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1 VocŒ nªo precisa ser uma estrela de cinema para ser um herói de açªo. Ajude a preservar as florestas do mundo. Procure e compre os produtos com o selo do FSC, declara Pierce Brosman, ator que inter- preta James Bond, o agente 007. Esta propaganda do Forest Stewardship Council - FSC (Conselho de Manejo Florestal), amplamente veiculada na Eu- ropa, afirma ainda que O FSC conta com o apoio ativo do WWF, Amigos da Terra, Greenpeace e o Woodland Trust. Alguns leitores podem estar confusos. Durante anos, as organizaçıes ambientalistas fizeram campanhas contra a indœstria de madeira tropical, considerada responsÆvel pela devastaçªo dos remanescentes de florestas nativas do planeta. Os produtos de madeira tropical eram considerados um luxo desnecessÆrio e, ao final dos anos 80, as ONGs lançaram uma cam- panha de boicote na Europa e nos Estados Unidos. A partir daí, a consciŒncia dos consumidores come- çou a falar mais alto, o que chegou a ocasionar per- das significativas para os importadores e vendedores de madeira tropical. Mais recentemente, contudo, observa-se uma vira- da profunda nesta tendŒncia: o consumo, e nªo mais o boicote, transformou-se numa ferramenta central para o combate aos problemas ambien- tais. Aqueles que desejam contribuir para a preservaçªo das florestas tropi- cais sªo incentivados a comprar madei- ra tropical, porØm, com a restriçªo de que o produto carregue o carimbo do FSC. Este novo foco das campanhas ambientais pode ser considerado como um sintoma de uma mudança signi- ficativa na metodologia, senªo na ide- ologia, do movimento ambientalista - do radicalismo ao pragmatismo. O su- cesso das campanhas anteriores resul- tou no convite para que ambientalistas participassem em mesas redondas com representantes dos grandes interesses econômicos e políticos. Gradativamen- te, uma crítica ao alicerce ideológico da atual crise sócio-ambiental foi sen- do trocada pela busca de soluçıes tØc- A fachada verde da exploraçªo madeireira Os mitos da certificaçªo madeireira e da vocaçªo florestal na Amazônia Nicole Freris and Klemens Laschefski 1 A certificaçªo de madeira e o manejo florestal estªo sendo promovidos pela indœstria madeireira, pelos governos e pelas organizaçıes ambientalistas como um dos principais meios para proteger as florestas tropicais. Segundo Klemens Laschefski e Nicole Freris, essa estratØgia Ø sustentada por mitos. nicas para problemas específicos, em colaboraçªo com governantes e o setor industrial. Esta nova ten- dŒncia tem sido celebrada por todos como um ambientalismo de resultados . Aos poucos, a busca pela conciliaçªo entre os diversos pontos de vista no âmbito da economia neoliberal tornou-se o desafio principal. Desta maneira, a certificaçªo florestal, como um ins- trumento voluntÆrio de mercado, Ø cada vez mais considerada uma ferramenta poderosa no contexto da globalizaçªo econômica. Ela serve para estimular os produtores florestais a adotarem prÆticas de ma- nejo socialmente apropriadas, ambientalmente sau- dÆveis e economicamente viÆveis. Assim, a idØia da certificaçªo florestal vem ganhan- do relevância em estratØgias políticas para implementar o chamado desenvolvimento susten- tÆvel entre as vÆrias instituiçıes nacionais e inter- nacionais, como o Banco Mundial, por exemplo. Consequentemente, o manejo florestal e a certi- ficaçªo tŒm tido um papel crescente no planejamento regional, ou seja, no zoneamento econômico-ecoló- gico da Amazônia, particularmente na criaçªo de FLONAS - Florestas Nacionais. As conseqüŒncias dessa política serªo discutidos a seguir. A derruba ecológicamente correta de Ærvores na Amazônia Foto: Laschefski, 2000.

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�Você não precisa ser uma estrela de cinema paraser um herói de ação. Ajude a preservar as florestasdo mundo. Procure e compre os produtos com o selodo FSC,� declara Pierce Brosman, ator que inter-preta James Bond, o agente 007. Esta propagandado Forest Stewardship Council - FSC (Conselhode Manejo Florestal), amplamente veiculada na Eu-ropa, afirma ainda que �O FSC conta com o apoioativo do WWF, Amigos da Terra, Greenpeace e oWoodland Trust�.

Alguns leitores podem estar confusos. Durante anos,as organizações ambientalistas fizeram campanhascontra a indústria de madeira tropical, consideradaresponsável pela devastação dos remanescentes deflorestas nativas do planeta. Os produtos de madeiratropical eram considerados um luxo desnecessárioe, ao final dos anos 80, as ONGs lançaram uma cam-panha de boicote na Europa e nos Estados Unidos.A partir daí, a consciência dos consumidores come-çou a falar mais alto, o que chegou a ocasionar per-das significativas para os importadores e vendedoresde madeira tropical.2 

Mais recentemente, contudo, observa-se uma vira-da profunda nesta tendência: o consumo, e não maiso boicote, transformou-se numa ferramenta centralpara o combate aos problemas ambien-tais. Aqueles que desejam contribuirpara a preservação das florestas tropi-cais são incentivados a comprar madei-ra tropical, porém, com a restrição deque o produto carregue o carimbo doFSC. Este novo foco das campanhasambientais pode ser considerado comoum sintoma de uma mudança signi-ficativa na metodologia, senão na ide-ologia, do movimento ambientalista - do�radicalismo� ao �pragmatismo�. O su-cesso das campanhas anteriores resul-tou no convite para que ambientalistasparticipassem em mesas redondas comrepresentantes dos grandes interesseseconômicos e políticos. Gradativamen-te, uma crítica ao alicerce ideológicoda atual crise sócio-ambiental foi sen-do trocada pela busca de soluções téc-

A fachada verde da exploração madeireira

Os mitos da certificação madeireira e da �vocação florestal� na Amazônia

Nicole Freris and Klemens Laschefski1 

A certificação de madeira e o manejo florestal estão sendo promovidos pela indústria madeireira, pelosgovernos e pelas organizações ambientalistas como um dos principais meios para proteger as florestastropicais. Segundo Klemens Laschefski e Nicole Freris, essa estratégia é sustentada por mitos.

nicas para problemas específicos, em colaboraçãocom governantes e o setor industrial. Esta nova ten-dência tem sido celebrada por todos como umambientalismo de resultados3 . Aos poucos, a buscapela conciliação entre os diversos pontos de vista noâmbito da economia neoliberal tornou-se o desafioprincipal.

Desta maneira, a certificação florestal, como um ins-trumento voluntário de mercado, é cada vez maisconsiderada uma ferramenta poderosa no contextoda globalização econômica. Ela serve para estimularos produtores florestais a adotarem práticas de ma-nejo �socialmente apropriadas, ambientalmente sau-dáveis e economicamente viáveis�.

Assim, a idéia da certificação florestal vem ganhan-do relevância em estratégias políticas paraimplementar o chamado �desenvolvimento susten-tável� entre as várias instituições nacionais e inter-nacionais, como o Banco Mundial, por exemplo.Consequentemente, o �manejo florestal� e a certi-ficação têm tido um papel crescente no planejamentoregional, ou seja, no zoneamento econômico-ecoló-gico da Amazônia, particularmente na criação deFLONAS - Florestas Nacionais. As conseqüênciasdessa política serão discutidos a seguir.

A derruba �ecológicamente correta� de árvores na Amazônia

Foto: Laschefski, 2000.

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Área de manejo florestal da PWA

Fonte: Laschefski, 2002, original do imagem de satélite: INPE 1999, Landsat-TM 5 WRS:230/062+00 99-11-27 UTM

O Forest Stewardship Council

As tentativas de conciliação dos interesses sociais,ambientais e econômicos no setor madeireiro resul-taram na criação do FSC, em 1993. A tarefa do FSCé definir uma série de princípios e critérios globaispara florestas �bem manejadas�. Baseados nessespadrões, certificadores �independentes� executama certificação da exploração florestal.

Para garantir o sucesso econômico da nova inicia-tiva, o WWF (Fundo Mundial para a Natureza) esta-beleceu Grupos de Compradores (Buyer�s Groups)em vários países. Eles foram organizados numa redeglobal de comércio de madeira certificada chamada�Global Forest and Trade Network�. Hoje, algunsdos maiores compradores e distribuidores de madei-ra, que anteriormente eram alvos de campanhas deboicote, são membros deste grupo. A criação destegrupo é um fator importante na recente expansão deflorestas certificadas pelo FSC.

Entretanto, essa aparente história de sucesso nãoaconteceu sem seus percalços, especialmente comrespeito à exploração de madeira nas florestas pri-márias dos países tropicais. Recentemente, aRainforest Foundation lançou um relatório comestudos de casos sobre problemas com empresascertificadas em países como a Indonésia, a Tailândia,a Malásia, o Canada, a Irlanda e o Brasil.4 

Este artigo baseia-se em uma das contribuições des-ta publicação5 . Tendo em vista o foco em florestasnativas, cabe lembrar que o WRM - WorldRainforest Movement - publicou um relatório criti-co sobre duas empresas de plantações de eucaliptoem Minas Gerais, que possuem cerca de 20% dototal de áreas certificadas no Brasil. Nele, destacam-se impactos ecológicos promovidos pela expansãode monoculturas no Cerrado, o uso de agrotóxicos econflitos com a população local, dentre outros6 . Emgeral, todos os relatórios apontam negligências na

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certificação e falta de transparência, resul-tando numa aplicação frouxa dos princípiose critérios do FSC, estes últimos consi-derados os mais rigorosos do mundo. Alémdisso, a maioria dos casos investigados re-vela falhas naquilo que é tido como o mai-or diferencial do FSC: a participação detodos os interessados nas florestas, ou seja,o chamado �Stakeholder Process�. Aprincipal causa dos problemas é a estraté-gia de crescimento rápido do FSC, resul-tado da pressão do mercado e da compe-tição entre vários outros esquemas decertificação.

Apesar disso, a certificação continua a serpromovida com entusiasmo por entidadesambientalistas de peso, ocupando até mesmo o co-ração da campanha do Greenpeace na Amazônia.Enquanto o grupo denuncia a exploração ilegal naregião, tem procurado também alternativas aceitá-veis para a indústria madeireira. Esta foi encontradaatravés da Precious Woods Amazon (PWA), em-presa que recebeu a certificação do FSC em 1997.

Procedente da Suíça, a PWA foi fundada em 1994com a finalidade de demonstrar que a exploraçãomadeireira das florestas tropicais pode ser tanto sus-tentável como economicamente viável. O projeto éreconhecido como um dos melhores exemplos demanejo das florestas tropicais. Seguindo esse exem-plo, a GETHAL, a maior madeireira estrangeira noestado do Amazonas, foi certificada em 2000. Apóso sucesso com a GETHAL, o Greenpeace entrouem negociação com a WTK7 , uma empresa daMalásia que igualmente possui uma história assusta-dora de abusos ambientais e sociais. Essa �conver-são� de madeireiras predatórias vem sendo celebra-da com fervor quase evangélico pelos seguidores doFSC. Contudo, com o investimento maciço na explo-ração madeireira sob certificação e sua conseqüen-te expansão para as áreas de florestas nativas, échegado o momento de refletir: se a certificação deflorestas ameaçadas é a resposta, talvez tenhamosesquecido a pergunta inicial.

Que tipo de desenvolvimento para a Amazônia estásendo promovido pela certificação? Quem são osbeneficiários desse modelo de desenvolvimento? Qualé o verdadeiro impacto desse tipo de manejo nas flo-restas nativas? Será que a compra de madeira tropi-cal certificada realmente contribui para salvar o queresta das florestas tropicais do planeta? Tendo comoreferência as experiências da Precious WoodsAmazon e da GETHAL, tais indagações serão ana-lisadas através dos mitos freqüentemente surgidosna defesa da certificação das florestas tropicais.

Mito 1: A exploração madeireira, dentro doscritérios de certificação, tem um impactomínimo nos ecossistemas da floresta.

O sistema de exploração utilizado pela PWA exigeum inventário de 100% das árvores e uma infra-es-trutura de transporte cuidadosamente planejada, ba-seada em imagens de satélite. Dentro de uma áreade manejo de 50.000 hectares, 2.700 ha (5,4 %) sãodesmatados para as estradas, trilhas de arraste eáreas de estocagem. A floresta �manejada� é frag-mentada por aproximadamente 400 km de estradaspermanentes e mais 5.000 km de estradas secundá-rias, mantidas em condições melhores do que a mai-oria das estradas públicas8 . Essas estradas permi-tem a entrada de caçadores ilegais, que já são difí-ceis de controlar pela empresa. Se, por algum moti-vo, a PWA decidisse abandonar suas atividades naárea, as estradas ficariam abertas como um convitepara colonos, fazendeiros e outras madeireiras execu-tarem uma segunda fase de exploração predatória.

Além das áreas desmatadas para a infra-estrutura,o próprio manejo florestal, ou seja, o corte seletivode árvores e as práticas da �silvicultura�, resultamna abertura de aproximadamente 20% do dossel.9 

A silvicultura abrange medidas para estimular e con-trolar o crescimento das espécies de valor comerci-al. Isso significa que as árvores sem valor perto deespécies comerciais, atrapalhando o crescimentodessas últimas, são aneladas (um anel de casca étirado de seu tronco) para que morram em pé. Asfolhas e ramos caindo das árvores mortas aumen-tam a disponibilidade de nutrientes no solo e da luzentrando pelo dossel, beneficiando, assim, as árvo-res de interesse pela empresa.

Contudo, a acumulação de matéria orgânica morta eseca pela entrada de mais luz na mata aumentasignificativamente o perigo de incêndios. Além dis-

Práticas silviculturais: anelamento da casca de árvores

Fotos: Laschefski, 2000.

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Estradada de ecploração madeireira no Projeto Democracia da GETHAL

Foto: Scharpf, 2003.

so, este tipo de manejo alterará profun-damente a composição das espécies e,no longo prazo, transformará um ecos-sistema antigo numa floresta artificial deespécies comerciais com uma idade de-terminada pelos ciclos de exploração de25 a 30 anos. As árvores aneladas nãoentram no plano de manejo e não são in-cluídas nos cálculos, ou seja, metros cú-bicos de madeira explorados por hecta-re, e supervisados pelo IBAMA

Os ambientalistas que participam do FSCmantém a pressão para tornar os critéri-os cada vez mais rigorosos, principal-mente através da redução do volume demadeira extraída por hectare. Entretan-to, para as empresas certificadas fica-rem economicamente viáveis, cotas de produção pre-cisam ser mantidas. Por isso, quando não podemextrair o volume máximo da madeira, as madeireirasaumentam as áreas de exploração para obter a quan-tidade de matéria prima que a indústria demanda.Assim, uma certificação mais rígida, mesmo trazen-do alguns benefícios ecológicos, resulta no avançode uma nova fronteira de exploração madeireira,abrindo áreas de floresta cada vez mais remotas atra-vés da infra-estrutura instalada.

Mito 2: Com a crescente demanda global pormadeira, a �vocação florestal� da Amazô-nia é algo inevitável.

A exploração industrial madeireira tem sido definidacomo inevitável pelos beneficiários políticos, econô-micos, técnicos e acadêmicos do setor madeireiro.A engenharia florestal é considerada uma ciênciaque justifica a interferência nos ecossistemas flores-tais, representando agora a base da política florestalde institutos de pesquisa, ONGs ambientais e agên-cias de financiamento internacionais. Contudo,engenheiros florestais são treinados principalmentepara a produção madeireira, o que significa, na prá-tica, a derruba de árvores. Assim, acabam sendo ajustificativa técnica e científica para as atividades daindústria madeireira. A ótica da �vocação florestal�reduz os ecossistemas florestais complexos, dinâmi-cos, diversos, interdependentes e multifuncionais auma única mercadoria: a madeira. Essa distorção temseu forte reflexo na linguagem: falar hoje de �Ma-nejo Florestal� é dizer da exploração de madeira enão do manejo praticado por um povo indígena, ri-beirinho, permaculturista ou seringalista.

Um preocupante exemplo desse reducionismo é anova política do Banco Mundial para a preservação

e desenvolvimento das florestas nativas. Por maisde uma década, esta instituição manteve uma postu-ra clara de não incentivar, direta ou indiretamente, aexploração madeireira nas florestas nativas. Contu-do, com a consultoria do WWF essa política foirecentemente revertida. O Banco retomou suasações em apoio à exploração florestal com base noesquema de certificação. Assim, transforma a in-dústria madeireira, antes considerada uma grandeinimiga das florestas nativas, em sua salvadora.

Surpreendentemente, o Banco Mundial não justifi-cou tal decisão com base numa análise cuidadosadas causas da destruição das florestas, mas sim comouma meta política anunciada em conjunto com oWWF, qual seja: atingir o alvo de 200 milhões dehectares de florestas certificadas até o ano de 200510 .Como reconhecem porém, tal meta não pode seralcançada somente através das forças de mercadoe, então, o Banco se propõe a financiar as empresasmadeireiras. A instituição ainda utiliza a pobreza so-frida pelos povos da floresta como argumento parajustificar essa nova política, quando na realidade sãoexatamente essas populações que sofrem os impac-tos negativos da concentração de terra, poder edegradação ambiental causadas pelas empresasmadeireiras, certificadas ou não.

O Banco Mundial destaca que o desmatamento nãodiminuiu durante o período em que não financioumadeireiras. No entanto, uma questão permanece:como o novo engajamento �pro-ativo� do Banco, naforma de financiamento da exploração florestal, po-derá contribuir para a diminuição do desmatamento?A leitura das novas diretrizes revela que o argumen-to da instituição insere-se no contexto das ilusõesdiscutidas e detalhadas no Mito 3.

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Além disso, a nova política do Banco Mundial pro-põe a demarcação de �zonas de uso sustentável�onde somente as empresas candidatas a certificaçãorecebem concessões11 . Neste sentido o IMAZONapresentou, já em 2000, uma proposta concreta paraa criação das chamadas �Florestas Nacionais� ou�FLONAS�. Esta �forte intervenção do Estado�demonstra outra vez a fraqueza da idéia de que avalorização da floresta através da comercializaçãode madeira é ferramenta contra o desmatamento.As FLONAS deverão incorporar de 700.000 à 1,15milhões de km2, ou seja, de 14% a 23% da florestaamazônica brasileira. Somente serão permitidas nes-sas áreas as atividades em concordância com prin-cípios �internacionalmente reconhecidos�, como osdo FSC12. Dentro deste quadro, não surpreende queos parâmetros para a demarcação das FLONAScorrespondam às necessidades do �manejo flores-tal� industrial descritas no Mito 1, enquanto os siste-mas da produção dos ribeirinhos e dos povos indíge-nas são negligenciados.

Em contraste ao conceito ideológico atual da �voca-ção florestal�, os sistemas de uso da terra pelos po-vos indígenas, ribeirinhos e povos tradicionais emgeral, valorizam uma floresta intacta, que precisa serpreservada para continuar a render uma diversidadeenorme de produtos e serviços. Representam umaeficiência e uma sustentabilidade que a indústriamadeireira nunca conseguirá alcançar. O �desenvol-vimento sustentável� não requer a transformação depovos tradicionais em trabalhadores florestais, masrequer que pessoas com a intenção de criar econo-mias sustentáveis para a região, aprendam a partirdo vasto conhecimento dos povos da floresta e co-mecem a entender suas necessidades. Existe umadiversidade enorme de produtos não madeireiros quepodem formar parte de economias justas e sustentá-veis, incluindo castanhas, óleos essenciais, guaraná,plantas medicinais, babaçu, mel, artesanato, frutas elegumes com mercados já estabelecidos. A diversi-dade dessas alternativas cria menos dependência demonopólios econômicos e as vicissitudes dos merca-dos globais. Essas economias locais são de uma es-cala que facilmente supera o retorno econômico daindústria madeireira13. Se os investimentos dedica-dos ao �manejo sustendado� de madeira fossemdirecionados, por exemplo, à apicultura, o mel logoviraria a �vocação� da região. Na verdade, não exis-tem inevitabilidades para uma certa atividade naAmazônia.

Neste sentido, o Grupo de Trabalho Amazônico �GTA, uma rede de 513 organizações não-governa-mentais (ONGs) e movimentos sociais, propõe umaeconomia da floresta baseada em experiências dos

povos amazônicos, tais como seringueiros, castan-heiros, ribeirinhos, comunidades indígenas, quebra-deiras de coco, pescadores artesanais e pequenosagricultores. Tendo em vista a visão de Chico Men-des, o GTA aborda o desafio da preservação ambien-tal através da justiça social. Era membro do FSC-Brasil, mas se retirou formalmente, porque não con-corda como o foco do FSC na exploração madeirei-ra em escala industrial.

Um exemplo para uma outra estratégia de desenvol-vimento econômico mais adequada às necessidadesdos povos da floresta é o programa de apoio do gover-no do Acre para os seringueiros. Em 2002 já foramvendidas 2 mil toneladas de borracha beneficiando 6mil familias14. Para assegurar uma demanda con-tínua, está prevista ainda para este ano a construçãode uma usina para produzir camisinhas com borra-cha natural, fechando assim um circulo saudável entreprodução, proteção e mercado.

Embora a população local utilize madeira na con-strução das casas, canoas, etc., a exploração madei-reira geralmente não representa uma opção econômi-ca para as comunidades. Contudo, estão surgindoiniciativas para estimular a exploração de madeiracomunitária, tornando-a uma fonte de renda principal.A ITTO (sigla en inglês da Organização Mundial parao Comércio de Madeira Tropical) por exemplo, in-vestiu mais de US$3.000.000,00 num projeto paraestimular o �uso sustentável� na floresta estadual doAntimari, beneficiando 88 famílias, metade da popu-lação total da área. A base da economia das familiasera a seringa e castanha, produtos sendo exploradossem impactos à floresta natural em pé. Estima-seque ainda há um potencial de produção anual de 200toneladas de borracha natural e 44 toneladas de Cas-tanha do Pará na área15. Embora o projeto Antimaripretende de promovar o uso múltiplo da floresta, oalvo principal visa a exploração madeireira, pois aITTO é dominada pelos interesses do comércio in-ternacional de madeira. As comunidades são somenteinteressantes enquanto fornecedoras de madeira apósa aprendizagem do �manejo florestal�. Neste con-texto, a próxima etapa é a certificação de 66.168hectares pelo FSC16.

Desta forma, ao apoiar projetos comunitários certi-ficados, introduzindo a cultura da exploração madei-reira, a ITTO encontrou um caminho para abasteceros mercados com madeira tropical, sem ser criticadapelos ambientalistas.

A ITTO justifica a exploração madeireira comodesestímulo ao desmatamento, se baseiando em pres-supostos discutidos a seguir, no Mito 3. Contudo, seo problema é a agricultura não apropriada ao

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Treinamento de engenheiros florestais

Foto: Laschefski, 2000.

ecossistema amazonico, basicamente o corte e aqueima, seria mais eficiente abordar esta questãodiretamente, através de reflorestamento e a introdu-ção de técnicas de agricultura verdadeiramente sus-tentável, como a permacultura ou sistemas agroflo-restais. Se a questão é a falta de alternativas econô-micas, seria mais óbvio investir esses recursos paraapoiar atividades econômicas que já estão no domí-nio da comunidade e são menos impactantes do quea exploração madeireira.

Mito 3: A certificação pelo FSC incrementao valor econômico das florestas �bemmanejadas�, desestimulando o desmata-mento, como no caso do corte raso para aagricultura e a pecuáia.

O manejo florestal é considerado como alternativaao desmatamento para fins agropecuários em áreasde Terra Firme, como por exemplo, em Paragominas.Tendo em vista esta idéia, o instituto IMAZON mos-trou que a exploração madeireira planejada tem umataxa interna de retorno de 33% por área manejada,em comparação com a criação de gado que apre-senta uma taxa de apenas 8-14%17 . Contudo, a ver-dadeira dinâmica que determina a utilização da terrafaz com que o desmatamento para a agropecuária eo �manejo� florestal funcionem como opções indepen-dentes e raramente �concorrentes� enquanto alterna-tivas.

Os fazendeiros, os proprietários e os latifundiáriossimplesmente não sentem a necessidade de incluir a�percentagem de retorno� em relação à �produtivi-dade da terra� nos seus cálculos. A expansão da fron-teira agrícola é impulsionada pelo acesso à terra ba-rata. Além disso, os incentivos oferecidos pelo go-verno através do regulamento deimpostos18  cria lucro no curto pra-zo quando transforma floresta empastagem, em vez de investir emoutras formas de utilização. O po-der político, que considera florestacomo terra �não produtiva�, garan-te que os incentivos para a indús-tria agropecuária continuem a pre-valecer. Tal predisposição é refor-çada ainda mais pela concentraçãoextrema de poder e riqueza. Paraa elite, que detém o capital, nãoexiste escassez de terra. Assim, aprodutividade é um fator poucorelevante. Neste contexto, o FSCnão apresenta incentivos paratransformar os criadores de gadoe os barões de soja em empreen-

dedores florestais, já que aqueles são os primeirosbeneficiados pelos grandes programas para a expan-são da infra-estrutura na Amazônia. O mercado demadeira sempre será um negócio secundário na di-nâmica de transformação das florestas, gerando umlucro adicional através das árvores derrubadas evendidas.

Entretanto, para entender melhor os processos dedesmatamento, há que se analisar separadamente aagricultura no nível industrial, como a dos produtoresde soja e outros grãos, e a economia �boom bust�dos colonos atraídos por novos acessos às florestas,tais como estradas e hidrovias. Os primeiros se con-centram no �arco do desmatamento�, que é loca-lizado na zona da transição entre o Cerrado e as flo-restas abertas nas bordas, ao leste e ao sul da BaciaAmazônica. Segundo o IMAZON, as condições cli-máticas na Amazônia central para a agricultura me-canizada, como no caso do cultivo da soja, são des-favoráveis por causa da alta umidade durante o anotodo e a falta de um período de seca para a safra19 .Por isso, a ameaça principal nesta região apresenta-se como o segundo grupo, o dos colonos, cuja eco-nomia �boom-bust� é baseada, de forma caótica, naexploração de madeira e na pecuária.

A tendência é de que as madeireiras certificadastentem se estabelecer em áreas geograficamentedistantes de ambas situações. São necessários enor-mes investimentos para a implementação de um sis-tema de manejo florestal como o da PWA, par-ticularmente para o planejamento computadorizado,as máquinas e a infra-estrutura. Para garantir umretorno rápido do capital investido, empresas visan-do a certificação procuram áreas com árvores dealto valor comercial em florestas intactas. Na fron-

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teira do desmatamento e em áreas onde o processoda colonização já começou, este tipo de manejo flo-restal seria ameaçado por exploração ilegal e incên-dios acidentais20 . Além disso, nestas zonas há espe-culação de terra descontrolada, resultando em pre-ços altos. Tais fatores tornam pouco viável a aquisi-ção de florestas nestas áreas de risco.

Longe das frentes de desmatamento, o manejo cer-tificado está alterando profundamente a forma deocupação e uso da floresta nativa, estabelecendo umnovo estímulo para enfraquecer a proteção das flo-restas mais remotas e marginalizar as populaçõesregionais. No caso da madeireira GETHAL, pode-se verificar que, na verdade, sua matéria-prima nãovinha de áreas desmatadas para fins da agropecuáriana Terra Firme. Antes da certificação, a GETHALera abastecida por terceiros, sobretudo ribeirinhos.No sistema ribeirinho, as árvores eram derrubadascom práticas de baixo impacto nas várzeas. Como oarraste e o transporte das toras era feito na água,não era necessário construir uma rede de estradasflorestais. Embora, após anos de exploração, algu-mas espécies comercializadas estejam ameaçadasde extinção, este sistema não tem nada a ver com odesmatamento para outros usos da terra21 . Agora aGETHAL esta adquirindo cada vez mais floresta naTerra Firme para implementar sua própria produçãode madeira, tornando-se, assim, um dos maiores lati-fundiários do estado.

Ironicamente, a infra-estrutura de transporte perma-nente implantada pela empresa para extrair as árvo-res faz com que a floresta fique aberta e vulnerávelà entrada de colonos, ainda mais se a estrada deManicoré a Manaus, que corta a área de manejo daGETHAL, for asfaltada. Isto seria conveniente paraa empresa transportar as toras até Manaus, masconfigura-se como um desastre para a floresta. Valeressaltar também que as próprias madeireiras como�pólos de desenvolvimento industrial� estimulam amigração de colonos. Assim, as atividades das madei-reiras transformam-se no seu próprio risco econômicocaso suas terras ou suas concessões não estejamprotegidas.

Neste contexto, são preocupantes as propostas parao �desenvolvimento regional� no âmbito do progra-ma �Avança Brasil�, que visa a construção de infra-estrutura nos chamados �eixos de desenvolvimen-to� da Amazônia. Um dos projetos deste plano é oasfaltamento de 784 quilômetros da BR 163, que ligaCuiabá (MT) à Santarém (PA). A estrada corta umdos maiores centros da produção de soja no �arco dedesmatamento� e o coração da floresta amazônica.Em Santarém, a multinacional Cargill, atuando emvários setores do agribusiness, já concluiu um porto

gigantesco na beira do Rio Amazonas. Embora osestudos ambientais para a BR 163 não estejam con-cluídos, a especulação com as terras já começou,com resultados trágicos. Em julho de 2002 o sin-dicalista e produtor Bartolomeu Morais da Silva foibrutalmente torturado e assassinado. Ele morreu pordefender os diretos dos pequenos produtores quemoram ao longo da então estrada de terra, contra osinteresses dos grandes fazendeiros e madeireiros,recentemente atraidos com notícias do asfaltamento.Além das questões sociais, estima-se que essa obraresulte na devastação de 8 milhões de hectares defloresta.

Surpreendentemente, ao invés de questionar a lógi-ca de projetos como a BR 163, os promotores doFSC percebem nela uma oportunidade de promovero �manejo florestal sustentado�. Essa atividade de-veria ser conduzida nas FLONAS (ver Mito 2),demarcadas na beira da estrada. A idéia é fundamen-tada na esperança de que o manejo sustentado fun-cione como uma �barreira� eficaz contra a ocupaçãodesordenada da Amazônia, ao lado dos �eixos dedesenvolvimento�, assim garantindo a proteção dafloresta.

Estes planos para a �adequação� da natureza aosplanos de �desenvolvimento� não levam em con-sideração dois processos. Primeiro, é simplesmenteesquecida a destruição dos ecossistemas nas zonasmarginais da bacia Amazônica, no �arco do desma-tamento�, sendo ocupadas pela agroindústria de gran-de escala. Segundo, não apresenta solução para oscolonos que aproveitam naturalmente estradas as-faltadas interligando os centros urbanos, na buscade uma vida melhor. Esses serão marginalizados porum sistema industrial de exploração florestal meca-nizada, que oferece pouco emprego e necessita ca-pital para os investimentos necessários ao plane-jamento e à tecnologia. Assim, a maioria dos colo-nos continuará com práticas predatórias por falta deopção, mesmo nas FLONAS. Além disso, como jáfoi dito, as próprias estradas florestais na área demanejo facilitam a entrada não controlada dosmigrantes. Cabe lembrar que o lado fraco das políti-cas públicas no Brasil sempre foi o controle e a fis-calização, tanto dos colonos quanto das própriasmadeireiras. Todas essas alterações aumentam sig-nificativamente o risco de fogo nas florestas frag-mentadas e enfraquecidas.

Fearnside e Lawrence (2002) opinam sobre esse tipode ambientalismo: �Iniciativas que se oponham adestruição da floresta sempre são bem-vindas, comoplanos para a criação e proteção das reservas. En-tretanto a maioria dos índices aponta em outro senti-do; o de que a construção de novas vias de acesso

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Emprego em relação a área (hectares/pessoa empregada) de atividades econômicasextensivas e intensivas (estudo de caso de Paragominas, Pará)

* Exploração madeireira analisada sem investimento em terras e sem processamento da madeira em serrarias.

Fonte: ALMEIDA O. E C. UHL (1995), cit. IPAM/ISA 2000, pág. 20

E X P LO RAÇÃO MADE IRE IRA* PE CUÁRIA AG RICULTURA FAMILIAR

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servirá como impulso para processos destrutivos,muitos deles fora do controle do governo.� O preçode mais 8 milhões de floresta é grande demais paracomprovar mais um pressuposto errado na defesada certificação. Vale lembrar que nenhum dessesprojetos é inevitável. Assim, o casamento entre ofatalismo e o pragmatismo está se tornando uma dasprincipais ameaças para a Amazônia.

Dessa forma, o discurso sobre a agropecuária e omanejo florestal como alternativas econômicas opos-tas revela-se ilusório. Na verdade, o conceito dezonas de desenvolvimento sustentável ou dasFLONAS, em combinação com a ideologia da �vo-cação florestal� e a certificação, representa uma�fachada verde� para o avanço da fronteira de ex-ploração industrial madeireira nas últimas florestaspristinas do planeta.

Mito 4: A exploração madeireira por em-presas certificadas estimula a economia re-gional, oferece oportunidades de empregoe representa uma alternativa ao desma-tamento pelo uso tradicional da terra.

A indústria madeireira exacerba uma economiaimprevisível e não sustentável. Nas épocas de ex-pansão intensificam a migração urbana, atraindo pes-soas do meio rural para as cidades na procura deemprego nas serrarias. Crises econômicas e de pro-dução são comuns, em conseqüência das mudançasnas demandas, multas, controle pelas agências go-vernamentais, boicotes e problemas de fornecimen-to de madeira por causa de escassez e dificuldadesde transporte. Além de estimular o crescimento dapopulação urbana, as crises aumentam o desempre-go. O fato de que a infra-estrutura de produção, osrecursos políticos, acadêmicos e a mão de obra se-jam desenvolvidos de forma a estritamente servir aindústria madeireira, dificulta a diversificação da pro-dução na criação de economias mais robustas e sus-tentáveis.

A PWA está estabelecida em Itacoatiara, o pólo ma-deireiro principal do estado do Amazonas, a 200 kmde Manaus. A empresa, então chamada Mil Madei-

reira, chegou na década de 90, durante uma fase emque a indústria madeireira estava em baixa. Destaforma, não foi difícil encontrar trabalhadores desem-pregados já morando na cidade. A criação de 300empregos pela empresa certamente foi bem-vinda,mas não mudou significativamente a crise de des-emprego. Contudo, sua presença ajudou a manter adependência da economia local em relação ao capi-tal estrangeiro e mercados globais instáveis. Essaeconomia precária também se manifesta na própriaempresa, cuja área de manejo em Itacoatiara nãogarante o retorno requerido para demonstrar viabili-dade econômica. Procurando uma área maior defloresta nativa intacta, com uma concentração mai-or de espécies de árvores de alto valor, a PreciousWoods adquiriu uma área de 179.000 hectares defloresta no estado vizinho do Pará. Caso a empresatransferisse as suas atividades para o Pará, ela dei-xaria a economia de Itacoatiara num estado tão pre-cário quanto da época de sua instalação no municí-pio.

Sem dúvida, em comparação a outras empresas ma-deireiras, a PWA oferece melhores condições de em-prego, salário, segurança e encoraja a organizaçãodos trabalhadores em sindicatos, criando pressão paraque as outras madeireiras sigam esse exemplo. Con-tudo, o salário de um trabalhador da empresa aindaera somente 20 reais acima do salário mínimo de151 Real em índices de 200022, insuficiente para sus-tentar uma família. Considerando seu poder de com-pra quando o salário mínimo foi introduzido há 60anos atrás, este deveria ser em torno de R$ 48923 .

O impacto ambiental indireto da PWA pode ser ava-liado comparando seu papel como empregador emrelação ao uso da terra pela população local. Segun-do a tabela abaixo, a exploração madeireira oferecepouco emprego na área em comparação com outrosusos da terra.

Os números para a exploração intensiva na tabelareferem-se às madeireiras pouco mecanizadas. Noscasos da GETHAL e da PWA, que usam tecnologiamoderna, os números chegam a 541 e 641 hectares/emprego diretamente envolvidos no setor da explo-

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ração madeireira24 . Em comparação a esses núme-ros, os ribeirinhos na região de Itacoatiara utilizamsomente em média 50 hectares/família para oextrativismo. Desmatem menos de 5 hectares paraplantar os alimentos básicos em rotação25 . Porém, aPWA transforma 2.700 hectares dentro da áreamanejada em infra-estrutura de transporte, equiva-lente a uma área requerida para subsistência de 540famílias tradicionais. Visto de um outro ângulo, a PWAemprega 300 pessoas em uma área de 61.000 ha26 .Assim, para resolver o problema de aproximada-mente 10.000 trabalhadores sem emprego emItacoatiara, 2.030.000 hectares de floresta primáriaprecisariam ser transformados para a exploraçãomadeireira. Podemos imaginar a área necessária pararesolver o problema do desemprego em Manaus!

Mal sobrevivendo com o salário pago, muitas famí-lias de trabalhadores ainda têm sítios para plantar,aumentando efetivamente a terra consumida pelasatividades industriais da PWA. Além disso, a cadadia, 300 trabalhadores se alimentam na cantina daempresa, fornecida pelas fazendas da região. O im-pacto desse tipo de consumo urbano se manifesta nafaixa crescente de desmatamento às margens daestrada entre Itacoatiara e Manaus, algo claramentedemonstrado na imagem de satélite.

O exemplo da madeireira GETHAL comprova comomesmo empresas certificadas pelo FSC acabam des-truindo a utilização tradicional dos recursos da flo-resta pelas populações regionais. Dentro da área de40.000 ha de manejo da GETHAL na região do RioMadeira moram mais de 1.500 ribeirinhos distribuí-dos em sete comunidades. Muitas dessas famíliasestão há décadas nesta terra e continuam a viver daagricultura, da pesca e do extrativismo de castanhae borracha, sem causar danos significativos à flores-ta. A alta sustentabilidade ambiental dos sistemas deuso da terra se reflete no fato de que a floresta,mesmo sendo explorada pelos moradores, ainda temum alto valor econômico do ponto de vista florestal.Mas em contraste ao GETHAL, a maioria dessesmoradores, não tem titulo as suas terras.

Após a chegada da GETHAL, como um �novo pa-trão�, a população foi proibida de praticar asatividades de subsistência27 sem a permissão da em-presa, sobretudo a colheita de castanhas. A comuni-dade, com o apoio da igreja local, tem denunciadoessa injustiça28 . Recentemente chegaram a um acor-do com a empresa: as comunidades podem colher acastanha, mas somente se venderem toda sua coletaà própria GETHAL, o que representa um aumentode dependência e controle por parte da empresa.Além disso, há queixas de que a construção das es-tradas florestais e a proibição temporária de entrar

nos compartimentos sendo explorados tem dificulta-do o acesso às castanheiras, além de criar dificulda-des para a caça. Consequentemente, enquanto aempresa criou somente 90 novos empregos na re-gião, os 1.500 ribeirinhos que viviam da colheita deprodutos da floresta estão enfrentando um futuro in-certo. O mais provável é que, migrando para as ci-dades próximas, eles farão parte da população cres-cente de desempregados urbanos.

Ao invés de estabelecer uma nova relação com aspopulações regionais que dependem da floresta ofe-recendo preços adequados e treinamento para evi-tar danos ambientais e atividades ilegais, o novo re-gime da certificação GETHAL simplesmente deixade comprar madeira dos ribeirinhos, acabando comessa pequena fonte de renda. Nos anos de 1992/93,na região de Lábrea, no rio Purus, foram 2.052ribeirinhos envolvidos na retirada de madeira29 , queviraram uma fonte de renda adicional depois da que-da dos preços para as castanhas do Pará e da borra-cha, entre outros. Uma pesquisa no Amapá30  mos-trou que a renda das famílias rurais, anteriormenteenvolvidas na exploração madeireira nas várzeas,poderia ser muito maior do que a de um empregadosalarial nas madeireiras certificadas quando a pro-dução de madeira é integrada de forma complemen-tar ao uso múltiplo tradicional das florestas secundá-rias. Contudo, a exploração de madeira é considera-da pelos ribeirinhos como uma atividade suja e peri-gosa, somente praticada quando absolutamente ne-cessária. Mas a �vocação florestal� baseada nummanejo florestal mecanizado tende a marginalizar apopulação tradicional tanto pelas restrições ao usodas terras quanto pela interrupção dos seus vínculoscomerciais, em vez de melhorar suas condições devida.

Com respeito à certificação, o caso da GETHALmostra que a participação da população local no cha-mado �Stakeholder Process�, obrigatório para ob-ter o certificado, não foi realizado apropriadamente.A empresa comprou as terras sem avisar a popula-ção. Além disso, entrou em disputa com a FUNAIpara explorar uma área de um povo indígena, os Mura,alegando que �... o manejo florestal é tido como posi-tivo para o ecossistema. Acreditam que a legislaçãopossa permitir o manejo em Terras Indígenas�31 .

Assim, a certificação no ano de 2000 aconteceu numclima de conflitos sociais. Somente recentementeforam conduzidas tentativas de melhorar as relaçõescom a população local, com a ajuda da ONG Pró-Natura, financiada pelo Banco Mundial, porque aempresa não tinha condições para esse investimen-to exigido pelo certificador. Enquanto a GETHAL ea PWA, ambas com sedes nos EUA e na Europa,

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receberam apoio financeiro através do Banco Mun-dial e demais instituições de �desenvolvimento� paraobter a certificação e divulgar o conceito do �mane-jo florestal�32 , faltam recursos para fortalecer a eco-nomia da população local. A maioria dos ribeirinhossempre foi ligada aos mercados mundiais, como naépoca do ciclo da borracha. Hoje, é necessário apoi-ar estas economias para que os ribeirinhos se liber-tem da semi-escravidão, oprimidos pelos seus pa-trões, entre eles, as madeireiras. Além disso, preci-sam assistência técnica no processamento, no con-trole de qualidade e na comercialização dos seus pro-dutos florestais não-madeireiros33 . Certamente, nessecampo, a certificação faria mais sentido do que obenefício para uma elite de empresas multinacionais.

Mito 5: As empresas certificadas são com-prometidas com a transparência total e porisso evitam a exploração ilegal.

No contexto do caos e da ilegalidade da indústriamadeireira no Brasil, a intenção da certificação éoferecer os incentivos e as penalidades necessáriaspara as madeireiras se comportarem de forma cor-reta. Por certo, as empresas certificadas não dese-jam correr o risco de perder os novosmercados �verdes� por uma associaçãoàs atividades ilegais. Contudo, quandoa questão é o lucro no curto prazo, pou-cos empresários conseguem resistir. Ocaso da exportação de Acuariquara pelaPWA é um bom exemplo disso. Acuari-quara é uma espécie de madeira durá-vel, mas sem mercados de escala naregião. Uma demanda internacional poressa espécie foi criada quando o muni-cípio de Rostock, na Alemanha, decidiuutilizar a aquariquara certificada para aconstrução no litoral alemão. O contra-to foi celebrado como uma parceriatransatlântica em defesa das florestastropicais. Contudo, a PWA não tinhabastante acuariquara em sua área demanejo para responder a essa novademanda. Para completar os pedidos,foi comprada madeira de terceiros,oriundas de áreas sem plano de manejo,através de uma empresa austríaca, MWFlorestal. Tal fato criou confusão, poisnão havia meios de identificar a acuari-quara certificada da não-certificadachegando a Rostock34.

Na mesma época surgiu uma série deincidências de exploração ilegal de

aquariquara nos municípios vizinhos a PreciousWoods. Em um caso, a autorização para realizar umpequeno lote de desmatamento numa área protegidapelo Código Florestal, Artigo 2, foi abusada pararetirada de centenas de toras de aquariquara comequipamento e mão de obra da PWA, a então MilMadeireira35 . Em um outro episódio, o prefeito domunicípio de Silves, onde é localizada uma grandeparte das terras da PWA, denunciou, durante umareunião promovida pelo próprio FSC, a retirada ile-gal de Aquariquara36. Conquanto o envolvimentodireto das empresas na exploração ilegal não podeser comprovado, a simples notícia de novos merca-dos para Aquariquara foi suficiente para estimular eacelerar a exploração informal dessa espécie na re-gião37. Isso mostra claramente como é difícil limitaro incentivo econômico para a exploração de uma novaespécie no mercado internacional numa área de pla-no de manejo de empresas certificadas.

A investigação dessas ocorrências não foi implemen-tada pela iniciativa do FSC. Assim como em outroscasos de certificados contestados, a denúncia e ainvestigação foram deixadas a cargo de pequenasorganizações ambientalistas e indivíduos preocu-pados, sem apoio ou financiamento. Tal fato é um

Ecploração ilegal de Aquqriquara

Fotos: Ana Claudia Jathay, 2000.

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Produção de carvão de resíduos da PWA

Foto: Laschefski 2000.

reflexo da constelação obscura de in-teresses representados dentro do FSC,onde entidades responsáveis pormonitorar as empresas apresentam umgrande investimento no sucesso e conti-nuação desse modelo. O certificador,por seu lado, é pago pela empresa ma-deireira para exercer seu trabalho. Paraas grandes entidades ambientalistas,como WWF, Greenpeace e Amigos daTerra, a certificação é a principal ferra-menta para negociar com as empresasdo setor, e ocupa o coração de suascampanhas de preservação florestal.Assim, com o forte e crescente investi-mento de todas as partes envolvidasnesse modelo de desenvolvimento,questionamentos e críticas não são bem-vindos.

Alem de tudo, a certificação voluntária visa estimu-lar o melhoramento do planejamento da exploraçãomadeireira com a expectativa de acesso facilitadoaos mercados na Europa e nos EUA, consideradosambientalmente mais exigentes. Contudo, enquantonão se constituir como uma obrigação legal, elafuncionará somente na medida que garanta o lucromáximo para a madeireira. Caso a madeira certifi-cada perca sua vantagem comercial, é bem prová-vel que a empresa não aceitará mais os altos custospara manter o certificado e voltará a utilizar práticaspredatórias38  senão ilegais.

Mito 6: A exploração seletiva de madeiraaumenta a capacidade florestal para fixarcarbono, reduzindo o efeito estufa.

Na exploração seletiva de madeira, árvores são re-movidas estimulando o crescimento de outros indiví-duos. Como resultado, a floresta fica em um estadopermanente de renovação e, assim, o carbono oriun-do de gases atmosféricos poluidores são fixadospelas árvores em crescimento. Com base nessa di-nâmica, o manejo florestal em florestas nativas éconsiderado no combate ao efeito estufa responsá-vel pelo aquecimento do planeta. Conforme esse ar-gumento, florestas nativas intocadas têm menos po-tencial de fixar carbono e são menos eficientes nocontrole do clima que as florestas �manejadas�39.Contudo, esses efeitos dependem de duas condições:o tempo em que o carbono ficará fixado na madeiraextraída, assim como a perenidade do manejo dasflorestas.

Uma rápida olhada no processo e utilização da ma-deira tropical demonstra que a maioria dos produtosfinais tem uma vida útil limitada e raramente fixam

carbono permanentemente. Aproximadamente 70%das toras que chegam às serrarias viram resíduos,enquanto somente 30% da madeira é utilizada naprodução de pranchas serradas. Na produção delaminados e compensados o desperdício pode serainda maior. Os resíduos são queimados ou utiliza-dos para a produção de carvão e, assim, imedia-tamente o carbono fixado na madeira é liberado naatmosfera. A transformação das pranchas, laminadose compensados em portas, paredes, pisos, móveis eoutros produtos é acompanhada de novo desperdí-cio, resultando adicionalmente na emissão de gáscarbônico. Não há dados disponíveis sobre alongevidade desses produtos, mas é difícil que du-rem séculos ou até décadas como as árvores, dasquais foram produzidos. Assim, a maior parte damadeira, queimada como lixo, será transformada emCO

2, com exceção dos raros itens de arte ou outras

peças guardadas em museus. Na balança tambémdevem ser consideradas as fontes indiretas de CO

2,

resultando da própria atividade de exploração madei-reira industrial, oriunda do consumo de energia naprodução e uso das máquinas e demais equipamen-tos florestais, do sistema de transporte, entre outros.

Para que a teoria funcionasse na prática, toda essaprodução deveria ser compensada pela recuperaçãode florestas manejadas, que precisariam ficar intac-tas para sempre. Contudo, como está descrito no Mito1, o corte seletivo aumenta a vulnerabilidade das flo-restas ao fogo - uma das maiores fontes de produ-ção de CO2 no Brasil. Além disso, a infra-estruturade transporte, estabelecida nas florestas manejadas,aumenta os riscos da colonização e do desmatamentopara agropecuária, tornando a sobrevivência das flo-restas pouco provável.

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Mito 7: Muitos consumidores na Europa enos Estados Unidos pagariam mais caropelos produtos com um selo verde. Assim,a certificação é uma ferramenta essencialpara garantir a preservação ambiental.

O sucesso da rede de Grupos de Compradores doWWF, em que participam importantes comerciantesde madeira em nível global, criaram a impressão daexistência de um grande mercado ecologicamentesensível. Essa miragem tem sido conveniente paraos governantes e empresários, preocupados em en-contrar soluções ecológicas sem questionar um dosalicerces mais importantes da atual crise ambiental -o consumismo ilimitado. A causa dos problemas so-ciais e ambientais agora virou a cura � vamos salvaro mundo fazendo compras!

A questão da certificação foi discutida em um grupode trabalho da Comissão de Desenvolvimento Sus-tentável das Nações Unidos, em 199640. Como boi-cotes são considerados incompatíveis com as regrasda Organização Mundial do Comércio, a certificaçãofoi aceita com três condicionantes: primeiramente,deve existir um mercado livre para todos os esque-mas de certificação, o próprio mercado definindo qualé a melhor iniciativa. Em segundo lugar, não deveexistir nenhuma ação política para diminuir o comér-cio de produtos não certificados. Em terceiro, a ori-gem do produto não deve ser incluída no seu rótulo,para evitar a discriminação contra regiões especifi-cas.

Em conseqüência, essas condições garantem que osmercados fiquem abertos para produtos vindos deuma exploração ilegal e predatória. Assim, a res-ponsabilidade de combater o crime social e ambientalé transferida dos governos para os consumidores,agora enfrentando centenas de produtos com dife-rentes selos verdes, a maioria sendo simplesmenteum resultado de propagandas enganosas. Entidadesambientalistas agora se engajam na defesa do FSCcomo o único selo confiável. Isso tem desviado aatenção, a energia e os recursos de ações políticasdirecionadas às causas reais da destruição das flo-restas.

Enquanto isso, pesquisas indicam que mercados para�produtos verdes� são bem limitados. Metade dosconsumidores alemães presta atenção aos selosverdes, mas somente um terço pagará 5% a maispara compra-los41. Porém, o comportamento dosconsumidores é notoriamente inconstante, por issoas estatísticas não refletem situações reais de vida,quando consumidores, mesmo sendo ecologicamen-te conscientes, mas economicamente limitados, op-tam por produtos mais baratos e não certificados.

A madeira tropical certificada, vendida a uma eliteda classe média-alta com consciência ecológica, prin-cipalmente do primeiro mundo, exerce pouca influ-ência na dinâmica global da indústria madeireira. NoBrasil, cerca de 86% da madeira vinda da Amazônialegal é consumida nos mercados internos42. São es-ses mercados que ajudam a sustentar a exploraçãoilegal na região, estimada em 80%. Uma pesquisasobre os produtos �verdes� mostrou que embora aaceitação pelos consumidores da classe média bra-sileira seja similar aos níveis encontrados na Ale-manha, somente menos de 3% lembraram de tercomprado um produto com selo verde. Brasileirosde baixa renda não têm o luxo de escolher produtoscertificados. Consequentemente, comentaram duran-te as entrevistas que a responsabilidade de garantirque produtos nos mercados sejam ecológica e soci-almente justos deve ser do governo e não do consu-midor43.

O que fazer?

Muitas pessoas apoiaram o FSC na esperança deque atribuindo valor econômico a madeira tropicalajudariam a preservar as florestas nativas. Muitospensaram que o FSC fortaleceria as populações lo-cais, através de pequenas iniciativas comunitárias,oferecendo uma alternativa ao desmatamento. Narealidade, o FSC apoia maioritariamente a explora-ção industrial dos remanescentes das florestas nati-vas e, além disso, a expansão das monoculturas nomundo. De um total de 1.180.651 milhões hectaresde áreas certificadas no Brasil atualmente, 70%abrangem plantações industriais e 30% das madei-reiras nas florestas nativas, (incluído 2% na MataAtlântica). Somente 0,42% são dedicadas aos pro-dutos não madeireiros (palmito e açaí) e menos de0,09% ao manejo comunitário nas ReservasExtrativistas Chico Mendes e Porto Dias, ambascertificadas recentemente e celebradas como �pro-va� de que o FSC está cumprindo as suas promes-sas44. Não surpreende, contudo, que o certificadopara as duas comunidades tenha sido conferido aprodução de madeira, após um processo de treina-mento e aprendizagem, ao invés de contemplar osistema tradicional de uso múltiplo da floresta adap-tado ao ecossistema.

Podemos concluir que a certificação tem um impac-to insignificante no combate à exploração predatórianas florestas tropicais. Enquanto isso, o FSC estáreabrindo mercados para madeira tropical na Euro-pa e nos Estados Unidos que se fecharam nascampanhas de boicote da década de 90, criandoconfusão entre os consumidores esclarecidos e difi-cultando qualquer campanha de conscientização. A

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certificação oferece uma al-ternativa de sobrevivênciapara as grandes madeireiras eatrai novos investimentos inter-nacionais para a exploraçãodas florestas tropicais. É evi-dente que mesmo o manejo flo-restal certificado causa impac-tos profundos nos ecossiste-mas tropicais. Estabelecendoa infra-estrutura de transporteem regiões cada vez mais re-motas, empresas certificadasrepresentam uma nova frontei-ra de exploração das florestas.Não há nenhuma indicação deque a valorização de florestasnativas através do manejo flo-restal contribui para a desace-leração do desmatamento para fins da agropecuá-ria. Ao contrário, empresas certificadas, por razõeseconômicas, procuram florestas em áreas distantesde zonas de fronteira, para evitar o risco de incêndio,invasões ilegais e outros problemas. Os benefíciossociais oferecidos pelas empresas certificadas sãomínimos e os problemas com respeito à participaçãoda população local não são resolvidos. Nessas cir-cunstâncias, o consumo de madeira certificada sim-plesmente representa mais uma pressão adicional àsflorestas nativas e às populações tradicionais.

Sem dúvida, a certificação melhora o planejamentoe controle da exploração madeireira. Os investimen-tos no FSC e a propaganda para a certificação demadeireiras está resultando no surgimento de umanova cultura econômica, técnica e ambiental. Estepensamento é enquadrado num conceito ideológicoda �vocação florestal� que continua a seguir a lógi-ca da produção linear, reduzindo o complexo ecos-sistema florestal a um produto único, a madeira.Recursos financeiros e humanos estão sendo investi-dos em grande estilo na certificação de madeireiras- recursos que podem ser utilizados em formas maiseficientes para melhorar as condições econômicas esociais de populações tradicionais, que já estão pre-servando e usando as florestas de forma sustentávelhá séculos. Porém, agora são planejadas no interiorda Bacia Amazônica, bem distante do arco dedesmatamento, as zonas de �uso sustentável�. Nopensamento da nova cultura madeireira, o �uso sus-tentável� torna-se equivalente a �manejo florestal�no nível industrial. Isso mostra que o Banco Mundiale demais instituições governamentais, assim comoas organizações não-governamentais, estão imple-mentando políticas públicas e uma estrutura institu-

cional para beneficiar principalmente o comércio demadeira internacional.

Neste contexto, os consumidores que compram ma-deira certificada pelo FSC, continuam a apoiar gran-des multinacionais. Ao invés de comprar os mitos,pessoas e organizações que desejem contribuir paraa preservação das florestas no mundo, podem me-lhor adotar as seguintes ações:

ü Exigir o fim de todos os esquemas de certificaçãopara a exploração de madeira em florestas nati-vas.

ü Apoiar uma moratória na exploração industrial dasremanecentes de florestas nativas e comprarmadeira oriunda de florestas secundárias ou dereflorestamento natural bem manejadas.

ü Exigir a melhoria da fiscalização e a formulaçãode políticas públicas para os interesses da popu-lação local, e não para empresas multinacionais.

ü Investir no manejo e reflorestamento com espé-cies nativas nas áreas já exploradas e degrada-das no �arco de desmatamento�.

ü Apoiar projetos comunitários locais, da agricul-tura permanente (permacultura) e sistemas agro-florestais com base das experiências das popula-ções locais.

ü Apoiar iniciativas de comércio justo de produtosflorestais não madeireiros, com uma ligação diretaàs comunidades locais.

ü Participar de campanhas contra as verdadeirascausas do desmatamento, principalmente os pro-jetos de infra-estrutura na Amazônia.

Manejo florestal: o futuro para os povos amzonicos?

Foto: Scharpf, 2003.

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1 Versão completamente revisada e atualizada do artigo:�Saving the wood from the trees�, publicado no jornal �TheEcologist� Vol. 31, No 6, July/August 2001.

Klemens Laschefski, Doutor em Geografia pela Universi-dade de Heidelberg, Alemanha, elaborou a sua tese de douto-ramento sobre o �manejo florestal certificado� na Ama-zônia (ver referências bibliográficas).

Nicole Freris trabalha com o desenvolvimento de alternati-vas econômicas para as populações indígenas na Amazônia.

 2 BROCKMANN et al., 1996. 3 Para uma extensão desta crítica ver ZHOURI, A., 1998.

 4 COUNSELL, S./ LORAAS, K. T. (Eds.), 2002.

 5 O relatório inclue mais um estudo sobre empresas certifi-cadas na Amazônia, destacando a proliferação de mosqui-tos e doenças como a Malária, além de problemas sociais(FANZERES 2002).

 6 WRM 2002

 7 Greenpeace, circular interno, Novembro 2000

 8 ver calculo com base de números do Plano do Manejo daEmpresa (ver PRECIOUS WOODS 1996, e LASCHEFSKI,2002, pag. 224 - 227).

 9 ITTO et al., 2000.1 0 ver WORLDBANK, 2002, pág. 43 -44. Cabe destacar que

o Banco Mundial conta com um mercado livre entre váriasiniciativas para a certificação, que se enquadram nos reque-rimentos mínimos estabelecidos pela instituição, enquantoo WWF e outros ONGs tentam apoiar o FSC para alcançara soberania no mercado como a única iniciativa reconhecidapelas ONGs. Nesse sentido, o Greenpeace recentementemandou uma carta para a nova Ministra do Meio Ambientedo Brasil, Marina Silva, sugerindo que a certificação peloFSC tem maior credibilidade do que a iniciativa do governobrasileiro, o programa CERFLOR.

1 1 O conceito de concessões é bem recebido pelo Ministériodo Meio Ambiente brasileiro para enfrentar o processo dagrilagem e a concentração das terras nas mãos de madeirei-ros na Amazônia, surgindo nos últimos anos. Contudo, estedesenvolvimento foi acelerado justamente com a introduçãodo chamado �plano de manejo sustentado� na legislação nosanos 90, depois da chegada de Precious Woods/Mil Madei-reira. O requerimento legal de apresentar planos de manejopermanente com um sistema rotativo de exploração, basea-do no modelo da empresa, esta obrigando as madeireiras acomprar terras próprias (ver o caso da GETHAL no mito2). Com o sistema das concessões, os órgãos públicos terãoteoricamente a possibilidade de manter o controle sobre asflorestas, mas na prática, como as empresas receberão odireito da exploração para 30 anos, não mudará muito nocontexto local, particularmente com respeito as relações comas populações tradicionais (ver mito 4).

1 2 Referência bibliográfica: SCHNEIDER et al., 2000.1 3 ver uma análise mais detalhada, baseada em dados da

SUFRAMA 1999, em LASCHEFSKI, 2002, pag. 264 -266.

1 4 Jornal A Tribuna, 18 de Janeiro de 2003: Borracha beneficia6 mil famílias no Acre

1 5 Itaan Arruda Dias; Projeto Antimary é reconhecido comomodelo acreano de desenvolvimento, 01/03/2003

1 6 Panorama ambiental Rio Branco, 19 de maio de 2003: JorgeViana faz palestra sobre manejo no Panamá. [http://www.pick_upau/INFORMATIVO/Jorge.htm],

1 7 VERISSIMO et al., 20001 8 Um exemplo é o Imposto Territorial Rural (ITR), que foi

reduzido quando proprietários de terra na Amazônia au-mentaram a produtividade agrícola. Até 1999 todos usosdiferentes de florestas em pé não foram beneficiados poreste. Ver GAZETA MERCANTIL, 17/03/99. 

1 9 ver SCHNEIDER et al. 2000, pág. 5-17.2 0 IPAM/ISA, 2000, pág. 102 1 Com respeito aos impactos de vários sistemas da explora-

ção nas várzeas e na Terra Firme ver STONE 2000 eLASCHEFSKI 2002, pág. 235.

2 2 Entrevista com o Sindicato dos Trabalhadores da IndústriaMadeireira, Itacoatiara, Julho de 2000.

2 3 SANTA CRUZ, 20002 4 ver LASCHEFSKI, 2002, pág. 246. Os empregos na indús-

tria madeireira não são incluídos, porque devem ser compa-rados com os empregos no processamento dos produtosoriundos do produção dos ribeirinhos (casas de farinha, pro-dução de doces, sucos, entre outros).

2 5 Entrevista com B. Ribeiro dos Santos ASPAC (Associaçãode Silves pela Preservação Ambiental e Cultural), em Sil-ves, e oficiais do IBAMA, em Itacoatiara, Julho de 2000.

2 6 O plano de manejo abrange a área de exploração madeireirade 50 000 hectares e áreas não exploradas de cerca de 11 000hectares.

2 7 IPAAM, 2000.2 8 Informação da Comissão Pastoral da Terra, Amazonas,

Manaus.2 9 HIGUCHI et al., 1994.3 0 PINEDO-VASQUEZ et al. 2001.3 1 CALVACANTE, 2000, S. 153.3 2 a GETHAL recebeu USD 382 000 e a PWA USD 238 000

através do PROMANEJO, um subprograma do ProgramaPiloto para as florestas tropicais no Brasil (PPG 7), coorde-nado pelo Banco Mundial.

3 3 SMITH et al., 1998 analisaram esse assunto com respeitoaos sistemas agroflorestais na Amazônia.

3 4 publicado no jornal alemão: OSTSEE-ZEITUNG, 11/08/1998.

3 5 PREFEITURA MUNICIPAL DE PRESIDENTEFIGUEIRIDO, 1998.

3 6 A CRITICA, 15/03/98.3 7 oficiais do IBAMA confirmaram em Julho de 2000 a explo-

ração de aquariquara entre Itacoatiara e Silves (Estrada deVárzea)

3 8 GAZETA MERCANTIL, 05-07/03/99.3 9 ver HIGUCHI et al., 1997, pág. 6.4 0 International Experts� Working Group Meeting, Bonn, 12-

16 August 1996: �Trade, Labeling of Forest Products andCertification of Sustainable Forest Management�

4 1 BROCKMANN et al., 1996, pag. 30.4 2 SMERALDI et al., 1999.4 3 ver resultados de uma pesquisa em Belo Horizonte, Minas

Gerais em LASCHEFSKI, 2002, pág. 279 - 312.4 4 segundo estatísticas do FSC Brasil, [http:/www.fsc.org.br],

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