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FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA

RECICLAGEM DE USO E PRESERVAÇÃO ARQUITETÔNICA

JOEL GORSKI

Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção

do título de Mestre em Arquitetura

Orientador: Prof. Dr. José Artur D’Aló Frota

Porto Alegre, setembro de 2003

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Para a Helena, Para o Pedro e para o André

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Agradecimentos:

Ao Prof. Dr. José Artur D’Aló Frota, meu orientador

Ao Arq. Teófilo Meditsch

À Rove Chisman

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS 04

RESUMO 07

ABSTRACT 08

1. Introdução 09

2. Intervenções em edificações existentes: terminologia e conceitos 14

3. Os agentes envolvidos no processo de preservação 26

4. Reciclagem e programas arquitetônicos 48

5. Discussão de casos 60

5.1 A Pinacoteca do Estado de São Paulo 72

5.2 A Sala de Concertos de São Paulo 79

5.3 Outras intervenções 93

6. Considerações finais 104

Referências Bibliográficas 109

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Lista de Figuras Figura 1 Palácio Farnese - Corte Perspectivado. Fonte: Bertrand Jestaz Figura 2 Palácio Farnese - Foto aérea. Fonte: www.thais.it Figura 3 Teatro Polytheama Fonte: foto de Nelson Kon Figura 4 Teatro Polytheama Fonte: foto de Nelson Kon Figura 5 Santander Cultural Foto: autor Figura 6 DC Navegantes acesso da Av. Voluntários da

Pátria Fonte: arquivo Arq. Adriana H. Fleck

Figura 7 Casas preservadas na R. Félix da Cunha em Porto Alegre

Foto: autor

Figura 8 Quincy Market, Boston, EUA Fonte: www.boston-online.com Figura 9 Fanuilhall Boston, EUA Fonte: www.greatbuildings.com Figura 10 Ed.Sul América - Porto Alegre Foto: autor Figura 11 Ed. Arachã – Porto Alegre Foto: autor Figura 12 Museu do Louvre Fonte: Nora Richter Greer Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti, Porto Alegre Foto: autor Figura 16 Edifício na Av Júlio de Castilhos em Porto Alegre Foto: autor Figura 17 Antiga fábrica da Fiat em Lingotto Fonte: Nora Richter Greer Figura 18 n Conversão da fábrica de Lingotto – sala de

reuniões Fonte: www.renzopiano.com

Figura 19 Conversão da fábrica de Lingotto – sala de reuniões

Fonte: www.renzopiano.com

Figura 20 Conversão da fábrica de Lingotto – maquete Fonte: www.renzopiano.com Figura 21 Conversão da fábrica de Lingotto Fonte: www.renzopiano.com Figura 22 Conversão da fábrica de Lingotto – interior Fonte: www.renzopiano.com Figura 23 Conjunto de casas na Rua Cel. Vicente, Porto

Alegre Foto: autor

Figura 24 Interior do Museu de Castelvecchio – Arq. Carlo Scarpa

Foto: Klaus Frahn Fonte: Carlo Scarpa, Taschen

Figura 25 Palácio Provincial – antes da intervenção Foto: André Simão Figura 26 Palácio Provincial – após a intervenção Foto: Leonid Streliaev (Acervo do

Ministério Público) Figura 27 Palácio Provincial - Pátio central Foto: André Simão (Acervo do Ministério

Público) Figura 28 Palácio Provincial - Pátio central Foto: André Simão (Acervo do Ministério

Público) Figura 29 Palácio Provincial – Plantas Baixas Fonte: Acervo do Ministério

Público Figura 30 Usina do Gasômetro - Interior

Foto: Luiz Carlos Felizardo Fonte: Usina do Gasômetro – Centro Cultural

Figura 31 Usina do Gasômetro - Interior

Foto: Luiz Carlos Felizardo Fonte: Usina do Gasômetro – Centro Cultural

Figura 32 Usina do Gasômetro – Vista aérea

Foto: José Abraham Fonte: Usina do Gasômetro – Centro Cultural

Figura 33 DC Navegantes - Planta Geral Fonte: Arq. Adriana Fleck Figura 34 DC Navegantes – Elevação Fonte: Arq. Adriana Fleck Figura 35 DC Navegantes – Praça de Alimentação – antes Fonte: Arq. Adriana Fleck

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Figura 36 DC Navegantes – Praça de Alimentação – “depois”

Fonte: Arq. Adriana Fleck

Figura 37 Pinacoteca de São Paulo Fachada da Av. Tiradentes anterior à intervenção

Foto: Nelson Kon

Figura 38 Vista aérea da região do Pólo Luz Foto: Nelson Kon Figura 39 Pinacoteca de São Paulo

Escada original suprimida pela intervenção Foto: Nelson Kon

Figura 40 Pinacoteca de São Paulo - Fachada da Av. Tiradentes, com o belvedere que substituiu a escada

Foto: Nelson Kon

Figura 41 Pinacoteca de São Paulo - Octógono central com a nova cobertura

Foto: Nelson Kon

Figura 42 Museu Altes, Berlin, Planta do nível principal, Karl F. Schinkel, 1825

Fonte: Revista Projeto nº 69

Figura 43 Pinacoteca de São Paulo - Passarelas metálicas Foto: Nelson Kon Figura 44 Pinacoteca de São Paulo - Passarelas metálicas Foto: Nelson Kon Figura 45 Pinacoteca de São Paulo - Passarelas metálicas Foto: Nelson Kon Figura 46 Pinacoteca de São Paulo - Escada para acesso à

cobertura Foto: Nelson Kon

Figura 47 Pinacoteca de São Paulo - Plantas baixas Fonte: Revista Projeto nº 220 Figura 48 Pinacoteca de São Paulo - Cortes esquemáticos Fonte: Revista Projeto nº 220 Figura 49 Desenho da fachada da Estação Júlio Prestes

conforme construída. Fonte: reprodução a partir de foto de Luiz Carlos Felizardo

Figura 50 Mapa do Pólo Luz

Fonte: Pólo Luz, Sala São Paulo, Cultura e Urbanismo

Figura 51 Sala São Paulo - hall antes da intervenção Foto: Luiz Carlos Felizardo Figura 52 Sala São Paulo - hall ocupado pela platéia da

sala de concertos Foto: Luiz Carlos Felizardo

Figura 53 Estação Júlio Prestes – Corte transversal, onde aparecem as mansardas e a cobertura do Grande Hall que não foram executadas.

Fonte: reprodução a partir de foto de Luiz Carlos Felizardo

Figura 54 Estação Júlio Prestes – Corte longitudinal, onde aparecem as mansardas e a cobertura do Grande Hall que não foram executadas

Fonte: reprodução a partir de foto de Luiz Carlos Felizardo

Figura 55 Logotipo da Orquestra Sinfônica de São Paulo

Fonte: Anita Di Marco e Ruth Verde Zein

Figura 56 Esquemas geométricos das salas sinfônicas de Amsterdã, Boston e Viena em comparação com a Sala São Paulo.

Fonte: Pólo Luz, Sala São Paulo, Cultura e Urbanismo

Figura 57 Croquis do Arq. Nelson Dupré

Fonte: Sala São Paulo de Concertos – Revitalização da Estação Júlio Prestes: o projeto arquitetônico

Figura 58 Foyer da Sala São Paulo de Concertos Fonte: www.vitruvius.com.br Figura 59 Foyer da Sala São Paulo de Concertos Fonte: www.vitruvius.com.br Figura 60 Sala São Paulo - Novas escadas Foto: Nelson Kon Figura 61 Sala São Paulo - Áreas de circulação já

restauradas Foto: Luiz Carlos Felizardo

Figura 62 Sala São Paulo - Vistas interna da cobertura em policarbonato

Fonte: www.vitruvius.com.br

Figura 63 Sala São Paulo - Vistas externa da cobertura em policarbonato

Fonte: www.vitruvius.com.br

Figura 64 Sala São Paulo - Balcões sobre a platéia Foto: Nelson Kon

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Figura 65 Forro móvel executado sobre a sala de concertos

Foto: Luiz Carlos Felizardo

Figura 66 Forro móvel executado sobre a sala de concertos

Foto: Luiz Carlos Felizardo

Figura 67 Sala São Paulo – Plantas baixas Fonte: Anita di Marco e Ruth Verde Zein Figura 68 Museu D’Orsay – Vista do interior Foto: autor Figura 69 Sala São Paulo – Vista externa Foto: Luiz Carlos Felizardo Figura 70 Sala São Paulo – Vista interna Foto: Luiz Carlos Felizardo Figura 71 Ed. Chaves Foto: Arq. Albert Wainer Figura 72 Ed. Chaves Foto: Arq. Albert Wainer Figura 73 Ed. Chaves - Pavimento tipo após intervenção Fonte: Arq. Albert Wainer Figura 74 Residência John Day – Planta baixa

Fonte: Dóris Maria Bittencourt, Casas Residênciais em Porto Porto Alegre em fins do século XIX e início do século XX. p.625-626

Figura 75 Residência John Day – Fachada principal

Fonte: Dóris Maria Bittencourt, Casas Residênciais em Porto Porto Alegre em fins do século XIX e início do século XX. p.625-626

Figura 76 Centro Comercial e Profissional Villaroyal, Porto Alegre

Foto: autor

Figura 77 Centro Comercial e Profissional Villaroyal, Porto Alegre

Foto: autor

Figura 78 Prédio de apartamentos em Boston, EUA, construído sobre antiga igreja - vista externa

Fonte: prospecto publicitário

Figura 79 Prédio de apartamentos em Boston, EUA, construído sobre antiga igreja - vista externa

Fonte: prospecto publicitário

Figura 80 Prédio de apartamentos em Boston, EUA, construído sobre antiga igreja - planta baixa do 7º pavimento

Fonte: prospecto de publicitário

Figura 81 Biblioteca Pública de Boston Fonte: www.bc.ed/bc_org Figura 82 Biblioteca Pública de Boston Fonte: www.gratbuildins.com Figura 83 Biblioteca Pública de Boston – interior do prédio

novo Fonte: www.bc.ed/bc_org

Figura 84 Capela N. Sr. dos Passos – São Leopoldo Foto: autor Figura 85 Capela N. Sr. dos Passos – São Leopoldo Foto: autor Figura 86 Capela N. Sr. dos Passos – São Leopoldo Foto: autor Figura 87 Demolição da Capela N. Sr. dos Passos – São

Leopoldo Foto: autor

Figura 88 Demolição da Capela N. Sr. dos Passos – São Leopoldo

Foto: autor

Figura 89 Demolição da Capela N. Sr. dos Passos – São Leopoldo

Foto: autor

Figura 90 Sesc-Pompéia - restaurante

Foto: Nelson Kon Fonte: Revista ProjetoDesign nº 276

Figura 91 Sesc-Pompéia – restaurante - Planta Baixa Fonte: Revista ProjetoDesign nº 276

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RESUMO O presente trabalho constitui-se numa reflexão acerca das possibilidades que se

abrem para a preservação de bens arquitetônicos, na medida em que se viabiliza sua

utilização por funções distintas das que originalmente levaram a sua construção.

São analisados aspectos relativos à evolução das preocupações com a preservação

de edificações de caráter histórico e excepcional, assim como da chamada arquitetura

vernacular. Recebem especial atenção questões vinculadas a políticas públicas e à prática

da arquitetura envolvidas nas intervenções realizadas em preexistências.

A análise de projetos de variadas escalas e repercussões serve de pano de fundo

para a discussão de metodologias e procedimentos empregados por arquitetos em

diversas realidades. O estudo procura identificar os principais temas que se fazem

presente quando a arquitetura proposta tem como ponto de partida uma arquitetura já

existente.

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ABSTRACT

This study reflects on the possibilities that can be achieved in the field of

architectural conservation whenever buildings are employed in ways other than those

originally intended.

Aspects related to the preservation of historical buildings – and in what ways

concern for such preservation has evolved - are analyzed here, including those pertaining

to vernacular architecture. Special attention is also given to public policies and

architectural practices on the built environment.

The analysis of projects of distinct scales and repercussion is used as a basis to

discuss metodologies and procedures used by architects in different realities. The study

intends to identify the main issues arising whenever the proposed architecture has the

existing one as a starting point.

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1 Introdução

O ciclo de vida de toda edificação se inicia

com as primeiras tratativas para a elaboração de seu projeto

arquitetônico e estende-se até a sua demolição ou

desaparecimento. Com a conclusão da obra e o início de sua

efetiva utilização, o edifício fica sujeito a uma conjugação de

fatores que passam a desempenhar um papel importante na

determinação da extensão de sua vida útil. Dentre estes

fatores é possível destacar os mais influentes: a

intensidade na qual se dá sua utilização, o nível de

manutenção adotado, o surgimento de novas tecnologias,

assim como mudanças ocorridas no contexto onde a

edificação está inserida. Agindo de forma isolada ou

concomitantemente, estes fatores podem levar à

obsolescência e ao abandono do edifício. Em outras situações

a edificação é demolida, dando espaço a um novo projeto e a

uma nova obra, sofrendo sempre influência de como evolui

as legislações que condicionam o uso do solo.

A história da arquitetura está repleta de exemplos de

obras em que houve a participação de mais de um arquiteto

(ou construtor) que foram sucedendo-se ao longo dos anos

na condução dos trabalhos. Este processo de constante

reavaliação do projeto freqüentemente resultava em

alterações e evoluções das técnicas construtivas utilizadas e,

não raro, também nos propósitos de utilização do edifício.

Por razões culturais, às vezes até simbólicas, e por motivos

relacionados à escassez de recursos, prédios ou

simplesmente materiais de construção previamente utilizados

foram muitas vezes reaproveitados. O Palácio Farnese de

Caprarola, na Itália, projetado pelo arquiteto renascentista

Vignola em 1559, e construído sobre as fundações

inicialmente previstas para sustentar uma fortaleza medieval,

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é um exemplo claro deste processo ocorrido em diversas

escalas ao longo dos anos durante a dinâmica de construção

das cidades.

t Figura 1Palácio Farnese - Corte Perspectivado Fon e: Bertrand Jestaz

Figura 2Palácio Farnese - Foto aérea Fonte: www.thais.it

O ambiente construído no qual vivemos, com

raríssimas exceções, é o resultado de um somatório de

intervenções realizadas ao longo dos anos. A construção de

novos edifícios sempre ocorreu ao lado da manutenção ou

adaptação de outros previamente existentes, nem sempre

sendo possível estabelecer as razões que levaram à

permanência de uma edificação em detrimento de outra. Por

vezes o prédio recebe um investimento substancial que o

renova e quase sempre o equipa para cumprir uma nova

finalidade. O valor histórico e arquitetônico nem sempre é

considerado como o fator preponderante na tomada da

decisão de recuperar ou não uma edificação, cabendo, assim,

uma análise mais detida acerca das questões envolvidas

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neste processo.

Alcance do estudo

A preservação e a manutenção do patrimônio

construído têm-se mostrado um desafio em todos os

sentidos. Nas últimas décadas, cidades brasileiras de todos

os portes viram muitos exemplos significativos de sua

arquitetura ou representativos da sua paisagem urbana

desaparecerem. Isto é verdadeiro tanto do ponto de vista da

arquitetura vernacular como do ponto de vista daqueles

prédios tidos como de valor excepcional. É bastante comum

o desaparecimento tanto de edificações isoladas como de

conjuntos urbanos que, não raro, são responsáveis pelo

caráter de ruas e bairros inteiros.

Razões para esta situação podem ser creditadas tanto

às legislações e políticas públicas adotadas para a questão,

como às dificuldades econômicas enfrentadas nas últimas

décadas e ao tratamento que a sociedade vem dedicando à

memória construída.

O reaproveitamento de prédios para fins distintos

daqueles para os quais foram inicialmente concebidos

cumpre um importante papel na preservação do patrimônio

construído, tenha ele valor histórico e arquitetônico ou não,

reconhecido por tombamentos ou outras medidas oficiais.

Constitui-se, sem dúvida, em uma demonstração do tipo de

desenvolvimento almejado por uma sociedade, na medida

em que uma edificação é considerada, seja qual for o seu

estado de conservação, além de um bem cultural, histórico

e/ou arquite ônico também como um bem patrimonial. A par

disso, muitas vezes são os edifícios os responsáveis pela

caracterização da “imagem” do “lugar”, constituindo-se em

elementos valorizados pela população como espécie de

t

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“bem” psicológico.

A utilidade, ou a utilização, parece ser a maior

garantia para a permanência do edifício, como bem

demonstra a observação de Francisco de Gracia:

“... a forma sobrevive às funções, já que os conteúdos sociais da arquitetura, equivalentes aos próprios significados funcionais, caemna obsolescência muito antes que os objetos; com a ressalva de que estes podem encarnar diversos significados simul aneamente.”

t(DE GRACIA, 1992, p. 129)

Para uma melhor compreensão das questões aqui

expostas, algumas indagações surgem como linhas principais

de análise:

a) em que medida a adaptação de edifícios para usos

distintos dos originalmente propostos na sua construção

pode contribuir para a sua preservação?

b) que níveis de intervenção devem ser considerados

quando da intervenção em um edifício existente? o que

preservar: toda a edificação? somente as fachadas? e

quanto ao entorno?

c) quais os reflexos que a intervenção pode gerar no

entorno e de que maneira o contexto contribui para delimitar

o nível da intervenção?

Ao analisar características e situações peculiares de

algumas edificações, do comportamento do mercado

imobiliário, dos reflexos provocados pela legislação vigente,

das técnicas construtivas utilizadas e na capacitação (ou falta

de) dos arquitetos em propor soluções que viabilizem a

preservação dos edifícios, sejam eles dotados de valor

individual ou integrantes de conjuntos arquitetônicos ou da

paisagem e imaginário urbanos, procurar-se-á identificar

razões para o fato de que alguns sobrevivem ao tempo,

enquanto outros são sumariamente demolidos dando lugar a

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novas construções.

No decorrer das análises se buscará identificar a

existência de procedimentos de projeto mais freqüentes ou

tipologias mais propícias ao processo de reciclagem como

forma de preservação, ao mesmo tempo em que serão

tratadas as diferenças conceituais existentes entre

restauração, reconstrução, reabilitação e reciclagem. A

utilização de casos tidos como emblemáticos objetiva discutir

os procedimentos de projeto adotados que tenham

proporcionado a reciclagem ou revitalização de edifícios,

assim como as visões de diferentes arquitetos frente a

intervenções em uma mesma tipologia.

No decorrer do trabalho, é constatante a noção de

que na prática profissional dos arquitetos atuais é cada vez

maior a presença do projeto sobre ou no construído.

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2 Intervenções em edificações existentes: terminologia e conceitos

As discussões teóricas que tratam de intervenções no

ambiente construído são ricas em termos comumente

utilizados por arquitetos, historiadores e críticos, muito

embora seus significados nem sempre sejam coincidentes.

Um entendimento acerca da questão, que embora em um

primeiro momento possa parecer apenas de ordem

semântica, é importante no sentido de se poder unificar os

enunciados referentes ao tema do reaproveitamento das

edificações existentes.

