972 e 1992, mas

seu significado variava entre os diferentes participantes das Conferências e mudou

durante o período de vinte anos, dependendo da situação de cada país. Desde

Estocolmo, os efeitos diferenciados da crise ambiental mostraram que os

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interesses de alguns serão favorecidos dependendo da direção das políticas e as

deliberações da ONU. Em 1972, a posição de países em desenvolvimento,

liderados pelo Brasil, destacou que esses países partiram de um lugar desfavorável

no empenho ambiental por serem mais suscetíveis aos problemas ambientais e por

terem maior dificuldade de programar soluções por falta de condições

tecnológicas e financeiras. O desequilíbrio ficou claro entre países como Brasil e

os Estados Unidos no contexto internacional, mas os desequilíbrios internos

dentre dos países participantes não necessariamente foram evidentes.

Analisando as Conferências a partir da teoria de ação comunicativa, seria

muito fácil perder essa visão. Por exemplo, a participação do Brasil foi central

para a formação da agenda dos países em desenvolvimento e o caráter deliberativo

das duas conferências facilitou a participação democrática bem sucedida e a

racionalização comunicativa na comunidade internacional. Entretanto, esse

processo teve consequências para as populações diversas dentro do Brasil, que

uma universalização normativa não revela. Desde as primeiras crises ecológicas,

antes de Estocolmo, e até hoje, os setores da sociedade, dentro de fronteiras

nacionais, mais vulneráveis aos efeitos negativos de degradação ambiental não são

visíveis. Quando olhamos a partir de baixo, é possível ver ao nível nacional as

consequências internas não apenas dos problemas ambientais, mas também dos

debates internacionais na formação dos discursos, políticas e instituições.

Problemas do meio ambiente que têm alcance global – poluição, mudança

climática, desmatamento e destruição de biodiversidade – têm efeitos diretos para

populações locais e regionais. Em Estocolmo, ainda que a comunidade de países

desenvolvidos se preocupasse com as crises ambientais no Brasil, principalmente

o desmatamento da Amazônia, o foco permaneceu na política nacional. A

delegação brasileira defendeu a degradação ambiental e afirmou o direito de

gerenciar seus próprios recursos. O Brasil defendeu a expansão de indústria e

projetos de desenvolvimento econômico com o princípio de soberania –

essencialmente afirmaram o seu direito de poluir (COMISSÃO

INTERMINISTERIAL, 1991).

Pelos desníveis de desenvolvimento industrial e de infraestrutura entre os

Estados Unidos e o Brasil em meados do século XX, os efeitos negativos de

degradação ambiental e sensibilização sobre crises atingiram populações de forma

e tamanho diferentes. Entretanto, na década de sessenta, o Brasil se tornou o

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segundo exportador na agricultura, atrás dos Estados Unidos que permaneceram o

primeiro. Os grandes empreendimentos agrícolas nos dois países tinham seus

preços para o meio ambiente, mas a transição para um sistema de produção

industrializado no Brasil foi mais recente e mais rápido comparada como os EUA.

Assim, os efeitos negativos de aplicação de fertilizantes químicas e pesticidas, na

forma de perda da camada superficial de solo, erosão acelerada, desertificação, e

maior desmatamento para garantir a produção agrícola contínua, ficaram cada vez

mais evidentes (GUIMARÃES, 1991).

A expansão de agricultura industrial fez parte do período de grandes

projetos desenvolvimentistas durante as décadas de cinquenta e sessenta no Brasil.

O resultado foi o aumento de produção com culminação no milagre econômico da

década de setenta, mas resultou em poluição descontrolada e condições ambientais

perigosas. A expansão do setor industrial, principalmente metal mecânico,

direcionada para automotores e bens de consumo duráveis, e o setor químico,

orientado a petroquímica, criaram situações de crise ecológica flagrante. Os

exemplos dos polos industriais de Cubatão e Camaçari e do programa de

mineração de Grande Carajás representaram o melhor das políticas

desenvolvimentistas, mas na década dos setenta se tornaram os maiores

desempenhos de destruição ambiental. Neste período a qualidade de vida material

aumentou no Brasil, mas resultou em grandes custos para a qualidade de vida em

termos mais abrangentes, relacionados ao meio ambiente onde todos viviam

(COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991).

Nos Estados Unidos, o boom industrial a partir da segunda guerra mundial

também resultou em maior poluição do ar, água e solo, colocando as populações

internas em maior perigo. O uso de químicas e pesticidas na indústria agrícola

aumentou e a devastação e extinção de ecossistemas e de espécies piorou. Um

exemplo marcante dos efeitos desastrosos da industrialização desenfreada durante

a década de sessenta foi em Ohio onde o Rio Cuyahoga, desprovido de vida

aquática e localizado em uma das regiões mais industrializadas do país, pegou

fogo inúmeras vezes pela contaminação extrema de petróleo e resíduos industriais

(UNITED STATES, 1992).

As crises ecológicas têm efeitos e níveis de urgência diferentes em

situações diferentes. Os problemas relacionados à escassez de recursos e à

exploração e manipulação do mundo natural são muito antigos, mas a partir da

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década de sessenta, com o surgimento do movimento ambientalista internacional,

as crises ecológicas para o mundo inteiro se referiam à interação entre atividades

humanas e os sistemas naturais. Essa definição também colocou a resolução das

crises ambientais em pauta e identificou o poder das pessoas de controlar o meio

ambiente imediato (GUIMARÃES, 1991).

A UNCHE em 1972 e a UNCED em 1992 foram dois momentos

importantes que marcaram duas transformações na maneira de pensar sobre o

meio ambiente. Nos Estados Unidos, como em países europeus e outros países

industrializados, a década de sessenta sofreu a expansão do movimento

ambientalista, para além da conservação rumo a uma visão ampla ecológica que

destacou a interdependência e a saúde de ecossistemas. Assim, em Estocolmo,

onde esses países levantaram suas preocupações, a crise ecológica foi definida por

sua conexão com outros sistemas naturais e pela relação com os sistemas sociais e

humanos. A UNCHE tratou do meio ambiente humano, como conjunto de

sistemas naturais e humanos, e colocou a questão da crise ecológica em relação

direta com as atividades humanas. Junto ao próprio conceito do meio ambiente, a

definição das crises ecológicas se retirou do mundo natural e expandiu para

englobar os efeitos negativos para os ecossistemas e para as populações humanas.

Na Rio-92, por várias mudanças ao longo dos vinte anos que separaram as duas

Conferências, a definição da crise ambiental sofreu outra transformação quando

sua solução foi declarada na forma de desenvolvimento sustentável – o conceito

novo que estabeleceu uma ponte entre o crescimento econômico e a proteção do

meio ambiente.

Partindo do pensamento habermaseano, essa transformação faz parte do

processo de racionalização comunicativa e o consenso, mas se partimos de uma

abordagem que não esteja preocupada com a expansão ou criação de novas

estruturas democráticas (como a de Habermas), outra imagem surge. Desde que as

preocupações sobre a crise ambiental que chegaram à agenda internacional, os

Estados Unidos e Brasil expressaram sua necessidade de manter o crescimento

econômico. Os países tinham que aceitar o fato que a crise ambiental foi um

obstáculo significativo para a expansão industrial e tinham que responder às

demandas de setores da sociedade civil, ao nível nacional e internacional, para

resolver esse conflito. A maneira que reagiram o Brasil e os Estados Unidos a essa

situação foi muito diferente. Não necessariamente refletiu os processos

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discursivos do sistema internacional, mas claramente refletiu as origens distintas

da crise ambiental nos dois países e seu desempenho para resolvê-la – a resposta

foi resultado mais do conflito do que o consenso.

A crise ambiental nos Estados Unidos, quando reconhecida, é considerada

o resultado de expansão industrial e de má gestão de recursos naturais. Em

Estocolmo essa percepção foi evidente na maneira que, junto a outros países

industrializados, os EUA chamaram para controlar o desenvolvimento industrial

em países menos industrializados como o Brasil. Houve uma proposta para

estabelecer um Fundo Mundial que definiria os recursos naturais como patrimônio

mundial, refletindo a perspectiva dos EUA, mas foi rejeitada completamente pelo

Brasil e outros países em desenvolvimento que possuíram grande patrimônio

natural e exigiram o direito soberano nacional para explorá-lo (COMISSÃO

INTERMINISTERIAL, 1991). A política internacional complexa, que visava

normas e instituições para a comunidade internacional inteira incorporar

funcionou, neste caso, para fortalecer a soberania nacional de países. Habermas

pressupõe que a soberania é necessária para a regulação através da lei, mas, em

Estocolmo a posição do Brasil chocou com as propostas para regulação e

institucionalização. Os elementos políticos e econômicos ao nível nacional e a

relação complexa dentre a comunidade internacional fortaleceram a soberania

nacional. Os processos discursivos em Estocolmo não conseguiram direcionar a

ação dos participantes para um processo aberto e democrático. Pelo contrário,

segundo uma analise inspirada no pensamento de Foucault, esses funcionaram

para reforçar relações de poder existentes e criar outras novas.

Para o Brasil, como os EUA, as crises ambientais tinham origem nos

processos de industrialização, mas no contexto de acordo e regulação

internacional sua definição chegou além disso. A crise ambiental e os novos

valores associados com o movimento ambientalista se tornaram uma fonte para o

desenvolvimento econômico nacional com novos produtos e indústrias que

visavam soluções ambientais (MAURICESTRONG.net, 1971). Essa nova visão

respondeu às propostas que limitaram o caminho dos países em desenvolvimento

para realizar padrões materialistas elevados. Partindo dos conceitos de Foucault

apresentados acima, essa agenda nasceu claramente no modelo dominante de

desenvolvimento – caracterizado pelo sistema econômico acumulativo, o

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crescimento de bens, a industrialização, a tecnologia e a dominação da natureza –

não na sua racionalização através dos processos discursivos da Conferência.

Em 1973 o Brasil se localizou na frente de uma tendência que ligou o

desenvolvimento com as questões ambientais de uma maneira que não desviou o

rumo que objetivou satisfazer as necessidades básicas da população através do

crescimento econômico. Partindo dessa perspectiva, o conceito de

ecodesenvolvimento surgiu, chamando para um modelo de desenvolvimento que

minimiza os impactos ambientais, sem restringir a satisfação de necessidades

básicas e a qualidade de vida das populações. Depois das deliberações em

Estocolmo e o consenso sobre a conexão entre desenvolvimento e proteção do

meio ambiente, a comunidade internacional identificou-se com esse conceito e o

novo manual para o movimento ambientalista internacional foi publicado pela

Comissão Brundtland com seu nome revelador: Nosso Futuro Comum (1991). O

livro chamava para uma nova ética de desenvolvimento e para tomar a

responsabilidade da qualidade do meio ambiente para as futuras gerações através

do desenvolvimento sustentável.

A conexão entre o desenvolvimento e o meio ambiente é um pressuposto

importante para o Brasil. A ideia que os dois objetivos de desenvolvimento e da

proteção e preservação do meio ambiente não eram mutuamente exclusivos foi

consagrado em 1971 no Relatório Founex e recebeu muita atenção no debate

internacional, culminando na Conferência das Nações sobre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro vinte anos depois. No Brasil ficou

evidente que problemas como a falta de saneamento e infraestrutura básica,

desmatamento, perda de diversidade biológica e cultural e poluição extrema

deveriam ser abordados juntos com uma visão de desenvolvimento medido não

apenas medido por indicadores econômicos (GUTBERLET, 1998).

O significado da crise ambiental no Brasil, não foi apenas uma questão

técnico-científica uma vez que o desenvolvimento foi colocado na balança. Para

os EUA, um modelo de desenvolvimento que incorporou a questão ambiental

junto à questão social não combinou com sua visão da crise ambiental que foi

limitada a termos técnicos e econômicos. Como um país altamente

industrializado, o esgotamento de recursos foi uma questão importante. Assim, em

Estocolmo, os EUA destacou o gerenciamento da crise ambiental e a sua

contribuição técnico-científica à comunidade internacional visando garantir o

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futuro acessos a recursos naturais. No Brasil, a abundância de recursos naturais

não criou preocupação sobre esgotamento de recursos. Pelo contrário, a visão da

crise ambiental foi ligada ao não uso correto desses e à falta de gerenciamento

ambiental.

A crise ambiental foi vista de uma maneira muito diferente em 1972 pelo

Brasil e pelos EUA. Na Rio-92, o desenvolvimento sustentável consagrou a

perspectiva brasileira, e houve uma transformação na dos EUA de acordo com

isso. Ainda não incorporou muitos dos conceitos consagrados em Nosso Futuro

Comum, lidando com as desigualdades internacionais e a necessidade de

programar políticas que levam isso em conta, mas, vinte anos depois de

Estocolmo, a visão dos Estados Unidos se transformou para destacar a

necessidade de garantir a qualidade do meio ambiente para futuras gerações – uma

consideração que cabia na perspectiva preocupada com o esgotamento de recursos

naturais (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1969), (UNITED STATES, 1992).

Essa transformação, de acordo com Habermas, implica um consenso internacional

sobre a maneira de pensar sobre a crise ambiental e sobre os valores relacionados.

