Fa NegligêNcia Grosseira V3

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1 UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA Uma reflexão descomprometida Mestrado Juridico Forenses Ciências Criminais I Fernando Américo Magalhães Ferreira Fevereiro de 2011

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UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO

NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA

Uma reflexão descomprometida

Mestrado Juridico Forenses

Ciências Criminais I

Fernando Américo Magalhães Ferreira

Fevereiro de 2011

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NEMINEM LAEDERE

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3

INDICE

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 19

CAPACIDADES INDIVIDUAIS DO AGENTE........................................................... 12

CONCLUSÕES .............................................................................................................. 14

DEFINIÇÃO DE NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA. PROPOSTAS .................................. 8

Desnecessidade de tipificação da NG ............................................................................... 7

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 5

NEGLIGENCIA ............................................................................................................... 9

NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA NO NOSSO CÓDIGO PENAL..................................... 6

POSIÇÃO ALTERNATIVA PESSOAL ....................................................................... 15

POSIÇÃO DA DOUTRINA .......................................................................................... 10

POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA .............................................................................. 13

PROPOSTA ( uma possível) .......................................................................................... 16

RESUMO ......................................................................................................................... 4

Uma noção, que não definição, possivel para NG .......................................................... 18

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RESUMO : O trabalho não visa um estudo de investigação sobre a problemática da Negligência

Grosseira (NG), mas tão só, através de uma reflexão descomprometida, tentar responder de certa forma

segura a duas questões essenciais:

- Porque o LEGISLADOR não o fez, encontrar uma definição para NG.

- Porque decidiu aumentar apenas em alguns crimes e não apresentar uma definição na Parte

Geral (PG) do Código Penal (CP).

Sobre a primeira questão, a doutrina tende para problematizar em três vectores: Será a Negligência

Grosseira uma forma de culpa qualificada, uma forma mais intensificada de ilícito ou uma mera

circunstância modificativa da moldura penal ?.

A NG a meu ver, deveria operar como que uma metamorfose no elemento volitivo da acção, convertendo

a negligência em dolo, pois há na NG um forte pendor volitivo, como que uma negligência deliberada,

intencional.

ABSTRACT: The work is not a research study on the issue of Gross Negligence (NG), but only,

through a uncompromised reflection, just try to reply somehow secure to two essential questions:

- Why the legislator did not find a definition for NG?

- Why decided to increase only in some crimes and does not make a definition in the general

part (PG) of the Criminal Code (CP)?

On the first question, the doctrine tends to problematize into three strands: Will the Gross Negligence a

qualified form of guilt, a more intensified tort or a mere modificative fact for penal punishment?.

The Gross Negligence, in my view, should operate as a metamorphosis in the volitivo element of the

action, converting the negligence in tort, since there is a strong volitivo penchant, as a deliberate

Negligence, intentional.

PALAVRAS CHAVE Negligência grosseira, negligência deliberada, negligência dolosa,

negligência intencional, negligência qualificada, Politica Criminal, metamorfose.

KEYWORDS: Gross Negligence, willful neglect, intentional negligence, qualified negligence,

Criminal Policy, metamorphoses

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I. INTRODUÇÃO

Esta reflexão não se destina apenas a encontrar as respostas às perguntas que se colocam,

nem tentar encontrar uma definição de NG. Traduz um olhar de certa forma critico

sobre a a referência no nosso Código Penal a uma forma especial de conduta negligente,

a Negligencia Grosseira.

Por consequência, não vamos mergulhar na temática da distinção entre os diversos tipos

de negligência consagrados na Lei Penal no seu artº 15º, nem procurar os fundamentos

porque o LEGISLADOR opta umas vezes por proteger uns determinados bens jurídicos e

outros nem por isso. Mas, desde logo, temos que concordar com ALEXANDRA VILELA,

quando no diz “ há bens cuja necessidade de tutela penal e de carência de pena é

absolutamente inquestionável e que, sem resto, constituem a pedra angular não só da

nossa Lei Fundamental, como também da nossa Lei Penal” 1

Se esta verdade é tanto mais evidente quanto tratamos de bens como a vida da pessoa

humana de pessoa já nascida, a Politica Criminal portuguesa, a meu ver, deveria ser

mais exigente, e considerar, por exemplo, a Vida Intra-uterina ao mesmo nível da

pessoa humana não nascida2, mas decidiu que não. O principio da fragmentaridade do

direito penal está bem patente, aqui o direito penal protege apenas uma parte do bem,

penaliza apenas alguns factos, neste caso em detrimento de algo, com relevância

axiológica penal é certo, a liberdade, mas não creio que devesse ser preferida à vida

intra-uterina. Se para as ofensas à integridade física é razoável e até pacífico que haja

graus de ofensibilidade, entendo que não pode haver um grau de vida, a vida ou existe

ou não existe.

“ a função do direito penal é a de proteger bens jurídicos (…) que tenham dignidade

penal “3

O LEGISLADOR mostra-se neste caso demasiado miupe, deveria proteger a parte mais

fraca, indefesa, cumpria-lhe defender a vida intra-uterina quando o contrapeso é tão só a

vontade de outra pessoa. Sim, porque estamos a falar de dois objectos jurídicos distintos;

- a pessoa mãe grávida, não é a mesma pessoa do filho, nem o filho é sua pertença, não

há posse sobre a pessoa, e o bem jurídico vida humana não é um direito patrimonial.

Vivemos numa sociedade onde o limiar da licitude convive com o risco permitido. Mas

tal não significa que tudo seja permitido, apesar de tudo, mesmo para algumas condutas

negligentes, há a necessidade de pena. Em muitas situações a negligência surge quando

se ultrapassam os limites do risco permitido, por outras palavras, os factos praticados

dentro do risco permitido não são negligentes, não chegam pois a preencher o ilícito

tipico negligente.

