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2 ENTREVISTA COMMARIA ALICE SETUBAL

4 RECADO DO LEITOR

5 COISAS DE ALMANAQUE

6 QUESTÃO DE GÊNERO:GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA

PÁGINA LITERÁRIA: FUNGO

8 DE OLHO NA PRÁTICA:ENSINAR: O QUÊ? COMO?

TIRANDO DE LETRA 1:NA PRÁTICA A TEORIA É OUTRA?

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HISTÓRIA DO ESCREVENDOO FUTURO:

NAS ONDAS DO RÁDIO

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O QUE VEM POR AÍ

TEXTO VENCEDOR: O VALETÃO QUE ENGOLIA MENINOS

E OUTRAS HISTÓRIAS DE PAJÉ

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TIRANDO DE LETRA 2:MARCAS REGISTRADAS EM

TATUAGENS TRANSPARENTES16

ESPECIAL:A LEITURA EM SALA DE AULA12

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postas dêem certo, transformando o trabalhoem referência nacional e contribuindo efeti-vamente com melhores práticas educacionais.

Um dos principais objetivos do almanaqueNa Ponta do Lápis, desde que foi lançado háquase três anos, é trazer artigos, reportagens,informações, orientações e troca de experiên-cias sobre como professoras e professores, detodas as partes do Brasil, podem trabalhar gê-neros textuais com seus alunos. Aos poucosampliamos o número de gêneros tratados, semperder de vista os já abordados.

Nesta edição, alguns especialistas tratamde como conciliar teoria e prática no ensino degêneros textuais. Uma professora do Paraná,vencedora na última edição do Prêmio, contasua experiência. A socióloga Maria AliceSetubal, diretora-presidente do Cenpec, am-plia a discussão numa entrevista em queaborda os vínculos necessários entre Culturae Educação. Na Página Literária apresentamosum conto da premiada escritora Eva Funari.Uma ótima história para professores e melhorainda para os alunos.

Como meio de contato privilegiado, nossoalmanaque quer “alimentar” professoras e pro-fessores para que tenham ótimas idéias queinspirem excelentes práticas; ou para que,apresentando práticas exemplares, inspiremgrandes idéias.

A todos um bom trabalho e uma ótimaleitura!

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Que impressões causaram a leitura dos tex-tos de memórias e as poesias das criançasque participaram da última edição doPrêmio Escrevendo o Futuro?Maria Alice Setubal – Vou falar em termosimpressionistas mesmo. É muito bom ver a preo-cupação com a passagem transgeracional:crianças e professores ouvindo com respeito osmais velhos relatarem sua experiência, seusaber. Essa aproximação faz com que a escola,as crianças, a professora pensem um pouco nasua história, na sua experiência.

Outra impressão que me vem ao ler os textos éa nostalgia, quer dizer, aquele sentimento deque antes é que era bom e hoje não é mais.Talvez a pessoa idosa que conta a história nãotenha mais ou não perceba um lugar como seu,voltando-se para a nostalgia. A tendência é nãoressignificar a época, o lugar, o espaço. É pre-ciso que a professora trabalhe com esse tom denostalgia, caso ele apareça. A nostalgia conduza um movimento maniqueísta: antes era bom,hoje é ruim. Eu não sei se é ruim ou se é bom.Não adianta querer voltar a um tempo que nãoexiste mais. O mundo mudou, deu um salto.

“Crianças e professores ouvindo comrespeito os mais velhos relatarem suaexperiência, seu saber. Essa aproximaçãofaz com que a escola, as crianças, aprofessora pensem um pouco na suahistória, na sua experiência.”

A escola pública, hoje, valoriza a cultura local?Maria Alice Setubal – Eu não saberia respon-der pensando na escola pública como um todo.Vou responder retomando minha experiência dealgum tempo atrás. Há uma tendência de queescolas localizadas em cidades menores tenhamuma ligação maior com sua história. As famíliasse conhecem e todo mundo faz parte daquelecontexto, o que já traz um pouco da cultura localpara dentro da sala de aula. Esse movimentopossibilita que a escola se conscientize e enxer-gue a história local como potencial importante.Mais do que saber as histórias, a instituiçãoconsegue ficar próximo daquele aluno porqueele pertence à cultura local, faz parte da mesmacomunidade da professora, da diretora. Buscarum pouco a história da cidade e de seus mora-dores sem dúvida amplia o universo da escola,que passa a se olhar, a se enxergar e a valorizaras diferentes culturas.

A conversa foi de quase uma hora. A socióloga Maria Alice Setubal, diretora-presidente doCenpec, falou de temas com os quais tem trabalhado nos últimos anos. Mestre em CiênciaPolítica pela USP e doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP, destacou a importância deintegrar memória e cultura local nas atividades curriculares da escola. A cultura caipira,desvelada por Maria Alice na série de livros Terra Paulista*, reforçou as idéias sobre o víncu-lo entre educação e cultura. A entrevista a seguir foi feita na sede do Cenpec, em São Paulo.

Fios entre Educação e Cultura

Todo mundo fala da historinha da dona Fulana,de tal lugar, das ruas de terra, do som do trem,das brincadeiras de antigamente. Fico pensandona importância de o professor ensinar a criançaa olhar, dar valor para o patrimônio cultural quetambém é dele. É a possibilidade de a criançaconhecer sua história, conversar com os pais,com pessoas da escola, da comunidade. Essassituações trazem a narrativa, o narrador, aexperiência daquele momento.

*Composto de três livros, mais série de documentários euma coleção paradidática, organizados por Maria AliceSetubal, o projeto Terra Paulista foi lançado em 2004 e pre-tende estimular um olhar crítico sobre a formação culturaldo Estado de São Paulo.

Por Luiz Henrique Gurgel

Maria Alice Setubal

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Como incorporar essas questões aocotidiano da escola?Maria Alice Setubal – Estou um poucodistante de uma leitura dos parâmetroscurriculares, mas acho que ali estão aspossibilidades. A escola pode trabalhartemas transversais que tratam da diversi-dade cultural, por exemplo, na disciplinahistória. Quanto à intersecção entre edu-cação e cultura, é possível trazer à escolae ao currículo todas as questões do patri-mônio cultural. Em qualquer cidade há umpatrimônio material a ser trabalhado. É oprédio da escola, da prefeitura, a praça, aestação, a igreja. São dimensões que a es-cola pode refletir. Outra dimensão, a dopatrimônio imaterial, provém dos saberese dos fazeres. Está relacionada ao traba-lho de um artesão, a hábitos culinários oua festas tradicionais. É importante, porém,que tudo isso não fique muito fechado,isolado. É preciso ressignificar essepatrimônio, valorizar a experiência:“eu estou aqui hoje porque existeuma história, que me fez chegar aquidessa forma. Como posso transformarisso numa coisa contemporânea?”.