Embora o modelo discursivo das conferências facilitasse isso, não são evidentes

as mudanças no contexto e os fatores históricos, econômicos e políticos que

estavam no jogo.

3.2. A institucionalização do movimento ambientalista no Brasil e os EUA

Antes de discutir os fatores específicos que determinaram a formação do

movimento ambientalista e a conscientização sobre os problemas ambientais no

Brasil e nos EUA, uma apresentação do processo de institucionalização

estabelecerá uma base histórica e cronológica importante. A partir da segunda

guerra mundial, com o nível de segurança física e econômica alcançado em países

altamente industrializados, mudanças abrangentes culturais resultaram no

surgimento do movimento ambientalista em países como os EUA, Austrália,

Japão e países do Oeste Europeu (INGLEHART, 1990). Nesses países, uma classe

média se formou e atingiu um padrão de vida que ultrapassou as necessidades

básicas e permitiu críticas ao modo de consumir e produzir. A partir da década de

sessenta, depois de duas décadas de uso maior de químicas, pesticidas, e outros

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contaminantes do ar, água e solos, um movimento nos Estados Unidos que

chamou atenção para a crise ecológica entrou com força e se espalhou para outros

setores da sociedade. No Brasil, a crise ambiental também instigou as primeiras

mobilizações sociais contra os processos industriais, mas não fez parte das

transformações culturais abrangentes ligadas à capacidade de satisfazer

necessidades básicas da população2.

Na década de cinquenta, grupos conservacionistas na região Sul e Sudeste

do Brasil formaram em resposta ao desenvolvimento industrial rápido,

expressando preocupações sobre a preservação de flora e fauna nessa região. Nos

EUA, a preocupação ambiental se formou dentro de um contexto de mudança

cultural maior e novos valores pós-materialistas que priorizaram a qualidade de

vida das pessoas e das comunidades. No Brasil, a questão era outra. Os grupos

conservacionistas chamaram para a proteção de animais e da natureza e, na década

de sessenta, em resposta ao desmatamento na Amazônia, um movimento surgiu

chamando para a preservação dos recursos naturais. Marina Silva conhece bem

essa história e conta sobre o início do movimento ambientalista “antes de ser

ambientalista”. Ela relata que antes de discutir o meio ambiente do tamanho

mundial, no Brasil existia uma “... luta por um estilo de viver e produzir no qual a

floresta era o centro, provedora, uma presença da qual não podíamos abrir mão...”

(SILVA, 2006, p. 11).

Da mesma maneira que toda discussão sobre a proteção do meio ambiente

surge da questão da crise ambiental, o início dos movimentos ambientalistas no

Brasil e nos EUA se localiza no conflito contra a expansão industrial. Mesmo com

esse elemento compartilhado, as intenções e os alvos do movimento eram muito

diferentes. Nos EUA, as lutas originais para a preservação e conservação se

preocuparam com o esgotamento de recursos para manter os processos e a

produção industrial. Na década de sessenta, os ecologistas se preocuparam com a

preservação dos recursos, destacando a sobrevivência de ecossistemas inteiros e as

suas interligações. No Brasil, havia um movimento conservacionista estabelecida,

e preocupação de comunidades no Acre sobre a expansão industrial. Esse último,

não visava a manutenção dos processos industriais. A motivação foi a preservação

2 Só depois na década de oitenta que o Brasil chegou a sofrer os efeitos da industrialização que

igualava os Estados Unidos durante a década de sessenta.

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de um estilo não industrial de produzir e viver. Esse movimento não considerou a

floresta como um recurso industrial esgotável, mas como o centro de uma maneira

de viver particular que não separava a floresta, como meio de produção, do resto

da vida social.

As grandes diferenças fundamentais entre a história, política e sociedade

fazem parte de uma crítica local da formação do movimento ambientalista no

Brasil e nos EUA. Essas diferenças devem estar no centro de qualquer análise ou

comparação. Para voltar ao contraste entre Foucault e Habermas, Michael Kelly

(1994) ressalta que a teoria de ação comunicativa distingue entre uso de poder

legítimo e ilegítimo. Nessa divisão, a crítica e o poder são separados e a crítica

serve como a ferramenta do poder legítimo para manter o poder ilegítimo sob o

controle. Isso é evidente na maneira que a sociedade civil, na teoria da ação

comunicativa, funciona para tanto limitar o poder quando para legitimar ou

questionar as políticas do Estado. Embora Foucault, pelo lado teórico, discorde de

Habermas porque considera a crítica em si como uma forma de poder – ainda

existem laços comuns. Essa discordância entre Foucault e Habermas é mais uma

fonte de inspiração para essa análise sobre o movimento ambientalista e pode se

aprofundar na discussão do movimento ambientalista. Foucault chama para uma

crítica local, sem normas universais com pressupostos sobre os resultados

(KELLY, 1994).

Os problemas ambientais no Brasil, no início do movimento ambientalista,

eram resultados diretos não apenas do estilo de desenvolvimento que destacava o

crescimento econômico, durante as décadas de cinquenta e sessenta, mas do

conjunto de características institucionais e sociopolíticas complexas. Elementos

do desenvolvimento institucional, social e político do país exacerbaram os efeitos

negativos dos processos industriais. A conexão entre os interesses econômicos e

políticos, por exemplo, criou um sistema que gerava e sustentava grandes

desigualdades e contrastes extremos de riqueza e pobreza. As alianças entre os

setores populares e as elites políticas, desde o governo de Getúlio Vargas na

década de trinta, também diminuiu a capacidade para mobilização de setores da

sociedade marginalizados, que eram atingidos pelos efeitos negativos de expansão

industrial e pela crise ambiental. Até a década de noventa, a natureza não ficou na

frente das preocupações desenvolvimentistas no Brasil – nem nas esferas públicas

ou privadas. Pelo contrário, a ideia ampla que os recursos naturais abundantes no

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país eram inesgotáveis criou um tipo de anestesia com respeito ao meio ambiente.

Ligar o meio ambiente com o desenvolvimento não era apenas parte de um jogo

político estratégico nas Conferências das Nações Unidas. Desde as primeiras

políticas desenvolvimentistas, os dois conceitos eram considerados duas faces da

mesma moeda (GUIMARÃES, 1991).

Nos Estados Unidos, o contexto histórico e político no qual o movimento

ambientalista se desenvolveu, na imagem contemporânea, foi o de grandes

mudanças sociais. O surgimento dos movimentos sociais na década de sessenta

que enfrentaram estruturas políticas tradicionais e lutaram contra a guerra em

Vietnã, para os direitos civis e de mulheres, entre outros grupos, criou o pano de

fundo para o movimento ambientalista estar inserido na onda “contracultura”. O

sistema democrático consolidado realizou políticas que refletiram atividade maior

por parte da sociedade civil. As demandas dos movimentos sociais, inclusive o

ambientalista, entraram na política e na consciência da população maior.

A década de sessenta foi uma época de grande dificuldade para a evolução

dos movimentos sociais no Brasil de forma geral a partir da instalação do regime

militar em 1964. A repressão política durante a década seguinte resultou no exílio

de uma parte significante de ativistas políticos. No contexto de ditadura militar,

todavia existia pressão de setores da sociedade civil e um movimento que chamou

a atenção para a crise ecológica e os problemas ambientais, mas as preocupações

sobre o meio ambiente eram marginalizadas com o foco da sociedade civil nos

direitos e liberdades civis. Ao longo das décadas de setenta e oitenta, o Brasil

virou a décima primeira economia industrial do mundo, mas desde a época pós-

segunda guerra mundial, em termos de desenvolvimento medido além de PIB, não

houve crescimento. A partir da ditadura militar, o chamado “milagre” foi apenas

em termos econômicos. Junto ao crescimento dos indicadores econômicos, a

desigualdade aumentou e o Brasil ficou entre os países piores da região. Esse

contraste seria um grande fator na maneira que o Brasil lidaria com a crise

ambiental e na formação do movimento ambientalista (COMISSÃO

INTERMINISTERIAL, 1991).

Outro elemento importante na comparação do desenvolvimento do

movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos é o grau diferente de

industrialização. Antes de pensar no meio ambiente global ou numa conferência

internacional, os movimentos ambientalistas, ao longo do século vinte

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construíram suas lutas e agendas em resposta aos efeitos negativos de

industrialização ao nível local e regional. Não é um fato desconhecido que os

Estados Unidos, até a década de sessenta, alcançou a posição do país mais

industrializado do mundo. A indústria não foi mais concentrada no nordeste e a

grande maioria das regiões reivindicavam sua participação no sonho americano de

satisfazer os desejos materiais. No caso do Brasil, um país considerado em

desenvolvimento, a industrialização nessa época foi parcial e sua concentração nas

regiões Sul e Sudeste contribuiu para o aumento de desigualdade social e

econômico que até hoje o país enfrenta.

O nível de industrialização, junto ao contexto político e social, determinou

a formação do movimento ambientalista nos dois países. Faz sentido que no Sul e

Sudeste brasileiro o movimento para proteção e conservação ambiental se formou

primeiro. Desde a década dos cinquenta, a sociedade civil começou a se preocupar

com a crise ambiental. A grande maioria de ONGs ambientalistas se formou

durante as décadas dos oitenta e noventa, mas em 1951 foi criada a Associação

Rio Grandense de Proteção aos Animais, em 1955 A União Protetora do

Ambiente Natural em Rio Grande do Sul, e em 1958 a Fundação Brasileira para

Conservação da Natureza no Rio de Janeiro (JACOBI, 2003). No Sul e Sudeste

brasileiro, a industrialização rápida e o movimento que surgiu em resposta aos

efeitos negativos refletiram o desenvolvimento nos Estados Unidos, mas foi muito

mais localizado. Nos Estados Unidos, o movimento ambientalista conseguiu

manter força e influência, mesmo com graus diferentes de sucesso, ao longo das

décadas dos sessenta, setenta e oitenta. Como resultado, a criação dos valores e

normas com respeito à proteção do meio ambiente foi mais difundida. Os EUA

experimentaram uma conscientização na base da sociedade sobre a questão

ambiental e o sucesso do movimento ambientalista para influenciar a política

variava por fatores internos e externos. Mesmo quando não houve progresso na

agenda ambientalista, ou quando o movimento perdeu terreno, os ativistas, dentro

de fora da política, continuaram na sua luta (HOPGOOD, 2003).

No centro das transformações que ocorreram no movimento ambientalista

durante as décadas de setenta, oitenta e noventa reside a institucionalização dos

novos conceitos e valores em normas e políticas ambientais. No Brasil e nos

Estados Unidos, a década de setenta marcou uma época de nova legislação

ambiental extensiva. A entrada das ideias e valores relacionados com o

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movimento ambientalista na política nacional e local faz parte do processo maior

da entrada do movimento ambientalista em diversos setores da sociedade. Leis e

órgãos ambientalistas ao nível de políticas federais e estaduais criaram um regime

institucional que assumiram o desempenho de proteção do meio ambiente através

de regulação e fiscalização. Uma introdução à criação de legislação ambiental e às

políticas particulares no Brasil e nos EUA consiste de evidências concretas das

mudanças no movimento ambientalista nesses países. Portanto, é importante para

explicar as mudanças na sua participação nas Conferências da ONU.

Na década de sessenta, a legislação ambientalista nos Estados Unidos

reforçou e contribuiu para a conscientização mais ampla da sociedade sobre

problemas ambientais. Novas leis federais e instituições foram efetivadas para

restaurar e manter a qualidade do meio ambiente. O regime institucional

concentrava na regulação de contaminantes do ar e água, e estabeleceu processos

para a análise e revisão de programas ou ações do governo federal que poderiam

afetar o meio ambiente. Legislação conservacionista das décadas posteriores

também foi fortalecida com novas leis para controlar resíduos tóxicos e para

proteger espécies de plantas e animais durante a década de setenta, expandindo a

institucionalização dos novos valores e preocupações ambientais (UNITED

STATES, 1992).

A partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone em 1872, as leis

federais ambientais concentraram-se na conservação de flora e fauna e paisagens

em parques nacionais nos EUA. A legislação nacional sobre água e ar, que foi

promulgada durante a década de sessenta, mantinha um papel apenas de pesquisa

e assistência técnica, deixando o controle de poluição e a proteção de recursos nas

mãos dos governos locais e estaduais. A partir do primeiro Earth Day, em Abril de

1970, que marcou a conscientização ampla nos Estados Unidos, na comunidade

internacional, e uma nova percepção do meio ambiente na sua totalidade, o

governo federal percebeu os limites dos programas atuais e começou um novo

período de legislação ambiental. Ao longo das décadas de setenta e oitenta, o

governo criou leis gerais de avaliação ambiental e estatutos direcionados a

recursos específicos como ar e água junto a tipos de poluição específicos, criando

mecanismos de reforço em tribunais civis e criminais (UNITED STATES, 1992).

As novas leis formaram o chão que marcou as mudanças na abordagem do

governo federal, e as instituições criadas pelo executivo e o Congresso para

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trabalhar em paralelo as novas leis formaram as paredes da nova estrutura política.

