FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ASSOCIAÇÃO … · Sobretudo, podemos observar o que diz Neira...

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ASSOCIAÇÃO CRISTÃ DE MOÇOS DE SOROCABA PAULO FREIRE E O CURRÍCULO CULTURAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA: DO PRETO E BRANCO DOS LIVROS PARA O COLORIDO DO MUNDO MARCOS A. MARTINEZ JUNIOR SOROCABA 2015

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA

ASSOCIAÇÃO CRISTÃ DE MOÇOS DE SOROCABA

PAULO FREIRE E O CURRÍCULO CULTURAL DA

EDUCAÇÃO FÍSICA: DO PRETO E BRANCO DOS

LIVROS PARA O COLORIDO DO MUNDO

MARCOS A. MARTINEZ JUNIOR

SOROCABA

2015

FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ASSOCIAÇÃO

CRISTÃ DE MOÇOS DE SOROCABA

PAULO FREIRE E O CURRÍCULO CULTURAL DA

EDUCAÇÃO FÍSICA: DO PRETO E BRANCO DOS LIVROS

PARA O COLORIDO DO MUNDO

MARCOS A. MARTINEZ JUNIOR

ORIENTADOR: PROF° MS. RUBENS

ANTONIO GURGEL VIEIRA

Trabalho apesentado a Faculdade de

Educação Física da Associação Cristã de

Moços de Sorocaba como parte dos

requisitos para a obtenção do titulo de

Especialista em Educação Física escolar.

SOROCABA

2015

DEDICATÓRIA

À Thaisa Melo pelo apoio e pela ajuda nos bons e maus momentos, não apenas

nesse trabalho, mas em todos esses anos, eu te amo.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus em primeiro lugar, a todos que acreditaram e apoiaram,

de maneira especial agradeço aos professores Marcos Neira, Marcos Reigota,

Sônia Chebel, Aldo Vannucchi e Mario Nunes por compartilharem conosco suas

histórias e experiências de vida, assim como gostaria de agradecer ao meu

orientador professor Rubens Vieira pela paciência e incentivo bem como a Thaisa

Melo pelo carinho em dias tão difíceis, e a todos do Grupo de Estudos em

Pedagogia da Educação Física da FEFISO pelo companheirismo e hora de estudo

e ao professor Mauricio Massari por aguentar os inúmeros e-mails de pedido de

socorro.

EPÍGRAFE

Escolhi a sombra desta árvore para

repousar do muito que farei,

enquanto esperarei por ti.

Quem espera na pura espera

vive um tempo de espera vã.

Por isto, enquanto te espero

trabalharei os campos e

conversarei com os homens

Suarei meu corpo, que o sol queimará;

minhas mãos ficarão calejadas;

meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;

meus ouvidos ouvirão mais,

meus olhos verão o que antes não viam,

enquanto esperarei por ti.

Não te esperarei na pura espera

porque o meu tempo de espera é um

tempo de quefazer.

Desconfiarei daqueles que virão dizer-me,:

em voz baixa e precavidos:

É perigoso agir

É perigoso falar

É perigoso andar

É perigoso, esperar, na forma em que esperas,

porquê esses recusam a alegria de tua chegada.

Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,

com palavras fáceis, que já chegaste,

porque esses, ao anunciar-te ingenuamente ,

antes te denunciam.

Estarei preparando a tua chegada

como o jardineiro prepara o jardim

para a rosa que se abrirá na primavera.

Canção Óbvia – Paulo Freire

RESUMO

Nossa pesquisa teve como base a revisão de literatura para observar a contribuição

do legado de Paulo Freire no currículo cultural da Educação Física. Para isso

apresentamos um quadro das mudanças curriculares que ocorreram durante os

anos, contamos a história de Paulo Freire e suas principais obras, destacamos

algumas diferenças entre os diversos currículos da Educação Física e, por fim

relacionamos o legado Freireano com o currículo cultural pós-critico sugerido por

Neira e Nunes (2009) , utilizamos também Freire (1987), Silva (2010) e Goodson

(1996), para entendermos a teorização curricular, Gadotti (1996) para base

histórica sobre a vida de Paulo Freire, Hall (2006) que nos deu base sobre as

discussões de identidade, entre outros. Também organizamos uma pesquisa com a

metodologia descrita por Mahyer (2002) denominada de História Oral Temática,

onde entrevistamos professores que tiveram contato com Paulo Freire como

alunos e como amigo e colega de trabalho, são eles, Marcos Reigota, Sonia

Chebel e Aldo Vannucchi. Bem como também conversamos com professores que

iniciaram a proposta do currículo cultural pós-critico da Educação Física, que são

Marcos Neira e Mario Nunes. As falas destes professores podem ser encontradas

no corpo da revisão de literatura de maneira fragmentada e ao final do trabalho em

sua integra. Nosso parecer sobre a pesquisa foi que há uma contribuição do legado

freireano neste currículo na metodologia de trabalho, mas também pudemos

observar que o respeito para com o aluno também liga de maneira forte o legado

ao currículo cultural pelo fato de ambos entenderem que se faz necessário dar voz

as minorias caladas e isso é apresentado em relatos de prático desse currículo

como também nas falas de quem conviveu e pode frequentar aulas com Paulo

Freire.

PALAVRAS-CHAVE: Paulo Freire; Currículo; Educação Física

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1

2. REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................................... 4

2.1. CURRÍCULO ........................................................................................................... 4

2.1.1. Currículo e Culturas: campo de luta e contestação ........................................... 6

2.1.2. Currículo e cultura: diferenças da diferença. .................................................. 10

2.2. PAULO FREIRE .................................................................................................... 13

2.2.1. De “Educação como pratica da liberdade”, até “Pedagogia da indignação”. .. 13

2.2.2. O “quefazer” de Paulo Freire. ......................................................................... 18

2.3. CURRÍCULO, CULTURA E FREIRE. ................................................................. 22

3. METODOLOGIA ....................................................................................................... 27

3.1. PRIMEIRA PARADA ........................................................................................... 29

3.1.1. Marcos Neira ................................................................................................... 29

3.2. SEGUNDA PARADA. ..................................................................................... 33

3.2.1. Marcos Reigota ......................................................................................... 33

3.3. TERCEIRA PARADA ........................................................................................... 38

3.3.1. Sônia Chebel ................................................................................................... 39

3.4. QUARTA PARADA .............................................................................................. 51

3.4.1. Aldo Vannucchi .............................................................................................. 52

3.5. QUINTA PARADA ............................................................................................... 59

3.5.1. Mario Nunes .................................................................................................... 60

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 68

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 70

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1. INTRODUÇÃO

“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”

(FREIRE, 1996, p.23). A citação anterior nos remete, mesmo que de maneira

indireta, a uma discussão ampla sobre Currículo que vivemos atualmente na área

da Educação Física Escolar, as questões culturais.

