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FACULDADE BAIANA DE DIREITO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU DIREITO PÚBLICO DANIELA DARBRA CRUZ RIOS A (IN)OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCEDIMENTO DA LEI 9.099 DE 1995. Salvador 2018

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FACULDADE BAIANA DE DIREITO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

DIREITO PÚBLICO

DANIELA DARBRA CRUZ RIOS

A (IN)OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCEDIMENTO DA LEI 9.099 DE 1995.

Salvador 2018

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DANIELA DARBRA CRUZ RIOS

A (IN)OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCEDIMENTO DA LEI 9.099 DE 1995.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade Baiana de Direito e Gestão como requisito parcial para obtenção de grau de Especialista em Direito Público.

Salvador

2018

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DANIELA DARBRA CRUZ RIOS

A (IN)OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCEDIMENTO DA LEI 9.099 DE 1995.

Monografia aprovada como requisito para obtenção do grau de Especialista em Direito

Público, pela seguinte banca examinadora:

Nome:______________________________________________________________

Titulação e instituição:__________________________________________________

Nome:______________________________________________________________

Titulação e instituição: _________________________________________________

Nome:______________________________________________________________

Titulação e instituição:__________________________________________________

Salvador, ____/_____/ 2018

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CRUZ RIOS, Daniela Darbra. A (IN)OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCEDIMENTO DA LEI 9.099 DE 1995. 2018. 79 fls. Monografia (Pós-Graduação, Direito Público) – Faculdade Baiana de Direito, Salvador, 2018.

RESUMO Com o advento da Lei 9.099 de 1995 e a criação, no Brasil, dos juizados especiais, iniciou-se uma discussão acerca da observância e da relevância do princípio do devido processo legal no procedimento simplificado então inaugurado. Tal discussão é essencial e vai gerar esclarecimentos acerca das possíveis obscuridades da lei e seu objeto, buscando, inclusive, traçar um paralelo, através de uma análise dialética, do que ocorre na prática e do que deveria ocorrer quando da aplicação da lei, de forma a observar, sobretudo, aspectos processuais quanto à legalidade, o contraditório e a ampla defesa. O presente estudo, portanto, abordará o procedimento adotado pela Lei 9.099 de 1995 pelo viés crítico do princípio do devido processo legal, de forma a se questionar e, porque não, solucionar, controvérsias existentes acerca da sua observância e aplicação prática. O objetivo geral da pesquisa é, pois, investigar e compreender a aplicabilidade e o alcance do princípio do devido processo legal no âmbito dos juizados especiais, abrangendo suas repercussões na sociedade brasileira. O caminho metodológico analisará a Lei 9.099 de 1995, conteúdos da doutrina constitucionalista, excertos do Código de Processo Civil, em busca de selecionar os pontos-chave dos posicionamentos, para, por fim, apresentar a solução alcançada. A hipótese é apresentada com a ideia de que a obrigatoriedade da observância das garantias processuais constitucionais, bem como da razoabilidade e proporcionalidade, viabilize não só o aproveitamento de atos e a administração de um processo mais célere e econômico, mas também observe os ditames estabelecidos pelo princípio do devido processo legal, enquanto garantidor do Estado de Direito. PALAVRAS-CHAVE: DEVIDO PROCESSO LEGAL; LEI 9.099 DE 1995; JUIZADOS ESPECIAIS; GARANTIAS CONSTITUCIONAIS; SUMARIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO; CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................06 2. O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL..................................................09 2.1 NOÇÕES CONCEITUAIS....................................................................................09

2.1.1 Conteúdo do princípio...................................................................................09

2.1.1.1 Devido processo legal em sentido formal.......................................................09

2.1.1.2 Devido processo legal em sentido substancial...............................................10

2.1.2 Repercussões do devido processo legal.....................................................12

2.2 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA........................................................13

2.2.1 O “due process of Law” no direito inglês e americano..............................13

2.2.2 A garantia do devido processo legal no direito constitucional brasileiro.15

2.2.3 O devido processo legal como direito fundamental na Constituição Federal de 1988.........................................................................................................17

2.3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO CIVIL.....................................19

2.3.1 Neoconstitucionalismo e a normatividade de princípios...........................19 2.3.2 O devido processo legal como garantia de um processo justo...........................................................................................................................22 2.3.3 O princípio do devido processo legal e o acesso à jurisdição..................23 2.3.4 Contraditório e ampla defesa como corolários do devido processo legal...........................................................................................................................27 2.3.4.1 O princípio do contraditório.............................................................................27

2.3.4.2 O princípio da ampla defesa............................................................................28

3. A LEI 9.099 de 1995 E A CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS......................29 3.1 CONTEXTO HISTÓRICO E JURÍDICO................................................................29

3.1.1 A previsão constitucional e o processo de elaboração da Lei 9.099 de 1995............................................................................................................................30 3.2 PRINCÍPIO NORTEADORES...............................................................................31

3.2.1 Oralidade..........................................................................................................31 3.2.2 Simplicidade.....................................................................................................33 3.2.3 Informalidade...................................................................................................34 3.2.4 Economia Processual......................................................................................35 3.2.5 Celeridade........................................................................................................36

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3.3 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS RELEVANTES................................................36

3.3.1 Jus postulandi..................................................................................................36 3.3.2 Meios de provas admitidos.............................................................................37 3.3.3 Citação e intimações.......................................................................................38 3.3.4 Meios de impugnação e a irrecorribilidade de decisões interlocutórias....39 3.3.5 Audiências........................................................................................................40 4. A (IN)OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCEDIMENTO DA LEI 9.099 DE 1995................................................................................................41 4.1 EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS.................41

4.1.1 Força normativa dos princípios constitucionais..........................................43 4.1.2 Colisão e ponderação de princípios...............................................................44 4.1.3 Devido processo legal e celeridade processual............................................47 4.2 A SUMARIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DOS JUIZADOS E A VIOLAÇÃO DE

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.............................................................................49

4.2.1 O jus postulandi e a ausência de defesa técnica nos juizados especiais cíveis..........................................................................................................................49 4.2.2 A falácia das conciliações realizadas no âmbito dos juizados especiais..51 4.2.3 A irrecorribilidade das decisões interlocutórias e a impossibilidade da ação rescisória...................................................................................................................53 4.2.4 A dualidade da investidura dos juízes leigos na busca da justiça..............55 4.2.5 Prazos processuais reduzidos e a não aplicação do Código de Processo Civil............................................................................................................................56 4.2.6 A ampla margem de liberdade conferida aos magistrados no que tange às provas do processo..................................................................................................58 4.2.7 Simplicidade do pedido e a possibilidade de aditamento em audiência....60 4.2.8 A força conferida aos enunciados do FONAJE e a inobservância da legislação vigente.....................................................................................................62 5. CONCLUSÃO.........................................................................................................66 REFERÊNCIAS..........................................................................................................72

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1. INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei nº 9.099 de 1995, instituiu-se os Juizados Especiais no

Brasil, de modo a favorecer o acesso à justiça aos menos favorecidos e para prestar

uma justiça célere e mais efetiva.

A partir da nova sistemática adotada pela Lei supra, passou-se a questionar

acerca da observância, ou não, dos ditames estabelecidos pelo devido processo legal,

enquanto superprincípio adotado pela Constituição Brasileira de 1988, que inaugurou

o que chamamos de Estado Democrático de Direito.

O presente estudo, portanto, abordará aspectos procedimentais da Lei 9.099

de 1995 pelo viés crítico do princípio do devido processo legal, de forma a se

questionar e, porque não, solucionar, controvérsias existentes acerca da sua

observância e aplicação prática.

Assim, o trabalho que ora se apresenta justifica-se em razão da sumarização

exacerbada do procedimento adotado nos juizados especiais brasileiros, com vistas a

estabelecer e delimitar não só os pontos sensíveis que afrontam princípios

constitucionais, mas também os modos pelos quais os magistrados aplicam a

legislação na prática, de forma a observar os ditames previstos no princípio do devido

processo legal. Na forma como problematizada, portanto, a pesquisa contribuirá

significativamente para a construção do conhecimento acerca do tema apresentado,

de forma a permitir aos operadores do Direito uma visão ampla acerca do

cumprimento ou descumprimento das garantias processuais constitucionais no rito

simplificado dos juizados especiais.

A discussão do presente tema é essencial e vai trazer esclarecimentos acerca

de possíveis obscuridades da lei dos juizados, buscando, inclusive, traçar um paralelo,

através de uma análise dialética, do que ocorre na prática e do que deveria ocorrer

pela lei, de forma a observar, sobretudo, aspectos processuais quanto à legalidade, o

contraditório e a ampla defesa.

O objetivo geral da pesquisa é, pois, investigar e compreender a aplicabilidade

e o alcance do princípio do devido processo legal no âmbito dos juizados especiais,

abrangendo suas repercussões na sociedade brasileira. Dessa forma, resta clara a

finalidade em se debater o tema, com o fito de se estabelecer uma apreciação ampla,

mas também pormenorizada, de tais institutos do direito.

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Considerando a abrangência do tema da Lei que instituiu os juizados especiais

no Brasil, aqui analisada pela ótica do princípio do devido processo legal, constatou-

se, durante o estudo, que o mesmo precisa ser tratado por searas que ultrapassam o

âmbito do Direito Público, apesar de lhe dispensar uma visão eminentemente jurídica.

Assim, apesar de, ao menos inicialmente, o Direito por si, poder resolver os conflitos

decorrentes dessa prática, são muitas as áreas de conhecimento do próprio Direito

que se fazem necessárias à presente pesquisa. É preciso, pois, a incorporação dos

campos do Direito Processual Civil e, sobretudo, do Direito Constitucional, enquanto

balizador dos demais ramos jurídicos. Observando essas motivações, e por conta da

magnitude do objeto de estudo, a investigação será do tipo multidisciplinar.

E em razão da peculiaridade de a pesquisa ser no campo da Ciência do Direito,

será utilizado o processo metodológico dogmático-jurídico, específico desta ciência,

consistente da análise da lei, da doutrina e da jurisprudência, de modo a interpretar

as normas jurídicas objeto do estudo, no contexto do método dialético, para se

alcançar os fins pretendidos.

Partindo do método dialético-positivo, iniciamos o presente estudo traçando as

noções conceituais do princípio do devido processo legal, de forma a pormenorizar o

seu conteúdo, haja vista a distinção doutrinária entre o devido processo legal em

sentido formal, enquanto balizador da razoabilidade e proporcionalidade, e o devido

processo legal em sentido material, que contém no seu âmago as garantias

processuais constitucionais. Posteriormente, passamos a analisar o surgimento e

evolução histórica do princípio, de modo a observar a influência do direito inglês e

americano no direito constitucional brasileiro, que, a partir da Constituição de 1988,

incorporou o devido processo legal como garantia, e mais, como direito fundamental,

aumentando sua importância para o direito, inclusive como garantia de um processo

justo.

A partir de então, passamos a abordar a Lei 9.099 de 1995, responsável pela

criação dos juizados especiais no Brasil. Tratamos, primeiramente, do contexto

histórico e jurídico que levou à elaboração do referido diploma e, posteriormente,

tratamos dos princípios norteadores dos juizados especiais, que são: oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Traçando aspectos

procedimentos relevantes, tratamos do jus postulandi, dos meios de provas admitidos

nos juizados, assim como do sistema recursal, de audiências e intimações neste

procedimento.

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Traçados os conceitos basilares do presente estudo, passaremos à análise do

procedimento da Lei 9.099 de 1995 sob a perspectiva do princípio do devido processo

legal, de forma a constatar a inobservância deste no âmbito dos juizados especiais.

Ali, discutiremos acerca da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais,

perpassando pela força normativa conferida aos princípios constitucionais e sua

possibilidade de colisão. Neste ponto, trataremos do método de Alexy da ponderação

de princípios e traçaremos um paralelo entre as garantias do devido processo legal

frente à exigência de celeridade nos juizados. Mas não é só. Aprofundando nos

aspectos procedimentais da Lei, enfrentaremos questões práticas que importam em

flagrante violação aos princípios constitucionais.

Feito isso, espera-se que o presente trabalho venha a contribuir como

instrumento de pesquisa e de reflexão para os operadores do direito.

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2. O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Antes de adentrar no mérito principal do presente trabalho, cumpre tecer alguns

comentários, ainda que perfunctórios, acerca do princípio do devido processo legal,

seus corolários e sua importância para o processo civil.

2.1 NOÇÕES CONCEITUAIS

Para a doutrina moderna, o devido processo legal é tido como um princípio

fundamental, uma espécie de superprincípio, sobre o qual repousam todos os demais

princípios constitucionais. Tendo por finalidade última a repressão dos abusos

estatais, o princípio é subdividido em devido processo legal em sentido formal e

devido processo legal em sentido substancial, que serão abordados a seguir.1

2.1.1 Conteúdo do princípio

Por conta da ampla conotação atribuída ao devido processo legal, como

proteção ao que Nelson Nery Junior chamou de trinômio vida-liberdade-propriedade2,

a doutrina repartiu sua análise em duas: sentido substancial e sentido formal. Desta

forma, abarcar-se-iam todos os aspectos e peculiaridades do devido processo legal

enquanto princípio, direito e garantia constitucional. Esclareça-se, porém, que a

distinção abaixo delineada não pretende a aplicação de dois conceitos distintos, mas

duas aplicações de um mesmo conceito. Vejamos:

2.1.1.1 Devido processo legal em sentido formal

O devido processo legal em sentido formal foi o que primeiro se desenvolveu

no direito norte-americano, que lutava arduamente para que o Estado não cometesse

arbitrariedades em face dos cidadãos. A partir do estabelecimento do que se chamou

1 RUSCIOLELLI, Carolina. Um estudo sobre os princípios basilares do processo. Revista jurídica da UNIFACS. Salvador, 2006. 2 NERY JUNIOR, Nelson. Princípio dos Processo Civil na Constituição Federal. Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman; v. 21. 8. Ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2006.

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de procedural due process, possibilitou-se que todo e qualquer indivíduo tivesse

direito a um processo antes de sofrer restrições em sua esfera jurídica.

Valendo-se das lições de Fredie Didier Júnior, pode-se afirmar que o devido

processo legal formal representa o direito de ser processado e o direito de processar

de acordo com normas previamente estabelecidas.3 Em outras palavras, pode-se

dizer que o devido processo legal, em sua vertente formal (ou processual, como

também é denominado), exige o respeito a um conjunto de garantias processuais

mínimas, tais como o contraditório, a ampla defesa, a legalidade, a motivação das

decisões, a igualdade de partes e o juiz natural, verdadeiros corolários do princípio do

devido processo legal.

Com efeito, assumindo-se a perspectiva formal, tem-se no devido processo

legal um verdadeiro superprincípio, cujo principal objetivo é o de conferir a finalidade

para a incidência concreta das demais garantias processuais constantes da

Constituição de 1988. Ora, atuaria o devido processo legal como “fórmula-síntese da

proteção constitucional da liberdade e dos bens da pessoa, articulando as outras

garantias constitucionais com vista a esse fim último que lhes é comum”.4

Pode-se dizer, portanto, que o devido processo legal serve de base para a

fundamentação em que se pauta o Estado Democrático de Direito. No entanto, sendo

certo que tal princípio instrumentaliza-se na concretização dos direitos e garantias

fundamentais, não se pode dizer que o devido processo legal venha a se exaurir

apenas na observância das formalidades legais e processuais, o que será

demonstrado a seguir.

2.1.1.2 Devido processo legal em sentido substancial

O devido processo legal substancial (ou material, como também é

denominado) teve sua origem em um caso concreto submetido à apreciação da

Suprema Corte norte-americana no fim do século XVIII. Ali, a fim de limitar o poder

governamental, decidiu-se que os atos normativos que violassem direitos

3 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 11 ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 39. 4 MARIOTTI, Alexandre. Princípio do devido processo legal. Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008.

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fundamentais ou ofendessem o devido processo legal estariam sujeitos à declaração

de nulidade por parte do Poder Judiciário. Surgiu, então, a primeira forma de controle

de conteúdo de atos e decisões, embrião do que se conhece, hoje, como devido

processo legal substancial.

Assim, é possível dizer que tal concepção nasceu como uma garantia de

limitação do poder estatal, e assim continua nos tempos modernos. Isso porque, ao

julgador é autorizado questionar a razoabilidade de determinada lei, ou ainda a justiça

de decisões provenientes do Estado, de forma a estabelecer um verdadeiro controle

material de constitucionalidade e proporcionalidade.

É certo que o processo tem seu trâmite garantido por impulso oficial até o

provimento final, seja com uma sentença ou acórdão, de onde se conclui que há

devido processo legal se esta decisão é devida e adequada, ou seja, se é proporcional

e razoável.5

Em que pese as noções de razoável e proporcional caminhem juntas no Direito,

importante se faz diferenciá-las. A razoabilidade da decisão diz respeito a uma

necessária relação de adequação entre o fato ocorrido e a atuação concreta da

Administração e dos órgãos jurisdicionais, atrelando-se às necessidades da

coletividade. A proporcionalidade, por sua vez, traz noções de equidade, adequação

e suficiência, representando uma comparação entre duas variáveis: meio e fim.

Desta forma, funciona o devido processo legal substancial como um

“mecanismo de controle axiológico da atuação do Estado e de seus agentes”.6 E, com

essa nova abordagem, a cláusula do devido processo legal já não atingiria apenas a

forma, mas também a substância do ato, tendo em vista a preocupação em se

conceder a tutela jurisdicional mais adequada à sociedade. E reside aqui a ideia de

sobreprincípio a ser tratada no item 2.3 – refere-se o principio do devido processo

legal, afinal, ao controle de razoabilidade dos atos do Estado, constituindo um

verdadeiro “amálgama entre o principio da legalidade (rule of law) e o da razoabilidade

(rule of reasonableness) para o controle da validade dos atos normativos e da

generalidade das decisões estatais”.7

5 ALMEIDA, Reuder Rodrigues Madureira de. Devido processo legal: observância do contraditório e da ampla defesa nos processos administrativos de controle. Revista TCEMG. Minas Gerais, 2013. 6 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, n.3, p.50. 7 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, n.3, p. 77.

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2.1.2 Repercussões do devido processo legal

Assumindo-se uma postura material no que tange ao devido processo legal,

pode-se dizer que diversas são as repercussões daí oriundas.

Muito se falou nas linhas anteriores quanto ao objetivo maior do princípio ora

combatido, que seria a limitação do poder Estatal. Mas a que poder estaríamos nos

referindo?

É certo que, uma vez que se admite a existência de um controle axiológico das

normas postas, limita-se o poder legislativo. Ora, através do controle de

constitucionalidade, seja concentrado (através de ações diretas de

constitucionalidade ou inconstitucionalidade), seja difuso (quando os órgãos

jurisdicionais afastam a aplicação de regras que violem princípios ou garantias

constitucionais), são impostas grandes limitações ao poder de legislar. E tamanha é a

importância dessa limitação, que ela se estende, ainda, aos atos administrativos.8

De outro lado, porém, talvez a maior projeção do devido processo legal seja no

que tange às limitações ao poder jurisdicional, acabando-se, de uma vez, com a

premissa de que “juiz é rei”.

Hoje, já não se admite que o magistrado resolva a lide por motivações secretas

ou convicções próprias. Exige-se, ao contrário, que as decisões judiciais sejam

motivadas, conforme contido no art. 93, IX da Constituição Federal9 e do art. 11 do

Código de Processo Civil de 201510, cuja procedência remete ao devido processo

legal enquanto garantia inerente ao Estado de Direito.

Além disso, seguindo este mesmo raciocínio, mencione-se o princípio do juiz

natural, desdobramento evidente do devido processo legal e constitucionalmente

previsto no art. 5º, XXXVI, ao dizer que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Aqui, tem-se o estabelecimento constitucional de regras de competência, coadunando

com a ideia de imparcialidade do Judiciário.

8 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Devido processo legal substancial. São Paulo: Academia Brasileira de Direito Processual Civil, 2005. 9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. 10 BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Novo Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 28 fev. 2018.

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Ademais, o devido processo legal impõe ao julgador o oferecimento de

igualdade de oportunidades processuais, seja no que atine à representação, ao

ingresso no Judiciário, ou às questões probatórias.

Desta forma, é possível concluir que são muitas as repercussões e projeções

do devido processo legal, tanto em seu aspecto formal quanto material, configurando

elas verdadeiras limitações ao poder estatal como um todo: seja no âmbito do poder

executivo, legislativo ou judiciário.

2.2 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Definido o devido processo legal, importante traçar as bases históricas que

levaram ao conhecimento do princípio tal como é hoje. O surgimento do due process

of law remonta ao direito positivado inglês e à prática dos tribunais americanos, senão

vejamos:11

2.2.1 O “due process of Law” no direito inglês e americano

A primeira manifestação conhecida do devido processo legal deu-se na

Inglaterra, nos idos do ano de 1215, no que se chama de Magna Carta de João sem

Terra, cujo capítulo 39, traduzido para o português, assim apregoava: Nenhum homem livre será detido ou preso ou tirado de sua terra ou posto fora da lei ou exilado ou, de qualquer outro modo destruído, nem lhe imporemos nossa autoridade pela força ou enviaremos contra ele nossos agentes, senão pelo julgamento de seus pares ou pela lei da terra (tradução nossa).12

Delineava-se, ali, a law of land (lei da terra), resultado da rivalidade existente à

época entre a nobreza e o rei João sem Terra, que a outorgou como garantia contra

os abusos da coroa inglesa. Constituiu a referida Carta um antecedente das modernas

constituições, posto que escrita e garantidora de direitos individuais, ainda que

destinados a determinados homens.

11 MARIOTTI, Alexandre. Princípio do devido processo legal. Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. 12 INGLATERRA. Constituição (1215). Magna Carta de João sem Terra. Londres, 1215.

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Somente mais tarde, no Estatuto de 1354, então denominado Statute of

Westminster of the Liberties of London, o termo law of land fora substituído pela

expressão atualmente conhecida e difundida due process of law, ao dispor: Ninguém poderá ser expulso das suas terras ou da sua morada, nem detido, preso, deserdado ou morto sem que lhe seja dada a possibilidade de se defender em um devido processo legal (tradução nossa).13

No entanto, tendo em vista a supremacia do parlamento inglês, enquanto

instituição representativa do consenso na coletividade, o due process of law não

vinculava o poder legislativo, mas somente o poder real, não contemplando a

extensão ideal.

No ano de 1607, porém, dissidentes protestantes ingleses, em fuga, chegaram

aos Estados Unidos da América, levando consigo os fundamentos da common law,

sendo certo que, entre eles, presente se fez o princípio do devido processo legal.

Historicamente, portanto, o due process of law tem sua aplicação limitada à

jurisdição, com enfoque eminentemente processualístico (procedimental), de modo

que nunca poderia se referir a um ato do legislativo.

No entanto, atualmente não há dúvida de que o due process of law, enquanto

princípio balizador de todo o ordenamento jurídico, já não pode ser entendido como

uma garantia de aplicação restrita ao processo judicial, mas como um mandamento

processual em sentido amplo, extensivo a toda forma de intervenção estatal na vida

privada. Esse é o seu sentido corrente no direito americano, pois a tradição do direito

inglês veio para suas Constituições não só como garantia de legalidade, mas ainda

como garantia de justiça.14

Neste sentido manifesta-se Paulo Fernando Silveira:

A princípio, parecia que cuidava, apenas, de meras garantias processuais asseguradas ao acusado, como o julgamento pelo júri e o igual tratamento processual. Mas mesmo para se obter essas garantias, na essência, estava a limitação do poder governamental, o que só foi percebido com clareza mais tarde. Por isso, depois, com precisão conceitual, o princípio do devido processo legal evoluiu como um precioso instrumental, manejável através do Judiciário, como modo de contenção do poder do chefe de governo, visando evitar o cometimento de arbitrariedades, como retirar de qualquer membro da comunidade seu direito à vida, liberdade ou propriedade. Com o tempo, a

13 INGLATERRA. Estatuto (1354). Statute of Westminster of the Liberties of London. Londres, 1354. 14 MARIOTTI, Alexandre. Princípio do devido processo legal. Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008.

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cláusula foi estendida e acabou alcançando os departamentos subalternos do governo.15

A partir do trecho acima transcrito, é possível perceber que a extensão da

aplicação do princípio do devido processo só foi conquistada mais recentemente e

que, apesar dos avanços, mesmo no direito norte-americano, nem toda a atividade

administrativa do Estado está submetida ao due process of law.

Não se pode olvidar, no entanto, do importante aspecto material que fora

agregado ao princípio, que já não se limita ao seu aspecto procedimental,

emprestando-lhe substância.

2.2.2 A garantia do devido processo legal no direito constitucional brasileiro

Ainda que não de maneira expressa, o devido processo legal, no Brasil,

remonta ao período monárquico, pois, muito embora a Constituição do Império, datada

de 1824, não tenha sido explícita quanto à sua utilização, no seu texto já se encontram

diversas garantias de natureza processual.

Dentre essas garantias, cite-se a existências de jurados, a culpa formada, a

publicidade dos atos processuais nas causas criminais após a pronúncia, bem como,

e sobretudo, a autoridade legítima, a legalidade e a anterioridade da lei, estas últimas

positivadas no art. 179, XI da Constituição, que assim descrevia: “Ninguém será

sentenciado, senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior e na forma

por ela prescrita”.16

A Constituição de 1891, por sua vez, além de reafirmar os direitos e garantias

já existentes, herdados da Carta de 1824, avançou significativamente na mesma

direção, ao criar o tribunal do júri, e, principalmente, ao garantir o direito à ampla

defesa. Nesse sentido, proclamou-se no art. 72, § 16º: Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24

15 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. 3 ed. Belo Horizonte: ed. Del Rey, 2011, p. 235.

16 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm. Acesso em: 26 fev 2018.

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horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusados e das testemunhas.17

A Constituição de 1934 manteve a garantia, em formulação mais sucinta, ao

assegurar aos acusados “ampla defesa, com os meios e recursos essenciais a esta”

(art. 113, § 3º)18. Além disso, reconhece-se que, já nesse diploma legal, houve uma

ampliação dos direitos individuais, uma vez que disciplinou a inviolabilidade dos

direitos à liberdade, à segurança, à propriedade, bem como o mandado de segurança.

A Constituição de 193719, também conhecida como “A Polaca”, apesar do seu

autoritarismo explícito e do reestabelecimento da pena de morte, foi expressa quanto

à garantia do contraditório e assegurou as garantias de defesa, antes e depois da

formação da culpa, ainda incluindo garantias processuais entre os direitos

fundamentais dos cidadãos.

Verdade é, porém, que, nas palavras de José Frederico Marques, “as

constituições brasileiras, desde o tempo do Império, sempre trouxeram normas

relativas às garantias processuais na justiça penal; parcas ou quase nenhuma,

aquelas pertinentes ao processo civil”.20

No entanto, finda a Segunda Guerra Mundial e o governo de Getúlio Vargas,

promulgou-se a Constituição de 1946, na qual restou assegurado de forma definitiva

o devido processo legal, em todas as áreas e setores da tutela jurisdicional, tendo em

vista o quanto positivado no artigo 141, § 4º, in verbis: “A lei não poderá excluir da

apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”.21

Afinal, pressupõe a jurisdição o contraditório e um processo adequado. Além

disso, assevera o mesmo diploma legal que, ainda que este preveja um rol de direitos

17 BRASIL. Constituição (1891) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm. Acesso em: 26 fev 2018. 18 BRASIL. Constituição (1934) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm. Acesso em: 26 fev 2018. 19 BRASIL. Constituição (1937) Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm. Acesso em: 26 fev 2018. 20 MARQUES, José Frederico. A reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Saraiva, 1979, v. 1, p.101. 21 BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm. Acesso em: 26 fev 2018.

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17

e garantias individuais, este rol não seria taxativo, não excluindo outros direitos e

garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição.

Nessa linha de pensamento, o devido processo legal estaria, também, implícito

como garantia na Constituição de 1967, na previsão do direito de defesa do artigo

153, §15.22

Findo o período militar, fora então convocada uma Assembleia Nacional

Constituinte, visando o estabelecimento da Constituição da República Federativa do

Brasil, datada de 1988.23 Conforme já assinalado, anteriormente a essa Constituição

o devido processo legal estava subentendido no ordenamento Jurídico Brasileiro, pois

restava implícito no ordenamento pátrio através de subprincípios como o contraditório,

a ampla defesa e a regularidade procedimental.

Desta forma, é possível afirmar que, até aí, em que pese o devido processo

legal não tenha estado ausente no direito constitucional brasileiro, teria ele emergido

de direitos e garantias individuais, dependendo seu reconhecimento de pesquisa no

texto constitucional e de construção doutrinária.

Hoje, porém, o devido processo legal está expresso, “bastando à doutrina

compreendê-lo na evolução centenária que tanto o enriqueceu”.24

Isso porque, na Constituição de 1988, o princípio do devido processo legal vem

explícito no texto, tanto no seu sentido procedimental como substantivo, atuando

como verdadeiro corolário da nova ordem constitucional, senão vejamos.25

2.2.3 O devido processo legal como direito fundamental na Constituição Federal de 1988

A Constituição de 1988, como acima mencionado, trouxe de forma explícita o

princípio do devido processo legal no seu artigo 5º, LIV, que diz: “ninguém será privado

da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Tal artigo, diga-se, resta

22 BRASIL. Constituição (1967) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: 26 fev 2018. 23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. 24 SILVA, José Afonso. Prefácio. In: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. XX. 25 REIS. Whith Martins dos. O princípio do devido processo legal no âmbito da Constituição Brasileira. Revista Fadir. Minas Gerais, 2010.

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inserido no capítulo “Dos direitos e garantias fundamentais”, de forma que se entende

que o devido processo legal é direito fundamental de todo cidadão.

Em apertada síntese, pode-se dizer que o princípio do devido processo legal é

a garantia constitucional que enseja a existência da maioria dos demais princípios

consagrados constitucionalmente. Isso porque, a conceituação de “devido processo”,

com o passar do tempo, foi ampliada pela doutrina e jurisprudência, sendo certo que,

hoje, sua abrangência está em consonância com os direitos fundamentais. Afinal,

ainda que superficialmente, pode-se dizer que o devido processo legal, caracterizado

pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, tutela os maiores bens do ser humano, em

seu sentido mais amplo e genérico possível.

De acordo com a lição de Nelson Nery Júnior, a maioria dos incisos do art. 5º

é desnecessária e bastaria o constituinte ter enunciado o princípio do devido processo

legal e o caput. Nas palavras do mestre: [...] a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos do art. 5º, CF, é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o legislativo e o judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações.26

É certo que a garantia do devido processo legal não se exaure na observância

da regular tramitação dos processos em juízo. Compreende algumas categorias

fundamentais como a garantia do juiz natural (CF, art. 5º, XXXVII) e do juiz competente

(CF, art. 5º, LIII), a garantia do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), da ampla defesa

e do contraditório (CF, art. 5º, LV) e a garantia da fundamentação de todas as decisões

judiciais (CF, art. 93, IX).27

Assim, vê-se que a garantia ao devido processo legal não se restringe ao direito

de acesso à justiça, sendo assegurado a todos o direito ao contraditório e à ampla

defesa, mas vem também limitar o legislador quando da elaboração das normas, ou

seja, limitar a atuação do poder legislativo, de forma que não sejam criadas normas

contrárias aos direitos fundamentais do cidadão, hoje com status constitucional.

Nesse sentido, sustenta Cármen Lúcia Antunes Rocha, que, com o advento do

Estado Democrático de Direito, este proveniente da sistemática adotada pela

26 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 37. 27 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

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Constituição de 1988, dois elementos podem ser destacados: “o reconhecimento e

garantia dos direitos fundamentais do ser humano pelo Direito do Estado e a

participação democrática do cidadão na elaboração e aplicação deste Direito”.28

Desta forma, pode-se afirmar que o devido processo legal constitui elemento

estruturante de todo sistema jurídico, servindo de alicerce para o ordenamento pátrio

e ampliando a visão e a segurança jurídica do cidadão. E não poderia o devido

processo legal ter status diferente, senão de um direito fundamental, afinal, nas

relações entre Estado e particular, será ele que garantirá a submissão do primeiro à

prescrição legal, repelirá a onipotência e a arbitrariedade, e servirá não apenas como

garantia processual, mas fornecerá material e substância para o ordenamento,

especialmente no que se refere às liberdades públicas.

O devido processo legal, além de garantir o direito ao processo, abrange,

portanto, o direito à ampla proteção jurídica, atuando como verdadeiro e

inquestionável direito fundamental do cidadão.

2.3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO CIVIL

Demonstrada a importância do princípio do devido processo legal, faz-se

necessária a tentativa de se estabelecer seu papel como garantidor da efetivação dos

direitos fundamentais processuais. Ora, no âmbito das relações jurídicas processuais

modernas, deve-se considerar os princípios como sendo fomentadores de posições

jurídicas razoáveis e proporcionais, de modo que, no processo civil, indispensável a

aplicação máxima e imediata do principio do devido processo legal e seus corolários,

senão vejamos:29

2.3.1 Neoconstitucionalismo e a normatividade de princípios

A tutela dos direitos e garantias fundamentais é tema que tem merecido grande

atenção por parte dos estudiosos do direito e, porque não, da sociedade brasileira

como um todo. E esta ideia ganha importância com o surgimento do que se chama de

28 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: ed. Del Rey, 1994, p. 75. 29 RUSCIOLELLI, Carolina. Um estudo sobre os princípios basilares do processo. Salvador: Revista jurídica da UNIFACS, 2006.

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Estado Democrático de Direito, cujo marco exponencial, no Brasil, é a Constituição de

1988.

Isso porque, é cediço que a Carta de 1988 tem a virtude suprema de simbolizar

a travessia democrática brasileira e de inaugurar a fase de reconstitucionalização do

Brasil. Ora, por ocasião da discussão prévia e promulgação da Constituição de 1988,

deu-se o renascimento do direito constitucional brasileiro, de modo que permitiu a

passagem do Estado brasileiro de um regime autoritário para, enfim, um estado

democrático de direito, cujo fundamento principal é a proteção dos direitos e garantias

fundamentais.30

Assim, com o surgimento da Constituição, sobreveio a ideia de

constitucionalização do Direito, então associada a um efeito expansivo das normas

constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradiaria, com força normativa,

por todo o sistema jurídico. Neste ponto, importante os ensinamentos de Luis Roberto

Barroso:

Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares.31

Nesse cenário, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si, mas

também um modo de interpretar todos os demais ramos do Direito, de modo a realizar

os valores nela consagrados. Valores estes que são postos através de princípios, que,

enquanto normas, representam fins públicos a serem realizados por diferentes meios.

Diante do que se entende por Neoconstitucionalismo ou Pós-Positivismo,

podemos, portanto, afirmar que os profissionais do Direito vivenciam, hoje, uma nova

forma de conduzir as técnicas de interpretação no que tange à Hermenêutica Jurídica,

consistente em dar à Constituição força normativa, e consequentemente, valorizando

os princípios nela implícitos e/ou explícitos.

Nesse sentido, nos informa Marinoni:

30 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, v. 240. Brasília, 2005. 31 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, v. 240. Brasília, 2005.

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A compreensão da lei a partir da Constituição expressa uma outra configuração do positivismo, que pode ser qualificada de positivismo crítico ou de pós-positivismo, não porque atribui às normas constitucionais o seu fundamento, mas sim porque submete o texto da lei a princípios materiais de justiça e direitos fundamentais, permitindo que seja encontrada uma norma jurídica que revele a adequada conformação da lei.32

A compreensão e a conformação das regras estão, então, condicionadas pelo

valor inerente aos princípios, também estes dotados de normatividade, o que implica

na compreensão crítica do direito e na responsabilidade de relacionar as regras aos

princípios, em busca da melhor interpretação da aplicação das normas ao caso

concreto.

A importância dos princípios para a aplicação do direito está expressa no

próprio ordenamento jurídico, quando, no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro, é disposto que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de

acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.33

Diante disso, resta patente que o estudo do Direito Processual vem sendo

influenciado por essa nova concepção de raciocínio jurídico, permitindo ao processo

a possibilidade de ser examinado sob o prisma dos valores constitucionais. Afinal, já

não basta, na realidade complexa vivenciada atualmente, que o processo seja mero

instrumento de garantia do direito substancial. Impõe-se que, como tal, não se olvide

das garantias constitucionais e processuais e dos princípios que devem regê-lo.34

A doutrina moderna tem enfatizado a análise da ordem processual à luz da

Constituição, apontando para o estudo dos institutos processuais no sistema unitário

do ordenamento, e não mais na esfera fechada do processo. Afinal, na Constituição

de 1988 foram incluídos dispositivos de natureza processual no rol de direitos e

garantias constitucionais. E a este método é dada a denominação de Direito

processual constitucional, cujas incumbências seriam, por certo, a tutela constitucional

do processo e a jurisdição constitucional das liberdades.

Imperioso, portanto, o estudo do processo à luz dos princípios constitucionais,

sendo que o processo já não representa apenas um instrumento técnico, mas ético.

32 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 53. 33 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657 (1942). Dispõe sobre a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 set 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm. Acesso em: 28 fev 2018. 34 THEODORO JUNIOR, Humberto. Direito Processual Constitucional. Revista Estação Científica (Ed. Especial Direito), v. 01, n. 04. Juiz de Fora, 2009.

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2.3.2 O devido processo legal como garantia de um processo justo.

O devido processo legal, em suas perspectivas formal e material, representa o

elemento central da integração do binômio direito e processo, procurando dar o

máximo de eficácia às normas e garantias constitucionais, com vistas ao controle do

poder estatal e da igualdade das partes no processo. Conforme Humberto Theodoro

Júnior: Em virtude do princípio da supremacia da Constituição, o comportamento dos órgãos jurisdicionais durante o desenvolvimento dos processos e o julgamento das causas há, sem dúvida, de ter como ponto de partida a observância das garantias constitucionais do moderno ‘processo justo’.35

Diante do conteúdo do princípio, já amplamente discutido no item 2.1, é

possível dizer que o devido processo legal, ao estabelecer direitos e garantias

processuais, serve de fundamento para o que se entende por processo justo, aqui

definido por aquele regido por garantias mínimas de meios e de resultado, utilizando-

se de instrumentos técnico-processuais adequados para se obter uma tutela efetiva.

Nesse sentido afirma Cândido Rangel Dinamarco:

Garantido o ingresso em juízo e até mesmo a obtenção de um provimento final de mérito, é indispensável que o processo se haja feito com aquelas garantias mínimas: a) de meios, pela observância dos princípios e garantias estabelecidas; b) de resultados, mediante a oferta de julgamentos justos, ou seja, portadores de tutela jurisdicional a quem efetivamente tenha razão. Os meios, sendo adequadamente empregados, constituem o melhor caminho para chegar a bons resultados. E, como afinal o que importa são os resultados justos do processo (processo civil de resultados), não basta que o juiz empregue meios adequados se ele vier a decidir mal; nem se admite que se aventure a decidir a causa segundo seus próprios critérios de justiça, sem ter empregado os meios ditados pela Constituição e pela lei. Segundo a experiência multissecular expressa nas garantias constitucionais, é grande o risco de erro quando os meios adequados não são cumpridos. Eis o conceito e conteúdo substancial da cláusula due process of law, amorfa e enigmática, que mais se colhe pelos sentimentos e intuição do que pelos métodos puramente racionais da inteligência36.

É certo que a Constituição Federal empenha-se na tutela constitucional do

processo, e, com isso, tem por finalidade a segurança de um processo justo e équo.

35 THEODORO JUNIOR, Humberto. Direito Processual Constitucional. Revista Estação Científica (Ed. Especial Direito), v.01, n. 04. Juiz de Fora, 2009. 36 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual. São Paulo: Ed. Malheiros, 2000, p. 246.

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E como se poderia falar em resultados substancialmente justos sem que o processo

seja, em sua essência, justo e garantidor dos preceitos constitucionais? Afinal, o

devido processo legal representa, essencialmente, a proteção a toda e qualquer ação

arbitrária e não razoável por parte do Estado, com vistas a almejar um processo justo

– com meios e resultados justos.37

Assim afirma J. J. Gomes Canotilho:

(...) uma pessoa tem direito não apenas a um processo legal, mas sobretudo a um processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o sacrifício da vida, liberdade e propriedade dos particulares.38

Seguindo esta linha, aponta Humberto Theodoro Júnior:

A garantia do devido processo legal, porém não se exaure na observância das formas da lei para tramitação das causas em juiz. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF. art. 5º. inc. XXXVII), e do juiz competente (CF, art. 5º. inc. LIII), garantia de acesso a Justiça (CF, art. 5º. inc. XXXV), da ampla defesa e do contraditório e a da fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX). Faz-se necessário modernamente uma assimilação da idéia de devido processo legal a de processo justo.39

Desta forma, é certo que a atividade jurisdicional deve ser orientada em

observância ao princípio maior do devido processo legal como garantia de um

processo justo. E a principal garantia de um processo justo dá-se, sem dúvida, a partir

do acesso à jurisdição, senão vejamos:

2.3.3 O princípio do devido processo legal e o acesso à jurisdição

É cediço que as normas são postas para serem observadas naturalmente. No

entanto, é certo que, por vezes, tem-se por descumpridas as normas então

estabelecidas, resultando em conflitos que reclamam, por sua essência, a intervenção

do Estado para o restabelecimento da paz social.

Desta forma, é possível afirmar que a existência de normas não basta em si

mesma, devendo existir instrumentos aptos e eficazes a garantir sua aplicabilidade e

37 GOMES, Marcos Vinicius Manso Lopes. Uma visão neoprocessual da execução do direito processual civil. Revista PUCTJ. São Paulo, 2009. 38 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 494. 39 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36 ed., v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 22.

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sua eficácia social. E esse é o papel do processo, que se forma do conflito de

interesses deduzido em juízo, constituindo verdadeira garantia de limitação do poder

estatal arbitrário.

Com vistas a tornar o processo um instrumento de pacificação social eficaz, a

ordem jurídica de um país deve, portanto, garantir o mais amplo acesso à jurisdição,

permitindo ao indivíduo o exercício do direito de ação, do direito de defesa e, também,

de recursos eficazes na correção de eventuais erros. Ora, a tutela jurisdicional efetiva

é, afinal, não apenas uma garantia, mas, ela própria, também um direito fundamental,

cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em respeito à própria dignidade da pessoa

humana.

A garantia de acesso à jurisdição pode ser extraída de diversas disposições

constitucionais, devendo-se priorizar as contidas nos incisos XXXIV, alínea a e XXXV,

do art. 5º da Constituição de 1988, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.40

Assim, todas as pessoas, naturais e jurídicas, independentemente de qualquer

condição, são detentoras do direito de ação, ou seja, têm o direito de dirigir-se ao

Poder Judiciário e deste receber resposta sobre qualquer pretensão, seja nas relações

entre particulares, ou naquelas entre particular e estado.

No entanto, são muitos os obstáculos enfrentados por essa garantia

constitucional. Isso porque, é certo que, tendo em vista a estrutura do judiciário

brasileiro, o elevado valor das custas judiciais suportadas pelos litigantes, os

honorários advocatícios e a regra da sucumbência, associados à incerteza do

resultado da demanda são fatores que, por vezes, desestimulam aqueles que, tendo

seu direito violado, pretendem buscar, no Poder Judiciário, a solução para seu caso.41

40 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. 41 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Devido processo legal substancial. São Paulo: Academia Brasileira de Direito Processual Civil, 2005.

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Como se não bastasse os problemas citados, o tempo vem sendo outro fator

capaz de influenciar na indisposição quanto ao acesso à justiça. Além disso, é uma

realidade brasileira a falta de conhecimento jurídico básico à maioria da população.

Em geral, as pessoas não conhecem sequer os seus direitos e nem mesmo a forma

com que devem proceder para ajuizar uma ação para defendê-los.

No Brasil, porém, em nome do princípio do devido processo legal, enquanto

garantidor da ordem jurídica justa, a Constituição de 1988 trouxe diversos dispositivos

inovadores no sentido de garantir o real acesso à jurisdição, resguardando-o como

verdadeiro direito fundamental.

Com relação ao alto custo do processo, restou determinado no art. 98 da

Constituição Federal que os entes federativos deveriam criar juizados especiais, que

possibilitariam o acesso gratuito à jurisdição para as causas de menor complexidade,

dispensando, nas sentenças de primeiro grau, a condenação do vencido nas custas e

honorários advocatícios de sucumbência. Dispensou-se ainda a assistência de

advogado para as causas cujo valor não exceda a vinte salários mínimos, conforme

preconiza o art. 9º da Lei nº 9.099/95.42

Atuando neste mesmo sentido, a Consolidação das Leis do Trabalho em seu

art. 83943, prevê que a reclamação poderá ser apresentada na Justiça do Trabalho,

pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e

pelos sindicatos de classe, não exigindo, portanto, a presença de advogado. Ademais,

o Estatuto da Advocacia (Lei nº. 8.906/94)44 não considerou o habeas corpus como

atividade privativa da advocacia, podendo ser posto por qualquer cidadão.

Neste ponto, porém, importante enfatizar que a representação processual

realizada por profissionais técnico-jurídicos é uma das garantias relacionadas com o

princípio do devido processo legal. Em que pese a exigência de representação por

advogado habilitado aparentemente apenas onere financeiramente os litigantes, trata-

42 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 03 mar 2018. 43 BRASIL. Decreto-Lei n.º 5.452 (1943). Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 maio 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em: 03 mar 2018. 44 BRASIL. Lei 8.906 (1994). Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 jul 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8906.htm. Acesso em: 03 mar 2018.

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se de verdadeira garantia do processo justo, uma vez a defesa técnica constitui

medida que possibilita a igualdade substancial das partes dentro do processo.

Ademais, ainda visando dirimir os problemas enfrentados pelo alto custo do

processo, a Constituição Federal de 1988 acolheu como garantia a assistência

judiciária gratuita, de modo a proporcionar meios para aqueles que não possam arcar

com tais custos, garantindo-se a igualdade dentro do sistema processual. Afinal, o

acesso à jurisdição requer a existência de meios, sem os quais ela não se efetiva, não

podendo as dificuldades econômicas e sociais de alguns representarem obstáculos

ao exercício desse direito.

Nesta toada, é certo que o acesso à jurisdição não se restringe ao direito de

ação, percorrendo todo o processo, e encerrando-se apenas com o provimento final.45

Por isso, também o juiz deve ser cercado de garantias, que lhe permitam exercer suas

funções com independência. E, a fim de preservar a imparcialidade dos juízes, a

Constituição consagra algumas garantias, essas de natureza pessoais e processuais.

Aqui, aliás, faz-se premente lembrar da garantia do juiz natural, já mencionada nesta

obra, enquanto consectário lógico do devido processo legal; bem como da necessária

fundamentação das decisões, que devem ser especificamente motivadas.

Tais decisões, porém, não são absolutas e podem conter erros. O recurso é um

dos remédios posto à disposição das partes para corrigir o ato. No entanto, é certo e

amplamente difundido que a existência de recursos, se de um lado garante a justiça

das decisões, de outro pode prolongar o processo no tempo e influenciar na prestação

de uma jurisdição justa.

Mas não se pode sacrificar o direito à jurisdição justa em favor da rapidez,

fazendo-se necessário conciliar as duas garantias, restringindo a incidência de cada

uma o mínimo possível, de acordo com os critérios de resolução do conflito aparente

de princípios constitucionais. Deve-se buscar, portanto, o máximo de garantia do

devido processo legal em um mínimo de tempo possível, de forma que este não exclua

aquele, mas o integre.

Afinal, inclui-se na Constituição brasileira, entre as garantias individuais, o

inciso LXXVIII do art. 5º, que assegura a todos, em procedimento judicial ou

administrativo, “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade

45 GAVIORNO, Gracimeri Vieira Soeiro de Castro; GONÇALVES, William Couto. O devido processo legal e o processo justo. Revista de depoimentos FDV, n. 10. Vitória, 2009.

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de sua tramitação”46. No entanto, sendo certo que tal garantia decorre do devido

processo legal, e sendo este princípio o garantidor da ordem processual justa, não se

pode falar em abrir mão da justiça concreta em face da duração tida como razoável

para um processo. Deve haver, portanto, um sopesamento de princípios no caso

concreto.

Diante tudo quanto exposto, pode-se concluir que o acesso à jurisdição é

garantido de forma justa através do que se chamamos de devido processo legal,

sendo certo ainda que o acesso à jurisdição não se restringe (e, portanto, não se

confunde) ao direito de ação, mas diz respeito a todo o desenvolvimento do processo.

Assim, é possível que se diga que a principal garantia de um processo justo é o acesso

à jurisdição, através do que se buscará a justiça efetiva. O processo devido tem não

apenas que ser legal, ou seja, ter seus procedimentos previstos e conhecidos,

permitindo às partes ampla participação. Deve o processo ser justo, considerando-se

todos os seus aspectos garantidores.47

2.3.4 Contraditório e ampla defesa como corolários do devido processo legal

Como mencionado nas linhas anteriores, tamanha é a importância e relevância

do princípio do devido processo legal, que a doutrina estabelece que seria ele um

superprincípio, do qual decorrem diversos outros princípios processuais. Dentre estes,

destaca-se, sobretudo, o contraditório e a ampla defesa, verdadeiros corolários para

a garantia de um processo justo.

2.3.4.1 O princípio do contraditório

O princípio do contraditório, que representa a possibilidade das partes de se

contrariarem, é considerado por Alexandre Freitas Câmara como o mais relevante

46 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. 47 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Rio de Janeiro. Disponível em: http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15708-15709-1-PB.pdf. Acesso em: 01 mar 2018.

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entre os corolários do devido processo legal, já que defende que não existe processo

sem contraditório48.

Isso porque, ao representar o direito à manifestação, é o princípio do

contraditório que garante a simetria da participação das partes no processo,

possibilitando que o processo se desenvolva através de um sistema dialético.

É dizer: pelo contraditório, permite-se que todas as partes tenham oportunidade

de se pronunciar, de contradizer informações ou provas apresentadas pela parte ex

adversa antes do provimento jurisdicional, resguardando-se a isonomia e garantindo

a justiça das decisões.

2.3.4.2 O princípio da ampla defesa

A ampla defesa, positivada no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal

Brasileira, é garantia constitucional inerente ao Estado de Direito.

Garantindo a defesa da forma mais abrangente possível, a ampla defesa

constitui, de um lado, a possibilidade de defender-se e, de outro, a de recorrer.

Abrange, pois, a defesa técnica ou autodefesa (nos casos de jus postulandi) e a

defesa efetiva (efetividade da participação do réu em todos os momentos

processuais).

Através da ampla defesa, pois, é assegurado à parte que figura no polo passivo

da relação processual, o direito de ser ouvida, de apresentar suas razões e de

contrarrazoar eventuais alegações do autor, antes da efetiva tutela jurisdicional.

Por isto mesmo, alguns doutrinadores, tais como Alexandre de Moraes,

entendem que contraditório e ampla defesa são conceitos complementares que, por

certo, se confundem:

Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, ou mesmo omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.49

48 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 24 ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2013. v. I, p.49. 49 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 97.

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3. A LEI 9.099 DE 1995 E A CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

A Lei 9.099 de 199550, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais

no Brasil, representou um grande avanço para o ordenamento jurídico então vigente.

Privilegiando o acesso à Justiça e a composição amigável dos litígios, os juizados

especiais representam, atualmente, importante segmento da máquina judicial

brasileira.

3.1 CONTEXTO HISTÓRICO E JURÍDICO

O embrião do que se entende, hoje, por Juizado Especial, surgiu no Brasil em

1982, quando, no Rio Grande do Sul, instituiu-se os Conselhos de Conciliação e

Arbitragem. Como uma alternativa ao conservadorismo jurídico, os Conselhos foram

criados, à época, como fruto de um movimento de juízes que buscavam soluções

alternativas para os crescentes conflitos que sobrecarregavam e oneravam o

Judiciário.

O sucesso dos Conselhos sulistas, aliado às experiências exitosas de outros

países, sobretudo das Small Claims Courts da cidade de Nova Iorque (EUA), foram

suficientes para a criação da Lei 7.244 de 1984, que instituiu os Juizados Especiais

de Pequenas Causas, prevendo, em seu artigo 1º que:

Os Juizados Especiais de Pequenas Causas, órgãos da Justiça ordinária, poderão ser criados nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, para processo e julgamento, por opção do autor, das causas de deduzido valor econômico.51

Da simples leitura do dispositivo supratranscrito, tem-se que a Lei 7.244 de

1984 estabeleceu a faculdade de criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas

Estaduais Cíveis, tendo o diploma definido que a competência dos Juizados se

50 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 03 mar 2018. 51 BRASIL. Lei 7.244 (1984). Lei que dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 nov 1984. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7244-7-novembro-1984-356977-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 03 mar 2018.

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esgotaria nas causas de reduzido valor econômico, que versassem sobre direitos

patrimoniais e não excedessem, à data do ajuizamento, 20 (vinte) salários mínimos.

Na oportunidade em que foi elaborada, a Lei 7.244 de 1984 cumpriu com sua

finalidade, reduzindo os custos e a morosidade dos conflitos judicias de menor

complexidade. Tanto é assim que, quando da promulgação da Constituição Federal

de 1988, houve previsão expressa na Carta Maior.

3.1.1 A previsão constitucional e o processo de elaboração da Lei 9.099 de 1995

A Constituição Federal de 1988 trouxe expressa previsão acerca da

obrigatoriedade da criação, pela União e entes federativos, dos Juizados Especiais,

in verbis:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;52

Como consequência do sucesso da Lei 7.244 de 1984, a Constituição de 1988

recepcionou e ampliou o instituto dos Juizados Especiais, fazendo menção não só à

criação dos juizados cíveis e estaduais, mas também criminais (voltados para as

infrações penais de menor potencial ofensivo) e federais.

Ademais, o artigo supratranscrito traduz uma nova realidade: a partir da

promulgação da Constituição Federal de 1988, tornou-se obrigatória a implementação

dos Juizados Especiais Estaduais, nos quais a competência das causas cíveis seria

definida pela menor complexidade, não mais apenas pelo reduzido valo da causa53.

A partir da previsão constitucional e da obrigatoriedade da criação dos juizados

especiais, a crescente necessidade de aperfeiçoamento do regramento da Lei 7.244

de 1984 fez com que fosse implementada, em 1995, a Lei 9.099. O novo diploma legal

tornou a prática lei e emprestou mais eficiência e eficácia aos juizados.

52 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 53 FERRAZ, Leslie Shérida. Acesso à Justiça: uma análise dos Juizados Especiais Cíveis no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.

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Conforme se observará nos itens subsequentes do presente trabalho, a Lei

9.099 de 1995 aprimorou o ordenamento e proporcionou maior acesso à justiça, ao

torná-la mais célere e menos onerosa, estimulando a conciliação e transação judicial

entre as partes.

3.2 PRINCÍPIO NORTEADORES

Como se sabe, os princípios são elementos norteadores de todo o

ordenamento jurídico, funcionando como verdadeira fonte do direito. Quando da

elaboração da Lei 9.099 de 1995, o legislador infraconstitucional cuidou de

estabelecer princípios próprios do sistema dos Juizados Especiais, que seriam, como

de fato são, responsáveis pela sua sustentabilidade e funcionalidade.

Sem prejuízo dos princípios intrínsecos ao sistema dos Juizados Especiais, a

Lei 9.099 de 1995, estabelece, em seu artigo 2º, que “o processo orientar-se-á pelos

critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,

buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”54.

É de ver que, nos Juizados Especiais, o processo conta com princípios

informativos que lhe são muito próprios. Ao estabelecer tais princípios como

orientadores para a aplicação e interpretação da Lei 9.099/95, o legislador mitigou o

formalismo da Justiça Comum, lançando as bases para o amplo acesso ao Judiciário.

Nos dizeres de Eduardo Sodré:

Tais postulados têm papel fundamental, pois se prestam não apenas a aclarar a interpretação dos dispositivos legais aplicáveis à espécie e permitir a integração do direito objetivo, mas também servem como verdadeiro norte para alterações legislativas futuras.55

Daí advém a importância dos princípios norteadores da Lei 9.099 de 1995: em

caso de lacuna da lei ou colisão de princípios, caberá ao aplicador do direito a

observância estrita dos critérios informativos ali positivados.

3.2.1 Oralidade

54 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 04 mar 2018. 55 SODRÉ, Eduardo. Juizados Especiais Cíveis – Processo de Conhecimento. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

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O princípio da oralidade, além de estar expressamente previsto na Lei 9.099 de

1995 como critério de observância obrigatória no procedimento dos Juizados

Especiais, tem matriz constitucional, na medida em que o inciso I do artigo 98 da Carta

Maior preconiza que o processo, nos Juizados, será impulsionado “mediante os

procedimentos oral e sumaríssimo”56.

Como desdobramento dos princípios da celeridade e economia processual, o

princípio da oralidade determina que, no procedimento dos Juizados Especiais, deve

preponderar a forma oral, de modo que somente os atos essenciais devem ser

registrados por escrito57.

São muitas as situações em que há predominância da oralidade no rito dos

Juizados Especiais. Da simples leitura da Lei 9.099 de 1995, tem-se que o pedido

inicial, a contestação, eventual pedido contraposto e mesmo o início da execução

podem ser realizados pela forma oral. Ademais, o artigo 38 do referido diploma legal

prevê a possibilidade de outorga verbal de procuração ao advogado.

É possível observar, portanto, que o princípio da oralidade fora não só

idealizado como critério norteador do procedimento dos Juizados, como a própria Lei

que o regulamenta lhe conferiu aspectos práticos de grande relevância para que se

garanta a efetividade do sistema.

Tanto é assim que a doutrina majoritária afirma que, do princípio da oralidade,

decorrem dois importantes subprincípios: o da imediatidade e o da concentração dos

atos. Neste sentido, Reinaldo Filho assim afirma:

O procedimento do Juizado Especial constitui a verdadeira essência do processo oral sustentado por Chiovenda, assinalado naquelas outras facetas que lhe completam realmente a nota de utilidade: a concentração dos atos processuais, a imediatidade do julgador no contato com os fatos e as provas e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias. A oralidade do procedimento, no seu aspecto da concentração dos atos processuais, traduz-se numa dinâmica em que todos os atos de instrução praticam-se de uma só vez, ou em lapso de tempo o mais breve possível.58

56 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 57 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 04 mar 2018 58 REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Lei n. 9.099/1995 – Juizados especiais. Recife: Bagaço, 1996, p. 36.

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O princípio da imediatidade, intimamente ligado com o da identidade física do

juiz consagrado constitucionalmente, impõe ao magistrado sua presença quando da

produção da prova oral, de forma que lhe seja possível o contato direto com os sujeitos

do processo. A proximidade que se busca entre o julgador e as partes visa facilitar a

composição amigável, estimulando a conciliação, além de proporcionar um

convencimento mais rápido do magistrado, de modo a propiciar uma tutela

jurisdicional mais célere e justa.

O princípio da concentração dos atos, por sua vez, pressupõe que os atos

processuais devem ser realizados em uma única audiência, de modo que se privilegie

a uniformidade das declarações e a celeridade processual.

Numa análise macro, vê-se que o princípio da oralidade sintetiza todos os

demais princípios que regem o sistema dos Juizados Especiais.

Com referência aos princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, são eles decorrentes do próprio texto constitucional, que exige no início do inciso I do art. 98 da Lei Maior, que se observe nos Juizados Especiais a oralidade em grau máximo donde surge o procedimento verdadeiramente sumaríssimo. O que estamos a dizer é que o procedimento da Lei dos Juizados Especiais é mais flexível dos que os delineados do processo civil tradicional, justamente porque seus contornos estão definidos originariamente na Constituição Federal, que, por sua vez, determina a observância do princípio da oralidade, do qual decorrem todos os demais subprincípios inclusive os da informalidade e simplicidade.59

3.2.2 Simplicidade

O princípio da simplicidade está previsto na Lei 9.099 de 1995 e, em linhas

gerais, preconiza que o procedimento dos Juizados Especiais deve ser tão simples

quanto possível. Significa dizer que, visando desburocratizar o processo e promover

sua maior celeridade, o procedimento especial deve ser descomplicado, simplificado

o seu trâmite.

Nas palavras de Reinaldo Filho:

A simplicidade procedimental, elevada à categoria de princípio informativo do processo especial, está ligada à noção da rapidez na solução dos conflitos, depende de que o processo seja simples no seu tramitar, despido de exigência nos seus atos e termos, com a supressão de quaisquer fórmulas

59 TOURINHO NETO, Fernando da Costa e FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados especiais cíveis e criminais: comentários à lei 9099/95. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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obsoletas, complicadas ou inúteis. A simplicidade dos atos e termos é, realmente, uma constante em todo o processo especial.60

Com a adoção de mecanismos simplificados, o legislador visou, uma vez mais,

a concretização da almejada celeridade do processo. Aqui, é de observar que, em se

tratando de demandas de menor grau de complexidade, muitas das quais sequer

requerem instrução probatória, o emprego de um procedimento mais simples para

uma solução mais ágil traz benefícios inquestionáveis.

No entanto, conforme falaremos posteriormente neste trabalho, a simplicidade

adotada pelos Juizados Especiais acabou por mitigar princípios constitucionais de

observância obrigatória, tais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla

defesa.

3.2.3 Informalidade

Na tentativa de estabelecer um contraponto ao formalismo do Código de

Processo Civil, a Lei 9.099 de 1995 estabeleceu a informalidade como princípio

norteador dos Juizados Especiais.

Na busca da relativização das formalidades procedimentais, o artigo 13 do

referido diploma legal dispõe que “os atos processuais serão válidos sempre que

preencherem as finalidades para os quais forem realizados”61. Com isso, o legislador

infraconstitucional afirma que o processo, nos Juizados Especiais, deve adotar

mecanismos que simplifiquem sua tramitação.

Possuindo íntima ligação com o princípio da simplicidade, o princípio da

informalidade, portanto, determina que os atos processuais devem ser praticados com

o mínimo de formalidade possível. Ao fazê-lo, porém, não se pode desprezar

eventuais formalidades que sejam inerentes ao ato, sob pena de nulidade.

Como se sabe, a forma do procedimento tem vital importância para a

efetividade do processo. No entanto, mais uma vez visando contemplar a celeridade

60 REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Lei n. 9.099/1995 – Juizados especiais. Recife: Bagaço, 1996, p. 37. 61 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 04 mar 2018

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processual, o legislador visou evitar o culto das formas, de modo a simplificar o

procedimento e facilitar a tutela jurisdicional.

São muitas as manifestações da informalidade na Lei dos Juizados Especiais,

tais como: a produção de prova unicamente em audiência; o comparecimento

espontâneo das testemunhas; a dispensa do relatório da sentença; a concisão das

decisões; a dispensa da contestação a eventual pedido contraposto etc.

3.2.4 Economia Processual

O princípio da economia processual, também positivado na Lei 9.099 de 1995

como critério norteador do procedimento especial, busca, em linhas gerais, a

efetividade dos atos processuais. Ao determinar que devemos buscar o melhor

resultado do processo com a utilização do menor esforço possível do Judiciário, o

legislador relativiza a política de nulidades, de modo a se tentar manter, ao máximo,

os atos processuais já praticados.62

O máximo aproveitamento dos atos processuais preconizado pela Lei dos

Juizados Especiais decorre, sobretudo, da existência do jus postulandi. Como se

sabe, é permitido a qualquer cidadão litigar nos Juizados desassistido de profissional

da área em causas que não excedam o valor correspondente a vinte salários mínimos.

Ao conferir ao leigo capacidade postulatória, a Lei estabelece que o julgador deve

aproveitar qualquer ato que não cause prejuízo à atividade jurisdicional.

Para a concretização do princípio da economia processual, a Lei adota

instrumentos que possibilitam a solução rápida do litigio com a menor onerosidade

possível. Grandes exemplos desta política são o forte estímulo à conciliação

promovido pela Lei 9.099 de 1995, e a gratuidade do processo em primeiro grau de

jurisdição.

Em que pese oportunize a otimização e a racionalização dos procedimentos,

objetivando a efetividade dos Juizados Especiais, o princípio da economia processual,

quando observado estritamente, fere o devido processo legal, o que será tratado no

capítulo subsequente.

62 CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública: uma abordagem crítica. Ed 6. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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3.2.5 Celeridade

O princípio da celeridade, além de contar com previsão na Carta Magna ao

assegurar a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da

sua tramitação (art. 5º, LXXVIII), também restou positivado expressamente na Lei

9.099 de 1995, tendo como objetivo maior possibilitar a dinamização da prestação

jurisdicional nos Juizados Especiais.

Diante da menor complexidade das causas submetida ao rito dos Juizados

Especiais, o legislador infraconstitucional viu a necessidade (e oportunidade) de

rapidez e agilidade do processo, com o fim de buscar a prestação jurisdicional no

menor tempo possível. Para tanto, criou-se diversos mecanismos que possibilitam que

o procedimento especial, já que mais simples, se torne mais célere e efetivo.

Por força deste princípio, por exemplo, proibiu-se a intervenção de terceiros

nos Juizados Especiais. Além disso, a Fazenda Pública não conta com prazos

diferenciados e não se aplica a contagem em dias úteis dos prazos processuais.

Há, porém, um grande questionamento acerca do equilíbrio, frente à

sistemática adotada pelos Juizados Especiais, de dois valores igualmente relevantes:

celeridade e justiça. Afinal de contas, se, de um lado, um processo excessivamente

demorado não é capaz de produzir resultados justos, de outro, um processo célere

em demasia dificilmente será capaz de alcançar a justiça da tutela jurisdicional.63

3.3 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS RELEVANTES

Como afirmado no item antecedente, os Juizados Especiais Cíveis são

competentes para julgar causas cíveis de menor complexidade, cujo valor não

ultrapasse o valor equivalente a quarenta salários mínimos.

Existem, porém, peculiaridades procedimentais adotadas pela Lei 9.099 de

1995 que são extremamente relevantes para o presente trabalho. Vejamos.

3.3.1 Jus postulandi

63 CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública: uma abordagem crítica. Ed 6. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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Entende-se como jus postulandi a capacidade que se faculta a alguém de

postular as suas pretensões perante as instâncias judiciárias. No Brasil,

a Constituição Federal, em seu artigo 133, afirma a indispensabilidade e

essencialidade do advogado, enquanto peça fundamental para a promoção da justiça.

Há, todavia, exceções no ordenamento pátrio, havendo casos em que se admite à

parte o direito de postular em juízo.

Sendo a facilitação do acesso à justiça a ideia central dos juizados especiais, a

Lei 9,099 de 1995, em seu artigo 9º, estabeleceu que “nas causas de valor até vinte

salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por

advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”64.

Nos Juizados Especiais, portanto, a capacidade postulatória que, em regra, é

privativa do advogado, é mitigada, de forma a permitir que, nas demandas cujo valor

não exceda vinte salários mínimos, a parte poderá provocar a jurisdição diretamente,

sendo facultativa a contratação de advogado.

O jus postulandi, nos Juizados Especiais, é praticado mediante o

comparecimento do interessado, pessoalmente, no Fórum da comarca, munido de

documentos pessoais (RG e CPF) e comprovante de residência, além das

informações do réu (CPF ou CNPJ e endereço). Na oportunidade, o autor pode levar

o pedido já redigido ou contar o caso, oralmente, a um funcionário, quando receberá

o número do processo e a data da audiência.

3.3.2 Meios de provas admitidos

Em que pese o artigo 32 da Lei 9.099 de 1995 preveja que são admitidos, nos

Juizados Especiais, todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não

especificados em lei, certo se faz que, em nome da celeridade e simplicidade

preconizados pela legislação especial, o sistema dos juizados especiais é

incompatível com a produção de provas complexas.

64 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 03 mar 2018.

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Diante disso, entende-se que a prova pericial, nos moldes preconizados pelo

Código de Processo Civil, não é admissível na esfera dos Juizados Especiais, uma

vez que não coaduna com seus princípios norteadores. No entanto, não se pode dizer

que não cabe prova técnica no âmbito dos Juizados Especiais.

O artigo 35 da Lei 9.099 de 1995 prevê que, quando a prova do fato exigir, o

Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de

parecer técnico. Corroborando esse entendimento, afirma Humberto Theodoro Júnior: A prova técnica é admissível no Juizado Especial, quando o exame do fato controvertido a exigir. Não assumirá, porém, a forma de uma perícia, nos moldes habituais do Código de Processo Civil. O perito escolhido pelo Juiz será convocado para a audiência, onde prestará as informações solicitadas pelo instrutor da causa (art. 35, caput). Se não for possível solucionar a lide à base de simples esclarecimentos do técnico em audiência, a causa deverá ser considerada complexa. O feito será encerrado no âmbito do Juizado Especial, sem julgamento do mérito, e as partes serão remetidas à justiça comum. Isto porque os Juizados Especiais, por mandamento constitucional, são destinados apenas a compor 'causas cíveis de menor complexidade’.65

Ademais, tendo em vista que, nos termos do artigo 33 da Lei 9.099 de 1995,

todas as provas devem ser produzidas na audiência de instrução e julgamento,

cumpre ao magistrado, observando o binômio simplicidade-celeridade, limitar ou

excluir provas que porventura considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.

Em se tratando de procedimento eminentemente oral, poderá ser colhido o

depoimento das partes, podendo, cada uma delas, arrolar três testemunhas, cujo

comparecimento será espontâneo. Havendo necessidade de intimação das

testemunhas, caberá à parte depositar o rol com nomes, qualificações e endereços,

em até cinco dias antes da audiência.

3.3.3 Citação e intimações

A citação é o ato processual de comunicação ao réu ou interessado de que em

face dele foi proposta uma demanda. Efetivada a citação, ambos as partes estão

vinculados à prática dos atos processuais, estando sujeitos ao seu resultado.

65 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 31ª ed. v. III. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 436.

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No âmbito dos Juizados Especiais, a citação é realizada por carta com aviso

de recebimento ou por oficial de justiça, sendo admissível a expedição de carta

precatória em casos de reconhecida necessidade.

Na contramão do quanto preconizado pelo Código de Processo Civil, porém, a

Lei 9,099 de 1995 não exige que a citação do réu seja pessoal. Para a eficácia do ato,

basta que o carteiro entregue a carta citatória a alguém que resida no local e conheça

a parte citada, procedendo à assinatura do aviso de recebimento.

As intimações no curso do processo, por sua vez, que tem por finalidade

provocar a parte a realizar ato que lhe caiba, podem ser realizadas por qualquer meio

idôneo de comunicação, nos termos do artigo 19 da Lei 9,099 de 1995.

3.3.4 Meios de impugnação e a irrecorribilidade de decisões interlocutórias

Analisando-se detidamente os princípios norteadores dos Juizados Especiais e

o regramento contido na Lei 9.099 de 1995, tem-se que houve uma redução

significativa dos instrumentos de impugnação às decisões judiciais no âmbito dos

Juizados.

No primeiro grau de jurisdição, a Lei prevê apenas a possibilidade de dois

recursos ordinários: o recurso de sentença para o próprio juizado previsto no seu

artigo 41, conhecido pela doutrina como recurso inominado, e os embargos de

declaração, previstos em seu artigo 48.

No segundo grau de jurisdição, caberá a interposição de embargos

declaratórios e de Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, quando

esgotada a instância ordinária e a matéria de direito controvertida versar sobre alguma

das hipóteses previstas no art. 102, III, da Constituição Federal.

Assim sendo, resta patente que a Lei 9.099 de 1995 consagrou a

irrecorribilidade das decisões interlocutórias, de modo que, nos casos por ela

abrangidos, não cabe aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ou do recurso

ao mandado de segurança. A irrecorribilidade é justificável, pois visa assegurar a

rápida solução do litígio, sem a interrupção da marcha processual.

A Lei estabelece, portanto, que serão decididos de plano os incidentes que

interfiram no prosseguimento. Tudo o mais, o será no momento da sentença. Não é

possível agravo dessas decisões, mas a matéria poderá ser apreciada na sentença

ou em eventual recurso.

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3.3.4 Audiências

Em que pese algumas varas, em nome da celeridade, realizem audiências

unas, a regra geral, nos Juizados Especiais Cíveis, é de que haverá duas assentadas:

a de conciliação e, posteriormente, a de instrução e julgamento.

A sessão de conciliação é conduzida por juiz de direito ou conciliador, que

questionará sobre eventual proposta de acordo, com esclarecimento às partes sobre

as vantagens da resolução consensual da lide. Se a conciliação for positiva, o acordo

realizado é reduzido a termo e homologado pelo juiz togado, mediante sentença. O

juiz pode recusar aprovação ao acordo se constatar a existência de grave prejuízo a

qualquer das partes.

Ressalte-se, porque importante, que os conciliadores exercem fundamental

papel nos juizados especiais, ao atuarem como primeiros julgadores da demanda:

examinam previamente o pedido, reúnem-se com as partes e, se possível, alcançam

a conciliação.

Caso negativa a tentativa de conciliação, designa-se audiência de instrução e

julgamento, na qual ocorrerá a produção dos meios de provas cabíveis na espécie.

A sessão de instrução é conduzida por juiz de direito ou por juiz leigo, a quem

caberá ouvir as partes, receber as provas e decidir sobre os incidentes que interfiram

no prosseguimento regular da audiência, como dispõem os artigos 28 e 29 da Lei

9.099 de 1995.

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4. A (IN)OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCEDIMENTO DA LEI 9.099 DE 1995.

Desde a introdução dos Juizados Especiais na realidade jurídica do Brasil,

indaga-se se um procedimento simples e célere de fazer justiça conflita com os

ditames da Constituição Federal. Se, de um lado, temos que os atos processuais

devem primar pela ciência bilateral das partes e pela possibilidade de tais atos serem

contrariados com alegações e provas; de outro, os mesmos atos devem primar pela

rapidez e efetividade, de forma a mitigar a morosidade atribuída ao Poder Judiciário

desde os primórdios.

Na busca incessante da justiça, questiona-se: os Juizados Especiais, ao

observarem os princípios estabelecidos pela Lei 9.099 de 1995 como norteadores de

sua aplicação e procedimento, observam os ditames constitucionais do devido

processo legal?

4.1 EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Em que pese não se possa confundir eficácia e aplicabilidade das normas

constitucionais, é certo que eficácia é gênero do qual aplicabilidade é espécie. Nas

palavras de José Afonso da Silva:

...eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados sob prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade. Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim, como possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos.66

Assim sendo, se eficácia é a possibilidade de a norma produzir, efetiva ou

potencialmente, os seus efeitos; e se a aplicabilidade se confunde com a eficácia

jurídica, já que diz respeito à potencialidade de produzir resultados; tem-se que todas

as normas constitucionais são eficazes e, portanto, aplicáveis.67

66 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 04.

67 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 127.

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Todas as normas constitucionais têm, portanto, eficácia – ou seja, têm aptidão

para gerar efeitos. Em se tratando de normas constitucionais, sua implementação terá

o condão não apenas de revogar normas anteriores que com ela sejam incompatíveis,

mas também de impedir o ingresso no ordenamento jurídico de quaisquer normas que

com ela colidam.

José Afonso da Silva, ao trazer a noção de princípio, preleciona que:

Não há norma de valor meramente moral ou de conselho, avisos ou lições, já dissera Ruy, consoante mostramos em outro lugar. Todo princípio inserto numa Constituição rígida adquire dimensão jurídica, mesmo aqueles de caráter mais acentuadamente ideológico-programático, como a declaração do art. 170 da Constituição [...]. Temos que partir, aqui, daquela premissa já tantas vezes enunciada: não há norma constitucional destituída de eficácia. Todas elas irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma inovação da ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da constituição a que aderem e a nova ordenação instaurada. O que se pode admitir é que a eficácia de certas normas constitucionais não se manifesta na plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte enquanto não se emitir uma normação jurídica ordinária ou complementar executória, revista ou requerida.68

No que tange à classificação das normas quanto à sua eficácia, a mais adotada,

inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, é a estabelecida pelo doutrinador José

Afonso da Silva69, que as subdivide em normas constitucionais de eficácia plena,

contida ou limitada.

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas imediatamente

aplicáveis, ou seja, que, quando entram em vigor, estão aptas a produzir todos os

seus efeitos, independentemente de norma integrativa infraconstitucional.

As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que, apesar de

produzires seus efeitos desde logo, independentemente de regulamentação, podem,

por expressa disposição constitucional, ter sua eficácia restringida por outras normas,

sejam constitucionais ou infraconstitucionais.

As normas constitucionais de eficácia limitada, por sua vez, são aquelas que

dependem de regulamentação e integração por meio de normas infraconstitucionais.

Não é dizer, porém, que elas não têm eficácia. Apesar de, a princípio, não serem

dotadas de eficácia social (ou seja, aplicável de logo ao caso concreto), detêm eficácia

jurídica desde a sua gênese, de modo que poderão vir a revogar eventuais normas

68 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 81. 69 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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colidentes, ou impedir o ingresso no ordenamento de normas incompatíveis com seus

preceitos.

É dizer: em maior ou menor grau, todas as normas constitucionais, sejam

regras ou princípios, têm eficácia e aplicabilidade prática, devendo ser aplicadas e

observadas pelo legislador infraconstitucional, bem assim pelos aplicadores do direito.

4.1.1 Força normativa dos princípios constitucionais

Conforme explicitado no segundo capítulo do presente trabalho, o Direito

contemporâneo compreende a Constituição como um sistema aberto de princípios e

regras, permeada de valores jurídicos suprapositivos, no qual os direitos fundamentais

e o ideal de justiça desempenham um papel central.

A Constituição Federal brasileira dispõe, portanto, de uma série de princípios,

alguns expressos por dicção legislativa (princípios explícitos) e outros decorrentes da

lógica do sistema (princípios implícitos).

Muito já se questionou acerca da força normativa dos princípios constitucionais,

sendo, hoje, matéria já superada. Afinal, os princípios jurídicos esculpidos

constitucionalmente possuem indubitável função interpretativa e diretiva, funcionando,

de um lado, como norma constitucional (eficaz, válida e aplicável), e, de outro, como

verdadeira fonte do direito.

É dizer: além de influenciarem na interpretação da legislação

infraconstitucional, são verdadeiras normas magnas, cuja força normativa é

incontroversa.

Em se tratando de normas de alta carga valorativa, o grande problema da

atribuição de força normativa aos princípios reside na sua aplicação ao caso concreto.

O julgamento pautado em normas essencialmente genéricas é, afinal, um campo

propício para que os magistrados se desviem de sua função primordial, que é a de

aplicação das normas jurídicas, para atuarem como verdadeiros legisladores,

invadindo a esfera de competência do Poder Legislativo.

Imperioso, portanto, que, ao desempenhar suas funções, o Judiciário adote

como premissa o atendimento aos anseios sociais, através da aplicação das normas

jurídicas, como base para a formação de uma sociedade justa. Neste sentido, pondera

Sergio Cavalieri Filho:

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A criação do direito não é obra exclusiva do legislador, como comumente se pensa e se ensina, mas também, e principalmente, do jurista, do magistrado, do advogado, enfim, de todos os operadores do direito. O que o legislador faz é criar a lei, mas o direito é muito maior que a lei. Mário Moacyr Porto já dizia que a lei não esgota o direito assim como a partitura não esgota a música. A boa ou má execução da música dependerá da virtuosidade do intérprete. O mesmo ocorre no mundo jurídico; não basta conhecer bem a lei para fazer justa aplicação do direito porque a justiça nem sempre estará na lei. O mau operador do direito-advogado ou juiz- transforma uma lei boa em má, ao passo que o bom operador é capaz de dar boa aplicação até a uma lei ruim. Rosah Russomano, em suas Lições de Direito Constitucional (1970, p.302), diz que “norma jurídica tornar-se-á boa ou má, produtiva ou prejudicial, elogiável ou iníqua, não tanto pelo seu conteúdo específico, porém antes e acima de tudo pela própria interpretação que o magistrado lhe imprimir”. E interpretar, pondero, é criar uma concordância aceitável entre o caso concreto e a justiça.70

Aos princípios, portanto, por não preverem situações concretas, não se aplica

a regra do tudo ou nada. Um princípio pode prevalecer sobre outro na resolução de

um caso concreto quando estes estejam colidindo e, numa outra circunstância, pode

ter sua aplicabilidade minorada, ante a aplicação de outro princípio. Vejamos.

4.1.2 Colisão e ponderação de princípios

Sabe-se que o sistema jurídico é baseado em dois tipos de normas jurídicas:

regras e princípios. Não se pode falar em colisão entre regras e princípios, na medida

em que este último representa um norteador da aplicação da regra, de modo a orientar

o caminho que o aplicador do direito deve seguir. Desta forma, a relação existente ali

é de complementaridade.

No entanto, o embate entre princípio é não somente possível, como

extremamente comum quando da aplicação do direito no caso concreto. Desse modo,

questiona-se: em não havendo hierarquia entre princípios, como solucionar eventual

conflito entre eles?

Canotilho, afirmando não ser o caso de aplicação do “tudo ou nada” proposto

por Ronald Dworkin, afirma que devemos atribuir peso aos princípios:

A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a conseqüente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo

70 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Direito, Justiça e Sociedade. In Revista da EMERJ. Rio de Janeiro: V.5., n.º 18., 2002, p. 58.

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entre os vários princípios e a necessidade [...] de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma “lógica do tudo ou nada”, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu “peso” e as circunstâncias do caso.71

A respeito do tema, Robert Alexy define que a solução, em caso de colisão de

princípios, é a ponderação:

Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão alta quanto possível relativamente a possibilidades fáticas ou jurídicas. Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização. Como tais, eles podem ser preenchidos em graus diferentes. A medida ordenada do cumprimento depende não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas. Estas são, além de regras, determinadas essencialmente por princípios em sentido contrário. As colisões de direitos fundamentais supra descritas devem, segundo a teoria dos princípios, ser designadas como colisões de princípios. O procedimento para a solução de colisão de princípios é a ponderação. Princípios e ponderação são dois lados do mesmo objeto. Um é o tipo teórico normativo, o outro, metodológico. Quem efetua ponderações no direito pressupõe que as normas, entre as quais é ponderado, têm a estrutura de princípios e quem classifica normas como princípios deve chegar a ponderações. O litígio sobre a teoria dos princípios é, com isso, essencialmente um litígio sobre ponderação.72

Da leitura da obra de Alexy, tem-se que uma das maiores inovações trazidas

pela sua teoria é a concepção de princípios como comandos de otimização, permitindo

que sua aplicação possa ser pensada em graus. É dizer: os princípios podem ser

aplicados em maior ou menor grau, dependendo da situação concreta que se

apresenta. É essa característica aberta dos princípios que não lhe permitem a

utilização dos métodos clássicos de resolução de conflitos. Diferente das regras, não

há validade ou invalidade de princípio.

Diante da relatividade na aplicação dos princípios e do seu alto grau de

abstração, portanto, define-se que, em caso de colisão perante o caso concreto,

verificar-se-ia qual teria maior peso e deveria se sobressair em relação ao outro.

Concebeu-se, pois, a teoria da ponderação, emergindo a proporcionalidade como uma

tentativa de garantir a racionalidade desse procedimento.

Neste sentido, aponta Luís Roberto Barroso:

Pois bem: nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos

71 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1182. 72 ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo; trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 64.

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elementos em disputa, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas - e a solução por ele indicada - deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo este processo tem como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade.73

A ponderação de princípios consiste na técnica em que se considera, diante do

caso concreto, o peso de cada princípio, de forma a se privilegiar um em detrimento

do outro. Aqui, a solução do impasse reside na ponderação de interesses, com a

adoção do princípio da proporcionalidade e suas máximas parciais (conformação-

adequação de meios, necessidade-exigibilidade e proporcionalidade em sentido

estrito).

Identificando-se, portanto, os enunciados normativos em tensão, ao aplicador

do direito caberá a aplicação da ponderação no caso concreto.

A adequação impõe o meio a ser escolhido pelo intérprete deve ser adequado,

capaz de atingir o fim proposto. Entre dois ou mais meios adequados, deverá o

intérprete observar a necessidade, de modo que adote o método mais necessário, que

intervenha de modo menos intenso nos direitos das partes. A proporcionalidade em

sentido estrito, por sua vez, expressa a máxima otimização entre dois princípios

colidentes, assim, quanto maior for o grau de não satisfação ou de afetação de um

princípio, tanto maior será a sua importância para a satisfação de outro.

Muitos doutrinadores, tais como Wálber Araújo Carneiro, identificam a

proporcionalidade em sentido estrito como sinônimo de sopesamento. Desta forma,

estabelecem que este sopesamento perpassa por três etapas: a avaliação do grau de

não satisfação ou não afetação de um dos princípios colidentes; a avaliação da

importância da satisfação do princípio colidente; e, por fim, a avaliação se a

importância de satisfação do princípio colidente justifica a afetação ou não satisfação

de outro princípio.74

Na ponderação proposta por Alexy, portanto, aparecem as máximas da

proporcionalidade em sentido estrito, adequação e necessidade, sendo esse processo

73 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 360.

74 CARNEIRO, Wálber Araujo. Hermenêutica jurídica heterorreflexiva: uma teoria dialógica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

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sustentado por uma teoria argumentativa que é proposta pelo autor, a fim de desvelar

as reais intenções do intérprete ao definir o peso de cada princípio, na busca pela sua

harmonização.

Decerto, quando os princípios constitucionais se encontrarem, no caso

concreto, em efetiva colisão, o princípio da proporcionalidade assume a condição de

instrumento de ativação da ponderação, informando – pelo sopesamento – qual deles

deve ser aplicado. Desta forma, se privilegiará um em detrimento do outro, que vai

ser, para aquele caso específico, minimizado. Importante, porém, que se busque

evitar que um deles se perca por completo no confronto.

No campo prático, porém, há ainda muita dificuldade entre os operadores do

direito em fixar o peso de cada interesse que se revela em conflito.

4.1.3 Devido processo legal e celeridade processual nos Juizados Especiais

Curiosa e de relevantíssima importância para o presente trabalho, é a

ponderação que se faz necessária, no âmbito dos Juizados Especiais, entre os

princípios corolários do devido processo legal e a celeridade processual defendida

pela Lei 9.099 de 1995.

Sabe-se que os princípios do contraditórios, da igualdade e da ampla defesa

constituem a própria natureza de um Estado Democrático de Direito.

É dizer: o que confere legitimidade ao exercício do poder jurisdicional é a

participação das partes no processo, não havendo como ter uma decisão legítima sem

se oportunizar àqueles que são atingidos por seus efeitos a adequada oportunidade

de participar da lide.75

Em contrapartida, a Lei 9.099 de 1995, que estabeleceu os Juizados Especiais

Estaduais, tem como princípio norteador, entre outros, o da celeridade processual. Já

tendo a Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelecido como direito fundamental

a duração razoável do processo, a lei ordinária supramencionada veio para aproximar

o judiciário do cidadão e oferecer, de uma vez por todas, a solução das controvérsias

de forma rápida, informal e desburocratizada.

75 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 311.

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Ocorre que, quando da análise dos desdobramentos práticos dessa

ponderação, surge a dicotomia entre o que se tem por processo justo e o processo

legal.

Questionando-se acerca da procura da justiça social e célere frente às

garantias processuais e constitucionais, Aroldo Plínio Gonçalves leciona que:

A preocupação com o rápido andamento do processo, com a superação do estigma da morosidade da Justiça que prejudica o próprio direito de acesso ao Judiciário, porque esse direito é também o direito à resposta do Estado ao jurisdicionado, é compartilhada hoje em dia por toda a doutrina do Direito Processual Civil. As propostas de novas categorias e de novas vias que abreviem o momento da decisão são particularmente voltadas para a economia e a celeridade como predicados essenciais da decisão justa. Sobretudo quando a natureza dos interesses em jogo exige que os ritos sejam simplificados. Contudo, a economia e a celeridade do processo não são incompatíveis com as garantias das partes, e a garantia constitucional do contraditório não permite que seja ele violado em nome do rápido andamento do processo. A decisão não se qualifica como justa apenas pelo critério da rapidez, e se a justiça não se apresentar no processo não poderá se apresentar, também, na sentença.76

E a preocupação do doutrinador é deveras legítima. Em que pese a criação dos

Juizados Especiais tenha como principal vetor a realização de uma justiça rápida e

efetiva, a verdade é que é inaceitável suprimir o devido processo legal a fim de

resolver a morosidade judiciária, como ocorre nos Juizados Especiais, ao disporem

da celeridade processual como garantia fundamental.

É exigência de justiça a necessidade de participação das partes na decisão a

ser formada. E são os princípios do contraditório e da ampla defesa que asseguram

às partes a total paridade de condições no processo, bem assim a plenitude de sua

defesa.

Não basta somente a busca pela efetividade e celeridade processual, sem que

se permito um processo em contraditório, que proporcione aos seus interessados uma

participação efetiva na formação do provimento final.

No entanto, invocando as premissas estabelecidas como fundamentais pela Lei

9.099 de 1995, a verdade é que os aplicadores do direito, no âmbito dos Juizados

Especiais, relativizam sobremaneira o contraditório e a ampla defesa, incorrendo em

patentes ilegalidade.

76 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 125.

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O rito dos juizados, como qualquer procedimento, deve observar os direitos

constitucionais das partes e primar pela isenção de julgamento e garantias efetivas na

prática conciliatória. A celeridade pretendida com os juizados precisa estar de acordo

com a preservação dos direitos fundamentais provenientes do devido processo legal,

sendo que os variados princípios aplicados aos juizados devem ser balanceados e

harmonizados.

Mesmo que, em determinadas situações, o princípio do contraditório tenha que

ser relativizado ou harmonizado com outros mandamentos, tal como a celeridade

processual, deve-se buscar amplamente a realização do contraditório e participação

das partes nos Juizados Especiais. Se não se pode, de um lado, em nome da ampla

defesa, pretender tornar o processo um círculo vicioso que nunca acaba; de outro,

não se pode deixar de oportunizar a realização sequência dos atos essenciais, a fim

de, sem desviar-se do escopo do processo, efetivar-se a jurisdição.

4.2 A SUMARIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DOS JUIZADOS E A VIOLAÇÃO DE

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Conforme amplamente debatido no tópico 3.2 do presente trabalho, a Lei 9.099

de 1995 estabeleceu como princípios norteadores dos juizados especiais a oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. De fato, tais

premissas revelam-se fundamentais para a realização dos fins a que se destinam os

juizados. No entanto, não devem, jamais, ser absolutas, sobretudo quando

ponderadas com princípios constitucionais.

Não é assim, porém, que acontece na justiça brasileira.

Na prática, o que ocorre é que a supervalorização de princípios meramente

informativos do processo sumariza os atos jurídicos nos Juizados Especiais e mitigam

garantias constitucionais fundamentais, gerando instabilidade processual ao deixar de

observar o modelo constitucional de processo.

Vejamos.

4.2.1 O jus postulandi e a ausência de defesa técnica nos juizados especiais cíveis

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Conforme debatido no item 3.3.1 do presente trabalho, nos juizados especiais

brasileiros, é facultado à parte ingressar em juízo sem o auxílio de advogado, caso o

valor da causa não ultrapasse vinte salários mínimos.

Apesar de louvável o fato de a Lei 9.099 de 1995 privilegiar a classe menos

favorecida, é de ver que não se trata (ou não deveria se tratar) apenas de possibilitar

o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem

jurídica justa. E isto não tem ocorrido no âmbito nos juizados especiais.

A Lei 8.906 de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos

Advogados do Brasil afirma, logo em seu primeiro artigo, que a postulação em

qualquer órgão do poder judiciário é atividade privativa da advocacia:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais.77

Apesar de parecer corporativista, o dispositivo supramencionado é garantidor

de justiça, pois o advogado é figura indispensável à sua administração. Ora, como

uma pessoa leiga, cujos direitos desconhece, pode realizar algum pedido perante o

juízo?

No entanto, grande parte da doutrina defende que, desde a entrada em vigor

da Lei 9.099 de 1995, a parte final do inciso I do art. 1º do Estatuto da OAB estaria

derrogado, já que a Lei dos Juizados Especiais é mais recente.

A fim de que já não pairasse qualquer controvérsia sobre a questão, o Supremo

Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a ADIN nº 1.127-98, ajuizada pela

Associação dos Magistrados Brasileiros, tendo declarado a inconstitucionalidade da

expressão “qualquer” contida no referido dispositivo, haja vista que há

dispensabilidade dos advogados em alguns órgãos jurisdicionais – dentre eles, os

juizados.

No entanto, entendemos que a facilitação do acesso à justiça não corrobora

com a dispensabilidade do advogado, sobretudo porque a verdade é que a ausência

de defesa técnica importa em flagrante violação ao devido processo legal instituído

constitucionalmente. A este respeito, leciona Rosemiro Pereira Leal:

77 BRASIL. Lei 8.906 (1994). Lei que Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 jul 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8906.htm. Acesso em: 13 ago 2018.

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Quando se estabelece um procedimento que limita a possibilidade de defesa para as pequenas causas, na verdade, o que ocorre é a negação da importância das mesmas. Não pode ser admitido que apenas pelo pequeno valor econômico da causa, ela seja julgada sem a devida aplicação do processo com todas as garantias fundamentais a ele inerentes. A prevalecer o entendimento de que nos Juizados Especiais é vedada a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, CR/88) em toda a inteireza constitucional, transformam-se os tribunais Superiores e o STF em Tribunais de Exceção destinados ao julgamento de causas de grande potencial econômico, a critério e arbítrio de seus juízes, com a suspensão do requisito do juízo natural que é instrumento imprescindível da processualidade nas democracias.78

Para o cidadão menos favorecido economicamente, a faculdade criada pela Lei

9.099 de 1995, em princípio, pode ser considerada como uma facilidade de acesso ao

judiciário. Contudo, este mesmo cidadão, ao se deparar em uma audiência em que a

parte contrária esteja representada por um advogado, terá a isonomia violada.

Desta forma, a fim de proporcionar o real acesso da população em geral a um

Judiciário justo, deveria o Estado fortalecer as Defensorias Públicas, cuja função é

representar judicialmente aqueles que não possuem condições para custear um

advogado. Instalando-as efetivamente nos Juizados Especiais, as diferenças serão

reduzidas e o devido processo legal finalmente respeitado.

4.2.2 A falácia das conciliações realizadas no âmbito dos juizados especiais

Os Juizados Especiais foram instituídos sob a perspectiva do estímulo à

conciliação, de modo que se busquem soluções alternativas para o conflito, e se

reconheça que o juiz não possui apenas uma função julgadora, mas também um papel

conciliador. Essa é a tendência moderna do processo como um todo.

De forma a propiciar a conciliação, os Juizados Especiais contam com um

servidor específico para a função conciliatória, o qual atua como um auxiliar da justiça:

o conciliador. Com o papel de orientar a composição dos conflitos entre as partes, o

conciliador cumpre o relevante papel de amortizar o impacto aos jurisdicionados,

conduzindo as partes a um bom termo.

Sobre o papel do conciliador, explica Juliana Demarchi:

A fim de realizar seu trabalho, o conciliador deve estimular as partes a falarem sobre o conflito, provocando a escuta recíproca e a identificação das posições

78 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 76.

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e interesses das partes. A retomada da comunicação permite o esclarecimento mútuo das partes acerca do conflito, de seus anseios e perspectivas, assim como a percepção de pontos comuns que podem auxiliar na obtenção do acordo.79

É importante, porém, que se façam duas observações. A primeira é a de que o

artigo 22 da Lei 9.099 de 1995 atribui a todos os protagonistas dos Juizados a

competência para atuar na fase conciliatória – conciliadores, juízes leigos e juízes

togados. A segunda é que, não obstante toda a relevância dessa fase para o processo

dos juizados, na condução da assentada, a linha entre as sugestões de conciliação e

os abusos ou pré-julgamentos é tênue e deve ser analisada minuciosamente.

Isso porque, na impossibilidade de cumprir as suas próprias funções, o Poder

Judiciário tem delegado a terceiros muitas de suas atribuições básicas, entre elas a

conciliação. Em que pese, porém, tenha sido definida uma função de conciliador, a

verdade é que a seleção dos candidatos se faz por provas e títulos, sem que haja um

critério qualitativo quanto à habilidade do agente em conciliar.

Sabe-se que a conciliação é uma possibilidade de solução de conflitos e de

pacificação social muito exitosa e deve, por certo, ser estimulada. No entanto, de

modo a evitar o constrangimento entre as partes e o agravamento da controvérsia -

premissas ignoradas tanto pelas normas do procedimento sumaríssimo como pela

prática forense, a conciliação deve ser realizada por agentes qualificados e

capacitados.

Ademais, em que pese existam determinados conflitos que se adaptam a essas

estruturas mais simplificadas, há que se observar que não é todo e qualquer conflito

que o serão. Conforme adverte Ada Pellegrini, “nem todas as controvérsias são

idôneas a ser solucionadas pelas vias conciliativas extrajudiciais”80. Há diversas

causas que não se coadunam com tais equivalentes jurisdicionais, que não

prescindem de procedimentos contraditórios estruturados ou da necessária

assistência de advogado.

Neste ponto, sobretudo, é de grande impacto a excessiva simplicidade adotada

em causas que versam sobre direitos ou interesses jurídicos coletivos, cuja

79 DEMARCHI, Juliana. Mediação e Gerenciamento do Processo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 50.

80 GRINOVER, Ada Pellegrini. A Conciliação Extrajudicial no Quadro Participativo: participação e processo. São Paulo: RT, 1988, p. 281.

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competência sequer poderia ser atribuída aos juizados especiais, mas, na prática, o

são.

A respeito do tema, afirma Leslie Ferraz:

Não se pode perder de vista que os Juizados Especiais foram estruturados para solucionar ‘pequenas causas’, individuais, atomizadas, de impacto restrito aos litigantes. De sua parte, os conflitos transindividuais devem ser submetidos a um tratamento adequado, quer a tutela judicial coletiva, quer a tutela administrativo-regulatória. Em suma: como o desenho institucional dos Juizados Especiais Cíveis foi concebido com base na solução de uma categoria determinada e específica de litígios, a seletividade é fundamental para seu bom desempenho. Não se pode admitir demandas estranhas aos seus fins, sob pena de “comprometer a própria razão de ser desses Juizados”.81

Desta forma, resta claro que demandas cuja complexidade não lhe permitem

soluções consensuais deveriam ser reservadas aos meios tradicionais de solução de

controvérsias, por uma questão de adequação jurisdicional. Não se pode, afinal,

admitir que a única forma de aumentar a efetividade do Poder Judiciário seja

transferindo competência de demandas aos Juizados Especiais Cíveis, cujas

peculiaridades não lhe permitem fazer justiça em qualquer caso concreto.

Por fim, é de ponderar: podemos assumir como verdadeira a máxima de

Maquiavel de que os fins justificam os meios? De fato, as técnicas de conciliação e de

mediação, realizas com o auxílio de conciliadores e de juízes leigos, são vantajosas

para que se alcance a composição pacífica de litígios. No entanto, hoje, a conciliação

é defendida pelo Poder Judiciário não pelos benefícios que possa trazer às partes,

mas, isto sim, por reduzir o congestionamento das varas. Podemos permitir que a

simplicidade e celeridade tome o lugar da justiça?

4.2.3 A irrecorribilidade das decisões interlocutórias e a impossibilidade da ação rescisória

Apesar de parecer inconcebível a existência, em um Estado Democrático de

Direito, de um microssistema que não permite à parte inconformada impugnar uma

decisão monocrática incidental perante um órgão colegiado, é assim que ocorre nos

Juizados Especiais brasileiros.

81 FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e Acesso à Justiça Qualificado: uma análise empírica. São Paulo: USP, 2008, p. 124.

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Em que pese o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal garanta aos

cidadãos o direito à ampla defesa e ao contraditório, o sistema recursal adotado pelos

Juizados Especiais é falho e importa em evidente violação aos ditames

constitucionais.

Isso porque, estabelece o artigo 41 da Lei 9.099 de 1995 que “da sentença,

excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o

próprio Juizado”.82 Desta forma, a dicção legal não deixa dúvidas de que apenas as

decisões terminativas são passíveis de recurso, sendo permitida a oposição de

embargos de declaração em caso de omissão, obscuridade ou contradição.

Nos juizados especiais, portanto, na contramão do que estabelece o Código de

Processo Civil, não cabe recurso de decisão interlocutória, ou seja, de atos judiciais

que resolvem questões incidentais no curso do processo.

No entanto, é incontroverso que questões incidentais, no mais das vezes, tem

absoluta importância para a lide. E, mais do que isso, podem importar prejuízos às

partes. Desse modo, é de observar que a impossibilidade de se recorrer de uma

decisão interlocutória afronta sobremaneira os princípios do contraditório, da ampla

defesa e do duplo grau de jurisdição.

De fato, as decisões interlocutórias nos juizados especiais não precluem. No

entanto, apesar de existir a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias

no bojo do recurso principal, o que fazer quando esta decisão produz efeitos imediatos

e a parte lesionada não pode esperar até a decisão principal diante do perigo do

provimento jurisdicional? E se tal determinação judicial ocorrer após a sentença?

No âmbito dos juizados especiais, tais questionamentos permanecem sem

resposta. Em nome da celeridade, direitos básicos das partes deram lugar à

simplicidade, de modo que o contraditório e a ampla defesa deram lugar à rapidez da

decisão, desprivilegiando a justiça.

A celeridade processual não pode ser justificativa para a irrecorribilidade de

decisões interlocutórias, pois, em muitos casos, apesar de não existir hierarquia entre

princípios, o direito de recorrer de uma decisão singular para um órgão colegiado deve

prevalecer a qualquer princípio que vise tornar a demanda mais célere.

82 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 20 ago 2018.

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Ademais, ainda em nome da celeridade, o artigo 59 da Lei 9.099 de 1995

prescreve que “não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento

instituído por esta Lei”.83

Mais uma vez, em que pese os princípios que norteiam os Juizados Especiais

devessem estar em consenso com os princípios constitucionais, sobretudo àqueles

referentes ao devido processo legal, ao impossibilitar a rescindibilidade da coisa

julgada, o legislador infraconstitucional não priorizou a segurança jurídica dos

jurisdicionados.

Ao contrário. Ao permitir a imutabilidade da coisa julgada, o legislador deu lugar

a arbitrariedades das mais diversas. Afinal, se prolatada e transitada em julgado uma

sentença por prevaricação, concussão ou corrupção do magistrado, esta se torna

definitiva e imutável tão-somente porque foi proferida em sede de Juizado Especial.

Há violação literal da Constituição, afrontando o devido processo legal, o acesso à

justiça, a isonomia processual, a segurança jurídica e a dignidade humana.

4.2.4 A dualidade da investidura dos juízes leigos na busca da justiça

Há muito se questiona o papel dos juízes no processo - se legisladores,

declaradores do Direito ou intérpretes do Direito. Conforme falamos no item 2 deste

trabalho, o Estado Social passou a exigir uma intervenção mais acentuada e direta do

estado. Os direitos, que agora são positivados, merecem constante vigilância estatal.

Essa nova visão de sociedade exige do magistrado atuação mais imediata e

eficaz. O juiz já não é mero aplicador do direito, mas um controlador social. Diante de

tamanha importância, questiona-se: a investidura de juízes leigos nos juizados

especiais é benéfica?

De um lado, é inegável que a instituição de juízes leigos no âmbito dos juizados

especiais privilegia a celeridade processual, de modo a desafogar as varas, hoje

assoberbadas de processos.

De outro, porém, a prática forense revela que os juízes leigos são, em regra,

despreparados para a função que exercem e, apesar disso, acabam por tomá-la em

83 BRASIL. Lei 9.099 (1995). Lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 20 ago 2018.

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absoluto para si, ou, ainda mais absurdo, se tornam meros assessores dos juízes

togados.

Os juízes leigos são os responsáveis pela instrução dos processos nos juizados

especiais, elaborando a sentença e submetendo-a à homologação do juiz togado. Se

homologado, as partes serão intimadas da decisão.

Se não homologadas, o juiz togado proferirá outra sentença em seu lugar.

Neste momento, porém, muitas provas podem se perder. Afinal, fora o juiz leigo o

responsável pela oitiva das partes e testemunhas, tendo uma visão processual

distinta, porque próximo aos participantes da lide. O juiz togado, por sua vez, julgará

com base nos seus pré-juízos ou na sua experiência comum, como ordena a lei, sem

ter participado da instrução probatória (o que, aliás, vai de encontro ao princípio

constitucional da identidade física do juiz).

Aí reside a dualidade desta figura nos juizados especiais: ou o juiz togado se

tornará mero homologador de decisões dos juízes leigos; ou os juízes leigos se

tornarão meros assessores dos juízes jogados, proferindo sentenças nos moldes do

seu entendimento (já que os honorários só serão remunerados caso a decisão seja

homologada).

O juiz togado, então, tem investidura e jurisdição – é juiz natural, mas não é o

responsável pela condução da instrução. O juiz leigo, por sua vez, é uma figura

acessória, um apêndice criado pela lei para conferir celeridade aos processos de

menor complexidade e, por certo, não tem o preparo necessário para uma efetiva

prestação jurisdicional. Desse modo, os verdadeiros prejudicados são as partes do

processo.

Mais uma vez, em nome da celeridade processual, a legislação dos juizados

opta por mitigar as prerrogativas constitucionais.

4.2.5 Prazos processuais reduzidos e a não aplicação do Código de Processo Civil

Em que pese a Lei 9.099 de 1995 tenha adotado a informalidade e celeridade

como princípios basilares dos juizados especiais brasileiros, é de mencionar que tal

instituto não confere ao magistrado a possibilidade de criar procedimentos

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heterogêneos ou em desconformidade com o estabelecido por norma de ordem

pública.84

Visando privilegiar a rápida duração do processo e a efetiva resolução das

demandas, a Lei dos juizados especiais estabeleceu prazos processuais reduzidos, o

que, por si só, não importaria em necessária limitação às garantias do contraditório e

ampla defesa.

No entanto, a prática dos juizados torna quase inaplicável o quanto disposto no

Código de Processo Civil, importando, no mais das vezes, em violação efetiva e literal

ao devido processo legal.

É que, em que pese o Código de Processo Civil preveja sua aplicação supletiva

em caso de lacuna da Lei 9.099 de 1995, vide artigo 1.046, §2º, os seus dispositivos

são diariamente afastados pelos magistrados, em nome dos princípios da

simplicidade, informalidade e celeridade. Há, porém, de observar que a linha entre

informalidade e arbitrariedade é tênue, e, em muitos casos, as decisões que afastam

a aplicação do referido diploma legal importam em prejuízos irreversíveis às partes.

Exemplo disso é a não aplicação, no âmbito dos Juizados Especiais, do artigo

334 do Código de Processo Civil, que dispõe que:

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.85

Da leitura do dispositivo supratranscrito, vê-se que o diploma processual

estabeleceu um prazo de vinte dias, que seria o interstício mínimo entre a realização

da citação para comparecimento à audiência e a própria realização desta.

A Lei 9.099 de 1995 não tem previsão sobre o tema e, se houvesse a aplicação

da lei em sua literalidade, dever-se-ia utilizar, nos juizados, o quanto disposto no artigo

334. No entanto, na prática, não há qualquer exigência de interstício mínimo entre a

84 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

85 BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil de 2015. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 27 ago. 2018.

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efetiva citação do réu e a realização da audiência de conciliação. Este fato, por si só,

importa em violação aos mais diversos princípios constitucionais.

A uma porque a Lei 9.099 de 1995 estabelece que a contestação do réu deve

ser apresentada na primeira assentada, sob pena de revelia. Ou seja: ainda que o réu

venha a ser citado um, três ou cinco dias antes da audiência, deverá providenciar o

advogado que patrocinará a causa, bem assim os documentos que a instruirão, em

interstício temporal desarrazoado, importando em verdadeira ofensa à ampla defesa.

A duas porque, em que pese a própria Lei dos Juizados Especiais adote como

premissa o estímulo à conciliação, a verdade é que a não aplicado do artigo 334 do

Código de Processo Civil vai de encontro a esta ideia.

Como se sabe, o devido processo legal impõe que a realização de determinado

ato processual seja precedida de intersecto reflexivo, possibilitando o

amadurecimento das posições respectivas. O prazo a que se refere o dispositivo

supramencionado tem como objetivo não apenas limitar o tempo em que o ato pode

ser realizado, mas, isto sim, delimitar um intervalo em que o ato pode ser efetivado.

De nada adiantaria, afinal, que a lei estabelecesse como diretriz determinante

a solução consensual das controvérsias, estimulando a abertura ao diálogo e a

superação do dissenso, acaso não estruturasse a fase de conciliação rente a tais

objetivos. E o interstício mínimo entre a citação e a audiência é fundamental para isso,

pois permite à parte a análise de sua posição jurídica e, consequentemente, a reflexão

sobre os benefícios da solução consensual da controvérsia.

Pensemos que a ré do processo em questão é uma empresa de grande porte.

Seria necessário tempo para que o setor jurídico pudesse avaliar com o setor

estratégico uma eventual proposta de acordo no processo, de forma que se pudesse

conferir efetividade ao procedimento conciliatório. Na prática, porém, ocorre o inverso:

as empresas não contam com intervalos de tempo que lhe permitam analisar

detidamente o processo, desestimulando a conciliação.

Ademais, não há embasamento legal que justifique a não utilização dos prazos

contados em dias úteis previstos no Código de Processo Civil, que permanece não

sendo aplicado nos juizados.

4.2.6 A ampla margem de liberdade conferida aos magistrados no que tange às provas do processo

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Os artigos 5º e 6º da Lei 9.099 de 1995, consagrando o princípio da persuasão

racional do juiz, dispõem que:

Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.86

Da leitura dos dispositivos, tem-se que o juiz tem liberdade de convicção e de

direção do processo. No entanto, não se pode admitir que a formação dessa convicção

seja arbitrária – o convencimento do magistrado deve ser motivado, não estando ele

desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos.87

A dicção legal, neste ponto, é temerária. Sob pena de comprometer a justiça

da decisão e a segurança jurídicas das partes do processo, o juiz não pode valorar as

provas baseado em experiências pessoais ou em valores que lhe foram repassados.

Ao contrário, deve o juiz aplicar a letra da lei – somente é racional a decisão que se

fundamenta em leis democraticamente instituídas e que assegurem a imparcialidade

do julgador.

Os meios de prova são, afinal, a própria convicção acerca da existência ou não

dos fatos alegados, nos quais se fundam os próprios direitos discutidos. E a jurisdição

não pode estar subordinada à discricionariedade do magistrado. Nas palavras de

Rosemiro Pereira Leal: O processo não busca “decisões justas”, mas assegura as partes participarem isonomicamente na construção do provimento, sem que o impreciso e idiossincrático conceito de “justiça” da decisão decorra da clarividência do julgador, de sua ideologia ou magnanimidade.88

Demais disso, o artigo 33 da Lei 9.099 de 1995, conferindo ampla liberdade na

condução do processo, prescreve que o julgador poderá limitar ou excluir as provas

que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias. À primeira vista, tal artigo

não impõe qualquer limitação a direitos constitucionais.

86 BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil de 2015. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 27 ago. 2018. 87 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 68. 88 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 67.

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No entanto, quando se alia essa ampla liberdade no indeferimento de provas à

impossibilidade de se recorrer das decisões interlocutórias proferidas nos juizados

especiais, tem-se um embaraço no que tange ao contraditório e à ampla defesa.

Afinal, as partes não deterão meios por meios dos quais possam insistir na instrução

probatória, caso indeferida sua produção. Quando se observa que os meios de provas

nos juizados já são restritos, o caso se agrava ainda mais.

Neste ponto, é de ver que, em que pese não se possa produzir prova pericial

no âmbito dos juizados, haja vista tratar tão-somente de causas de menor

complexidade, o artigo 35 da Lei 9.099 de 1995 prescreve que “quando a prova do

fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a

apresentação de parecer técnico”.89

Não se pode, todavia, equiparar eventual apresentação de parecer técnico à

prova pericial. Os pareceres, além de serem produzidos unilateralmente por uma das

partes, são elaborados por profissionais cuja aptidão não é conhecida pelo tribunal.

Na prática, porém, são aceitos como se laudos periciais fossem, de modo que, no

mais das vezes, os magistrados os acatam. Visam, pois, a efetividade e celeridade,

ao invés de reconhecer a competência da justiça comum, com a complexidade

instrutória que a causa exige.

Saliente-se, portanto, que a celeridade processual não pode ser mais

importante que as garantias processuais previstas constitucionalmente. Não é

podando o contraditório e a ampla defesa que a morosidade do judiciário será

resolvida.

4.2.7 Simplicidade do pedido e a possibilidade de aditamento em audiência

Em nome do princípio da simplicidade, a Lei 9.099 de 1995 estabelece que: Art. 14. O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado. § 1º Do pedido constarão, de forma simples e em linguagem acessível: I - o nome, a qualificação e o endereço das partes; II - os fatos e os fundamentos, de forma sucinta; III - o objeto e seu valor.

89 BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil de 2015. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 27 ago. 2018.

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§ 2º É lícito formular pedido genérico quando não for possível determinar, desde logo, a extensão da obrigação. § 3º O pedido oral será reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado, podendo ser utilizado o sistema de fichas ou formulários impressos.90

Da leitura do dispositivo supratranscrito, tem-se que, em que pese a Lei dos

juizados especiais permita que os fatos e fundamentos jurídicos do pedido sejam

expostos de forma sucinta, ou seja, resumida, ainda há a exigência de apresentação

da ligação entre cada fato e sua respectiva proteção jurídica. Na prática, no entanto,

a possibilidade de o autor da ação formular pedido simplificado traz uma série de

consequências para o desempenho efetivo do contraditório e ampla defesa.

De fato, o juizado especial, tal como fora instituído, é imprescindível para que

se garanta o acesso à justiça a todos os cidadãos. Ocorre que o número de petições

iniciais cada vez mais confusas e mal formuladas, com pedidos genéricos e

simplificados em demasia é crescente e traz irreparáveis prejuízos às partes e,

também, aos magistrados.

A uma porque, tendo em vista a simplicidade e informalidade atribuídas aos

juizados especiais, praticamente não há o indeferimento das iniciais por inépcia, de

modo que se reverte ao réu o ônus de se defender dos pedidos ali formulados,

independentemente de sua compreensão. Não se pode, à guisa de facilitar o acesso

ao judiciário, permitir que a simplicidade demasiada da ação, sob pena de prejudicar

em absoluto o direito de defesa do réu.

Afinal, se a causa de pedir é composta pelos fundamentos de fato e de direito

que irão embasar o pedido do demandante, e se o pedido diz respeito ao provimento

jurisdicional almejado com o ajuizamento da ação, sem que sua delimitação seja

precisa, ao réu não será permitido defender-se de forma eficiente. Sobretudo quando

se observa que, muitas vezes, a parte acionada também não detém meios de contratar

um advogado, militando em juízo individualmente.

A duas porque, sob outra perspectiva, a petição inicial deve apresentar

condições para que o procedimento tenha andamento sem entraves e para que o

julgamento seja facilitado. Para que o magistrado faça justiça no caso concreto, é

absolutamente imprescindível que, da narração dos fatos, decorra logicamente o

90 BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil de 2015. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 27 ago. 2018.

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pedido deduzido em juízo. O juiz precisa, afinal, saber o que a parte pretende com o

processo.

Nesse mesmo sentido, é intolerável a prática dos juizados no que tange à

possibilidade de aditamento da inicial na audiência de conciliação. Como se sabe, o

réu apresenta a defesa na oportunidade da assentada, de modo que eventual

aditamento, quando o réu já havia sido citado e a lide já estaria estabilizada, atenta

contra o direito de defesa. O princípio da não surpresa da parte dá lugar, uma vez

mais, à informalidade preconizada pelos juizados, de modo que à parte ré restará

defender-se oralmente de pedido sobre o qual, até aquela data, não tinha

conhecimento ou não produziu prova.

Desta forma, apesar de louvável o estímulo ao acesso à justiça conferido pela

Lei 9.099 de 1995, não se pode admitir que o pedido seja simplificado ao ponto de

torna-lo incerto e, no caso de aditamento, até imprevisível para o réu, sob pena de

cerceamento do direito de defesa e violação da garantia do contraditório.

4.2.8 A força conferida aos enunciados do FONAJE e a inobservância da legislação vigente

O Fórum Nacional dos Juizados Especiais, também conhecido como FONAJE,

é o encontro nacional de coordenadores dos juizados especiais do Brasil, que ocorre

duas vezes ao ano desde a promulgação da Lei 9.099 de 1995. Nos termos do seu

regimento interno, são membros do FONAJE todos os magistrados em atuação no

âmbito do sistema de Juizados Especiais.

Trata-se, por conseguinte, de um fórum de debates que visa interpretar noções

para os operadores que atuam nos juizados especiais, bem como fortalecer os

juizados especiais cíveis e criminais estaduais. Nesse sentido, cumpre transcrever o

artigo 1º do Regimento Interno do FONAJE, que assim dispõe:

Art. 1º - O FÓRUM NACIONAL DE JUIZADOS ESPECIAIS – FONAJE tem por finalidade: I – Congregar magistrados do Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais dos Estados e Distrito Federal; II – Aperfeiçoar o sistema de Juizados Especiais e promover a atualização de seus membros pelo intercâmbio de conhecimentos e de experiências; III – Uniformizar métodos de trabalhos, procedimentos e editar enunciados; IV – Analisar e propor projetos legislativos de interesse de Juizados Especiais;

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V – Manter intercâmbio, dentro dos limites de sua finalidade, com entidades de natureza jurídica e social do país e do exterior.91

Nestes encontros, são editados, por meio de votação e discussão dos

magistrados presentes, enunciados, no intuito de preencher lacunas, interpretar e

integrar a Lei 9.099 de 1995. Tais enunciados, em que pese não possam ser

entendidos como súmulas, atuam como tal, sendo utilizados como subsídios para os

operadores do direito no sistema dos juizados especiais.

Não fosse, porém, a força normativa desarrazoada que a prática dos juizados

confere aos enunciados do FONAJE, a ideia de se criar uma suposta padronização

de atos processuais seria inovadora e de aplicação ideal para a realização da justiça.

Não pode, porém, se sobrepor às regras e princípios insculpidos na legislação e,

sobremaneira, na Constituição.

Na lição de Douglas Fernandes:

Os enunciados tratam-se tão somente de orientações procedimentais com o fim maior de padronização e uniformização nacional dos atos processuais praticados em todos os Juízos, não podendo, por conseguinte, sobrepor as legislações formais, tampouco o princípio da legalidade. A relevância dos Enunciados FONAJE não devem passar de orientações procedimentais, entendimentos comuns entre os juizados dos estados sobre a aplicação técnico-jurídica de determinados dispositivos, sejam da lei especial seja da lei dos códigos de processos, no âmbito dos juizados especiais, para o deslinde dos casos.92

Assim como as súmulas e enunciados dos Tribunais pátrios, os enunciados do

FONAJE têm natureza jurídica de guia, orientação, recomendação doutrinária,

podendo, a qualquer tempo, ser contrariado pelo magistrado – sobretudo para

aplicação do que prevê a legislação. Afinal, as lacunas da Lei que dispõe sobre os

Juizados Especiais Cíveis devem ser preenchidas pela legislação processual em

vigor.

Nos termos do quanto disposto expressamente no § 2º do artigo 1.046 do

Código de Processo Civil, este diploma legal se aplica supletivamente à Lei 9.099 de

1995. Ou seja, naquilo que a Lei dos Juizados Especiais é omissa, por imperativo da

91 BRASIL. Regimento interno do FONAJE (1995). Disponível em: https://www.tjms.jus.br/fonaje/pdf/Regimento%20Interno%20do%20Forum%20Nacional%20dos%20Juizados%20Especiais.pdf. Acesso em: 05 ago. 2018. 92 FERNANDES, Douglas. Aplicação dos enunciados FONAJE nos Juizados Especiais Estaduais. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/17019/1/APLICACAO-DOS-ENUNCIADOS-FONAJE-NOS-JUIZADOS-ESPECIAIS-ESTADUAIS/pagina1.html. Acesso em: 26 ago. 2018.

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certeza do direito e da segurança jurídica, a lacuna é preenchida pelas disposições

do Código de Processo Civil.

No entanto, o que se vê na prática é o contrário. A aberração jurídica é tamanha

que é praxe observar operadores do direito que privilegiam a utilização dos

enunciados do FONAJE para promover a integração primária da lei dos juizados. Esta

opção, porém, apesar de válida, não pode contrariar os ditames da legislação

processual vigente. Noutras palavras, uma vez verificada contrariedade entre o

enunciado e a legislação processual, esta deverá ser aplicada.

Ocorre que o próprio FONAJE, na contramão desse entendimento, editou

através do enunciado 161, afirmou que “considerando o princípio da especialidade, o

CPC/15 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de

expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios

previstos no art. 2º da lei 9099/95”.93

Os enunciados do FONAJE, porém, não possuem conteúdo vinculante, uma

vez que são forjados unilateralmente, sem contraditório, com uma boa dose de

parcialidade e viés um tanto corporativista, no encontro anual dos Juízes que atuam

no âmbito do Sistema dos Juizados Especiais. Desta forma, sua aplicação não é

irrestrita ou ilimitada, jamais se sobrepondo ao quanto disposto na legislação

processual ordinária.

Neste sentido, pondera, mais uma vez, Douglas Fernandes:

Se houver confronto entre os enunciados FONAJE e a lei processual, sendo omissa a lei dos juizados, não resta dúvidas que a aplicação que deverá predominar é a disposta na lei processual, diante da disparidade de força entre a lei formal e os enunciados, que são meramente orientações de aplicação, sem força de lei.94

Não basta, afinal, que o processe seja devido, é preciso que seja legal, o que

significa que é necessário que siga as normas que o disciplinam, as quais devem ser

dotadas de previsibilidade sobre o procedimento. A prática vivenciada hoje, porém,

93 BRASIL. Enunciados do FONAJE. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/corregedoriacnj/redescobrindo-os-juizados-especiais/enunciados-fonaje/enunciados-civeis. Acesso em: 26 ago. 2018.

94 FERNANDES, Douglas. Aplicação dos enunciados FONAJE nos Juizados Especiais Estaduais. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/17019/1/APLICACAO-DOS-ENUNCIADOS-FONAJE-NOS-JUIZADOS-ESPECIAIS-ESTADUAIS/pagina1.html. Acesso em: 26 ago. 2018.

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vai na contramão do devido processo legal, sendo certo que a legalidade das decisões

vem dando lugar ao subjetivismo dos magistrados, desprivilegiando a segurança

jurídica, tão cara ao ordenamento.

Repise-se: o fato de o artigo 2º da Lei 9.099 de 1995 estabelecer diretrizes

principiológicas orientadoras do processo perante o Juizado Especial, tais como

oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, não pode

mitigar a observância dos regramentos responsáveis pela certeza do direito e

segurança jurídica.

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5. CONCLUSÃO

Assentado o conteúdo dos capítulos anteriores, mister proceder a algumas

breves considerações à guisa de conclusão.

Conforme amplamente debatido no presente estudo, com o advento da Lei nº

9.099 de 1995, instituiu-se os Juizados Especiais no Brasil, de modo a favorecer o

acesso à justiça aos menos favorecidos e a prestar uma justiça célere e mais efetiva.

A partir da nova sistemática procedimental simplificada, passou-se a questionar

acerca da observância, ou não, dos ditames estabelecidos pelo devido processo legal,

enquanto superprincípio adotado pela Constituição Brasileira de 1988.

Dessa forma, o presente estudo visou abordar a o procedimento adotado pela

Lei 9.099 de 1995 pelo viés crítico do princípio do devido processo legal, tendo como

objetivo geral a investigação e compreensão da sua aplicabilidade e alcance,

abrangendo suas repercussões na sociedade brasileira. Assim, utilizando-se do

método dialético-positivo durante toda a pesquisa, chegou-se às seguintes

conclusões:

1. O princípio do devido processo legal surgiu no direito inglês, com a Magna

Carta de João sem Terra de 1215, vindo a se desenvolver nos tribunais americanos.

No Brasil, o devido processo legal remonta ao período monárquico, pois, muito

embora a Constituição do Império, datada de 1824, não tenha sido explícita quanto à

sua utilização, no seu texto já se encontravam diversas garantias de natureza

processual. Mas apenas na Constituição Federal de 1988, o princípio do devido

processo legal ganhou previsão expressa e passou a atuar como verdadeiro corolário

da nova ordem constitucional, agora reconhecido como direito fundamental.

2. Historicamente, viu-se que o devido processo legal pode ser estudado sob

duas perspectivas: a formal e a substancial. O devido processo legal formal representa

o direito de ser processado e o direito de processar de acordo com normas

previamente estabelecidas, de modo que se tem um conjunto de garantias

processuais mínimas que devem ser respeitadas ao longo de todo o processo, tais

como o contraditório, a ampla defesa, a legalidade, a motivação das decisões, a

igualdade de partes, ou o juiz natural, verdadeiros corolários do princípio do devido

processo legal. O devido processo legal substancial, por sua vez, funciona como um

mecanismo de controle axiológico da atuação do Estado e de seus agentes, de modo

que se atinja, não só a forma, mas a substância do ato, tendo em vista a preocupação

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em se conceder a tutela jurisdicional mais adequada à sociedade. Tem-se, neste

último, os ideais de proporcionalidade e razoabilidade dos atos do Estado.

3. Diz-se ainda que o devido processo legal, hoje, funciona como princípio

balizador de todo o ordenamento jurídico, haja vista sua atuação como superprincípio

condicionante de validade de todo o processo, seja mediante a observância das

garantias processuais estabelecidas constitucionalmente, seja pelo controle de

razoabilidade e proporcionalidade dos atos estatais. O devido processo legal atua não

só como garantia de legalidade, mais ainda, atua ele como garantia de justiça. E,

enquanto garantidor da ordem jurídica justa, o devido processo legal atua no sentido

de garantir o real acesso à jurisdição.

4. Diante disso, pode-se dizer que o devido processo legal representa o elemento

central da integração do binômio direito e processo, procurando dar o máximo de

eficácia às normas e garantias constitucionais, com vistas ao controle do poder estatal

e da igualdade das partes no processo.

5. A Lei 9.099 de 1995, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no

Brasil, representou um grande avanço para o ordenamento jurídico então vigente, ao

privilegiar o acesso à Justiça e a composição amigável dos litígios. Tendo surgido

como uma alternativa ao conservadorismo jurídico, o embrião do que se entende,

hoje, por Juizado Especial, surgiu no Brasil em 1982, quando, no Rio Grande do Sul,

instituiu-se os Conselhos de Conciliação e Arbitragem. Em 1988, a partir da previsão

constitucional e da obrigatoriedade da criação dos juizados especiais, a crescente

necessidade de aperfeiçoamento do regramento da Lei 7.244 de 1984, que havia

instituído os Juizados de Pequenas Causas, fez com que fosse implementada, em

1995, a Lei 9.099.

6. Quando da elaboração da Lei 9.099 de 1995, o legislador infraconstitucional

cuidou de estabelecer princípios próprios do sistema dos Juizados Especiais, que

seriam, como de fato são, responsáveis pela sua sustentabilidade e funcionalidade.

Desta forma, estabeleceu-se como princípios norteadores dos Juizados, sem

prejuízos de outros intrínsecos ao sistema, a oralidade, simplicidade, informalidade,

economia processual e celeridade.

7. Sendo a facilitação do acesso à justiça a ideia central dos juizados especiais,

a Lei 9.099 de 1995 estabeleceu que, nas causas de valor até vinte salários mínimos,

as partes poderão litigar desassistidas de advogado, tendo instituído o jus postulandi.

Nos Juizados Especiais, portanto, a capacidade postulatória que, em regra, é privativa

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do advogado, é mitigada, de forma a permitir que, nas demandas cujo valor não

exceda vinte salários mínimos, a parte poderá provocar a jurisdição diretamente,

sendo facultativa a contratação de advogado.

8. São admitidos, nos Juizados Especiais, todos os meios de prova moralmente

legítimos, ainda que não especificados em lei. No entanto, em nome da celeridade e

simplicidade preconizados pela legislação especial, o sistema dos juizados especiais

é incompatível com a produção de provas complexas, de forma que não cabe perícia.

9. Analisando-se detidamente os princípios norteadores dos Juizados Especiais

e o regramento contido na Lei 9.099 de 1995, tem-se que houve uma redução

significativa dos instrumentos de impugnação às decisões judiciais no âmbito dos

Juizados. No primeiro grau de jurisdição, a Lei prevê apenas a possibilidade de dois

recursos ordinários: o recurso inominado e os embargos de declaração. No segundo

grau, caberá a interposição de embargos declaratórios e de Recurso Extraordinário

para o Supremo Tribunal Federal, quando esgotada a instância ordinária e a matéria

de direito controvertida versar sobre alguma das hipóteses previstas no art. 102, III,

da Constituição Federal. A Lei consagrou, portanto, a irrecorribilidade das decisões

interlocutórias.

10. Desde a introdução dos Juizados Especiais na realidade jurídica do Brasil,

indaga-se se um procedimento simples e célere de fazer justiça conflita com os

ditames da Constituição Federal, sobretudo no que tange à observância do devido

processo legal e seus corolários.

11. Sabe-se que todas as normas constitucionais têm eficácia, ou seja, têm

aptidão para gerar efeitos. Em maior ou menor grau, todas as normas constitucionais,

sejam regras ou princípios, têm eficácia e aplicabilidade prática, devendo ser

aplicadas e observadas pelo legislador infraconstitucional, bem assim pelos

aplicadores do direito.

12. No entanto, reconheceu-se a possibilidade de, no caso concreto, haver a

colisão de dois ou mais princípios, enquanto normas abertas. Neste caso, verificar-se-

ia qual teria maior peso e deveria se sobressair em relação ao outro. Concebeu-se,

pois, a teoria da ponderação, emergindo a proporcionalidade como uma tentativa de

garantir a racionalidade desse procedimento.

13. A ponderação de princípios proposta por Alexy consiste na técnica em que

se considera, diante do caso concreto, o peso de cada princípio, de forma a se

privilegiar um em detrimento do outro. Aqui, a solução do impasse reside na

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ponderação de interesses, com a adoção do princípio da proporcionalidade e suas

máximas parciais (conformação-adequação de meios, necessidade-exigibilidade e

proporcionalidade em sentido estrito).

14. No campo prático, porém, há ainda muita dificuldade entre os operadores do

direito em fixar o peso de cada interesse que se revela em conflito. O que ocorre em

grande medida nos juizados especiais, quando se estabelece uma ponderação entre

a celeridade preconizada pelo procedimento simplificado da Lei 9.099 de 1995 e o

devido processo legal, aqui entendido, sobretudo, como contraditório e ampla defesa.

15. Hoje, o que ocorre é que a supervalorização de princípios meramente

informativos do processo sumariza os atos jurídicos nos Juizados Especiais e mitigam

garantias constitucionais fundamentais, gerando instabilidade processual ao deixar de

observar o modelo constitucional de processo.

16. Em que pese constitua um avanço ao acesso à justiça, o jus postulandi

inaugurado no âmbito dos Juizados Especiais não garante justiça às partes litigantes.

Conforme amplamente debatido, a ausência de defesa técnica importa em flagrante

violação ao devido processo legal instituído constitucionalmente. A fim de

proporcionar o real acesso da população em geral a um Judiciário justo, deveria o

Estado fortalecer as Defensorias Públicas. Instalando-as efetivamente nos Juizados

Especiais, as diferenças serão reduzidas e o devido processo legal finalmente

respeitado.

17. Os Juizados Especiais foram instituídos sob a perspectiva do estímulo à

conciliação, de modo que se busquem soluções alternativas para o conflito, e se

reconheça que o juiz não possui apenas uma função julgadora, mas também um papel

conciliador. No entanto, não obstante toda a relevância dessa fase para o processo

dos juizados, na condução da assentada, vem sendo praticados diversos abusos ou

pré-julgamentos, ante a falta de preparo dos conciliadores e a celeridade atribuída ao

procedimento.

18. Nos juizados especiais, na contramão do que estabelece o Código de

Processo Civil, não cabe recurso de decisão interlocutória, ou seja, de atos judiciais

que resolvem questões incidentais no curso do processo, apesar de sua absoluta

importância para a lide e sua premente possibilidade de importar prejuízos às partes.

De fato, as decisões interlocutórias nos juizados especiais não precluem. No entanto,

apesar de existir a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias no bojo

do recurso principal, não há meio para se insurgir quando uma decisão produz efeitos

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imediatos e a parte lesionada não pode esperar até a decisão principal diante do

perigo do provimento jurisdicional, ou mesmo se tal determinação judicial ocorrer após

a sentença. Em nome da celeridade, direitos básicos das partes foram postos de lado

em nome da simplicidade procedimental, de modo que o contraditório e a ampla

defesa deram lugar à rapidez da decisão, desprivilegiando a justiça.

19. Neste ponto, rememore-se que, ao aliar a ampla liberdade no indeferimento

de provas conferida ao magistrado à impossibilidade de se recorrer das decisões

interlocutórias proferidas nos juizados especiais, tem-se um embaraço no que tange

ao contraditório e à ampla defesa. Afinal, as partes não deterão meios por meios dos

quais possam insistir na instrução probatória, caso indeferida sua produção. Quando

se observa que os meios de provas nos juizados já são restritos, o caso se agrava

ainda mais.

20. A prática adotada pelos Juizados Especiais faz surgir, ainda, uma dualidade

no que tange à figura dos juízes leigos. Na forma como é conduzido o processo hoje,

o juiz togado se torna mero homologador de decisões dos juízes leigos, estes sem

qualquer experiência prática de decidibilidade; ou os juízes leigos se tornam meros

assessores dos juízes togados, proferindo sentenças nos moldes do seu

entendimento, já que os honorários só serão remunerados caso a decisão seja

homologada. Mais uma vez, em nome da celeridade processual, a legislação dos

juizados opta por mitigar as prerrogativas constitucionais, prejudicando a justiça das

decisões e, portanto, as partes.

21. Visando privilegiar a rápida duração do processo e a efetiva resolução das

demandas, a Lei dos juizados especiais estabeleceu prazos processuais reduzidos, e

deixou de aplicar dispositivos do Código de Processo Civil, ainda que a Lei preveja

expressamente sua aplicação supletiva. Tal prática, além de importar em violação da

segurança jurídica das partes, viola o devido processo legal.

22. A aberração jurídica neste sentido é tamanha que é praxe observar

operadores do direito que privilegiam a utilização dos enunciados do FONAJE para

promover a integração primária da lei dos juizados. Esta opção, porém, apesar de

válida, não pode contrariar os ditames da legislação processual vigente. Noutras

palavras, uma vez verificada contrariedade entre o enunciado e a legislação

processual, esta deverá ser aplicada.

23. Não basta, afinal, que o processe seja devido, é preciso que seja legal, o que

significa que é necessário que siga as normas que o disciplinam, as quais devem ser

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dotadas de previsibilidade sobre o procedimento. A prática vivenciada hoje, porém,

vai na contramão do devido processo legal, sendo certo que a legalidade das decisões

vem dando lugar ao subjetivismo dos magistrados, desprivilegiando a segurança

jurídica, tão cara ao ordenamento.

24. O rito dos juizados, como qualquer procedimento, deve observar os direitos

constitucionais das partes e primar pela isenção de julgamento e garantias efetivas na

prática conciliatória. A celeridade pretendida com os juizados precisa estar de acordo

com a preservação dos direitos fundamentais provenientes do devido processo legal,

sendo que os variados princípios aplicados aos juizados devem ser balanceados e

harmonizados.

25. Mesmo que, em determinadas situações, o princípio do contraditório tenha

que ser relativizado ou harmonizado com outros mandamentos, tal como a celeridade

processual, deve-se buscar amplamente a realização do contraditório e participação

das partes nos Juizados Especiais. Se não se pode, de um lado, em nome da ampla

defesa, pretender tornar o processo um círculo vicioso que nunca acaba; de outro,

não se pode deixar de oportunizar a realização sequência dos atos essenciais, a fim

de, sem desviar-se do escopo do processo, efetivar-se a jurisdição.

26. Com efeito, considerando a análise realizada pela presente pesquisa,

conclui-se pela patente inconstitucionalidade de uma série de dispositivos inseridos

na Lei 9.099 de 1995. Resta, agora, atentarmos para o judiciário e esperarmos que os

Juizados Especiais adequem sua prática às necessidades da justiça, impedindo a

efetivação de um retrocesso social e da aniquilação de direitos fundamentais sociais

constitucionalmente assegurados aos jurisdicionados.

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