O Conselho de Qualidade Ambiental (CEQ), criado em 1970, foi um mecanismo

que estudou os programas federais que podiam afetar o meio ambiente e fazer

recomendações para o Presidente baseadas nas descobertas. Além disso, em 1970,

o Presidente Nixon criou a Agência para a Proteção do Meio Ambiente (EPA)

para executar os estatutos específicos sobre recursos naturais, tais como a água e o

ar, e a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica (NOAA) para gerenciar e

monitorar programas nessas áreas. A adoção de normais ambientais no nível

federal estimulou a criação de instituições no nível estadual onde foram criados

departamentos e instituições de proteção ambiental – os mais inovadores

serviriam como modelos para outros governos estaduais e até o para o governo

federal (UNITED STATES, 1992).

Durante a década de sessenta no Brasil, a política ambiental foi voltada à

industrialização, aos programas de substituição das importações e aos interesses

desenvolvimentistas. O meio ambiente dentro da legislação e regulação jurídica

foi voltada à apropriação dos recursos naturais. Assim, diferentemente dos

Estados Unidos, onde durante esta década a legislação ambiental controlava

contaminantes, a legislação federal no Brasil foi limitada ao uso e exploração de

água, flora e fauna (JACOBI, 2003). O governo federal criou políticas como a

Política Nacional de Sanitização (1967) e órgãos como o Departamento Nacional

de Água e Energia Elétrica (1965), o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento

Florestal (1967) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (1970),

com objetivos desenvolvimentistas claros, principalmente de expansão dos centros

urbanos, da matriz elétrica, da rede rodoviária e da indústria agrícola

(GUIMARÃES, 1991), (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991).

Um caso importante no início da década de setenta de uma fábrica no Rio

Grande do Sul que foi responsável por provocar péssimas condições ambientais na

cidade de Porto Alegre, com respeito à poluição extrema da água e o ar, indica o

desempenho das políticas ambientais nacionais e a falha do governo militar em

lidar com esse tipo de problema. Uma solução para este problema surgiu depois

de dois anos de pressão, por parte de grupos ambientalistas, com o cerramento da

fábrica em 1973. Mesmo assim, durante essa época, o Brasil defendeu a poluição

como um meio de crescimento econômico. Como no caso do Rio Grande do Sul, a

legislação ambiental do governo militar se pautava apenas na poluição industrial

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urbana – e somente sob a pressão da sociedade civil ao nível local. Quando a

legislação ambiental foi cumprida, qualquer fiscalização limitava-se apenas as

atividades das empresas privadas, deixando os projetos públicos do governo sem

responsabilização. Tampouco, no setor rural, as atividades como desmatamento,

erosão e contaminação de rios por fertilizantes e herbicidas continuaram sem

intervenção oficial (ALEXANDRE, 2003).

Em resposta direta à instância de contaminação ambiental no Rio Grande

do Sul, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) foi criada em 1973

(GUIMARÃES, 1991). Sob o Ministério do Interior, a SEMA visava os seguintes

desempenos: a) examinar as implicações ambientais do desenvolvimento nacional

e do progresso tecnológico, b) acompanhar a função de órgãos e entidades

ambientais e c) aumentar as normas e padrões de preservação do meio ambiente

(COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Evidente na criação da SEMA foi o

foco no gerenciamento de recursos mais do que no controle de poluição do ar,

água e solo. Mesmo assim a estrutura do órgão marcou uma nova fase na

institucionalização das ideias e valores relacionados à proteção do meio ambiente

no Brasil.

A ideologia do governo militar com respeito ao desenvolvimento foi muito

expressa nas leis ambientais e nas novas instituições. Além disso, a ideologia do

Estado que destacou a segurança nacional e o exercício do poder soberano no uso

de recursos naturais deu o tom às políticas ambientais. Embora o Decreto-Lei

1.413 e o Decreto 76.389 de 1975 estabelecessem controles importantes sobre

poluição industrial, a proteção do meio ambiente foi motivo secundário. Contido

nessa legislação, o Executivo tirou o direito de governos locais de parar atividades

econômicas por razões ambientais, afirmando o poder único do Estado de

interromper atividades consideradas importantes para o desenvolvimento

econômico (GUIMARÃES, 1991). Nas políticas ambientais da década de setenta

nos Estados Unidos, os direitos de indivíduos (destacados na Constituição

Americana) eram reforçados na implementação de regulação ambiental o

estabelecimento de procedimentos, como compensação financeira no caso de

tomada de propriedades particulares, antes de sancionar por transgressões

ambientais. Também, junto à estrutura da Constituição, as leis ambientais federais

permitem cidadãos indivíduos a possibilidade de aplicar os estatutos ambientais,

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levando os responsáveis para tribunal civil, quando as atividades de entidades

estatais ou privadas lhes afeitaram (UNITED STATES, 1992).

No Brasil e nos Estados Unidos, uma política nacional ambiental foi

estabelecida durante a década de setenta com foco na poluição do ar, água e solo,

refletindo o processo maior de transformação social e cultural através da

conscientização de diversos setores da população. No Brasil, a política ambiental

existia claramente no papel, mas isso não significava que os representantes de

interesses ambientais, dentro e fora do governo podiam ganhar poder político

suficiente para agir neste campo. Sem recursos financeiros, ficou difícil para a

rede de profissionais, instituições e leis que visavam à proteção ambiental fazerem

efeito. Dados do Banco Mundial mostraram que de 1978 a 1980 a porção de PIB

gasta nos programas ambientais foi menos do que 0,3 por cento. Outros cálculos

colocaram o número para o Brasil na faixa de 0,065 por cento. Por outro lado, no

mesmo período, os Estados Unidos gastaram 2,5 por cento do PIB em programas

ambientais. Essa grande diferença mostra o compromisso dos governos para

apoiar as políticas ambientais e a capacidade dessas instituições como a EPA nos

Estados Unidos e a SEMA no Brasil (GUIMARÃES, 1991). Embora não seja

possível concluir que essa porcentagem é um valor numérico representativo do

nível de preocupação ambiental nos dos países, ainda mais considerando que o

PIB nos EUA antes dos gastos em programas ambientais era muito maior que o do

Brasil, o que serve para indicar a atenção que recebeu dentro dos contextos

nacionais particulares.

As políticas ambientais expandiram-se no Brasil, no papel, durante a

década de setenta, a pesar do pouco financiamento. Nos Estados Unidos, pela

natureza informativa dos programas nacionais relacionados ao meio ambiente,

havia certo nível de financiamento do governo federal que contribuiu apenas para

a expansão de estudos e para apoio técnico – não necessariamente para a aplicação

de leis e de sanções. As políticas ambientais no Brasil foram criadas dentro da

estrutura centralizada do regime militar, dificultando sua aplicação e expansão;

sem a participação e influência direta de governos locais e a sociedade civil. Nos

Estados Unidos, a criação de programas nacionais centralizou a geração de dados

e disponibilizou recomendações maiores para os governos federais e os governos

estaduais. Dessa forma, a regulação e aplicação relacionadas às políticas

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americanas permaneceram nas mãos de governos locais, um fator que possibilitou

participação cívica.

O ambientalismo que conhecemos hoje em dia nasceu nos contextos

políticos, econômicos e históricos particulares ao Brasil e EUA que contribuíram

para a formação do movimento ambientalista e para a institucionalização de

normas e regulação ambientais. Podemos rastrear o desenvolvimento do

movimento ambientalista desde a década de sessenta, ao longo das Conferências

em 1972 e 1992, diretamente até o presente. Já foi estabelecido, segundo a teoria

de ação comunicativa, que os valores e conceitos associados com a proteção do

meio ambiente espalharam-se para diversos setores da sociedade. A atuação do

movimento ambientalista internacional e a sociedade civil global participaram nos

processos discursivos do sistema da ONU para criar acordos comuns

internacionais. A linha que conecta a UNCHE e a UNCED parece que faz parte de

uma evolução progressiva coerente para chegar a um entendimento cada vez mais

informado e legitimo.

Se considerarmos a preocupação metodológica de Foucault sobre a

aplicação de uma teoria geral, essa continuidade pode ser analisada melhor. Ao

invés de procurar a continuidade histórica e as conexões que formam uma

linhagem concreta, Foucault aponta para os momentos de divergência, de

revolução ou de ruptura para entender a formação histórica social. Uma análise

que procura apenas continuidade não percebe outras forças, às vezes menos

visíveis, que estão no jogo. Essa questão surge do objetivo compartilhado dos dois

autores – a emancipação de indivíduos – e reside no coração da divergência entre

eles, sendo aplicável para a discussão do meio ambiente. Para Habermas, a

formação social discursiva que gera uma sociedade justa e racional é o caminho

para a emancipação dos indivíduos. Dreyfus e Rabinow (1983) destacam uma

leitura de Foucault que identifica a emancipação real ocorre nesses momentos de

ruptura e revolução. Um foco na continuidade histórica que liga as Conferências

de 1972 e 1992 é resultado de uma analise dos processos e regras que foram

estabelecidos dentro desses momentos discursivos. Segundo essa leitura de

Foucault pode negligenciar diferenças e conflitos reais (DREYFUS &

RABINOW, 1983).

Na análise do movimento ambientalista nas Conferências da ONU existia

uma continuidade clara ao nível internacional e também ao nível nacional, mas

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não foi uniforme ou consistente. Assim, baseando-se em Foucault, para entender

melhor a participação única do Brasil e os EUA, seria importante levar em conta

as diferenças que as separam. Ainda que a década de oitenta fosse de expansão de

legislação ambiental no Brasil e nos EUA, de maior conscientização pública e

atuação por parte da sociedade civil, houve grandes mudanças institucionais e

sociais que determinaram os debates na Conferência em 1992.

A década de oitenta foi de grandes mudanças para a institucionalização da

proteção do meio ambiente, definindo claramente as mudanças na participação do

Brasil e os EUA em Estocolmo e na Rio-92. A Política Nacional de Meio

Ambiente de 1981 criou a base para a legislação ambiental e a maneira de abordar

a política ambiental no Brasil dos anos seguintes até os dias de hoje

(ALEXANDRE, 2003). Essa política, estabelecida na Lei 6.938, destacou

conceitos como poluidor-pagador e a necessidade de conciliar crescimento

econômico com preservação do meio ambiente. Além disso, a Lei 6.938

estabeleceu a nova política ambiental junto ao Sistema Nacional do Meio

Ambiente (SISNAMA) que estabeleceu a administração federal, de órgãos

estaduais, municipais e ONGs. Adicionalmente, o Conselho Nacional do Meio

Ambiente (CONAMA) recebeu o papel consultivo e deliberativo do SISNAMA e

“tem por finalidade assessorar, estudar e propor ao governo federal diretrizes de

políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, bem como

deliberar sobre normas e padrões compatíveis com a preservação do meio

ambiente.” (COMISSÃO INTERMINISTERIAL 1991).

A década de oitenta nos Estados Unidos foi de reestruturação econômica

severa. O governo Reagan que durou desde 1981 a 1989 programou políticas

econômicas seguindo uma ideologia de mercados desregulados, poder estatal

reduzido e maior globalização econômica. As políticas federais ambientais da

década de setenta representaram a expansão de regulação estatal e uma barreira

para a expansão econômica, portanto os estatutos ambientais eram desafiados e

seu poder minado. Mesmo assim, no contexto de cortes orçamentais por

programas nacionais e desequilíbrio econômico, os Estados Unidos assinaram a

Convenção de Viena em 1985, um acordo multilateral que baniu o uso de

químicos que causam a degradação do ozônio. A participação nesse acordo apenas

apoiava legislação nacional que foi estabelecido em 1978 contra o uso de certos

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químicos. No fundo, assinar essa Convenção foi motivado mais para proteger os

interesses econômicos nacionais diante da competição no mercado global, por

países que não sofreram as mesmas restrições, e foi cumprido somente com o

apoio expressa do setor químico-industrial (HOPGOOD, 2003).

Uma mudança grande na política ambiental brasileira ocorreu ao longo da

abertura política na década de oitenta. A expansão de programas e instituições

ambientais foi possível com mais participação da sociedade civil e partidos

políticos através de eleições diretas a nível estadual em 1982 e o Brasil

experimentou uma nova onda de institucionalização ambiental ao nível estadual e

local. Assim, a Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (ABEMA)

foi criada, composta por órgãos estaduais e federais e resposta à fragilidade

institucional e política do governo militar junta à demanda social para fortalecer o

SISNAMA e as políticas ambientais nacionais (COMISSÃO

INTERMINISTERIAL, 1991).