Contexto Histórico

A intervenção em edificações com caráter histórico

passou a ser abordada de maneira sistematizada, isto é, sob

a forma de uma disciplina, a partir do século XIX, quando

começava a se formar, em boa parte dos países europeus,

uma mentalidade preocupada com a preservação dos

monumentos. Nessa época, as discussões que passavam a

acompanhar as intervenções polarizavam-se através das

posições de Viollet-le-Duc e Ruskin, dois dos principais

articuladores das formulações teóricas da época.

Viollet-le-Duc (1814-1879) iniciou sua atuação como

arquiteto em um período no qual a França assistia a diversos

debates relativos à arquitetura. Era o momento em que

questões ligadas à formação profissional estavam sendo

estabelecidas e cujo pano de fundo era constituído por

várias publicações especializadas.

Nas décadas seguintes à Revolução Francesa, o país

teve diversos de seus notáveis monumentos e edifícios

medievais destruídos, muitos alvo de ações de vandalismo.

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Tais atos acabaram por incentivar o surgimento de medidas

oficiais no sentido da preservação do legado medieval até

então desconsiderado, em contraposição a um arquitetura

oficial referenciada quase sempre em uma estética

acadêmica de origem clássica.

As formulações teóricas de Viollet-le-Duc baseavam-

se preponderantemente no entendimento da lógica do

edifício, que, uma vez assimilada, forneceria dados capazes

de proporcionar condições para "uma reconstituição daquilo

que teria sido feito se, quando da construção, detivessem

todos os conhecimentos e experiências de sua própria época

ou seja, uma reformulação ideal de um dado projeto."

,

1.

Seus princípios – e sua atuação - preconizavam que se

restaurasse mais do que a aparência de um edifício, dando

igual atenção à função portante da estrutura, a qual deveria

estar sempre que possível vinculada a sua concepção

original. Outros aspectos por ele assumidos podem ser

considerados extremamente relevantes ainda hoje: a

necessidade de levantamentos cadastrais detalhados da

situação existente, o equívoco da adoção de princípios

absolutos pois as circunstâncias de cada situação são por

demais relevantes na tomada das decisões e, por fim, a

importância da reutilização da obra, pois conservar apenas a

matéria não seria o bastante para a manutenção do espírito

do qual ela é o suporte.

Para Viollet-le-Duc, um edifício só se torna histórico

quando se considera que ele pertence a dois mundos: um

mundo presente, e outro, passado. Como membro da

Comissão dos Monumentos Históricos, à qual cabia a

responsabilidade de dirigir diversas obras de restauração

ligadas à administração nacional, teve a oportunidade de

1 Viollet-le-Duc e o Verbete Restauração, Beatriz M. Kühl (p.18) in: VILOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Cotia, SP Artes & Ofícios, 2000

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colocar em prática suas idéias em diversos trabalhos. Foi

marcante também sua atuação na Comissão das Artes e

Edifícios Religiosos, vinculada ao Serviço de Cultos e

encarregada de zelar pelas igrejas e demais edifícios

eclesiásticos.

Situações similares à vivida na França, de valorização

de um passado gótico, passaram a ser observadas também

em outros países, atingindo maior expressão na Inglaterra e

Alemanha.

Em 1849, o inglês John Ruskin publicou The Seven

Lamps of A chitecture posicionando-se contrariamente ao

preconizado por Viollet-le-Duc. Ruskin era o porta-voz de

uma linha de pensamento que advogava o total respeito pela

obra original, admitindo apenas que as alterações

provenientes do decorrer do tempo deveriam ser

acompanhadas tão somente por atitudes de conservação.

Como exemplo do radicalismo de seus postulados, Ruskin

apud CHOAY (2001, p.155)

r

t r

2 chega a afirmar que restauração

significa "a mais comple a dest uição que um edifício pode

sofrer".

Apesar do destaque obtido pelas idéias de Ruskin e

Viollet-le-Duc, nem França nem Inglaterra vivenciaram

unanimidade de pensamento e prática. Ambas doutrinas

receberam críticas e ponderações em seus próprios meios, o

que de certa forma fez com que houvesse um crescimento

dos debates sobre o tema.

Na verdade pode-se observar aqui que, a seu

momento, as práticas e teorias ligadas à conservação e à

restauração de monumentos históricos confirmam a idéia de

que todo conhecimento em processo de constituição provoca

a crítica a seus conceitos e procedimentos.

2 CHOAY, Françoise. A alegoria do Patrimônio. São Paulo, UNESP, 2001

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Já ao final do século XIX começaram a surgir maiores

questionamentos em relação às idéias e teses até então mais

aceitas. Na Itália o engenheiro, arquiteto e historiador de

arte Camillo Boito (1835-1914) publicou em 1888 sua obra

Ornamenti per tutti gli stili. Em grande parte devido a sua

formação, com igual ênfase na parte humanista e na parte

técnica, Boito que conhecera de perto as restaurações

levadas a efeito em cidades como Florença, Veneza e Milão

segundo os princípios difundidos por Viollet-le-Duc, acaba por

fazer uma síntese entre as visões deste com as defendidas

por Ruskin.

De Ruskin, Boito reafirma a necessidade de conservar

os monumentos baseando-se na noção de autenticidade,

preservando também os sucessivos acréscimos ocorridos ao

longo do tempo, por vezes condenados por Viollet-le-Duc.

Deste, Boito extrai a afirmação do presente frente ao

passado, dando o devido reconhecimento e valor à atitude de

restauração, realizada quando quaisquer outros meios de

salvaguarda tenham sido esgotados.

Ao fundir duas concepções antagônicas de

restauração, Boito acaba propondo uma conduta bastante

complexa, que exige de seus praticantes um nível de

conhecimento teórico e prático bastante desenvolvido, sendo

que muitos de seus princípios foram incorporadas a lei

italiana em 1909. Na concepção de Camilo Boito, a

restauração passa a ser admitida e se legitima, quando se

distingue do original, na medida em que toda a intervenção

arquitetônica é necessariamente datada pelo estilo e técnica

da época de sua execução. Neste sentido preconizou que

fosse evitada a uniformização do tratamento adotado em

face à diversidade dos monumentos existentes; três tipos de

intervenção, pois, são conceituados:

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- Restauração Arqueológica, a ser levada a

efeito junto aos monumentos da antigüidade, buscando

acima de tudo uma exatidão científica. Em caso de

reconstituição deve-se considerar apenas a massa e o

volume, deixando em aberto o tratamento das superfícies e

sua ornamentação.

- Restauração Pitoresca, a ser praticada com

os monumentos góticos, a qual deve concentrar-se

preponderantemente no esqueleto do edifício (estrutura e

alvenarias), deixando a decoração e a ornamentação

deteriorarem-se.

- Restauração Arquite ônica, praticada em

relação aos monumentos clássicos e barrocos, levando em

conta a totalidade da edificação.

t

Em sua conferência realizada na exposição de Turim3,

em junho de 1884, Boito é taxativo em relação às

restaurações arquitetônicas:

“É necessário o impossível, é necessário fazer milagres para conservar no monumento o seu velho aspecto artístico e pitoresco.É necessário que os completamentos, se indispensáveis, e as adições, se não podem ser evitadas, demonstrem não ser obras antigas, mas obras de hoje.” (BOITO, 2002, p. 60)

Ainda hoje é possível identificar a observância de

fundamentos preconizados por Boito em várias intervenções

tidas como bem sucedidas, principalmente no que diz

respeito a conceitos de autenticidade.

Quase que ao mesmo tempo em que Boito difundia

suas teses na Itália, na Áustria, o vienense Alois Riegel,

destacado historiador de arte, desenvolvia as idéias que

3 BOITO, Camilo. Os restauradores. Cotia, SP. Artes & Ofícios. 2002

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embasariam sua atuação como presidente da Comissão

Austríaca de Monumentos Históricos. Riegel publicou em

1903 Der moderne Denkmalkultus (O culto moderno do

monumentos) no qual o monumento histórico é analisado

além do aspecto profissional no qual se detinha Boito, mas

como objeto social e filosófico. Para Riegel os monumentos

podem ser divididos em duas categorias: os “de

rememoração”, ligados ao passado e os “de

contemporaneidade”, vinculados ao presente. Sua análise

acaba por introduzir uma concepção relativista do

monumento histórico, na qual os conflitos presentes no

âmbito da restauração podiam ser tratados de forma

particular em cada caso segundo o estado de cada

monumento e do contexto sociocultural. Os monumentos,

segundo Riegel, recebem esta denominação sempre com um

sentido subjetivo, já que não é sua destinação original que

assim determina, mas sim a sociedade que dele se apropria.

Cabe enfatizar que, nas primeiras décadas do século

XX, já se podia referir ao tratamento das intervenções em

edifícios históricos como sendo uma disciplina. O desenrolar

das ações e discussões culminou com a primeira conferência

internacional relativa aos monumentos históricos realizada

em Atenas, em 1931. Neste mesmo evento é divulgada a

conhecida Carta de Atenas. Com grande ênfase nas questões

técnicas relativas à restauração, este encontro, e os demais

que o sucederam, talvez tenham contribuído para que a

restauração de prédios históricos passasse a ser vista por

muitos de seus praticantes, mesmo sem se aperceberem,

como uma atividade e atitude por demais distanciada da

prática corriqueira da arquitetura. Muitos dos conflitos e

discussões presentes nas intervenções hoje praticadas talvez

tenham aí algumas das suas explicações.

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Panorama Atual

O crescente número de intervenções realizadas em

edifícios existentes tem levado a um correspondente

aumento na quantidade de formulações teóricas sobre o

tema. Inúmeros autores, arquitetos ou não, têm se dedicado

a escrever artigos e livros tratando especificamente do

assunto. Observa-se claramente nestes textos o emprego de

termos iniciados pelo prefixo "re": restauração, reciclagem,

reconstrução, revitalização,...

Philippe Robert destaca muito bem o fato de que as

intervenções sobre edifícios existentes defrontam-se

permanentemente com a dialética entre a forma e a função:

"uma reconversão alcança êxito unicamente quando existe

uma adequação entre a nova função e a forma já existen e."t 4

Esta base conceitual parece ser comum à quase

totalidade dos autores dedicados ao tema. Na leitura de

textos sobre o assunto, porém, não se observa uma

homogeneidade quanto à utilização de uma terminologia

padrão. Talvez pela sutil diferença que possa distinguir um

termo do outro, ou pelos diversos enfoques adotados pelos

autores, fica às vezes prejudicada uma melhor compreensão,

assim como eventuais comparações e o estabelecimento de

relações entre distintas concepções.

É possível estabelecer-se, a grosso modo, algumas

linhas e correspondentes enfoques de conceituação. Em um

primeiro momento observam-se autores que tratam a

arquitetura (ou os objetos arquitetônicos) como tendo

estreitas vinculações com as artes plásticas. Nesta faixa

encontram-se posições bastante firmes e que se debruçam

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preponderantemente sobre casos relacionados a edificações

de caráter excepcional, seja do ponto de vista arquitetônico

seja do ponto de vista histórico. Tratam não raro de questões

arqueológicas e transitam muito mais no campo da

restauração propriamente dita, isto é, lidam com questões

filosóficas e técnicas que visam estabelecer critérios e

procedimentos que buscam a salvaguarda de um

determinado bem físico.

Em outra linha encontram-se autores e textos que

fazem uso da terminologia como ferramenta para a

discussão, análise e descrição da prática da arquitetura

enquanto intervenção na própria arquitetura. Neste caso, o

valor do previamente construído não se constitui sozinho no

mais importante, mas sim o fato de se estar intervindo em

uma edificação existente, seja por necessidade de melhorias,

de alguma alteração de uso ou adequação tecnológica.

Jorge Glusberg, crítico argentino de arte e

arquitetura, escreveu um artigo5 abordando especificamente

a questão da terminologia. Sua idéia básica está centralizada

no fato de que uma intervenção não deixa nunca de ser um

arquitetura “nova”, apenas que realizada sobre ou dentro de

uma arquitetura “velha”. Afinal o prefixo re tem por

significado de novo. Glusberg divide uma vasta lista de

verbos em categorias segundo sua ênfase:

-Tradicionais, aqueles com alcance mais geral e de

utilização mais antiga, como reformar, remodelar, renovar,

reconstituir, ou Técnicos, como reciclar, reconverter e

refuncionalizar, que tentam resgatar ou acrescentar

qualidade aos espaços em relação às suas funções;

4 ROBERT, Philippe. Rehabilitacion–Reconversion: La Arquitectura como Palimpsesto. Revista ARQUIS 4, Centro de Investigaciones em Arquitectura, Universidade de Palermo, Editorial CP67, Buenos Aires, p. 9,dez.1994 5 GLUSBERG, Jorge. Anotaciones sobre la revitalizacion de edificios. Revista ARQUIS 4, Centro de Investigaciones em Arquitectura, Universidade de Palermo, Editorial CP67, Buenos Aires, p. 66-69, dez. 1994.

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Figura 3 -Teatro Polytheama Foto: Nelson Kon

Figura 4 -Teatro Polytheama Foto: Nelson Kon

-Patrimoniais, que, não se referindo somente ao

objetivo técnico propriamente dito, estão relacionados com

questões de caráter histórico e cultural, como resgatar,

recuperar, restaurar, restabelecer, restituir;

-Animistas, que procuram agregar características

psicológicas ao espaço (relativos às intervenções no

interior/alma das edificações), tais como reanimar, reavivar,

revificar.

O projeto de revitalização do Teatro Polytheama, em

Jundiaí, São Paulo (1986/96), iniciado por Lina Bo Bardi

antes de sua morte, pode servir de exemplo para esta última

categoria de intervenções propostas por Glusberg. A equipe

que trabalhava com a arquiteta, formada por Marcelo Ferraz,

Francisco Fanucci, Marcelo Suzuki e André Vainer, assumiu o

trabalho e buscou no projeto não a restauração pura e

simples do edifício, mas “seu verdadeiro significado, o

essencial”. Este, segundo os autores, não estava nos

detalhes ornamentais, e sim no aparelhamento dos tijolos, na

estrutura da cobertura e, principalmente, na original

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possibilidade de múltiplo uso, buscando ressuscitar uma

espécie de “alma perdida”.6

Glusberg acaba por concluir que uma intervenção

bem sucedida é aquela que alcança seus objetivos quanto às

três categorias, assim como sucede a qualquer outro projeto

de arquitetura.

Está quase que permanentemente embutida na

maioria das intervenções em preexistências a idéia de

preservação. Para o Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa, preservação é definida como uma "série de

ações cujo objetivo é garantir a integridade e a perenidade

de algo; defesa, salvaguarda, conservação". No campo da

arquitetura, o conceito de preservação é genérico a ponto de

incluir iniciativas de manutenção, restauração, consolidação,

inventários, levantamentos, tombamento, etc.

Para um melhor entendimento do enfoque a ser

utilizado mais adiante na análise de algumas obras e

projetos, é importante observar algumas nuances

encontradas nas definições de restauração e reciclagem. Para

o Dicionário Houaiss, restauração é "trabalho feito em obra

de arte ou construção, visando restabelecer-lhes as partes

destruídas ou desgastadas"; para o Dicionário Aurélio, é

"recuperação, restabelecimento, restauro, trabalho de

recuperação feito em construção ou obra de arte

parcialmente destruída; conjunto de intervenções técnicas e

científicas, de caráter intensivo, que visam a garantir, no

âmbito de uma metodologia crítico-estética, a perenidade

dum patrimônio cultural; conjunto de intervenções que visam

ao restabelecimento total ou parcial de uma edificação a uma

fase anterior".

A Carta de Veneza, em 1964, documento que serviu

como referência para praticamente todos aqueles que se

6 www.arcoweb.com.br/reciclagem anos 90

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dedicaram às atividades relacionadas à defesa do patrimônio

cultural nas últimas décadas, definiu explicitamente

restauração, em seu nono artigo como:

"A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no plano das reconstituições conjecturais, todo trabalho complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso tempo. A restauração será sempre precedida e acompanhada de um estudo arqueológico e histórico do monumento."

Entre seus postulados a Carta de Veneza admite como

única forma de reconstrução a anastilose, isto é, a

recomposição de partes existentes, embora desmembradas,

situação aplicável mais quando se está tratando de ruínas.

Neste caso os elementos de integração (novos) necessários

devem limitar-se ao mínimo possível e reconhecíveis.

Visto no contexto deste estudo como um meio de

viabilização da preservação da arquitetura existente, o termo

reciclagem recebeu no Dicionário Houaiss a seguinte

definição: "série de ações mais ou menos planejadas,

geralmente provenientes de um grupo, comunidade etc., que

buscam da novo vigor, nova vida a alguma coisa". Para o

Dicionário Michaelis reciclagem significa "reaproveitamen o

de material usado". Nora Richter Greer, citando o The

National Trust for Historic Preservation, organismo americano

encarregado da política pública de preservação, define o

termo como sendo o "processo de conversão de uma

construção para um uso diferente do qual ele fora

originalmente concebido, por exemplo, transformação de

uma fábrica em um conjunto habitacional. Estas conversões

são acompanhadas de diversas alterações no edifício."

r

t

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Apesar da diferença nos enfoques observados entre

as definições dos dicionários e as demais, fica evidente em

todas as conceituações a conotação de vinculação ao

passado existente no termo restauração, ao passo que

reciclagem remete mais à idéia de novo, de futuro.

Ao se tratar de questões relativas às intervenções em

edifícios existentes, perceber esta diferença é de grande

importância, sobretudo quando se está buscando atuar de

uma forma que busque, ao preservar, não congelar o

passado na forma de algo destinado apenas a ser

contemplado.

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3 Os agentes envolvidos no processo de preservação

É possível identificar três principais agentes

responsáveis pelas iniciativas e intervenções realizadas sobre

ambiente construído: o poder público, os empreendedores da

iniciativa privada e os profissionais envolvidos nesta

atividade, preponderantemente os arquitetos. Cada um

destes agentes tem seu modo específico de atuação e

respectiva parcela de ''responsabilidade”. As particularidades

na maneira como atuam podem ser analisadas de modo a

que se entenda o papel por eles desempenhado assim como

suas potencialidades passíveis de um melhor aproveitamento.

A interação entre o poder público e o setor

privado

No Brasil, as primeiras iniciativas oficiais no sentido

de se iniciar um processo de proteção legal ao patrimônio

construído surgem com a criação do Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em janeiro de 1937 e

do Decreto-Lei Federal 25, de 30 de novembro do mesmo

ano, responsável pela introdução da figura jurídica do

tombamento. Formalmente um ato administrativo, o

tombamento é considerado como sendo um instrumento

baseado em critérios técnicos pelos integrantes dos

organismos públicos encarregados de utilizá-lo. Todavia,

aceita esta afirmação, seria de se esperar que tais critérios

fossem claramente expostos e estivessem permanentemente

sujeitos à evolução e ao desenvolvimento natural a que todo

ambiente construído está submetido.

A partir de sua institucionalização em 1937, o

instrumento de tombamento constituiu-se no instrumento de

preservação por excelência, chegando por vezes a ser

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considerado como sinônimo de preservação. Além de

ferramenta jurídica com implicações econômicas e sociais, o

tombamento tem sido utilizado por agentes oficiais e mesmo

por grupos sociais, como o rito de consagração por valor

cultural de um bem.