Como tratar essas questões da culturalocal, quando os meios de comuni-cação concorrem com a escola e lidamcom outros valores?Maria Alice Setubal – É muito difícil. Aescola tem um distanciamento do contem-porâneo. Ela não consegue acompanhar oritmo que vivemos hoje, talvez nenhumainstituição consiga. Há uma enorme defasa-gem na competição com a mídia, que buscao espetáculo, sem ter a reflexão como obje-tivo. No Brasil, a televisão atinge 95% dapopulação. A relação é totalmente desigual.O trabalho com a memória e a história podelevar a escola a se valorizar, a se perceber, aolhar para seu entorno. Hoje, determinadasculturas e determinados segmentos dapopulação que não eram valorizados, queestavam invisíveis, começam a aparecer. Essa questão me faz lembrar uma expe-riência que tive em Manaus durante umaformação de professores. Todas as pes-soas do grupo, apesar de sua evidenteascendência indígena, falavam de índioscomo algo completamente distinto, como

se a cultura indígena não tivesse nada aver com elas. Cada um de nós tem essahistória incorporada. Eu trago comigo umahistória de escravidão, uma história deíndio, de classe dominante, uma históriade todas essas histórias. Direta ou indire-tamente, todos trazem essa história evivem suas conseqüências.

Essas questões aparecem na coleçãoTerra Paulista. Como foi esse trabalho?Maria Alice Setubal – Foi muito impor-tante para minha experiência pessoal.Morando numa fazenda em Itu, interes-sei-me pela história do local, depois pelasdas fazendas do entorno e percebi quetodas as histórias se conectavam com ahistória do Estado de São Paulo e com a doBrasil. Eu desconhecia completamenteessa história. Sabia dos bandeirantes, docafé, mas eram informações fragmentadas.Buscando os fios, veio a questão da culturacaipira. Comecei a entender um outro mundorural cujos traços culturais persistem até

hoje de forma marginal, não valorizada,desconsiderada em São Paulo.

“Eu trago comigo uma história deescravidão, de índio, de classe dominante.Todos trazem essa história evivem suas conseqüências.”

Percebi, por esse estudo, como é impor-tante olhar para o entorno e acabar com ospreconceitos. Também entendi como acidade de São Paulo não olha para o inte-rior do Estado, pois está mais ligada com oque acontece fora do país. O que é valo-rizado é o “primeiro mundo”. São Paulonão se olha, nega a cultura caipira, quer sediferenciar do Brasil. Está na mesma pro-porção dos descendentes de índios, emManaus, que não se aceitam. Outros esta-dos vêem com preconceito essa posturapaulista. Somos diferentes – como cadaum é – mas não somos primeiro mundo,somos terceiro. São Paulo não se sente nopaís, não busca a identificação; busca,pelo contrário, a diferenciação. Se não re-conhecermos nossa história, não nosreconheceremos.

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Dicas na ponta do lápis“Gosto de ler o Na Ponta do Lápistodinho. Ele me ajuda a compreendermelhor e diferenciar os gênerostextuais, além de dar dicas para otrabalho na sala de aula.”

Sandra Morari RodriguesSão Paulo/SP

Compartilhando emoções“Quando recebi esta edição do

almanaque, após folhear e acharlindas as ilustrações fui direto aoeditorial. Fiquei comovida com o queli. É muito bom saber que existemoutras pessoas que compartilhamalgumas de nossas emoções vividas em sala de aula.”

Kenit Bernadet Lara RebeloItaúna/MG

Formando formadores“É a primeira vez que entro em

contato com o almanaque. Gosteimuito! Como trabalho com formaçãocontinuada dos profissionais deeducação, esse material será muitoútil. Vocês estão de parabéns!’’

Simone Terezinha ZoccheCuiabá/MT

Página Literária“Gostaria de parabenizar a seçãoPágina Literária, pois tão importantequanto o trabalho com literatura éa exploração da trajetória de vidado escritor, suas dificuldades e conquistas. Essa exploração motivaos alunos a buscar outros livrose trabalhos do escritor, construindo,dessa forma, o hábito de leitura.”

Rosangela da Costa GomesBarroso/MG

Futuro do país“Ao saber do Prêmio Escrevendo oFuturo, pensei que fosse um concur-so como muitos outros, mas ao rece-ber o material percebi que se tratavade um projeto sério de pessoas real-mente preocupadas com o futuro donosso país.”

Solange Maria Gomes BerluniPenápolis/SP

Leitura no recesso“A revista está excelente. Vocês conseguiram superar as outras edições. Recebi meu exemplar no final do recesso escolar e já programei todo o trabalho de produção de texto utilizando este material.”

Ana Bárbara P. V. MattosAraraquara/SP

Cora Coralina“Cora Coralina é um exemplo de vidae de poesia para todos, quer sejamseus leitores, quer não. Além disso, as ilustrações deram um toque mágico ao texto sobre a poeta.”

Ana Lúcia BugatoSão Carlos/SP

Laboratório para todos“Continuem com a seção De olhona prática, excelente laboratório daprática de produção em sala de aula.Assemelha-se a um curso de capacitação a distância. Se possível, aumentem as análisesdos gêneros textuais.”

Christiane Renata C.de MeloParacatu/MG

A força do hábito“O registro formal de nossas ativi-dades ainda é a grande dificuldade,pois nos falta tempo e não temos ohábito. O relato de prática de outrosprofessores na seção Tirando de Letranos incentiva a superar esse desafio.”

Maria Aparecida da Silva FariaCaçapava/SP

Roxane Rojo“A Profª Roxane Rojo faz uma colocação importante com relação aoposicionamento da escola, que muitasvezes não valoriza e discrimina aprópria realidade e cultura local. Naminha opinião, temos que valorizar emuito a cultura e a realidade trazidapelo nosso aluno.”

Liamara Maria F. de CarvalhoSanto Antônio da Platina/PR

Entusiasmo“É a primeira vez que estou participando do projeto. Estou gostando de perceber o entusiasmona minha turma de 4ª- série. Estásendo estimulante para a leitura e aescrita dos alunos. No almanaque há experiências que estão me ajudandoa desenvolver o trabalho.”

Jociene Lemes de CamposCorumbá/MS

“Houve o tempo do sonho.No escuro das noites,todos sonharam palavras.Houve o tempo do acordar.Na luz das manhãs,todos acordaram palavras.Depois veio a coragemde presentear.Em cartas lacradas viajaram secretas palavras.”