A transição democrática no Brasil implantou uma nova estrutura

institucional para o meio ambiente. O Decreto 91.145 de 15 de Março de 1985, a

mesma data da declaração da Nova Republica, criou novos órgãos cujos projetos

ligaram o desenvolvimento diretamente como o meio ambiente. Com este

objetivo, o novo Presidente Sarney criou o Ministério de Desenvolvimento

Urbano e Meio Ambiente (MDU) que abordou políticas dedicadas a uma gama de

desempenhos sob esse ângulo inclusive a habitação, sanitização básica e educação

ambiental. Assim, a facilidade de criar órgãos construiu uma estrutura

institucional grande, mas não correspondeu a valores e práticas na sociedade. Com

a mudança para um regime democrático, a transição ou transferência de poder

político foi acompanhada por um processo de consolidação institucional. Após a

Constituição de 1988 e as eleições nacionais abertas o programa Nossa Natureza

chamou a atenção para o compromisso do novo governo de lidar com questões

ambientais e para sua ruptura com o regime militar. Isso resultou numa mudança

maior na estrutura institucional com a criação do Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989. A nova

instituição englobou várias Agências ligadas a essa área como, por exemplo, o

Instituo Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e em 1990 a SEMA

entrou sob essa nova megaestrutura definindo seu caráter integrado e

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estabelecendo-se como “o grande executor da política ambiental e de gerir de

forma integrada essa área no país.” (www.ibama.gov.br).

3.3. O movimento ambientalista no Brasil e nos EUA

A abertura política no Brasil durante a década de oitenta ocorreu no

contexto maior de transformação política global e nova movimentação na

sociedade civil principalmente na América Latina e o Leste Europeu. Os novos

movimentos sociais enfrentaram questões novas e aproveitaram de novas redes

nas quais articularam suas demandas e lutas (COSTA, 2002). O período de

ditadura militar no Brasil criou um ambiente de desmobilização social com ênfase

na privatização de interesses individuais e grupos junto ao bem estar individual e

de familiares mais próximas. O governo militar realizou uma forte repressão aos

movimentos sociais e desenvolvimento comunitário autônomo, resultando na

despolitização de organização coletiva e a esterilização de questões e problemas

sociais inclusive aqueles relacionados com o meio ambiente (GUIMARÃES,

1991).

No contexto da ditadura militar, as preocupações ambientais estavam

presentes entre certos grupos profissionais e de especialistas, principalmente a

partir de 1979 com a volta de exilados de países europeus, mas para os

movimentos de direitos políticos e de cidadania a questão do meio ambiente

permaneceu secundária. Movimentos sociais voltados aos problemas de pobreza e

necessidades básicas não tinham uma visão que ligava o meio ambiente com

desigualdade e justiça. Ademais, o legado de governança militar tecnocrática, que

procurava legitimação no crescimento econômico através da intervenção Estatal,

definiu a necessidade de preservar o meio ambiente como a antítese do

desenvolvimento nacional (JACOBI, 2003). O discurso oficial durante a ditadura

indicou que uma visão mais ampla do meio ambiente foi um obstáculo ao

desenvolvimento e que o meio ambiente apenas significava flora e fauna.

Nos Estados Unidos, a continuidade democrática ao longo das décadas de

sessenta, setenta e oitenta permitiu participação e influência estável (mesmo que

variassem durante anos diferentes) do movimento ambientalista e elementos da

sociedade civil nos processos políticos. O sistema político americano possui

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mecanismos particulares como o lobbying para incentivar a participação da

sociedade nas decisões políticas. Desde a década de sessenta cientistas, grupos da

sociedade civil e corporações tiveram uma presença no processo legislativo e

buscaram influenciar a criação e implementação de políticas ambientas

(FALKNER, 2005).

Diferentemente do movimento ambientalista no Brasil, o movimento nos

Estados Unidos foi muito mais ligado durante as décadas de setenta e oitenta às

transformações internacionais nos âmbitos políticos e econômicos. As mudanças

na relação entre a sociedade e o Estado, junto ao alcance global das questões

ambientais, criaram uma situação excelente para a expansão internacional do

movimento ambientalista. O movimento ambientalista internacional, ONGs

internacionais e os grupos da sociedade civil internacional ficaram próximos ao

movimento pioneiro nos Estados Unidos (muitas ONGs internacionais eram

sedeados nos EUA). Durante as décadas de setenta e oitenta, através de atuação e

pressão forte por parte da sociedade civil, sistemas de proteção da camada de

ozônio e de preservação de espécies foram criados estabelecendo uma base para a

crítica de países europeus por serem atrasados nessas áreas (FALKNER, 2005).

No Brasil, houve um processo mais exogêneo. O movimento ambientalista

internacional incorporou o Brasil na agenda ambientalista global durante a década

de setenta. A Amazônia se tornou uma palavra-chave para ambientalistas no

mundo todo pelo desmatamento que o modelo desenvolvimentista brasileiro

encorajava. No Brasil, a questão de desmatamento foi uma das mais destacadas e

foi significante por ser o primeiro ponto onde o movimento ambientalista

expandiu para outros setores da sociedade civil e foi incorporado por outros

movimentos. Não foi até o final da década de oitenta que a preocupação sobre

industrialização urbana e poluição juntou com questões sobre pobreza,

desigualdade e justiça, mas a questão sobre a preservação de florestas juntou com

o movimento seringueiro desde a década de setenta3 (JACOBI, 2003).

O movimento ambientalista expandiu ainda mais para outros setores da

sociedade, incorporando outras questões sociais. A sua expansão na política

nacional refletiu mudanças maiores em certas partes da sociedade brasileira:

inclusive a volta dos exilados em 1979, alguns dos quais tinham participado no

3 Movimento liderado pelo sindicalista e ativista Chico Mendes.

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movimento verde na Europa, e a abertura política de eleições locais em 1981.

Com a transição democrática em 1985, houve um boom na atuação e no numero

de novas entidades ambientalistas. Os grupos locais que agiram na década de

setenta eram 45, no início da década de oitenta, mas em 1985 já passavam de 400

para chegar à faixa de 600 ao final da década (ALEXANDRE, 2003).

Houve uma influência ideológica grande durante a década de oitenta do

movimento ambientalista nos EUA e Europa principalmente no Sul e Sudeste do

Brasil. Uma parte significativa do movimento no Brasil tomou a posição do

movimento contra o modelo urbano e industrial de produção que chamou a

atenção para os efeitos dos empreendimentos humanos nos países

industrializados. A Associação Protetora do Meio Ambiente (AGAPAN) adotou

essa perspectiva, destacando o uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Através

da participação política renovada ao nível local na década de oitenta, essa ONG

conseguiu aprovar a primeira lei estadual de agrotóxicos em 1983. Essa lei

pioneira serviu como um modelo para outros estados e foi exportado para Santa

Catarina, Paraná e São Paulo, onde aprovaram leis parecidas em 1984 (JACOBI,

2003).

Num estudo sobre os ecologistas no Brasil, Eduardo Viola (1991)

identifica duas fases no desenvolvimento do movimento ambientalista e a partir

disso faz uma análise sociológica que reflete as mudanças políticas discutidas

acima. A primeira fase foi fundacional, de 1971 até 1986, quando os ecologistas

estabeleceram uma agenda clara que se estabeleceu diretamente em oposição

política ao governo militar. A segunda fase foi transicional a partir da abertura

política em 1985, quando o movimento começou a passar por um processo de

complexificação e multissetorialização. Essa fase, durante a década de oitenta,

com os verdes entrando na política local e a sociedade civil com mais espaço para

ação e articulação, representou o momento em que os valores e ideias que fazem

parte do movimento ambientalista espalharam para diversos setores da sociedade.

Nos EUA, o desenvolvimento do movimento foi bastante diferente. Em

1984 o diretor do Environmental Defense Fund, Fred Krupp, escreveu um artigo

para Wall Street Journal discutindo as três fases do movimento ambientalista

americano. A primeira fase, ao longo do início do século vinte, abordava a

questão de exploração extrema de recursos naturais com chamadas para

preservação e conservação. A segunda fase partiu da conscientização na década de

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sessenta, destacado pela publicação do livro Silent Spring, e foi definida pelo

objetivo de parar poluição e degradação ambiental através de ação direta,

lobbying, e processos judiciais. A terceira fase, em meados da década de oitenta,

objetivou achar alternativos para os projetos ambientalmente destrutivos. Mesmo

com necessidades legitimas detrás desses novos projetos, ficou evidente que

soluções de longo prazo serão achados em modelos sustentáveis (BRULLE,

2000).

O foco em reformas do movimento ambientalista nos EUA ressalta o

caráter técnico e científico das organizações e instituições ambientais americanas,

e os projetos e soluções que desempenham. Uma abordagem reformista explica a

expansão de ONGs e grupos ambientalistas desde a década de oitenta, sem a

criação de quase nenhuma iniciativa nova. O foco na análise científica de

problemas ambientais faz uma crítica da estrutura institucional, mas isso não gera

novas visões alternativas para basear uma sociedade sustentável (BRULLE,

2000). Nos EUA, o movimento ambientalista e a ecopolítica são geralmente

limitados pelos debates científicos e o fato que o papel das cientistas e expertos é

maior do que o papel dos cidadãos nos processos e debates políticos que visam à

reforma política e institucional. As organizações com o perfil reformista não

conseguem manter um nível de independência e são influenciadas pelos interesses

do mercado e o Estado. As relações dentro do sistema política americana são

ainda mais complexas. Embora o foco na ciência e na orientação de expertos não

abra espaço público para debate pluralista, a formação de políticas ambientais

ainda é susceptível à influência de ideologia através de formas de pseudo-ciência4.

Em resumo, o surgimento do movimento e as mudanças que sofreu ao

longo das décadas formacionais são reflexões da complexidade política,

econômica e histórica que define o ambiente social e cultural do Brasil e os EUA.

O desenvolvimento dos valores e conceitos ambientais no Brasil e nos EUA

aconteceu de forma distinta com abordagens e ênfases diferentes. No Brasil, pelos

grandes contrastes na sociedade, o desenvolvimento foi bastante complexo por ter

havido uma forte divergência regional, resultando num movimento pouco

4 A participação do Presidente Bush na Rio-92 foi determinado por uma opinião científica que

discordava do consenso internacional sobre a mudança climática e a maioria dos cientistas nos

EUA (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992a).

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centralizado. Desde as lutas no Acre, durante a década de sessenta, aos

seringueiros, que ligaram suas demandas sociais com o meio ambiente na década

de setenta, até os ambientalistas do Sul e Sudeste, cuja luta ecoava os movimentos

nos Estados Unidos e na Europa em resposta aos efeitos negativos de

industrialização urbana, o movimento no Brasil não se consolidou e juntou com

outras questões sociais importantes. Esse tipo de mistura de agendas por um lado

funcionou para espalhar os conceitos e valores ambientais para diversos setores da

sociedade e por outro lado deixou menos clara a articulação das demandas e

valores ambientais.

Nos EUA, um exemplo bastante diferente, o desenvolvimento do

movimento ambientalista no contexto das grandes mudanças culturais da década

de sessenta estabeleceu os valores e conceitos relacionados com a proteção do

meio ambiente como um ponto de resistência social. A incorporação dessas ideias

na política, desde 1970, foi limitada à abordagem técnico-científica que refletiu a

tendência para separar as questões sociais (levantadas pelos movimentos sociais

durante a década de sessenta) de outras questões, evitando a criação de uma visão

holística sobre problemas e soluções ambientais. O poder dos EUA para exportar

as crises ambientais para outros países, seja no discurso ou com projetos reais, é

um elemento importante das mudanças no movimento ambientalista. Desde

Estocolmo, os EUA se preocuparam com a degradação ambiental em países em

desenvolvimento e a partir da década de oitenta, (principalmente com NAFTA na

década de noventa) deslocou os efeitos negativos industriais para fora das

fronteiras nacionais. A exportação do movimento ambientalista para a sociedade

civil internacional reflete esse fenômeno. Até o conceito de desenvolvimento

sustentável, quando é ressaltado, normalmente é direcionado a outros países, aos

menos desenvolvidos, sem relacioná-lo aos problemas internos.

O movimento ambientalista no Brasil surgiu de forma bissetorial, formado

por grupos pequenos de base e agências estatais ambientalistas, e se tornou

complexo e multissetorial, formado por uma variedade de setores entre a

sociedade civil e o governo com graus diferentes de integração e

institucionalização5 (ALEXANDRE, 2003). O estilo de desenvolvimento

5 Para uma lista dos oito setores da sociedade que formam o movimento ambientalista ver Viola

& Leis (1995).

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exclusivo e o legado de um Estado grande e uma sociedade civil pequena, junto a

outros fatores históricos, resultaram em uma organização do movimento de cima

para baixo por linhas corporativistas. Além disso, a ordem patrimonial no Brasil,

que destaca o reconhecimento apenas pelo Estado, não garante uma atenção nos

processos jurídicos quando um conceito ou valor entra apenas na lei. Ademais, o

fortalecimento do movimento ambientalista internacional e a adoção da Amazônia

como causas globais, junto aos ativistas exilados com conexões no exterior

determinaram o caráter do movimento ambientalista (GUIMARÃES, 1991).

Tudo isso é evidente através de uma análise baseada nos pressupostos da

teoria da ação comunicativa. Para Habermas, a abertura da esfera pública para a

atividade da sociedade civil e os processos discursivos internacionais criaram as

condições para a racionalização comunicativa. Pelo outro lado, havia fatores

econômicos e políticos que influenciaram o caráter do movimento que são menos

visíveis e que surgiram desta análise inspirada no pensamento de Foucault.