O respeito ao conhecimento do aluno e a sua cultura, é fundamental para a

prática docente, dando ao aluno autonomia e fazendo com que o mesmo se

reconheça como individuo e não perca sua identidade perante práticas elitistas e

alienantes (FREIRE, 1996).

Sendo assim, para que os “educandos” não se tornem “hospedeiros” de

uma cultura que não pertence a eles, se faz necessário uma pratica educativa

libertadora, que dialogue com a cultura dos mesmos ao invés de reprimir e impor

outra (FREIRE, 1987).

Neira e Nunes (2011) afirmam que o currículo é fruto da cultura, pois o

mesmo é uma invenção da sociedade, assim, analisando o que foi descrito até

aqui, podemos entender que o currículo é um local de disputa onde, em alguns

momentos de uma maneira injusta, uma cultura tenta afirmar sua ideologia

marginalizando as demais.

Ao entendermos o que Hall (2006) nos diz quando fala sobre a identidade

na pós-modernidade, podemos afirmar que o homem pós-moderno não possui

uma identidade fixa, ela esta em constante mudança, é ditada pelo seu momento

histórico e não biológico, sendo assim o currículo tem forte influencia sobre a

identidade que estamos formando nas escolas.

Sacristán (2000), nos alerta para a importância que a cultura tem no

processo educativo, ou seja, no currículo, quando nos diz que não há sentido em

renovar estas ou aquelas praticas, ou conteúdos, se não houver uma preocupação

com o espaço que a cultura ocupa nesse meio.

Entendendo essas necessidades começamos a estudar o Currículo Cultural

da Educação Física e observamos a semelhança, em certos aspectos, a pedagogia

de Paulo Freire, ao qual também podemos observar o cuidado e importância que

se da aos saberes dos alunos, uma pergunta surgiu em meio aos estudos e que é

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objeto de nossa pesquisa nesse trabalho: Qual a influencia de Paulo Freire no

currículo da Educação Física?

Então, temos a responsabilidade, nesse trabalho, de mostrar a real

influência do Pedagogo na construção deste currículo e relacionar, através de

pesquisa bibliográfica e entrevistas, essa possível linha de raciocínio.

A ideia surgiu das discussões e interesse de nossa parte sobre ambos os

assuntos. Com isso resolvemos aprimorar os conhecimentos já obtidos em estudos

anteriores e contribuir em estudos posteriores tanto na área da Educação Física

Escolar como na área da Educação em geral.

Ao começarmos os estudos a respeito de nossos objetos, se faz necessário

apresentar alguns aspectos e ideias para apresentar os caminhos que serão

percorridos. Assim, Vasconcellos (2011) fala sobre algumas definições de

currículo e diz que seu conceito é marcado por vários aspectos de quem o

contextualiza, sendo assim, o currículo é histórico, social, político, cultural, etc.

Sobretudo, podemos observar o que diz Neira e Nunes (2009), o currículo

funciona como um molde para o tipo de individuo desejado pela sociedade, ou

seja, nos moldando segundo a cultura dominante, onde cada qual tem seu lugar,

subjulgando as demais culturas para assim obter o poder.

Dando complemento a discussão, entendemos que essa situação se da pelo

fato de que, em tempos atuais, uma grande parcela da população tem maior acesso

a uma diversidade maior de conhecimentos, e cada vez mais o termo “Cultura”

não é entendida de maneira tão fechada, também devido a lutas travadas em

épocas anteriores e atuais, a parcela dominante da sociedade acaba por sentir-se

ela mesma incomodada e por conta disso o currículo acaba se tornando um campo

de intensa luta e contestação (FREIRE, 1987).

Tendo em vista a necessidade de aprofundamento em tais concepções,

fomos a campo e, nos apoiando em Meihy (2002) realizamos uma pesquisa com a

metodologia descrita como História Oral Temática, que consiste em uma coleta de

narrativas feita por através de meios eletrônicos, como gravadores, que tem por

objetivo, entre outras coisas, facilitar o conhecimento de determinado meio.

Ao longo do trabalho iremos intercalar falas das entrevistas realizadas com

nossa revisão de literatura para aproximar o que lapidamos das obras já escritas

sobre o assunto, e o que conseguimos documentar com as falas dos professores

Marcos Neira e Mario Nunes acerca do currículo cultural da Educação Física, dos

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professores Marcos Reigota e Aldo Vannucchi sobre suas experiências no

convívio com Paulo Freire assim como a professora Sônia Chebel, que também

nos contou suas histórias com Paulo Freire.

Ao chegarmos neste ponto, entendemos que nosso estudo pode tomar

como base algumas diretrizes, como entender a pedagogia de Paulo Freire,

abordar e apresentar o currículo cultural da Educação Física, seus principais

autores e por fim, traçar uma linha transversal entre ambos.

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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. CURRÍCULO

A palavra currículo vem do latim Curriculum que quer dizer carreira,

curso etc. Em grego não há uma palavra cujo sentido seja o mesmo, porem há

uma palavra que se encaixa perfeitamente ao significado em latim, a palavra

Paidéia, que significa curso da instrução (VASCONCELLOS, 2011).

Vasconcellos (2011) ainda nos fala sobre o sentido que ele tem dentro da

escola, currículo tem por base a seleção e organização de todas as experiências e

aprendizagem, que serão oferecidas aos alunos, ou seja, “o caminho a ser

percorrido” por eles dentro do âmbito escolar, o autor denomina como Proposta

Curricular, o que seria diferente de Curriculum Vitae, ou curso da vida, que seria

utilizado fora do ambiente escolar, para ilustrar o caminho profissional de um

individuo durante sua vida.

Entendendo essa diferença, é possível observar que, ao definirmos um

currículo, estamos de uma maneira particular, escrevendo a função de uma

determinada escola em um contexto histórico e social, ou seja, ao elaborar um

currículo, delimitamos a função que uma determinada instituição terá frente à

sociedade, sua contribuição política, cultural, econômica, biológica, etc.

(SACRISTÁN, 2000).

Segundo Arroyo (2007) a cada nova pratica pedagógica que surge é

necessário reorganizar o currículo, dando assim uma nova roupagem, e alocando-

o em seu período histórico, social e cultural.