1 Cf. ALEXANDRA VILELA, Notas sobre a última revisão ao Código Penal: um exemplo, o artigo 132º”, in:

RPCC, 2009, ano 19, nº2, p 202. 2 Digo intencionalmente vida humana não nascida, e não vida humana de pessoa já nascida

3 Cf. FARIA COSTA, “ Noções fundamentais de direito penal”, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p.23.

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Como nos diz FARIA COSTA, “ (…) poderá dizer-se que uma conduta é merecedora de

pena sempre seja considerada socialmente danosa e que, por isso mesmo, a comunidade

lhe atribui o merecimento da pena.”4

Outros (bens) no entanto, mesmo que o juizo de censura seja intensificado, não

merecem pena, mas não porque a comunidade lhe não atribua merecimento de pena,

mas porque o LEGISLADOR assim o determina, fruto da Politica Criminal.

O exemplo mais paradigmático da NG a é o homicidio negligente, previsto no art.º 137º

nº2, sendo a moldura penal mais grave se grosseira, mas no aborto, tipificados nos art.ºs

140º a 142º, o LEGISLADOR não salvaguardou esta possibilidade, como o fez para o facto

do art.º 351º, aqui decidiu criminalizar um facto que por negligência simples o não seria.

II. NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA NO NOSSO CÓDIGO PENAL

O LEGISLADOR, em cerca de vinte e cinco crimes, aumenta a moldura penal pelo

resultado mais grave, e apenas em cinco onde uma conduta negligentemente grosseira

faz parte do ilicito tipico.

A este aumento, apesar de apenas em cinco crimes, a maioria da Doutrina, por todos

FIGUEREDO DIAS5 aplaude a atitude do LEGISLADOR, que perante a massificação

6 dos

crimes negligentes, decidiu actuar. Há ofensas a determinados bens juridicos que não

podem ficar impunes.

Deixa-nos no entanto claro que entende, sustentado pelo principio da fragmentaridade e

subsidariedade, que apenas o ataque a alguns bens juridicos mereceria ver a moldura

penal aumentada, quando praticado sob forma grosseira da negligência.

Vejamos então onde encontramos o elemento NG:

No art.º 137º nº2 “Homicídio negligente”.

No art.º 156º nº3, “Intervenções e tratamentos médico-cirurgicos arbitrários”

No art.º 274º nº5 “Incêndio florestal”, onde agrava a moldura do nº4

Interessante é o art.º 351º CP “Negligência na Guarda” . Sendo os crimes, por força do

art.º 13º, só punidos por dolo, podendo sê-lo por negligência nos casos tipificados na

Lei Penal, no caso do art.º 351º é uma incriminação, mas onde (só) a Negligência

Grosseira lhe confere dignidade penal e faz preencher ilicito do facto.

No art.º 369º nº5 “denegação de Justiça e prevaricação”. O funcionário que praticar o

facto previsto no nº4, por negligência, só será punido se for grosseira essa negligência,

neste caso a NG torna o crime próprio.

4 Cf. FARIA COSTA, “ Noções fundamentais de direito penal”, p, 182

5 Cf. FIGUEIREDO DIAS, “Temas básicos da doutrina Penal”, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p.380.

6 Esta massificação tem a ver com a uma sociedade que convive com o risco, e cada vez mais dificil é

estabelecer a fronteira entre uma conduta dentro do risco permitido e o ilícito.

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Desnecessidade de tipificação da NG. Questão pertinente de Alexandra Vilela7

Questiona ALEXANDRA VILELA, propondo-nos uma relexão, se seria mesmo necessário

tipificar esta forma de negligência para agravar a pena, quando o poderia fazer através

das técnicas usuais de agravamento da pena, dando o exemplo do crime previsto no art.º

145º, (Ofensa à integridade física qualificada)8, que aumenta a moldura penal pela

conduta especialmente censurável, tendo o LEGISLADOR aplicado o conceito no nº1 do

art.º 132º, e a mesma técnica do nº2 do mesmo art.º 132º.

Ou seja, porquê introduzir mais elementos perturbadores, tanto mais que não definidos

legalmente, quando seriam suficientes as formas de culpa, sejam as especificadas na

parte especial do CP, sejam as formas de culpa definidas na PG. É pertinente.

No entanto, há, a meu ver, um senão, pois ao analisarmos o Código Penal Português,

constatamos que por um lado, excluindo os cinco crimes onde a moldura penal é

aumentada pela conduta negligentemente grosseira, é o resultado que agrava a moldura

penal.

Com as excepções dos crimes de homicídio qualificado, art.º 132º, onde nos elementos

qualificadores do nº2, encontramos diferentes tipos, que têm a ver com a qualidade do

sujeito, com o resultado, e com a conduta. E do crime de ofensas à integridade física

qualificada, previsto no art.º 145º, e que claramente agrava a moldura pela conduta.

Mas neste caso do crime do art.º145º apenas prevê o agravamento da moldura penal

para os crimes previstos nos art.ºs 143º e 144º, i.é, não aumenta a pena no crime

praticado na forma negligente da culpa, previsto no art.º148º.

Este senão torna a questão ainda mais pertinente, porquanto os elementos densificadores

propostos para a NG tanto se podem aplicar a uma conduta negligente como a uma

dolosa, exemplo disso é o art.º132º, na conjugação necessára do nº1 e do nº2.