Fatores como a entrada do Brasil no mercado internacional e a pressão, a partir de

Estocolmo, de outros governos para o Brasil atender às normas ambientais

internacionais também contribuíram para a formação do movimento ambientalista.

No Brasil, portanto, podemos resumir que a formação do movimento

ambientalista foi um processo de cima para baixo; das instituições do Estado e as

demandas do mercado, e de fora para dentro; de padrões da comunidade

internacional e de normas internacionais.

Nos EUA, o movimento ambientalista surgiu no contexto de mudanças

sociais amplas, valores pós-materialistas e a onda “contra cultura” da década de

sessenta. Junto a isso, a ênfase constitucional em autonomia estadual e local no

âmbito político, mesmo com a criação de políticas e instituições nacionais, formou

um movimento com caraterísticas de um movimento de base abrangente. A

formação de políticas, reformas, normas e valores associados com a proteção do

meio ambiente tinha um caráter muito diferente que no Brasil. Nos EUA a

formação do movimento foi mais na direção de baixo para cima com iniciativas de

grupos particulares e negociação política diretamente com representantes nos

governos locais. O deslocamento da atividade do movimento ambientalista para a

sociedade civil global pode ser evidência da abertura de uma esfera pública

internacional, segundo a teoria de Habermas, mas, da perspectiva de Foucault,

isso pode distrair da origem desse movimento na necessidade de garantir o futuro

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acesso a recursos naturais. Assim, a exportação do movimento para a sociedade

civil global deu outro característica à formação do movimento ambientalista nos

EUA. Ao contrário do Brasil, nos EUA o processo de formação do movimento

ambientalista foi de baixo para cima; da base dos movimentos sociais, e de dentro

para fora; do âmbito nacional para o internacional.

Ambos os autores podem contribuir para a discussão do movimento

ambientalista. Obviamente, seus focos diferentes destacam elementos diferentes

da formação deste movimento. Habermas destaca a importância da sociedade civil

como veículo para a expressão de valores culturais no âmbito político, mas não

considera diretamente as relações de poder complexas que existem dentro da

sociedade civil e que se manifestam nas relações entre a sociedade e o Estado.

Uma análise baseada no pensamento de Foucault, pelo outro lado, não captura a

importância da sociedade civil na negociação com o Estado e na formação dos

valores associados com a proteção do meio ambiente. Os dois autores têm limites

para a discussão sobre o movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos.

Mesmo assim, contribuem para entender melhor a formação e transformação do

movimento ambientalista.

Os EUA criaram políticas e instituições ambientais em resposta às

demandas novas da sociedade civil, mas isso não sempre era o caso. Os interesses

da comunidade empresarial em vários casos contrariam os interesses de grupos

ambientalistas e influenciaram a direção da política. Nas décadas de setenta e

oitenta, as questões que o movimento ambientalista ressaltou mais e que

receberam mais atenção e mais apoio no âmbito político eram questões que não se

chocaram com os interesses econômicos de grandes empresas. No caso de CFCs,

as empresas americanas já tinham desenvolvido substitutos para o uso domestico

dessa substância. Assim, não houve resistência grande do setor industrial em a

legislação passou com bastante facilidade (HOPGOOD, 2003).

São complexas as relações e fatores ao nível nacional que determinam o

caráter único de movimento ambientalista. Nos Estados Unidos, a influência de

atores do mercado e do setor empresarial pode limitar ou facilitar a

institucionalização dos valores e conceitos relacionados à proteção do meio

ambiente. Mesmo assim, não se pode subestimar o trabalho de ativistas e grupos

locais e o poder das estratégias que aprenderam durante as lutas dos movimentos

sociais durante a década de sessenta. Sem a pressão de ativistas, dentro e fora do

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governo, o meio ambiente não receberia a mesma atenção. Com cada vez maior

conscientização pública sobre preocupações ambientais, a partir da década de

setenta, os ativistas aproveitaram mais dos meios legais e civis de combater

poluição e contaminação6.

3.4. A participação do Brasil e os EUA nas Conferências da ONU

Há elementos de continuidade e descontinuidade que marcam a participação

dos EUA e o Brasil nas Conferências de 1972 e 1992. As mudanças nas posições

oficiais e atuação das delegações são claras, mas são relativas às transformações

de ênfase e na maneira de abordar a questão ambiental no debate internacional. Na

nova atmosfera internacional, com a separação da União Soviética, ocorreram

grandes mudanças na política ambiental, mas não corresponderam às mudanças ao

nível nacional entre Estocolmo e a Rio-92. A partir de uma análise da participação

do Brasil e dos EUA nas duas conferências, é possível identificar uma linha

contínua e clara que atravessa a UNCHE e a UNCED que reflete ambos a

afirmação dos interesses nacionais, apesar das chamadas para cooperação

internacional, e o caráter particular do movimento ambientalista nos dois países.

Desde o primeiro compromisso do governo americano a participar em

Estocolmo, destacou-se o papel dos EUA como líder global e a necessidade de

incentivar a cooperação internacional. No contexto da Guerra Fria, de forma geral,

foi muito importante para o líder do mundo livre manter seu papel como a

bússola moral na comunidade global e sua influência na política internacional.

Essa mentalidade foi expressa na conexão dos efeitos de mudanças ambientais

com o bem-estar humano e o usufruto de direitos humanos básicos. O Presidente

Nixon apoiava a participação dos EUA na conferência, o reconhecimento de uma

crise global e a responsabilidade comum de gerenciá-la. Os EUA foram não

apenas conscientes da sua capacidade de fornecer liderança no desenvolvimento

de métodos com esse alvo, mas também do fato que sua participação não era

simplesmente altruística e que havia muitos benefícios potenciais7 (HOUSE OF

REPRESENTATIVES, 1969).

6 Sobre movimentos ambientalistas de base nos EUA ver Dunlap & Mertig (1992).

7 É importante notar o elemento financeiro da discussão dentro do Congresso sobre a

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A atuação multilateral dos EUA em 1972 refletiu preocupação com a

influência do bloco Afro-asiático, principalmente com respeito à questão da China

após a mudança política em 1971 (BARBER, 1973). Com a influência dos países

em desenvolvimento e do Relatório Founex, as primeiras políticas multilaterais

sobre o meio ambiente, discutidas em Estocolmo, não refletiram a agenda

nacional americana. Isso foi diferente de outros temas políticos como o comércio

internacional, o narcotráfico e o terrorismo. Questões de poluição eram discutidas

dentro de órgãos internacionais como a OTAN e a OECD, mas nesses grupos

todos os países membros compartilharam altas taxas de industrialização e os EUA

possuiu um papel dominante. Na ONU, não tinha essa vantagem nem a

homogeneidade e a agenda internacional estabelecida em Estocolmo foi mais

difícil de controlar (HOPGOOD, 2003).

Nas deliberações que conduziram a UNCHE, tornou-se evidente que a

chave para o gerenciamento do meio ambiente ficou na política – não na ciência

(HOUSE CONGRESSIONAL RECORD, 1970). No sistema internacional, os

EUA se percebiam como uma força construtora e modernizadora e, na área do

meio ambiente, promovia uma abordagem apolítico da maneira que percebia os

temas de segurança, riqueza, democracia e direitos humanos (HOPGOOD, 2003).

A trajetória da Conferência em 1972 abriu a discussão sobre o meio ambiente e a

agenda internacional para as posições de países em desenvolvimento. Houve um

momento discursivo importante para o movimento ambientalista e para a

disseminação dos valores relacionados à proteção do meio ambiente. Ao nível

substantivo, a partir do pensamento de Foucault, a politização das questões

ambientais pelos conflitos e divergências entre países como o Brasil e os EUA que

se apresentavam ao longo da UNCHE criou uma atmosfera de conflito. A partir de

isso houve negociações e acordos entre participantes representando governos e da

sociedade civil.

participação dos EUA nas Conferências da ONU. Uma tarefa muito grande desse braço do

governo é a alocação dos recursos financeiros com respeito a qualquer questão. Na discussão

sobre a UNCHE ao final da década de sessenta e o início de setenta a discussão evidencia

apoio forte para a participação na Conferência, mas evitou qualquer compromisso de apoio

financeiro. As resoluções que comprometeram a participação dos EUA em Estocolmo foram

emendadas para fazer claro o não compromisso financeiro. A contribuição para as políticas

multilaterais, como do UNEP, se estabeleceu depois de Estocolmo e era discutida e

renegociada ao longo da década de setenta e oitenta.

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A visão internacional dos EUA durante a Conferência foi de líder e

defensor de políticas multilaterais de controle e regulação para proteger o meio

ambiente global. A percepção internacional do Brasil foi bastante complexa e

conflitante. Foi visto como um país sob um regime militar que defendeu de

maneira absoluta uma ênfase no crescimento econômico e não no crescimento

demográfico, com um currículo péssimo nas áreas de direitos humanos e

preservação da natureza e caraterizado por tendências nacionalistas e ambições

nucleares. Considerando todos os aspectos, a opinião pública e a posição dos

governos nos países ricos sobre o Brasil (como outros regimes autoritários) foi

dividida. Criticaram os abusos de direitos humanos e do meio ambiente, mas

apoiaram o governo militar por ser inimigo do comunismo e por seu objetivo

comum de investimento econômico (LAGO, 2006).

Alguns jornalistas caracterizaram a atuação dos delegados brasileiros em

Estocolmo como obstrucionistas ou como vilãs da Conferência. É verdade que o

Brasil representou uma barreira para a realização da agenda definida pelos países

industrializados, mas todos os assuntos defendidos pelo Brasil, mesmo o conflito

com a Argentina sobre o Rio Pará, tinham o apoio de outros países em

desenvolvimento. De fato, o caminho estabelecido pelo Brasil foi seguido por

muitos outros países. Na verdade para Maurice Strong, o Secretário Geral, o

Brasil foi central para a participação dos países em desenvolvimento e o sucesso

da conferência (GUIMARÃES, 1991).

A reflexão clara das posições brasileiras no Relatório Founex, resultado da

reunião em 1971 de um grupo de 27 países, indicou a influência forte do Brasil e o

fato de que a sua agenda tinha bastante apoio. A perspectiva dos EUA e outros

países ricos, definida pelo Clube de Roma em textos como The Limits to Growth

(1972), viu o desenvolvimento econômico como um obstáculo a um meio

ambiente mais saudável. Pelo contrário, o Brasil buscava uma postura clara que o

desenvolvimento econômico era o único instrumento para superar problemas

ambientais e que a responsabilidade maior ficou nas mãos dos países ricos que

possuíram maiores meios e recursos financeiros e tecnológicos. O sucesso da

delegação para confrontar a agenda dos países industrializados é evidente nos

próprios documentos que resultaram das deliberações da UNCHE. Através de

negociação intensa, o paragrafo 4 do Preâmbulo da Declaração das Nações Unidas

que liga a maioria dos problemas ambientais com a falta de desenvolvimento e os

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Princípios 8-12, sobre a importância de desenvolvimento contínuo e a

transferência de recursos, bem como as Recomendações 1, 10 e 103-105 do Plano

de Ação, reproduziram as afirmações e posições brasileiras quase palavra por

palavra (GUIMARÃES, 1991).

O argumento brasileiro, em relação às chamadas do Clube de Roma por

controle de população e as projeções sobre os limites aos recursos naturais do

planeta, foi baseado na sua posição que afirmou a soberania nacional e tinha os

seguintes elementos: a) que todos os países têm o direito a uma parte dos recursos

do planeta é um pressuposto falso, b) que problemas ambientais na preferia não

eram por sobre uso, mas pelo uso insuficiente de recursos disponíveis, c) que isso

era refletido na falta de conhecimento sobre a relação entre poluição e

crescimento econômico que pode ser relacionada à incerteza sobre recursos

potenciais; e finalmente d) que controle populacional não leva em conta relações

entre população e quantidade de recursos ou densidades e que é irresponsável e

imoral (GUIMARÃES, 1991).

A agenda ambiental nacional no Brasil focava no crescimento demográfico

e o gerenciamento de recursos naturais. Desta perspectiva, a delegação brasileira

em Estocolmo demonstrou para o mundo que a poluição era problema dos países

ricos e as soluções para as preocupações sobre escassez de recursos naturais

nesses países não eram compatíveis com o desenvolvimento e a soberania

nacional. O controle de população e a relação dos recursos naturais para o Brasil

significavam menor autonomia na exploração e uso dos seus recursos naturais

para o beneficio e as necessidades dos países mais ricos. Com a remoção dessa

ideia, a cooperação e apoio internacional se tornou um caminho bem sucedido

para o desenvolvimento econômico no Brasil (LAGO, 2006).