Apontamentos, deBartolomeu Campos Queirós

A boa surpresa“Foi uma grata surpresa receber aanálise do texto do meu aluno. Foimuito bom saber que o concurso érealmente sério e que os textos sãoanalisados com o mesmo carinhoque o fazemos em sala de aula. Esse trabalho nos incentiva a melhorarcada vez mais a nossa prática.”

Simone Alves do AltíssimoSete Lagoas/MG

Investir na carreira“É um privilégio participar do PrêmioEscrevendo o Futuro, juntamente commeus alunos e colegas de trabalho,pois este é o meu primeiro ano nacarreira do magistério e o programajá tem contribuído muito para meucrescimento profissional.”

Raquel Queiroz Coelho FerleSanto André/SP

Trabalho levado a sério“Pude verificar que o PrêmioEscrevendo o Futuro não é apenas umconcurso, mas um projeto. Durante os três anos em que participo, semprerecebi todo o material; este ano,inclusive, tivemos a presença de umacoordenadora e do Canal Futura.Pude perceber que nosso trabalhorealmente é levado a sério.’’

Edilane Luzia Ribeiro AmbrósioRio de Janeiro/RJ

Nº de almanaques enviados: 61.544Nº de cartas-respostas recebidas: 5.243

SEÇÕES MAIS COMENTADAS De Olho na PráticaQuestão de Gênero

EspecialPágina LiteráriaTirando de Letra

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Desafio!Desde a primeira edição do Na Ponta do Lápis a noção de gênero está em debate. Antes de prosseguirmos com esse estudo, desafiamos você a verificar comoestão seus conhecimentos sobre gêneros textuais. Leia atentamente as afirmaçõesabaixo e assinale (V) se a afirmativa for verdadeira e (F) se for falsa. Boa sorte!

B. As conversas entre amigos, o bate-papo no restaurante, as “fofocas” ao telefone, os cochichos dos namorados são comunicações informais, presentes no dia-a-dia. Esses gêneros, chamados de primários, em geral não precisam ser ensinados.

C. No ensino de gênero é importante deixar claro para os alunos a situação de

comunicação: qual a finalidade (informar, convencer, divertir); a quem se destina o

texto (pais, colegas, pessoas da comunidade, professor); que posição tem o autor

(aluno, professor, narrador); onde o texto vai ser publicado (numa coletânea, num

livro, no jornal da escola, no mural da sala de aula, no jornal local).

D. Um escritor competente é aquele que, ao produzir sua escrita, sabe selecionar o gênero no qual seu texto se realizará, escolhendo aquele que for apropriado a seu objetivo. Por exemplo: Se o articulista de um jornal quer convencer seus leitores de sua opinião, escreve uma interessante reportagem.

E. A escola, como instituição com função social específica, também tem seus próprios

gêneros, por meio dos quais se desenvolvem as interações escolares, as atividades de ensino

(relato, ata, diário...) e aprendizagem (texto literário, crônica, artigo, texto didático, avaliação...).

F. O escritor de memórias literárias tem a capacidade de recuperar suas experiênciasde vida. Mais do que lembrar o passado em que viveu, o memorialista narra sua história, desdobrando-se em autor e narrador-personagem dela. À medida que escreve o texto, o escritor organiza as vivências rememoradas e as interpreta, usando a linguagem literária.

G. Os gêneros científicos e de divulgação científica, bem como os didáticos para o ensinodas diversas áreas de conhecimento estão organizados no agrupamento do argumentar.

H. Em uma atividade de produção de textos sobre bichinhos de estimação a criança escreveu:

O gatoO gato é preto.

O gato mia.Ele come ração.O gato é bonito.

Esse exemplo confirma a prática cartilhesca e mecanicista da linguagem.

A. Gêneros textuais são grupos de textos, orais ou escritos, que têm origens

próximas. Ligados entre si por pertencerem a uma mesma área de conhecimento,

ocorrem em situações de comunicação semelhante.

Verdadeiro ou Falso

Confira suas respostas na página 21.

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Para organizar o ensino de gêne-ros textuais de forma que os alunosaprendam mais e melhor a língua quefalam, é interessante refletir um pou-co sobre as razões pelas quais osgêneros têm sido considerados ex-celentes “ferramentas” de ensino. Ésimples: são a forma natural pelaqual usamos a língua para nos comu-nicar. Não é possível falar nem um“bom dia” sem utilizar um gênero tex-tual. Não há comunicação sem eles.

Usar os gêneros como instrumen-tos de ensino na escola dá mais sig-nificação aos estudos escolares por-que os aproxima da língua que usamosnaturalmente em nosso dia-a-dia, se-ja em comunicações informais, sejaem comunicações formais.

Há momentos em que as comuni-cações humanas são bem informais:em conversas familiares, nos bate-papos no barzinho, nas conversas detrabalho, nos murmúrios carinhososdos namorados. Chamados de gê-neros primários, não precisam serensinados na escola, pois são apren-didos no uso diário.

Outros momentos de comunica-ção humana são mais formais, plane-jados. É o caso de textos escritospara serem publicados para um gran-de grupo de leitores, como os textosjornalísticos, os textos escritos peloscientistas para divulgar suas desco-

bertas ou, ainda, os textos literárioscomo os romances, os contos e ascrônicas.

Não é só na escrita, porém, queexistem situações de comunicaçãomais formais. Uma palestra, porexemplo, é uma situação detalhada-mente planejada de comunicação e,portanto, é mais formal. Uma aula,uma entrevista ou um debate na te-levisão são planejados em detalhes e,por isso, também são mais formais.Podemos chamar de gêneros secun-dários os que exigem maior planeja-mento para serem usados. Precisamser ensinados na escola para que osalunos possam dominá-los como ins-trumento de comunicação indispen-sável para o exercício da cidadania.

Os gêneros secundários são tãonumerosos quanto os tipos de situa-ções humanas de comunicação pla-nejadas que existem. Então, comoescolher os que devem ser ensina-dos na escola?

Muitos estudiosos têm se dedica-do a responder a essa questão. Doisdesses especialistas, Joaquim Dolze Bernard Schneuwly, elaboraramuma tabela com grupos de gêneros(orais e escritos) que devem ser en-sinados na escola. Nessa tabela, osautores organizam os gêneros emagrupamentos: Narrar, Expor, Argu-mentar, Instruir e Relatar.

Gêneros textuais na escola

PARA SABER MAIS

O livro Gêneros oraise escritos na escola,com artigos deJoaquim Dolz e Bernard Schneuwly,entre outros autores,foi lançado no Brasilpela Editora Mercadode Letras. É uma boadica para quem quisermais informaçõessobre o tema. O livro apresentavárias abordagenssobre o ensino degêneros textuaisna escola.