Por outro, o artº 71º tem a ver com a adequação da medida da pena, e critério da

intensidade previsto na alínea b) do nº2, é sempre dentro da moldura penal determinada

no crime.

Nestes pressupostos, e a meu ver, não tinha o LEGISLADOR, no quadro legal actual,

critério para aumentar a pena nesta forma grosseira de conduta negligente, que não

fossse incluido no ilícito tipico. Mais adiante vou recuperar esta questão proposta por

ALEXANDRA VILELA para apoiar a minha posição.

7 Curso de Mestrado Juridico Forenses, Ciências Criminais I, ano lectivo 2010/2010, Universidade

Lusófona do Porto. Docente ALEXANDRA VILELA.

8

Artigo 145.º Ofensa à integridade física qualificada

1 — Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial

censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:

a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º;

b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do artigo 144.º

2 — São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as

circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º

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III. DEFINIÇÃO DE NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA. PROPOSTAS.

O LEGISLADOR dá-nos apenas uma noção de negligência consciente e inconsciente,

subjacentes na norma do art.º 15º da parte geral do CP, respectivamente na sua alínea a)

e b), e nada nos diz quanto à noção de Negligência Grosseira. Limita-se a referir esta

forma de comportamento em alguns crimes, a meu ver demasiado poucos, não em todos

onde essa conduta de tal maneira culposa que poderia, a meu ver deveria, também ser

fundamento e medida da pena9, e mesmo tornar um crime punivel por negligência

quando esta fosse grosseira. Refiro-me, mais uma vez, à ofensa ao bem jurídico vida

intra-uterina.

Ressalta da sanção, que a NG é uma forma de qualificação do crime negligente, mas

não porque temos uma definição legal de NG. O LEGISLADOR poderia dar-nos uma

noção desta forma especial de negligência, e não carecia de o fazer na PG, aliás, muitas

definições são-nos dadas apenas na PE, por exemplo, no caso do art.º 202º e do 255º.

Questiona-se porque não o fez, e segundo FARIA COSTA10

, serão três as razões: Primeiro

pela dificuldade em encontrar uma resposta claramente consensual tanto para a

Jurisprudência como para a Doutrina. Segundo pela eventual desnecessidade de

definição de NG, quando são definidas as negligências consciente e inconsciente, sendo

tarefa do julgador, no caso concreto, aferir da conduta. A terceira, porque é mais facil

estabelecer um conceito de NG para determinados tipos de crime.

Ou, pelo contrário, como nos propõe ALEXANDRA VILELA, se seria mesmo necessário

tipificar esta forma de negligência para agravar a pena, quando o poderia fazer através

das técnicas usuais de agravamento da pena, dando o exemplo do crime previsto no art.º

145º, questão que já abordamos.

Mas confrontado com uma situação a julgar, quais os elementos densificadores da

conduta que preenche a Negligência Grosseira? Em que se pode fundamentar o julgador

na sua decisão, sem violar o principio da legalidade e tipicidade? O homem médio,

como pode delimitar e aferir a sua conduta pautando-a numa conduta lícita11

?

É a Doutrina que fornece a noção de NG. E o Homem médio? Tem que ter a diligência

de procurar informar-se, ou bastará delimitar a sua conduta pelos padrões ético-sociais?

Podem colocar-se inúmeras perguntas sobre esta questão, demasiadas para a certeza e

segurança juridica penal !

9 Sigo a doutrina de FARIA COSTA, que entende que a culpa não será só medida da pena mas também o

seu fundamento 10

Cf. FARIA COSTA, “Direito Penal Especial ( contributo para uma sistematização dos problemas

“ especiais” da Parte Especial”, p. 96. 11

Sabemos que hoje, na nossa sociedade do risco, as condutas são pautadas pelo lícito/ilícito, mais do que

o ético/não ético

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A. NEGLIGENCIA

Convém definir Negligência, evidenciando apenas os pressupostos essenciais, antes de

avançarmos para a construção de uma noção de Negligência Grosseira.

O LEGISLADOR12

português, dá-nos a noção legal de negligência na parte geral do nosso

código penal, como já vimos, concretamente na norma do art.º 15º CP. É negligente o

agente, que sendo capaz, não procede com o cuidado que está obrigado, sendo esta uma

diligência objectiva e aquela, a capacidade, uma diligência subjectiva.

Este agente pode representar o resultado tipico, como possível pela sua conduta, e então

a sua culpa é consciente, ou pode ter nem ter chegado a ter a consciência de que a sua

conduta conduziria a um resultado típico de um crime.

Distingue-se do dolo pelo elemento volitivo e não o intectual.

A maioria da Doutrina define-nos Negligência como “ a violação de um dever objectivo

de cuidado, em agir sem o cuidado que as circunstâncias exigem e de que o agente é

capaz”, e que decorre directamente da definição legal.

Importante, constata-se pela definição legal e doutrinal, é a capacidade do agente e a

existência de um resultado tipico criminoso que lhe seja directamente imputável, ou seja,

tem que haver um nexo entre a conduta do agente e o resultado produzido

Esta capacidade é aferida através de um “homem médio”, o homem normal, o cidadão

comum, não sendo necessário, nem exigivel, um agente especialmente dotado para

perceber a ilicitude da sua conduta. Dentro dos agentes com um conhecimento superior

à do “homem do médio” encontramos os que desenvolvem uma actividade

especializada.

Ora, é principalmente nestas situações, onde o agente tem especiais conhecimentos, que

o principio da confiança mais se evidência. O que se passa é que o ofendido acredita

que o agente tem essas capacidades. Se assim não fosse, sempre que entrassemos num

taxi, num autocarro, ou num avião, pediriamos que os condutores ou piloto exibissem a

sua licença.