A defesa da soberania nacional surgiu principalmente da questão principal

na agenda brasileira em Estocolmo relacionado aos planos para o grande projeto

hidroelétrico no Rio Pará que marca a fronteira internacional entre Brasil e

Argentina. Isso foi evidente na ênfase no princípio de evitação de efeitos

negativos aos partidos, através de cooperação internacional. O Brasil afirmou na

disputa com Argentina que a construção da barragem não ia impedir a exploração

do Rio por parte de Argentina, que o princípio sobre o fornecimento de

informações sobre atividades que podem ter efeitos em áreas de jurisdição e que a

ONU deve ficar fora do assunto. Esse conflito deu o tom às posições brasileiras e

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destaque ao princípio de soberania nacional. No espírito de diplomacia

internacional, Strong mantinha seu apoio forte para as posições da delegação

brasileira, inclusive para a importância da soberania, chamando para novas formas

de soberania que leva em conta a cooperação junto à responsabilidade e aos

interesses comuns (GUIMARÃES, 1991).

A Conferência em Estocolmo favoreceu os países desenvolvidos desde sua

concepção. Assim, o Brasil tinha que reagir às pressões desses países e defender-

se contra a tentativa percebida do uso das questões ambientais no âmbito

internacional como um instrumento para limitar o crescimento econômico e como

resultado manter a desigualdade entre os países ricos e pobres. No seu estudo

sobre as Conferências ambientais da ONU, André Aranha Corrêa do Lago (2006)

comenta que a atitude do Brasil em Estocolmo foi fascinante. Considerando o

contexto autoritário, olhando para trás, o caráter da sua posição foi bastante

democrático. Ironicamente a posição defendida pelo Brasil foi mais democrática

do que a posição do Clube de Roma que influenciou os países desenvolvidos.

Lago escreve,

“... o Brasil ajudou a bloquear a agenda ambiental pelo temor à criação

de instrumentos que legitimassem a diminuição da soberania, temor que

só se justificava pelos abusos que eram cometidos pelo Governo,

principalmente na área de direitos humanos. Essa análise estaria baseada

no princípio de que a agenda proposta pelos países ricos era

“progressista”. Em retrospecto, no entanto, é indiscutível que as

soluções propostas pelos países ricos em 1972 se revelaram muito mais

incorretas e pouco democráticas do que a luta dos países em

desenvolvimento para que a agenda ambiental fosse inserida no

contexto mais amplo do desenvolvimento.” (LAGO, 2006, p. 142).

Dez anos depois da Conferência em Estocolmo, os Estados Unidos

entraram num período em que o movimento ambientalista expandiu, com novas

questões e entidades relacionadas ao meio ambiente. Simultaneamente, a

institucionalização que marcou a década de setenta enfrentou uma onda de

resistência política principalmente do Executivo. Numa audiência chamada

“Review of the Global Environment Ten Years After Stockholm”, de 1981,

consistindo de três dias de deliberações com declarações de representantes do

governo e da sociedade civil, o Senador Caliborne Pell, que fez parte da delegação

americana em 1972, relatou sua experiência para o Congresso. Ele destacou, entre

os resultados de Estocolmo, a importância dos resultados menos tangíveis como o

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reconhecimento do UNEP, do alcance global da degradação ambiental e da

necessidade para cooperação internacional. Também ressaltou o fato que o

Terceiro Mundo reconheceu a sua própria responsabilidade e papel no contexto de

crise ambiental. Durante a audiência, o Senador comentou que o Estado deixou o

papel de líder no desempenho de resolver os problemas ambientais através do

esforço cooperativo internacional (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1982).

Ao longo da década de setenta, pelo caráter descentralizado da política

federal americana, o Executivo diminuiu o apoio financeiro para o UNEP. Os

governos de Carter e de Reagan cortaram a contribuição para o UNEP de 80%

(HOPGOOD, 2003). Isso não necessariamente significou que o país perdeu

interesse ou reduziu sua ênfase na questão ambiental, mas indica que retirou seu

compromisso para a política multilateral. Na década de setenta e oitenta, houve

um distanciamento claro dos acordos multilaterais por parte dos Estados Unidos.

A questão do meio ambiente global mudou de foco nessa época. O financiamento

para o UNEP reduziu drasticamente enquanto o orçamento para programas

unilaterais e bilaterais aumentou. Em 1978, a Agência para Desenvolvimento

Internacional (AID) recebeu US$13,000 do governo federal para programas

internacionais e em 1983 aumentou para US$152,000. A AID concentrou seus

programas em países específicos, em conjunto com governos locais e vizinhos,

voltado a projetos específicos de assistência – esses não visavam diretamente a

questão ambiental, mas mantinham um objetivo de ser ambientalmente correto

(HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1982).

Essa mudança não indica necessariamente uma queda no apoio para

políticas ambientais internacionais, mas sim uma atitude relutante sobre o

multilateralismo e sobre o desenvolvimento de lei ambiental consuetudinária na

comunidade internacional. Nesta época os Estados Unidos eram o maior poluidor

e consumidor de recursos naturais do em termos de volume e per capita. A

negação de responsabilidade dos países em desenvolvimento por degradação

ambiental que originou em países industrializados foi uma área de preocupação

para os EUA. O estabelecimento do princípio de responsabilidade comum, mas

diferenciado, os deixaria numa posição desfavorecida. Na Rio-92 o princípio da

precaução refletiu essa desigualdade de responsabilidade entre países e foi um

fator pela resistência dos Estados Unidos contra a Convenção sobre a

Biodiversidade. Esse princípio recebeu bastante apoio através da natureza

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deliberativa dos acordos multilaterais que aumenta o poder e influência de Estados

pequenos e diminua o poder de Estados poderosos como os EUA. A pesar da falta

de controle sobre os debates multilaterais, os EUA adotaram abordagens

alternativas na área de proteção ambiental que incluem: ação unilateral, políticas

regionais, ênfase em participação de indivíduos, corporações e ONGs em

parcerias com o setor público e privado (BRUNNÉE, 2004).

A posição americana durante Estocolmo e a Rio-92 foi formada

claramente pelo conflito com a agenda de outros países e pelos interesses

nacionais. Segundo Habermas, o caráter discursivo das conferências construiu

uma plataforma para a negociação e o consenso. Os processos discursivos criaram

a base para a formação das ideias e o entendimento comum, mas uma análise mais

profunda revela outra situação. As conferências não permitiram a dominação dos

interesses de um país poderoso como os EUA, e criou um modelo onde a

participação de outros países e outros interesses foram possíveis, mas os debates

permaneceram sob o controle dos interesses particulares dos participantes. De

acordo com o pensamento de Foucault, esses interesses produziram o debate, e a

satisfação dos interesses alinhados ao conteúdo debate, os quais são apenas

determinados no processo discursivo segundo a teoria de Habermas, foi limitada –

os interesses do meio ambiente e os representantes da proteção ambiental foram

secundários.

As mudanças econômicas no Brasil ao longo das décadas de setenta e

oitenta, com crescimento urbano, agricultural e industrial, criou uma situação

onde o Brasil não podia mais reclamar que a agenda ambiental dos países

industrializados foi dissociável da sua. As crises ambientais que atingiram a classe

média nos Estados Unidos e outros países industrializados durante a década de

sessenta, abalaram ao Brasil na década de oitenta com cidades poluídas e

acidentes ambientais. Assim, os problemas ambientais de países ricos, que o

Brasil negou em Estocolmo como ameaças à soberania nacional e ao crescimento

econômico, se tornaram problemas legitimamente brasileiros (LAGO, 2006).

A mesma situação de degradação que provocou o movimento

ambientalista surgir nos EUA durante a década de sessenta chegou ao Brasil na

década de oitenta junto à abertura política e a possibilidade maior de articulação

da sociedade civil. Com espaço maior para ação e deliberação a meados da década

de oitenta, o meio ambiente foi relacionado com a questão de justiça social e o

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dialogo entre ativistas sindicais, o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra,

movimentos comunitários periféricos, e os seringueiros e índios da Amazônia

fortaleceu a sociedade civil após um período longo de ditadura militar

(COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). No contexto de abertura política e

de mobilização social, os ambientalistas influenciaram outros movimentos sociais

que conseguiram incorporar os conceitos e os valores da proteção ambiental nas

suas agendas, mesmo quando não identificaram com o movimento ambientalista.

A espalha do movimento ambientalista parece evidência dos benefícios dos

processos discursivos, mas, para Foucault, a abertura da esfera pública para

atividade da sociedade civil no Brasil não é tão ideal quanto Habermas afirmaria.

Salienta o fato que a diversidade dos novos movimentos sociais pode sofrer sob

uma busca para uma moralidade universal que, segundo a teoria da ação

comunicativa, sai da ética discursiva. Isso não é necessariamente sensível à

diversidade que existe nas políticas dos novos movimentos sociais e, na criação de

consenso, pode criar novas formas de dominação em nome do “bem comum”

(FLYVBJERG, 1998).

De 1972 para 1992, o discurso brasileiro nas Conferências da ONU mudou

em relação à situação política nacional. A questão da soberania durante o governo

militar foi uma ferramenta política estratégica para justificar e legitimar as suas

ações. A soberania nacional permaneceu um tema principal para o Brasil, mas em

1992 mudou para ser ressaltada quando surgiram ameaças que o regime

democrático percebeu. Depois da ditadura, o Brasil chegou a admitir que a sua

situação nacional tivesse uma relação com a comunidade internacional e o que

ocorria internamente podia ser de interesse de outros países. Mesmo assim,

aderiram à afirmação que as políticas ambientais nacionais eram de sua inteira

responsabilidade (LAGO, 2006).

A Constituição de 1988 foi um grande teste da capacidade do movimento

ambientalista influenciar a política. Dispositivos foram inseridos no documento

através de força e pressão nova de organizações e ativistas ambientalistas.

Também, militantes do Partido Verde entraram nas eleições locais e nacionais,

provocando novas alianças com setores não ambientais (COMISSÃO

INTERMINISTERIAL, 1991). Mesmo que as pressões externas da comunidade

política internacional e sociedade civil global, o governo Brasileiro mudo seu

discurso principalmente através da reação da sociedade civil brasileira à

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transparência política nova. O desrespeito ao meio ambiente tomou uma

conotação negativa por ser associado ao período militar, e no final da década de

oitenta a questão ambiental entrou na política e foi fortalecida no Governo de

Fernando Collor de Mello (1990-1992) (LAGO, 2006). Partindo da análise

inspirada em Foucault, a política ambiental foi parte da ruptura política com o

regime militar. Essa ruptura teve um efeito produtivo, na forma de novas políticas

e instituições. Desta perspectiva, os movimentos sociais eram o veículo para essa

transição, mas sua origem reside em um momento de partida.

Como para Suécia em 1972, o sucesso da Conferência em 1992 foi muito

importante para o Brasil. Assim, o país tinha que ter posições firmes, mas também

tinha que levar em consideração a necessidade de ajudar no consenso. Em

Estocolmo, o Brasil teve uma atitude de confronto, uma vez que os representantes

se defenderam contra a proposta original da UNCHE por ameaçaram as

possibilidades de crescimento econômico. Na Rio-92, com sua nova imagem

internacional no jogo, o Brasil adotou uma atitude cooperativa. Não tinha por que

se opor à discussão geral do desenvolvimento sustentável, que resolveu o

confronto de 1972 entre o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente.

Mesmo assim, sua posição mais aberta continuou com um tom defensivo

ressaltando as divergências entre países ricos e pobres.

Na área de mudança climática, o Brasil professou a importância da

cooperação internacional e o princípio de responsabilidade diferenciada em face

das relações do Norte e o Sul enquanto os EUA resistiram a cooperar durante a

Rio-92. Com o estabelecimento deste princípio, o Brasil apoiou a Convenção-

Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (que levou à criação do

Protocolo de Kioto) pelo esclarecimento de metas para países desenvolvidos e em

desenvolvimento de acordo com sua capacidade diferenciada. Na Rio-92, a

chamada por cooperação e a preservação do meio ambiente não foi mais um ponto

de resistência para o Brasil – o problema real foi a desigualdade entre os países

ricos e pobres. A área da biodiversidade foi de interesse particular para o Brasil

em 1992. O país com a maior biodiversidade do mundo enfatizou muito a

Convenção sobre Diversidade Biológica, indicando a importância crescente face à

tecnologia nova e biotecnologia (LAGO, 2006).

A mudança de política e discurso do Brasil entre 1972 e 1992 foi um

elemento importante no desenvolvimento do sistema internacional de proteção do

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ambiente. O Brasil foi um grande ator na ONU na questão sobre o meio ambiente

e, a pesar das diferencias durante as etapas diferentes, a posição do Brasil foi de

liderança. (LAGO, 2006). Em Estocolmo, os Estados Unidos se esforçou para

tomar uma posição de liderança, mas a partir da Rio-92 a vontade de entrar em

acordos multilaterais diminuiu. Desde 1992, os EUA não foram mais os líderes

em políticas ambientais globais. Nas décadas de setenta e oitenta foram pioneiros

na legislação ambiental e na criação de sistemas de proteção da camada ozônio e

de preservação de espécies. Ficou claro na Rio-92 que o país tinha perdido

interesse em tratados ambientais novos. Não tinha que mostrar mais os problemas

de países socialistas, questionou o consenso científico internacional e negou a

ideia de ação precatória diante de crises ambientais (FALKNER, 2005).