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Agrupamentos de Gêneros

Ficção e criação.

Artigos de divulgação científica detodas as áreas do conhecimento,relatos de experiências científicas,conferências, seminários, textosexplicativos de livros didáticos,verbetes de enciclopédia, textosdidáticos para ensino das diversasáreas de conhecimento.

Gêneros da cultura literáriaficcional: contos, lendas,romances, fábulas, crônicas.

Cartas de solicitação, cartas do leitor,cartas de reclamação, debatespolíticos, artigos de opinião, editoriais.

Divulgação de um

conhecimento resultante

de pesquisa científica.

Questões polêmicasdiscutidas em sociedade,que exigem dos autores umposicionamento e a defesadesse posicionamento.

Informação de como deve sero comportamento daquelesque vão usar um equipamentoou medicamento ou, ainda,realizar um procedimento.

Manuais de instrução de diferentestipos (que acompanham máquinas,ferramentas e eletrodomésticos),bulas de remédio, receitas culinárias,regras de jogo, regimentos e estatutos.

Memórias literárias, diários íntimos,

diários de bordo, depoimentos,

reportagens, relatos históricos, biografias.

Necessidade de contaralguma coisa que realmenteocorreu, o que torna osrelatos diferentes das

narrativas, que são ficcionais.

NARRAR

GRUPOS

GÊNEROS

EXPOR

ARGUMENTAR

INSTRUIR

RELATAR

Para organizar o planejamento, os professores podemescolher os gêneros secundários de acordo com o interesse eas capacidades de leitura e escrita dos alunos e distribuí-los

ao longo das séries do Ensino Fundamental.

CAPACIDADES DE

LINGUAGEM ENVOLVIDAS

NA PRODUÇÃO

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Ensinar: O quê? Como?

A sociedade contemporânea vive a era dainformação. Jornais, revistas, televisão, rádio,e-mail, blog, comunidade virtual, orkut possibili-

1Compartilhar a proposta de trabalho com os alunos

É importante explicar o trabalho passo-a-passo. Uma sugestão é fazer uma roda de conversa para apresentar o gênero que será estudado e comentar as diversas atividades que serão desenvolvidas. Organize, junto com a turma, um plano de ação, anotando em um cartaz cada etapa da proposta.

2Mapear o conhecimento prévio dos alunos

Nesta etapa, os alunos conversam sobre o queconhecem do gênero que será trabalhado e escrevemum primeiro texto. Ao propor a primeira produção,o professor deve detalhar a situação de comunicação:para quem se destina o texto (pais, colegas,pessoas da comunidade), qual é a finalidade (informar,convencer, divertir), que posição tem o autor (aluno,representante da turma, narrador), onde o texto vaiser publicado (numa coletânea, no jornal da escola,no mural da sala de aula, no jornal local).Essa produção aponta os saberes dos alunos e dápistas para que o professor possa melhor intervir noprocesso de aprendizagem.

3Ampliar o repertório dos alunos

De posse do mapeamento dos alunos – informaçãopreciosa para avaliar em que ponto está aturma – o professor elabora um conjunto de atividadesde leitura, escrita e oralidade, as mais diversas possíveis. É fundamental oferecer bons e variados textos, aproximando a turma do gênero em estudo. Essa diversidadede propostas amplia a possibilidade de êxito dos alunos.

Ao organizar uma seqüência didática,é preciso preparar detalhadamentecada uma das etapas do trabalho:

Seqüência didática é um conjunto sistematizado de

atividades ligadas entre si, planejadas para ensinar um

conteúdo etapa por etapa. Essa proposta envolve

atividades de aprendizagem e avaliação, organizadas de

acordo com os objetivos que o professor quer alcançar.VOCÊ TEMALGUMAS?

EU SOUSÓ INCERTEZA!

ESTÁQUASE PRONTO,

MAS TENHOALGUMAS DÚVIDAS.

VOCÊ JÁ FEZ OPLANEJAMENTO?

EU JÁTERMINEI O MEU.VOU TRABALHAR

COM CONTOSFANTÁSTICOS.

DE QUE JEITOVOCÊ VAI TRABALHARESSE GÊNERO COM

A TURMA?

ESTOUPREPARANDO

UMA SEQÜÊNCIADIDÁTICA.

O QUEÉ ISSO?

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Mãos à obra!Professor, você já planejou uma

seqüência didática para ensinar a seus alunosum determinado gênero textual?

Em caso afirmativo, gostaríamos de conhecer sua experiência.E, se essa proposta ainda não faz parte de sua prática

pedagógica, convidamos você a organizar uma seqüênciae desenvolvê-la em sala de aula.

Escreva-nos relatando os passos da seqüência didática e os resultados desse trabalho.

4Analisar as marcas do gênero

No decorrer das atividades, é essencial amediação do professor, para que os alunosconsigam analisar e identificar os recursosutilizados pelos autores na escrita.Por exemplo: ler textos, identificar asmarcas próprias do gênero (as expressõespróprias, os tempos verbais utilizados).

5Buscar informações sobre o tema

Esta é uma atividade valiosa paradar consistência ao texto. É preciso conhecer o tema sobre o qual se escreve, qualquer que seja a situaçãocomunicativa, pesquisando, entrevistandopessoas, coletando dados da culturalocal. É preciso dominar o conteúdo (ter o que dizer) e a forma (ter comodizer), utilizando o gênero mais apropriado para a produção.

6Produzir um texto coletivo

Esta é uma etapa bastante desafiadora daseqüência didática. O professor coordena aprodução do texto coletivo, dando oportunidadepara que os alunos troquem idéias, exponhamseus conhecimentos, dúvidas. Neste papel, o professor incentiva a participaçãode todos, organiza as falas, faz intervenções,transforma o discurso oral num texto escrito.

7Escrever um texto individual

É hora de o professor mobilizar os alunos para a escrita individual.Para realizar essa atividade, é necessário retomar a situaçãode produção e relembrar as marcas próprias do gênero. Nessa produção final, o aluno deve pôr em prática tudo o que foi aprendido ao longo da seqüência didática.

8Fazer a revisão e o aprimoramento do texto

Essa é uma tarefa árdua para professor e alunos.Exige ler, reler, identificar o que não está bem claroe os aspectos que devem ser melhorados no texto.Por isso, o professor precisa incentivar e auxiliarseus alunos a vencer esse desafio.