Então, o currículo entendido, atualmente, como tendo uma dimensão mais

critica e voltada ao “por quê?” onde antes o “como” era a principal preocupação,

podemos enxergar o mesmo como sendo um artefato social e cultural, pois esta

sendo guiado por relações políticas, epistemológicas e sociológicas formando

identidades, já que não podemos dizer que o Currículo é neutro, ele é área de lutas

e relações de poder. (MOREIRA E SILVA, 2011).

Para Doll (1997) o currículo deve ser entendido como um processo onde o

conhecimento não deve ser transmitido de maneira pronta, mas sim explorado

pelos alunos e professor em uma troca constante de saberes onde não é apenas o

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professor o centro da aprendizagem. Isto demonstra a visão pós-moderna do autor

em relação ao currículo, onde os paradigmas modernos de uma Ciência rígida e

absoluta dá lugar à outra mais abrangente, observando muito mais “Quem corre

do que a pista” como expõe o autor, a visão se volta a “Quem queremos formar”

muito mais do que no “Como”.

Aqui, mais uma vez, esta justificada a luta por poder que existe a cerca do

Currículo, pois se levarmos em conta o significado da palavra, sua etimologia já

descrita anteriormente, podemos dizer então, e afirmar que o poder do “curso” a

ser percorrido está nas mãos de quem elabora o currículo, o que vai dizer “Quem”

estamos formando e qual sociedade almejamos (GOODSON, 1995).

Por esses e outros motivos, que vamos apresentar ao longo de nosso

estudo, que o campo curricular vem ganhando força e sendo o centro das atenções

de autoridades políticas, professores e especialistas, bem como vem sofrendo

influências de diversas linhas de pensamento.

Está sofrendo influências das teorias pós-coloniais, pós-estruturalistas,

multiculturalismo, teoria queer, e outras que possam surgir. O pós- colonialismo,

que consiste em reivindicar a inclusão de manifestações culturais advindas de

povos, cujas identidades são marginalizadas e excluídas por povos de identidade

europeia dominante, vem, juntamente ao pós-estruturalismo e o pós-modernismo

para colocar em cheque, Através do currículo pós-critico, as formas de

conhecimento do sujeito europeu que vem sendo colocado em altares e exaltado e

colocado como o único valido dentro de nossas escolas pelos currículos atuais.

Doravante, vemos, também, dentro do currículo pós-critico, movimentos

vinculados raça e ao gênero como as teorias queer e movimentos feministas,

assim podemos observar que o currículo pós-critico tem um olhar que abrange não

apenas questões de classe, mas sim toda massa excluída e marginalizada (SILVA,

2010).

Então podemos afirmar que o currículo é um artefato social, não é neutro e

transmite visões sociais do ponto de vista de quem o constrói, tornando-o assim

um campo de luta, formando identidades sociais e individuais, e, ainda, caminha

lado a lado com o momento histórico tanto da sociedade em geral quanto da

educação (SILVA, 2010).

Assim, podemos analisar as discussões sobre a teorização de um currículo

pautado nas diversas culturas nos próximos tópicos de nossos estudos.

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2.1.1. Currículo e Culturas: campo de luta e contestação

Para entender a teorização do currículo fundamentado nas culturas, se faz

necessário a compreensão do que vêm a serem os Estudos Culturais, campo de

estudos que teve sua origem nos anos de 1950 e 1960 na Inglaterra do segundo

pós-guerra visando à implantação de valores mais democráticos na sociedade da

época onde, com o surgimento e ganho de força das mídias, ganhava força uma

cultura homogenia influenciada pela classe com maior poder econômico (NEIRA

e NUNES, 2011).

(...) “nossa contribuição é trazer pra ela essa discussão que já existe,

que é a base, trazer o olhar das teorias pós-criticas, principalmente a

visão de cultura dos Estudos Culturais como campo de luta para

validação de significados, então na verdade quando a criança brinca,

dança, pratica esporte ou faz ginastica essa criança não esta

mobilizando somente a sua gestualidade como forma de significado

ela também esta produzindo cultura e está veiculando um conjunto de

significados produzidos em meio a relações de poder “(...) (NEIRA)

Foi neste sentido que estudiosos, oriundos das classes menos favorecidas,

começaram a criticar as praticas da classe dita como dominante, sendo assim,

resumindo, os Estudos Culturais surgiram como meio de contrapor a visão elitista

de cultura, e defendo a concepção de que nas camadas populares da sociedade

havia produção da mesma e não apenas consumo das que lhes eram apresentadas,

dizem os autores.

Os Estudos Culturais apresentam um novo olhar sobre o currículo, um

olhar que foge às concepções elitistas observadas até então, visando uma

aproximação da realidade do sujeito do processo de formação, pois, em tempos

onde a diversidade possibilita novos meios de comunicação entre as pessoas, ou

seja, diferentes identidades, o currículo deve ser o mais democrático possível

(NEIRA, 2011).

Porem, como já sabemos o currículo da Educação Física nem sempre teve

por objetivo a comunicação entre as diversas culturas de modo democrático,

Castellani (2007) nos fala das barreiras encontradas para que a disciplina fosse

vista como elemento educacional, já que em épocas coloniais a Educação Física

era associada somente a trabalhos braçais, que na época era realizado apenas por

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escravos, diferentemente dos trabalhos ditos intelectuais que sempre foram

associados à parte nobre da população.

Toda essa associação com trabalhos braçais é herança das três principais

raízes da Educação Física denominada: Método Ginástico Frances, Alemão e

Sueco, Bracht (1999) diz que tais métodos eram utilizados para se conseguir

homens aptos para o trabalho em indústrias na época tanto aqui no Brasil como no

mundo, observando o momento histórico de nossa sociedade.

Com o passar dos anos e com as mudanças sociais, a Educação Física foi

ganhando novas “tendências” que eram moldadas de acordo com a sociedade da

época para um fim especifico, como o período higienista da Educação Física onde

a mesma era usada pelos médicos para “assepsia” da população, fazendo com que

as pessoas se tornassem mais fortes e resistentes a doenças para que produzissem

mais. (DARIDO, 2008).

Também sobre esse período Neira e Nunes (2009) salienta que a ginastica escolar

deveria ser simples sem grandes dificuldades, isso era pensado para que não

houvesse necessidade de um mestre especializado facilitando o trabalho do

governo que, por sua vez, distribuía cartilhas com os exercícios que deveriam ser

ministrados pelos professores de sala, visando educar os corpos como controle

social que foi até meados de 1930 onde deu lugar a outra tendência importante: o

militarismo.