Ainda sobre a especial capacidade do agente, JAKOBS refere uma negligência na

assunção, quando o agente já, no momento anterior à pratica do facto, se encontra com

uma capacidade insuficiente para cumprir com o dever objectivo de cuidado, e mesmo

assim a decide praticar, quando teria o dever de omissão de praticar o acto. É o caso de

um médico que não tendo competência para realizar uma determinada intervenção

cirúrgica a decide praticar sem nenhum estado de justificação, que lhe converta a sua

conduta em lícita ou sendo ilícita não seja culposa.

12

Quando falamos em LEGISLADOR, não falamos numa coisa abstracta, em qualquer coisa que nos

trancende, o LEGISLADOR somos nós todos, a comunidade residente em Portugal. O LEGISLADOR

representa-nos, e deve traduzir nas leis que emana o que a comunidade entende como licito ou ilícito, não

deve por isso legislar em contra maré. No entanto, assistimos a uma Politica Criminal, cada vez mais

partidarizada e não fundamentada na Ciência da Criminologia e na Doutrina Penal

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B. POSIÇÃO DA DOUTRINA.

Tendencialmente a Doutrina tende para a dupla valoração do critério NG, tanto ao nível

da ilicitude como da culpa. A relevância ao nível da culpa, tem expressão na negligência

inconsciente, pois mesmo que o agente não represente o ilicito, se a sua conduta for

manifestamente censurável, verá sua moldura penal aumentada.

Mas que conduta será esta? Que respostas nos oferece a Doutrina13

?

Há-de ser uma conduta particularmente censurável, temerário ao nível da culpa, e grave

desrespeito pelo dever objectivo de cuidado, uma falta de respresentação do ilícito

quando o deveria ter representado. É pois uma omissão do dever objectivo de cuidado,

onde essa omissão leva à colocação do bem juridico não apenas em perigo, mas cuja

ofensibilidade ao seu núcleo é mais do que meramente possível, é um resultado

altamente provável, directamente decorrente daquela conduta.

A posição de FIGUEIREDO DIAS14

, - “ (…) Seguro é que a negligência grosseira

constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência. (…) O

conceito implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa,

mas também ao nível do tipo de ilícito. A este último torna-se indipensável que se esteja

perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente

provável à luz da conduta adoptada (…) “

Conceitos densificadores que podemos extrair; - que é intensificação da negligência,

tanto ao nível da culpa como do ilícito; - que a acção tem de ser por si, particularmente

perigosa; - que a conduta conduz a um resultado altamente provável.

FARIA COSTA15

- “À luz do nosso pensamento, a chave para o cuore da negligência

grosseira está, mais uma vez, toda ela no conceito de “ cuidade de perigo”. A

negligência grosseira existirá, na verdade, sempre que, por força de um alto e

inqualificável teor de imprevisão, ou por força de uma profunda ausência de cuidado

elementar, forem desrespeitadas as mais evidentes regras de cuidado de perigo para com

o “outro”.

Coloca FARIA COSTA a tónica no desrespeito pelas mais evidentes regras de cuidado de

perigo para com o outro; - e na inqualificável imprevisão do resultado;

JAKOBS16

- Entende que a NG está relacionada com o erro, ou seja, o agente, de acordo

com as suas capacidades especiais e conhecimentos, poderia ter evitado o resultado, não

o querendo, mas não o evitou, e facilmente poderia ter afastado a situação de erro. O

13

Permito-me, sem qualquer menosprezo por todos os outros, cujas posições são não menos pertinentes,

apresentar apenas a posição de quatro Doutrinadores que, no meu entender , reflectem posições que nos

conduzem a uma noção de NG predominante: 14

Cf. FD, “ Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I”, p 113 15

Cf. FC, ― Direito penal especial ( contributo para uma sistematização dos problemas ― especiais‖ da

Parte Especial”, p. 94. 16

Cf. JAKOBS, “Derecho penal – parte general – fundamentos Y teoria de la imputaion”, p. 392.

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11

homem médio percebia sem qualquer dúvida que aquela conduta só podia levar àquele

resultado17

.

Dando-nos JAKOBS uma ideia de erro injustificado, não relevante, que não exclui o

culpa.

tanto ao nível do dolo como da negligência.

ROXIN18

- “ A este respeito, há que ser dada maior importância ao ilícito típico; isso

justifica o tratamento da negligência grosseira no tipo. Pois, quando o legislador faz

depender a pena de uma negligência qualificada, corresponde-se melhor com o Direito

Penal do facto que atende à protecção de bens jurídicos referir-se ao aumento do ilícito,

e não à atitude interna do sujeito. Em outras palavras: às características de negligência

grosseira se há-de atribuir primariamente a uma acção especialmente perigosa, e não a

uma atitude interna especialmente reprovável”

ROXIN, evidência a acertada opção da inclusão da NG no ilicito tipico, caracterizando

como uma acção especialmente perigosa e uma atitude reprovável.

17

Por outras palavras, estava na cara de toda a gente menos para para o agente, que a sua conduta

conduziria necessariamente àquele o resultado. 18

Cf. ROXIN, “Derecho Penal – parte general. Fundamentos. La estructura de la Teoria del delito”, p.

1026

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12

1. CAPACIDADES INDIVIDUAIS DO AGENTE e a NG19

Sobre esta questão que já abordamos previamente, a doutrina oferece-nos três teorias

distintas: duas antagónicas e uma intermédia, que retoma aspectos tanto de uma como

de outra. Todas assentam numa implicação tanto ao nível da ilicito como da culpa.