9Publicar os textos produzidos pelos alunos

Finalizado o trabalho, organize os textos para publicação. Escolha o portador mais adequado ao gênero. Por exemplo: para contos maravilhosos, transforme os textosdos alunos em um livro ou coletânea; se você trabalhou com notícia, publique-as no jornal local, ou no jornal mural.Com a publicação pronta, prepare com cuidado o lançamento. Convide pais, professores, colegas da escola, pessoasda comunidade. Essa significativa conquista – de professore alunos – merece celebração.

tam que a informação circule em quantidade, ve-locidade e transitoriedade impressionantes.

Diante desse cenário, surge um grande desa-fio para a escola: definir quais conhecimentosacumulados no curso da história devem ser en-sinados e de que forma.

Pensar o ensino de Língua Portuguesa, porexemplo, exige do educador o domínio da língua,de seus princípios de aprendizagem, e uma refle-xão minuciosa da realidade, para então organizare articular a seleção de temas e conteúdos quedevem ser ensinados sistematicamente.

Para trabalhar com gêneros textuais, é fun-damental elaborar uma seqüência didática, um

roteiro de ações. Esse procedimento permite in-tegrar as práticas sociais de linguagem – escri-ta, leitura e oralidade – guiando as intervençõesdo professor.

Vamos refletir sobre as orientaçõesmetodológicas da seqüência didática

A seqüência didática tem como finalidadeabordar aspectos envolvidos na produção de tex-tos em um determinado gênero. Esse conjuntode atividades permite que os alunos dominemas características próprias do gênero em estu-do e tenham condições de escrever cada vezmelhor.

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FUNGOA história do estranho amigo

que queria ser escritor.

Eva Furnari*

Luciana tinha um amigo muito especial, o Fungo.Fungo era um duende fofo que adorava conversar. Ele visitava sempre a Lu e, às vezes, até

dormia lá na caminha azul da casa das bonecas. Ele não gostava muito das bonecas, principal-mente das magricelas que nunca respondiam suas perguntas.

Outra coisa que o Fungo adorava era escrever. Ele vivia inventando frases, poemas, histórias.E agora, o que ele mais queria era ter um professor. Queria aprender mais. A Lu, certamente,não podia ser sua professora, pois sabia menos que ele.

Além do mais, ultimamente, a amizade deles andava estremecida. A ver-dade é que a Lu andava muito ocupada com as bonecas. Fungo não enten-dia qual era a graça daquilo. Elas eram muito burras. Aquele Tobi, então,era uma montanha de músculos inúteis, nem se trocar sozinho ele sabia.

Certa vez, numa daquelas madrugadas sem graça em que se perdeo sono, Fungo viu jogado no chão o caderno da Lu, aberto napágina da lição de casa. Olhou e viu uma redação escritacom uma letra bem torta:

“Minha familha.Minha familha é legau. Meu pai xama Aufredo. Minha mãe

xama Denize. Eu sou filia única e teinho çeizano.”.

Çeizano? Fungo leu aquilo e arregalou os olhos! Aredação estava horrivelmente mal escrita! Tinha muuuitoserros de português, era curta, sem graça, sem nenhumazi-nha palavra difícil. Além disso, não contava nada dosparentes, das festas, das brigas e nem do que ela sen-tia pelos pais! Coitada da Lu, ela ia tirar zero!!! Elemesmo podia escrever bem melhor! E por quê não?Ele podia mesmo reescrever e bem melhor! E foi oque fez. Arrancou a folha com a redação da Lu, jogouno lixo e escreveu com uma letrinha caprichada:

*Premiada escritora e ilustradora de livros de literatura infanto-juvenil.

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“Minha Família.Eu adoro minha família! Meu pai, de nome Alfungo, é um belo exemplar da nossa espécie; é forte,

vistorioso, tem glasmurosas orelhas pontudas, dentes enormes, gloriosos e uma vasta cabeleiraverde bruxulante. Ele faz um lindo par com minha mãezinha, Fenize, que tem as sobrancelhas roxascombinando perfeitamente com seus dois dentes e meio, com seus cotovelos peludos e seu sorberbonariz potialgudo. Eu ainda sou jovem, tenho só 190 anos. Meu pai tem 750 e minha mãe 700 anos.Tenho 35 irmãos, 145 primos, todos arrechonchados como eu. Adoro meus tios, eles são muitoalgitados, fofolgueiros e falhastrões. Tenho muito orgulho da minha esplenforosa família!”

Fungo foi dormir orgulhosíssimo de si. Lá no fundo de seu coração, além de querer ajudar apobre da Lu, ele também queria que a professora lesse sua redação efizesse comentários. Ela, sim, sabia muito e podia ensinar-lheuma porção de coisas.

Fungo ficou ansioso esperando o dia seguinte chegar e,depois, esperando a hora da amiga voltar da escola. Elasem dúvida tinha tirado nota dez. Ela ia agradecer e vercomo ele era culto e depois ia esquecer o Senhor Monte deMúsculos Inúteis, o Tobi.

Mas nada foi do jeito que Fungo esperava. Em vez deagradecer, a Lu ficou furiosa. Proibiu-o de chegar pertodo seu caderno! Imagine! Ela estava de mal! O motivo?Ah, ela levou a maior bronca da professora, que não éboba nem nada, e logo viu que não era ela que tinhaescrito aquilo tudo. É claro, ela não ia mesmo escreveraquele monte de besteiras! Mas como ela ia explicar quetinha um amigo duende enxerido? A professora nunca iaacreditar! E era por isso que ela estava de mal, de malpara sempre!

Chateado. Fungo ficou muito chateado. Recolheu-se à casi-nha de cachorros da casa de bonecas e lá ficou quieto, atéo anoitecer.

Quando finalmente Lu adormeceu, ele foi silenciosamente até a mochila e desobedeceu a suasordens; pegou o caderno e leu o comentário da professora: Lu, quem fez a redação para você? Nãoé certo mentir assim! Não faça mais isso, ok? Fiquei curiosa de saber quem fez essa redação, dessejeito gostoso, criativo e interessante. Ela está bem escrita, apesar de ter muitas palavras estranhas,umas erradas e outras inventadas. Quem é essa pessoa cheia de imaginação, que tem essa letra tãomiudinha?

Uau! Redação criativa e interessante! Palavras erradas! Finalmente alguém que podia ensinar!!!Fungo saiu pulando! Ele queria estudar! Pensou em pedir para Lu levá-lo para a escola. Talvez elepudesse assistir aula na mochila. Uau! Talvez virasse amigo de todos lá na escola... quem sabe atéda professora... aí ela ia ver que duendes existem...