O militarismo, que tinha por objetivo despertar um forte senso de dever,

bem como “adestrar” e também fortalecer os valores morais, quem ministrava as

aulas eram militares, esta tendência prevaleceu até a década de 60 onde em 1964

ocorreu o golpe militar, e com isso, para mostrar ao mundo que o país estava indo

bem e que nada demais estava ocorrendo, surgiu uma nova tendência chamada

esportivista com foco no esporte, treinamentos e busca por futuros atletas nas

escolas, esse período também serviu para manter as massas em ordem e entreter a

população. Ainda sobre a tendência esportivista (DARIDO, 2008).

Logo após essa concepção esportivista, a Educação Física passa por um

período onde a mesma é desvalorizada como disciplina escolar, sendo utilizada

como um meio de ensinar outras disciplinas como Geografia, Matemática,

História, etc. A chamada psicomotricidade ou Educação Física pedagogicista, diz

Soares (1995). Castellani (2007) nos fala que tais tendências davam ênfase ao

corpo como produto meramente biológico desassociando o mesmo de suas demais

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dimensões, critica dizendo que ao levar em conta somente o biológico, a formação

do aluno era acrítica e completamente tecnicista, tendo como objetivo somente a

mão de obra qualificada necessária.

Nos anos 80, a Educação Física ganhava uma nova diretriz educacional e

uma visão diferente sobre o corpo, diz Soares (1995), a “Cultura Corporal De

Movimento” tinha olhar mais abrangente do ser humano que ia além do seu

biológico.

Este período, diz Bracht (1999) foi marcado pelas discussões acerca do

papel social da educação, bem como da Educação Física, sendo assim, o papel que

antes era apenas de educar o corpo para que ele se tornasse saudável, dócil e apto

para o trabalho agora tinha se modificado.

Após toda essa trajetória, a Educação Física que conhecemos hoje, é fruto

de toda sua história e tendências, trazendo um pouco de cada uma, e de todas as

influencias a qual ainda é submetida atualmente, devido às diversas mudanças

sociais. O homem é fruto dessas mudanças, e ele sendo aquele que produz tal

manifestação cultural, ambos estão em constante mudança (OLIVEIRA, 2009).

Levando em conta o que diz Hall (1997), é clara a preocupação daqueles

que lutam por uma Educação Física voltada a cultura que os alunos trazem

consigo, e a significação de suas atividades na sociedade onde atuam, o autor nos

diz claramente sobre o sentido em nossas ações, diz que o ser humano é um ser

interpretativo as ações sociais, que são o que nos diferenciam do aspecto

biológico e genético, isto é, nosso comportamento, esses códigos de significado

são nossa cultura, aquilo nos faz ver sentido em certas ações, ou seja, toda ação

social é por si só cultural pois expressa significado e assim a ação se torna

relevante.

Através do viés da centralidade da cultura, Neira e Nunes (2009) afirmam

que a cultura contida no currículo é apresentada de forma impar, que reforça certa

visão de sociedade, para formar certo tipo de sociedade, entendendo isso e o fato

de que essa sociedade é moldada por aqueles que detêm o poder sobre a

formulação deste currículo, conseguimos constatar que há um monopólio e uma

regulação daquilo que se deve aprender aos moldes da visão de quem formula o

currículo, fazendo com que o mesmo não tenha um significado para aqueles que

apenas tentam absorver aquilo que é imposto a eles.

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Ainda citando Neira e Nunes (2009), os autores expõe o modo com que

são selecionados os conteúdos culturais no currículo, de maneira a favorecer a

camada popular com vantagem nas relações sociais, fazendo com que o currículo

seja um instrumento para regular aquilo que será absorvido pelos alunos de

maneira que a sociedade seja favorável à visão da cultura dominante, para que

certos atos sejam previsíveis e não causem certo alarde.

“(...) e a maior parte da população não sabe o que esta acontecendo

por que os discursos vão tomando aqui e ali, então a gente pensou que

precisaríamos ter uma Educação Física não pra ser legal, não pra ser

bacana e dar certo, mas uma Educação Física que dialogasse com

esses problemas da escola, que é essa presença da diversidade, essas

questões multiculturais, pra gente politizar essa garotada pra uma

atuação mais efetiva na sociedade.” (NUNES).

Silva (2010) nos da uma perspectiva do que é o currículo na ótica critica

quando diz que o currículo contribui para a construção e reprodução da sociedade

capitalista, e continua afirmando que através do currículo, as diferentes classes

sociais aprendem seus respectivos papeis dentro do meio de produção capitalista.

Observando aqui um olhar ainda critico do currículo, Freire (1987) fala da

importância do currículo quando falamos da sociedade que oprime através de suas

pedagogias opressoras, e ressalta a importância dos educando libertarem a si

próprios desse modelo de educação e da luta para que seus saberes sejam

valorizados.

Contudo, Silva (2010) ressalta que o currículo pós-critico vai além das

lutas de classe, há uma descentralização dessa luta, não são apenas os

trabalhadores de classe menos favorecida financeiramente que são contemplados,

mas sim as questões de gênero, étnicas, religiosas, de cunho feminista, teoria

queer, e tantas outras minorias que ganharam voz no currículo em questão.

Esse confronto travado no currículo é fruto de duas realidades antagônicas

que imperam em nosso país, a classe com maior status social chamada de

dominante e a classe trabalhadora, enquanto a primeira luta para que seja mantida

a sua posição de domínio e opressora, a outra tenta com todas as forças que, seu

ponto de vista, sua cultura seja levada a serio (SOARES, et al, 1992).

Levando em conta o que dizem Lima e Neira (2010), podemos ver a

relação estreita que a escola tem com a formação do cidadão. Dizem os autores

que a escola é o espaço designado socialmente para que o patrimônio cultural

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acumulado seja passado adiante, sendo assim a Educação Física tem como

principal missão social, apresentar aos alunos manifestações culturais

pertencentes a diversos grupos, levando em conta o contexto social da escola e a

própria diferença entre os alunos e ainda a partir, dessas diferenças e dos saberes

culturais construídos além dos muros da escola, construir um olhar de equidade

social nos alunos, ou seja, deixando de lado a pratica de ensino que visa transmitir

as “técnicas corporais melhores”, onde a cultura hegemônica é enaltecida,

principalmente se levarmos em conta que a escola é por si só um berço de

diferenças culturais.

