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FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ÉRIKA CAVALCANTE VICTOR O CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA SOB A ÓTICA DOS USUÁRIOS (FORTALEZA CE) FORTALEZA CEARÁ 2012

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FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ÉRIKA CAVALCANTE VICTOR

O CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE

RUA SOB A ÓTICA DOS USUÁRIOS (FORTALEZA – CE)

FORTALEZA – CEARÁ

2012

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ÉRIKA CAVALCANTE VICTOR

O CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE

RUA SOB A ÓTICA DOS USUÁRIOS (FORTALEZA – CE)

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em

Serviço Social do Centro de Estudos Sociais

Aplicados, da Faculdade Cearense, como requisito

parcial à obtenção de título de bacharel, em Serviço

Social, sob orientação da Profª Ms. Valney Rocha

Maciel.

FORTALEZA – CEARÁ

2012

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ÉRIKA CAVALCANTE VICTOR

O CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA SOB A

ÓTICA DOS USUÁRIOS (FORTALEZA – CE)

Monografia como requisito para obtenção do titulo de

bacharelado em Serviço Social, outorgado pela

Faculdade Cearense – Fac, tendo sido aprovada pela

banca examinadora composta pelos professores.

Data de Aprovação: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Profª. Ms Valney Rocha Maciel

Faculdade Cearense

____________________________________________________

Profª. Dra. Maria Barbosa Dias

Faculdade Cearense

____________________________________________________

Profª. Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves

Faculdade Cearense

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, in memoriam, MARIA EUZA CAVALCANTE VICTOR, que durante todos esses

anos cuida de mim mesmo sem estar presente fisicamente.

Aos meus pais MARIA DE FÁTIMA e REGINALDO VICTOR pelo amor, apoio e por sempre

acreditarem na minha capacidade.

Às minhas irmãs REIKA VICTOR e JÚLIA VICTOR pelo amor que sentem por mim.

À querida Orientadora, Professora Ms. VALNEY ROCHA MACIEL, pelo incentivo, simpatia e

contribuição com todo seu conhecimento para a elaboração desta Monografia de Conclusão de

Curso.

Às Professoras Drª Maria Esther Barbosa Dias e Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves, por

aceitarem participar da Banca Examinadora.

À minha família, em especial as tias LÚCIA ALVES E JOANA D‟ARC pela dedicação e pelo

apoio.

Ao meu amigo Fernando Carlos Martinho Rodrigues pelo carinho, companheirismo e pela

infinita dedicação que tem com a minha pessoa.

A Camila Cavalcante, Fernanda Gadelha, Juliana Basílio, Jullyane Nara e Rita Gaspar por

estarem ao meu lado durante todos os semestres da faculdade apoiando-me para continuar a

caminhada.

Ao meu mais novo amigo, que conheci nas sessões de orientação, Jailson Gadelha, que

compartilhou as ideias, sugestões e conhecimento para a elaboração da monografia e que também

me apoiou nos pequenos momentos de angústias, tristeza e preocupação. Muito bom ter sua a

companhia.

A todos que contribuíram na realização da minha prática de estágio, principalmente a minha

supervisora de campo, Maria Lucioneide Rocha Barbosa Sobral, que cumpriu com o

compromisso profissional, orientando-me na realização do estágio e isso foi de fundamental

importância para que eu conhecesse e me aproximasse do tema e dos sujeitos que hoje são o

objeto do meu estudo.

Aos colegas de classe pela troca de conhecimentos e experiências.

E, finalmente, a DEUS por ter proporcionado coisas boas na minha vida.

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

BSM – Plano Brasil Sem Miséria

CAPR – Centro de Atendimento à População de Rua

CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Droga

CAPS GERAL – Centro de Atenção Psicossocial Geral

CENTRO POP – Centro de Referência para a População em Situação de Rua

EAN – Espaço de Acolhimento Noturno

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MNPR – Movimento Nacional da População de Rua

PBF – Programa Bolsa Família

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

PNPR – Política Nacional para a População em Situação de Rua

PSB – Proteção Social Básica

PSE – Proteção Social Especial

SEAR – Serviço Especializado de Abordagem de Rua

SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

% – Por cento

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1: Proporção de pessoas, por classes selecionadas de rendimento domiciliar per capita,

segundo as classes de tamanho da população dos municípios - Brasil - 2010...............................33

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RESUMO

Este trabalho consiste em apresentar a temática sobre População em Situação de Rua,

relacionando com as políticas públicas existentes para atender a essas pessoas, buscando

compreender como os usuários que frequentam e utilizam o Centro de Referência para a

População em Situação de Rua – CentroPop –, equipamento vinculado à Secretaria Municipal de

Assistência Social – SEMAS –, percebem a execução da Política Nacional para População em

Situação de Rua – PNPR – no município de Fortaleza/Ce. O trabalho também apresenta aspectos

históricos e atuais referentes a possíveis motivos e/ou causas sobre a ida das pessoas para as ruas,

relacionando com diversos problemas sociais. A pesquisa de campo tem como característica a

coleta de dados de maneira qualitativa e sua execução foi no período em que fui estagiária de

Serviço Social no Espaço de Acolhimento Noturno e quando fui ao CentroPop, ambos

equipamentos da Assistência Social. A pesquisa mostrou que 8 (oito) dos 9 (nove) usuários do

CentroPop que responderam o questionário percebem a execução de alguns serviços da PNPR,

enquanto outros são totalmente desconhecidos por eles. Isso revela a precariedade na execução da

política que é de fundamental importância para as pessoas que buscam superar a situação de

vulnerabilidade social em que se encontram.

Palavras-chaves: Serviço Social; Assistência Social; Políticas Públicas; Exclusão Social;

População em Situação de Rua.

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ABSTRACT

This study is about the homeless people and the public policies implemented to help them,

seeking to understand how the people who frequent and use the services of the Centro de

Referência para a População em Situação de Rua (Centropop) – an agency subjected to the

Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) – see the accomplishment of the Política

Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR) in Fortaleza-CE. The study also presents

historical and current aspects related to the possible reasons that cause them to go to the streets,

showing their relationship with several social problems. The field research collected data in a

qualitative way and it was conducted in a period of time when I was a social service trainee at the

Espaço de Acolhimento Noturno and when I went to CentroPop, both of them agencies of Social

Welfare. The research showed that 8 (eight) of the 9 (nine) users of Centropop who answered the

questions know some of the PNPR services, but completely ignore some others. That reveals the

precariousness in the policy accomplishment, which has a fundamental importance for the people

who seek to overcome the vulnerable situation they are in.

Keywords: Social Service, Social Welfare, Public Policies, Social Exclusion, Homeless People.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................10

1 DISCORRENDO SOBRE AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA..................................12

1.1 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................12

1.2 CONCEITOS SOBRE A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA.........................27

1.3 A ATUALIDADE BRASILEIRA................................................................................31

2 PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA: UM CASO DE POLÍTICA.....................................36

2.1 POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL..............................................36

2.2 POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E A

PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL................................................................................................39

2.3 PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA: DADOS E DESAFIOS...42

3 A PESQUISA DE CAMPO NO CENTRO POP E AS ANÁLISES

QUALITATIVAS.........................................................................................................................44

3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS..............................................................................44

3.2 O CENÁRIO E AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA.........................................48

3.3 PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA, RELATOS E ANÁLISES, E OUTRAS

PERSONAGENS............................................................................................................................49

3.3.1 PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA, RELATOS E

ANÁLISES.....................................................................................................................................49

3.3.2 OUTRAS PERSONAGENS..........................................................................55

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................58

REFERÊNCIAS............................................................................................................................60

APÊNDICES.................................................................................................................................63

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INTRODUÇÃO

O objetivo geral do presente trabalho consiste em compreender como os usuários que

frequentam e utilizam o Centro de Referência para a População em Situação de Rua – CentroPop

–, equipamento vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS –, percebem a

execução da Política Nacional para População em Situação de Rua no município de Fortaleza/Ce.

O trabalho tem como objetivos específicos saber se a Política Nacional para a População

em Situação de Rua – PNPR – é conhecida pelos usuários que utilizam o CentroPop, assim como

os serviços que podem utilizar e os direitos que essa população possui; conhecer a realidade dos

usuários, mais detalhadamente a dos que responderam o questionário, para saber se a PNPR está

contribuindo para o processo de ressocialização desses sujeitos; apresentar o perfil e as

percepções dos usuários que responderam o questionário sobre a execução da PNPR em

Fortaleza.

A escolha da área ocorreu através de acompanhamento que realizei enquanto estagiária do

Espaço de Acolhimento Noturno – EAN –, no período de abril de 2011 a junho de 2012. Durante

o tempo de estágio, foi possível acompanhar e realizar atendimentos iniciais e do dia a dia dos

usuários, sendo possível perceber em algumas falas dos usuários a insatisfação com a situação de

risco em que se encontram e as dificuldades que eles enfrentam para acessar alguns serviços e

assim conseguir superar a situação de vulnerabilidade social em que se encontram.

A pesquisa de campo foi realizada em um primeiro momento no EAN, local onde conheci

e me aproximei do tema estudado, e depois no CentroPop, quando conversei com as pessoas que

frequentavam e utilizavam o equipamento, e depois apliquei questionários1. Por se tratar de um

local que não tem um número fixo de usuários, pois existe um constante movimento dos mesmos,

o tipo de pesquisa escolhido foi a qualitativa, quando foi aplicado o questionário a todas as

pessoas que se dispuseram a responder. Depois foi realizado o levantamento de informações para

apresentação do perfil dos usuários que responderam o questionário. Paralelamente à aplicação

1 O questionário utilizado para levantamento de dados foi aplicado a 9 (nove) usuários do CentroPop.

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do questionário, fui conversando, observando, anotando e refletindo sobres outros assuntos que

surgiam em conversas e relatos de outros usuários.

O trabalho está organizado em quatro capítulos. O primeiro aborda a apresentação e

reflexão sobre as pessoas em situação de rua, fazendo um breve contexto histórico e descrevendo

a atualidade brasileira. Nesse capítulo, trato de conceitos de Ana Elizabete Mota (2010), Marcel

Bursztyn (2003), Maria Carmelita Yazbek (1993), Maria Lucia Lopes da Silva (2009), Robert

Castel (1998), Sarah Escorel (1999), entre outros.

O capítulo seguinte trata da População em Situação de Rua e as políticas, Política

Nacional de Assistência Social e Política Nacional para a População em Situação de Rua, e

serviços que devem ser garantidos para eles. O capítulo também traz dados e os desafios dessa

população na cidade de Fortaleza. Os autores utilizados neste capítulo foram Cynthia Studart

Albuquerque (2012), Maria Elaene Rodrigues Alves (2012) e outros.

O terceiro capítulo fala sobre o percurso metodológico, apresentando as escolhas, o

cenário, as pessoas em situação de rua e o perfil e relatos, mostrando a análise de todas essas

informações. Nesse capítulo utilizei os seguintes autores: Antonio Carlos Gil (2011), Maria

Cecília de Souza Minayo (1994), Mirian Goldenberg (2009) e Pedro Demo (2011).

As considerações finais apontaram para os objetivos iniciais da pesquisa, fazendo uma

relação com a realidade dos usuários do CentroPop e uma reflexão com as expressões da questão

social que esses sujeitos enfrentam em seu cotidiano, mostrando a relevância que a temática tem

para que sejam desenvolvidos mais estudos na área.

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1 DISCORRENDO SOBRE AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

1.1 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

Começo o texto relatando uma situação que presenciei em um sábado do mês de Julho de

2012. Andando pelas ruas do centro da cidade de São Paulo, no sentido da famosa Rua Vinte e

Cinco de Março para a Igreja da Sé (Catedral Metropolitana de São Paulo), observei a

aproximação e o início de um breve diálogo entre dois homens que estavam a caminhar na minha

frente. Um perguntou para o outro como é que estavam as coisas e onde ele estava “ficando”. A

resposta foi que ele estava dormindo em frente a uma loja ali perto, e ainda complementou

dizendo que estava tudo bem, que preferia ficar na rua pedindo ajuda (dinheiro) porque muitas

pessoas davam e não precisava dar satisfação da sua vida pra ninguém, e que quando queria

tomar um banho, comer uma coisa melhor, procurava um albergue, passava a noite e depois ia

embora.

Diante do que ouvi, fiquei refletindo sobre a situação em que esse homem se encontrava, e

que também é vivenciada por muitas outras pessoas que estão em situação de rua. A rápida

menção ao albergue não me permitiu identificar quais os tipos de serviços eram oferecidos além

do banho, alimentação e pernoite, nem se era albergue administrado por órgãos públicos, por

instituição religiosa ou de caridade.

E qual seria a importância desses serviços para a superação da situação de rua? Os

albergues2, abrigos, espaços de acolhimento ou casas de passagem que são disponibilizados pelas

instituições públicas, privadas, religiosas ou de caridade para a população em situação de rua

devem ter em seus serviços o objetivo de contribuir para que os usuários superem a situação de

risco em que se encontram e, para que isso aconteça, o atendimento deve ser individual, de modo

2 No meu período de estágio, um albergue sempre citado pelos usuários e/ou profissionais era o Albergue Shalom,

que é um dos mais atuantes no trabalho com a população em situação de rua. Seu funcionamento é 24 horas por dia,

todos os dias da semana. Tem capacidade para acolher 50 pessoas, que devem ser do sexo masculino e estar em

situação de rua. Os usuários acolhidos são, na maioria, dependentes de substâncias psicoativas e o albergue tem

como objetivo resgatar a dignidade dessas pessoas e diminuir a situação de violência.

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a tornar possível a identificação das demandas que ele apresenta e, a partir de então, fazer os

devidos encaminhamentos para que o indivíduo construa um novo projeto de vida.

Existem múltiplos fatores que determinam a existência do fenômeno “População em

Situação de Rua”, e essa problemática tem como causa o sistema econômico capitalista. Esse

fenômeno vem ganhando maior visibilidade, o que tem forçado a elaboração de políticas públicas

para essa população. A cada dia que passa, fica mais perceptível aos olhos da sociedade o

aumento da população em situação de rua, mas, surpreendentemente, a frequência com que

testemunhamos tal fenômeno tem insensibilizado a população, que já vê essa situação como algo

natural.

“Pessoas que estão em situação de rua” é uma expressão da questão social que não

começou nos últimos anos, mas vem ganhando uma visibilidade maior devido ao aumento dessa

população. Segundo Bursztyn, (2003, p. 19), “Viver no meio da rua não é um problema novo. Se

não é tão antigo quanto a própria existência das ruas, da vida urbana, remonta, pelo menos, ao

renascimento das cidades, no início do capitalismo”.