A política americana relacionada à UNCED foi bastante resistente. Mesmo

com uma posição de desacordo, pelo seu poder econômico, politico e

diplomático, os EUA não podia negar seu papel como líder mundial durante a

Rio-92. Contra as chamadas do Congresso americano, da opinião pública e da

comunidade internacional o Presidente Bush foi orientado para não participar na

Conferência. As razões pela não participação do Presidente americano

concentraram na inclusão de metas concretas e cronogramas na Convenção sobre

Mudança Climática. Apesar disso, depois de concessões por parte de países

europeus, Bush decidiu no último momento de ir à Conferência e participar na

maior reunião de chefes de Estado e um momento histórico para o meio ambiente

(SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1990), (SENATE

CONGRESSIONAL RECORD, 1992b).

Os EUA não foram simplesmente obstrucionistas na Rio-92. Sua

participação foi uma função do seu poder na estrutura internacional e da

diplomacia ambiental. De grande medida, a atuação dos EUA na formação de

políticas e acordos ambientais internacionais pode ser entendida como uma

tentativa de exportação dos objetivos de políticas nacionais ambientais ou para

proteger os interesses econômicos domésticos contra ameaças de regulação

internacional (FALKNER, 2005). Numa declaração para o Congresso um mês

antes da Rio-92, o Senador John Kerry chamou a atenção para essa análise,

lamentando que,

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“... the U.S. negotiating position has been to weaken language, to

substitute generalities for specifics, guidelines for binding schedules,

vague promises for firm commitments, and we seem to have taken the lead

not in trying to break through the obstacles to global cooperation but rather

to paper them over and to achieve not the strongest possible set of

agreements but, rather, a set of least-common-denominator agreements

designed to produce the appearance of doing something while minimizing

the reality. And nowhere has this tendency been more visible or more

damaging than our leadership, so-called, in the area of global warming.”

(SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992b, p. 7)

Quando a questão de mudança climática chegou à agenda internacional na

década de oitenta, os EUA foram um dos únicos países que tinham dado atenção

para esse assunto. O argumento maior contra a assinatura da Convenção sobre

Mudanças Climáticas sustentou que o conteúdo do acordo seria usado apenas

como uma vantagem para os competidores dos EUA, aproveitando as restrições

grandes e custos potenciais altas os quais o país teria que lidar. O Presidente Bush

não foi para a Rio-92 quase exclusivamente pela proposta de limitar e estabilizar

emissões de CO2 até o ano 2000 aos níveis de 1990 – mesmo quando isso foi

possível, de acordo com projeções dentro do próprio governo, e talvez ia

acontecer de qualquer jeito. Os países Europeus, que se dedicaram muito mais

para esse objetivo cederam na negociação com os EUA e tiraram os cronogramas

concretos, eventualmente colocando linguagem intencionalmente vaga em prol do

alvo de estabilização das emissões de efeito de estufa (HOPGOOD, 2003).

Na área da biodiversidade os EUA também começaram na vanguarda. Para

racionalizar os tratados internacionais já existentes sobre espécies ameaçadas e

florestas tropicais, os EUA começaram o esforço inicial para a proteção global da

biodiversidade. Enquanto isso, na Rio-92, surgiu resistência no Executivo contra a

linguagem contido na Convenção sobre Diversidade Biológica sobre a

transferência de tecnologias e financiamento. Essa posição indicou o medo de

perder seu lugar dominante na indústria de biotecnologia e para proteger os

produtos alimentares biologicamente modificados (HOPGOOD, 2003). Durante a

Rio-92, depois das negociações e das emendas na linguagem da Convenção sobre

Mudanças Climáticas os EUA a assinaram e logo depois a convenção (que não

possuiu compromissos concretos) foi ratificada8. A Convenção sobre a

8 Quando a Convenção sobre Mudanças Climáticas adotou o Protocolo de Quioto em 1997 os

EUA foi resistente aos elementos vinculativos. Assinou em 1997, mas nunca foi ratificado no

Congresso. Mudanças de política do governo Bush em 2003 resultou no abandono do acordo.

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Diversidade Biológica foi assinado por virtualmente todos os países na Rio-92,

menos os EUA. A resistência dos EUA ao acordo sobre mudança de clima e as

concessões que ocorreram deu o tom aos outros debates e debilitou as negociações

da Convenção sobre Diversidade Biológica e sobre as Florestas (BRUNNÉE,

2004), (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992a).

Desde a Rio-92, e ainda mais a partir das negociações do Protocolo de

Quioto, os EUA se tornaram uma força recalcitrante no âmbito de negociação e

política ambiental multilateral. A participação no debate e nos acordos desde 1972

até os dias de hoje é resultado da atuação dos ativistas dentro e fora do governo

que constantemente enfrentam barreiras e resistência, sejam do próprio governo

ou do setor empresário. Através do sistema política pluralista, aos poucos e com

muita dedicação, os ativistas conseguiram fortalecer os EUA numa rede complexa

de multilateralismo (HOPGOOD, 2003).

A partir da Rio-92, a questão do meio ambiente recebeu muita atenção no

Brasil. Pelas grandes reservas de recursos naturais, a extensão da sua diversidade

biológica, a ênfase na indústria de energias renováveis e sua participação na

política multilateral, o Brasil se tornou o país mais identificado com o meio

ambiente (SILVA, 2006). Como uma nação fundada em um orgulho profunda da

natureza, (o próprio nome é um tipo de árvore), o meio ambiente cabia facilmente

na cultural brasileira. A maneira que a questão do meio ambiente foi ligada com

outras questões centrais para o Estado e a sociedade civil, e que pode ser abordado

de uma variedade de perspectivas, a integraram nos valores nacionais de modo

legítimo. Mesmo assim, a questão do meio ambiente continua complexa. Políticas

e instituições se fortaleceram, mas permanecem bastante limitadas nas áreas de

implementação e fiscalização. A promoção da conscientização da população por

parte da sociedade civil colocou o meio ambiente na lista de prioridades e

interesses gerais nacionais, mas hoje ainda não alcance a sociedade inteira. Pelo

processo de desenvolvimento econômico nas últimas décadas, o Brasil passa por

duas situações: primeiro, que é similar aos países desenvolvidos, que tem que

alterar padrões de produção e consumo para lidar com as crises ambientais, e

segundo, que possui outra parte da população que não tem acesso às necessidades

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mais básicas, fazendo difícil considerar a dimensão ambiental do desenvolvimento

(LAGO, 2006).

O Brasil tem grande potencial para ampliar o debate sobre a realização do

desenvolvimento através da criação de padrões de produção e consumo que são

ambientalmente, economicamente e socialmente sustentáveis. O fato que países

desenvolvidos como só EUA tem recursos financeiros e tecnológicos maiores não

necessariamente significa que seria mais fácil para esses conseguir criar um

modelo mais sustentável. Esses países enfrentem grandes obstáculos políticos e

sociais para mudar seus padrões de produção e consumo. É possível identificar a

vantagem do Brasil nesse âmbito por ser um país de potência média, território

extensivo, densidade populacional baixa, e contrastes sociais profundos. O Brasil

possui condições únicas para realizar um avanço qualitativo em muitas áreas,

dentre destas a área ambiental (LAGO, 2006).

3.5. O futuro do movimento ambientalista em suas arenas discursivas

Olhando para o futuro, é importante lembrar o passado e entender como e

porquê chegamos ao presente e quais são as possibilidades para frente. A questão

do meio ambiente mudou bastante desde a Conferência em Estocolmo. A partir de

1972, a politização da questão ambiental na arena internacional discursiva

descobriu pontos de divergência entre países como os Estados Unidos e o Brasil,

resultando na transformação da agenda internacional, da maneira que as Nações

Unidas abordam a questão ambiental e o próprio conceito do meio ambiente.

Neste processo, o meio ambiente se tornou uma questão central nos objetivos da

maioria do mundo de se desenvolverem e atingirem um nível maior de bem estar

material e social. Através da politização do debate, se distanciando do foco na

ciência sobre a crise ambiental, o conflito entre o crescimento econômico e a

proteção de meio ambiente encontrou uma resolução. Para o Brasil esses dois

objetivos se reforçaram mutualmente e o desenvolvimento sustentável se tornou

conceito consagrado no Estado, no mercado, e na sociedade civil.

As mudanças na participação dos EUA e o Brasil na UNCHE e na

UNCED ocorreram de acordo com uma continuidade ao nível nacional

relacionada ao contexto e os interesses particulares. Os EUA, o pioneiro na

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política ambiental, desempenhou um papel central em Estocolmo como líder

global. No entanto, na Rio-92, foi muito resistente aos debates. Essa diferença não

necessariamente indica uma mudança na atuação americana com respeito à

questão ambiental e a política internacional. Pelo contrário aponta para uma

continuidade clara. A sua participação em Estocolmo foi lógica pela necessidade

de exportar os padrões nacionais já existentes para o âmbito internacional para

evitar maior competição no mercado internacional. Na Rio-92, os debates e os

acordos específicos não corresponderam aos interesses particulares (na verdade

alguns foram diretamente contra seus interesses) e, como resultado, a política

multilateral foi quase abandonada.

Da maneira que as mudanças na participação dos EUA nas Conferências

da ONU indicam uma continuidade ao nível nacional, para o Brasil isso é ainda

mais verdadeiro. Mesmo com uma ruptura política clara no período entre

Estocolmo e a Rio-92, os interesses nacionais determinaram a participação do

Brasil na política ambiental internacional. Em 1972, a sua agenda foi determinada

pelas políticas desenvolvimentistas do governo militar e o foco na soberania

nacional para justificar essas políticas que resultaram em degradação ambiental

flagrante. Em 1992, após da abertura econômica ao longo das décadas de setenta e

oitenta e da transição democrática, os projetos desenvolvimentistas visavam as

oportunidades no mercado internacional. Para o Brasil, liderar as negociações

internacionais sobre a questão ambiental e desenhar as políticas internacionais

assegurava os próprios interesses econômicos e as possibilidades de crescimento.

O país tinha interesse em receber a UNCED, mas não queria sediar a Comissão

para o Desenvolvimento Sustentável que poderia ser um obstáculo ao

desenvolvimento de indústria nacional e de recursos naturais.

O trabalho abordado acima se trata de um tema complexo que atravessa

várias áreas de estudo e análise. Além da comparação entre os EUA e o Brasil, a

variável temporal acrescenta outra dimensão de análise e de dificuldade. Jürgen

Habermas forneceu uma teoria abrangente que formou uma base grande para

pensar sobre as conferências da ONU como momentos discursivos importantes da

construção do conceito do meio ambiente e do movimento ambientalista. O

pensamento de Michel Foucault questionou o uso de uma teoria universal para

esse tipo de análise e ajudou a aprofundar mais nessa análise. Para Habermas, o

projeto de Foucault parte de um conceito do social que não é sociológico. Neste

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sentido, e segundo sua ênfase metodológica na genealogia, o pensamento de

Foucault representa o de um historicista radical que, pelo caráter histórico deste

trabalho, tinha uma contribuição significativa (HABERMAS, 1994).

Depois de nos distanciarmos da teoria de Habermas, agora com uma visão

mais profunda do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA, podemos voltar

para examinar a sua aplicação. É importante não esquecer os instrumentos que

Foucault fornece e os objetivos que ressalta, mas às vezes é necessário possuir

mais do que instrumentos e indicações. A questão ambiental agora recebe bastante

discussão e atenção – o que falta é ação imediata e concreta. Na hora de agir, de

criar políticas, de negociar ou abordar qualquer tipo de atividade social

significativa e urgente é preciso um nível de convicção de razão ou moralidade.

Para Habermas, a análise de Foucault não facilita isso. O que resta é a importância

de um alvo como a ética discursiva (HABERMAS, 1994).

Mesmo com as relações complexas e os fatores internos e externos que

determinaram a participação do Brasil e dos EUA nas Conferências, o modelo

discursivo da ONU legitimou o debate e os acordos comuns que os produziu. A

importância das Conferências internacionais como arenas discursivas

democráticas para a questão do meio ambiente é evidente no fato que hoje o

conceito de proteção ambiental atinge os mais diversos setores da sociedade. Na

teoria da ação comunicativa, a criação de uma visão coerente do mundo é possível

através do debate público. Isso é evidente pela atividade da sociedade civil, ambos

os níveis internacional e nacional. Todavia, olhando o Brasil e os EUA ao nível

nacional, a formação dos conceitos, valores, normas e opiniões associadas com a

proteção do meio ambiente não necessariamente correspondem à atuação no

debate internacional.

Considerando os limites de uma teoria abrangente, após uma análise

detalhada que descobre as relações complexas que determinam a política nacional

e internacional, é possível aplicar a teoria da ação comunicativa para comparar o

movimento ambientalista no Brasil e nos EUA. O modelo discursivo

desenvolvido por Habermas fornece uma estrutura teórica para comparar a

racionalidade e moralidade de ordens sociais diferentes. A proposta aqui não é tão

grandiosa, principalmente depois de considerar os limites de uma análise

descendente, de cima para baixo a partir de uma teoria universal. Assim,

concentrando nos processos discursivos de criar uma visão coerente relacionada

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aos valores e conceitos do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA, é

possível analisar sua racionalização e criar um quadro comparativo no qual se

pode interpretar a legitimidade do desenvolvimento desses conceitos e do próprio

movimento ambientalista.

Nos EUA, a formação do movimento ambientalista de baixo para cima,

com forte participação da sociedade civil, através do debate público e aberto no

sistema democrático resultou numa conscientização abrangente na base da

sociedade para legitimar as políticas e instituições que visam a proteção da

natureza e o próprio conceito do meio ambiente. No Brasil, a falta de participação

da sociedade civil durante o período inicial de formação de normas e políticas

ambientais teve uma efeito deslegitimador no qual os valores associados com a

proteção do meio ambiente não entraram na cultura de forma geral. A partir da

abertura política no Brasil, a explosão de entidades que pautavam pela questão do

meio ambiente abriu o espaço discursivo e contribuiu para uma conscientização

maior, mas o poder do Estado permanece como força motriz da política. Assim a

expansão progressiva do Estado burocrático ameaça os processos de

racionalização comunicativa e a formação de uma visão coerente do meio

ambiente na sociedade. Nos EUA, pela mesma estrutura política que garante um

espaço discursivo para a sociedade civil atuar, há ameaças para a construção de

uma visão coerente sobre a questão do meio ambiente. Aqui são menos ligados ao

Estado e mais com as forças do mercado e o setor empresário. A influência desses

sistemas na racionalização dos conceitos que determinam a visão do meio

ambiente é refletida na atuação nas Conferências e o destaque dos interesses

nacionais na negociação internacional, indicando a necessidade de abrir ainda

mais o espaço discursivo para a racionalização comunicativa.

Mesmo com as limitações nos debates que formaram as Conferências da

ONU em 1972 e 1992, e a dificuldade de criar acordos comuns que estabeleceram

passos concretos e compromissos definitivos para os participantes, os debates

fazem parte de um processo maior. A teoria da ação comunicativa não destaca o

resultado dos processos discursivos, mas o próprio processo em si. As

conferências discutidas aqui refletem esse principio. Logo depois da sua

participação na Rio-92 o Senador Al Gore comenta sobre sua experiência na

UNCED.

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“My own impressions are at this moment that this meeting was a

tremendous success for the world community, in that a very powerful

learning process took place for people of all nations around the world and

their leaders. I believe deeply that the substantive policy and program

changes necessary to protect the Earth's environment will come more

easily after the Earth summit than before the Earth summit. There is a

danger, however, and that is that people will have the impression that

substantive changes were made there when precious few were actually

concluded. Most of the success was psychological and symbolic. That is

not to discount the importance of what was achieved there. It is rather to

underscore the urgent necessity to make use of this success in accelerating

the changes in policy now so urgently needed.” (SENATE

CONGRESSIONAL RECORD, 1992a).

A participação dos EUA e o Brasil em Estocolmo e na Rio-92 contribuía

para a formação desse processo, mas pelos fatores complexos que determinam

essa participação e a tendência dos interesses nacionais a dominar o debate é

importante buscar espaços para a articulação de outros interesses e para processos

discursivos menos limitados. O modelo discursivo das Conferências da ONU tem

muito potencial para esse tipo de expansão. A partir da Rio-92, a aplicação maior

do conceito de governança, usando órgãos e instituições especializadas, para lidar

com as questões do meio ambiente criou o potencial para distanciar a política

ambiental do sistema político tradicional. Sair do modelo de política internacional

baseado na negociação interestadual possibilita um projeto mais aberto para a

participação da sociedade civil global e os processos discursivos que poderiam

oferecer e criar soluções coerentes, legítimas e justas para os problemas

ambientais.

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4 Considerações Finais

Este trabalho foi um estudo do movimento ambientalista como parte de uma

transformação abrangente de atitudes por parte de diversos setores da sociedade.

Mostrou como a proteção ao meio ambiente não é apenas um valor crescente, mas

também como faz parte de uma nova ontologia na qual as pessoas se relacionam e

enfrentam o mundo. Vimos que o movimento ambientalista e o próprio conceito

do meio ambiente foram construídos ao longo dos últimos cinquenta anos e, neste

período, se transformaram e se definiram de maneiras diferentes em contextos

diferentes. Pelo caráter global desta questão, e seu fortalecimento paralelo ao

desenvolvimento do sistema das Nações Unidas, não foi por acaso que foi

destacado o papel central da política e negociação internacional.

Quando pensamos no meio ambiente e no movimento ambientalista, a

imagem é muito abrangente e pode tomar várias formas, dependendo da

perspectiva ou contexto. No Brasil e nos EUA, o significado desses é bastante

diferente. Foi observado que a participação desses países nas conferências da

ONU refletiu diretamente tanto as suas experiências e circunstâncias particulares

como as transformações dessas ao longo do tempo. Percebeu-se que os fatores

políticos, históricos e econômicos formaram agendas diferentes em contextos

diferentes, sendo determinados por relações internas e externas complexas entre a

sociedade e o Estado. Ao final das contas, tanto para o Brasil quanto para os EUA,

as mudanças na participação nas conferências refletiram simultaneamente as

mudanças na agenda internacional e as demandas econômicas nacionais.

Foi visto que a discussão do conceito do meio ambiente pode ser abordada

de várias maneiras. Dentro dessa discussão existem elementos concretos a ser

medidos nas áreas técnicas e científicas, mas ficou registrado que o meio ambiente

é um conceito abrangente e socialmente construído. Foram utilizados conceitos,

inspirados no trabalho teórico de Jürgen Habermas, para entender melhor a

formação dessa nova ontologia. Partindo da hipótese de que a linguagem reside na

base da organização social, a teoria de ação comunicativa de Habermas (1987)

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procura estabelecer as condições para a formação de sociedades justas e racionais

através de processos discursivos. Através da racionalização comunicativa, o

consenso é possível e assim ideias como o meio ambiente são formadas dentro do

mundo da vida e em relação com os sistemas (arena das instituições coercivas

ausente dos processos de racionalização e legitimação). Usamos essas ideias para

examinar os debates e os acordos que a UNCHE e a UNCED produziram e foi

ressaltada a importância da abertura do espaço discursivo no âmbito internacional

para a participação de países em desenvolvimento e representantes da sociedade

civil.

A ênfase no papel da sociedade civil no avanço e disseminação dos

conceitos e valores associados com a proteção ambiental mostrou uma nova

categoria para a associação e atividade política. Como ressaltaram Guimarães

(1991) e Le Prestre (2000), na década de sessenta, a atmosfera política foi tal que

a questão ambiental se transformou numa plataforma política que transcendeu as

fronteiras nacionais, ligando demandas locais, nacionais e globais. A ecopolítica

surgiu como uma nova plataforma para atuação no âmbito político internacional,

tendo papel muito importante na formação do conceito do meio ambiente e

influenciando movimentos nacionais. Entre Estocolmo e a Rio-92, acompanhamos

o surgimento de um movimento ambientalista internacional que trouxe novas

questões sociais, econômicas e políticas ao debate sobre o meio ambiente e novos

valores e conceitos associados com a proteção do meio ambiente.

Na discussão da ecopolítica foi ressaltada a importância do espaço

discursivo democrático como um pré-requisito para o processo de racionalização

comunicativa. Autores como Walzer (1995) e Costa (2002) mostraram, junto aos

conceitos que a teoria de Habermas (2003) trouxe para essa análise, a importância

da sociedade civil como mediador de poder estatal que transformou os discursos

capazes de solucionar problemas, em questões de interesse geral (HABERMAS,

2003, p. 99). Assim, foi salientado que o surgimento da sociedade civil global

junto à articulação do movimento ambientalista ao nível internacional afetou a

criação de políticas e instituições legítimas com base em acordo pluralista e em

entendimento comum.

A partir da discussão de Liszt Vieira (2001), foram vistas as mudanças

recentes na relação entre a sociedade e o Estado que criaram um novo cenário

para a formação de consenso e acordos sobre o meio ambiente. Essas mudanças se

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evidenciaram nas conferências internacionais da ONU sobre o meio ambiente em

1972 e 1992. Vimos a importância da sociedade civil global para a abertura do

espaço discursivo da ONU e a atividade e fortalecimento do movimento

ambientalista no sistema internacional. O papel da sociedade civil se destacou

desde 1972, mas em 1992 foi ainda maior. Costa (2002) contribuiu para entender

essa mudança, focando a luz na nova atividade da sociedade civil neste período. A

partir daqui, foi ressaltado que a reativação da sociedade civil em países da

América Latina e o Leste Europeu e os novos movimento sociais possibilitaram a

abertura dos debates sobre o meio ambiente e a disseminação maior por diversos

setores da sociedade.

A concepção da UNCHE e a UNCED como dois momentos de

racionalização comunicativa e a discussão das mudanças entre 1972 e 1992

ajudaram para refletir sobre as mudanças no movimento ambientalista e no

consenso sobre problemas ambientais e soluções possíveis. Foi visto que os países

desenvolvidos que estabeleceram a agenda original das conferências enfrentaram

resistência de países em desenvolvimento, originando das demandas para

considerar a satisfação das necessidades básicas da maioria da população no

mundo. Foi evidenciado que a divisão entre esses países resultou numa mudança

na maneira de abordar a questão do meio ambiente. Assim, ficou registrado que,

no fundo, o meio ambiente foi menos pensado desde uma perspectiva científica.

De maneira geral, a proteção do meio ambiente se tornou uma questão cada vez

mais política e econômica, principalmente com consagração do conceito de

desenvolvimento sustentável na Rio-92.

Partindo da perspectiva de Habermas, que procura estabelecer um

consenso racional, moral e legitimo, são os processos discursivos que importam e

que determinam a legitimidade dos resultados. Ficou registrado que o caráter

altamente procedimental das conferências da ONU representam exemplos

interessantes para medir e examinar a formação do conceito de meio ambiente.

Dessa perspectiva, quando olhamos a UNCHE e a UNCED como arenas

discursivas para a racionalização comunicativa e a criação de consenso, foi

evidente o valor da participação da sociedade civil e da deliberação democrática.

Foi estabelecido que as conferências, embora não tivessem criado políticas

obrigatórias e instituições concretas, tinham um valor simbólico importante para a

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formação do conceito do meio ambiente, o movimento ambientalista e as

negociações futuras.

Olhando um pouco mais os fatores específicos que determinaram os

debates na UNCHE e na UNCED, descobrimos o papel importante das

experiências nacionais particulares dos participantes. Foram examinados os casos

específicos do Brasil e EUA, e percebeu-se que existiam atores específicos e

relações complexas de poder que determinaram o conteúdo e a direção dos

debates nas conferências. Foi destacado que para Habermas o processo e a

formação do consenso determinariam os resultados, mas a partir de uma

abordagem inspirado no pensamento de Foucault foi aplicado um olhar mais

profundo. Foi revelado que atores e fatores menos visíveis ao nível nacional e

internacional determinaram e definiram os próprios processos discursivos das

conferências, e consequentemente produziram os resultados (ou a falta de

resultados).

A partir do estudo a nível nacional sobre o desenvolvimento do

movimento ambientalista e os valores e conceitos associados com a proteção do

meio ambiente no Brasil e nos EUA, foi visto a importância do contexto histórico,

econômico e político-social na formação das agendas e na participação nas

conferências. Foi argumentado, segundo uma perspectiva baseada nas ideias de

Foucault, que conceitos universais, como a ética discursiva que Habermas

pressupõe, devem ser questionados. Embora possam tirar a atenção das relações

de poder que atuam nos processos discursivos e produzem os debates, não

necessariamente devem ser descartados. Vimos que uma análise contextual no

nível da micropolítica revela elementos importantes na formação dos debates

democráticos e os processos discursivos relacionados à questão do meio ambiente

e ao movimento ambientalista. A partir desta perspectiva, interesses em conflito,

principalmente interesses econômicos nacionais, que determinaram os debates

durante a UNCHE e a UNCED, são mais bem compreendidos em todas as suas

dimensões.

Esse estudo foi, sobretudo, uma tentativa de examinar e entender melhor

uma das questões contemporâneas mais imperativas e indispensáveis. Mostrou a

importância do sistema internacional da ONU para a formação, disseminação e

legitimação das preocupações sobre o meio ambiente. Tentou estabelecer uma

visão multidimensional do movimento ambientalista e o próprio conceito do meio

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ambiente. Afastamos da visão abrangente inspirada na teoria de Habermas sobre a

função procedimental das conferências para adotar um olhar contextual e crítico,

mas no processo voltamos para a importância de projetos democráticos coerentes

e otimistas. Uma questão como essa exige ação e determinação que Habermas

facilita pela sua teoria clara e destinada explicitamente à mudança social justa e

moral. Esse trabalho foi apenas o início de um caminho para frente e de projetos

futuros para explorar todos esses temas, teorias e objetos que foram introduzidos

aqui. Além da pesquisa e da bibliografia extensivas, uma lição importante surge

aqui que destaca que a destinação sempre depende do caminho percorrido –

mesmo numa situação urgente como a crise ambiental. Da mesma maneira, em

vez de uma pesquisa acabada, esse projeto deve ser pensado como um processo,

um passo à frente, ou uma passagem por uma entrada nova e interessante.

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