2.1.2. Currículo e cultura: diferenças da diferença.

Ao falarmos de cultura surgem inúmeros autores para subsidiar a relação

com o campo da Educação Física. Entender essa relação se torna indispensável

para a compreensão de ambas as áreas tratadas nesse subcapitulo: currículo e

cultura.

Alguns autores como Daólio (1995), Kunz (1994), Soares et. al. (1992),

entre outros, propõem uma visão de Educação Física cultural, menos tecnicista e

biológica, apoiada nas ciências sociais, dando inicio a novos currículos da

Educação Física como o critico superador e emancipatório.

É importante ressaltar que não podemos falar de currículo sem dar ênfase

às relações de poder que permeiam toda a sua elaboração, trazendo praticas de

grupos dominantes da sociedade em detrimento a tantos outros, tudo isso salienta

ainda mais a força desse conceito e de tudo que o cerca (NEIRA, 2011).

O currículo proposto por Daólio baseia-se em estudos antropológicos

sobre o homem e sua cultura, o autor coloca que a cultura tem o mais alto

envolvimento com a Educação Física pelo fato de que toda manifestação corporal

humana advém de culturas passadas, adquirida por seus antepassados e passada de

geração em geração manifestando seus interesses, modo de vida entre outros

aspectos culturais (DAÓLIO, 2004).

Ao observarmos as colocações do autor acerca da cultura advindas de

fontes antropológicas, podemos entender as colocações sobre uma Educação

Física plural defendendo as diferenças entre os alunos, pois cada individuo traz

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consigo traços culturais, valores e normas, da realidade social que lhe é familiar

tornando a escola um local de plena diversidade cultural (DAÓLIO, 1995).

Conseguimos então fazer certa relação com o que diz Neira (2011) quando

afirma que a escola é um local de diversidade cultural e que o currículo cultural da

Educação Física propõe exatamente valorizar e trazer ao seu lugar de direito,

todas as mais variadas manifestações culturais deixadas de lado pelo currículo

tradicional e tecnicista apresentado a nós até então.

Podemos também trazer a discussão o conjunto de autores denominado

Coletivo de Autores, que em 1992 apresentaram a nós o currículo critico-

superador que visava não apenas observar as diferenças culturais trazidas pelos

alunos, como também trazer as lutas de classe para as aulas de Educação Física

que, até então, eram apenas para fazer valer a herança histórica deixada para a

área, a de tornar os cidadãos aptos para o trabalho, prontos para seguir friamente

as regras impostas por aqueles que detêm o poder sobre o que estará presente no

currículo escolar (SOARES, et al, 1992).

Assim como vimos anteriormente na perspectiva de Daólio (1995),

também podemos fazer uma ponte para o pensamento de Neira (2009) que aponta

para a escolha de conteúdos a serem estudados nas escolas, o autor coloca que tais

conteúdos são escolhidos justamente por aqueles que estão em uma camada

superior economicamente falado.

Já na concepção do currículo critico-emancipatório, apresentado por

Elenor Kunz, o “se movimentar” deve ganhar sentido, ou seja, o homem deve

compreender a intencionalidade do movimento para que assim possa emancipar-

se e ver o mundo além do movimento, aquilo que está escondido por traz de cada

gesto, o que busca dar significado para cada movimento (KUNZ, 1994).

Tal concepção, podemos observar na fala de Neira e Nunes (2011) quando

diz que ao supervalorizar uma pratica como o esporte em detrimento de outra que

não faz parte da grade curricular atual como o soltar pipa ou mesmo brincadeiras

de rua, essas se tornam desvalorizadas na concepção dos alunos, pois as mesmas

não tiveram a importância destacada por meio de debates além das quatro linhas

da quadra, mostra-se apenas o esporte espetáculo.

Com base em tais currículos, porem com um olhar que vai além delas, o

currículo cultural pós-critico sugerido por Neira, traz o olhar dos Estudos

Culturais para a Educação Física, ou seja, um olhar que aponta para a diversidade

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das minorias que são subjugadas pelo sistema capitalista, e que não se encaixam

nas concepções ditadas pela classe dominante, trazendo então discussões de

gênero, raça, religião além das lutas de classe já apresentadas no currículo critico

superador e emancipatório (NEIRA E NUNES, 2011).

“(...) nossa contribuição é trazer pra ela essa discussão que já existe,

que é a base, trazer o olhar das teorias pós-criticas, principalmente a

visão de cultura dos Estudos Culturais como campo de luta para

validação de significados, então na verdade quando a criança brinca,

dança, pratica esporte ou faz ginastica essa criança não esta

mobilizando somente a sua gestualidade como forma de significado

ela também esta produzindo cultura e está veiculando um conjunto de

significados produzidos em meio a relações de poder (...)”(NEIRA)

Algo relevante que se faz necessário abordar é a luta travada no campo

curricular, sendo que, na concepção pós-critica apresentada por Neira e Nunes

(2009), diferentemente das concepções anteriores, vemos o movimento entendido

como gesto, esse que se faz linguagem pelo qual podemos observar a cultura da

sociedade que o individuo que o faz pertence e traz consigo, e não apenas

reproduzir movimentos aceitos pela parcela dominante da sociedade, dando assim

voz aqueles que são calados por currículos que não veem além dos muros da

escola e não enxergam o aluno como individuo, mas somente como deposito de

conceitos pré-formatados.

Moreira e Silva (2011) também abordam as lutas no campo curricular

como uma luta de interesses e de relação de poder, sobre quem irá continuar

comandando a sociedade. Os autores dizem que, ao ingressar no ensino

fundamental, as crianças são expostas a um currículo onde ocorre uma espécie de

“peneira”, essa seleção elimina nos primeiros anos aqueles alunos filhos de

pessoas que já são dominadas pela parcela com maior poder econômico da

sociedade, fazendo com que os mesmos não possuam os ensinamentos que

estariam por vir nos anos subsequentes e, assim, tornando o ensino médio e

superior quase que exclusivo para aqueles que serão os próximos a “dominar”

essas relações de poder travadas.

Neira (2011) porem, se apoia nos Estudos Culturais para denunciar e

formular estratégias que são antagonistas destas que vemos hoje em nossas

escolas, trazendo à tona as minorias caladas e esquecidas nos cantos obscuros do

ensino, como a religião, gênero, etnia etc. usando assim o próprio conhecimento

13

dos alunos para gerar maior identificação e mostrar que práticas advindas de

grupos menos favorecidos pode ser pauta em um território quase que imaculado

como a escola.