A teoria da Dupla Posição - Esta teoria assenta na análise objectiva, no ilícito portanto,

relegando os aspectos subjectivos referentes à capacidade individual do agente apenas

ao nível da culpa.

A teoria da Individualização da Capacidade do Agente - Esta teoria, seguida por

JAKOBS, defende que na análise do ilícito tanto devemos ter em conta aspectos

objectivos como subjectivos, imputando também na análise objectiva do ilícito a atitude

do agente, a sua capacidade individual, não distinguindo se esta capacidade é igual,

inferior ou superior ao homem médio.

A teoria Mista – Defendida por ROXIN, é uma teoria que apresenta conceitos das

diferentes teorias. Defende que se deve ter em conta as capacidades do agente se estas

forem superiores ao homem médio, mas se for igual ou inferior, a análise

individualizadora do elemento subjectivo deve ser apreciado ao nível da culpa

Diz-nos ROXIN, que as capacidades inferiores não podem excluir o ilicito, apenas

podem excluir a culpa.

FIGUEREDO DIAS propõe um critério generalizador que se refere aos agentes possuidores

de capacidades iguais ou inferiores à média, e neste caso aferidas apenas ao nível da

culpa, e um critério individualizador relativamente aos agentes com capacidade superior

à média, e nestes casos a análise é já no ilícito. Dá assim especial relevo ao agente

detentor de especiais capacidades.

Dito de outra forma, não parece razoável que por ter uma capacidade inferior a conduta

do agente fosse licita, será ilicita, mas a análise individualizadora deverá ser realizada

ao nível da culpa.

Para os possuidores de capacidades superiores ao homem médio, as suas capacidades

devem ser tidas em conta no sentido de sustentar o tipo de ilicito negligentemente

grosseiro.

É nesta capacidade individual que me vou suportar para a conversão do crime comum

em próprio no caso de especiais qualificações do agente, quando pratica o facto

prenchendo NG, aliás nada de inédito, pois o LEGISLADOR já o fez no art.º 369º nº5 CP,

ou também para criminalizar uma conduta como o fez para o caso do art.º 351º.

19

Sobre o tema, Apud, SELMA SANTANA, “ LIBER DISCIPULORUM para JORGE DE FIGUEIREDO

DIAS”, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p 392 .

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C. POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

A tendência da Jurisprudência, é coincidente com a posição maioritária da doutrina

portuguesa, e de ROXIN, numa dupla relevância da Negligência Grosseira, que a imputa

tanto ao nível da ilicitude como da culpa, e entende a NG como uma negligência

qualificada, ligada a uma conduta irresponsável, particularmente censurável, e uma

previsibilidade do resultado tipico como consequência directa e objectiva da conduta.

Prospectados que foram inúmeros Acórdãos, podemos constactar que estão na linha dos

que apresento parte dos seus sumários onde propõem uma noção de NG, e são exemplos:

O Acórdão do Trib. da Relação de Coimbra, de 4 de Maio de 2005, processo 746/0520

―(…) sumário

I - Não sendo definido, de forma expressa, pelo legislador, o conceito de negligência

grosseira, entende-se que constitui uma forma qualificada de negligência, ligando-se à

ideia de «culpa temerária», particularmente censurável, em que a culpa é agravada

pelo elevado grau de imprevisão, de falta de cuidados elementares que importam grave

desrespeito do dever de representação ou da justa representação da possibilidade de

ocorrência do resultado proibido. Ao nível da ilicitude, pressupondo um

comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente

provável à luz da conduta adoptada. E ao nível da culpa, revelando uma atitude

particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídico-

penal. (…)‖

E o Acórdão do Trib. da Relação de Évora, de 2 de Maio de 2006 , processo 2142/04-1

(…)

VII – A negligência grosseira corresponde a uma violação grave do dever de cuidado

agravando o desvalor do comportamento do agente. O conceito de negligência

grosseira deve ser encontrado a partir da própria noção de negligência, estando

relacionado com a natureza dos deveres de cuidado impostos ao agente e por ele

incumpridos. Para concretizar o nível de negligência toma-se por referência o dever

imposto ao homem médio procurando estabelecer um termo comparativo em relação ao

agente. Age com negligência grosseira aquele que actua esquecendo as precauções

exigidas pela mais elementar prudência, omitindo as cautelas mais elementares.

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www.dgsi.pt

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14

IV. CONCLUSÕES

Respondendo à problematização na sequência da pergunta apresentada no início; - Será

a Negligência Grosseira uma forma de culpa qualificada, uma forma mais intensificada

de ilícito ou uma mera circunstância modificativa da moldura penal ?

O que se constacta é que embora haja dezenas de posições doutrinais21

, umas mais

pertinentes para determinadas condutas do que para outras, demonstrando que não é

fácil encontrar uma noção que se aplique de forma consistente a todos os tipos de crime.

Ao fim e ao cabo, uma sólida razão porque o LEGISLADOR optou por não dar uma noção

de NG na parte geral. Há, no entanto, uma certa tendência em classificar como uma

forma qualificada de negligência e a coincidência em alguns elementos densificadores

da doutrina aqui referida.

É uma forma qualificada de Negligência, mas esta qualificação não é uma qualificação

do tipo da que encontarmos na norma do art.º 132º CP., onde o LEGISLADOR, nas

palavras de ALEXANDRA VILELA, “aplica uma técnica legislativa de certa forma inédita,

o legislador penal qualifica o homicídio graças à articulação de um critério

generalizador, revelador de um especial tipo de culpa, com os exemplos-padrão (…)”22

No caso da qualificação da Negligência, o LEGISLADOR por um lado apenas nos diz que

é grosseira, e por outro deixa-nos claro que entende, sustentado pelo principio da

fragmentaridade e subsidariedade, que apenas o ataque a alguns bens juridicos

mereceria ver a moldura penal aumentada.

Por outras palavras, preferiu qualificar a conduta para alguns crimes em vez de

estabelecer uma nova categoria de conduta, que estando presente, iria aumentar a

moldura penal em todos os crimes negligentes, ou mesmo criminalizar condutas que o

não seriam na forma simples da negligência.

Encontrariamos muitos mais crimes onde a moldura penal deveria ser aumentada pelo

elemento qualificador “Negligência Grosseira”.

É a Jurisprudência que, aproveitando os elementos densificadores da Doutrina

portuguesa, principalmente de FIGUEIREDO DIAS, traços da doutrina de FARIA COSTA

quanto ao cuidado de perigo, e da de outros autores23

, acaba por construir um conceito

mais ou menos coincidente de NG;

Estamos agora em condições construir uma possível resposta.

- A NG é uma forma qualificada e intensificada de negligência, sendo que esta

intensificação se opera não só ao nível da culpa mas também do ilícito, e que

corresponde a uma violação grave, irresponsável do dever de cuidado, aferida a partir

do dever de prudência do homem médio. Ligada à culpa temerária, particularmente

censurável, uma acção perigosa em si, e um alto grau de imprevisão que a sua conduta

conduz a um resultado altamente provável.

21

Que podemos verificar na tese de SELMA SANTANA referida na bibliografia deste trabalho. 22

Cf. AV, “Notas sobre a última revisão ao Código Penal: um exemplo, o artigo 132º”, p 204. 23

Que por razões puramente economicistas permito-me não referir.

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15

V. POSIÇÃO ALTERNATIVA PESSOAL24

Sem querer entrar na problemática do fins das penas, partilho da doutrina

neoretributiva25

proposta por FARIA COSTA, quando nos diz que acima de tudo é uma

questão de liberdade que implica responsabilidade. O agente, sendo capaz e livre, ao

praticar uma conduta ilicita, tem necessariamente de arcar com a sua responsabilidade,

actuou porque quiz e em liberdade. O que resulta é que há, não apenas o dano no bem

jurídico que pesa na qualificação, é desde logo o “cuidado de perigo”, o colocar em

perigo o bem juridico penalmente relevante. Esta doutrina neoretributiva, para a minha

posição, é tanto mais determinante quando estamos a avaliar um comportamento que

preenche uma NG.

O problema, no meu entendimento, não está apenas na falta de noção do que é NG, ou

de uma aparente assintonia26

entre a norma do art.º 15º do nosso Código penal e cinco

normas da parte especial. É bem mais do que isso.

São imensos os casos da vida real onde poderiamos encontrar situações flagrantes de

preenchimento de conduta criminosas por negligências grosseira e que actualmente o

não são, e que nesta sociedade do risco permitido, a irresponsabilidade não pode ficar

impune, quando há uma manifesta indiferença e desprezo pelo outro.

Os crimes de elevada ressonância axiológica penal, não só os crimes contra a vida de

pessoa humana já nascida, mas sejam os crimes contra a vida intra-uterina27

, os crimes

contra a integridade fisica28

, e todos os outros previstos no código penal.

A fragmentaridade não pode ser utilizada com fins economicistas, para libertar os

tribunais, ou com fins puramente politico-partidários, sendo o Direito, como que um

instrumento ao serviço de outras ordens, funcionalizado, e que parece perder a sua

autonomia. Por exemplo, tomando por referência o art.º 351º, o Legislador entende ter

mais ressonância penal o perigo da não realização da pena, do que a vida intrauterina,

ao não punir o aborto negligente, deveria sê-lo pelo menos quando preenchida a conduta

grosseiramente negligente.

Poderia ter utilizado a mesma técnica do crime do art.º 145º , também para a negligência

grosseira que cause o aborto. Por exemplo, um individuo que apenas quer agredir uma

grávida, mas se põe aos pontapés indiscriminadamente, ao ponto de lhe causar o aborto,

ou como sugere FARIA COSTA “ o agente não pode afirmar ao disparar, por exemplo,

sobre o ventre de uma mulher manifestamente grávida que só quis a morte daquela que

não do feto (…)”29

Aceitando os conceitos densificadores propostos pela maioria da Doutrina, afasto-me

por os considerar consubstanciadores de uma culpa que ultrapassa a negligência.

24

Pessoal, porque não partilho de nenhuma das apresentadas. 25

Cf. FARIA COSTA, “Linhas de Direito Penal e de Filosofia: Alguns cruzamentos reflexivos” Coimbra,

Coimbra Editora, 2005, pp 205 a 235. 26

Cf. idem, “ Direito penal especial ( contributo para uma sistematização dos problemas ― especiais‖ da

Parte Especial‖, p. 81. 27

Vida humana não nascida 28

Cfr art.º 145º, já qualifica uma conduta censurável, mas aqui com culpa directa de dolo e não NG. 29

Cf. ibidem, “ Tentativa e dolo eventual ( ou da relevância da negação em direito penal ) ―.

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VI. PROPOSTA ( uma possível )

Na NG há que ter em conta a perigosidade da conduta e a (des)valorização social do

risco aferido pelo grau de probabilidade do resultado, quase certo, e a importância do

bem jurídico ofendido. Há pois uma previsibilidade objectiva, uma aparência antecipada,

quase certa de que o resultado se vai produzir. O agente ao agir dessa forma não pode,

por muito que o pretenda, vir afirmar que não vislumbrava que o resultado se viesse a

produzir, recuperando eu aqui a proposta de Jakobs quanto ao erro não relevante.

Estando os elementos subjectivos não só na culpa, à posteriori, mas também na acção,

o iter volitivo é todo ele conducente ao resultado altamente previsivel. O mesmo é dizer

que o agente pode até não ter querido o resultado ( negligência consciente ), ou até nem

sequer o ter representado ( negligência inconciente ), mas quiz praticar a conduta.

Há na NG um forte pendor volitivo, como que uma negligência deliberada,

intencional. A qualificação não está no resultado, mas na vontade livre de realizar

determinada conduta, “mala in se”.

WELZEL diz-nos que nos crimes negligentes a tónica não está na produção do resultado,

mas no modo da conduta30

. A meu ver na NG acresce a intenção de a realizar

deliberamente e intencionalmente com desprezo para com o outro.

Arriscaria a afirmar que afinal o agente quer de uma forma indirecta.31

Vejamos o caso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de março de 2000,

que FARIA COSTA propõe para análise32

.

O arguido, deliberada e livremente decidiu praticar uma conduta altamente reprovável,

temerária, perigosa, e teria obrigação de omitir aquela conduta que com um alto grau de

previsibilidade iria necessariamente produzir um dano, seja ele qual fosse. E a questão

está mesmo aqui, é que o arguido necessariamente conformou-se com o dano fosse ele

qual fosse33

, A perigosidade não está apenas na colocação em perigo do bem jurídico,

mas a própria acção em si é de elevada perigosidade. O condutor arguido teria que

prever que um resultado muito grave estaria iminente, fosse o que veio a suceder fosse a

colisão com outro veiculo que circulasse regularmente na via ocupada pela vitima.

Não é aceitavel que toda a sua conduta seria apenas para impedir que fosse ultrapassado,

a persistência na acção idónea ( apta) a produzir o resultado ilícito teve que ser o

resultado de uma transformação de um “ não acreditar que o resultado se produza” em

conformar-se com o resultado. Não há sequer um conflito de interesses ou causa de

desculpação, não há qualquer relevância axiológica ser ultrapassado por outro veículo.

De acordo com a Teoria do dolo limitada de MEZGER, a própria falta de consciência do

ilícito demonstra uma inimizade perante o direito e por isso, mesmo apesar desta

30

Apud, SELMA SANTANA “ Negligência Grosseira – a sua autonomia material”, pp. 33 a 44. 31

Lembra a criança que não quer ver e esconde a cara a trás das mãos, mas espreita por entre os dedos. 32

FC, “ Direito penal especial ( contributo para uma sistematização dos problemas ― especiais‖ da

Parte Especial”, pp. 87 a 90. 33

Está-se mesmo a ver a atitude do condutor – “ nem que tu te fodas não me ultrapassas”.

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inconsciência o agente deve ser punido por dolo. Não iria tão longe, mas não vejo

porque, estando preenchidos todos os elementos densificadores de uma conduta

negligentemente grosseira, não possa ocorrer esta metamorfose de Negligência

Grosseira para dolo eventual, com as inerentes consequências, ao nível da tentativa, e da

criminalização de condutas que por negligência o não seriam.

Aos factos praticados por pessoas especialmente preparadas, no exercício de suas

funções ou actividade, a exemplo do peculato ou da prevaricação, pressupondo assim

um tipo subjectivo de ilícito qualificador do agente.

Os elementos densificadores da Negligência Grosseira, transformariam o crime comum

em crime próprio, situação nem sequer inédita, se tomarmos em consideração o crime

do art.º 351º.

De resto, não pode o agente leviano, pensar que pode agir com irresponsabilidade,

temeráriamente, perigosamente, em desrespeito total com o lícito, que a sua conduta até

tem uma consequência quase certa de danosidade ou de perigosidade para com o “outro”

e apesar de tudo ficar impune.

Deve por isso o LEGISLADOR pensar seriamente, obedecendo necessariamente aos

principios da subsidariedade e do minimo dano, legislar no sentido de promover o

respeito e reconhecimento do “outro”, como pessoa, que lhe é igual.

Só assim, a meu ver, nesta sociedade do risco, se previne que a atitude desleixada e que

o principio da confiança seja constantemente defraudado.

Analisemos por outra perspectiva.

A ausência da vontade na negligência é a principal distinção entre o Dolo Eventual e a

Negligência, mas será mesmo que o elemento volitivo não estará presente na NG ?

Pode o agente, num momento inicial representar como possível mas acreditar que o

resultado não se produziria, como estabelece o artº 15º a), mas, ao praticar uma acção

idónea a produzi-lo, que leva ao resultado ilícito quase certo, não desistiu, pelo contrário,

persistiu deliberadamente nesses actos que só poderiam levar a um resultado ilicito, só

podemos interpretar que se conforma, e subsume-se a conduta no dolo eventual do nº3

do art.º14º. Ser uma acção instantânea ou persistente deve ter relevância para

imputação ao nível do dolo.

Não é indiferente dar uma paulada na cabeça para o agente pôr a dormir uma vítima por

uns momentos, ou de lhe dar sucessivas pauladas na cabeça de que lhe advenha a morte.

De numa análise sobre Dolo Eventual e Negligência Consciente de FARIA COSTA ( Faria

Costa, parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência , acórdão do STJ, ano V, t1,

1997, pp 13 a 23 ) podemos extrair que o “caminho” de uma conduta negligente é

distinto desde o início da conduta dolosa, e é claro que sendo desde o início tomado o

caminho negligente a sua vontade é sempre da não conformação com o resultado, ao

contrário do dolo.

Mas é meu entendimento que se o agente representa um resultado ilícito não só como

possível, mas altamente provável, e acredita que não se produzirá, mas a sua acção é

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idónea a produzir esse resulado quase certo, e mesmo assim deliberadamente a continua

a realizar, há um desvio no “caminho”. O agente pode até ter iniciado um caminho

negligente, mas a partir de determinada altura, deve perceber que os actos são idóneos a

produzir um resultado ilícito quase certo, e se continuar deliberadamente a praticá-los,

esse é um comportamento que o faz mudar de caminho, e agora é um caminho doloso.

A determinação da manifestação da vontade é aferida objectivamente.

Posição próxima34

, embora com uma proposta diferente, já foi apresentada num acórdão,

que muito embora seja constestada por FARIA COSTA35

, não deixa de ser pertinente.

Diz o acórdão36

”(…) acaba por incorporar no seu processo volitivo a aceitação das

consequências da eventual produção daquele [resultado], do que resultará que, nessas

circunstâncias, terá passado a querer a omissão da adequada conduta destinada a evitar a

dita produção do resultado, isso é, terá passado a actuar com dolo, dolo este que só

poderá corresponder a uma figura não tratada pela teoria do direito penal – o dolo

omissivo, que surge como uma manifestação da alteração de todo um processo volitivo

que não é estático, mas antes se desenvolve e se altera com o decurso do tempo e com a

alteração das circunstancias que rodeiam a conduta do agente (…)”

De todo em todo, não nos é legítimo, por não ético, esperar, por exemplo, que o

resultado morte se produza, para incriminar uma tal conduta, que se se mantiver no

nível da negligência não conseguirá, pode não evitar o dano no bem jurídico. Por isso,

para que seja possível de uma certa forma dissuasora do crime, através da

criminalização da tentativa e a criminalização de condutas que apenas por negligência o

não seriam, os elementos densificadores devem proceder a uma transformação da

negligência em dolo, para pelo menos tentar prevenir que o dano se produza.

A. Uma noção, que não definição, possivel para NG

Mais do que uma forma qualificada e intensificada de negligência é uma absoluta

indiferença para com o ilícito, tão acentuada que parece ser uma omissão deliberada,

irresponsável do dever objectivo de cuidado para com o outro, aferida a partir do

homem médio. Ligada à culpa temerária, particularmente censurável, uma acção

perigosa em si, sendo uma demonstração objectiva de um forte pendor volitivo, que

ultrapassa o excesso de confiança. que manifesta, persistindo nos actos idóneos a

produzir um resultado ilícito quase certo, que o agente está agir com uma negligência

deliberada, intencional.

Os elementos densificadores, conjugados por actos idóneos a produzir um resultado

típico, praticados de forma persistente, têm por consequência uma metamorfose no

elemento volitivo, convertendo a Negligência em Dolo Eventual.

34

Cf. FARIA COSTA, “Tentativa e dolo eventual revisitados”, anotação ao Acórdão do STJ de 3 de Julho

de 1991: in: RLJ, nº 3903, p 181. 35

Idem, 181 a 183 e ibidem RLJ, nº 3907, pp 305 a 306 36

Apud, idem.

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19

VII. BIBLIOGRAFIA

ALEXANDRA VILELA, (AV),“Notas sobre a última revisão ao CódIgo Penal: um

exemplo, o artigo 132º”: in: RPCC, 2009: ano 19, nº2

FIGUEIREDO DIAS, (FD), “Temas básicos da doutrina Penal”, Coimbra: Coimbra

Editora, 2001

“ Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I” Coimbra:

Coimbra Editora, 1999

JAKOBS, “Derecho penal – parte general – fundamentos Y teoria de la

imputaion”, Madrid: Marcial Pons – ediciones Jurídicas, 1997

ROXIN, “Derecho Penal – parte general. Fundamentos. La estructura de la

Teoria del delito”, Madrid:Editorial Civitas, 1997

Outra Bibliografia consultada

JAKOBS “ La Pena Estatal: significado y finalidad”, (Tradução de Manuel

Meliá e Bernardo Sánchez ), Navarra, 2006

MARIA FERNANDA PALMA, “Dolo eventual “, comentário ao Acórdão do Tribunal de

Círculo de Cascais ( 2º Juízo), de 13 de Fevereiro de 1998 ( caso do

very-light).

Segui de perto

FARIA COSTA, (FC),“Direito Penal Especial ( contributo para uma sistematização dos

problemas ― especiais‖ da Parte Especial”.

“ Linhas de Direito Penal e de Filosofia: Alguns cruzamentos

reflexivos” Coimbra, Coimbra Editora, 2005.

―Noções fundamentais de direito penal”, Coimbra, Coimbra Editora,

2009.

―O Perigo em Direito Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pp

248 a 253 e 373 a 387

―Tentativa e dolo eventual ( ou da relevância da negação em direito

penal)‖, Coimbra: Coimbra editora , 1987.

― Tentativa e dolo eventual revisitados‖, anotação ao Acórdão do

STJ de 3 de Julho de 1991: in: Revista de Legislação e

Jurisprudência, nº 3903, pp 180 a 183, que continua no nº 3907 da

mesma revista.

Palestra― Formas do Crime‖, in: « Jornadas de Direito Criminal –

o Novo Código Penal Português e Legislação Complementar»,

organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, 1982.

SELMA SANTANA “ Negligência Grosseira – a sua autonomia material”, Lisboa: Quid

iuris, 2005.

“LIBER DISCIPULORUM para JORGE DE FIGUEREDO DIAS‖,

Coimbra, Coimbra Editora, 2003.

Sitios da internet consultados

www.dgsi.pt, www.stj.pt