Não se pode deixar de assinalar que no Brasil a

preocupação oficial com a preservação do patrimônio

cultural, que acaba tomando forma entre a Revolução de 30

e o Estado Novo, surge balizada pelas idéias de movimentos

como o da modernidade e por aqueles que pregavam a união

nacional. Encabeçados por Lúcio Costa, importantes

intelectuais daquele momento7 deram sua contribuição na

política de preservação que viria a ser implementada. É

notório que uma das peculiaridades do modernismo

arquitetônico brasileiro é a coincidência nos personagens

que, ao mesmo tempo em que introduziam condutas e

formas inovadoras na concepção das novas edificações,

preocupavam-se com meios para preservar a arquitetura

praticada em épocas anteriores. Tal situação era contrastante

com o que ocorria em outros países onde eram evidentes os

conflitos entre aqueles que lutavam acima de tudo pela

preservação dos monumentos históricos e aqueles que se

empenhavam na implantação de um novo urbanismo e uma

nova arquitetura, colocando-se diametralmente contra a

preservação do passado ou sua integração à nova produção.

Com a estruturação a nível federal, vários outros atos

complementares passaram a ser adotados com diferentes

graus de abrangência, sendo que a partir dos anos 70

também estados e municípios passaram a se instrumentalizar

no sentido da preservação de seus acervos culturais. Nem

sempre respondendo adequadamente às questões do

momento ou do local, as atitudes oficiais não conseguiram

7 Colaboraram no desenvolvimento e concepção da instituição figuras como Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, entre outros.

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ainda dar uma resposta satisfatória para o tratamento da

questão.

Entre os problemas enfrentados destaca-se a adoção

de conceitos de preservação que acabaram por fazer surgir

um grande vazio conceitual (e por que não existencial?)

entre o exemplar de grande singularidade, merecedor de um

ato administrativo oficial que o eleva à categoria de

patrimônio histórico nacional (ou estadual ou municipal) e à

condição de, se os orçamentos públicos assim comportarem,

protegido na sua conservação e manutenção, e os demais,

para os quais não é traçada política pública alguma. Esta

arquitetura de edificações “comuns” muitas vezes é a que

mais contribui para a formação de uma identidade local e, se

tratada com a merecida atenção, pode apresentar um

potencial de aproveitamento para a solução de problemas

sociais. Algumas providências nesta direção já começam

paulatinamente a serem adotadas por algumas

administrações públicas.8

A par disto, pretende-se discorrer sobre o enfoque

dado aos atos de tombamento e às conseqüentes atitudes de

restauração (permitidas ou incentivadas) que levam a

determinados procedimentos e condutas.

Em A Alegoria do Patrimônio, François Choay

apresenta conceitos e relações extremamente pertinentes e

que servem de embasamento para algumas das análises aqui

propostas. Para a autora o conceito de patrimônio tem sua

raiz diretamente vinculada "às estruturas familiares,

econômicas e jurídicas de uma sociedade estável" (CHOAY,

2001, p.11), configurando o que se poderia denominar de

um conjunto de bens e direitos transmitidos por herança. A

evolução deste conceito, indo em direção a um maior

8 A Comissão Mista de Gerenciamento da Área Central da Prefeitura Municipal de Porto Alegre trabalha buscando viabilizar a utilização de prédios abandonados (ou não concluídos) do centro da cidade como áreas de habitação para famílias de baixa renda, através de financiamentos específicos da Caixa Econômica Federal, programa PAR. Correio do Povo, 29 de maio de 2001, p. 3.

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número de beneficiários (toda a sociedade ou até mesmo a

toda população mundial) e referindo-se mais especificamente

a uma edificação, resulta no que mais interessa enquanto

tema a ser tratado neste estudo: o patrimônio edificado, de

caráter histórico ou não.

Se por vezes é de certo modo fácil reconhecer como

importante a manutenção de um acervo de características

singulares e excepcionais, pergunta-se: qual deveria ser a

atitude mais coerente a tomar frente a edificações ou

conjuntos arquitetônicos comuns, distantes de serem

consideradas como monumentos? Na grande maioria dos

casos estas construções são representativas de atividades e

grupos sociais e refletem seu desenvolvimento, suas

identidades e características culturais. No mínimo pode-se

dizer, e por isto creditar o devido valor, que esta arquitetura

tem parcela importantíssima na conformação do espaço

urbano e é parte indissociável da vida e formação das

cidades.

A reflexão sobre o modo como a memória (ou que

memória) será tratada por uma política pública é a base para

um tratamento correto da questão. Andreas Huyssen coloca

com bastante clareza:

Não seria uma força construtiva da memória o fato de ela poder ser contestada a partir de novas perspectivas e evidências, ou a partir dos próprios espaços que ela bloqueou?....o passado rememorado com vigor pode se transformar em memória mítica. Não está imune à fossilização, e pode tornar-se uma pedra no caminho das necessidades do presente, ao invés de uma abertura no continuum da história. (HUYSSEN, 2000, p.68)

Em nosso país, é na primeira metade do século XX,

momento do auge da aceitação dos conceitos difundidos pelo

Movimento Moderno (quando predominavam propostas que

continham na sua essência a descontinuidade entre as novas

intervenções e o acervo construído) que começam a surgir as

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primeiras iniciativas no sentido da preservação do

patrimônio construído. A situação observada no Brasil nesta

área reflete o pouco espaço, inclusive de tempo, que tem

sido reservado ao tema. Tanto o modelo de desenvolvimento

econômico, onde a expansão urbana se faz sempre visível

através do aumento das construções novas, como a

predominância de políticas oficiais de preservação que

priorizaram exemplares de caráter excepcional, acabaram

por criar condições em que grande parte de nossas

construções se tornassem obsoletas e fossem destruídas sem

a devida reflexão quanto aos benefícios sociais, econômicos e

culturais que se poderia auferir com a continuidade de sua

utilização.

O rigor com que muitas vezes a questão da

preservação é tratada, freqüentemente apresentando

restrições à introdução de técnicas construtivas e elementos

formais novos na recuperação de edificações tombadas,

pode ter tido efeito oposto ao desejado. Daí a observação de

Carlos Nelson F. dos Santos:

“Quando se pensa em preservar, alguém logo aparece falando em patrimônio e tombamentos. Também se propagou a crença e que cabia ao governo resguardar o que valia a pena. Como? Através de especialistas que teriam o direito de (o poder-saber) de analisar edifícios e pronunciar veredictos....” (SANTOS, 1986, p. 60)

Também a este respeito é pertinente a observação de

BASTOS (2001, p.8) afirmando que “recicla-se o patrimônio

para ele ser usado. O que melhor conserva é o uso, a vida.”,

onde fica evidente que tão importante quanto a decisão pela

preservação de um edifício é a decisão quanto à destinação

que o mesmo terá após sua recuperação.

A crônica escassez de recursos financeiros por parte

do poder público faz com que diversos edifícios tombados

aguardem até hoje dotação orçamentária que seja capaz de,

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pelo menos, estancar um processo de deterioração física que

avança sistematicamente. Exemplo desta situação é o prédio

da antiga Escola Militar de Rio Pardo, tombado pelo Governo

do Estado em 1986, que aguardou investimentos para sua

recuperação durante vários anos a ponto de quase criar-se

uma situação de irreversibilidade.

Carlos Nelson F. dos Santos constata que a

preservação passou a ser um procedimento que não vem ao

encontro dos anseios de nenhum dos agentes envolvidos.

Segundo ele, enquanto o poder público acaba por tornar-se

responsável pela integridade de bens que não quer ou não

tem condições de preservar, proprietários particulares não

aceitam o tolhimento em seus direitos de posse; a sociedade,

por sua vez, nem sempre demonstra ser suficientemente

esclarecida quanto aos objetivos buscados.

“...As cidades estão cheias de bairros velhos que constituem um excelente estoque, na maioria dos casos, em uso. Destruí-lo equivale a destruir riqueza, prática absurda em um país onde nem sequer são produzidas casas suficientes para atender ao acréscimo da demanda. Arquitetos e engenheiros podem encontrar nesse campo terreno fértil para experimentações. Palacetes e mansões podem ser desmembradas internamente como edifícios de apartamentos. Casinhas mínimas podem ser intercomunicadas, segundo padrões não convencionais, resultando unidades maiores.” (SANTOS, 1986, p.61)

Há casos onde a decisão técnica de preservar e

recuperar determinado bem arquitetônico é acompanhada da

decisão política de alocar recursos financeiros para a

execução da obra. Nas vezes em que o prédio teria, através

de sua recuperação, condições de continuar

desempenhando suas funções originais (casos em que o uso

do prédio persiste – igrejas, por exemplo), os critérios para a

intervenção parecem mais claros de serem adotados e

entendidos.

Em outras situações, que tendem a um maior

número, a função desempenhada pela edificação já não tem

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mais razão de ser, pelo menos usando as instalações

existentes. Nestes casos cabem algumas reflexões

importantes para definição e avaliação do processo: para

qual finalidade será feita a recuperação? Qual o nível de

reconstituição a ser adotado? Estes critérios devem ser

idênticos para todos os prédios “tombados”? Qual o nível de

subjetividade a ser aceito na avaliação e aprovação por parte

dos órgãos públicos das propostas de intervenção?

Estas são ainda questões em aberto, para as quais o

setor público precisa posicionar-se a fim de melhor

desempenhar suas atribuições relativas à preservação do

patrimônio arquitetônico.

A realização de um levantamento estatístico em nosso

país a fim de quantificar o número de intervenções

significativas que recuperaram ou reciclaram edificações nas

últimas décadas certamente chegaria a uma conclusão que

pode ser antecipada: a maior parte dos projetos

significativos, no que diz respeito à qualidade e repercussão

sociocultural, foi protagonizada pelo setor público.

Esta premissa serve como reconhecimento do papel

importantíssimo desempenhado pelos governos federal,

estaduais e, em alguns casos, pelas administrações

municipais, como patrocinadores, gestores e autores de

obras de grande relevância, algumas inclusive alvo de

análise neste trabalho. Pelas características peculiares da

administração pública brasileira e da sociedade que a mesma

reflete, o Estado tem sido muitas vezes o único a investir

recursos em obras nas quais a geração de renda ou de

retorno do investimento não são fatos assegurados.

Mudanças neste panorama começaram a ocorrer, ainda que

lentamente, no final da década passada, identificando-se aí

claramente o papel indutor das ações públicas.

Instituições privadas e até mesmo indivíduos

passaram a ver no aproveitamento dos prédios existentes,

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além de uma alternativa viável para investimento, uma

atitude consciente frente a uma conduta anterior na qual

tudo deveria ser feito a partir do novo. O velho, dito de

outra forma, o existente ou o passado, passa a ser encarado

como um valor agregado ao patrimônio imobiliário, embora

apenas em algumas poucas situações possa ser fonte de

algum valor pecuniário. Empresas, notadamente do setor

financeiro, começam a associar sua imagem a iniciativas

ligadas à preservação do patrimônio arquitetônico da mesma

forma com que vinham a mais tempo investindo em eventos

da área cultural, numa clara estratégia mercadológica.

Exemplos como o do Banco do Brasil, com o seu centro

cultural implantado na cidade do Rio de Janeiro na década

passada e o do Banco Santander, inaugurado no ano de

2001 em Porto Alegre, são uma demonstração inegável da

associação entre instituições financeiras e a área cultural que

acabaram se tornando mais visíveis com a instalação de suas

sedes em importantes marcos arquitetônicos das duas

cidades.

A despeito de opiniões que consideram tais atitudes

um tanto quanto oportunistas, não se deve perder de vista o

fato de que as instituições culturais daí surgidas têm via de

regra atuação destacada e os projetos de arquitetura através

dos quais foram implantadas têm inegáveis qualidades.

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Figura 5 Santander Cultural Projeto original do Arq. Fernando Corona, intervenção do Arq. Roberto Loeb Foto: autor

Intervenções como a que transformou antigas

edificações industriais semi-abandonadas no centro

comercial DC Navegantes em Porto Alegre, projeto de 1994

da autoria dos arquitetos Adriana Hofmeister Fleck, Rosane

Bauer e João Carlos Gaiger, demonstram que, havendo uma

conjunção de fatores, o reaproveitamento de edificações

poderá ser sempre uma opção levada em conta para

investimentos pelo setor privado. Mesmo proprietários de

imóveis de pequeno porte ou residenciais vêm

demonstrando em maior número do que em tempos

anteriores estar muito mais dispostos a conservá-los,

preservá-los ou reaproveitá-los para um novo uso em

oposição a uma atitude de simples demolição e construção

de um novo edifício.

É neste ponto que se deve refletir mais detidamente

a respeito das políticas e atuações das administrações

públicas, já que a consciência e a preocupação com temas

ligados à preservação arquitetônica passam a ter presença

crescente em diversos setores da sociedade.

O poder público, a par de investir diretamente na

preservação e recuperação do patrimônio edificado, balizado

por limitações éticas e orçamentárias, deve responder pela

Figura 6 DC Navegantes – acesso da Av. Voluntáriosda Pátria Fonte: arquivo Arq. Adriana H. Fleck

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criação de políticas públicas capazes de incentivar a

mobilização social e o interesse participativo de modo que

os investimentos privados sejam orientados também no

sentido da geração de benefícios públicos. Programas e

iniciativas públicas que contenham estes requisitos tendem a

ser bem sucedidos na medida em que diversos aspectos da

vida urbana são atendidos: áreas edificadas degradas são

recuperadas, melhora-se a qualidade de vida ao mesmo

tempo em que incentiva-se o senso de cidadania e história

dentro da comunidade.

O setor público não deve, pois, deixar de exercer seu

papel regulador, estabelecendo normas e procedimentos

para a elaboração de projetos e para a execução de obras.

Além disso, em consonância com seu papel de indutor de

comportamentos, deve apoiar e facilitar todas as iniciativas

que venham ao encontro dos objetivos de uma política

macro de preservação. Isto significa dizer que, desde a

concepção de políticas de incentivos para o

reaproveitamento e recuperação de edifícios existentes

(regimes urbanísticos diferenciados e incentivos fiscais, por

exemplo), orientação e suporte técnico, até a tramitação

administrativa dos processos de licenciamento de obras,

deve haver um tratamento diferenciado9. Na adaptação de

um prédio antigo para uma nova função, muitas vezes é

inviável o atendimento das normas técnicas atuais da

mesma forma como elas são aplicadas às construções novas,

sob pena de se incorrer em mutilações inaceitáveis na

estrutura original. Por outro lado, o não atendimento das

normas deve também ser evitado, já que não é admissível

que, para um edifício contemporâneo, por exemplo, não se

destinem recursos para a prevenção de incêndios ou sua

acessibilidade universal. Dito de outra forma, seria desejável

9 A Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou recentemente Projeto de Lei que isenta de imposto e taxa de lixo os proprietários de imóveis tombados pelos órgãos de preservação histórico-cultural, do município, Estado ou União.

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que as administrações públicas dessem tratamento distinto a

situações de intervenção em prédios existentes de modo a

possibilitar uma análise que comporte as peculiaridades de

cada caso.

Muitas vezes a possibilidade de que a tramitação de

um processo de aprovação de projeto pelos órgãos públicos

possa estender-se por mais de um ano afasta o proprietário

de um imóvel com potencial para reaproveitamento da

intenção de preservá-lo. Há situações outras em que se

percebe o receio dos proprietários quanto aos custos

gerados pelas exigências feitas pelos órgãos de preservação.

Na verdade esta é uma equação financeira que ainda não foi

solucionada: as exigências (muitas vezes justificadas, outras

nem tanto) não são atendidas por falta de recursos do

proprietário, o que leva a uma deterioração da edificação,

levando a um aumento do custo necessário para a realização

da obra. Fica quase sempre sem resposta a questão relativa

ao ressarcimento do proprietário frente às exigências dos

organismos de proteção do patrimônio histórico. Há de se

buscar mecanismos eficientes para que o proprietário não se

sinta penalizado ou castigado por possuir um imóvel

considerado como patrimônio a ser preservado.

Em contraste com a realidade brasileira, onde a

disponibilidade de recursos financeiros é escassa, há em

diversos países desenvolvidos experiências bem sucedidas

em que os programas oficiais para recuperação de prédios

históricos e áreas urbanas contam com linhas de crédito que

viabilizam as intervenções.

Ressalvados os casos de excepcionalidade, as

intervenções em prédios existentes deveriam ser encaradas

pela administração pública de forma mais pragmática. Isto é,

deveriam ser buscadas medidas que tornasse atrativo aos

proprietários dos imóveis considerados como de preservação

investir na sua manutenção e conservação. Não bastam,

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porém, políticas públicas voltadas apenas para edificações de

caráter ou condição excepcional.

É preciso dar a devida atenção às edificações

vernaculares que carecem de políticas adequadas a sua

escala de tamanho, valor e complexidade. Soluções

particulares para cada situação tendem a ser mais bem

sucedidas já que por sua própria natureza são capazes de

atuar em mesmo patamar de complexidade que o contexto

em que se vai atuar. A alteração no gabarito previsto para o

alargamento da Rua Félix da Cunha, no bairro Moinhos de

Vento em Porto Alegre, é um exemplo de caso que recebeu

uma solução apropriada para o local, pois viabilizou a

preservação de um conjunto de residências da primeira

metade do século XX, já incorporadas à imagem daquela

região da cidade. Aos poucos estes imóveis, com a alteração

do perfil das atividades existentes da vizinhança, estarão

sujeitos a ter sua função residencial substituída por

atividades ligadas ao comércio e prestação de serviços sem

que para tanto tenham que ser demolidos.

Com certeza é através da criação de condições de

manutenção e utilização de edifícios “comuns” que se dará a

preservação da maior parte dos conjuntos arquitetônicos e

urbanísticos nas cidades brasileiras. Afinal, em todas estas

cidades, de médio e grande porte, há um acervo imobiliário

cujo valor não deve ser desprezado em uma sociedade de

tão parcos recursos como a nossa, mesmo considerando-se

o fato de que a qualidade arquitetônica deste acervo nem

sempre é expressiva.

A maior parcela da produção arquitetônica se dá por

iniciativa e no âmbito do setor privado. O volume construído

de programas residenciais, comerciais, de serviços e lazer,

para atividades industriais e até educacionais, realizados por

agentes privados supera em muito aquele cuja iniciativa e

empreendimento parte do setor público. Neste contexto, a

Figura 7 Conjunto de casas preservadas na Rua Félix da Cunha em Porto Alegre Foto: autor

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produção arquitetônica está cada vez mais inserida no

processo produtivo vigente em nossa sociedade, onde

praticamente todo o produto do conhecimento humano tem

o caráter de mercadoria. Assim, questões projetuais são cada

vez mais tratadas em conjunto com aquelas relativas a

custos, demanda, consumo, mercado e retorno de

investimentos financeiros.

Preconceitos à parte, a realização de boa arquitetura

não é, e nem deve ser, incompatível com a produção do

aumento da riqueza. Pode, por que não, sendo um elemento

de grande importância na melhoria da qualidade da vida

humana, desempenhar um papel na avaliação econômica de

diferentes produtos, no caso edificações.