Após observarmos tais pontos de vista acerca do currículo e das lutas

travadas para impor sua verdade, podemos buscar a relação entre a visão

pedagógica de Paulo Freire, ao qual vamos apresentar no capitulo subsequente, e

o currículo cultural da Educação Física, onde Freire (1996) diz que, assim como

os educadores, a escola deve ter um respeito maior pelos saberes dos educandos e

também discutir o “por que” desses saberes, que o próprio autor diz ser construída

socialmente, assim, como vimos anteriormente, também envolve a cultura, pois a

mesma é uma construção social, bem como o currículo. Por esse motivo

acreditamos em tal relação, a luta por uma educação libertadora, o empenho em

fazer valer a voz daqueles que estão sufocados por uma cultura hegemônica liga e

nos leva a indagar sobre qual a real contribuição e influencia da visão pedagógica

de Paulo Freire no currículo cultural que tanto temos lutado para construir dentro

da Educação Física, por isso no próximo capitulo vamos apresentar um pouco da

visão “Freiriana” acerca da Educação, sociedade e etc.

2.2. PAULO FREIRE

2.2.1. De “Educação como pratica da liberdade”, até “Pedagogia da indignação”.

Em Setembro de 1921 nascia, em Pernambuco, Paulo Reglus Neves Freire,

filho de Joaquim Temístocles Freire e Edeltrudes Neves Freire um dos maiores

educadores do Brasil e do mundo e um dos autores mais traduzidos, com obras

importantes e que servem de base até hoje, mostrando assim, a visão de futuro do

pedagogo pernambucano (PROJETO MEMORIA, 2014).

Começou a ler e escrever com a ajuda da mãe, no chão de terra em baixo

de uma mangueira no quintal de sua casa. Aos dez anos de idade, Paulo e sua

família mudou-se para Jaboatão, que fica a dezoito quilômetros de Pernambuco,

onde aos treze anos de idade, perdeu o pai e viu sua mãe enfrentar grandes

dificuldades para cria-lo juntamente com seus quatro irmãos (GADOTTI, 1996).

14

Paulo fala de sua primeira professora em uma entrevista concedida a

revista “Nova escola” que Gadotti (1996) cita chamada Eunice Vasconcelos, foi

muito importante em sua vida pelo seu jeito de ensinar. Segundo ele, não houve

ruptura do modo como foi alfabetizado em casa com a ajuda dos pais, com o jeito

da professora o ensinar as “sentenças”, que era o método usado por ela: dizia as

crianças para escrever quantas palavras elas conhecessem em uma folha e depois

com as mesmas palavras criavam-se as sentenças, talvez um indício do que mais

tarde viria ser o “Método Paulo Freire”.

Ao completar seus estudos regulares, Paulo Freire ingressou na Faculdade

de Direito de Pernambuco, pois na época não havia curso superior para formação

de educadores no Estado, e sendo esse o único curso voltado à área das ciências

humanas fez sua escolha pelo mesmo (GADOTTI, 1996).

A partir daí, Paulo Freire foi professor de português do colégio em que

estudou, Colégio Oswaldo Cruz, casou-se, foi diretor do recém-criado Setor de

Educação e Cultura do SESI, onde teve seu primeiro contato com a educação de

adultos e trabalhadores, e nos anos 1950 fundou, ao lado de outros educadores o

Instituto Capibaribe. No fim dos anos 50 prestou concurso e obteve o titulo de

Doutor em Filosofia e História da Educação, no ano seguinte foi nomeado

professor efetivo da disciplina de Filosofia e Historia da Educação da Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Recife, tomando posse em 2 de

janeiro de 1961, tornando-se livre docente no ano seguinte da Escola de Belas

Artes na cadeira de Filosofia e Historia da Educação (GADOTTI, 1996).

Com o golpe militar de 1964, vários educadores, políticos e pessoas

ligadas ao governo de João Goulart, foram perseguidas, interrogadas, presas e até

mesmo torturadas, assim, Paulo Freire se viu forçado a buscar o exílio, primeiro

na embaixada boliviana, de lá foi para La Paz e logo depois para Santiago no

Chile por conta dos problemas de saúde decorrentes da altitude de La Paz e pelo

golpe de estado que depôs o então presidente Estensoro. Paulo Freire ficou

exilado por 16 anos (BARRETO, 2004).

“(...) Eu conheci Paulo Freire, primeiramente, em uma palestra em

Roma em 1968 que eu tinha saído daqui do Brasil por causa da

ditadura, foi uma palestra assim, eu o conheci de longe, e já tinha lido

o livro dele, já tinha apoiado o trabalho de alguns alunos da faculdade

de filosofia(...)” “(...)o conhecimento mais profundo, eu diria quase

15

total com o Paulo foi mais tarde em 1973, 1974 por que eu de novo

precisei sair do Brasil por causa da ditadura outra vez e fui morar em

Genebra na Suíça, e lá eu consegui emprego no Conselho Mundial de

Igrejas, o Conselho Mundial de igrejas(...)” “(...)Paulo era uma figura

muito sentimental, não só por ele e eu sermos brasileiros mas por ele

viver muito, sofrer muito a saudade de tudo que era do Brasil, ele

morava com a esposa e os filhos em Genebra em um apartamento,

tinha carro mas não dirigia, eu dirigi muitas vezes o carro dele, a vida

digamos assim, humana sentimental dele era muito intensa dependia

muito da esposa dona Elza, alias, dona Elza era professora primaria,

trabalhou lá em Recife como professora primaria uma pessoa

realmente muito, de personalidade muito rica(...)” (VANNUCCHI)

A primeira produção acadêmica de Paulo Freire foi sua tese para obter a

cadeira de Filosofia e História da Educação, da Faculdade de Belas Artes de

Pernambuco, intitulada “Educação e Atualidade Brasileira” diz Mafra (2007).

Essa obra marcou o inicio dos escritos de Paulo Freire. O exílio no Chile

foi marcado por vários desses escritos, dos quais dois devemos destacar, o

“Educação Como Pratica da Liberdade” e um dos mais famosos, “Pedagogia do

Oprimido,” sendo o primeiro publicado no Brasil em 1967 e o segundo em 1970,

com o intuito de mostrar uma pedagogia de resistência na alfabetização de

adultos, visando romper com a opressão que sofriam os trabalhadores e pessoas

com um status social mais baixo. Essa época foi marcada por muitas ideias

inovadoras a cerca da educação com ênfase na alfabetização, porem com o golpe

civil militar que ocorreu em abril de 1964, fez com que essas ideias inovadoras

fossem sufocadas, para que a voz da população fosse calada frente às injustiças

cometidas na época e que são vistas até hoje (SCOCUGLIA, 1999).

“Ação cultural para a liberdade”, é o nome do livro publicado em 1976 no

Rio de Janeiro, onde trazia vários escritos de Paulo Freire ainda inéditos no Brasil.

Também nos anos 1970, foi publicado o livro “Cartas a Guiné-Bissau” que mostra

dezesseis cartas escritas por Paulo Freire, endereçado a Mario Cabral que era

comissário de Estado para a Educação de Guiné-Bissau, onde o pedagogo

orientava sobre a prática do ensinar aprendendo e sobre como conhecer a

realidade opressora para assim transforma-la (GADOTTI, 1996).

Nos anos 1980, foram escritos livros como “Ideologia e Educação:

reflexões sobre a não neutralidade da educação”, “A importância do ato de ler”,

“Aprendendo com a própria história”, obras essas que também foram marcantes

16

na historia do educador e também na historia da educação não só no Brasil, mas

também no mundo. Ao entrarmos nos anos 1990, conhecemos obras como

“Conversando com educadores”, “Pedagogia da esperança”, este que foi um olhar

para o passado sobre o livro “Pedagogia do Oprimido”, nesta mesma década ainda

foram publicados, “Professora sim, Tia não”, “Cartas a Cristina”, “Política da

educação” e ainda “Pedagogia da autonomia”, que é visto até hoje como livro

obrigatório para educadores recém-formados e mesmo aqueles que lecionam há

mais tempo (GADOTTI, 1996).

Por fim chegamos ao livro “Pedagogia da Indignação”, que foi o ultimo

livro de Paulo Freire publicado após sua morte em 1997, por sua segunda esposa,

Ana Maria Araujo Freire, que depois de passados alguns meses da morte de

Paulo, decidiu ler seus últimos escritos. O livro é composto por “cartas

pedagógicas” escritas meses antes de sua morte, e outras em 1992, sendo que

algumas delas permaneceram inacabadas (FREIRE, 2000).

Paulo Freire ainda esteve em Sorocaba, logo após voltar do exilio, nas

convenções que fez na UNISO (Universidade de Sorocaba) a convite do professor

Aldo Vannucchi e que foi gravada e transcrita pela professora Sonia Chebel que

mais tarde foi publicada com o nome de “Paulo Freire ao vivo” pela editora

Loyola.

“Então, claro que eu voltei bem antes, me parece que ele voltou em 79

se eu não me engano a nossa amizade, logo depois que ele voltou

procurei contata-lo em São Paulo, estava dando aula na PUC e

convidando ele falou é claro que eu vou sem problema ai eu consegui

traze-lo 4 noites, não seguidas mas de tempo em tempo, eu me lembro

que uma noite eu o apresentei lá no salão Trujilo, Salão Vermelho,

antes de começar a palestra ele falou eu agradeço o convite estou aqui

mais uma vez eu quero dizer que devia estar hoje no Canada mas o

convite do Aldo foi mais importante. E ele falou então 4 vezes, e a

professora Sonia foi sempre muito amiga minha e grande professora,

um mandato eu fui diretor e ela foi vice diretora nessas palestras ela

gravou tudo com a autorização dele e depois então a gente decidiu

publicar o livro, que é o Paulo Freire Ao Vivo” (VANNUCCHI)

Essa convenção fazia parte do projeto “Vivendo e Aprendendo” e um dos

objetivos dessas palestras era buscar a ação educativa que leve à intervenção na

realidade e sua valorização. Foi um grande marco para a cidade de Sorocaba e

para os educadores que puderam estar presentes nesse evento.

17

“(...) eu acho que eu fui privilegiada de conhecer a obra dele de

participar de palestras, de ser aluno ouvinte no curso de pós graduação

na PUC, de encontra-lo em encontros religiosos ai em Itaici, de ficar

transcrevendo as conferencias, ouvindo a voz dele, agora, eu guardei

todas essas fitas K7 por que eu to falando de um período que não eram

filmadas as conferencias a faculdade não tinha filmadora e a gravação

não eram como os meios de hoje, eram fitas K7 de meia hora cada

lado e ainda tinha que virar né, mas mesmo assim, quando acabou

meu mandato eu deixei tudo no multimeios, nunca fui ver se

continuam lá por que eu tenho muito medo que tenham jogado por que

o que teria que fazer era fazer o que eu fiz com as minhas fitas,

transformar as fitas K7 em CD que a durabilidade é muito maior, mas

era a voz dele, era o arquivo sonoro do que ele falava assim como

Marcelo Rubens Paiva, todos que eram os grandes que vinham falar a

gente gravava e eu organizei o arquivo sonoro, mas de medo que isso

não existisse mais eu não fui procurar, mas olha tem muito, mudou um

pouco, mas tem muito pra mudar na educação brasileira pra melhor

conhecendo a obra de Paulo Freire e o mesmo livro, seja esse de

conscientização seja aquele condensado, não resumido, condensado

que é pedagogia da autonomia, cada vez que a gente lê, relê e lê de

novo eu acho que a gente descobre mais implicações na nossa vida

pessoal e profissional e que pena que muitos não conhecem ou que

conheceram pra fazer uma prova e não pra aquilo entrar na vida.”

(CHEBEL)

Ao chegarmos neste ponto, estamos talvez, de uma maneira ainda precária,

preparados para o próximo passo de nosso estudo, que será abordar as concepções

pedagógicas de Paulo Freire, suas ideias que, mesmo com o passar dos anos,

permanecem atuais.

18

2.2.2. O “quefazer” de Paulo Freire.

Nossos estudos sobre a prática pedagógica de Paulo Freire nos faz refletir

sobre varias outras praticas como a política e social, bem como de gênero e raça,

porém sua luta se fundamentou por aqueles que ele chama de “oprimidos”,

fazendo com que os mesmos entendessem qual era sua real posição perante

aqueles que detêm maior status social, oprimindo-os de tal maneira, que já não

conseguiam enxergar quão marginalizados e presos a esta situação se

encontravam (FREIRE, 1987).

Por esse motivo, Paulo Freire lutava por uma educação libertadora,

dialógica e reflexiva, denunciava o que ele chama de “educação bancária”, onde o

educador apenas “deposita” o que acha necessário ser aprendido em seus

educandos, sem levar em conta suas vivencias, seus saberes, suas histórias, enfim,

sua cultura (FREIRE, 1987).

Cultura essa que para Aranha (1996), é aquilo que nos faz diferentes dos

animais irracionais, que apenas vivem em determinado local, incapazes de

transformá-lo como nós somos, e o fazemos a todo instante, seja pintando grandes

quadros ou arquitetando um modo mais fácil de irrigar a plantação na seca

nordestina para não morrer de fome.

Também podemos dizer que a cultura só existe em homens e mulheres

reais, que vivem e convivem em um determinado ambiente, pertencentes a um ou

outro povo, raça e ainda, que convive em um regime político seja ele qual for,

pois o mesmo influencia e é influenciado por esse regime (VANNUCCHI, 1999).

Por essa razão entendemos por que Freire (1996), nos fala da importância

de respeitar os conhecimentos pré-adquiridos pelos educandos fora dos portões da

escola, e assim trazer um significado maior as aulas e ainda usar exemplos de seu

cotidiano para contextualizar certas denuncias de abuso de poder, falta de conduta

ética e principalmente a manipulação e homogeneidade cultural que vivemos e

que é fruto justamente de uma educação que, graças ao currículo monocultural,

apresenta apenas uma cultura como sendo a única viável e verdadeira em

detrimento as demais que coabitam dentro da escola deixando de lado a igualdade

que é apregoada pelos dirigentes da mesma. (NEIRA, 2011).

Ao entender que somos seres culturais, pensantes, reflexivos e

transformadores de nossa realidade, vamos assumir o papel que nos é de direito,

19

de seres comprometidos com a realidade em que estamos inseridos, ou seja, nossa

cultura. Como então podemos fazer de nossos alunos, pessoas reflexivas e capazes

de transformar sua própria realidade? Um desafio que se torna mais fácil quando o

mesmo se vê comprometido com tal realidade, quando o educando enxerga sua

cultura em meio às aulas, passa a fazer parte dela de maneira verdadeira e

comprometida (FREIRE, 1979).

(...) Paulo Freire cria a palavra desencadeadora então ele começa a

conversar com esses adultos e esses adultos “não o senhor que deve

falar, o senhor é que sabe”, e ele falou “eu sei algumas coisas e você

sabe outras” então educação é uma troca de saberes, não é vertical

como foi a minha colégio mas ela é horizontal se troca saberes, então

Paulo Freire começa a perguntar: o metro quadrado de parede quantos

tijolos vão? Como faz a argamassa? Quais as medidas pra faze-la? E

os alunos vão ficando felizes por que eles não são burros (...)

(CHEBEL).

É necessário que, ao observarmos nosso aluno, possamos enxergar nele

mais do que uma folha em branco, pronta para receber aquilo que nós queremos, é

preciso entender suas dificuldades, sua história, preconceitos e conceitos

formados durante sua vida ate aquele momento, saber lidar com essas emoções,

sentimentos e vivencias é primordial para que o aluno seja verdadeiramente parte

ativa no processo ensino aprendizagem, de maneira que o mesmo se encontre,

enxergue a si mesmo e aos que fazem parte de sua realidade em meio às aulas de

Educação Física (MARTINEZ JUNIOR, 2013).

“(...) eu pedia pra assistir mesmo como ouvinte por que nossa era uma

maravilha os alunos, eu via os alunos saindo da aula dele os

doutorandos em educação babando do conhecimento do respeito, e um

dia eu estava na aula a porta estava fechada estava frio era inverno,

bateram na porta Paulo Freire abril eram alunos do centro acadêmico

acho que do DCE, que queriam conversar com a classe, dar um recado

pra classe passar uma informação, o senhor autoriza? Ele falou eu

autorizo agora precisa ver se eles autorizam dai ele perguntou para

classe, vocês autorizam a gente para um pouquinho ouve o que eles

têm a dizer e todo mundo concordou (...)” (CHEBEL)

Ao observarmos o nosso aluno e tudo o que há em sua volta, podemos,

muito mais do que apenas ensinar algo aleatório, encontrar na realidade dele um

ponto de partida onde a aprendizagem faz sentido, pois a mesma esta atrelada ao

seu mundo, sua cultura. Brandão (1981) introduz o leitor no chamado “método

20

Paulo Freire”, onde comenta que ninguém educa ninguém nem se educa sozinho,

mas há um aprender mutuo, educando e educador trocam experiências e vivencias

e ambos constroem o conhecimento.

Tal conhecimento surge da comunicação entre seres inacabados,

inconclusos, que tem pleno conhecimento de seu “inacabamento”, que quando se

encontram trocam tais conhecimentos. Sendo assim, não há como dizermos que

existem pessoas educadas e não educadas, mas sim pessoas com saberes distintos,

saberes que surgem tanto através da educação sistematizada, como do cotidiano,

ou seja, todos têm algo a aprender com o próximo, pois o homem, por mais

instruído, não sabe todas as coisas, por essa razão não devemos marginalizar

nenhum tipo de conhecimento (FREIRE, 1979).

Contudo, o que podemos observar, não é essa troca de conhecimentos e

valorização das culturas que nos cercam, mas sim conflitos entre culturas, cada

qual com seu discurso, tais discursos geram ideologias, seja ela de descriminação

ou de resistência, onde a cultura dita dominante gera essa ideologia de

descriminação e a cultura dominada a de resistência. Sendo assim, é necessário

que provoquemos os alunos a pensarem sobre tais questões, para que entendam

que tal luta existe e ainda que possam conviver com as diferenças, de maneira que

possamos extinguir as ideologias, fazendo com que as mesmas tenham uma

relação dialética entre si, e assim viver a diversidade de maneira clara, não

evitando-a mas compreendendo e aprendendo aquilo que o outro tem a nos

ensinar, respeitando sua cultura, de ambos os lados (FREIRE, 2001).

“(...) era lá no refeitório depois das refeições naqueles bancos feitos de

taboa e cavaletes, mesas de taboa e cavalete, uma lousinha que ele

falava que era uma lousinha preta, hoje a lousa é verde, quando tem

lousa é verde, uma lousa preta pequenininha, um pico de luz que

iluminava mais ou menos e quem quisesse se alfabetizar ia nessas

aulas” (...)” “(...)’Alguém consegue fazer alguma palavra com essas

silabas além de tijolo?’, ai ele diz que uma mulher levanta a mão e ele

diz’ Fala minha senhora’, e ela diz ‘Tito’, ai ele pergunta ