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Facas nas Galinhas18 ‑21 Fev 2010qui ‑sáb 21:30 dom 16:00

Canção do Vale25 ‑28 Fev 2010qui ‑sáb 21:30 dom 16:00

O TEATRO DOS ALOÉS É UMA ESTRUTURA FINANCIADA PELO MINISTÉRIO DA CULTURA/DIRECÇÃO GERAL DAS ARTES E PELA CÂMARA MUNICIPAL DA AMADORA

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Knives in Hens (1995)

tradução

Paulo Eduardo

Carvalho

cenografia e figurinos

Ana Paula Rocha

desenho de luz

Carlos Gonçalves

desenho de som

Audio In

assistência de

encenação

Maria Camões

João de Brito

interpretação

Carla Galvão

Jovem Mulher,

uma camponesa

Jorge Silva

Gilbert Horn,

um moleiro

Luís Barros

Pónei William,

um lavrador

produção

Teatro dos Aloés

estreia [11Nov2009]

Recreios da Amadora

qui ‑sáb 21:30

dom 16:00

dur. aprox.

[1:40]

sem intervalo

classif. etária

M/16 anos

Facas nas GalinhasdE dAV Id HA RRowERE NC E NAç ão J oS é PE IxoTo

TeatroCarlosAlberto

18 ‑21Fev2010

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Jovem Mulher: “Esta sou eu. Agora eu vivo. Outros já viveram, mais hão ‑de viver. Nasci aqui porque Deus assim quis. Ele fez ‑me sentar ao colo da minha mãe para poder olhar para tudo o que é o seu mundo. Tudo o que vejo e sei é posto na minha cabeça por Deus. Tudo o que ele criou está ali todos os dias, do amanhecer ao sol ‑posto, da terra ao céu. Não pode ser tocado nem usado da mesma maneira que eu toco numa mesa ou seguro as rédeas de um cavalo. Não pode ser vendido nem cozinhado. O seu mundo está ali, em frente aos meus olhos. Tudo o que tenho de fazer é enfiar os nomes no que ali existe do mesmo modo que enfio a minha faca no ventre de uma galinha. É assim que eu sei que Deus está por aí. Olho para uma árvore e digo árvore e depois avanço. Mas há mais da árvore que é Deus e para isso eu não tenho nomes. Todos os dias, quero saber mais. Uma poça em que se consegue ver a terra por baixo. Uma árvore quando é soprada pelo vento. Uma cenoura que é mais doce do que as outras. A terra fria debaixo de uma pedra. A respiração quente de um cavalo fatigado. O rosto de um homem à noite a seguir ao trabalho. O som que uma mulher faz quando ninguém a escuta. Eu sei agora que tenho de ser eu a encontrar os nomes. Tenho de parar e f icar de pé a olhar de perto para todas as coisas e Deus há ‑de recompensar ‑me. É assim que conhecerei melhor Deus. A aldeia mentiu. William mentiu. Não é porque eu não seja merecedora. Não é porque eu seja nova e eles sejam velhos. Deus não lhes deu nada. Sei isso agora. Vejo William a lavrar um campo. Não tenho nenhum nome para a coisa que está na minha cabeça. Não é inveja. É mais do que inveja. Não me assusta. Tenho de olhar de muito perto para saber o que é. Cada coisa na minha cabeça é posta lá por Deus. Cada nome que tenho há ‑de aproximar ‑me mais dele.”

dAVId HARRowER Facas nas Galinhas

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Jorge Silva O moleiro demonstra à Jovem Mulher que ela não tem poder sobre a língua dos outros, porque as opiniões podem estar erradas; mas ao dizer ‑lhe estas palavras ele está a ter poder determinante sobre ela. No teatro também é um pouco isto: podes não ter um poder directo sobre as comunidades onde trabalhas, mas indirectamente elas transformam ‑se com o teatro. Ao falar e expor a sociedade onde se insere, o teatro acaba por transformar ou promover uma revolução, tal como o moleiro afastado daquela aldeia pode transformar a Jovem Mulher.

Na peça, o moleiro abandona a aldeia e parte em busca de novas experiências, por não suportar mais aquela tradição, mas deixa frutos naquele sítio, ajuda a Jovem Mulher a encontrar ‑se enquanto indivíduo, um pouco como o teatro, que pode não chegar a todos, mas se chegar a um, mais virão. •

* Montagem de excertos de “Entrevistas aos actores: Luís Barros, Carla

Galvão e Jorge Silva”. Teatro dos Aloés: Jornal. N.º 6 (Nov. 2009).

Luís Barros William, apesar de se mostrar conivente e defensor dos costumes da aldeia, talvez por uma questão de insegurança no que toca à sua integração na sua sociedade, vive um mundo alternativo seu. Um imaginário onde goza a sua verdadeira liberdade. Um paraíso onde não existem teimosos ou vigaristas como existem na realidade. A sua “utopia” é fértil, confortável, próspera como o campo que imagina, e William é forte, ágil e instintivo como um cavalo. É um homem que necessita da sua paz mas, por medo ou incompreensão, não a procura. O seu desejo “impossível” é recalcado pelo seu trabalho árduo no campo, o campo real, aquele que verdadeiramente lhe garante a sobrevivência. William sente ‑se preso à rotina do campo. Qualquer escape dessa rotina – seja estar com os cavalos durante a madrugada ou rolar a pedra para o moinho, coisa que só acontece uma vez em vários anos – é para ele uma pequena visita ao seu mundo imaginário, à sua libertação. •

Carla Galvão Encaro o texto no início como um trampolim para outra forma, experimento as palavras para provocar o corpo em cena, para provocar o comportamento da personagem tanto a nível mecânico como a nível emocional.

Embora as linguagens física e verbal funcionem em velocidades diferentes, não creio que se desliguem, porque é neste trabalho de calibrar as velocidades e encontrar os pontos de contacto que nasce o respirar da personagem.

Gosto de pensar nesta ideia de que temos de ir até ao campo mais afastado de todos para percebermos o sentido das coisas, mesmo que estas já tenham um nome. De pensar que a personagem se conquista na sua repetição e que esta pode originar novos sentidos, porque é através dela que percorremos um caminho de exploração, de procura de uma orientação da linguagem; de carregar uma palavra de intencionalidade e, quando conseguimos isso, alimentamos as relações na cena com o espaço e com o outro. •

“A língua dos outros”*

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Quando comecei, acreditava que, para se ser autor de teatro, era preciso estar ‑se muito zangado. Pus ‑me então a ler livros e encontrei uma coisa sobre a qual me podia zangar. Na altura foi o problema da propriedade de terras na Escócia. Acontece que a maior parte dos terrenos é propriedade de meia dúzia de pessoas e que as pessoas que de facto vivem no campo não detêm esses terrenos. Estava zangado.

Demorei dois anos a escrever a peça. Dois anos é muito tempo para se estar zangado, é muito cansativo. E estava tão ocupado a pensar que estava a falar para o público e que queria que eles estivessem sentados a ouvir aquilo em que eu acreditava, que o resultado não foi nada bom. Passei muito tempo a pesquisar e isso matou a peça. A peça estava criativamente morta, não tinha qualquer imaginação. Foi a minha primeira peça, era má.

Como antídoto para este desastre, pensei então em escrever uma peça que viesse inteiramente da minha imaginação. Foi assim que começou a aparecer Facas nas Galinhas. A história inicial parte do que passei a saber sobre os moleiros. Os moleiros na Escócia eram muitas vezes postos de parte pela comunidade porque, como se diz no texto, existia uma lei que concedia ao moleiro uma percentagem da farinha que lhe era mandado moer. Os camponeses suavam no trabalho para conseguir o milho e o moleiro assobiava enquanto a mó trabalhava. E ainda por cima tinha direito a uma percentagem do suor do camponês. Inventei então a história de uma rapariga que, de cada vez que vai ao moinho, se apaixona mais pelo moleiro. Esta era aliás uma peça que nasceu na minha “peça zangada”, em parte contada por uma personagem a outra. A história era boa e eu achei que não a devia desperdiçar.

Escrevi então Facas nas Galinhas antes de mais como uma peça radiofónica em que apenas esta história era contada. Quando parti para a peça, comecei a imaginar como seria viver num mundo

onde só se tivesse certas palavras para certas coisas. Céu era céu e não era mais nada. Se o céu está escuro, então diz ‑se chuva. Não há advérbios, palavras que descrevam. Inventei uma língua, as personagens falam como se tivessem acabado de aprender a falar. Foi aqui que apareceu o outro elemento de Facas nas Galinhas. Passou a ser uma história tanto sobre o crime e o amor como uma história sobre a linguagem. A peça ganhou uma dimensão metafísica que antes não tinha e passei a ser eu a decidir o que acontecia naquele mundo. Fui encontrando as personagens à medida que elas iam falando. Elas são aquele momento, nascem da linguagem.

Para os actores escoceses a peça causa grandes dificuldades. Eles precisam de passado para justificar a acção das personagens. O seu trabalho baseia ‑se muito na psicologia das personagens, é muito sentimental, estão sempre à procura de razões, e essa é para mim uma forma muito triste de representar. Pinter, por exemplo, não é representado na Escócia. Para a minha peça, os actores inventaram o passado das personagens. Mas as palavras que as personagens dizem não são o resultado da acção. São a própria acção.

A escrita desta peça permitiu ‑me fazer duas grandes descobertas que marcam hoje a minha escrita.

A primeira está relacionada com a linguagem. Escolhi não utilizar a linguagem realista, porque as personagens têm de ser mais do que são, têm de ir além de si próprias, têm de ser metafóricas. Não sei se ainda acredito nisto, mas na altura convenci ‑me de que a história não pode ser apenas uma história, mas que tem de ter qualquer coisa para além dela.

A segunda descoberta foi a estrutura. Aprendi a estruturar e isso é uma das coisas mais importantes na escrita. Tornei ‑me um escritor obcecado pela estrutura. Tenho uma relação muito rígida com o processo de escrita. Tudo tem de ser estruturado e por isso trabalho meses e meses na construção do enredo, desenho todas as cenas como se desenha um mapa, sei quem vai entrar e sair, sei em grandes traços o que vão dizer as personagens, e só começo a escrever depois de ter definido minuciosamente estas unidades.

Nunca tive facilidade em pôr personagens a falar umas com as outras. Porque não o consigo fazer, tenho de as colocar numa situação tal que não lhes reste outra hipótese que não falar. E, falando,

“Facas nas Galinhas tornou ‑se uma maldição”

David Harrower*

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não estão apenas a falar, estão a dizer qualquer coisa, estão a perder ou a ganhar. É como Pinter ou Mamet. Pinter diz que num diálogo dramático as personagens estão ou a tentar superiorizar ‑se ou a ficar em inferioridade. Foi isto que aprendi em Facas nas Galinhas.

E é contra esta segunda lição e descoberta que permanentemente luto. Procuro uma maneira mais livre de escrever teatro, estou farto de ficar sentado tanto tempo a desenhar mapas e a beber chá. É aborrecido. Facas nas Galinhas é uma peça muito aberta apesar desta rigidez de trabalho, mas tenho consciência de que a minha escrita tem vindo a ficar tão fechada que já não encontro espaço. É isso que agora procuro. Tentei fazê ‑lo na peça que estou a escrever neste momento, forçando um

acontecimento que me destabilizasse qualquer mapa: uma das personagens transformar ‑se ‑ia em animal a meio da peça. Entretanto desisti da ideia e, imaginem, voltei aos mapas.

Por isso, Facas nas Galinhas tornou ‑se, até certo ponto, uma maldição. Mas não apenas por me ter proporcionado esta descoberta doentia, como também por me marcar, devido ao seu êxito, como o escritor de Facas nas Galinhas. Como se estivesse permanentemente de luto por este texto. •

* Excerto de “Há um segredo no coração de cada cena”. Artistas Unidos:

Revista. N.º 4 (Abr. 2001). p. 2 ‑4.

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Intervalos de silêncio

Paulo Eduardo Carvalho*

Revelado em Portugal no ano de 2000, justamente com Facas nas Galinhas, numa produção dos Artistas Unidos, David Harrower nasceu em Edimburgo em 1966 e integra um grupo significativo de dramaturgos escoceses que, nos últimos anos, tem contribuído para a renovação da dramaturgia britânica, tais como David Greig, Liz Lockhead, Gregory Burke, Stephen Greenhorn, Duncan McLean, Zinnie Harris, Henry Adam, Rona Munro, Chris Hannan ou Douglas Maxwell. Facas nas Galinhas (Knives in Hens) foi a primeira peça de David Harrower, inicialmente produzida pelo Traverse Theatre, de Edimburgo, em 1995. A sua carreira subsequente divide ‑se entre peças originais (Kill the Old Torture the Young, 1998; Presence, 2001; Dark Earth, 2003; e Blackbird, 2005), adaptações (The Chrysalids, 1999, a partir do romance de John Wyndham, e Mary Stuart, 2006, a partir de Friedrich Schiller) e versões em língua inglesa de peças estrangeiras: Six Characters Looking for an Author (2000), de Luigi Pirandello, Ivanov (2002), de Anton Tchékhov, Woyzeck (2002), de Georg Büchner, Purple e The Girl on the Sofa (2002), de Jon Fosse, Tales from the Vienna Woods (2003), de Ödön von Horváth, e The Good Soul of Szechuan (2008), de Bertolt Brecht. Outras experiências incluem a escrita de um libreto de ópera, Cat Man’s Tales (1997), e uma peça radiofónica, 54% Acrylic (1998). Mais recentemente, envolveu ‑se também com o cinema, trabalhando nas adaptações cinematográficas de White Male Heart e Knives in Hens, e ainda no argumento de um filme para televisão, The Impossibility of Sex.

Em Fevereiro de 2005, nas páginas do jornal britânico The Guardian, Mark Fisher iniciava assim a sua recensão crítica a uma nova encenação escocesa de Facas nas Galinhas: “É possível descrever a intriga de Facas nas Galinhas muito facilmente. Podemos dizer que a peça de David Harrower é sobre uma jovem mulher levada a matar o seu marido, um camponês adúltero, com a ajuda do odiado moleiro local. Podemos entrar em mais pormenores e dizer que a peça cartografa o início da viagem primitiva

dessa mulher desde a ignorância até à consciência, do literal para o imaginário, do latente para o potencial, da escravidão até à libertação. Podemos dizer isto e muito mais sobre esta brilhante ficção dramática para três actores, mas nunca chegaremos perto de conseguir resumir o modo perturbador como a peça se apodera de nós. Ela parece atingir‑‑nos a um nível subconsciente, como se, ao depurar a linguagem e o espaço cénico até limites de austeridade, o dramaturgo tivesse conseguido atingir uma qualquer fonte de poder elementar. Como se fosse um sonho, Facas nas Galinhas é uma peça que se sente. A nossa capacidade de falar sobre ela só vem depois e nunca se revela adequada”. Esta longa citação justifica ‑se pelo que revela de um certo consenso crítico gerado em torno daquela que é, indiscutivelmente, uma das mais “clássicas” peças contemporâneas em língua inglesa. Estreada em 1995, esta singularíssima ficção dramática rapidamente foi traduzida e encenada em dezenas de países, desse modo confirmando o encantamento despertado pela peça, pelo menos, junto dos fazedores de teatro. (O mesmo aconteceu entre nós, através do referido espectáculo produzido pela companhia Artistas Unidos, com direcção e interpretação de Joana Bárcia, Paulo Claro e Américo Silva, e tradução de Pedro Marques, apresentado no antigo espaço d’A Capital.)

O regresso a este texto, com uma nova tradução, pelo Teatro dos Aloés reafirma o fascínio que a peça de David Harrower continua a gerar. Tal como a citação inicial de Mark Fisher sugere, talvez que uma das principais razões resida no carácter enigmático e mesmo hipnótico do modo como o dramaturgo entretece a sua ficção, combinando a construção de uma história poderosa de desejo, traição e morte, mas também de solidão, sexualidade e despertar, com um registo poético, subtilmente simbólico, quase ritual, assaz inusual nos palcos contemporâneos. Harrower instala a sua ficção num mundo rural antigo, primevo, que parece situar ‑se algures nos limites da civilização, convocando temas

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aparentemente não menos anacrónicos como as relações entre a fé e a razão e o papel das palavras no meio dessa relação do humano com o divino, sem, contudo, fazer da sua peça um qualquer tratado filosófico. Bem pelo contrário, Facas nas Galinhas funciona numa zona de percepção intensamente sensorial – ou não funcionará de todo.

O título da peça encontra explicação numa réplica da jovem protagonista, quando ela, reportando ‑se à sua labuta diária com as palavras, afirma: “Tudo o que tenho de fazer é enfiar os nomes no que ali existe do mesmo modo que enfio a minha faca no ventre de uma galinha”. Neste sentido, a peça é, como tantos outros grandes textos dramáticos, a história de uma transformação, de uma mulher que emerge como paradigma da ambição de dizer o mundo, de chegar mais perto das coisas. Mas é uma história contada de forma elíptica, económica, rarefeita, servindo ‑se de uma escrita simultaneamente directa, áspera, abrupta e poética, capaz de reflectir tanto a complicada relação de cada uma destas personagens com a linguagem como a sua relação com a própria realidade que as rodeia. Nas palavras do próprio dramaturgo: “Eu queria… criar um mundo que parecesse incrivelmente estranho e arcaico. Um mundo pré ‑industrial. Mas queria também pensar nele metaforicamente – um mundo no qual a linguagem fosse usada só muito especificamente. Um mundo de tal modo mergulhado nos ritmos do trabalho e da existência que não houvesse tempo para coisas exteriores, no qual as pessoas vivessem dentro da natureza e não pudessem sair do mundo e olhar para o seu lugar dentro dele”.

Claude Régy, um dos criadores cénicos franceses que já encenou – e co ‑traduziu – a peça de Harrower, parte da ideia da arte da escrita como um acto de descoberta do real para depois sugerir a caracterização da posição ocupada por esta jovem mulher entre as coisas e o nome das coisas como um “intervalo de silêncio”. O que também é um modo de designar essa realidade quase imaterial de que

se faz a peça, essa espécie de limbo que é o espaço e o tempo da imaginação necessários para criar, o que inclui também criar sobre um palco – que é, afinal, criar um mundo. E Facas nas Galinhas é um texto extraordinariamente difícil de pôr em cena: porque, por um lado, investe os actores da sua verdadeira condição de fundamento do teatro, mas, por outro, exige uma qualquer solução cenográfica que possibilite o jogo sem o limitar, que apele ao envolvimento imaginativo sem o concretizar. À imagem do que acontece ao próprio esforço de reescrita deste texto numa outra língua, uma das principais dificuldades – e fascínios – da passagem à cena desta peça reside no facto de ela requerer uma interpretação, uma decifração e, finalmente, uma materialização, ao mesmo tempo que exige a manutenção do seu mistério e estranheza. Como recordava Sophia de Mello Breyner Andresen num texto célebre, “O poema não explica, implica”. São estas as condições indispensáveis para converter o espectador em alguém, como também se diz na peça, “que olha atenta e demoradamente para o mundo em busca de todos os nomes que ele contém”, e para que o teatro possa operar a sua magia rara e poderosa. •

* Versão revista e aumentada de um texto originalmente publicado em

Teatro dos Aloés: Jornal. N.º 6 (Nov. 2009).

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Valley Song (1996)

tradução

Paulo Eduardo

Carvalho

cenografia e figurinos

Ana Paula Rocha

música

Filipe Melo

desenho de luz

Carlos Gonçalves

interpretação

Carla Galvão

Veronica Jonkers

José Peixoto

O Autor;

Abraam Jonkers

produção

Teatro dos Aloés

estreia [6Nov2008]

Teatro Nacional

d. Maria II (Lisboa)

qui ‑sáb 21:30

dom 16:00

dur. aprox.

[1:30]

sem intervalo

classif. etária

M/12 anos

Canção do ValedE ATHoL Fu G A R dE NC E NAç ão J oRGE S ILVA

TeatroCarlosAlberto

25 ‑28Fev2010

Teatro dos Aloés*

1. A escolha de um repertório é uma tarefa complicada. Quando não se tem um dramaturgo residente que assume o pensar e o sentir da equipa, necessário é uma pesquisa continuada dos discursos que seriam os nossos se escrevêssemos, dos textos que diriam o que pensamos, na forma de teatro que buscamos. E nós sonhamos com um teatro capaz de representar o mundo e de o pensar. Que não diga só é assim, mas que o questione, que demonstre que poderia ser diferente. Um teatro que conte histórias de pessoas como nós num mundo que poderia ser o nosso, mas que não faça de conta que o que mostra é a realidade, mas uma ficção, uma realidade pensada. Um teatro que não iluda a sua condição de fórum onde se expõem ideias a pessoas que nem sempre

são da nossa opinião. Depois necessário se torna verificar a oportunidade e a capacidade material de o fazer e mostrar. E, subitamente, surge um texto que se impõe para além das regras e dos preconceitos dos critérios de escolha. Um texto necessário perante o qual se diz temos que o fazer nem que seja a última coisa que façamos no teatro! E Valley Song tornou ‑se obrigatório desde o dia em que o encontrámos. Uma identificação sem equívocos.

2. Uma história simples como as que gostamos de contar. História de afectos que vinculam, cerceiam a liberdade individual, condicionam o sonho pelo qual lutámos e quando dele desistimos nos negamos a nós próprios. Uma história particular

Canção do Vale, um texto necessário

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Autor: Tal como o teu Oupa, eu não te queria ver partir. Isso signif ica que o Vale está a mudar e essa parte egoísta em mim não quer que isso aconteça. Quer que ele permaneça o mesmo pequeno mundo, remoto e inocente, como quando eu o descobri. Em todos os passeios nocturnos que ainda restam na minha vida, eu queria encontrar a pequena Veronica Jonkers a sonhar em cima da sua caixa das maçãs junto à janela da casa da Sra. Joostes. Como vês, a verdade é que eu não sou tão corajoso face à mudança como gostaria de ser. Isso implica abandonarmos algumas coisas e eu descobri que isso me é muito mais difícil do que supunha. E, depois, além do mais, também tenho ciúmes.Veronica: De quê? Autor: De ti. Da tua juventude. Dos teus sonhos. O futuro agora pertence‑‑te. Houve um tempo em que foi meu, quando eu o sonhei como tu o fazes agora, mas já não. Acho que esgotei todo o “Futuro Glorioso” de que outrora desfrutei. Mas isso não é uma coisa da qual se desista facilmente. E eu tento agarrar ‑me a isso da mesma maneira que o teu Oupa se agarra a ti.

ATHoL FuGARd Canção do Vale

de gente simples, a quem acontecem coisas e que fala do que lhes acontece como toda a gente faz. Mas em cada fala pronunciada revela o mundo que não é dito e determina a nossa vida. E no que não é expresso surge uma sociedade e a sua história e as questões, que o teatro não resolve, mas nos endossa para levarmos para casa para pensar. Uma história que confronta personagens e autor, e denuncia os que procuram determinar as nossas escolhas, um autor que criando alter ‑egos se desdobra nas suas contradições, que desafia a sala a tomar posição face aos acontecimentos e indaga a nossa responsabilidade social. Uma história de um mundo em mudança e de como as gerações se confrontam na escolha dos seus sonhos ou dos seus destinos, na

dimensão trágica de não passarmos ensinamentos a ninguém e, ao tentá ‑lo, só limitarmos os caminhos possíveis das suas vidas. Um texto que nos coloca “a tentação da bondade” num mundo que não é exemplar e nos põe à frente a responsabilidade do legado que passamos aos que vierem depois de nós. As leis mudaram mas não a realidade, nem as mentalidades, mas a esperança de um renascimento deve manter ‑se viva e o testemunho dessa esperança transmitido a outra geração. Canção do Vale universaliza ‑se e por isso torna ‑se obrigatório levá ‑la a cena. •

* In Canção do Vale: [Programa]. Lisboa: Teatro Nacional D. Maria II,

2008.

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Aquilo que descobri depois de ver a peça algumas vezes em Joanesburgo é que ela é, efectivamente, uma viagem emocional. É uma história que vem da minha experiência, da minha vida. Na verdade, eu estou mesmo ali, a contá ‑la.

Uma das consequências do grande drama político que teve lugar nos últimos cinco anos – e que ainda decorre; não sabemos aonde nos levará – é que é muito libertador. Uma das coisas de que me vi liberto – perigosamente, contudo – foi a noção de ter de falar por uma maioria silenciada; de ter de tentar quebrar uma conspiração de silêncio que existe na África do Sul. Talvez tenha havido uma perigosa libertação dessa responsabilidade e agora a voz é apenas a minha. Falo por mim próprio – algo de que me tornei muito consciente quando escrevi Canção do Vale –, pois este foi um dos maravilhosos aspectos da libertação que passei enquanto um novo sul ‑africano. Actualmente, sou livre de ser um africânder e talvez possa mesmo conceber um cenário onde sou uma voz para os africânderes.

Estas personagens [Autor e Abraam Jonkers] são as duas faces da mesma moeda. De um lado, Athol Fugard, nascido com pele branca, criado com privilégios, com uma boa educação; finalmente, dinheiro e toda a segurança que existe em ser ‑se um homem branco na África do Sul nesses anos. Se virar a mesma moeda, encontra Abraam Jonkers – sem terra, sem posses, sem educação, sem segurança, vivendo no limite do desespero toda a sua vida. São as duas facetas da mesma realidade. Sinto convictamente o facto de Abraam Jonkers, com a sua mão cheia de sementes de abóbora, ser Athol Fugard, com a sua mão cheia de palavras.

Não conheço o mundo em que Veronica se prepara para entrar – isto é, ela quer ser a Whitney Houston… Sei o que é a realidade e que não há forma de parar o relógio. Mas não posso evitar lamentar a passagem de tudo o que foi belo, simples. •

* Montagem de excertos de uma entrevista concedida a

Dennis Walder. Teatro dos Aloés: Jornal. N.º 5 (Jun. 2009).

“Quebrar uma conspiração de silêncio”Athol Fugard*

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Athol Fugard tem tido uma presença algo irregular nos palcos portugueses: para além da apresentação breve de algumas produções estrangeiras no âmbito de festivais como Almada ou o FITEI (A Ilha e Sizwe Bansi está Morto, pelos angolanos A Serpente, em 1991/1993 e 1994, e o mesmo Sizwe Banzi est mort, pelo Centre International de Créations Théâtrales, dirigido por Peter Brook, em 2007), Rogério Vieira e Andrzej Kowalski dirigiram Playland no Teatro da Graça, em 1994, João Lourenço encenou Caminho para Meca, em 1995, para o Novo Grupo/Teatro Aberto, e José Peixoto encenou Uma Lição dos Aloés, em 1996, ainda para o Teatro da Malaposta, antecipando o nome da companhia, Teatro dos Aloés, que agora apresenta Canção do Vale, estreada já em finais de 2008. Esta tem sido a atenção possível ao mais importante e prolífico dramaturgo sul ‑africano, o primeiro a desfrutar de uma reputação internacional de tal modo expressiva que a primeira produção de Valley Song, estreada em Agosto de 1995 em Joanesburgo, com a participação do próprio dramaturgo como actor, seria igualmente apresentada em Princeton, Nova Iorque e Londres, entre Dezembro desse mesmo ano e Janeiro de 1996.

Tendo iniciado o seu envolvimento com o teatro nos anos cinquenta, é definitivamente a partir da década de sessenta que Fugard ajuda a estabelecer na África do Sul um tipo de criação teatral caracterizado por um assumido sincretismo, isto é, a fusão de formas e convenções europeias com práticas e tradições locais, que se oferecia como um fórum para a discussão de algumas das questões mais candentes da sociedade sul ‑africana em pleno regime do Apartheid. É, assim, como parte da cultura de oposição e de protesto que o dramaturgo, actor e encenador se empenha na colaboração com artistas “de cor” – modo mais literal de traduzir o colored nativo utilizado para descrever toda a população não branca –, que encontra uma expressão exemplar nas chamadas workshop plays, isto é, peças (como as já referidas Sizwe Bansi is Dead e The Island, de 1972 e 1973, respectivamente) criadas em regime oficinal, apoiadas em métodos de improvisação e dedicadas ao registo e testemunho dos efeitos do aparelho repressivo do sistema

político do Apartheid. Paralelamente, Fugard escreve peças mais “íntimas”, mais devedoras da visão existencialista que formara o criador (Camus surge como uma referência fundadora) e menos ostensivamente políticas. Nuns e noutros casos, e para lá de todas as variações, trata ‑se sempre de uma dramaturgia apostada na articulação do mundo subjectivo e interior do indivíduo com o espaço público e mais impessoal da política, que tem garantido a Athol Fugard uma projecção internacional só comparável à de Derek Walcott e de Wole Soyinka, outros dois dramaturgos do espaço pós ‑colonial.

Canção do Vale começa com o Autor dirigindo ‑se directamente aos espectadores e exibindo uma mão ‑cheia de sementes, desse modo explicitando não só o papel metateatral da personagem, mas também o profundo alcance metafórico das referidas sementes: “Genuínas sementes de abóbora do Karoo. Ja. Ware Karoo Pampoen saad! Esta é a variedade conhecida por ‘Boer branca lisa’ – é mesmo este o nome – abóbora Boer branca lisa. Sabem como são – aquelas maravilhas grandes, redondas e brancas – que se vêem nos telhados das pequenas casas de campo quando se atravessa a imensidão do Karoo – pois bem, foi assim que começaram. Com uma destas sementes, enfiada num buraco na terra, juntamente com uma pequena oração pedindo chuva”. Com as condições certas, do mesmo modo que daquelas sementes resultarão esplendorosas abóboras, também da pequena circunstância que reunirá dois actores e um princípio de história em cima de um palco – numa deliberada demonstração de um “teatro pobre” – pode resultar a mais tocante ficção dramática sobre o crescimento: artístico, claro, mas também humano e o da própria nação da África do Sul. Canção do Vale é a primeira peça de Fugard escrita após o fim do Apartheid em 1992 e, num formato assumidamente lírico e intimista, oferece ‑se como uma reflexão muito pessoal – daí, também, a presença da personagem do Autor – sobre as mudanças sociais e políticas do novo país que o próprio dramaturgo ajudou a construir.

A acção da peça decorre na aldeia de Nieu Bethesda, num vale fértil formado pelas

Sementes do Karoo Paulo Eduardo Carvalho

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Montanhas Sneeuberg, em pleno Karoo, uma região semidesértica, marcada por vestígios da existência de um lago pré ‑histórico e da presença de dinossauros, isto é, um espaço que remete para a origem do planeta, da mesma maneira que pode funcionar como microcosmo de uma nova existência para a população da África do Sul. Abraam Jonkers, o “velho Buks” – a personagem de cor interpretada pelo mesmo actor que assegura a interpretação do Autor – representa os velhos costumes e atavismos, a ligação à terra e à memória, mas também o servilismo e a limitação de horizontes que o opõem à figura da sua neta, Veronica, que, sem recusar as suas raízes pessoais, alimenta sonhos de grandeza e de sucesso, como cantora na grande cidade, Joanesburgo. Buks resiste ao optimismo juvenil de Veronica, à força da sua imaginação e à projecção de um futuro que lhe escapa, não só pela idade, mas também pela experiência. Se, para Buks, a cidade não passa de um lugar de exploração racial e de corrupção, para Veronica, ela surge como espaço de sucesso para os cidadãos de todas as cores.

A profusão musical que atravessa toda a peça – as canções criadas por Veronica, a ária do Rigoletto de Verdi de que Buks se recorda dos seus tempos como soldado, “Lae donder mobili” (“La donna è mobile”), os próprios hinos religiosos entoados pelo avô e pela neta – reforça o lirismo da ficção dramática, convertendo ‑a numa espécie de delicado poema sinfónico, capaz de dar voz às diferentes aspirações em confronto. A esta delicada tessitura haverá ainda que acrescentar o uso de muitas palavras e expressões em africânder, uma língua que pertence tanto a vozes negras como brancas, mas que, mais do que exotismo, funciona na peça como verdadeira marca identitária de uma realidade partilhada.

A opção do dramaturgo em concentrar num mesmo actor a responsabilidade pela interpretação do Autor e de Buks aponta, desde logo, para a identificação sentida por Fugard com a experiência de uma vida vivida em diferentes circunstâncias e a dificuldade em imaginar o futuro; ao mesmo tempo, parece também funcionar como um subtil mecanismo teatral para reforçar a sugestão da proximidade humana em termos culturais e não raciais, desse modo subscrevendo uma espécie de fluidez caracteristicamente pós ‑Apartheid, que permite ultrapassar as divisões de cor – deverão ser, aliás, mínimas as diferenças na representação das duas personagens. Mas ao permitir a intrusão

do “autor”, isto é, do dramaturgo não ‑ficcional no mundo ficcional da peça, Fugard parece também estar a celebrar uma espécie de nova liberdade formal como artista, promovendo uma fusão do real e do imaginário que acaba por caucionar, ou dito de outro modo, “fertilizar” a própria aspiração de Veronica. É, aliás, o Autor que, com as suas perguntas, não só testa a determinação da jovem, como a ajuda a encontrar uma voz própria. E, nesse sentido, a rebelião da jovem personagem contra o paternalismo dos dois homens da peça é também a manifestação desafiadora de um futuro que o próprio autor, também ele então com mais de sessenta anos, não pode senão esboçar, porque o crescimento, esse, dependerá não só da qualidade das sementes, mas também das circunstâncias adequadas, da combinação ajustada de bom tempo e de orações… Como o dramaturgo reconhece, “esta é uma peça hesitantemente colocada no presente, com um pé no passado e o outro pé no futuro, e é exactamente essa a condição actual da África do Sul”.

Celebração tocante da promessa de uma nova sociedade, Canção do Vale é igualmente uma história de amor pela terra e de respeito pela memória, uma ficção sobre conflitos de gerações e uma meditação artística com potencial para reverberar para lá do contexto das imensas transformações sociais associadas à sua génese. Simultaneamente simples, íntima, poética, elegíaca e celebratória, esta é uma peça que se impõe como manifestação singular de um teatro que, sem deixar de ser intensamente político, aspira a essa mais alargada reverberação. •

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O Teatro dos Aloés é uma etapa do percurso de actrizes e actores que, encontrando ‑se em outros projectos anteriores, descobriram afinidades ideológicas e estéticas, que sobretudo reconheceram mutuamente qualidades artísticas e humanas e um sentido comum para o teatro. Decidiram, por isso, criar a sua própria companhia, uma mais livre capacidade de opção nas escolhas do seu repertório e um maior prazer em trabalharem juntos.

Aos que tinham chegado primeiro juntaram ‑se outros que ainda não tinham nascido quando os primeiros começaram a fazer teatro.

Não é uma companhia geracional, de gente toda da mesma idade, nem estão sempre todos de acordo, e até lhes parece bom que assim seja, porque deste modo é possível a diversidade, o não permanecer sempre nos mesmos problemas, nem nas mesmas soluções, o que garante a mudança na cena e a surpresa na sala, e o caminho da companhia em direcção ao futuro.

O projecto muda como resposta às mudanças que se verificam no mundo, e por isso ficam muito perplexos perante os que nunca mudam ou os que estão sempre a mudar.

Pensam num teatro capaz de representar o mundo e de o pensar, e que contribua para o tornar um lugar onde valha a pena viver. Um teatro que conte

histórias de pessoas como eles a pessoas como vós e que nem sempre estão de acordo, como nós, um teatro onde seja possível discutir. Um teatro com utilidade social ou moral, que questione o mundo em que vivemos, a alma humana e as suas paixões, que traga uma nova consciência das pessoas e do mundo.

Chamam ‑se Teatro dos Aloés porque trabalharam um texto de Athol Fugard que falava da amizade, da confiança nos outros, da resistência na luta em defesa de ideais, da beleza da poesia e da arte que fazem dos homens seres superiores e felizes, da força das ideias, na crença no progresso da humanidade e da tranquila sabedoria que é acreditar nesses objectivos.

Aprenderam, em Uma Lição dos Aloés, como é possível resistir em condições adversas e vencer o medo, a suspeição e a intriga, quando é bem clara a utopia que querem concretizar.

Aprenderam como essa fabulosa planta do deserto resiste à seca alimentando ‑se da luz, e como é capaz de florir quando cai a primeira gota de água.

Tomaram os Aloés como emblema nas mais adversas condições do deserto, esperando a chuva que de certeza virá para fazer brotar a flor da sua luta, continuando a alimentar ‑se, como os Aloés, da luz da Liberdade e da mais nobre convicção dos seus ideais. •

Os Aloés Teatro dos Aloés

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Apoios Teatro dos Aloés

Apoios TNSJ

Apoios à divulgação

Agradecimentos Teatro dos Aloés

António Sequeira, Artistas Unidos,

Artur Montargil, Miguel Peixoto,

Companhia de Teatro de Almada,

Luís Barros, Ricardo Alves, Pedro Nobre,

Diogo Tomás, André Santos, Sara Ferreira,

Margarida Campelo, Marta Hugon,

José Salgueiro, Luís Delgado, Sr. Ferreira,

Teatro da Garagem, Teatro Nacional D. Maria II,

Teatro da Trindade, Viveiros da Amadora

Agradecimentos TNSJ

Polícia de Segurança Pública

F ICHA TéC NIC A

T E ATRo doS A LoéS

direcção Elsa Valentim, Jorge Silva,

José Peixoto

produção executiva Gislaine Tadwald

luz Paulo Rodrigues

som David Zêgo

F ICHA TéC NIC A TNSJ

coordenação de produção Maria João Teixeira

assistência de produção Eunice Basto

direcção de palco (adjunto) Emanuel Pina

direcção de cena Cátia Esteves, Pedro Manana

maquinaria de cena António Quaresma, Carlos

Barbosa, Joel Santos

luz João Coelho de Almeida, António Pedra, José

Rodrigues

som João Oliveira, Miguel Ângelo Silva

Teatro dos Aloés

Rua António Ferreira, n.º 1, 9.º Dto.

2650 ‑386 Amadora

T | F 21 814 08 25

TM 91 664 82 04

www.teatrodosaloes.pt

Teatro Nacional São João

Praça da Batalha

4000 ‑102 Porto

T 22 340 19 00 | F 22 208 83 03

Teatro Carlos Alberto

Rua das Oliveiras, 43

4050 ‑449 Porto

T 22 340 19 00 | F 22 339 50 69

Mosteiro de São Bento da Vitória

Rua de São Bento da Vitória

4050 ‑543 Porto

T 22 340 19 00 | F 22 339 30 39

www.tnsj.pt

[email protected]

Edição Departamento de Edições do TNSJ

Coordenação João Luís Pereira

Documentação Paula Braga

Design gráfico João Faria, João Guedes

Fotografia Margarida Dias

Impressão Aprova, AG

Não é permitido filmar, gravar ou fotografar durante

o espectáculo. O uso de telemóveis, pagers ou relógios

com sinal sonoro é incómodo, tanto para os intérpretes

como para os espectadores.

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