Com a Revolução Industrial, para conseguir sobreviver, um número significativo de

pessoas passou a vender o único bem que possuía, ou seja, sua força de trabalho.

Consequentemente começou a formação da classe trabalhadora (proletariado) e do movimento de

organização dessa classe contra o modo de produção capitalista, que cada vez mais fazia com que

o número de sobrantes aumentasse. Só era possível lutar contra as condições impostas se

houvesse organização coletiva da classe trabalhadora para reivindicar melhores condições de

trabalho. Com isso, a classe dominante teve de tomar medidas para enfrentar a questão social ali

manifestada, utilizando a legislação e reformas sociais para alcançar seus objetivos. (MOTA,

2010).

Para Escorel (1999, p. 34), “A Revolução Industrial e a implantação definitiva e

dominante do modo de produção capitalista encontraram respaldo nas mudanças de representação

social da pobreza para estabelecer regulamentos e normas punitivas e criminalizantes”.

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Para enfrentar esse modo de produção capitalista, as lutas sociais e a organização dos

movimentos de trabalhadores proporcionaram o surgimento de reuniões políticas sobre as

questões de condição de vida e de trabalho, pressionando os governos a elaborar e executar

legislações protetoras. Como a pobreza estava ligada à não inserção no mundo do trabalho, as

ações públicas de proteção social favoreceram primeiramente aos desempregados e também

prestaram assistência social aos inválidos.

Somente após a 2ª Guerra Mundial, com a configuração de Estado de Bem-Estar Social3,

é que a pobreza passou de responsabilidade individual para uma responsabilidade de caráter

coletivo e social. Nesse período, o desenvolvimento da economia, com o surgimento dos postos

de empregos e a garantia dos direitos sociais para os trabalhadores (que era a parte mais

prejudicada nas relações de trabalho), foi o responsável pela superação da situação de pobreza

nos países do capitalismo central (ESCOREL, 1999).

Para Castel (1998), antes da Revolução Industrial e sua demanda crescente por mão-de-

obra, a situação de pobreza daquela população estava relacionada ao mercado de trabalho.

Algumas pessoas foram formando grupos que eram chamados de mendicantes, pois entre a

população pobre havia inválidos e incapazes que realmente não tinham condições físicas e/ou

mentais de trabalhar e precisavam de proteção e caridade. Contudo, havia também aqueles que

não tinham qualquer doença física ou mental, podendo exercer qualquer atividade de trabalho,

mas, como não tinha trabalho para todos, eles viviam de esmolas.

A grande preocupação é ver que esse fenômeno se agrava cada vez mais e bem mais

rápido do que a capacidade de desenvolver, implementar e efetivar os trabalhos e as políticas

sociais para esse público. Esse agravamento ocorre devido ao aumento da massa sobrante da

população, que é “esmagada” pelo sistema capitalista, o qual visa ao aumento do lucro sem medir

as consequências dos danos para a sociedade. Para Silva (2009, p. 258):

... O aumento da produtividade do trabalho não elimina a produção da mais-valia; ao

contrário, é uma forma de viabilizá-la pela contração do tempo de trabalho necessário à

3 Segundo Mota (2010), o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) foi uma vitória do movimento operário, ou

seja, da classe trabalhadora e esse Estado de Bem-Estar Social não existe nos países periféricos.

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produção do equivalente ao salário e aumento do tempo excedente (trabalho não pago),

que se traduz em lucro para o capitalista.

As transformações ocorridas no mundo do trabalho, por causa do sistema capitalista,

contribuíram de forma significativa para o aumento da classe socialmente excluída. O processo

de industrialização levou ao desenvolvimento tecnológico, e com isso ocorreu o desemprego de

muitos trabalhadores; a desigualdade social foi aumentando, tendo a riqueza concentrada em uma

pequena parcela da sociedade, enquanto a maioria das pessoas possuía apenas o básico para sua

sobrevivência, muitas vezes convivendo com a fome.

Para Mota (2010, p. 32):

Ao mesmo tempo em que a burguesia consegue articular e agregar os interesses dos

capitais de todas as partes do mundo, fragmenta as identidades e necessidades daqueles

que vivem do seu trabalho. É neste contexto que a expressão “questão social” amplia o

seu leque de significados, ultrapassando, de certa forma, o sentido original que lhe foi

conferido.

Ou seja, as pessoas que sofrem com a situação de desemprego, com a precarização do

trabalho, com a exclusão e a desigualdade social e vários outros problemas sociais, são pessoas

exploradas para que seu trabalho garanta os interesses da classe burguesa.

Com as mudanças no processo de produção, foi possível identificar “a nova questão

social”, que tinha como característica principal a exclusão social, que é consequência do

desemprego, pois na esfera da produção e, principalmente no processo de acumulação capitalista,

cada vez mais a força de trabalho humana é desnecessária. Assim, o desemprego de toda essa

massa popular deixa a estrutura econômica e social abalada, pois essas pessoas irão fazer parte da

nova pobreza sob a categoria de exclusão social, que irá tratar dos sem-trabalho, dos supérfluos e

desnecessários ao mundo da produção e sem perspectivas de reinserção ocupacional, pois surgirá

cada vez mais máquinas modernas com novas tecnologias, para as quais será necessário apenas

um operador, que faz o serviço antes realizado por um grupo maior de trabalhadores.

(ESCOREL, 1999).

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As consequências do processo de industrialização submetem a classe trabalhadora a

aceitar condições precárias no trabalho, recebendo baixos salários que são insuficientes para

proporcionar sua subsistência. Nesse processo ocorre o aumento do desemprego, que contribui

para a formação do exército de reserva / sobrantes e, persistindo a situação, essas pessoas ficam

em situação de rua, que passa a ser natural e invisível aos olhos da sociedade, aumentando a

desigualdade social, agravada ainda pela falta de políticas sociais para atender as demandas desse

público.

Para Silva (2009, p. 19), “A reestruturação produtiva teve como diretriz a reorganização

do papel das forças produtivas na recomposição do ciclo de reprodução do capital, na esfera da

produção e das relações sociais”. Assim, o processo de reestruturação produtiva encontrou novas

formas e estratégias para administrar a força de trabalho, pois, na medida em que diminuem os

postos de trabalho, o indivíduo se submete a condições precárias, buscando garantir o necessário

para sua subsistência, e esse processo pode ser chamado de lei da oferta e da procura, ou seja, o

capitalista oferece o emprego, não importando as condições, e o trabalhador, que está à procura,

acaba aceitando para ter como sobreviver.

As mudanças no mundo do trabalho são responsáveis pelo aumento dos „trabalhadores

sem trabalho‟, ou seja, dos miseráveis e dos excluídos. E, para enfrentar a nova problemática

social (exclusão), são necessárias novas estratégias de inserção da classe trabalhadora, tendo em

vista que as políticas de seguridade social que existiam eram baseadas na centralidade do trabalho

assalariado e, se essa classe não tinha salário para receber, ficava sem condições de prover a sua

sobrevivência (CASTEL, 1998).

Segundo Silva (2009, p. 23):

A redução de postos de trabalho e o incremento do uso de tecnologias avançadas para

elevar a produtividade das empresas não lhe tiraram a capacidade peculiar de gerar

riquezas; a fonte de riqueza no capitalismo contemporâneo continua sendo o trabalho

não pago.

Desse modo, a mão-de-obra do homem se torna dispensável, pois o lucro maior do

capitalismo vem do investimento em tecnologia, que acelera o processo de fabricação das

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mercadorias com o número reduzido de empregados, o que antes necessitava de mais empregados

/ trabalhadores e também levava mais tempo. Com a modernização das máquinas, o investimento

em tecnologia fez com que a mão-de-obra perdesse o valor, tornando substituível o trabalho do

indivíduo, dificultando a luta contra esse sistema e gerando vulnerabilidade social.

Assim, só permanecia nos postos de trabalho quem conseguia aprender e executar as

novas formas e tecnologias do serviço, ou seja, o trabalhador tinha que ser polivalente. Para Silva

(2009, p. 20):

... um perfil de trabalhador capaz de desenvolver simultaneamente diversas atividades,

operar várias máquinas e de utilizar intensamente a sua capacidade intelectual, em favor

do capital. Repercutiu, ainda, no aprofundamento do desemprego e do trabalho precário

entre os trabalhadores; [...] formou-se uma gigantesca massa populacional sobrante, uma

massa excedente às necessidades médias de acumulação do capital, o que Marx (1988b)

denomina superpopulação relativa ou exército industrial de reserva.

Isso leva a uma reflexão sobre o que acontece com esses “excluídos”. Por exemplo: como

eles irão sobreviver e onde irão fixar moradia? Possivelmente esse determinado grupo irá ocupar

“... logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma

temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou

como moradia provisória” (BRASIL, 2009).

Com o processo de modernização e o consequente crescimento das metrópoles, o

movimento de migração para essas cidades aumentava, e isso contribuiu para o aumento de

pessoas que buscavam empregos e para a inserção delas no mundo do trabalho precário, pois,

como essas pessoas precisavam de emprego para garantir a sua sobrevivência, acabavam

aceitando as condições que eram estipuladas, ou seja, se submetiam a qualquer condição de

trabalho. As pessoas que não conseguiam emprego começaram a desenvolver outras estratégias

de sobrevivência.

Essa população que sofre exclusão social no mundo do trabalho formal busca, como

estratégia de sobrevivência, por exemplo, o trabalho de coleta de materiais recicláveis. O sistema

econômico produz objetos descartáveis que servirão como fonte de sobrevivência para as pessoas

que já foram “descartadas” (excluídas) pelo sistema formal de emprego e que passaram a exercer

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atividades no sistema informal, ou seja, o trabalho desses indivíduos no local de emprego formal

é desvalorizado, mas no campo da informalidade, como na coleta de matérias recicláveis, é

importante, pois esses materiais têm grande valor para as indústrias. Sobre isso, Bursztyn (2003,

p. 8) diz que: “... o sistema global produz pessoas descartáveis, que passam a viver do descarte do

consumo. Como se os seres humanos fossem lixo, vivendo na rua e da rua, do lixo dos ricos. O

descarte social e o descarte do consumo se unindo, um vivendo do outro".

Ao longo dos séculos, as transformações ocorridas nos sistemas social, econômico e

político da sociedade contribuíram para que os atores dessa sociedade também se

transformassem, e não seria diferente com a população em situação de rua, que a cada dia recebe

um novo segmento para ampliar esse número. Alguns dos grupos que fazem parte da população

em situação de rua são: trabalhadores de rua (catadores de material reciclável, flanelinhas etc.),

albergados, sem-lixo e sem-teto, mais ou menos sedentários (pedintes), sem-lixo e sem-teto

errantes (pedintes, vivem de doações e estão nessa situação por causa do rompimento dos

vínculos familiares ou sofrem de algum transtorno mental), andarilhos; crianças e adolescentes

que fugiram de casa, foras-da-lei, hippies; pedintes de Natal (passam de um a dois meses na rua,

para receber doações de caridade na época do Natal) (BURSZTYN, 2003).

Com o passar das décadas, o processo de globalização influenciou e transformou as

relações sociais e econômicas no mundo. Cada vez mais aumenta a desigualdade entre as classes

sociais, fazendo com que a parcela da população que não está sendo inserida no sistema

econômico vigente seja dependente do serviço público, de ajuda de caridade ou de estratégias que

eles criam para sobreviver na sociedade, mas nem sempre esses serviços são suficientes para

atender a demanda existente e também não são idealizados como uma rede de serviços em todos

os aspectos expostos pelos usuários, como por exemplo, o direito à moradia, que está citado no

artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil vigente, que é a de 1988:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 2010).

Assim, eles passam a ocupar os locais públicos como moradia, e isso fragiliza o processo

de ressocialização desses indivíduos, pois, em alguns casos, quando uma parcela deles não busca

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exercer alguma atividade laborativa lícita, mesmo que seja no campo informal para conseguir o

seu sustento básico referente à alimentação e moradia, eles buscam de maneira ilícita, como, por

exemplo, roubo e furto para garantir sua sobrevivência, e assim todos os que estão em situação de

rua são vistos como indivíduos perigosos que comprometem a segurança da sociedade. Sobre isso

Bursztyn diz que:

... Aumentaram as disparidades e as incertezas, ao passo que a pobreza extrema se

acentuava. Assim, parcelas das populações que viviam no patamar inferior dos circuitos

econômicos são jogadas para fora do sistema. São excluídas do processo de geração de

riquezas (emprego) e da distribuição de seus frutos (consumo). Sobrevivem, mas

valendo-se apenas de um acesso precário a mecanismos públicos, como a assistência

social e os serviços de saúde e, [...], a caridade privada, a filantropia ou entidades

assistenciais religiosas. Infraestrutura privada, como habitação, vai-se tornando algo

distante, inacessível. Trabalham, muitas vezes, mas não são empregados. Obtêm alguma

renda, mas de forma assistemática e pouco convencional. Transformam o espaço público

– as ruas – em seu universo de vida e de sobrevivência privado. Às vezes tornam-se

perigosos, na medida em que praticam delitos; ... (BURSZTYN, 2003, p. 20).

Mota (2010) diz que a desigualdade social faz parte do desenvolvimento do sistema

capitalista e das suas forças produtivas, e que o ser humano vem desenvolvendo um processo

para que o modo de produzir, distribuir e acumular bens materiais e riquezas atendam às suas

necessidades de sobrevivência, contribuindo para a reprodução da sua vida pessoal e para suas

relações sociais. Ou seja, mais uma vez a classe trabalhadora procura estratégias para sobreviver

à exploração do sistema capitalista.

Com o aumento da desigualdade social, mais pessoas passam a ficar em situação de

vulnerabilidade e buscam serviços da assistência social para superar essa situação, mas as

políticas públicas existentes são insuficientes para atender as demandas da população socialmente

excluída.

A assistência é, pois, como as demais políticas do campo social, expressão de relações

sociais que reproduzem os interesses em confronto na sociedade. Reproduzem, portanto,

a exploração, a dominação e a resistência, num processo contraditório em que se

acumulam riqueza e pobreza. E a acumulação da pobreza na sociedade brasileira põe em

questão os limites das políticas voltadas ao seu enfrentamento e à necessidade de

aproximação ao universo de exclusão e subalternidade dos que buscam as instituições

sociais que atuam no âmbito assistencial (YAZBEK, 1993, p. 22).