O setor privado, na comparação com o setor público,

responde mais rapidamente ao dinamismo das relações

presentes na sociedade atual. Esta capacidade, se bem

avaliada, pode ser utilizada para que se encontrem pontos

convergentes entre uma política de preservação de bens

arquitetônicos e os objetivos de todos aqueles que detêm

uma capacidade econômica para investimento.

Não são poucos os exemplos em que a conjunção de

esforços de administrações públicas e grupos de investidores

possibilitou a recuperação de prédios isolados ou conjuntos

de edificações, obtendo grande sucesso tanto do ponto de

vista da crítica arquitetônica como daqueles preocupados

com o desempenho dos recursos alocados.

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Figura 8 Quincy Market, Boston, EUA Fonte: www.boston-online.com

Figura 9 Fanuilhall Boston, EUA Fonte: www.greatbuildings.com

Um caso bastante emblemático, em que fica evidente

a conjunção de esforços entre todos os envolvidos, foi a

intervenção no Fanuilhall e no Quincy Market, antigo

mercado da área portuária da cidade de Boston, EUA. A

construção original de 1826, que se encontrava bastante

deteriorada, assim como toda a área ao seu redor, instigou o

arquiteto Benjamin Thomson a desenvolver planos para a

recuperação da região. Foram necessários mais de cinco

anos para que Thomson viabilizasse junto ao poder público,

ao qual coube estabelecer as diretrizes urbanísticas, e a uma

empresa privada, responsável pelo aporte financeiro e

administrativo, a elaboração de um projeto para recuperar o

antigo mercado. Foram recuperados também de diversos

prédios vizinhos, agregando à antiga função comercial novas

ocupações tais como escritórios, hotéis, centro gastronômico,

etc. Os edifícios, propriedades da municipalidade, foram

objeto de um contrato de comodato que possibilitou a

exploração comercial pela iniciativa privada mediante o

custeio da obra, realizada entre 1976 e 1978. O projeto

optou por valorizar as estruturas originais às quais foram

somados diversos novos elementos, de novas infra-estruturas

a mobiliário urbano, dotados sempre de um desenho

contemporâneo. Da intervenção resultou uma das áreas mais

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dinâmicas e valorizadas da cidade.

Um outro exemplo da conjunção de esforços entre as

políticas públicas e a iniciativa privada com o intuito de

intervir e recuperar edificações ociosas existentes nos centros

urbanos nas cidades brasileiras é o programa PAR (Programa

de Arrendamento Residencial) que vem sendo desenvolvido

pela Caixa Econômica Federal (CEF), desde o ano de 2001.

Este programa atua em áreas inseridas nas regiões

metropolitanas e nos centros urbanos de grande porte,

incluindo todas as capitais estaduais, selecionadas em

parceria entre a CEF, o poder público e setores organizados

da sociedade civil. De maneira geral são escolhidos prédios

cuja ocupação é deficitária e cujos proprietários não têm

mais condições ou interesse de recuperar. Satisfeitos os

requisitos econômicos exigidos pelo organismo financiador, o

edifício é transformado em habitação coletiva para usuários

de menor poder aquisitivo.

Em Porto Alegre, há dois casos já em andamento com

resultados considerados positivos para todos os agentes

envolvidos: um edifício na Av. Borges de Medeiros e outro na

Av. Salgado Filho. Em ambos os casos é possível perceber

que as questões econômicas foram as que tiveram peso

maior na tomada das decisões relativas ao empreendimento.

Os projetos arquitetônicos foram bastante limitados pelas

diretrizes do PAR no que diz respeito às áreas (custos)

máximas das unidades, especificações de acabamento e

prazos de execução. Todavia, pode-se considerar a situação

atual do programa como o início de um processo com

excelentes condições para atrair investimentos para a

recuperação do patrimônio imobiliário depreciado existente

nas áreas centrais das grandes cidades brasileiras através da

adoção de novos usos em prédios existentes. Com certeza,

na medida em que o programa for se tornando mais

consistente, é de se esperar que se criem possibilidades para

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Figura 10 Ed. Sul América - Av. Borges de Medeiros, Porto Alegre Integrante do Programa PAR da Caixa Econômica Federal Projeto de intervenção: Arq. Sérgio VolkmerFoto: autor

Figura 11 Ed. Arachã – Av. Salgado Filho, Porto Alegre Participante no Programa PAR da Caixa Econômica Federal Foto: autor

proposições arquitetônicas mais elaboradas, inclusive com

espaço para a investigação projetual acerca do tema.

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O Arquiteto

Cada vez mais o projeto arquitetônico vem adquirindo

o caráter de intervenção no espaço já edificado. O tema, que

é recorrente na história da arquitetura, cresce em

importância nos dias atuais, uma vez que são raras ou

praticamente inexistentes situações onde são propostas

construções isoladas ou a construção de novas cidades. O

arquiteto depara-se hoje muito mais com questões e

programas que, independentemente de suas dimensões e

alcance, relacionam-se intrinsecamente com um determinado

contexto, seja ele físico, espacial ou sociocultural. Por sua

vez, este contexto representa o somatório de uma produção

realizada ao longo do tempo, retratando os diversos

momentos históricos e estágios do desenvolvimento de um

grupo social.

É comum que intervenções realizadas sobre

edificações já existentes requeiram do arquiteto, além

daqueles atributos inerentes ao bom profissional,

sensibilidade adicional para o entendimento e leitura da obra

sobre a qual vai atuar.

Um debate desenvolvido ao longo dos últimos anos

diz respeito a critérios e procedimentos adotados em

intervenções realizadas em prédios com valor histórico ou

não. A discussão vem se dando muito mais em torno de

projetos e obras do que no sentido do estabelecimento de

uma base teórica que sirva como referencial. Na verdade,

boa parte da motivação para o tema vem da demanda que a

sociedade atual apresenta no sentido de que se desenvolvam

métodos de intervenção sobre o ambiente construído, sejam

eles caracterizados como restauração, reciclagem,

revitalização ou reforma, que atendam de maneira adequada

às necessidades de cada caso.

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A discussão quanto à maneira mais adequada de

proceder diante de intervenções em estruturas legadas por

gerações anteriores não é recente e teve ao longo da história

conotações distintas. Não cabe aqui discorrer exaustivamente

sobre elas, mas é interessante registrar, a título de referência

cronológica mais próxima, a essência do que postularam as

Cartas de Atenas, de 1931, e a de Veneza, de 1964. As

conclusões advindas destes encontros entre especialistas em

monumentos históricos balizaram durante a segunda metade

do século XX uma parcela significativa das atitudes projetuais

frente às intervenções no período. De maneira geral pode-se

constatar que, ao se seguir fielmente o que preconizavam os

dois documentos, o projeto arquitetônico acaba por abrir

mão de sua capacidade de atuar como elemento de ligação

entre o passado e o presente, uma vez que as questões

relativas às técnicas de restauro acabam por ser

consideradas como preponderantes

Cabe ao arquiteto um papel determinante no

processo de preservação: é ele quem desempenha a função

de agente definidor dos bens a serem preservados e também

o de agente capaz de formular e propor as intervenções a

serem executadas.

Diversos são os enfoques adotados frente a um

projeto que se propõe a intervir em um edifício existente. Há

desde intervenções que primam por um respeito total ao

relacionar-se com o que já está construído, até intervenções

que se impõem sem compromisso algum com o passado.

Embora seja comum observarem-se abordagens

conflitantes, a existência de similitudes entre diversas

intervenções faz crer na possibilidade de se estabelecer uma

metodologia que indique maneiras mais adequadas para

manter em uso prédios e estruturas urbanas em processo de

deterioração. A experiência demonstra que as intervenções

tendem a ser mais bem sucedidas quando o agente

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protagonista das transformações se coloca com uma postura

contemporânea, como no dizer de GADAMER, apud de Gracia

(1992, p. 180)10: “...o restaurador ou o conservador de um

monumento seguem sendo artistas de seu tempo.”

ROSSI11, apud de Gracia (1992, p.134), enfoca a

questão sob outro ângulo:

“...acredito que esta relação - entre antiga e nova arquitetura – o vínculo, amplamente entendido, passa por um uso sábio ainda que contrastado dos materiais e das formas, e não através de uma relação mimética ou de adaptação.”

Em muitos aspectos não há sentido algum em se

fazer distinção entre o processo de projetar sobre o

preexistente e o projetar sobre um espaço “em branco”. Até

mesmo porque este espaço “em branco” não existe. O

compromisso de responder ao contexto em que o edifício

será construído está sempre posto para o arquiteto.

Há uma postura que parece cada vez mais

consensual: quase sempre estamos diante de um contexto

cujas características influenciam e são influenciadas pelo

projeto arquitetônico a ser elaborado. É necessário saber

como abordar o assunto e reconhecer as distintas escalas de

preocupação e de atuação, que estarão de acordo com o tipo

de edifício ou conjunto no qual se está trabalhando. É

possível estabelecer três patamares: os monumentos, o

patrimônio não monumental e as obras de conjunto. De

acordo com Graciela Maria Viñuales12, pode-se considerar

como recomendável que a intervenção em obras

consideradas como “monumentos” sejam conduzidas por

profissionais com formação específica, embora todo arquiteto

deveria, dentro de sua formação generalista, conhecer os

princípios básicos deste tipo de tarefas. Tanto as obras que

10 GADAMER, Hans G. Verdad y Metodo., Salamanca, Ed. Sigueme, 1988. 11 ROSSI, Aldo. La Arquitectura Analoga, 2C-Construcción de la ciudad, num. 2 p. 11, abr 1975 12 VIÑUALES, Graciela Maria. A preservação do patrimônio - novo campo profissional www.vitruvius.com.br, mai 2002

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não alcançam uma significação monumental, quanto os

conjuntos de patrimônio modesto poderiam ser objeto da

atenção de qualquer profissional respeitoso. Mas para que

isso seja possível, esse profissional deve ser capaz de

reconhecer e interpretar o edifício no qual vai intervir. Além

de um conhecimento da história do país e da área em que

atua, deve saber como funciona a estrutura, quais são os

materiais e técnicas empregados, reconhecer o partido geral

da obra e as demandas às quais respondia, como são as

instalações e quais delas ainda cumprem sua finalidade,

quais eram os usos originais e como se modificaram ao longo

de sua vida, além da manutenção que tem sofrido.

Pode-se contrapor à recomendação de Viñuales de se

contar com especialistas nas intervenções em monumentos

de caráter excepcionais com exemplos onde a competência

do arquiteto ao desenvolver o projeto superou eventuais

deficiências de especialização. A intervenção de I.M. Pei no

Museu do Louvre, por exemplo, reflete uma situação desta

natureza quando a inserção do novo se deu de uma maneira

tal que todas as "camadas" de construção que constituem o

conjunto arquitetônico, inclusive a contemporânea, tiveram

tratamento condizente sem que houvesse para tanto a

necessidade de especialistas em restauração, ao menos no

que diz respeito à composição arquitetônica.

A consideração de todo este panorama ajudará o

arquiteto na definição de quais aspectos podem ser

retomados e revalorizados e quais devem ser renovados,

sendo que a recuperação deste patrimônio não só deve

atender ao aspecto construtivo, mas também ao funcional e

a outros aspectos que permitam ao edifício ter dali em diante

uma vida útil e sustentável.

A questão das intervenções no ambiente construído,

observada sob o enfoque do mercado de trabalho do

arquiteto, somente vem sendo tratada com maior atenção

Figura 12 Museu do Louvre em Paris Intervenção de I. M. Pei Fonte: Nora Richter Greer

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mais recentemente. São evidentes e facilmente percebidos

sinais de que há uma solicitação maior da sociedade pela

participação dos arquitetos em projetos que envolvem

intervenções cuja repercussão econômica começa a assumir

algum destaque.

As questões econômicas envolvidas no

reaproveitamento de prédios existentes, na verdade custos e

investimentos necessários, ainda carecem de estudos mais

aprofundados. As características específicas que carregam

cada projeto e situação dificultam o estabelecimento de um

perfil único para este tipo de obras. Apesar disto, há autores

e analistas que falam de números que, pelo menos em um

aspecto, são coincidentes: ano após ano crescem os valores

investidos no mercado de recuperação de prédios existentes.

Charles K. Hoyt13, analista americano, citando uma

consultoria financeira, fala de um crescimento de US$ 23,1

bilhões em 1993 para US$ 31,1 bilhões em 1998,

considerando-se apenas obras cujo valor superou a soma de

US$ 1 milhão. Ainda em relação à situação americana, o

Instituto Americano de Arquitetos (AIA) estimou que no ano

de 2000 os valores investidos em obras de recuperação se

igualaram aos destinados a obras novas.

Para a nossa realidade os números são ainda

desconhecidos. Há apenas algumas posições como a de

Nestor Goulart Reis Filho14, que, defendendo a reciclagem de

edifícios, afirma que, além do benefício evidente da

preservação do patrimônio arquitetônico, esta prática

representaria apenas 30% do custo necessário para a

execução de um novo, fato que poderia servir como um

atrativo para empreendedores do ramo imobiliário, na

medida em que as margens de lucro poderiam ser, neste

13 HOYT, Charles K. More than Preservation. Revista Architectural Record, p.86-87, fev. 1994. 14 REIS Fo., Nestor Goulart Reis. Espaço e Memória: Conceitos e critérios de Intervenção. In: “Congresso Internacional: Patrimônio Histórico e Cidadania”, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, SP. 1992.

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caso, maiores. Os exemplos já citados de edifícios

recuperados com recursos do Programa de Arrendamento

Residencial da Caixa Econômica Federal, assim como outros

que com certeza virão, ao lado daqueles cujos proprietários

apresentam condições próprias para investir, são prova de

que a preservação pode, sim, ser economicamente

viabilizada.

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48 4 Reciclagem e Programas Arquitetônicos

A transformação levada a cabo em São Paulo pela

arquiteta Lina Bo Bardi, que instalou em um antigo conjunto

de edificações industriais um complexo de lazer, cultura e

prática desportiva, denominado SESC–Pompéia, marcou o

panorama da arquitetura brasileira na década de 80.

Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate

Além da admirável arquitetura, este projeto teve o

mérito de transformar-se em um espaço respaldado na

efetiva apropriação pelos usuários que ali assistem a eventos,

shows e exposições de toda a ordem. Por outro lado, tornou

extremamente visível a todos, arquitetos, administradores

públicos e população em geral, o grande potencial disponível

no acervo construído de nossas cidades, representado por

edificações com possibilidades imensas de serem ainda

utilizadas, mesmo em funções distintas daquelas que

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49 originalmente desempenhavam. A partir desse momento,

iniciativas dessa ordem foram se tornando mais freqüentes e

passaram a ocorrer em várias cidades brasileiras.

Chama a atenção nas últimas décadas o fato de que

uma grande parcela dos prédios recuperados foi com o

intuito de abrigar instituições de caráter ou finalidade

culturais. Razão para isto parece ser a tutela desempenhada

pelo poder público sobre diversos prédios tombados, ou ao

menos protegidos, e as diversas políticas públicas de atuação

na área cultural implementadas em nosso país nos últimos

anos. Tal procedimento que foi inegavelmente responsável

por um grande impulso na preservação do patrimônio

arquitetônico, parece ter hoje sua continuidade

comprometida. Não havendo demanda para espaços culturais

equivalente à quantidade de prédios passíveis de serem

reaproveitados, é evidente que novas funções devem e

podem ser buscadas para ocupar as edificações disponíveis.

Uma análise dos prédios disponíveis para reciclagem

indica que muitos têm excelentes condições para abrigar uma

variedade bastante grande de funções, como operações

comerciais (ex.: DC Navegantes e Ed. Ely em Porto Alegre),

de serviços (ex.: Ed. Tuiuti, Porto Alegre), turísticas (ex.:

Puerto Madero, Buenos Aires) e até mesmo residenciais.

A atuação conjunta e coordenada dos principais

agentes envolvidos no processo de recuperação do

patrimônio arquitetônico e no planejamento global das

cidades teria com certeza amplas possibilidades de sucesso

na manutenção do patrimônio construído pelas gerações

passadas.

l

Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Antigo prédio dos Correios transformado em sede de instituição culturaFoto: autor

Figura 15 Ed. Tuiuti, Porto Alegre Prédio misto (comercial no térreo e residencial nos pavimentos superiores) a ser transformadopara abrigar comércio/serviços. Foto: autor

Ampliar o leque das possibilidades (e a

permissividade) para intervenções é, sem sombra de dúvidas,

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50 um caminho na busca de soluções para muitas das questões

que envolvem o aproveitamento do patrimônio edificado de

áreas urbanas sobre as quais cai a pecha de deterioradas.

Sem entrar aqui na avaliação das qualidades dos projetos,

exemplos de intervenções que cumpriram tal papel não

faltam: áreas portuárias desativadas e defasadas puderam

ser reintegradas ao contexto urbano, gerando renda e

resgatando valores culturais; prédios de indústrias

desativadas foram revertidos em conjuntos habitacionais,

áreas degradadas por extração mineral tornaram-se espaços

de lazer e cultura (Ópera de Arame, em Curitiba).

Com estas condutas mais recentes, o axioma do

movimento moderno de que a forma segue sempre a função

passa a ser colocado sob questionamento. Instalações

industriais obsoletas passam a ser adaptadas para os mais

diversos usos. A fábrica da Fiat em Lingotto, Itália,

construída entre 1917 e 192015 e que acabou se tornando um

Figura 16 Edi ício na Av Júlio de Castilhos , Portof Alegre, sendo remodelado após período deabandono por obsolescência

Figura 17 Antiga fábrica da Fiat em Lingotto

r :Fonte: Architecture T ansformed New Life for Old Buildings. Nora Richter Greer

15 O autor do projeto foi o engenheiro civil Giaccomo Matte Trucco.

Page 53: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

51 ícone do modernismo industrial, foi transformada em um

complexo de múltiplo uso pelo arquiteto Renzo Piano, e é

hoje utilizada como centro de eventos e comércio, hotel e

escritórios.

Figura 18 Conversão da fábrica de Lingo o – sala de reuniões ttFonte: www.renzopiano.com

Figura 19Conversão da fábrica de Lingotto – sala de reuniões

Fonte: www.renzopiano.com

Page 54: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

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A área sobre a qual o projeto atuou, 250.000m2 de

área construída, além de 225.000m2 de áreas externas,

constituía-se em uma parcela significativa da área da cidade.

No início da década de 1980, o grupo Fiat

interrompeu as operações em Lingotto, substituindo a linha

de produção que ali operava por outras tecnologicamente

mais avançadas. Tal fato gerou o problema (transformado

em grande oportunidade!) de achar uma finalidade para a

imensa massa construída sem uso definido. Em 1984, vinte

arquitetos foram convidados a apresentar propostas para a

reutilização do edifício, sendo a proposta de Renzo Piano

escolhida para ser implantada.

Figura 20 Conversão da fábrica de Lingotto maquete do projeto Fonte: www.renzopiano.com

Segundo o próprio arquiteto, era necessário, frente a

um cenário de profundas mudanças na economia da cidade,

encontrar não apenas um novo uso para a antiga fábrica,

mas também um novo papel; não apenas uma função

urbana, mas algo que tivesse representatividade a nível

simbólico. Como na época da sua construção, o edifício

deveria estar novamente conectado com o futuro da cidade.