Mas Fungo sabia que isso só podia acontecer se ele e a Lu ficassem de bem. Precisavaexplicar para a amiga que ele só quis ajudar e também que precisava de uma professora para oseu sonho de ser escritor...

Fungo não gostava de ficar contando seus sonhos, muito menos seus segredos, mas dessa vezachou que valia a pena. Pegou uma pequena folha de papel e começou a escrever uma longa carta...

“Querida Lu Preciso explicar....

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Nesta época de profundas trans-formações em que vivemos, a escolaprecisa, mais do que nunca, fornecerao estudante os instrumentos neces-sários para que ele consiga buscar,analisar, selecionar, relacionar e or-ganizar as informações complexasdo mundo contemporâneo.

Esse papel da escola ganharelevância em um país como o nosso:para muitos, fora da escola, são pou-cas as oportunidades de contatocom a leitura para informação, paraexercer minimamente a cidadania epara entretenimento.

Por isso, entre outros papéis quedeve desempenhar, a escola precisase preocupar cada vez mais com a for-mação de leitores. Mas, com que es-pécie de leitores? Que sejam capazesde mobilizar que tipos de procedimen-tos e habilidades? Que atividades de-vem ser selecionadas para que osalunos desenvolvam as capacidadesenvolvidas no ato de ler?

Em primeiro lugar, precisamoster em mente que não basta ensinara ler e a escrever: é necessário de-senvolver o grau de letramento dosalunos, dirigindo o trabalho parapráticas que visem à capacidade deutilizar a leitura (e a escrita) paraenfrentar os desafios da vida emsociedade e de fazer uso do conhe-cimento adquirido para continuaraprendendo e se desenvolvendo aolongo da vida.

Para isso, é fundamental proportrabalhos com os diferentes gênerosque circulam na sociedade1, massem deixar de criar situações quepermitam aos alunos desenvolver asdiferentes capacidades envolvidasno ato de ler. Além de ensinar a ler aslinhas, é necessário desenvolver acapacidade de ler nas entrelinhas e deler para além das linhas2, isto é, deve-mos ensinar, avaliar e cobrar capaci-dades leitoras de várias ordens:capacidades de decodificação, decompreensão e de apreciação e répli-ca do leitor em relação ao texto, comosugere Roxane Rojo3.

Se, ao propor atividades de leitu-ra, procurarmos contemplar essasdiferentes ordens, nossos alunosserão capazes não apenas de loca-lizar informações, mas de relacionare integrar partes do texto, de deduzirinformações implícitas, de refletirsobre os sentidos do texto —captan-do as intenções e pistas deixadaspelo autor —, de perceber relaçõescom outros contextos, assim comode gerar mais sentidos para o texto ede valorar o que lêem de acordo comseus próprios critérios.

Parece complicado? Os exem-plos apresentados na página ao ladomostram algumas das capacidadesde leitura utilizadas no dia-a-dia.

A leitura em sala de aula

Dileta Delmanto*

Na edição anterior deste almanaque, publicamos uma seção dedicadaàs ARTIMANHAS DA LEITURA, em que se fazia um comentário introdutóriosobre o ato de ler, sobre o papel do leitor e sobre o ensino da leitura.Dando continuidade a essas reflexões, abordaremos alguns outrosaspectos da leitura, priorizando o trabalho em sala de aula.

1. Ver Na Ponta do Lápis n. 4, p. 6. Na Comunidade Virtual do Programa Escrevendo o Futuro(www.escrevendoofuturo.org.br), você encontrará muitos e interessantes textos sobre o assunto.

2. Três momentos da escola clássica apontados por Ezequiel Theodoro da Silva em De olhosabertos (São Paulo: Ática, 1991).

3. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. Texto produzido para o Cenpec em 2004.

* Mestre em Língua Portuguesa e autorade livros didáticos.

O conceito de letramentoconsidera os graus de intimidade do indivíduo comusos e funções da escrita e da leitura. Quando alguémsabe ler, mas só conseguecompreender textos muitosimples, essa pessoa podeestar alfabetizada, mastem um nível de letramentomuito baixo. Esse nívelaumenta à medida que seaprende a lidar com variadosmateriais de leitura e deescrita. Quanto mais textosalguém é capaz de ler eentender, mais letrado se torna. É importante auxiliaros alunos a desenvolverem procedimentos que caracterizam um bom leitor,tais como:

� voltar várias vezes ao texto para localizar uma informaçãoou responder questõessuscitadas durante a leitura;

� inferir significados daspalavras pelo contexto;

� observar indicadores comotítulos, ilustrações, subtítulos,autor, gênero, disposição espacial do texto, portadores,considerando-os como elementos para atribuiçãode sentido;

� ler procurando reconhecera finalidade do texto e asintenções do autor;

� relacionar conteúdo do texto à vivência de cada um.

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Antes da leituraIdentificar as finalidades da leitura (com queobjetivos se vai ler): para procurar informações,por prazer, para conhecer determinado assunto, para

atualizar-se, para seguir instruções,para revisar o próprio texto.

Antecipar ou predizer: antecipar asinformações que podem estar no

texto a ser lido a partir do título, dotema abordado, do autor,

do gênero textual; ante-cipar o tema ou idéia a partirdo exame de imagens (fotos,gráficos, mapas, tabelas,ilustrações).

Ativar conhecimentosprévios: incentivar os alu-

nos a exporem o que sabemsobre o assunto / conteúdoe/ou forma do texto.

Durante a leituraInferir: construir o significado de palavras ou ex-pressões a partir do contexto da frase; tirar con-clusões que não estão explicitadas, com baseem outras leituras, experiências de vida,crenças, valores...Levantar e checar hipóteses: formu-lar hipóteses a respeito da seqüênciado enredo, da exposição ou da argu-mentação; confirmar, rejeitar ou re-formular hipóteses anteriormentecriadas.Perceber as implicações da esco-lha do gênero e do suporte: relacionargênero escolhido com as intenções doautor; estabelecer relação entre suporte e organiza-ção textual.Localizar informações (explícitas ou implícitasno texto): situar quem é o autor, de que lugar (físi-co/social) escreve e em que época, em que situaçãoescreve, com que finalidade; em qual portador o tex-to foi publicado (jornal, revista, livro, panfleto, fo-lheto); localizar informações importantes para acompreensão do texto ou para fins de estudo; iden-tificar palavras-chave para definição de conceitos;localizar informações relevantes para determinar aidéia central do texto; relacionar informações paratirar conclusões.Extrapolar: ir além do texto: projetar o sentido dotexto para outras vivências e outras realidades;relacionar informações do texto e conhecimentocotidiano.

Apreciar criticamente o texto (estética,afetiva, ética...): avaliar as informaçõesou opiniões emitidas no texto; avaliar

recursos estilísticos utilizados; estabelecerrelação entre recursos expressivos e efeitos

de sentido pretendidos pelo autor.

Depois da leituraExtrapolar: ir além do texto: projetar o sentido dotexto para outras vivências e outras realidades;relacionar informações do texto econhecimento cotidiano.Apreciar criticamente otexto (estética, afetiva,ética...): avaliar as infor-mações ou opiniões emiti-das no texto; avaliar recur-sos estilísticos utilizados;estabelecer relação entrerecursos expressivos eefeitos de sentido pre-tendidos pelo autor.

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Na prática a teoria é outra?

A professora Heloísa Amaral, do Cenpec, dá dicas de como construir um bom relato de prática pedagógica,em que é possível fazer a ponte entre teoria e prática

Muitas vezes se diz que estudos teóricos epráticas pedagógicas não combinam bem. Umadas expressões usadas para afirmar isso, e quetodos já ouvimos, é: “Na prática, a teoria é outracoisa”. É evidente que há diferenças entre estu-dos teóricos e sua aplicação na prática peda-gógica. Mas, é na relação entre a teoria e aprática que estão as oportunidades de mudançae crescimento da qualidade que almejamos.Essa relação pode ser concretizada, entre outraspossibilidades, por meio de reuniões pedagógi-cas e relatos escritos de prática pedagógica.

As reuniões pedagógicas são momentos nocotidiano da escola que contribuem para fazer aponte entre os conhecimentos produzidos pelospesquisadores em educação e a prática dos pro-fessores. Espaço privilegiado para reflexão, elaspossibilitam a articulação entre ação, reflexãosobre a ação realizada e nova ação modificadapela reflexão. A escrita de relatos de experiên-cia da prática escolar é vital para o estabele-cimento desse elo. Nesses relatos, o professorfala com alguém que precisa compreender suaprática; ao mesmo tempo que a escreve, refletesobre ela, passa a compreendê-la melhor e a tercondições de aperfeiçoá-la.

Por que escrever relato de prática?

Cada situação de comunicação definida quese repete produz gêneros de texto marcados poressa situação. Essa regra serve para todos ostipos de comunicação, mais comuns e mais com-plexas, orais ou escritas.

Os relatos de experiência da prática pedagó-gica constituem um gênero textual, produzidoem uma situação de comunicação recorrente eprópria do espaço escolar.

Para escrever bons relatos sobre sua expe-riência em sala de aula, o professor precisarefletir sobre os elementos da situação de comu-nicação em que seu texto será produzido e

observar se, no momento de sua escrita, estáconsiderando esses elementos. Por exemplo,muitas vezes o coordenador pedagógico pedeao professor que faça um relato da prática pe-dagógica. Essa “conversa por escrito” entre umprofessor e seu coordenador pedagógico per-mite falar da aplicação da teoria na sua práticacotidiana ou sobre como essa prática se encaixano projeto pedagógico da escola.

Relato e relatório são o mesmo gênero?

O relato de experiência de prática pedagógi-ca tem características muito próprias, que o di-ferenciam de outros gêneros. Ele é muito distintode um relatório. Um relatório precisa parecerneutro, não pode revelar sua autoria. O relato deexperiência de prática pedagógica, ao contrário,é um gênero de texto que põe em evidência aautoria de quem o escreveu.

As marcas de autoria aparecem no texto to-das as vezes que o autor faz referência às ex-periências muito particulares que somente eleviveu com seus alunos, em sua sala de aula, emsua escola. Ao relatar essa experiência paraalguém próximo – o coordenador pedagógico,outros educadores – o professor faz uso depronomes pessoais e de tratamento, estabele-cendo um diálogo com esse leitor.

Como o relato fala de situações experimen-tadas pelo autor, revela as sensações e emoçõesvividas nessas experiências. Isso é marcado pe-lo uso de adjetivos que aproximam o leitor dossentimentos vividos por quem relata.

Vale lembrar que a vivência das pessoas nun-ca é solitária. Assim, o autor do relato tambémrevela em seu texto o diálogo com outros su-jeitos envolvidos, relembrando momentos, tra-zendo para seu texto vozes de outras pessoas:falas dos alunos, do coordenador, dos pais, dodiretor da escola, dos palestrantes que ouviu,dos autores que leu.

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O que é preciso para escrever um relato de prática?

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Saber que o gênero textual relato deexperiência é um diálogo entre o passadovivido, o presente de quem recorda e osleitores do texto.

Refletir sobre as razões que levam à pro-dução desse texto: desejo de registrarsuas experiências, como momento de re-flexão sobre sua prática, ou necessidadede prestar contas sobre como essa práti-ca se encaixa no projeto pedagógico daescola.

Considerar que a experiência – a prática –, éo centro do relato.

Levar em conta o veículo em que o relatovai circular (no jornal da escola, num textomanuscrito ou impresso pelo próprioautor), e que público leitor vai atingir.

Considerar que os leitores estão interes-sados em saber as particularidades daprática pedagógica e a maneira pela qualessa prática se relaciona com uma teoriae com o projeto da escola.

Lembrar que, ao utilizar memória, um au-tor sempre faz um jogo do “agora” com o“ontem”, do “aqui” com o “lá”. Por essarazão, aparecem no texto marcas desse

jogo, por meio dos temposverbais. Os verbos são

usados ora no pre-sente (“Eu me lem-bro...”), ora no pre-térito imperfeito(“Diariamente,

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líamos poemas...”), ora no pretérito per-feito (“Decidi que ia abordar a situaçãode outro jeito”).

Conscientizar-se de que vai escrever umtexto sobre uma experiência vivida que mo-bilizou seus sentimentos e, de certa for-ma, transformou sua prática pedagógica.

Saber que quem relata qualquer fato, emqualquer situação, necessita da memória,do registro.

Ter sempre em mente que o autor reme-mora situações vividas com outros sujei-tos, trazendo vozes desses sujeitos paraseu texto, citando direta ou indiretamenteo que eles disseram. O autor pode mar-car a introdução direta dessas vozescom dois pontos, aspas ou travessões.Outras vezes, os “verbos de dizer” tam-bém podem ser marcas do diálogo quese dá ao longo da experiência, eviden-ciando a introdução dessas vozes: “eledisse...”, “na hora em que ele falou...”,“o pai da criança contou...”, “a diretorada escola observou...” etc.

Observar cuidados comuns que se devetomar na escrita de qualquer texto: situaro leitor, dando referências de quando eonde a situação relatada ocorreu; garantircoerência ao relato, relatando primei-ramente o início da experiência e prosse-guindo com fatos que ocorreram na se-qüência; finalizar com uma reflexão sobreos resultados da prática pedagógica àqual se refere.

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Dentre os gêneros propostos pelo ProgramaEscrevendo o Futuro, escolhi Memórias por vá-rias razões. Estávamos muito envolvidos comatividades e discussões nas aulas de história egeografia sobre a importância das memórias naconstituição da nossa identidade.

Para envolver os alunos com o gênero, li olivro Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado.Encantados pela magia da história, organiza-mos uma mostra com objetos, brinquedos, fotose peças de vestuário antigos carregados de sig-nificados e lembranças.

Decidi alimentar ainda mais o imaginário in-fantil com o reconto de fatos e causos da infân-cia e juventude dos pais e avós. Ser professorado EJA (Educação de Jovens e Adultos) à noitefacilitou este trabalho, pois convivo com avós,pais, tios e irmãos de meus alunos de 4ª- série.As crianças liam os clássicos para os adultos eestes, rebuscando suas memórias, contavamhistórias de situações vividas.

Dessa forma, conhecemos os costumes evalores de nossos avós que estão em cada umde nós como “tatuagem transparente”. Numareunião emocionante, pais lembraram dessas“marcas registradas” que estão vivas em seusfilhos. O interesse das crianças era tanto quenão passavam um dia sem a leitura de memó-rias. Textos como Indez, de Bartolomeu Camposde Queirós, e Memórias de menina, de Raquel deQueiroz, auxiliaram a identificação de caracte-rísticas desse gênero.

Nesse período, obras de arte produzidas es-pecialmente para registrar as memórias da RuaSete de Setembro – tombada como patrimôniohistórico de Toledo – foram alvo de vândalos quedestruíram parte do grafite e dos quadros infor-mativos. Esse fato polêmico foi decisivo para aescolha do tema do trabalho.

Novamente recorremos à leitura: A rua Arnal-do Bloch e Lição das ruas e praças (Cenas de Rua,2004), do jornalista e professor maranhense Se-bastião Barros Jorge; e A rua da casa do meu Avôe Reinol das Alagoas (Maceió: HD livros, 1999), doescritor alagoano José Geraldo Wanderley Mar-ques. Era importante que os alunos pudessem“ver e sentir a rua como fator de vida da cidade.Conhecer o seu nascimento, como nasce umbebê: com vida”, como afirma o escritor cariocaJoão do Rio, no livro A alma encantadora das ruas(1908); ou como explica Sebastião Jorge em Liçãodas ruas e praças (2004): “Não há espaço maislivre e democrático que a rua. É aqui, que a liber-dade voa alto. Dia e noite. A rua é de todos. Sem

preconceito e distinção de qualquerespécie”; ou ainda como no poema

de José Geraldo Wanderley Marques:

Marcas registradas emtatuagens transparentes

A professora Salete Dallanol, de Toledo (PR), mostra como associou,em seu trabalho com o Escrevendo o Futuro, memórias pessoaise coletivas com cidadania e convivência. A rua e seus significadosna vida da comunidade foram o ponto de partida.

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“a rua da casa do meu avô era ampla e bela comoa aurora”.

A vida na rua foi inventariada. E pelas ruaseu encontrava uma avó aqui, um vizinho ali, esuas histórias não acabavam! Ficou claro que arua é um espaço de encontro dos amigos, umprolongamento da casa. É na calçada da frenteda casa que os pais e os vizinhos, no final dodia, se encontram para o chimarrão, enquantoas crianças ficam por ali, brincando.

Planejar, organizar e realizar as entrevistascom pessoas mais velhas da comunidade foi o“coração” do trabalho. O apoio da equipe doMuseu Histórico de Toledo foi valioso para aelaboração da lista de pioneiros da cidade. Trêsentrevistados expressaram sentimentos e emo-ções: um pioneiro que chegou à cidade adulto,com família constituída; outro que veio para acidade ainda jovem; e um morador que nasceu ecresceu com a cidade. Na roda de conversa, cadaqual remeteu suas lembranças naquilo de maissignificativo: o trabalho, a constituição da família,a infância na rua, recheada de fantasia, traqui-nagens e mistério. Fizemos escolhas perfeitas,tanto no tema quanto na seleção dos entrevis-tados. Isso foi decisivo para oêxito das produções.

Durante as oficinas o ritmo de trabalho foiintenso. Tinha a impressão de que não ia darconta das atividades; era preciso juntar as par-tes, amarrar as etapas. Confesso que emalguns momentos fiquei preocupada com ques-tões do currículo. Fui muito cobrada por estarparticipando de um concurso e “esquecendo osconteúdos”. Procurei aprofundar os aspectoslingüísticos com exercícios do livro didáticodos alunos e outros já acumulados ao longo dosanos de magistério.

Para mim, a tarefa mais árdua foi a revisãode textos. Num primeiro momento, criamos có-digos para alguns aspectos e, individualmente,as crianças corrigiram seus textos. Dúvidas co-muns foram discutidas coletivamente. Escrevero texto na primeira pessoa, sem perder de vistaa emoção do entrevistado, foi um grande desa-fio para os alunos. Da primeira produção à ver-são final ficou evidente o salto de qualidade.

Por meio da narrativa de memória restituímoso diálogo entre passado e presente, reavivandoo sentimento de pertencimento e os laços dacomunidade com sua história.

Agora eu olho para trás e penso: consegui-mos!

Indez é um portal do tempo.Inventário sensível de umainfância vivida no interior do Brasil. Bartolomeu Campos de Queiróstoca o leitor que acaba lançandoum olhar surpreso e maravilhadopara sua própria infância.

“O avô, com Antônio sobre os joelhos, contava pequenas histórias[...] que se não entendidas pelo neto,eram lidas pelos abraços e risostrocados entre o menino e o avô.(p.19)

“Enquanto bordava, a mãe liachegadas de cartas, visitas, presentes, na medida em que a agulhalhe espetava os dedos e encarnavade vida o linho branco”. (p.85)

Isabel encontra um retratoantigo de sua bisavó materna, Beatriz, na épocaem que ela era menina.Encantada, Bel passa a carregar a foto pra cimae pra baixo. Em sua imaginação, ela começaa conversar com Bisa Bia e aprende com ela como ascoisas eram antigamente.Nessa viagem no tempo,Isabel descobre, comparae vive as experiênciase as emoções de cada fase da vida.

Com gosto de docelembrança, Rachel deQueiroz narra a vida dacidade grande e do interior. Os festejos, os brinquedos, as trovaspopulares, os costumes,o encantamento dostempos de infância.