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Todo esse processo de transformação no desenvolvimento da sociedade contribuiu para a

formação de novos grupos socialmente excluídos, que são os desnecessários economicamente

(não têm condições de ingressar no processo produtivo moderno), os politicamente incômodos

(são responsabilizados pelos erros e mazelas da política) e os socialmente perigosos (vistos como

transgressores da lei, bandidos em potencial) (BURSZTYN, 2003).

Tais grupos são geralmente associados à população em situação de rua, que teve seu

surgimento nas sociedades pré-industriais da Europa, no processo de acumulação primitiva que

não empregava a todos, formando o exército industrial de reserva que contribuiu para que essas

pessoas se “transformassem” em mendigos ou ladrões, pois só quem era beneficiado com a

riqueza produzida eram os capitalistas. A classe trabalhadora não era beneficiada com essa

riqueza produzida. Isso caracterizava a pobreza extrema do indivíduo, levando-o à situação de

rua, pois não tinha como prover moradia, alimentação etc.

O conceito de pobreza, desigualdade e exclusão social estão entrelaçados, mas não são

iguais. A pobreza é uma situação em que o indivíduo se encontra sem recursos para viver

dignamente, mas essa situação pode ser superada; a desigualdade social está relacionada à

distribuição desigual das riquezas produzidas; e a exclusão social é o rompimento do sujeito com

os vínculos sociais, passando a viver à margem da sociedade (BURSZTYN, 2003).

Sobre isso, Prates (1990, apud ESCOREL, 1999, p. 32) diz que:

Desigualdade e pobreza são processos dependentes porque interagem; o comportamento

de uma reforça o desempenho da outra. Um aumento de desigualdade, na maioria das

vezes, implica aumento da pobreza. Mas a diminuição da desigualdade não garante uma

melhora nos indicadores de pobreza, podendo ocorrer uma redistribuição de renda entre

os setores mais ricos.

Ou seja, com o crescimento da desigualdade, aumenta a distância financeira entre a classe

rica e a classe pobre (os que são ricos ficam mais ricos e os que estão em situação de pobreza

ficam na pobreza extrema ou passam à situação de miséria); o contrário não acontece, quando a

desigualdade social diminui, o lógico seria que a pobreza diminuísse, mas o que ocorre é apenas

uma redistribuição da riqueza entre a classe social rica (ESCOREL, 1999).

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A exclusão social é uma expressão da questão social que vem desde outras sociedades

mais antigas, quando, por exemplo, um determinado grupo era excluído socialmente por motivo

de doença, religião, falta de emprego ou qualquer outro fator, e passavam a viver à margem da

sociedade, como era o caso dos leprosos, judeus e desempregados (BURSZTYN, 2003).

Para Escorel (1999, p. 23), a exclusão social: “... Pode designar toda situação ou condição

social de carência, dificuldade de acesso, segregação, discriminação, vulnerabilidade e

precariedade em qualquer âmbito”, ou seja, é toda e qualquer forma de afastamento e

impedimento do indivíduo de ter uma vida social digna.

Com esse impedimento de não ter acesso a condições de uma vida social digna, essa

parcela da população irá fazer parte de uma classe social diferente das pessoas que têm acesso às

riquezas e irão compor a classe que sofre com a desigualdade, com a exclusão social e com a

pobreza.

Segundo Mota (1998, p. 95), “os excluídos são pessoas que estão desprovidas de alguma

propriedade ou de alguma espécie de contrato, seja ele relativo ao trabalho, à terra, à renda, ao

consumo ou ao sistema de seguridade social.”, ou seja, essas pessoas não têm o mínimo

necessário para a sua sobrevivência na sociedade, e suas características as incluem no grupo da

população em situação de rua.

Para Escorel (1999, p. 25):

... A pobreza relativa, a desigualdade, é a falta de recursos ou de consumo em relação a

padrões usuais ou aprovados do que é considerado essencial, pela sociedade, para uma

vida digna. A pobreza absoluta significa não ter acesso aos bens e serviços essenciais, é

o afastamento de um mínimo necessário à manutenção da sobrevivência física de um

indivíduo.

Em alguns casos, as pessoas realmente encontram-se em situação de pobreza, não tendo

nem mesmo como prover o mínimo para a sua sobrevivência; e em outros casos, as pessoas se

consideram em situação de pobreza, pois não conseguem atingir um determinado padrão de vida

que é imposto como o ideal para sociedade.

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Para Sônia Rocha (1994, 1995 apud ESCOREL, 1999), a pobreza e a indigência podem e

devem ser trabalhadas como dois segmentos que são parecidos, mas têm alguns elementos (custo

de vida em cada região, a diferença entre o preço da alimentação, do vestuário, educação,

despesas pessoais, habitação etc) que são fundamentais para determinar se um indivíduo faz parte

da parcela da sociedade que é considerada pobre, ou se ele faz parte do grupo que é considerado

indigente. Quando o indivíduo consegue atender às necessidades mínimas de alimentação, de

vestuário, educação, despesas pessoais e habitação, ele está inserido na linha da pobreza, e

quando não consegue atender sequer às necessidades alimentares, passa a fazer parte do grupo

que é considerado indigente. Toda essa situação é agravada pela precária execução dos serviços

públicos que atendem a essa população.

Segundo Bursztyn (2003), na dimensão histórica do Brasil, na exploração para realização

de trabalho foram apresentados três tipos de personagens: os índios, os negros e os trabalhadores

rurais. Depois do processo de abolição e com o início do processo de industrialização, por um

determinado período os trabalhadores rurais foram importantes para a economia do país, pois eles

vinham migrando para a cidade, aumentando o número de pessoas disponíveis para o mercado de

trabalho e consequentemente desvalorizavam a mão-de-obra e aumentavam o lucro dos

empresários. Além disso, o não acompanhamento na aprendizagem para trabalhar com as novas

tecnologias contribuía para a desqualificação da mão-de-obra.

Com o início do processo de industrialização e urbanização, o pobre estava inserido como

força de trabalho ou em processo de transição rural-urbano, para que conseguisse emprego e se

adaptasse ao novo ambiente, absorvendo os conhecimentos da sociedade moderna. (ESCOREL,

1999).

Na sociedade contemporânea, o desemprego é uma das causas da exclusão social, pois

sem ter o trabalho que garanta a renda para o mínimo da sua sobrevivência (alimentação e

moradia), o indivíduo se desvincula das relações sociais que possuía e passa a buscar outras

estratégias de sobrevivência. Quando não obtém êxito na busca de estratégias para sobreviver, o

indivíduo passa a ocupar locais públicos como espaço de sua moradia, bem como eventuais

ganhos de dinheiro e alimentação durante o dia, passando a fazer parte da população em situação

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de rua. Por isso a qualificação da mão-de-obra é indispensável para uma colocação no mercado

formal de trabalho.

A desigualdade social também não é uma consequência somente do sistema capitalista da

sociedade contemporânea. Ela existe desde outras formas de sistema econômico como, por

exemplo, o feudalismo, em que o senhor feudal concentrava a maior parte da riqueza, mesmo

“doando” parte de suas terras para outro indivíduo morar e cuidar do trabalho para garantir seu

sustento. Mas é claro que era uma forma de desigualdade social diferente da atual, pois no

feudalismo, de uma certa maneira, os indivíduos tinham como garantir o suficiente para sua

sobrevivência, ao contrário do sistema capitalista, em que o indivíduo excluído fica dependente

da criação, por parte do Estado, de políticas públicas que possam intervir nos problemas sociais

que comprometem sua sobrevivência.

Cada vez fica mais complicado viver na sociedade atual, e isso é devido ao agravamento

dos problemas sociais. A dificuldade de conseguir emprego compromete a remuneração dos

indivíduos e consequentemente os colocam em situação de vulnerabilidade social, aumentando o

número de pessoas que são excluídas do mercado de trabalho e incluídas na situação de pobreza.

O Estado, por sua vez, omite-se da responsabilidade de criar serviços que proporcionem as

mínimas condições para o processo de enfrentamento dessa situação e reinserção desses sujeitos

na sociedade. Bursztyn (2003, p. 30) diz que “... o capitalismo empurraria crescentes contingentes

de pessoas para patamares inferiores de riqueza e bem-estar”.

Com o agravamento dos problemas sociais, as pessoas que já se encontravam em situação

de pobreza passam a fazer parte da população que vive em situação de extrema pobreza, também

chamada de situação de miséria, ou seja, totalmente privadas de condições básicas e dignas para

sua sobrevivência.

Existem vários fatores determinantes que levam uma pessoa a ficar em situação de rua.

Esses fatores são elementos que contribuem para a pobreza e consequentemente para a exclusão

social dessa população. Sobre esses elementos da questão social, Yazbek (1993, p. 30) diz que:

“... Pobreza, exclusão e subalternidade: categorias imbricadas que permitem tornar visíveis a

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dominação, a humilhação, o ressentimento, a subordinação, a resistência e outras tantas

dimensões do lento processo de constituição de uma identidade social subalternas”.

Em face do processo de exclusão que a classe trabalhadora sofre por falta de emprego e,

para não permanecer nesse grupo de excluídos, os trabalhadores se submetem a aceitar um baixo

salário, que muitas vezes é suficiente apenas para prover alimentação e moradia, o que,

entretanto, diminui a procura dos serviços da Assistência Social. Sobre isso Yazbek (1993, p. 43-

44) diz que:

Na configuração atual do capitalismo brasileiro, recorrem aos serviços sociais públicos

tanto trabalhadores (registrados ou não) como os que se encontram excluídos do

sistema de produção. O crescimento acelerado da mão-de-obra, sobretudo de baixa

qualificação, constitui uma característica histórica do processo de acumulação no país.

No que se refere à distribuição de renda, verifica-se que a presença desse setor que não

tem rendimento certo reitera a má distribuição de renda no país. [...] Este processo

pressiona fortemente na direção do achatamento dos níveis salariais e/ou do

desemprego de um lado e, de outro, leva segmentos significativos da força de trabalho

a recorrer a serviços assistenciais para sua sobrevivência.

A população em situação de rua sofre com o preconceito e a discriminação, e é chamada

por diversos termos, dentre os quais: mendigos, ladrões, vagabundos, vadios, sujos, flagelados,

rejeitados, pedintes, andarilhos etc. Alguns desses termos tiveram seu surgimento quando o

sistema da sociedade era o feudalismo. Esse sistema era a caracterização da “... produção feudal

[...] repartição da terra pelo maior número possível de camponeses” (Marx, 1988b: 833 apud

Silva, 2009, p. 94). Quando esses camponeses eram expulsos das terras, não tinham como se

sustentar e passavam a ocupar e sobreviver ao redor / margem dos feudos.

Percebe-se, então, que a desigualdade social existe desde a antiguidade até a sociedade

moderna. Essa desigualdade social é caracterizada pela péssima distribuição de renda, que

favorece a poucas pessoas, que ficam com a maior parte das riquezas. Assim, as classes sociais

são determinadas e identificadas pelo seu poder aquisitivo e quem não tem esse poder financeiro

é excluído socialmente e passa a viver à margem da cidade.

Para Nascimento (1994b apud ESCOREL, 1999), a desigualdade econômica e social faz

parte da sociedade moderna e a exclusão social é uma ruptura com essa sociedade. Ou seja,

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mesmo com a desigualdade, existe uma relação entre os sujeitos de várias classes sociais, onde

cada um faz seu papel na sociedade e, mesmo estando em condições diferentes e não se

relacionando diretamente, um influencia na dinâmica econômica e social do outro. Já a exclusão

social sofrida pelos indivíduos é o rompimento da relação desses sujeitos com a sociedade

moderna, pois, por algum motivo, esses sujeitos não foram considerados aceitáveis pela

sociedade.

A existência de pessoas que estão em situação de rua pode ter diversos motivos,

dependendo da época e/ou localidade. Alguns deles são: o movimento de migração, a dificuldade

de inserção no emprego formal, o rompimento dos vínculos familiares e o uso de substâncias

psicoativas. É importante ressaltar que o termo “população em situação de rua” é utilizado

significando de que as pessoas estão nessa situação temporariamente e não permanentemente, e é

algo que pode ser superado com um trabalho, dando a essas pessoas as condições de buscar um

novo sentido para sua vida.

Um dos principais motivos que levam as pessoas à situação de rua é a migração do campo

para a cidade, pois, quase sempre, quando chegam a alguma cidade, elas não têm nenhum recurso

financeiro e ficam sem ter onde morar, passando a ocupar lugares públicos (ruas, praças, parques,

viadutos, marquises e etc) como local de moradia.

No Brasil, nas últimas décadas, o processo de migração da zona rural para a zona urbana

teve alguns momentos marcantes, que foram: a época do “milagre econômico” brasileiro, quando

a população saía do campo, pois tinha perspectiva de conseguir um emprego com o crescimento

industrial. Depois teve o deslocamento da população que tinha migrado para a cidade, e lá se

encontrava aglomerada, para locais onde estavam sendo construídas obras do governo. Outro

momento foi a chamada “década perdida”, quando houve a diminuição do êxodo rural, em

consequência da diminuição da população do campo, que já havia migrado nas décadas anteriores

para a zona urbana. (BURSZTYN, 2003).

Essa diminuição no movimento do êxodo rural e um contínuo deslocamento no interior

das cidades aconteceram no período compreendido entre 1970 e 1980 e causou o aumento das

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áreas de favelas, de desigualdade social e periferização da pobreza. Nessas condições de aumento

acelerado, as favelas atingiram seus limites de construção e aos novos moradores e aos pobres

restou o deslocamento para as áreas metropolitanas. O mercado de trabalho para essa população

era geralmente de relação informal. Assim, o motivo de existência da pobreza estava relacionado

à falta de emprego formal e também de moradia (VALLADARES, 1991 apud ESCOREL, 1999).

Nas áreas metropolitanas que foram ocupadas pela população socialmente excluída

ocorreram a periferização da pobreza, a diminuição da renda dos indivíduos e a precariedade dos

serviços urbanos prestados a essas comunidades. Essa população vive em situação de risco, pois a

ocupação é feita de maneira desordenada e essas áreas ficam com o número elevado de pessoas

em relação à área existente para ser ocupada. Isso causa conflitos entre os moradores, deixando-

os inconformados com a situação de pobreza na qual estão vivendo. Para Escorel (1999), a

concentração de renda e o poder nas mãos de uma minoria contribuíram para o processo de

exclusão, pois o monopólio de grupos no poder facilita a defesa de causas que são de interesse

dos socialmente incluídos.

Talvez o que melhor represente a exclusão social seja o grupo denominado de população

em situação de rua, que está submetido à pobreza e à desigualdade social. Para Bursztyn (2003), a

sociedade em geral e o Estado tratam essas pessoas com descaso, e ele descreve a seguinte

situação: “Os mendigos dormindo nas ruas, em pleno dia, e as pessoas que vão [...] passando por

cima deles ou evitando-os é uma imagem emblemática. [...] Estão sujos, cheiram mal e são feios.

[...]. Invadem as calçadas e incomodam ...” (BURSZTYN, 2003, p.56).

Existem alguns fatores que podem explicar os aspectos do complexo fenômeno “situação

de rua”: a ida para as ruas de grandes cidades ocorre como forma de garantir o sustento e a

sobrevivência; o trabalho nas ruas é precário, mas algumas vezes acaba rendendo mais do que o

trabalho formal; quando estão nas ruas, as pessoas ficam vulneráveis a ter uma vida marginal, a

fazer uso de drogas, mas nem sempre isso ocorre, porque nem todos ultrapassam essas fronteiras;

as crianças e adolescentes que estão matriculados em escolas acabam por abandonar os estudos,

pois as duas realidades são incompatíveis, tendo em vista que eles estão em situação de rua

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buscando garantir o sustento e assim “não têm tempo” para ir à sala de aula; quando o conflito

familiar torna a convivência inviável, as pessoas se submetem à situação de rua.

Bursztyn (2003, p. 146-147) diz que no Brasil o fenômeno da exclusão social ganhou

grandes proporções devido à expansão do desenvolvimento econômico sem o desenvolvimento

social, deixando as pessoas em situação de pobreza. Para conseguir sobreviver em meio a essa

pobreza, a população em situação de rua (excluídos) compartilha experiências e estratégias para

conseguir sobreviver no espaço urbano que eles ocupam.

1.2 CONCEITOS SOBRE A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Existem vários fatores que são vistos como características para identificar a população em

situação de rua, por isso a formação dessa população é heterogênea. Assim, a definição de

população em situação de rua não é a mesma entre os autores.

Para Castel (1998), as pessoas que estão em situação de rua são pessoas que foram

perdendo, por diferentes motivos, as referências institucionais, como a escola, o trabalho, a

família e o Estado, e passaram a fazer parte do processo de exclusão social que os levaram a

ingressar em um processo progressivo e aprofundado para se desvincularem das relações com a

sociedade.

Para Silva (2009, p. 91):

... o fenômeno social população em situação de rua constitui uma síntese de múltiplas

determinações, cujas características, mesmo com variações históricas, o tornam um

elemento de extraordinária relevância na composição da pobreza nas sociedades

capitalistas.

Essas múltiplas determinações de que ela fala são as três condições que ela considera para

que se caracterize e identifique o fenômeno da população em situação de rua. São elas: 1ª - a

pobreza extrema; 2ª - vínculos familiares interrompidos ou fragilizados; e 3ª - inexistência de

moradia convencional regular e a utilização da rua como espaço de moradia e sustento, por

contingência temporária ou de forma permanente.

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Para Sebes (1992 apud Bursztyn 2003, p. 153), população em situação de rua são “...

aqueles que estão nas ruas circunstancialmente, temporariamente e permanentemente, ou entre os

que estão na rua e os que são da rua ...”. Já para Rodrigues e Silva (1999 apud Bursztyn 2003, p.

153), “... população em situação de rua é o „conjunto daqueles que vivem permanentemente nas

ruas ou que dependem de atividade constante que implique ao menos um pernoite semanal na

rua‟”.

Para Escorel (1999, p. 17): “A população de rua se distingue entre uma minoria de grupos

familiares que está na rua e, a maioria de „homens sós‟ que andam em grupo, em duplas ou

sozinhos, para os quais a família está „à distância‟ e é apenas referência”, ou seja, o que

caracteriza, para a autora, a população em situação de rua é a fragilidade ou rompimento dos

vínculos familiares.

E no Artigo 1º, parágrafo único da Política Nacional para a População em Situação de

Rua, está definido que:

População em Situação de Rua é um grupo populacional heterogêneo que possui em

comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a

inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as

áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou

permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como

moradia provisória.

Entendo por população em situação de rua, pessoas que estão sozinhas ou pequenos

grupos familiares que se distanciaram do restante da família, ficando em situação de pobreza e de

risco social, e que não conseguem ganhar o mínimo para prover a sua alimentação e moradia

digna, passando a ocupar de maneira temporária ou permanente (temporária porque a situação de

rua pode ser superada) lugares públicos para “morar” ou estão acolhidos em instituições voltadas

para atender a esse público.

Com a não definição de quais são os sujeitos que realmente constituem a população em

situação de rua e de que esses sujeitos não residem em um local fixo, fica impossível calcular o

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número exato dessa população, e isso dificulta a elaboração e execução de projetos que consigam

abranger a todos eles.

O fenômeno da população em situação de rua é trabalhado principalmente no âmbito da

Assistência Social, que busca atender ao público que dela necessita. Conforme consta no artigo

203 da Constituição Federal de 1988, a Assistência Social será prestada a quem dela necessitar,

independentemente de contribuição à seguridade social, ou seja, se o cidadão está em situação de

vulnerabilidade social, ele tem direito de utilizar a assistência social para superar a situação de

risco. Ele não só pode como deve fazer uso da assistência e principalmente não deve dar nada em

troca, pois a assistência não é favor e nem caridade, mas, sim, um direito que deve ser garantido e

efetivado para o cidadão.

A assistência social busca atuar para proporcionar, garantir e efetivar o acesso dos

usuários às políticas públicas existentes como sujeitos de direitos, sem que depois eles precisem

“retribuir” pelo direito que foi concedido a ele. Para Yazbek (1993, p.11):

... é preciso distinguir assistencialismo de assistência. A rigor, assistência é uma forma

de subsídio: técnico, financeiro, material, psicológico, etc. Enfim, ela se constitui num

campo dinâmico de transferência que não é unidimensional, pois supõe, de um lado, a

necessidade e, de outro, a possibilidade.

Muitos usuários confundem o acesso ao direito como se fosse um favor que está sendo

prestado, e quando não dá certo o procedimento para conseguir utilizar o serviço assistencial, eles

ficam conformados, pois acham que, por ser um favor, não podem reclamar. Ou seja, os usuários

confundem a assistência social com o assistencialismo, e segundo Yazbek (1993, p. 10): “O

assistencialismo, [...] passa a dever um favor ao intermediador da possibilidade, que nem sempre

é proprietário, mas muitas vezes um agente técnico ou institucional”.

A assistência social é mistificada pela sociedade como mais do que uma política de

proteção social que busca atender aos que dela necessitam. Ela é vista como uma política que

pode ser a solução para a pobreza e para o enfrentamento da desigualdade, pois a transferência de

renda através dos programas sociais existentes contribui para que os indivíduos mais pobres

tenham acesso às mínimas condições sociais de subsistência (MOTA, 2010). A população em

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situação de rua também é contemplada com os benefícios da assistência social. Entre esses

benefícios podemos citar o Programa Bolsa Família que é recebido por 2,3% dessa população

(MDS, 2011).

Para Yazbek (1993, p. 53) a assistência social se define como:

A assistência social constitui-se, assim, do conjunto de práticas que o Estado desenvolve

de forma direta ou indireta, junto às classes subalternizadas, com sentido aparentemente

compensatório de sua exclusão. O assistencial é neste sentido campo concreto de acesso

a bens e serviços, enquanto oferece uma face menos perversa ao capitalismo.

Assim, pode-se inferir que a assistência social surge para amenizar os impactos causados

pelo sistema capitalista em que a sociedade está inserida, ou seja, a assistência social busca

desenvolver ações para atender às demandas expostas pela população socialmente excluída.

Na contemporaneidade, essa população excluída, que não é absorvida pelo sistema

capitalista, a fim de inserir-se no processo de modernização, na industrialização, opta por ficar à

margem dos centros urbanos devido à facilidade de conseguir, através da boa ação, caridade e até

mesmo do trabalho informal, o dinheiro para o seu sustento.

Nos grandes centros urbanos, as áreas de concentração de atividades econômicas

comerciais, bancárias ou atividades religiosas e de lazer (supermercados, lojas, bancos,

igrejas, bares, praias, centros culturais, centros esportivos etc) atraem muita gente e são

áreas preferidas pelas pessoas em situação de rua, pela facilidade de receber doações ou

obter rendimentos realizando atividades econômicas informais ... (SILVA, 2009, p. 117).

A reinserção no mercado oficial de trabalho da população que está em situação de rua

seria fundamental para o processo de ressignificação da sua vida, pois essa exclusão do trabalho

pode contribuir para um sentimento de baixa autoestima, dificultando o processo de superação

dessa situação.

São possíveis causas que levam as pessoas a ficar em situação de rua: o uso de álcool e

outras drogas; o rompimento dos vínculos familiares; o desemprego e a desigualdade social, que,

quanto maior for, maior será a pobreza extrema em que essas pessoas vivem, ocasionando a

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violação da dignidade e dos direitos básicos. A parte mais afetada é a classe trabalhadora, que é

explorada e subordinada ao sistema capitalista e se torna “refém” da situação que eles impõem.

A concepção de pobreza [...] põe em evidência aqueles que, de forma permanente ou

transitória, estão privados de um mínimo de bens ou mercadorias necessárias à sua

conservação e reprodução social. [...] determinação empírica da „pobreza‟, é que a

exclusão do usufruto da riqueza socialmente produzida configura-se como um de seus

principais elementos definidores (YAZBEK, 1993, p. 23).

Quando o indivíduo é excluído da sociedade em que vive, ele é submetido a condições

impostas por uma minoria que está no poder. Para Yazbek (1993, p. 18) “... A subalternidade faz

parte do mundo dos dominados, dos submetidos à exploração e à exclusão social, econômica e

política”. Assim, a maior parcela da população está submetida à situação de exploração por parte

da minoria que está no poder. A classe trabalhadora (dominada), que em quantidade é mais

numerosa, é explorada pela classe burguesa (dominante), que, mesmo com o número inferior, tem

o domínio do sistema econômico, social e político da sociedade.

1.3 A ATUALIDADE BRASILEIRA

No contexto atual, a população em situação de rua vem ganhando espaço no que se refere

à criação e organização do Movimento Nacional da População em Situação de Rua – MNPR – e

na luta por garantir o acesso às políticas públicas para esse grupo, como, por exemplo, o

Programa Bolsa Família – PBF –, que é parte do Plano Brasil Sem Miséria – BSM – e que foi

criado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS, 2012).

Segundo o MDS (2012), “O Programa Bolsa Família é um programa de transferência de

renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País”. A

população em situação de rua pode acessar esse benefício, pois eles estão enquadrados nas

condicionalidades do programa. A pobreza e a miséria da sociedade não é um problema só de

agora, elas existem desde outras sociedades, mas o termo exclusão social foi surgindo devido ao

agravamento dos problemas sociais. Por exemplo, mesmo em uma quantidade menor, sempre

existiram pessoas que viviam em péssimas condições e à margem das cidades e que sobreviviam

devido às ações caridosas, ou seja, eram excluídas socialmente. Com o desenvolvimento

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industrial e a urbanização das cidades, aumentou o número de excluídos que viviam à margem

dos grandes centros urbanos. Conforme Escorel (1999, p. 11): “Embora a questão social da

pobreza e da miséria se perpetue no decorrer da história social da humanidade, a noção de

exclusão social é relativamente nova”.

Durante toda a história do Brasil e até a atualidade, a desigualdade social tem sido

característica predominante no desenvolvimento do país. A desigualdade social estava localizada

em todas as regiões e podia ter diversas formas de representação. O desenvolvimento industrial

conseguiu aumentar esse problema, mesmo com o governo dizendo que essa desigualdade era

uma situação transitória ou, no máximo, um desconforto temporário que tinha como objetivo

maior “esperar o bolo crescer para depois reparti-lo”, isso nunca aconteceu de maneira que

beneficiasse as camadas mais pobres. A situação agravou-se enormemente a partir das crises

econômicas dos anos 70 e 80 e, na década de 90, o Brasil foi classificado por organismos das

Nações Unidas como um dos países de maior desigualdade social. (ESCOREL, 1999).

No ano de 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – realizou a

pesquisa do Censo Demográfico e mostrou que, por mais que tenha acontecido uma redução nos

últimos anos, a desigualdade ainda é bastante acentuada no Brasil e, dependendo da região, a

situação consegue ser ainda pior. O gráfico 1 a seguir mostra a diferença entre os rendimentos das

pessoas. Esses dados foram coletados de acordo com o tamanho da população dos municípios.

Assim, nos municípios de médio porte (10 mil a 50 mil habitantes), a desigualdade social é

maior.

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Para exemplificar dados da desigualdade social, Escorel apresenta dados do Relatório do

Banco Mundial, de 1997:

... em que se constata que atualmente, 25% da população do mundo – significando 1

bilhão e meio de pessoas – vive com menos de 1 dólar por dia. No Brasil, o número dos

miseráveis chega a 27,2 milhões de habitantes e na América Latina e Caribe são 91

milhões, correspondendo a 22% da população. O pior é que a expectativa para o futuro é

de acirramento desse problema estrutural, pois o Banco faz a projeção de que, em 2015,

o planeta tenha 2 bilhões de seres humanos vivendo em tal situação. Ou seja, dados o

crescimento demográfico e a condução histórica do capitalismo, uma multidão sem

precedentes de seres humanos passou a não fazer parte, antecipadamente, da partilha dos

bens sociais e da riqueza gerada pelo desenvolvimento econômico, tecnológico e

científico. A esse fenômeno, novo na sua magnitude, se denomina exclusão social.”

(ESCOREL, 1999, p.12).

Mota (2010) destaca que aconteceram algumas mudanças em relação à seguridade social.

Uma dessas mudanças foi o retrocesso das políticas redistributivas no combate à pobreza e à

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extrema pobreza, ou seja, o que antes era uma política de natureza pública e constitutiva de

direitos para todo cidadão passou a ser uma política de caráter compensatório, seletista e

fragmentada.

Para Escorel (1999, p. 15):

A temática da pobreza está cada vez mais na ordem do dia. As mesmas agências

internacionais que impuseram o ajuste das contas públicas realizado às custas dos gastos

sociais declararam que a miséria atingiu proporções assustadoras e que é preciso ouvir o

grito dos pobres, [...]. Lideranças políticas conservadoras que estiveram no poder,

ocupando cargos públicos nos governos militares – período em que as condições de

pobreza estacionaram e até diminuíram mas as desigualdades sociais agravaram-se

acentuadamente – agora ocupam as manchetes dos jornais a denunciar que a situação de

miséria do povo brasileiro chegou ao limite.

A população em situação de rua que tem a pobreza, a miséria, a desigualdade social e a

exclusão social como partes integrantes à sua situação de vulnerabilidade sofre com o aumento

dos descasos e da violência com eles. Como eles estão em situação de “moradia” nas ruas, eles

ficam com suas vidas mais expostas aos riscos de morte. Segundo o website Brasil de Fato, de

fevereiro de 2011 a maio de 2012 ocorreram 195 homicídios contra as pessoas que estão em

situação de rua. Isso equivale a um homicídio a cada dois dias contra essa população. Esses

assassinatos não podem continuar crescendo. Por isso, é necessário que as políticas públicas,

principalmente as voltadas para essa população, sejam colocadas em prática.

Com a rotina, o tempo nas ruas e os locais urbanos que ocupam, a população em situação

de rua passa a construir “novos vínculos familiares” com pessoas que, de alguma maneira, se

identificam. Esses grupos são formados por pessoas que diariamente vivem muitos riscos, muitas

situações vulneráveis e lutam pela sobrevivência. Muitas vezes eles dividem os trabalhos que

conseguem, como, por exemplo, duas ou mais pessoas se unem para aumentar a coleta de

material reciclável e depois dividem o que foi arrecadado. Não raramente também dividem o

ponto de estadia (para dormir) nas ruas.

Até a “fixação” em um determinado lugar e por um determinado tempo desses grupos de

moradores que estão em situação de rua (por curto ou longo prazo), possivelmente eles terão

passado por outros lugares e outras situações que contribuíram para que eles chegassem onde

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estão. Por exemplo, a exclusão de outros grupos que não os aceitaram. Mesmo se tratando de um

processo que está em constante transformação e mudança, esse movimento da população em

situação de rua acaba saindo de uma condição de estado temporário para se tornar um estado

permanente, pois o que está acontecendo é que essa população apenas muda de um lugar para

outro e de uma estratégia de sobrevivência para outra, mas não conseguem superar a situação de

estar na rua.

Para Escorel (1999), o agravamento das desigualdades sociais foi caracterizado pela

marginalidade, pelo surgimento da „nova pobreza‟ e pela „exclusão social‟. A palavra

marginalidade é empregada no sentido de estrutura social centro / periferia. É a população que sai

do centro da cidade para ocupar as regiões às margens dessa cidade.

No Brasil, a “nova questão social” é caracterizada pelo crescimento da violência urbana e

pela mudança do perfil de pobreza, que tem como representantes sociais os pobres e os “novos

excluídos”, vistos como economicamente supérfluos, socialmente ameaçadores e politicamente

incômodos. Assim, a população em situação de rua, que tem características desses representantes

sociais, é mal vista pela sociedade (NASCIMENTO, 1994b apud ESCOREL, 1999).

Segundo Nascimento (1994c apud ESCOREL, 1999, p. 80), o conceito que a sociedade

forma em relação ao pobre e à pobreza é decorrente da “... discriminação, estigmatização e

criminalização da pobreza. Nas representações sociais, o pobre passou de objeto de pena para

objeto de indiferença e, nos dias atuais, para objeto de medo”. Isso acaba se estendendo para a

população em situação de rua, pois eles estão incluídos nessa classe social.

Para Escorel (1999, p. 80), “... A criminalização da pobreza, além de transformar todos os

pobres em objetos de uma repressão específica e dirigida, torna-os também „alvo‟ de relações de

hostilidade, de intolerância, de rejeição e também de eliminação”. Ou seja, ocorre preconceito

com a classe pobre da sociedade e com tudo que é ligado a essas pessoas. Eles passam a serem

sujeitos que sofrem humilhação por parte da outra classe da sociedade (a burguesia).

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“A ausência de lugar envolve uma „anulação‟ social, uma diferença desumanizadora, que

reveste seu cotidiano com um misto de indiferença e hostilidade” (ESCOREL, 1999, p. 81). As

pessoas que estão em situação de rua se adaptam à vida em diversos lugares, e com isso, às vezes,

eles não conseguem se fixar em um único local para que, a partir de então, possam começar um

processo de ressocialização, de ressignificação para a sua vida, buscando superar essa situação.

No próximo capítulo, será abordada a temática da população em situação de rua com

relação às políticas para atender a esse público. Para isso, será necessário apresentar a Política

Nacional de Assistência Social, a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a

Proteção Social Especial e dados e desafios sobre essa população no Município de Fortaleza.

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2 PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA: UM CASO DE POLÍTICA

2.1 POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

O Brasil apresenta um dos maiores índices de concentração de renda e consequentemente

de desigualdade social do mundo que pode ser caracterizada pelo cotidiano das cidades que

apresentam condições de vida precária, pelo aumento da população que vive na pobreza e

também do aumento de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, ou seja, em situação de

miséria, passando a acessar serviços da assistência social (BRASIL, 2004).

A Política Nacional de Assistência Social – PNAS – foi elaborada no ano de 2004. Essa

política “busca incorporar as demandas presentes na sociedade brasileira no que tange à

responsabilidade política, objetivando tornar claras suas diretrizes na efetivação da assistência

social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado” (BRASIL, 2004).

No ano seguinte, 2005, a PNAS implementou o Sistema Único de Assistência Social –

SUAS –, que tem como objetivo garantir políticas públicas para a população que se encontra em

situação de vulnerabilidade. Para cumprir o que é orientado pelo SUAS, em 13 de julho de 2007

o município de Fortaleza criou a Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS –.

De acordo com o artigo primeiro da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS –, “a

assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não

contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de

iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (BRASIL,

1993).

A Política Pública de Assistência Social tem como objetivos:

Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou,

especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem;

Contribuir com a inclusão e a eqüidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o

acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural;

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Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e

que garantam a convivência familiar e comunitária; (BRASIL, 2004).

Assim, percebe-se que existe luta para garantir os direitos dos usuários e que o Estado

deve fazer sua função não se omitindo da sua responsabilidade de proporcionar e garantir os

direitos dos usuários que estão necessitando de serviços da assistência social, assim como

também de outros serviços públicos, pois a Assistência Social, como política de proteção social,

tem como princípio “garantir a todos que dela necessitam, e sem contribuição prévia, a provisão

dessa proteção” (BRASIL, 2004).

A proteção social tem como característica a capacidade de se aproximar da realidade e do

cotidiano dos indivíduos, e isso contribui para a construção da política pública de assistência

social, pois existem três pontos da proteção social que são de fundamental importância para essa

construção. São eles: 1º - as pessoas; 2º - as circunstâncias dessas pessoas; 3º - núcleo de apoio

primeiro dessas pessoas, que no caso é a família. Toda a construção da política de assistência leva

em consideração a relevância dos aspectos da relação do indivíduo com sua família e com a

sociedade (BRASIL, 2004).

Para enfrentar os problemas sociais (desigualdade social, pobreza, miséria e etc) são

elaboradas políticas públicas e sociais. A proteção social é um elemento da Política Pública de

Assistência Social e deve garantir os seguintes benefícios: a segurança da sobrevivência (de

rendimento e de autonomia), que é uma garantia para que todos tenham condições de

sobrevivência, independente de qualquer limitação para o trabalho ou do desemprego, e podem

ser citados como exemplos pessoas com deficiência, idosos, desempregados e etc; a segurança do

acolhimento, um benefício primordial da política de assistência social que busca atender às

necessidades humanas como a alimentação, vestuário e abrigo de pessoas que, por algum motivo:

violência familiar ou social, drogadição, alcoolismo, desemprego prolongado, criminalidade etc,

estão sem condições de ter onde viver; e a segurança de convívio ou vivência familiar, que é a

não aceitação de situações de reclusão, de perda das relações. (BRASIL, 2004).

Após a elaboração da PNAS, ficou evidente que, na sua execução, ela busca dar maior

visibilidade “àqueles setores da sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis ou

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excluídos das estatísticas - população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei,

indígenas, quilombolas, idosos e pessoas com deficiência” (BRASIL, 2004).

Para que seja executada de maneira democrática, a PNAS é regida pelos seguintes

princípios:

I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de

rentabilidade econômica;

II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação

assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e

serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se

qualquer comprovação vexatória de necessidade;

IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer

natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem

como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Esses princípios efetivam a execução da PNAS, garantindo o acesso à prestação dos

serviços que são direitos dos usuários.

A PNAS tem como público usuário:

... cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais

como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade,

pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos

étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela

pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas;

diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção

precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e

alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social.

Ou seja, a PNAS existe para viabilizar o atendimento e garantir os direitos sociais através

da Proteção Social para todas as pessoas que, de alguma maneira, são prejudicadas com os

problemas sociais. Conforme a análise da situação de cada usuário que procura o serviço é que se

faz o encaminhamento para atendimento e acompanhamento junto à devida Proteção Social, que

pode ser a Proteção Social Básica – PSB – ou a Proteção Social Especial – PSE –. A PSB é

destinada para a população que vive em situação de vulnerabilidade social, ou seja, está voltada

para prevenir situações de risco. A PSE está voltada para atender situações em que existe a

violação de direito dos indivíduos.

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Em Fortaleza, as ações de Proteção Social Especial começaram a ser estruturadas pela

SEMAS, seguindo os princípios da PNAS e do SUAS. A População em Situação de Rua é um

dos grupos da cobertura de atuação da PSE e, para atender essas pessoas que se encontravam em

situação de rua no município de Fortaleza, em setembro de 2007 a SEMAS implantou o Centro

de Atendimento à População de Rua – CAPR –, que atualmente é o Centro de Referência para

População em Situação de Rua – CentroPop – (ALVES E ALBUQUERQUE, 2012).

O CentroPop está localizado na Rua Antônio Pompeu, 134, no bairro José Bonifácio. Ele

funciona juntamente com outros equipamentos da SEMAS, a Casa de Passagem Elisabete de

Almeida e o Espaço de Acolhimento Noturno – EAN –, que, por se tratar de uma Política de

Proteção Especial, atende pessoas em situação de rua dispostas a superar e reconstruir os vínculos

familiares e sociais, objetivando um projeto para suas vidas.

A partir desse novo projeto de vida, o CentroPop auxilia no que diz respeito à redução de

danos causados pelos riscos a que são expostos, prestando serviços que são direitos das pessoas e

contribuindo para a ressignificação de seus objetivos por meio das ações de proteção social

integral, articuladas aos serviços disponibilizados pela rede de políticas públicas.

2.2 POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E A

PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL

Para assegurar o direito de acesso a políticas públicas e à execução dos serviços da

proteção social especial para a população em situação de rua, em dezembro de 2009 o presidente

do país, Luiz Inácio Lula da Silva, decretou a Política Nacional para a População em Situação de

Rua4. A PNPR tem como princípios:

I - respeito à dignidade da pessoa humana;

II - direito à convivência familiar e comunitária;

III - valorização e respeito à vida e à cidadania;

IV - atendimento humanizado e universalizado; e

V - respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade,

gênero, orientação sexual e religiosa, como atenção especial às pessoas com deficiência

(BRASIL, 2009).

4 Política Nacional para a População em Situação de Rua: Decreto 7.053 de 23 de Dezembro de 2009.

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Ou seja, os profissionais que trabalham na realização de atividades seguindo o que está

nos princípios da PNPR tem como objetivo realizar atendimentos para os usuários, que são as

pessoas em situação de rua, proporcionando o direito dessas pessoas acessarem os serviços

oferecidos pelas políticas públicas. O trabalho desses profissionais deve ser realizado garantindo

a qualidade do serviço sem que haja qualquer tipo de preconceito.

Os objetivos da PNPR são:

I - assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que

integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social,

moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda;

II - garantir a formação e capacitação permanente de profissionais e gestores para

atuação no desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e

intergovernamentais direcionadas às pessoas em situação de rua;

III - instituir a contagem oficial da população em situação de rua;

IV - produzir, sistematizar e disseminar dados e indicadores sociais, econômicos e

culturais sobre a rede existente de cobertura de serviços públicos à população em

situação de rua;

V - desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a formação de

cultura de respeito, ética e solidariedade entre a população em situação de rua e os

demais grupos sociais, de modo a resguardar a observância aos direitos humanos;

VI - incentivar a pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos sobre a população

em situação de rua, contemplando a diversidade humana em toda a sua amplitude étnico-

racial, sexual, de gênero e geracional, nas diversas áreas do conhecimento;

VII - implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de

rua;

VIII - incentivar a criação, divulgação e disponibilização de canais de comunicação para

o recebimento de denúncias de violência contra a população em situação de rua, bem

como de sugestões para o aperfeiçoamento e melhoria das políticas públicas voltadas

para este segmento;

IX - proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários

e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação

específica;

X - criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema

Único de Saúde para qualificar a oferta de serviços;

XI - adotar padrão básico de qualidade, segurança e conforto na estruturação e

reestruturação dos serviços de acolhimento temporários, de acordo com o disposto no

art. 8o 5

;

XII - implementar centros de referência especializados para atendimento da população

em situação de rua, no âmbito da proteção social especial do Sistema Único de

Assistência Social;

XIII - implementar ações de segurança alimentar e nutricional suficientes para

proporcionar acesso permanente à alimentação pela população em situação de rua à

alimentação, com qualidade;

5 Art. 8º. O padrão básico de qualidade, segurança e conforto da rede de acolhimento temporário deverá observar

limite de capacidade, regras de funcionamento e convivência, acessibilidade, salubridade e distribuição geográfica

das unidades de acolhimento nas áreas urbanas, respeitado o direito de permanência da população em situação de

rua, preferencialmente nas cidades ou nos centros urbanos).

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XIV - disponibilizar programas de qualificação profissional para as pessoas em situação

de rua, com o objetivo de propiciar o seu acesso ao mercado de trabalho (BRASIL,

2009).

Todos esses objetivos da PNPR têm como missão atender, garantir e melhorar os serviços

voltados para a população em situação de rua, contribuindo para o processo de superação da

situação em que esses indivíduos se encontram. Assim, percebo que a legislação voltada para

atender a esse público tem como um de seus objetivos a realização de serviços que seriam ideais

para a saída dessas pessoas da rua, mas na prática nem tudo o que está na lei é executado, pois

existem entraves que dificultam a execução da lei como foi planejada.

A Proteção Social Especial – PSE – atende as pessoas que tiveram seus direitos violados e

que os vínculos familiares ou comunitários foram interrompidos. No ambiente familiar, muitas

vezes a violação desses direitos ocorre principalmente com as crianças, adolescentes, jovens

idosos e pessoas com deficiência. Outros grupos que também têm seus direitos violados são as

pessoas em situação de rua, migrantes, idosos abandonados, que não mantêm mais nenhum

vínculo com seus familiares e sofrem com o agravamento da sua situação e com a exclusão social

(BRASIL, 2004).

A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a

famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por

ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de

substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua,

situação de trabalho infantil, entre outras (BRASIL, 2004).

Na proteção social especial, deve ser priorizada a reestruturação dos serviços de

abrigamento, pois os indivíduos que têm seus direitos violados, que não têm mais o cuidado por

parte da família nem o vínculo com seus familiares, não têm onde morar e precisam de locais que

ofereçam acolhimento. Para a população em situação de rua, serão priorizados serviços que

proporcionem ao indivíduo construir um novo projeto de vida e que ele passe a se reconhecer

como sujeito de direito (BRASIL, 2004).

A PSE é dividida em dois níveis de complexidades, que são: Média Complexidade e Alta

Complexidade. A proteção social especial de média complexidade são os serviços de atendimento

às famílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados, mas não houve o rompimento dos

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vínculos familiar e comunitário. A proteção social de alta complexidade garante a proteção

integral (moradia, alimentação, higienização etc) para pessoas que se encontram sem referência e

precisam ser retirados do núcleo familiar e/ou comunitário, pois estão em situação de ameaça

(BRASIL, 2004).

A SEMAS dispõe de três equipamentos que trabalham com atendimento à população em

situação de rua. A Casa de Passagem Elisabete de Almeida e o Espaço de Acolhimento Noturno

são equipamentos que oferecem o serviço da Proteção Social Especial de Alta Complexidade. O

CentroPop é um serviço da Proteção Social Especial de Média Complexidade da Política de

Assistência Social.

2.3 PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA: DADOS E DESAFIOS

Segundo pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome – MDS –, no período de Agosto de 2007 a Março de 2008, o número de pessoas que

estavam em situação de rua no Brasil era de 50.000 (BRASIL, 2008) e, nesse mesmo período, no

município de Fortaleza, era de 1.701 pessoas (BRASIL, 2008 apud ALVES e ALBUQUERQUE,

2012).

Nessa pesquisa também constam algumas características do perfil da população em

situação de rua no município de Fortaleza, as quais seriam:

84,5% homens, a maioria (56,3%) na faixa entre 25 e 44 anos, pardos (53,8%) e pretos

(24,8%). A maior parte (89,7%) dorme nas ruas, embora tenha atividade laborativa como

catadores de material reciclável (24,6%), flanelinha (21,8%) ou vendas (7,2%). Somente

15% são pedintes (BRASIL, 2008 apud ALVES e ALBUQUERQUE, 2012).

Desde a criação do CentroPop, o número de atendimentos à população em situação de rua

vem aumentando. No ano de 2008 foram atendidos 440 usuários; em 2009 o número de

atendimentos foi de 557; no ano seguinte, 2010, houve um aumento considerável no número de

atendimentos, que alcançou a marca de 1.987; e em 2011, esse número foi para 2.911

atendimentos realizados (ALVES e ALBUQUERQUE, 2012).

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Com esses atendimentos e registro das informações nos prontuários, foi possível verificar

que o perfil dos usuários desse equipamento é semelhante ao apresentado em todo o território

brasileiro. Algumas das características são: predominância masculina (84%), jovem (41,3%),

advinda do interior do Estado (23%), com ensino fundamental incompleto (47%), com os

vínculos familiares rompidos (44%), desempregados (86%), tendo no álcool e outras drogas o

motivo principal de ida e permanência nas ruas (27%). E, ainda, 79% referem-se a usuários de

drogas e 46% vivem de trabalhos informais (ALVES e ALBUQUERQUE, 2012).

O EAN também teve aumento no número de atendimentos. Considerando o pouco tempo

da existência do equipamento, o crescimento dos números da população em situação de rua que é

acolhida pelo EAN é significativo. Em novembro de 2009, o EAN começou a funcionar e fechou

o ano com 20 usuários acolhidos; no ano de 2010, foram acolhidos 700 usuários; e em 2011, o

equipamento acolheu 1.046 usuários. Esses números mostram o aumento da demanda de

atendimento e acolhimento para essa população excluída socialmente.

Diante de todo esse número crescente sobre a população em situação de rua em Fortaleza

e a não saída ou superação dessa situação de rua, juntamente com o pequeno número de

equipamentos e consequentemente de profissionais que atendem esse público, torna-se desafiante

realizar um trabalho com qualidade para atender a todas as demandas dos usuários, de modo que

seja um trabalho que realmente contribua para a superação da situação de rua.

O capítulo seguinte terá como assunto a metodologia escolhida para a realização da

pesquisa de campo no CentroPop e as análises qualitativas dos relatos dos usuários que

frequentam o local. Também será abordada a descrição física do espaço onde foi realizada a

pesquisa e como é a dinâmica de funcionamento do equipamento.

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3 A PESQUISA DE CAMPO NO CENTROPOP E AS ANÁLISES QUALITATIVAS

3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS

O CentroPop foi escolhido para a pesquisa de campo porque trabalha com atendimento à

população de rua, com o objetivo de contribuir para que esses indivíduos superem a situação em

que se encontram, e por estar localizado no município de Fortaleza. A pesquisa de campo

começou a ser realizada em Abril de 2011 e foi até Novembro de 2012, sendo dividida em três

etapas: a primeira, quando comecei o meu estágio; a segunda, quando fui ao CentroPop; e a

terceira, quando apliquei o questionário com os usuários do CentroPop.

Em 2011, quando estava cursando o 5º semestre, uma das disciplinas era a de Estágio

Supervisionado em Serviço Social I. Essa disciplina me proporcionou ser estagiária do Espaço de

Acolhimento Noturno e conhecer a temática População em Situação de Rua, que até então era um

assunto quase desconhecido para mim.

De Abril de 2011 até Junho de 2012, fui estagiária do EAN e nesse tempo foi possível

conhecer o público, a população em situação de rua, que era atendido pelo equipamento. O

conhecimento e as experiências vivenciadas no EAN despertavam cada vez mais o meu interesse

pelo assunto. Isso fez com que não só naquele espaço físico, mas em todos os locais que eu

andava na cidade (caminho de casa, da faculdade, do estágio e até em passeios de lazer)

observava quando havia pessoas em situação de rua, e sempre ficava a curiosidade sobre a

história e a situação em que aqueles indivíduos se encontravam.

No campo de estágio, realizei alguns atendimentos com os usuários e também tive

conversas informais na dinâmica de funcionamento do equipamento, quando escutei relatos dos

sujeitos sobre as dificuldades que tinham para conseguir acessar os serviços públicos. Mas, se

existe uma política específica para a população em situação de rua que busca garantir e assegurar

o acesso a diversos serviços, por que os usuários encontram obstáculos para utilizar esses

serviços?

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No início do mês de Outubro de 2012, comecei a frequentar e observar o funcionamento

do CentroPop, como é a dinâmica dos serviços oferecidos aos usuários e dos profissionais que os

realizam. De acordo com informações obtidas em conversas com os funcionários, os principais

pontos do trabalho desenvolvido pela equipe de profissionais para o processo de superação da

situação de rua são: os atendimentos com profissionais da área do serviço social, da psicologia,

da pedagogia e também do direito (que estava temporariamente suspenso) e as oficinas

pedagógicas, que são realizadas por todos os profissionais já citados e pelos educadores sociais

com os usuários. Essas oficinas são aplicadas com temáticas diferenciadas, sugeridas nas

reuniões dos profissionais e, às vezes, pelos próprios usuários, as quais, nas reuniões seguintes,

são apresentadas como sugestões para a temática do mês. As oficinas são as Socioeducativas, o

Grupo de Mulheres e o Sarau.

O funcionamento do CentroPop é de segunda a sexta-feira, das 8:00h às 17:00h. Os

usuários têm um horário limite de entrada, que no período da manhã é às 9:30h e, no período da

tarde, é às 14:30h. Após esse horário, não é mais permitida a entrada de outros usuários no

equipamento. O acolhimento inicial aos usuários é realizado pelos educadores sociais, que

perguntam quais os serviços de que eles necessitam. A maioria da demanda dos usuários é a

solicitação para tomar banho e participar das oficinas; alguns pedem atendimento referente ao

Cadastro Único e outros solicitam atendimento com assistentes sociais, psicólogas ou com o

pedagogo.

Para realizar uma pesquisa é necessário que ela seja adequada à realidade, disponibilidade

e dinâmica dos sujeitos, pois é fundamental que o pesquisador conheça os limites do que está

sendo pesquisado para manter uma relação de proximidade com o campo de estudo. Segundo

Minayo (1994, p. 15):

... é necessário afirmar que o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A

realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza

de significados dela transbordante. Essa mesma realidade é mais rica que qualquer

teoria, qualquer pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela.

Assim, ter o conhecimento da realidade a ser pesquisada auxilia no desenvolvimento da

pesquisa, pois esse conhecimento é adquirido pela observação e discernimento da realidade. Com

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isso, tem-se a riqueza de detalhes e de informações presenciadas e não encontradas em nenhuma

teoria.

A metodologia é o caminho do pensamento e a prática na abordagem da realidade; e a

pesquisa é o questionamento sobre essa mesma realidade. Nas ciências sociais essa pesquisa não

pode ser realizada buscando resultados quantitativos, pois, como trabalhamos com a realidade

social, é necessário compreender e atuar qualitativamente no assunto pesquisado (MINAYO,

1994).

Para realizar a etapa da pesquisa chamada de entrada no campo existem algumas

dificuldades tais como a aproximação com os sujeitos da área de estudo, a apresentação da

proposta de estudo aos grupos envolvidos, a postura do pesquisador em relação à problemática a

ser estudada, e o cuidado teórico-metodológico com a temática a ser explorada (MINAYO,

1994). Devemos respeitar a existência desses obstáculos, mas também temos que superar a todos

eles para que a pesquisa seja realizada de maneira qualitativa, proporcionando-nos a obtenção de

resultados positivos para a conclusão da pesquisa.

Para Demo (2011), a metodologia são os instrumentos usados para se fazer ciência. E, na

ciência, principalmente nas sociais, tudo é discutível e não existe uma teoria final, pois quando

achamos que chegamos ao final do estudo da pesquisa sobre uma temática, na verdade apenas

construímos um novo objeto a ser pesquisado.

É característica do pesquisador na área das ciências sociais a pesquisa participante, pois

ela exige que essa mesma pessoa seja pesquisador competente e qualitativo. Assim, na realização

da pesquisa é mais garantido obter um trabalho final que contemple a relação entre a teoria e a

prática (DEMO, 2011).

No período de observação do funcionamento do equipamento e da dinâmica de

movimentação dos usuários, percebi que não há uma regularidade na frequência dos usuários no

equipamento. Nem todo o dia são os mesmos usuários. Às vezes eles até vão alguns dias

seguidos, mas, de repente, “desaparecem”; ficam um período sem frequentar o equipamento.

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Então percebi que realizar entrevistas com os usuários seria de extrema complexidade,

pois antes que chegasse o momento de aproximação e confiança do usuário comigo,

provavelmente ele teria deixado de frequentar o equipamento e eu não saberia quando ele voltaria

para conseguir marcar a entrevista. Goldenberg (2009, p. 89) diz que uma das desvantagens da

entrevista é justamente que ela “exige mais tempo, atenção e disponibilidade do pesquisador: a

relação é construída num longo período, uma pessoa de cada vez”. E eu, vendo o movimento

transitório dos usuários no local, percebi que seria inviável a realização das entrevistas.

Assim, decidi pela utilização do questionário semi-estruturado, com o total de 9 (nove)

usuários que responderam ao questionário, pois, na aplicação desse instrumental com os usuários,

não se faz obrigatoriamente necessário marcar um outro dia para obter mais informações.

Goldenberg (2009, p. 87) diz que a vantagem da aplicação do questionário é que “os pesquisados

se sentem mais livres para exprimir opiniões que temem ser desaprovadas ou que poderiam

colocá-los em dificuldades”. E isso, em se tratando de pessoas que estão em situação de rua, que

sofrem com a violação dos seus direitos e se sentem constantemente ameaçados, é um ponto

positivo da utilização do questionário, pois os usuários geralmente não querem falar em

entrevistas, com “medo” do que possa acontecer com eles.

A pesquisa é um processo formal em que procedimentos científicos são utilizados para

descobrir respostas para o problema estudado, mas, como não existe resposta definitiva para esse

problema, a pesquisa nos proporciona adquirir novos conhecimentos no campo da realidade

social (GIL, 2011), ou seja, o surgimento de outro assunto para ser estudado, e instiga-nos a

realizar novas pesquisas.

Gil (2011, p. 122) afirma que o questionário tem como vantagens:

a) possibilita atingir grande número de pessoas, mesmo que estejam dispersas numa área

geográfica muito extensa, já que o questionário pode ser enviado pelo correio;

b) implica menores gastos com pessoal, posto que o questionário não exige o

treinamento dos pesquisadores;

c) garante o anonimato das respostas;

d) permite que as pessoas o respondam no momento em que julgarem mais conveniente;

e) não expõe os pesquisados à influência das opiniões e do aspecto pessoal do

entrevistado.

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E como limitações:

a) exclui as pessoas que não sabem ler e escrever, o que, em certas circunstâncias,

conduz a graves deformações nos resultados da investigação;

b) impede o auxílio ao informante quando este não entende corretamente as instruções

ou perguntas;

c) impede o conhecimento das circunstâncias em que foi respondido, o que pode ser

importante na avaliação da qualidade das respostas;

d) não oferece a garantia de que a maioria das pessoas devolvam-no devidamente

preenchido, o que pode implicar a significativa diminuição da representatividade da

amostra;

e) envolve, geralmente, número relativamente pequeno de perguntas, porque é sabido

que questionários muito extensos apresentam alta probabilidade de não serem

respondidos;

f) proporciona resultados bastante críticos em relação à objetividade, pois os itens pode

ter significado diferente para cada sujeito pesquisado (GIL, 2011, p. 122).

Uma das características do questionário (e também da entrevista) é que “As questões

devem ser enunciadas de forma clara e objetiva, sem induzir e confundir, tentando abranger

diferentes pontos de vista” (GOLDENBERG, 2009, p. 86). Essa característica é de fundamental

importância na aplicação do questionário, pois os usuários ficam cansados e desmotivados a

responder quando o questionário é longo ou não tem as perguntas claras e objetivas. Os usuários

do equipamento demonstraram aparência de cansaço físico e mental, obviamente devido às

condições às quais que eles ficam submetidos dormindo nas ruas.

Pensando nessa característica da população em situação de rua, o questionário elaborado

por mim foi formulado com perguntas claras e objetivas, do tipo “fechadas” e “abertas”. Segundo

Goldenberg (2009), as perguntas fechadas têm suas respostas limitadas às alternativas

apresentadas e são padronizadas, facilmente aplicáveis e de rápida análise. As perguntas abertas

possibilitam a resposta livre. O pesquisado fala ou escreve livremente, mas a análise das

respostas é mais complexa.

3.2 O CENÁRIO E AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

O CentroPop é um equipamento do município de Fortaleza que atende as pessoas que

estão em situação de rua. Para atender essas pessoas, o CentroPop conta com uma equipe

constituída por 31 profissionais que são: uma coordenadora, um coordenador adjunto, um

pedagogo, uma cadastradora (Cadastro Único), uma advogada, dois auxiliares administrativos,

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duas manipuladoras de alimentos, dois zeladores, duas psicólogas, duas assistentes sociais, cinco

educadores sociais (fixos) e 11 educadores sociais da abordagem de rua.

A estrutura física do equipamento é composta de: uma área de espera, uma recepção, uma

cozinha, três salas para atendimento individual, uma sala (aberta) para atendimento referente ao

Cadastro Único, uma sala para coordenação, uma sala que é dividida entre os profissionais da

abordagem de rua e os auxiliares administrativos, uma sala para exibição de filmes e/ou

documentários, uma sala para a realização das oficinas socioeducativas, cinco banheiros, um

pátio e um espaço bem amplo (a céu aberto) onde também acontecem algumas oficinas.

Em todos os espaços do CentroPop existem diversos tipos de obras de arte elaboradas

pelos usuários. São quadros de pintura, esculturas feitas com diversos tipos de materiais

recicláveis, pintura nas paredes como poemas, frases e cordéis de autoria dos próprios usuários.

Há também peças teatrais com os usuários, e tudo isso é idealizado, elaborado e executado nas

oficinas socioeducativas.

A recepção e principalmente o espaço a céu aberto do CentroPop são os locais onde os

usuários conversam entre si e com todos os profissionais. É a hora em que eles relatam como foi

a noite, o que fizeram e ouviram, onde dormiram e tudo o que aconteceu. Ou seja, é o momento

em que eles trocam informações sobre as “notícias” da noite em diversos pontos da cidade. Além

disso, também conversam sobre o que farão durante o dia, sobre notícias que assistiram na

televisão e também fazem brincadeiras uns com os outros. Esses locais me permitiram observar e

escutar algumas conversas dos usuários e conhecer, mesmo que não detalhadamente, a história

deles e a sua rotina.

3.3. PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA, RELATOS E ANÁLISES, E OUTRAS

PERSONAGENS.

3.3.1.PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA, RELATOS E ANÁLISES

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Na pesquisa de campo, os instrumentais utilizados para a coleta de dados foram o diário

de campo e questionário semi-estruturado6. No campo “Identificação” do questionário, consta o

nome do sujeito que respondeu o mesmo, mas, para manter o sigilo7 dessas pessoas – os sujeitos

do grupo 1 – utilizarei nomes das ruas do centro de Fortaleza para identificá-los, pois são ruas em

que eles andam, passam o dia e a noite, ou seja, existe identificação dos usuários com elas. O

nome das ruas que utilizarei para o processo de apresentação do perfil e identificação dos

usuários são: Floriano Peixoto, Major Facundo, Barão do Rio Branco, Senador Pompeu,

Princesa Isabel, General Sampaio, Teresa Cristina, Senador Alencar e Pedro Pereira.

Floriano Peixoto, 49 anos, separado, do sexo masculino, estudou até a 5ª série (1º grau

incompleto), era motorista, não tem nenhuma renda, está há 2 (dois) anos em situação de rua

devido a problemas familiares. Conhece a PNPR e disse que, em Fortaleza, existe a execução dos

serviços assegurados pela PNPR e que “as coisas não acontecem como era pra ser, não têm

qualidade e tudo é difícil de conseguir”. Disse ainda que utiliza os serviços de saúde, assistência

social, cultura e lazer e que esses serviços contribuem para a superação da sua situação de rua,

“mas ainda não é o suficiente porque o bom mesmo seria se tivesse serviço para ajudar a gente a

trabalhar e também tinha que ter serviço pra gente conseguir moradia”.

Major Facundo, 46 anos, solteiro, do sexo masculino, estudou até a 4ª série (1º grau

incompleto), é artesão e sua renda média é de R$ 800,00 mensais, garantida através do trabalho

informal (artesanato). Está há 10 (dez) anos em situação de rua, é natural de outro Estado e após

o término de uma relação estável, resolveu sair da cidade e veio para Fortaleza/Ce. Desde a sua

chegada, já ficou em situação de rua. Não conhece a PNPR, mas depois que expliquei o que era a

política e alguns de seus objetivos, ele disse que, em Fortaleza, existe a execução dos serviços

assegurados pela PNPR e que “a execução desses serviços acontece de maneira fraca” e que

“nossos direitos não são respeitados”; disse ainda que utiliza os serviços de saúde, assistência

social e cultura e que esses serviços “do jeito que está não ajuda em nada” para a superação da

sua situação de rua “mas, se tivesse um local, uma outra estrutura pra eu fazer meu artesanato, ia

ser melhor”.

6 Cf. Apêndice 1.

7 Cf. Apêndice 2.

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Barão do Rio Branco, 54 anos, solteiro, do sexo masculino, tem o Ensino Médio

completo, exerce informalmente a função de vigilante e sua renda é de R$ 40,00 diários. Está há

6 (seis) anos em situação de rua por causa de conflitos familiares. Conhece a PNPR e disse que,

em Fortaleza, existe a execução dos serviços assegurados pela PNPR, mas eles acontecem

parcialmente e que “muita coisa tem que melhorar, mas o que tem eu utilizo”. Disse ainda que

utiliza os serviços de assistência social e cultura e que esses serviços contribuem em boa parte

para a superação da sua situação de rua.

Senador Pompeu, 29 anos, solteiro, do sexo masculino, 1ª série (1º grau incompleto), é

vendedor ambulante, sua renda média é de R$ 1.000,00 mensais, garantida através do trabalho

informal (vendedor). Está há 2 (dois) anos em situação de rua, é natural de outro Estado e saiu

para “conhecer o mundo” (relata que já passou por vários Estados e já foi até para outros países

da América do Sul e que fica pouco tempo nos locais – característica de andarilho). Não conhece

a PNPR e, mesmo depois que falei sobre a política e alguns de seus objetivos e que o local que

ele estava utilizando (CentroPop) era um equipamento da assistência social que era assegurado

pela PNPR para atender a população em situação de rua, ele disse que não percebia a execução

dos serviços e também não os utilizava porque aquela era a primeira vez que estava ali.

Princesa Isabel, 35 anos, solteira, do sexo feminino, estudou até a 5ª série (1º grau

incompleto), é autônoma, sua renda é de R$ 200,00 semanais e está há 11 (onze) meses em

situação de rua porque não pode voltar para a sua cidade, onde tem uma casa. Não conhece a

PNPR, mas depois que falei sobre a política e alguns de seus objetivos, ela disse que, em

Fortaleza, existe a execução dos serviços assegurados pela PNPR e que a execução desses

serviços, mesmo quando está “faltando as coisas”, é realizado com o que se tem. Disse ainda que

utiliza os serviços de saúde e assistência social, mas esses serviços não contribuem para a

superação da sua situação de rua, pois ela mesma vai se mantendo.

General Sampaio, 61 anos, viúvo, do sexo masculino, tem o Ensino Médio completo, era

mecânico e pescador, não tem nenhuma renda, está há 5 (cinco) meses em situação de rua, para

onde foi após a separação de sua companheira e também pela condição de desempregado.

Conhece a PNPR e disse que, em Fortaleza, existe a execução dos serviços assegurados pela

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PNPR, mas que são executados com precariedade, pois a oferta não acompanha o aumento da

população que se encontra nessa situação. Disse ainda que utiliza os serviços de saúde, educação,

assistência social, cultura e lazer e que esses serviços contribuem para a superação da sua

situação de rua, pois, como ele não tem nenhuma fonte de renda, se não houvesse esses serviços,

ele estaria em uma situação pior.

Teresa Cristina, 32 anos, união estável, do sexo feminino, estudou até a 5ª série (1º grau

incompleto), é autônoma, não tem nenhuma renda e está há 20 (vinte) anos em situação de rua,

para onde foi devido a muitas discussões familiares. Não conhece a PNPR, mas depois que

expliquei o que era a política e alguns de seus objetivos, ela disse que, em Fortaleza, existe a

execução dos serviços assegurados pela PNPR, ainda que de maneira demorada. Disse ainda que

utiliza os serviços de saúde e assistência social e que, principalmente esse último, contribui para a

superação da sua situação de rua, pois ela não tem nenhuma fonte de renda e o serviço garante

condições para que ela possa ter acesso à alimentação e a higienização.

Senador Alencar, 49 anos, união estável, do sexo masculino, 1º grau completo, é pintor,

quando tem uma certa regularidade de trabalho sua renda média é de R$ 700,00 mensais,

garantida através do trabalho informal. Está há 2 (dois) anos em situação de rua, para onde ele foi

por causa de desentendimentos com familiares da sua ex-companheira. Conhece a PNPR e disse

que, em Fortaleza, existe a execução dos serviços assegurados pela PNPR e que nunca houve

problema e/ou dificuldade para utilizá-los. Disse ainda que utiliza os serviços de saúde,

assistência social, cultura e lazer e que eles contribuem para a superação da sua situação de rua,

“mas muita coisa só tá no papel. Se tivesse mais estrutura pra atender a gente seria muito

melhor”.

Pedro Pereira, 46 anos, separado, do sexo masculino, 1º grau completo, era motorista, tem

sua renda mensal de R$ 900,00 provenientes de “doações” de familiares. Está há 2 (dois) anos em

situação de rua devido a problemas pessoais e principalmente de saúde que o impossibilitaram de

continuar exercendo a profissão. Conhece a PNPR, mas não percebe a execução dos serviços em

Fortaleza. Disse também que já utilizou o serviço de saúde e que era a primeira vez que estava

utilizando o de assistência social. Afirmou ainda que esses serviços contribuíam como “apoio”

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para a superação da sua situação de rua, pois ali tinha uma estrutura que auxiliava o usuário na

sua higienização, melhorando assim a sua aparência física.

Analisando o perfil e as perguntas do grupo de usuários que responderam o questionário,

o grupo 1, observei que a maioria está na faixa etária compreendida entre trinta (30) e cinquenta

(50) anos, solteiro, do sexo masculino, com 1º grau (mesmo que incompleto), de diversas

profissões e com rendas diferentes ou com nenhuma renda, e todos trabalham de maneira

informal. O tempo de permanência nas ruas varia de cinco (5) meses a vinte (20) anos. Os

motivos que os levam para as ruas também são diversos, mas a maioria citou problemas e

conflitos familiares.

No campo “A situação de rua” do questionário, consta o motivo de ida para as ruas do

sujeito que respondeu a pergunta. Para apresentar esses motivos, trago as respostas de alguns

sujeitos:

“Brigava muito com minha mulher, aí a gente se separou e eu não tive pra onde ir”

(Floriano Peixoto).

“Perdi tudo que tinha e discutia muito com minha família” (Barão do Rio Branco).

“Eu discutia muito com minha mãe porque ela usava droga dentro de casa e ainda trazia

outras pessoas e eu não concordava com isso” (Teresa Cristina).

“Eu morava com a minha ex-companheira e tinha muitos desentendimentos com os

familiares dela” (Senador Alencar).

Essas respostas mostram que as diversas formas de conflitos (brigas, discussões e

desentendimentos) foram os motivos que ocasionaram a ida dessas pessoas para as ruas. Por isso,

em algumas situações, essas pessoas rompem completamente os laços familiares e passam a viver

sozinhas ou na companhia de outras pessoas que estão na mesma situação. O não retorno ao

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ambiente familiar, local que eles tinham uma estrutura física para morar, e as dificuldades que

eles encontram para conseguir prover o sustento, contribui para a permanência na situação de rua.

No que se refere à PNPR, a maioria conhece a política para a população em situação de

rua e percebe, mesmo que de maneira precária, a execução da mesma no município de Fortaleza.

Quase todos disseram que utilizam os serviços que são assegurados pela política. Apenas um

usuário não reconheceu que os utiliza porque era a primeira vez que estava frequentando o local

(CentroPop). Alguns serviços assegurados pela PNPR não foram mencionados pelos usuários e

os citados como utilizados foram: Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura e Lazer. A

maioria acredita que o acesso a esses serviços contribui de alguma maneira para que eles superem

a situação de rua.

No campo “Sobre a Política Nacional para a População em Situação de Rua” do

questionário, constam as respostas do sujeito sobre a PNPR. A seguir trago as respostas de alguns

deles sobre a percepção da execução dessa política no município de Fortaleza e se os serviços

favorecem para a superação da sua situação de rua.

“A execução desses serviços acontecem de maneira fraca. As coisas não funcionam como

deveria ser. Nossos direitos não são respeitados” (Major Facundo).

“Aqui nessa cidade ninguém ajuda em nada” (Senador Pompeu).

“Tem os locais que dão um atendimento pra gente e as coisas funcionam com o que tem.

Às vezes falta alguma coisa, mas não deixa de funcionar” (Princesa Isabel).

“Existem os serviços, mas tem precariedade. O número de pessoas na rua aumentou muito

e o que é oferecido não da pra todo mundo” (General Sampaio).

“Esses serviços contribuem porque é um apoio que eu tenho. Se não tivesse esses serviços

eu estava pior, porque eu não tenho renda nenhuma” (General Sampaio).

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“Aqui serve como um apoio para melhorar a aparência” (Pedro Pereira).

Consta como um dos objetivos da PNPR assegurar o acesso a diversos serviços. Nas

respostas dos sujeitos percebe-se que mesmo com a existência de uma política específica voltada

para atender as necessidades dessas pessoas, a precariedade na execução desses serviços não

cumpre o que está assegurado na PNPR, dificultando o acesso dos sujeitos aos serviços e

consequentemente prejudicando o seu processo de superação da situação de rua, mas também

existe o reconhecimento, por parte de alguns sujeitos, sobre a importância dos serviços que são

executados.

Todas as perguntas que constavam no questionário foram respondidas de maneira

satisfatória para que eu pudesse conhecer, fazer o levantamento dos dados e traçar o perfil dos

usuários. Nas perguntas sobre a PNPR, as respostas também contemplaram os objetivos que eram

saber se eles conheciam e percebiam a execução da política e quais serviços eles utilizavam e se

esses serviços contribuíam para a superação de sua saída das ruas.

3.3.2 OUTRAS PERSONAGENS

Coletei informações, opiniões e relatos de outras pessoas que não quiseram responder o

questionário – as quais denominei de grupo 2 –, mas contribuíram para a elaboração do meu

trabalho com as conversas informais que surgiam sobre diversos assuntos. Essas conversas me

proporcionaram ouvir diversas opiniões, mas algumas chamaram mais a minha atenção e eu

anotava buscando refletir sobre o que eu havia escutado.

Para apresentar as opiniões e relatos desses usuários não utilizarei nomes, pois como

foram informações coletadas por meio de conversas informais, eu não sabia quais eram os nomes

deles, uma vez que mantivemos um único contato e eles não retornaram enquanto eu estive lá.

Algumas declarações dos usuários foram:

Fala 1: “Não quero mais trabalhar”;

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Fala 2: “Adoro „ela‟ por causa disso: o enxame, as comédias ...”;

Fala 3: “Vou pegar o Bolsa Crack”;

Fala 4: “As pessoas podem ser diferentes, mas não indiferentes às situações do cotidiano”;

Fala 5: “Vou voltar a roubar porque não consigo o Bolsa Família. O dinheiro que ganho

quando trabalho é muito pouco e não dá pra nada”;

Fala 6: “Nós somos importantes porque conseguimos falar com os políticos, eles atendem

a nós porque nosso movimento é forte. Duvido que eles atendam você”.

Lendo as anotações na análise das falas e relatos dos usuários que não responderam os

questionários, lembro que anotei a fala 1 em um momento em que dois usuários conversavam

comigo sobre um local que “tinha tudo”, onde um deles estava e que era o sítio de um amigo que

o ajudava a deixar de usar substâncias psicoativas. O outro usuário falou que gostaria de

encontrar um local parecido com o que o amigo estava, pois queria ficar sem fazer nada, ficar

sem trabalhar. Percebi a falta de motivação do indivíduo para trabalhar e conseguir prover seu

próprio sustento.

A fala 2 foi registrada quando um usuário contava um fato ocorrido na noite anterior e que

tinha sido muito divertido. Quando ele se referiu à rua, ele utilizou o termo “ela”, mostrando uma

proximidade com a mesma, bem como o jeito que ele falou expressava uma certa “alegria” em

estar naquele local para poder vivenciar situações que o faziam sorrir.

Na fala 3, o usuário falou em receber o Bolsa Família de uma forma irônica, pois ele é

dependente de crack e usa o dinheiro do benefício para comprar a substância. Depois desse dia,

ele passou um período sem ir para o equipamento e, segundo conversas que tive com outros

usuários, quando alguns deles fazem uso de substâncias psicoativas e recebem dinheiro vão direto

para a Boca de Fumo8.

8 Boca de Fumo: Local popularmente conhecido como ponto de venda e uso de Substâncias Psicoativas (Drogas).

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A fala 4 surgiu de um relato em que o usuário desabafava sobre dois momentos em que

ele sentiu-se humilhado. O primeiro foi por causa da sua aparência física (ele não tinha onde ir

fazer sua higiene diariamente) e vestuário quando foi procurar emprego. O segundo foi quando

ele não foi bem atendido em uma unidade de saúde. Ele quis dizer que todas as pessoas podem

ser diferentes, mas não podem ser tratadas com preconceito e discriminação quando forem

acessar algum serviço, pois o direito é igual para todos.

O usuário da fala 5 questionava por que ele não recebia o benefício do Bolsa Família se

ele já tinha feito o cadastro há algum tempo e outras pessoas que fizeram o cadastro

posteriormente já estavam recebendo o benefício. Se ele não fosse receber o benefício, ele

voltaria a roubar para ter dinheiro e se sustentar, pois o que ele ganhava quando trabalhava

(trabalho informal) era insuficiente para manter seus custos.

A fala 6 pertence ao mesmo usuário da fala 4. Nós conversávamos sobre a organização do

MNPR e as melhorias conquistadas com esse movimento. Ele falou que seria muito mais

provável os políticos receberem a eles do que a mim. Ou seja, eles são ouvidos nas suas

reivindicações porque fazem um trabalho de organização do grupo para que seja possível a

elaboração de políticas específicas que atendam às demandas das pessoas que estão em situação

de rua.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo que seja assegurado pela Política Nacional para a População em Situação de Rua,

o acesso aos serviços como saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança,

cultura, esporte, lazer, trabalho e renda, o que pude perceber foi que alguns desses serviços não

são utilizados pelos usuários e que, segundo declarações da maioria que respondeu ao

questionário, existe precariedade na execução dos serviços que eles utilizam.

O objetivo da pesquisa é compreender como os usuários que utilizam o CentroPop

percebem a execução da PNPR no município de Fortaleza. E ter essa compreensão só é possível

pela reunião do conhecimento que adquiri durante meu processo de formação acadêmica e

principalmente no período da pesquisa de campo, que se dividiu em três momentos: o da prática

de estágio, o da ida ao CentroPop e quando apliquei os questionários com os usuários do

equipamento.

Durante o período da pesquisa, observei a dinâmica de funcionamento do equipamento e

principalmente a rotina, as falas e as conversas dos usuários que estavam utilizando aquele

serviço. Nas respostas obtidas com a aplicação do questionário e nas conversas com os usuários,

percebi que existem outros fatores que merecem uma maior atenção, inclusive para a realização

de novos estudos sobre a população em situação de rua, pois esse grupo está cada vez mais

organizado, reivindicando a elaboração de legislações específicas para eles e lutando pela

efetivação das políticas públicas existentes para que eles tenham realmente acesso aos serviços

assegurados e que os mesmos sejam prestados com qualidade.

No decorrer de todo o trabalho, mediante a leitura e utilização do pensamento dos autores,

apresentei alguns fatores que levam as pessoas a ficar em situação de rua e, relembrando alguns

desses fatores, posso citar: o movimento de migração, a dificuldade de inserção no emprego

formal, o rompimento dos vínculos familiares e o uso de substâncias psicoativas. Todos esses

fatores citados como motivo que levavam as pessoas a ficar em situação de rua também foram

mencionados pelos usuários do CentroPop. Assim, percebi que o que eu estava observando na

prática era similar aos motivos que os autores apresentavam em seus livros, que foram

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produzidos através de estudos realizados em outros espaços em que a população em situação de

rua está presente.

O que me faz querer continuar os estudos na área é o fato de eu perceber que existe uma

dificuldade para a execução da PNPR e que muitos dos serviços que deviam ter o acesso

garantido e assegurado pela política não foram mencionados pelos usuários como serviços que

são executados no município de Fortaleza. Mesmo quando eles não mencionavam esses serviços,

eu perguntava para ter certeza que eles não deixaram de falar por esquecimento e quase sempre o

que eu escutei como respostas foram: “isso aí não existe, não” ou “se tem, eu nunca ouvi falar”.

Dentre os serviços que não foram mencionados como executados em Fortaleza

(previdência, moradia, segurança, esporte, trabalho e renda), vejo que deve ser dada uma

importância à moradia, segurança, trabalho e renda, pois, no que diz respeito à moradia, é direito

assegurado pela Constituição Federal e pela PNPR que todas as pessoas tenham um lugar digno

para morar. A segurança para essas pessoas é indispensável, pois como eles estão em situação de

risco por estarem expostos diuturnamente nas ruas, algumas vezes eles sofrem agressões físicas e

psicológicas por parte de outras pessoas que não estão naquela situação. Talvez o trabalho e a

renda sejam os pontos que mais contribuiriam para que esses sujeitos superassem a situação de

rua, pois, por exemplo, quando o indivíduo tem um local para morar e não tem um trabalho em

que recebe uma renda regular, ele fica sem condições de prover seu próprio sustento.

Este estudo teve como objetivos apresentar a temática sobre a População em Situação de

Rua, que é desconhecida por muitas pessoas, mostrando quais os motivos e os processos que

levam as pessoas a ficar nessa situação, assim como também mostrar as políticas existentes para

atender a demanda desse público, se os usuários desses serviços conhecem seus direitos e se

percebem a sua execução na prática, pois estão garantidos em leis e devem ser efetivados com

qualidade na execução de políticas públicas que atendam especificamente a esse grupo

socialmente excluído, proporcionando melhores condições de vida para essas pessoas.

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REFERÊNCIAS

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Assistência Social em Fortaleza: Uma política de direito em construção. Fortaleza: EdUECE,

2012.

BURSZTYN, Marcel (organizador). No meio da rua: Nômades, Excluídos e Viradores. Rio de

Janeiro: Garamond, 2003.

CASTEL, Robert. As Metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário. Petrópolis:

Vozes, 1998.

DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

ESCOREL, Sarah. Vidas ao Léu: Trajetórias de Exclusão Social. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

GOLDENBERG, Mirian. A Arte de Pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências

Sociais. São Paulo: Record, 2009.

GONÇALVES, Rúbia Cristina Martins. A voz dos catadores de lixo em sua luta pela

sobrevivência. Dissertação de Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profª

Drª Maria Barbosa Dias. Fortaleza: UECE, 2005.

MACIEL, Valney Rocha. Os Herdeiros da Miséria: o cotidiano de mendicância no Centro de

Fortaleza. Dissertação de Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profª Drª

Maria Barbosa Dias. Fortaleza: UECE, 2004.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6 ed.

Petrópolis: Vozes, 1994.

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MOTA, Ana Elizabete. (organizadora) O Mito da assistência social: ensaios sobre Estado,

política e sociedade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2010.

SILVA, Maria Lucia Lopes da. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São

Paulo: Cortez, 2009.

YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1993.

DOCUMENTOS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 2010.

BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social (1993). 2ª ed. Brasília: MPAS, 2001.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: Inclusão das pessoas em

Situação de Rua no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Brasília: 2011.

BRASIL. Política Nacional da Assistência Social – PNAS/2004. Norma Operacional Básica –

NOB/SUAS. Brasília: 2004.

BRASIL. Política Nacional para a População em Situação de Rua. Brasília: 2009.

FONTES ELETRÔNICAS

Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbe/v62n2/06.pdf Acesso em: 08 set. 2012

Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia Acesso em: 09 set. 2012

Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2019&id_pa

gina=1 Acesso em: 09 set. 2012

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Disponível em: http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria Acesso em: 09 set. 2012

Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/9878 Acesso em: 09 set. 2012

Disponível em: http://comshalom.org/blog/30anos/803-nossa-historia-albergue-shalom Acesso

em : 30 nov. 2012

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APÊNDICES

Apêndice 1

Roteiro de Questionário Semi-estruturado

Prezado, Prezada: afirmo que as respostas dadas serão utilizadas apenas para fins acadêmicos,

sendo constituintes da monografia em Serviço Social em processo. Garanto que sua identidade

será preservada por meio do anonimato, conforme os princípios éticos em pesquisa.

II – A SITUAÇÃO DE RUA

TEMPO DE PERMANÊNCIA NAS RUAS:

MOTIVO DE IDA PARA AS RUAS:

_____________________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

III – SOBRE A POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

1. Você conhece a Política Nacional para a População em Situação de Rua? ( ) SIM ( ) NÃO

2. Essa política tem como um de seus objetivos assegurar o acesso aos serviços como: saúde, educação,

previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda. Você percebe a

I – IDENTIFICAÇÃO

NOME DO ENTREVISTADO:

SEXO: ( ) F ( ) M IDADE: GRAU DE INSTRUÇÃO:

ESTADO CIVIL: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Separado

( ) Divorciado ( ) Viúvo ( ) União Estável

PROFISSÃO:

RENDA: R$________

Trabalho ( ) Formal ( ) Informal

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execução desses serviços no município de Fortaleza? ( ) SIM ( ) NÃO

3. De que maneira você percebe a execução desses serviços?

_____________________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

4. Você utiliza esses serviços que são assegurados pela política? ( ) SIM ( ) NÃO

Caso a resposta seja afirmativa qual ou quais serviços você utiliza:

( ) Saúde ( ) Educação ( ) Previdência ( ) Assistência Social ( ) Moradia

( ) Segurança ( ) Cultura ( ) Esporte ( ) Lazer ( ) Trabalho ( ) Renda

5. Você acredita que o acesso a tais serviços irão favorecer a superação da sua situação de rua?

_____________________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

Data: ____/____/______

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Apêndice 2

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da Pesquisa: “A percepção dos usuários que estão no Centro de Referência para a

População em Situação de Rua sobre a execução da Política Nacional para a População em

Situação de Rua”.

Pesquisadora: Érika Cavalcante Victor

Orientadora: Profª Valney Rocha Maciel

O Sr. (Sra.) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa que tem como finalidade

compreender como os usuários que estão no Centro de Referência para a População em Situação

de Rua, percebem a execução da Política Nacional para População em Situação de Rua. Tal

pesquisa é requisito para a conclusão do curso de Bacharelado em Serviço Social pela

Faculdade Cearense.

Ao participar deste estudo, o Sr. (Sra.) permitirá que o pesquisador utilize suas

informações para a realização desta pesquisa. Entretanto, os dados obtidos serão mantidos em

sigilo, somente o pesquisador e sua orientadora terão conhecimento dos dados. O participante

tem a liberdade de desistir a qualquer momento do estudo caso julgue necessário, sem qualquer

prejuízo. A qualquer momento poderá pedir maiores esclarecimentos sobre a pesquisa através do

telefone do pesquisador.

O maior benefício para o participante será a sua contribuição pessoal para o

desenvolvimento de um estudo científico de grande importância, onde o pesquisador se

compromete a divulgar os resultados obtidos. O Sr. (Sra.) não terá nenhum tipo de despesa para

participar desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.

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Após estes esclarecimentos, solicito o seu consentimento de forma livre para participar

desta pesquisa.

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Tendo em vista os esclarecimentos apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,

manifesto meu consentimento em participar da pesquisa “A percepção dos usuários que estão

no Centro de Referência para a População em Situação de Rua sobre a execução da Política

Nacional para a População em Situação de Rua”.

____________________________________________

Nome do participante

____________________________________________

Assinatura do participante

____________________________________________

Assinatura do pesquisador

____________________________________________

Profª Valney Rocha Maciel

Orientadora/ Faculdade Cearense

TELEFONES:

Pesquisador: (85) XXXX-XXXX

Orientadora: (85) XXXX-XXXX