Assim, tendo encerrado seu momento de indústria

automobilísitica, Lingotto deveria caminhar na direção de

tornar-se um centro de feiras de tecnologia e comércio, de

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53

Figura 22 Conversão da fábrica de Lingotto -interiorFonte: www.renzopiano.com

Figura 21 Conversão da fábrica de Lingotto Fonte: www.renzopiano.com

negócios e serviços, com condições de continuar a projetar o

nome da cidade.

Tornou-se fato corriqueiro nas áreas metropolitanas

brasileiras a conversão de construções originalmente

destinadas ao uso residencial em sedes de empresas

comerciais ou de serviços. Esta prática, cada vez mais

freqüente, apesar de acarretar alteração no perfil de bairros

e regiões inteiras, de certa maneira contribuiu para a

preservação de inúmeras edificações.

Diversos exemplos poderiam ser invocados para

ilustrar as possibilidades da adaptação de edificações a novas

utilizações. Quase todos colaborariam para evidenciar a não

existência de grandes limitações arquitetônicas ou

conceituais que restrinjam ou eliminem a possibilidade para

um reaproveitamento. Os resultados obtidos, ao contrário,

demonstraram ser bastante positivos, sob todos aspectos.

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Figura 23 Conjunto de casas na Rua Cel. Vicente, Porto Alegre, atu lmente utilizados para comércia oFoto: autor

A idéia de intervenção ou reutilização implica

alteração do estado do objeto. Admite-se apenas em poucas

situações excepcionais a intervenção como uma atitude que

vise apenas reconstituir ou deixar intacto o edifício. Neste

caso pressupõe-se que critérios bastante claros e de amplo

conhecimento tenham sido utilizados para a tomada da

decisão e que meios para prover a manutenção após a

realização do investimento tenham sido previstos.

Na grande maioria das situações a intervenção

acabará por provocar uma alteração no rumo da utilização da

estrutura física que passa a ser o alvo de um novo projeto

arquitetônico. Um redirecionamento da função original, por

vezes já obsoleta, freqüentemente possibilitado apenas por

uma adequação das infra-estruturas, já é capaz de fornecer

condições de preservação a muitas edificações. É o caso da

adaptação de uma residência para utilização como escritório,

duas tipologias, a princípio, bastante compatíveis.

Não seria demais reafirmar que os limites

recomendáveis para uma intervenção devam evitar regras

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55 gerais, buscando sempre que possível proposições válidas

para o âmbito do contexto com o qual se está trabalhando.

Diante de uma situação concreta, deve-se procurar analisar

as demandas apresentadas pela função proposta e sua

capacidade de adaptação à estrutura física existente. Desta

forma é possível avaliar o que será necessário para que o

desenho arquitetônico proposto seja bem sucedido.

É preciso que se estabeleça uma interação entre a

função a ser implantada na preexistência, sua situação física

e o entorno. No caso de um bem de reconhecido valor

histórico ou cultural é interessante que se procure

dimensionar a repercussão que o mesmo exerce sobre o seu

entorno e a que influências está submetido. O processo de

elaboração do projeto que busque preservar uma edificação

mediante sua reciclagem começará então a se configurar,

mediante algumas características metodológicas específicas.

O objeto já construído, a preexistência e o contexto,

condicionam decisivamente a maneira como o arquiteto vai

interpretar o programa de necessidades. Diferentemente de

um projeto concebido sobre um terreno vazio, a condição

atual de um objeto arquitetônico é decisiva e provocará, para

que se tenha de fato uma intervenção contemporânea, uma

renúncia mútua de exigências entre o programa a ser

atendido e os elementos já construídos. A partir desta

tomada de consciência é que as proposições que buscarão

adequar a forma (existente) e unção (nova) serão

estabelecidas havendo sempre diferentes níveis de

predominância de uma ou outra.

f

A maior relevância histórica da edificação pode levar a

um procedimento em que a manutenção da forma seja

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56 preponderante na consideração do programa de

necessidades. Entretanto, tal fato já deveria ter sido alvo de

reflexão quando da decisão de aportar uma nova finalidade à

edificação. Também deve ser levada em consideração nestes

casos a possibilidade de que a intervenção ora implementada

seja apenas uma dentre várias das quais o prédio pode ser

alvo ao longo de sua existência. Sendo assim, é

recomendável que se possa fazer uma leitura inconfundível

das intervenções realizadas, demonstrando claramente o que

de novo foi introduzido e se possível até o que foi suprimido.

Além de reforçar a questão da contemporaneidade da

intervenção, esta conduta propicia procedimentos no sentido

de reverter eventuais atitudes tidas como equivocadas. O

maior grau de intervenção, ou sua visibilidade, será sempre

função da relação existente entre a nova finalidade e a

tipologia existente, ou ainda, na maior ou menor necessidade

de se propor alterações que façam frente a carências

técnicas ou funcionais.

Quando se reflete acerca de bens históricos e

culturais, surge logo a idéia de objetos que podem ir desde a

escala do objeto, dos utensílios, dos artefatos, das obras de

arte, das peças de mobiliário, etc., até a escala do objeto

arquitetônico. Todos eles têm em comum o fato de serem

testemunhas do desenvolvimento social, cultural e artístico

da humanidade. O grande diferencial do objeto arquitetônico

talvez esteja na sua capacidade de, ao se tornar obsoleto em

relação a sua função original – ou outra a qual vinha

desempenhando, poder vir a ser adaptado para uma nova

finalidade, desde que haja afinidade entre os requisitos

espaciais e funcionais da tipologia proposta e aquela

existente. A possibilidade de um edifício atender a outra

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57 função, com as adaptações necessárias ou desejadas, em

consonância com sua lógica espacial e construtiva, é o que

configura sua condição de bem arquitetônico, diferentemente

de uma ruína ou até mesmo um monumento ou uma

escultura.

Segundo as necessidades de adaptação e a

interpretação de cada arquiteto, as intervenções podem ter

naturezas distintas quando da implantação de uma nova

função em uma preexistência.

Em situações em que a área existente não é suficiente

para atender o novo programa podem ser realizadas adições

ou acréscimos. Por vezes, mesmo com a manutenção da

função, um aumento de área se faz necessário, passando a

coexistirem partes antigas e novas dentro de um mesma

composição arquitetônica. Ocorrem também intervenções em

que os autores propõem a retirada de alguma parte da

construção, freqüentemente fruto de intervenções anteriores.

A supressão é realizada quando é constatada uma

inadequação formal ou funcional, ou porque foi feita a opção

de consolidar determinado período da vida da edificação. A

decisão de suprimir parte do edifício deve ser sempre

baseada em uma interpretação do projetista calcada em

levantamentos históricos e na situação proposta para a

intervenção presente. A intervenção realizada no Mercado

Público de Porto Alegre ficou marcada pela adição da nova

cobertura do pátio central e pela remoção de diversas

construções que desfiguravam a espacialidade interior do

edifício.

I

t

Figura 24 nterior do Museu de Castelvecchio, Verona

Arq. Carlo ScarpaFoto: Klaus Frahn Fon e: Carlo Scarpa, Taschen

Em muitas intervenções, a edificação a passa por uma

completa alteração no seu interior, sendo mantida apenas

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58 a(s) fachada(s). Várias razões podem levar a isto, desde a

completa destruição do interior pela ação do tempo ou algum

sinistro, até por questões econômicas relativas a uma

eventual recuperação do existente. Nestes casos, a

manutenção do invólucro externo está relacionada com a

presença marcante e prestígio que a edificação apresenta em

seu contexto e com o papel de articulação com o espaço

público que geralmente estas exercem. Situações como esta

reservam ao arquiteto a possibilidade para a elaboração de

um projeto um pouco mais livre já que as vinculações com o

existente limitam-se quase que exclusivamente a vãos de

fachadas, alturas de pavimentos e acessos. Muitos arquitetos

tratam intervenções como esta como se estivessem

literalmente a frente de um projeto daquilo que se

convencionou chamar de arqui etura de interiores. Como na

ambientação de uma loja de um shopping-center, por

exemplo, o espaço interno não apresenta nenhuma ou

escassa vinculação com o exterior, havendo, por outro lado,

a possibilidade de implantação de um gama variada de

programas funcionais. O grande beneficiário de uma

intervenção deste tipo tende a ser o ambiente urbano, uma

vez que, via de regra, as escalas e referenciais públicos

acabam por ser mantidos, sendo a única ressalva a

observação de que condutas desta natureza não sejam

plenas de atributos no sentido da preservação do objeto

arquitetônico em si. Francisco de Gracia, na análise que

propõe a reflexão sobre a forma como imagem e como

estrutura, observa a respeito da situação:

t

" Poderia já deduzir-se que estamos tratando da possibilidade de valorizar em separado o objeto-edifício em sua relação particular com o meio e em sua peculiar relação com o contexto. Es es dois termos podem esclarecer melhor as expressões anteriormen e

tt

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59 trabalhadas: o edifício pode participar na cidade através da de sua forma como imagem, caso em que a cidade é um meio ou um campo visual, e pode também inserir-se na cidade como estrutura, o que permiti ia reconhecer a existência de um contexto." r(DE GRACIA, 1992, p.32)

Em relação ao edifício individualmente ou a um

conjunto urbano, pode-se acrescentar aqui que, para

assegurar sua sobrevivência, é de extrema importância suas

condições físicas para sofrer alterações, ampliações ou

anexação de programas contemporâneos que em muitas

ocasiões são conflitantes com as estruturas existentes.

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60

5 Discussão de Casos

O sucesso de uma intervenção está intimamente

relacionado com o fato da mesma ter sido ou não fruto de

uma atuação consciente no processo dinâmico de construção

da cidade, procurando garantir a estabilidade mínima

necessária para que o conjunto urbano, assim como as

partes que o formam, mantenham sua identidade, construída

ao longo dos anos. O presente seria, assim, responsável por

transferir ao futuro um patrimônio gerado no passado,

acrescido de todas as melhorias e adições que foi capaz de

produzir.

A consciência aludida anteriormente requer do

arquiteto o reconhecimento dos limites do projeto a ser

desenvolvido. Com exceção apenas dos trabalhos

exclusivamente de conservação, onde a repercussão fica

restrita ao próprio edifício, é importante avaliar a contexto no

qual se vai atuar.

Francisco de Gracia estabeleceu uma metodologia

bastante minuciosa visando classificar os diversos enfoques

utilizados nas intervenções, a qual serviu como referência

para a escolha e análise de casos apresentados mais adiante.

Segundo ele, as intervenções podem ser classificadas

sob três critérios mais amplos que surgem de um olhar

atento sobre os resultados formais obtidos:

Os Níveis de Intervenção 1º Nível : A modificação circunscri a t

Quando a intervenção fica limitada ao edifício como uma realidade individual, tratando-se de uma atuação que pode ir desde uma restauração até um a ampliação moderada, passando por uma transformação da estrutura interna.

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2º Nível: A modificação do locus

Situam-se neste nível as intervenções que por suas dimensões não chegam a ter repercussão a nível urbano mas são capazes de interferir e marcar presença em seu entorno imediato.

3º Nível: Pauta de conformação urbana

Neste terceiro patamar estão as intervenções que causam repercussão morfológica a uma parte razoável da cidade.

Os padrões de atuação

t

1º Padrão : A Conformação do tecido urbano

Quando a intervenção atua no sentido de recompor ou participar do padrão do tecido urbano existente.

2º Padrão: Oclusão do espaço urbano

Padrão de intervenção que trabalha com a possibilidade de obter uma melhoria do espaço urbano fazendo uso da arquitetura como elemento ativo da composição.

3º Padrão: Continuidade da imagem

Quando são priorizadas as questões plásticas da arquitetura existente e sua relação visual com a nova intervenção.

4º Padrão: Recriação tipológica

Ocorre quando são buscadas citações e referências em situações presentes no contexto da intervenção.

5º Padrão: Colisão de estruturas formais

Quando a intervenção é realizada de modo a se contrapor drasticamente com as preexistências.

As atitudes frente ao contexto Arquitetura descontextualizada

É expressa através daqueles edifícios que simplesmente ignoram a existências adjacentes.

Arquitetura de con raste

Quando a intervenção não pretende colaborar formalmente com a continuidade do contexto, marcando sua presença em função da negação do existente.

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62

Arquitetura historicista

Quando os valores relativos a uma continuidade histórica são utilizados como agentes ativos de projeto e não como condicionante, sendo que a criatividade é sempre valorizada e exercida já que a observação e o reconhecimento da história não obrigam a uma “reprodução arqueológica”.

Arquitetura folclórica

Presente nas intervenções capazes de chegar a uma verdadeira relação com a cultura de uma comunidade regional e seus padrões estéticos dominantes.

Arquitetura de base tipológica

Quando há a presença de uma forte referência a experiências precedentes sem que haja um mero mimetismo figurativo.

Arquitetura do fragmento

É quando a intervenção se ocupa da colagem de padrões formais não necessariamente originalmente conectados entre si histórica ou ideologicamente.

Arquitetura con extual t

Quando for estabelecida uma relação de simbiose com o contexto, sem a utilização de recursos de mimesis ou analogias diretas, estabelecendo uma integração ambiental.

Francisco de Gracia sustenta que as

intervenções estão sempre situadas entre dois limites: um

inferior marcado pelas atitudes de restauração e reabilitação

dos objetos arquitetônicos e outro, superior, balizado pela

fronteira com o planejamento urbano. Para o autor, a noção

de construção de cidade requer áreas de trabalho limitadas,

já que quando a área de trabalho cresce muito fica

impraticável a utilização de procedimentos pertinentes ao

projeto de arquitetura.

Dentro destes limites é que de Gracia enuncia

os níveis de intervenção anteriormente citados, níveis estes

que serão a seguir ilustrados através de exemplos extraídos

de nossa realidade próxima.

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Concluída ao final de 2002, a recuperação do antigo

Palácio Provincial, edifício da segunda metade do século XIX

(foi concluído em 1871), teve uma intervenção que se

encaixa perfeitamente nos critérios listados por de Gracia em

sua caracterização de uma modificação circunsc ita. Situado

na Praça da Matriz em Porto Alegre, é um edifício que desde

a sua construção sempre cumpriu o papel de sede de

repartições públicas, tendo servindo como sede do poder

executivo durante a execução das obras do atual Palácio

Piratini. Foi tombado como patrimônio histórico estadual em

1982, e encontrava-se há vários anos em precaríssimas

condições de conservação, sem possibilidades de ocupação.

As obras realizadas atuaram sobre toda as patologias

ocasionadas pelo ação do tempo e implantaram redes de

infra-estrutura completamente novas e atualizadas. O projeto

da arquiteta Ediolanda Liedke manteve as características

formais, sendo que as novas atividades para às quais foi

destinado o edifício (todas vinculadas ao Ministério Público

Estadual) adaptaram-se ao lay-

out original o qual foi acrescido

de novos recursos para a

circulação vertical. A introdução

de novos elementos, feita de

forma clara e bem marcada e

aparece sempre contrastando

com as estruturas originais. Os

acréscimos na volumetria do

edifício, embora com forte

presença visual, foram

implantados junto à fachada

interna do prédio, não sendo

visíveis a partir do exterior. Esta

Figura 25 Palácio Provincial – antes da intervençãoFoto: André Simão

r

Figura 26 Palácio P ovincial – após a intervençãor Foto: Leonid Streliaev (Acervo do Ministério Público)

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breve descrição da intervenção realizada no edifício procura

evidenciar como a alteração proposta repercutiu quase que

exclusivamente no próprio edifício, não alterando em nada a

caracterização do seu entorno, a não ser pelo novo reflexo

provocado pelas cores escolhidas para a pintura das

fachadas, bem mais vivas e quentes que os tons de cinza

existentes anteriormente.

r: r

r: r

Figura 29 Palácio Provincial pátio central –Foto And é Simão Fonte Acervo do Ministé io Público

Figura 28 Palácio Provincial – pátio central Foto And é Simão Fonte Acervo do Ministé io Público

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3º Pavimento2º Pavimento

1º PavimentoSub-solo

Figura 27 Palácio Provincial - Plantas baixas Fonte: Acervo do Ministério Público

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66

A antiga Usina do Gasômetro esteve em

funcionamento durante décadas na área central de Porto

Alegre. Após sua desativação, foi relegada ao abandono por

vários anos da mesma forma como grande parte da área na

qual se localiza, a ponta da península da área central da

cidade, junto a orla do Rio Guaíba, onde diversas outras

edificações também foram perdendo sua utilidade e

abandonadas. O prédio foi apenas um dentre várias

instalações industriais ou vinculadas à atividade portuária que

foram atingindo a obsolescência sem que fosse aventada

alguma possibilidade de reaproveitamento. A usina

propriamente dita foi o centro de muitas reivindicações

organizadas por entidades civis e grupos não governamentais

a partir da década de 1970 e que estiveram entre as

primeiras manifestações que alcançaram repercussão e

resultados práticos na defesa do patrimônio construído da

cidade. Inicialmente reivindicado para abrigar o Museu do

Trabalho, o edifício foi preservado assim como sua chaminé,

mantendo-se uma imagem já característica na silhueta do

centro da cidade, mesmo que suas qualidades arquitetônicas

possam ser questionadas. Após atravessar um período de

indefinições quanto a sua destinação funcional, a

administração municipal acabou optando por instalar no

prédio um centro de atividades culturais que ainda hoje peca

pela falta de um perfil mais nítido. Tal situação reflete-se na

arquitetura adotada pela intervenção que transformou a

planta industrial em centro cultural. Foram preservadas as

paredes externas do edifício, sendo que no seu interior foram

mantidas algumas estruturas como testemunho da atividade

original da construção ao lado de elementos novos,

introduzidos pela intervenção que, às vezes, não aparentam

ter sido resultado de uma diretriz de projeto clara e

t

Figura 30 Usina do Gasômetro - Interior Foto: Luiz Carlos Felizardo Fon e: Usina do Gasômetro – Centro Cultural

Figura 31 Usina do Gasômetro - Interior Foto: Luiz Carlos Felizardo Fon e: Usina do Gasômetro – Centro Cultural t

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67

marcante. O fato do projeto ter sido implantado e elaborado

em etapas parece ter sido determinante no resultado final.

Apesar destas considerações relativas às questões do

desenho arquitetônico, a intervenção propiciou à população

um espaço para a realização de uma gama de atividades

culturais e de lazer que acabaram por "contaminar" toda

aquela área da cidade. Equipamento de alcance municipal, a

Usina do Gasômetro foi também um forte argumento para

que os administradores municipais destinassem a devida

atenção ao tratamento das áreas públicas adjacentes,

culminando na abertura da avenida que margeia a orla do rio

e os parques públicos ali situados. A apropriação pela

população das faixas de areia, apesar da impossibilidade da

sua utilização como balneário, é também um reflexo da

dinâmica que a intervenção ocasionou.

A implantação de novas atividades na Usina do

Gasômetro teve com conseqüência, como é caracterizado no

2º nível de intervenção destacado por de Gracia, uma

indubitável alteração do caráter do lugar.

t

Figura 32 Usina do Gasômetro – Vista aérea Foto: José Abraham Fon e: Usina do Gasômetro – Centro Cultural

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68

Como exemplo do terceiro nível de intervenção

estabelecido por Francisco de Gracia, a pau a de

conformação urbana, encontramos em Porto Alegre a

implantação do DC Navegantes na zona norte da cidade.

t

A reconversão de diversos pavilhões industriais sub-

utilizados ou desativados em centro de compras teve um

impacto bastante significativo com reflexos em grande área

da cidade. A atratividade provocada pelo empreendimento já

foi suficiente para provocar modificações em diversos bairros

adjacentes, apenas pelo crescimento da circulação de público

e mercadorias. A linguagem formal utilizada na intervenção,

com o uso de cores vibrantes e chamativas assim como de

formas geométricas simples mas marcantes, acabou por

desempenhar uma atitude de ruptura com a monotonia

visual e formal observada na grande maioria dos edifícios da

região. Da mesma forma o uso intenso e apropriado de

elementos de programação e comunicação visual,

conjugados com a implantação de um mobiliário urbano

Figura 33 DC Navegantes - Planta Geral Fonte: Arq. Adrianda Fleck

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característico, marcantes principalmente no início da

operação do empreendimento, passaram a ser implantados

com muito mais freqüência em outras áreas da cidade.

Independente do sucesso comercial ou não do DC

Navegantes - a arquitetura por si só é incapaz de dar

garantias neste sentido, a intervenção foi responsável por

revitalizar uma área que apesar de seu potencial estava

precariamente utilizada. Apesar da proximidade com as

principais rodovias de acesso à cidade, com o aeroporto e

com grandes avenidas, a região só veio a sofrer um "choque"

necessário ao seu desenvolvimento com a revitalização dos

antigos prédios industriais.

A qualidade do projeto implantado, com investimentos

relativamente baixos para este tipo e porte de obra, foi com

certeza responsável por parcela dos reflexos provocados pela

intervenção, independente de sua escala. Não se pode deixar

de considerar que muitas reformas, recuperações ou

reciclagens de pequeno e médio porte tenham sido

motivadas por influência do DC Navegantes.

.

Figura 34 DC Navegantes – Elevação Fonte: Arq Adriana Fleck

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70

. .

Figura 36 DC Navegantes – Praça de Alimentação “Depois” Fonte: Arq Adriana Fleck

Figura 35 DC Navegantes – Praça de Alimentação “Antes” Fonte: Arq Adriana Fleck

Os três níveis de intervenção aqui tratados são como

ferramentas para a análise de intervenções. Há situações em

que projetos preenchem requisitos para estar em mais de

uma categoria, até mesmo porque estes requisitos muitas

vezes não possuem limites bem definidos. Nem sempre é

possível definir quando uma intervenção ultrapassa a

abrangência do seu entorno imediato e passa a ter uma

abrangência urbana.

Desta forma, foram analisados alguns projetos

levando-se em conta não apenas sua caracterização quanto

ao seu nível de intervenção. Os projetos selecionados têm

em comum o fato de serem projetos de arquitetura de algum

modo emblemáticos. A partir deste critério, as diferenciações

se dão em razão das abordagens adotadas pelos arquitetos

frente a situações onde o que mais foi levado em conta foi o

caráter da intervenção propriamente dita, e não o valor do

prédio existente em si mesmo. O propósito foi extrair de cada

caso peculiaridades que possam servir de referência a outras

situações.

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71

De maneira geral os exemplos sobre os quais se

procurou analisar as características projetuais podem ser

enquadrados em duas realidades distintas. Na primeira estão

aqueles em que o prédio sobre o qual foi realizada a

intervenção, o programa implantado ou até mesmo o

orçamento disponibilizado fogem de uma situação lugar-

comum. São projetos que representam situações

diferenciadas e que, também por isso, recebem atenção

especial dos críticos de arquitetura já que na maior dos casos

seus autores são arquitetos já consagrados. A par da

qualidade das obras realizadas, estas intervenções muitas

vezes cumprem importante papel de divulgação e

consolidação das políticas de preservação do patrimônio

edificado, fato já destacado anteriormente através da

lembrança do projeto do SESC-Pompéia.

Outra realidade é aquela em que se enquadram as

intervenções que se poderia chamar de vernaculares. São

obras de escala mais modesta, mas nem por isso dotadas de

menos qualidade, que apresentam via de regra soluções

bastante coerentes e com muita competência. De fato a

grande maioria das intervenções realizadas se enquadram

nesta situação, sendo as maiores responsáveis pela

sobrevida na utilização de parcela significativa das

edificações das cidades. Da sua análise e observação é

possível retirar-se algumas conclusões a cerca de como as

intervenções podem contribuir na manutenção do patrimônio

arquitetônico. Em contrapartida, a observação de outras

intervenções às vezes não tão bem sucedidas sugerem

soluções a serem evitadas, razão pela qual também foram

alvo de atenção.

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5.1 - A pinacoteca do Estado de São Paulo: o

existente e o projeto de intervenção

O edifício da atual Pinacoteca do Estado de São Paulo

foi construído originalmente para abrigar o Liceu de Artes e

Ofícios de São Paulo a partir do projeto elaborado por

Francisco de Paula Ramos de Azevedo e Domiciano Rossi em

1896. Intimamente ligado à cultura do ciclo do café, da

imigração e da industrialização que estava por se implantar

na sociedade paulista, o liceu desempenhou por muito tempo

o papel de um centro de referência na formação de mão de

obra qualificada.

O prédio de características neoclássicas foi

inaugurado em 1900, apesar de inconcluso. Situado em um

terreno de 7.500 m2 na Av. Tiradentes, está em uma das

principais vias de acesso à área central da cidade de São

Paulo, próximo a Estação da Luz - terminal ferroviário

construído no final do século XIX - e do Parque da Luz. Nesta

área central encontra-se também a Estação Júlio Prestes,

alvo de um recente projeto de reciclagem concebido pelo

arquiteto Nelson Dupré, para a instalação da Sala de

Concertos da Orquestra Sinfônica de São Paulo, o qual

Figura 37 Pinacoteca de São Paulo Fachada da Av. Tiradentes anterior à intervenção Foto: Nelson Kon

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73

também é alvo de análise do presente trabalho.

Estas intervenções, mais a modernização a ser

implantada na Estação da Luz e outras obras de menor

porte, mas não de menor importância, constituem um

conjunto de propostas que foi batizado como Pólo Luz pelos

organismos públicos, as quais visam à revitalização daquela

importante área da capital paulista.

A pinacoteca passou a ocupar o edifício através da

utilização de uma de suas salas já em 1905. Ao longo dos

anos, outras instituições públicas também vieram ali a se

instalar, a saber: a Polícia Militar, o Conservatório de Música,

a Escola de Artes Dramáticas e a Faculdade de Belas Artes.

Fato comum na administração estatal de nosso país, a

situação do edifício era a mesma de muitos outros prédios

públicos: mais de um ocupante, usos incompatíveis com as

condições físicas existentes e uma precária manutenção.

Como agravante, as pequenas intervenções e adaptações

realizadas ao longo dos anos comprometiam a situação do

edifício.

O projeto de Paulo Mendes da Rocha

deve ser avaliado como uma intervenção que

buscava adequar uma função já "instalada" em

um prédio que não havia sido originalmente

construído para tal finalidade. Diferentemente

de situações em que se lida com

"restaurações" no sentido literal, revitalizações

ou reciclagens com alterações de uso, o

presente caso tinha a sutileza de constituir-se em uma

adaptação do edifício a um "novo uso" já presente. Tratava-

se, por assim dizer, da busca de uma solução coerente e

definitiva para uma realidade gerada por improvisos e

atitudes pontuais.

Figura 38 Vista aérea da região do Pólo Luz Foto: Nelson Kon

Page 76: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

74

As principais intervenções concebidas pelo arquiteto e

sua equipe16, relativas às questões funcionais, estão listadas

a seguir:

- inversão do eixo principal do edifício: o acesso

principal passa a ser pela lateral que dá para a Praça da Luz

e não mais pela Av. Tiradentes, sendo retirada a escadaria

existente e implantado em seu lugar um belvedere;

- circulação interna: antes realizada pelo contorno de

dois pátios e do octógono central, é transferida para as

passarelas metálicas implantadas sobre os pátios, nos dois

níveis superiores;

- cobertura dos pátios internos: execução de estrutura

metálica e vidro;

- implantação de um auditório para 150 pessoas no

nível inferior.

Figura 39 Pinacoteca de São Paulo Escada original s p imida pela intervenção uFoto: Nelson Kon

r

O resultado alcançado com estas medidas foi

surpreendente. A acessibilidade do edifício foi facilitada com

a nova entrada através de uma via secundária. A circulação

pelo interior do prédio passou a ser uma experiência rica e

facilitadora do contato entre o público e o acervo e

16 Eduardo Colonelli e Wellinton Torres são co-autores do projeto

Page 77: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

75

exposições. Tornou-se possível uma apropriação visual de uma

grande parcela da pinacoteca e uma articulação quase sem

nenhuma barreira entre os três pavimentos.

A cobertura sobre os pátios possibilitou que fossem

mantidos apenas os vãos nas alvenarias, sem a recuperação das

esquadrias, agora desnecessárias. Cerca de cem janelas não

foram refeitas, o que, além da repercussão na redução dos custos

da obra, corroborou na ênfase dada pelo projeto em valorizar a

alvenaria básica do prédio.

Figura 40 Pinacoteca de São Paulo Fachada da Av. Tiradentes, com o belvedere que substituiu a escada. Foto: Nelson Kon

O repertório dos materiais empregados é coerente

com a prática profissional de Paulo Mendes da Rocha. Há

uma clareza absoluta na escolha de um pequeno repertório

de materiais utilizados, assim como de um grande destaque

dos elementos estruturais. A escolha da estrutura metálica

justifica-se pela facilidade de execução e pelo impacto da sua

presença. Não há possibilidade de equívoco para o

observador no discernimento entre o que pertencia à

construção original e o que é resultado do novo projeto.

Figura 41 Pinacoteca de São Paulo Octógono central com a nova cobertura Vãos das janelas somente no osso. Foto: Nelson Kon

O edifício é, no dizer do próprio arquiteto, "um

projeto padrão, tem a mesma planta do museu de Berlim: a

rotunda no meio,..., os dois pátios laterais, as galerias e

salões retangulares,...".17

A entrevista da qual foi retirado o fragmento acima

deixa evidente a postura adotada por Paulo Mendes da

Rocha frente à intervenção que viria a efetuar. Questionado

acerca de seu projeto ser uma reforma ou um restauro,

responde dirigindo a questão ao fato de que o que realmente

era buscado era a adaptação do prédio para acolher de

forma definitiva a Pinacoteca do Estado, transformando-a

num museu, ampliando seu acervo e capacitando-a para a

realização de exposições temporárias. O programa a ser

Figura 42 Museu Altes, Berlin Planta do nível principal, Karl F. Schinkel, 1825 Fonte: Revista Projeto nº 69

17 Entrevista de Paulo Mendes da Rocha à Revista Projeto Design nº 220, p.46

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atendido era, na verdade, mais relevante do que questões

apresentadas apenas no seu aspecto semântico.

Isto não significa que a leitura do edifício existente não

tenha sido realizada pelo arquiteto. Ao contrário, ao analisar

detalhadamente o projeto original, o momento histórico de sua

realização, até as etapas que não foram executadas, o

arquiteto retira daí condicionantes e contrapontos essenciais na

elaboração da sua proposta que acabaram por determinar

escolhas tanto no campo estético como no da técnica

construtiva.

" ...Porque o prédio inconcluso é mais eloqüente em sua idéia de andamento histórico, de história da técnica. Para estudantes de arquitetura, observá-lo agora é extremamente encan ador, é uma forma de surpreendê-lo no ponto em que estava. Por exemplo, a grande torre prevista no centro do prédio está lá interrompida, como um contraforte octogonal robusto, de grande beleza, só no seu primeiro arranque. Talvez muito mais bela do que se concluída."

t

(Revista Projeto Design, nº 220, p.47)

É interessante observar como Paulo Mendes da Rocha

justificou a escolha por "limpar" as paredes do edifício,

deixando o tijolo à mostra. Apesar de saber que estudiosos das

questões relativas às técnicas de restauro possam ter opinião

distinta, alegou que as frisas e molduras da edificação haviam

sido moldadas a lixa e torquês, e o tijolo já deteriorado não

receberia o reboco. Foi feita a opção pela manutenção do tijolo

aparente, assumindo a necessidade de tratamento químico das

superfícies de modo a protegê-las da chuva e da poluição

atmosférica do ambiente. Em realidade, o arquiteto inova neste

projeto também pelo detalhamento dos elementos

introduzidos, onde sobressai muito mais o domínio da técnica

construtiva do que a utilização de recursos tecnológicos de

ponta. Figuras 43, 44 e 45 Pinacoteca de São Paulo Passarelas metálicas Fotos: Nelson Kon

Compreender o que aconteceu com o edifício

projetado por Ramos de Azevedo e modificado por Paulo

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Mendes da Rocha é, fundamentalmente, entender os dois

momentos em que os projetos foram concebidos e o que a

história registrou entre eles. Avaliando desta maneira, não

resta dúvida de que, como autêntico projeto de arquitetura,

a proposta para as instalações da Pinacoteca não abriu mão

de ser contemporânea, ao mesmo tempo em que manteve

uma respeitosa relação com o passado. O presente tem

direito a sua auto-afirmação, sem que para isto seja

necessário que se descarte o que a história nos deixou ou

que se sacralize o seu legado.

Figura 46 Pinacoteca de São Paulo Escada para acesso à cobertura Foto: Nelson Kon

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Figura 48 Pinacoteca de São Paulo Cortes esquemáticos Fon e: Revista Projeto nº 220 t

t

Figura 47 Pinacoteca de São Paulo Plantas BaixasFon e: Revista Projeto nº 220

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5.2 - A Sala de Concertos São Paulo

A construção da Sala São Paulo, recinto para

concertos sinfônicos e sede para a Orquestra Sinfônica do

Estado de São Paulo (OSESP), no edifício da Estação Júlio

Prestes, tipifica uma situação em que as diferenças

programáticas entre o uso original e o proposto são tão

grandes que a intervenção torna-se diferenciada a ponto de

exigir projetos extremamente complexos.

Figura 49 Desenho da Fachada da Estação Júlio Prestes con orme construída. f

Fonte: reprodução a partir de foto de LuizCarlos Felizardo

Dois programas completamente distintos, com

exigências funcionais, formais e técnicas bem específicas,

foram capazes de ajustar-se (e funcionar) em uma mesma

estrutura física através de uma criteriosa intervenção levada

a efeito pelo arquiteto Nelson Dupré.

A intervenção que resultou na construção da Sala São

Paulo não foi um caso isolado;7 ao contrário, esteve inserida

em um conjunto mais amplo de atitudes no sentido da

recuperar uma tradicional área do centro da cidade de São

Paulo, a região da Luz. Esta região desempenha por décadas

papel importante como pólo de integração do sistema de

transporte ferroviário da região metropolitana paulista à

malha viária urbana e a toda uma gama de atividades

comerciais e de serviços que a caracterizam como uma

região extremamente dinâmica.

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O assim denominado Pólo Luz

foi fisicamente determinado pelas

avenidas Tiradentes e Prestes Maia,

no eixo norte-sul; a Av. Duque de

Caxias e Rua Mauá, ao sul; a Alameda

Nothmann, a oeste; e ao norte a Rua

Três Rios. A delimitação de uma área

de intervenção foi criteriosamente

estabelecida tendo em vista ser este o

ponto inicial para o sucesso das

proposições.

Na prática, a definição (que

deve ser constantemente reavaliada)

ocorreu através de investimentos

como os realizados pelo poder público na reforma da

Pinacoteca do Estado, no novo sistema de trens

metropolitanos do centro a zona oeste e nas reformas e

restauração da Estação da Luz.

De grande relevância foi a articulação adotada entre

as diversas intervenções no sentido de requalificar o espaço

urbano e reaproveitar edificações significativas, buscando,

como preconiza Regina Meyer, uma potencialização das

ações:

“Cada uma das intervenções mencionadas é exemplare estimável para a sociedade e para a cidade. Entre anto para que o Pólo Luz se realize plenamente, enfrentando as diferentes questões sociais, urbanas e funcionais e econômicas hoje de ectadas, é fundamental criar um proje o que as integre e potencialize. ... O Pólo Luz deve tornar-se um paradigma de um novo modelo de intervenção e de uma nova face da recuperação urbana local com forte repercussão na metrópole.”

t ,

t t

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Figura 50 Mapa do Pólo Luz Fon e: Pólo Luz, Sala São Paulo, Cultura e Urbanismo

(MEYER, p. 31, 1999)

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A Estação Júlio Prestes: a pré-existência

O intenso crescimento urbano dos primeiros vinte

anos do século XX levou a Estrada de Ferro Sorocabana a

investir fortemente na expansão de suas instalações. Entre

as iniciativas estava a construção de uma nova estação na

capital paulista, cujo projeto ficou a cargo de um dos mais

requisitados arquitetos da época, Christiano Stockler das

Neves, responsável, entre outros, pelo projeto do Ed.

Sampaio Moreira (primeiro arranha-céu da cidade, em 1924)

e pelos projetos das estações Norte em São Paulo e D. Pedro

II, no Rio de Janeiro, ambas para a Estrada de Ferro Central

do Brasil.

A formação acadêmica de Christiano Stockler das

Neves havia sido realizada na Escola de Arquitetura da

Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, EUA, onde diplomou-

se em 1911. Segundo afirmação de Alcino Izzo Jr., esta

escola adotava uma postura conservadora e caracterizava-se

pela presença de professores de origem francesa os quais

procuravam mesclar conceitos e composições clássicas com

as então novas concepções estruturais baseadas no aço e

concreto.

Concebido em 1925, o projeto de das Neves

expressava a visão conservadora do autor, mesmo

enfrentando a efervecência cultural da época, refletida pela

Semana de Arte Moderna realizada em São Paulo três anos

antes. Em oposição às tendências arquitetônicas daquele

momento, as quais buscavam utilizar elementos

compositivos com identidade nacional, o edifício da estação

recebeu ornamentos historicistas e art-nouveau, utilizando

como paradigmas na sua concepção a Pensylvania Station e

a Grand Central Station de Nova York, ambas executadas na

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década de 1910. Ruth Verde Zein destaca que das Neves era

detentor de “uma visão historicista, estilisticamente

conservadora e tecnicamente atualizada” (ZEIN, 2001, p.43).

Funcionalmente o projeto adotou a solução de

posicionar a estação e a gare na mesma cota de nível e de

maneira seqüencial, já que se tratava de uma estação

terminal – ou inicial.

Em 1927, o projeto da então chamada Estação Inicial

da Estrada de Ferro Sorocabana recebeu o Prêmio de Honra

no III Congresso Pan-Americano de Arquitetura em Buenos

Aires. A construção seguia ritmo normal até que uma série

de percalços que foram desde mudanças ocorridas na direção

da empresa (novas cabeças, novas idéias e prioridades) até a

reflexos da crise econômica de 1929, forçaram sua

interrupção. A partir deste momento, alterações no projeto

original levaram ao afastamento de das Neves, que se

posicionara firmemente contra às mudanças propostas. O

caso chegou a ser levado ao poder judiciário, que julgou

como não procedentes as reivindicações do arquiteto.

Figura 51 Sala São Paulo Hall antes da intervenção Foto: Luiz Carlos Felizardo

Em 1938, a obra foi oficialmente inaugurada já com o

nome de Estação Júlio Prestes e com uma série de

modificações introduzidas pelo arquiteto Bruno Simões

Magro. As alterações no projeto original retiram as grandes

mansardas (previstas para cobrir o Grande Hall destinado aos

passageiros da primeira classe), as cúpulas laterais e a

marquise da fachada. Comparando-se os desenhos da

fachada no projeto original e com a que foi construída,

observa-se que as modificações fizeram com que a torre do

relógio resultasse desproporcional. A concepção da Estação

Júlio Prestes previu sua inserção na cidade como marco

urbano, considerando a remoção do casario que existia ao

seu redor a fim de implantar uma praça com intensa

arborização, assim como diversas melhorias e ampliações na

malha viária da região. A busca de uma escala monumental é

Figura 52 Sala São Paulo Hall que foi ocupado pela platéia da sala de concertos Foto: Luiz Carlos Felizardo

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clara nas dimensões do Grande Hall, o qual funcionava como

uma grande “porta de entrada da cidade”.

A decadência no transporte ferroviário de passageiros,

ocorrida em nosso país a partir da segunda metade do século

passado, fez com que gradativamente toda a infra-estrutura

do setor viesse a sofrer um processo de sucateamento (até

hoje é visível em dezenas de cidades brasileiras o abandono

de antigas estações ferroviárias que poderiam estar sendo

utilizados para outras finalidades). A qualidade construtiva

(técnica e materiais utilizados) e seu significado na imagem

urbana da cidade de São Paulo, além do empenho da

Coordenadoria de Patrimônio Histórico e Ambiental da

FEPASA17, e do fato de que o prédio esteve sempre em uso,

fizeram com que a Estação Júlio Prestes se mantivesse

sempre em um bom estado de conservação.

Figura 53 Estação Júlio Prestes – Corte transversal, ondeaparecem as mansardas e a cobertura do Grande Hall que não foram executadas. Fonte: reprodução a partir de foto de Luiz CarlosFelizardo

17 Ferrovias Paulista S. A. , estatal estadual responsável pelas ferrovias paulistas após 1970. A partir da década de 80 a Estação Júlio Prestes passa a ser operada pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos.

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t

Figura 54 Estação Júlio Prestes – Corte longitudinal, onde aparecem as mansardas e a cobertura do Grande Hall que não foram execu adas Fonte: reprodução a partir de foto de Luiz Carlos Felizardo

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Sala São Paulo: o novo uso

Figura 55 Logotipo da Orquestra Sinfônica de São Paulo Fonte: Anita Di Marco e Ruth Verde Zein

A construção da Sala São Paulo, espaço específico

para a música sinfônica, teve sua origem na decisão política

de dotar a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo de

uma sede definitiva e própria.

A busca por esta nova sede foi assessorada por um

grupo técnico constituído por arquitetos, consultores de

acústica e músicos, encarregado de visitar teatros e

auditórios disponíveis, com a finalidade de avaliar a

possibilidade de aproveitamento para o uso proposto. A

escolha acabou recaindo pela adaptação da Estação Júlio

t

Figura 56 Esquemas geométricos das salas sin ônicas def Amsterdã, Boston e Viena em comparação com a Sala São Paulo. Fon e: Pólo Luz, Sala São Paulo, Cultura e Urbanismo

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Prestes, opção em muito embasada pela observação do

consultor norte-americano Chistopher Blair, que comparou a

geometria e proporções do Grande Hall da estação a três

referências mundiais em qualidade acústica para música

sinfônica: o Boston Symphony Hall, a Concertgebouw, de

Amsterdã, e a Muskvereinssaal de Viena, todas próximas da

proporção acústica tida como ideal 1:1:2 (altura, largura,

comprimento).

Figura 57 Croquis do Arq. Nelson Dupré Fonte: Sala São Paulo de Concertos – Revitalização da Estação Júlio Prestes: o projeto arquitetônico

Tomada a decisão de executar a Sala São Paulo na

Estação Júlio Prestes, o arquiteto paulista Nelson Dupré foi

contratado para elaborar o projeto. Diplomado pela

Universidade Mackenzie em 1973, Dupré contava com

experiência anterior como autor dos projetos de restauro do

Teatros Municipal de São Paulo e do Teatro D. Pedro II, de

Ribeirão Preto.

Figura 58 Foyer da Sala São Paulo de Concertos Fonte: www.vitruvius.com.nr

Figura 59 Foyer da Sala São Paulo de Concertos Fonte: www.vitruvius.com.nr

Segundo o arquiteto, alguns aspectos foram

fundamentais na determinação das características específicas

do problema:

- a intervenção se daria em um edifício tombado como

patrimônio arquitetônico pelo Condephaat (Conselho de

Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e

Turístico do Estado de São Paulo);

- o fato inusitado de se fazer uma sala de espetáculos em

uma estação de trens e as questões técnicas advindas do

padrão de qualidade acústico desejado;

- o programa de atividades previsto para a sede da OSESP e

a continuidade das operações ferroviárias da estação.

Após um extenso e minucioso levantamento das

condições físicas e de todos os aspectos construtivos do

edifício, a equipe de projeto passou a determinar as linhas

gerais da intervenção.18 A forma de atuação da equipe de

18 O coordenador geral do projeto foi o Eng. Ismael Solé, integrante da equipe que restaurou os teatros São Pedro de Porto Alegre e José de Alencar de Fortaleza. Integrou a equipe o engenheiro e maestro Cristopher Blair da empresa americana Artec, especializada em acústica para teatros e auditórios.

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t

Figura 60 Sala São Paulo Novas escadas Foto: Nelson Kon

projeto pode ser bem enquadrada no pensamento da

historiadora Cristina Meneguello que afirma:

“... exige-se um tratamento mais racional e informado do passado histórico para que este não seja substituído por outros imperativos do consumo e da museificação turística, e nos vejamos den ro de duas ou três décadas em meio a uma nova onda de demolições em nome de um novo conceito, que substitua o de "histórico" em seu altar. O sucesso da preservação in situ, assim, depende de perceber que o espaço urbano, se apreendido do ponto de vista museográfico, deve ser este passado dinâmico, em que o novo uso não elimina o testemunho do antigo uso.” (MENEGUELLO, 2001, p. 6)

A grande intervenção foi a implantação das sala de

concertos propriamente dita, mas houve desdobramentos por

todo o prédio, incluindo áreas externas. A sala foi concebida

no antigo Grande Hall da estação, local onde se procedia a

venda das passagens, sendo o palco instalado no mesmo

nível dos corredores laterais e a platéia colada no

rebaixamento de piso executado na área central.

Foram criadas áreas administrativas e de ensaios; os

saguões da estação passaram a servir como halls e foyer

para a sala de concertos. Funções complementares e de

apoio foram estabelecidas, tais como: camarins, bar, café

circulações foram criadas, assim como novos sanitários e

elevadores.

Figura 61 Sala São Paulo Áreas de circulação já restauradas

Foto: Luiz Carlos Felizardo

Além da recuperação de pisos, vitrais e esquadrias,

toda a infra-estrutura foi refeita e modernizada deixando

sempre perfeitamente clara a diferenciação entre o novo e o

existente. As palavras de Dupré não deixam dúvidas quanto

à intenção: “Nosso desafio era realizar uma arquitetura

absolutamente nova nesse espaço, preservando-o e

estabelecendo um diálogo com a obra original.” (Revista

Projeto Design, nº 233, p.41-42).

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r

Figuras 62 e 63 Sala São Paulo Vistas interna e externa dacobertura em policarbonatoFonte: www.vit uvius.com.br

A concepção da sala de concertos sintetiza, como não

poderia deixar de ser, toda a proposta. O respeito ao edifício

original e o rigorismo técnico na busca de uma acústica

perfeita convergiram para uma solução de extrema

qualidade.

Foram adotados e implementados uma série de

recursos técnicos para obter um tratamento acústico capaz

de isolar a sala (localizada em área central da cidade e a

100m dos trilhos da ferrovia) de ruídos e vibrações externas.

A solução adotada foi a execução de uma laje “flutuante”

para o piso, independente da construção existente e apoiada

em mais de dois mil discos de neoprene funcionando como

isoladores. Recursos semelhantes foram adotados para obter

o mesmo isolamento para o palco e balcões.

O desenho dos balcões, inicialmente propostos de

forma contínua para a obtenção de uma performance

acústica ideal, evidencia a postura respeitosa adotada por

Dupré em relação ao desenho original do edifício. Se

adotada, a primeira solução provocaria uma quebra na

verticalidade das colunas existentes causando uma sensação

de desconforto estético.

Outro elemento de destaque foi a execução de um

forro móvel, requinte técnico capaz de assegurar a

sonoridade ideal para diversos repertórios sinfônicos.

A cobertura em estrutura metálica e policarbonato

fazem referência ao projeto original do arquiteto Christiano

Stockler das Neves, utilizando, todavia, linguagem e

materiais contemporâneos.

Qualquer que seja o ângulo sob o qual se lance o

olhar sobre o edifício após sua adaptação, fica claro o nível

de detalhamento (e detalhismo) a que chegou a intervenção.

Desde a pesquisa iconográfica, levantamentos histórico e

cadastral e chegando até o diagnóstico das patologias

presentes, a certeza que fica é a de que a obra foi planejada

Figura 64 Sala São Paulo Balcões sobre a platéia Foto: Nelson Kon

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t

em todas as escalas, conforme atesta o livro de Ruth Verde

Zein e Anita Regina di Marco, Sala São Paulo de Concertos –

Revitalização da Estação Júlio Prestes: o proje o

arquitetônico, testemunho minucioso de todo este processo.

:

Figura 65 e 66 Forro móvel executado sobre a sala de concertos Fotos Luiz Carlos Felizardo

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Figura 67 Sala São Paulo – Plantas baixas

tFon e: Anita di Marco e Ruth Verde Zein

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A intervenção levada a efeito na Estação Júlio Prestes é

marcante como obra e como postura frente às questões

referentes à intervenção no patrimônio arquitetônico.

Caracterizando-se como intervenção

preponderantemente no interior do prédio existente, a Sala

São Paulo, sem abrir mão de colocar-se como obra

contemporânea, respeita e faz uso de todos os elementos

significativos que encontrou no edifício original.

Pode-se avaliar o sucesso da intervenção também sob

o enfoque da correta escolha da nova utilização escolhida

para a antiga estação. Nem todos os “novos usos” são

necessariamente passíveis de implantação em situações pré-

existentes (pelo menos considerando-se idênticos enfoques

de contextualização). A solução adotada na Gare d´Orsay em

Paris, por exemplo, transformada em museu por Gae Aulenti,

em 1986, talvez não tenha alcançado o mesmo resultado.

Pode-se imaginar que as condições do edifício existente não

eram totalmente favoráveis, ou até impróprias, ao novo uso

proposto. Figura 68 Museu D’Orsay – Vista do interiorFoto: autor

tr

A par de ser uma situação específica de cons ução no

construído19, o projeto da Sala São Paulo evidencia uma

competente atuação projetual levada a efeito pelo arquiteto

Nelson Dupré. Sua atitude, desde a identificação e

contextualização do problema até os pormenores técnicos

utilizados, próprios da execução de uma obra deste porte,

evidencia que acima de tudo uma intervenção em prédio

existente é sempre um projeto de arquitetura que deve ser

encarado como qualquer outro, apenas com um elemento a

mais: o anteriormente construído.

19 Expressão cunhada a partir do livro de Francisco de Gracia (v. referências bibliográficas)

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:

Figura 69 Sala São Paulo – Vista externa Fotos Luiz Carlos Felizardo

Figura Sala São Paulo – Vista interna Fo o: Luiz Carlos Felizardo t

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5.3 – Outras intervenções

Em momentos anteriores foram abordadas algumas

questões relativas à intervenção em prédios cujo valor, sob o

ponto de vista da preservação de patrimônio histórico e

arquitetônico, não é de grande significado. Porém, nunca é

demais destacar que na grande maioria das situações é com

edifícios desta natureza que os arquitetos se deparam na

prática profissional.

Tentar quantificar o quanto contribui para a formação

do caráter de um bairro ou cidade a manutenção de seus

edifícios mais antigos talvez seja por demais subjetivo. No

entanto, é desta forma que os cenários urbanos vão se

criando, e sua alteração ao longo dos anos nada mais é do

que o resultado das modificações às quais a sociedade lança

mão para adaptar o espaço físico às suas novas

necessidades.

Dentro deste panorama, a observação mais atenta

sobre algumas intervenções realizadas em prédios cujas

características arquitetônicas ou históricas não são suficientes

para despertar a atenção de parcelas restritas da população,

já que sua repercussão é bastante localizada, pode também

contribuir para uma melhor compreensão das práticas

utilizadas neste campo da arquitetura.

Situações diversas Situado na Rua da Conceição, área central de Porto

Alegre, o Ed. Chaves sempre foi utilizado para atividades

comerciais e de serviços. O fato de localizar-se próximo à

Estação Rodoviária, entre avenidas de grande fluxo de

veículos e de estar inserido em uma região onde predomina

o comércio destinado a classes de menor poder aquisitivo,

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contribuiu para que o edifício fosse paulatinamente

desocupado, ao mesmo tempo em que suas instalações e

condições físicas eram deterioradas pelo uso sem a devida

manutenção. Todo este quadro levou o edifício a uma

situação de quase completo abandono. A reversão da

situação veio com a iniciativa de uma empresa privada que

enxergou na modernização do edifício uma boa oportunidade

de negócio, aproveitando o potencial existente: baixo custo

para aquisição, marco (ainda que restrito) local, excelente

acessibilidade e condições de ser adaptado para um nicho do

mercado imobiliário: grandes áreas livres em pavimentos

tipo.

contribuiu para que o edifício fosse paulatinamente

desocupado, ao mesmo tempo em que suas instalações e

condições físicas eram deterioradas pelo uso sem a devida

manutenção. Todo este quadro levou o edifício a uma

situação de quase completo abandono. A reversão da

situação veio com a iniciativa de uma empresa privada que

enxergou na modernização do edifício uma boa oportunidade

de negócio, aproveitando o potencial existente: baixo custo

para aquisição, marco (ainda que restrito) local, excelente

acessibilidade e condições de ser adaptado para um nicho do

mercado imobiliário: grandes áreas livres em pavimentos

tipo. Figura 71 Ed. Chaves Foto: Arq. Albert Wainer

Toda a volumetria do prédio foi mantida, sendo

proposta pelo arquiteto Albert Wainer, em projeto realizado

em 2002, apenas a substituição das esquadrias originais por

outras executadas em alumínio, dentro dos mesmos vãos.

Internamente foi executada uma nova infra-estrutura, dentro

dos padrões e normas atuais, possibilitando a implantação de

lay-outs para atender necessidades variadas. Na avaliação

dos empreendedores, pelo investimento realizado, o custo de

locação por metro quadrado no Ed. Chaves deverá situar-se

próximo da metade do valor cobrado em prédios novos da

mesma característica e localização, fato que por si só já

Toda a volumetria do prédio foi mantida, sendo

proposta pelo arquiteto Albert Wainer, em projeto realizado

em 2002, apenas a substituição das esquadrias originais por

outras executadas em alumínio, dentro dos mesmos vãos.

Internamente foi executada uma nova infra-estrutura, dentro

dos padrões e normas atuais, possibilitando a implantação de

lay-outs para atender necessidades variadas. Na avaliação

dos empreendedores, pelo investimento realizado, o custo de

locação por metro quadrado no Ed. Chaves deverá situar-se

próximo da metade do valor cobrado em prédios novos da

mesma característica e localização, fato que por si só já

Figura 72 Ed. Chaves Foto: Arq. Albert Wainer

Figura 73 Ed. Chaves Pavimento tipo após intervenção Fonte: Arq. Albert Wainer

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incentiva novas intervenções desta natureza.

Basicamente a intervenção executada resgatou o

edifício em questões relacionadas a sua funcionalidade. Os

elementos formais foram praticamente todos mantidos, já

que, de fato, o que a situação pedia, e esta foi a

interpretação do arquiteto responsável pela intervenção, era

um "choque de manutenção, recuperação e modernização".

Com isso a relação do prédio com o seu contexto foi não

apenas preservada, mas reforçada, já que foi resgatada a

possibilidade do edifício ser ocupado por inteiro.

Um outro tipo de conduta foi adotado quando da

construção do Centro Profissional e Comercial Villaroyal, um

edifício de salas comerciais na esquina da Av. Mostardeiro

com a Rua Miguel Tostes, também em Porto Alegre.

Remanescente das grades mansões construídas na região

durante a primeira metade do século passado, foi mantida,

pelo menos uma parte da casa que havia no terreno,

t

Figura 75 Residência John Day – Fachada principal Resp. técnico: Engenheiros Bartel & Kroichy Fonte: Dóris Maria Bittencourt

Figura 74 Residência John Day – Planta Baixa Resp. técnico: Engenheiros Bartel & Kroichy Fonte: Dóris Maria Bit encourt

Page 98: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

96

construída em 1911 para a família de John Day20. O arquiteto

responsável pelo projeto, Mauro Guedes de Oliveira, fez uso

de um benefício que durante algum tempo era concedido

pelo poder municipal, o qual permitia ao incorporador que

pretendesse construir em terreno com imóvel tombado ou

protegido, não computar no índice construtivo máximo área

equivalente a da construção preservada.

, Figura 76 Centro Comercial e Profissional VillaroyalPorto Alegre Foto: autor

Demonstrando que não bastam políticas ou diretrizes

que se baseiem apenas em questões quantitativas, pode-se

afirmar que o resultado alcançado é muito duvidoso. Não

fazendo nenhum juízo a respeito da torre comercial ou

acerca do valor histórico ou arquitetônico da casa

preservada, a análise aqui exposta ateve-se prioritariamente

nas questões relativas à maneira como as duas edificações

foram justapostas. A casa passou a configurar não mais do

que um apêndice do volume maior, cumprindo precariamente

a função de acesso, hall de entrada e espaço comercial.

, t

Figura 77 Centro Comercial e Profissional VillaroyalPor o Alegre Foto: autor

Em comunicação apresentada durante o 2º Congresso

Latino-Americano sobre a cultura arquitetônica e urbanística,

realizado em Porto Alegre no ano de 1992, Júlio Cúrtis cita

este caso ao discorrer acerca da trajetória percorrida pelos

organismos municipais envolvidos com a preservação.

Segundo ele “o resultado disparatado dessa intervenção

levou o COMPAHC a repudiar aquela forma de preservação a

granel, ou mais precisamente, em atias.” f

21

É visível que a solução se limita tão somente a uma

mera colocação de dois volumes lado a lado, já que é fácil

encontrar na cidade diversos outros edifícios projetados pelo

mesmo arquiteto e que apresentam praticamente a mesma

solução formal adotada nesta situação, com a utilização dos

20 Fonte: Dóris Maria Bittencourt em Casas residenciais em Porto Alegre em fins do século XIX e início do século XX, São Paulo, agosto de 1996, volume II, p.625-626. 21 CURTIS, Júlio N. B. Intervenções Contemporâneas em áreas de interesse histórico: interpretações. In: Anais do 2º Congresso Latino-Americano sobre a Cultura Arquitetônica e Urbanística. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1997.

Page 99: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

97

r

t

Figura 78 Prédio de apartamentos em Boston, EUA, const uído sobre antiga igreja Vista externa Fonte: prospec o publicitário

mesmos materiais, mas que não estão "encostados" em um

outro bloco edificado. A casa existente foi preservada, até

mesmo reciclada para outra utilização, mas a grande lição

deste caso parece ter ficado com os órgãos públicos

responsáveis pelas políticas municipais de preservação: há de

se caminhar no estabelecimento de critérios que, de alguma

forma, possibilitem um julgamento de valor qualitativo para a

intervenção proposta.

Um projeto que apresenta algumas semelhanças

quanto ao modo de interagir com a preexistência é o que

determinou a construção de apartamentos de padrão elevado

em Boston, EUA, que utilizou estruturas e alvenarias de uma

antiga igreja (Claredon St. Baptist Church).

tr

t it

Figura 80 Prédio de apartamentos em Boston, EUA, cons uído sobre antiga igrejaPlanta baixa do 7º pavimentoFonte: prospec o de public ário

tr

Figura 79 Prédio de apartamentos em Boston, EUA, cons uído sobre antiga igrejaVista externa Fonte: prospecto publicitário

Apesar de estar localizado em uma vizinhança onde a

quase totalidade dos edifícios tem revestimento externo

executado em tijolos ou plaquetas, o que cria uma grande

Page 100: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

98

uniformidade a nível de texturas, o edifício chama atenção

pela composição formal inusitada. O patchwork obtido resulta

confuso e gera uma ambigüidade ao observador: conforme o

ângulo de visualização tem-se a impressão de se estar diante

de uma igreja, enquanto um pequeno deslocamento já faz

com que se percebam características próprias de um prédio

residencial.

A simples manutenção das partes remanescentes da

igreja não parece ser o bastante para justificar uma atitude

que se pretenda preservacionista. O resultado formal final,

com certeza, não atendeu às expectativas nem daqueles que

acreditam na manutenção de um maior número possível dos

edifícios existentes nem daqueles que acreditam que novas

edificações podem substituir as antigas de maneira

indiscriminada. Talvez o único diferencial da proposta possa

ser encontrado na maneira lúdica com que foi tratada a

questão da justaposição formal das estruturas antigas e

novas.

Outra obra realizada também em Boston, EUA, traz

elementos interessantes para análise. A biblioteca pública da

cidade ocupava o prédio projetado por McKin, Mead e White,

cuja construção deu-se entre 1887 e 1895. Com influências

marcantes dos palácios italianos executados por Alberti e

inspirado na Biblioteca Saint Genevieve de Paris, de

Labrouste, o edifício tornou-se pequeno para acompanhar o

crescimento de suas atividades, razão pela qual, no ano de

1972, foi construído um novo prédio, anexo ao existente,

com projeto do arquiteto Philipp Johnson. O grande mérito

do novo projeto foi ter respeitado a escala do edifício

original, com o qual a nova edificação passou a fazer um

contraponto em termos de volumetria. Apesar de apresentar

um desenho completamente distinto do original em suas

fachadas, o projeto de Johnson fez uso do mesmo material,

Page 101: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

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pedra calcária (limestone) o que reforçou os vínculos formais

entre as duas construções. Em seu interior, o novo edifício,

como não poderia deixar de ser, contrasta com as linhas

rebuscadas do existente, rico em detalhes decorativos como

era de se esperar em um prédio construído no século XIX

com a finalidade de abrigar uma biblioteca deste porte.

Internamente, as vinculações se dão através das circulações

implantadas, as quais conectam os edifícios de maneira

bastante eficiente e racional.

t Figura 83 Biblioteca Pública de Bos on – interior do prédio novoFonte: www.bc.ed/bc_org

tFigura 81 Biblioteca Pública de Bos on Fonte: www.bc.ed/bc_org

tFigura 82 Biblioteca Pública de Bos on Fonte: www.greatbuildings.com

Page 102: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

100

A cidade de São Leopoldo, na região metropolitana de

Porto Alegre, é testemunha de uma situação bastante

inusitada envolvendo os temas aqui abordados –

intervenções em preexistências e o estabelecimentos de

novos usos. No final da década de 1980, seguindo tendência

do setor comercial em várias outras cidades do país, um

grupo privado decidiu investir na construção de um shopping

center (o Sinos Shopping) na região central da cidade. Para

tal, adquiriu uma área anteriormente ocupada por um

convento carmelita, compreendido entre as ruas Primeiro de

Março e Lindolfo Collor, perfazendo praticamente metade de

um quarteirão. Parte deste terreno era ocupada pela Capela

Nosso Senhor dos Passos, construção de 1902, o que

motivou a formação de um movimento em favor de sua

preservação sem que houvesse qualquer registro de

interferência de organismos oficiais. Como a propriedade do

imóvel não era da Mitra Diocesana de Novo Hamburgo, a

decisão de manter a capela foi assumida pelos proprietários

do novo empreendimento, os quais lançaram mão de uma

solução no mínimo questionável.

Com a construção do shopping, afirmar que a

edificação centenária foi preservada talvez seja um exagero,

mesmo que, de fato, ela não tenha sido demolida. O novo

edifício “abraçou” inteiramente a capela, que acabou

incrustada no grande bloco comercial. Deixando à parte tanto

as questões relativas às razões pelas quais a edificação

deveria ou não ser preservada, assim como as qualidades do

novo edifício – quase inexistentes, já que se trata de um

grande paralelepípedo sem qualquer tratamento formal

relevante ou relação com o seu entorno, a solução adotada

configurou-se bastante bizarra, acarretando na completa

descaracterização da capela como edifício. Além da

catastrófica proposta formal, o edifício comercial

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101

comprometeu totalmente a iluminação e a ventilação da nave

da capela.

Tendo como pano de fundo certas doses de

passionalismo que o fato gerou, defensores da preservação do

templo afirmam que mesmo assim o saldo é positivo, já que,

com a desativação do Sinos Shopping em virtude de seu

fracasso empresarial, a situação ainda poderia ser revertida.

Exemplos como este servem para, uma vez mais, destacar que

qualquer atitude de preservar ou interagir com uma edificação

existente não pode de modo algum prescindir de um projeto

arquitetônico com qualidades mínimas que possibilite uma

solução pelo menos razoável.

Figura 84 Capela Nosso Senhor dos PassosSão LeopoldoFoto: autor

Figura 85 Capela Nosso Senhor dos PassosSão LeopoldoFoto: autor

Figura 86 Capela Nosso Senhor dos Passos – São LeopoldoFoto: autor

Page 104: FACULDADE DE ARQUITETURA - lume.ufrgs.br · Figura 13 Sesc-Pompéia – São Paulo Foto: Sérgio Gikovate Figura 14 Memorial do RS - Porto Alegre Foto: autor Figura 15 Ed. Tuiuti,

102

O desfecho desta situação até poderia ser previsto:

em sua edição do dia 28 de julho de 2003, o jornal Zero Hora

noticiou em sua página 41 a demolição da capela centenária.

O grupo Zaffari (rede de supermercados líder no segmento

no Rio Grande do Sul) após comprar as antigas instalações

do Sinos Shopping começou a implantação de um novo

empreendimento no local. Para tanto, em acordo celebrado

com a Mitra Diocesana de Novo Hamburgo e o páraco da

Igreja Nossa Senhora da Conceição, ficou estabelecido que

em contrapartida pela demolição da capela existente, os

empreendedores assumiriam o compromisso de construir um

novo templo, com área três vezes maior, incluindo um

apartamento para o padre e uma sala para encontros de

jovens.22

Figura 87 Demolição da Capela Nosso Senhor dosPassos – São Leopoldo Foto: autor

Não é possível assegurar o sucesso de algum projeto

que propusesse a integração de uma capela a um centro de

compras, todavia era bastante claro que a situação que

perdurava era anômala. Com certeza, a preservação da

capela já havia sucumbido antes.

Figura 88 Demolição da Capela NossoSenhor dos Passos São Leopoldo Foto: autor

Figura 89 Demolição da Capela NossoSenhor dos Passos

São Leopoldo Foto: autor

22 Zero Hora, 28/07/2003, p.41

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103

Mais uma vez o Sesc-Pompéia, em São Paulo, será

usado como exemplo. Como que reafirmando um

posicionamento coerente frente a como intervir em uma

realidade anterior, a intervenção feita pelos arquitetos André

Vainer e Marcelo Ferraz no restaurante da instituição, ambos

antigos colaboradores de Lina Bo Bardi em vários projetos,

inclusive na intervenção de vinte anos atrás, introduziu

melhorias técnicas respeitando os princípios básicos do

primeiro projeto. As instalações foram qualificadas a fim de

atender requisitos de isolamento acústico, possibilitando a

realização de espetáculos musicais à noite, sem causar

incômodos à vizinhança. Também foram introduzidas

melhorias nos recursos cênicos, sempre integrados ao

existente. A situação é bastante ilustrativa para demonstrar

como todo edifício pode ser sempre objeto de intervenção no

sentido de sua manutenção, melhoria ou alteração, sempre

que sua utilização assim demandar.

t

t

Figura 91 Sesc-Pompéia – restaurante Planta Baixa Fonte: Revista Proje oDesign nº 276 t

Figura 90 Sesc-Pompéia - restauran e Foto: Nelson KonFonte: Revista Proje oDesign nº 276

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104

6 Considerações finais

Um olhar atento sobre a arquitetura produzida

cotidianamente nas cidades brasileiras – provavelmente não

seja diferente em outros países ocidentais respeitadas as

peculiaridades socioculturais de cada um, se deparará, com

certeza, frente a um percentual cada vez maior de projetos

que se inserem em uma realidade prévia existente que, ou é

parte primordial na conformação do contexto de atuação, ou

constitui-se no próprio objeto da intervenção.

Esta observação tem a mesma validade quando se

está tratando de edifícios de dimensões ou caráter

excepcional, sejam públicos ou privados, ou daqueles de

escala (em todos os sentidos) e repercussão locais, ditos

vernaculares. Exceções a esta situação talvez possam ser

encontradas entre aquelas construções consideradas por

muitos autores como exemplares típicos de uma sociedade

pós-industrial, tais como os grandes aeroportos construídos

fora das áreas urbanas, os "oásis" de serviços ao longo das

auto-estradas e alguns complexos de lazer e turismo gerados

por investimentos e interesses bem específicos. Sem ter

referenciais formais com os quais dialogar ou, como nos

casos dos terminais aéreos, com requisitos técnicos e

funcionais bem específicos, os projetos arquitetônicos para

estas edificações muitas vezes acabam por se tornar em

casos nos quais os arquitetos sentem-se menos

condicionados por um contexto. Este fato freqüentemente

resulta em proposições formalmente ousadas, embora isto

nem sempre seja garantia de bons projetos.

O interesse que este tema – a arquitetura como

intervenção na própria arquitetura, vem despertando deve

ser visto não apenas como o mero reflexo de uma crescente

atuação profissional dos arquitetos neste tipo de projeto, mas

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105

também como uma tomada de consciência quanto a um tipo

de desenvolvimento possível para as cidades em sua

constante e dinâmica trajetória de crescimento. As

inquietações e preocupações que surgiram ao longo das

últimas décadas e que desembocaram nas cada vez mais

estruturadas iniciativas de preservação do meio-ambiente

(natural e construído) tiveram forte repercussão também em

setores ligados à construção civil. A busca e o

desenvolvimento de novas técnicas e processos construtivos,

bem como de materiais não poluentes e renováveis são

frutos desta nova realidade.

Assim como a preocupação com projetos que

respondam de maneira mais adequada ao meio-ambiente,

atendendo cada vez mais aspectos vinculados ao conforto

térmico, sonoro e luminoso, adotando um uso coerente dos

recursos energéticos, a preservação de edificações ou o seu

reaproveitamento para novas finalidades integra-se de

maneira conceitual nas linhas de pensamento que buscam

otimizar os recursos materiais disponíveis.

A recente edição da Revista ProjetoDesign de janeiro

de 2003, comemorativa dos 25 anos desta que é uma das

mais importantes publicações brasileiras dedicada à

arquitetura, é um atestado acerca do espaço que projetos

que intervêm sobre preexistências passaram a ocupar. A

capa, e maior destaque da edição, é dedicada ao projeto do

NovoMuseu de Curitiba (projeto de 2002), de Oscar

Niemeyer (em conjunto com os arquitetos Marcelo Ferraz e

Francisco Fanucci), que complementa um projeto do próprio

arquiteto realizado há 35 anos antes. Abaixo uma listagem

dos projetos publicados pela revista:

- Ginásio de esportes do clube A Hebraica,

arquitetos Marcelo Barbosa e Juppira Cabucci, São

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Paulo. O projeto interage com a antiga sede do

clube projetada por Gregori Warchavchik.

- Biblioteca de Programa de Pós-graduação da

Faculdade de Arquitetura da Universidade de São

Paulo, arquiteto José Armênio de Brito Cruz.

Trata-se da recuperação da biblioteca que ocupa

um casarão centenário a ser posteriormente

recuperado na sua totalidade.

, ,

, r t

f

t

t

- Reforma de apartamento de cobertura, arquiteto

Francisco Hue, Rio de Janeiro. Intervenção no

tradicional edifício modernista Antônio Ceppas,

projeto de Jorge Moreira.

- Reforma de apartamento, arquitetos Marcelo

Morettin, Vinícius Andrade e José Alves, São

Paulo. Intervenção em edifício Prudência p oje o

modernista de Rino Levi.

- Complexo cultural e teatro, arquiteto Josep Maria

Botey, Granollers, Espanha. O único edi ício

complemente “novo” apresentado nesta edição da

revista.

- Sesc 24 de Maio, arquiteto Paulo Mendes da

Rocha e escritório MMBB, São Paulo. Reciclagem

do antigo prédio da loja de depar amentos Mesbla

para abrigar a nova unidade do Sesc no centro da

capital paulista.

- Centro de documentação e pesquisa do Museu

das Missões, São Miguel das Missões, RS,

arquitetos Céres Storchi, Nico Rocha e Luiz

Antônio Custódio. Complementação funcional para

o museu, projetado por Lúcio Cos a da década de

30.

- Reforma, restauração e modernização da antiga

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107

sede do jornal O Estado de São Paulo, arquiteto

Miguel Juliano, São Paulo. Intervenção em um dos

mais marcantes edifícios da arquitetu a

modernista paulistana da década de 1950.

r

f

- Revitalização do Mercado Municipal de São Paulo,

arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva, São Paulo.

Recuperação funcional e das infra-estruturas de

todo o edifício.

- Reciclagem das antigas instalações alfandegárias

de Pernambuco, arquitetos Ioná Medeiros e

Pontual Arquitetos, Recife. Implantação do

shopping Paço Alfândega com ên ase nas

atividades gastronômicas e culturais.

Dos dez projetos (ou obras concluídas) publicados

pela revista, nove podem ser caracterizados como sendo

intervenções em estruturas existentes e que passarão,

após a implementação dos projetos, a ser reaproveitados

de uma nova maneira ou requalificados com a inclusão

de novas funções ou facilidades. É sintomático, sem

dúvida alguma, que, mesmo utilizando-se da pequena

amostragem de um edição da revista ProjetoDesign, a

presença de projetos que são fundamentalmente

intervenções em edificações já existentes seja tão

marcante.

As questões que dizem respeito às intervenções

na arquitetura já construída há muito têm dimensões que

extrapolam os limites do projeto arquitetônico. Debates

que sempre ocorrem nos momentos que antecedem

alterações em planos diretores ou quando da implantação

de projetos de grande impacto e repercussão nas

cidades, têm como pano de fundo as relações a serem

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108

estabelecidas entre o existente e o que está por ser

construído. Os atuais debates ocorridos em Porto Alegre,

que antecedem a reavaliação do atual Plano Diretor de

Desenvolvimento Urbano Ambiental, envolvem além de

arquitetos e técnicos em planejamento urbano, diversos

setores da sociedade interessados nos efeitos mais

imediatos da legislação: moradores de bairros afetados

pelos atuais regimes urbanísticos defendem a adoção de

índices construtivos compatíveis com características

paisagísticas e de volumetrias existentes; construtores e

incorporadores imobiliários procuram manter e até

mesmo aumentar as possibilidades de construção sobre

os terrenos.

Configura-se aí, de maneira clara e inequívoca,

uma situação de conflito de interesses, concepções e

expectativas quanto a qual deva ser a melhor maneira

para a inserção de novas construções no ambiente

construído. Embora seja possível considerar os fatores

econômicos como os de maior peso na caracterização de

muitos empreendimentos imobiliários atualmente

desenvolvidos, deve-se reafirmar com ênfase a

capacidade do projeto arquitetônico de ser protagonista

principal na concepção do ambiente construído.

Através das reflexões, proposições e

posicionamentos dos arquitetos, externadas sob a forma

de projetos arquitetônicos, é possível com certeza

chegar-se a resultados mais satisfatórios na interação

entre as novas edificações e o seu contexto de

implantação. É tarefa do arquiteto mostrar à sociedade as

melhores alternativas e desenhos para novas construções

assim como demonstrar as possibilidades de utilização

que prédios existentes têm para serem utilizados em

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novas funções, aumentando sua vida útil e contribuindo

na preservação dos cenários urbanos.

Desta forma, a idéia básica que norteou o

presente trabalho foi refletir a respeito de projetos

realizados sobre preexistências e suas peculiaridades

assim como de que maneira este tipo de procedimento

pode contribuir para preservação de edificações

existentes. Através da análise de exemplos retirados de

diferentes realidades, foram discutidos conceitos, atitudes

e posicionamentos com o intuito de enfocar a questão

por diversos ângulos. É inegável que cada vez mais

estão se configurando oportunidades e situações em que

desde edificações isoladas até áreas urbanas inteiras são

redefinidas em seus aspectos formais e funcionais. As

respostas dadas a esta questão por um grande número

de arquitetos vão na direção da adoção de uma postura

de caráter contemporâneo, que é, com certeza, a

posição mais adequada.

A modificação no uso de uma edificação tem sido

cada vez mais utilizada quando da recuperação e resgate

de prédios históricos e de grande relevância

arquitetônica. Em muitas vezes esta foi a maneira pela

qual a intervenção se viabilizou, conforme demonstrado

em alguns dos exemplos aqui apresentados.

Fica, pois, a constatação de que mais do que a

cristalização no tempo das estruturas físicas de um

edifício, o que realmente garante sua sobrevivência é a

sua real utilização por uma atividade pertinente.

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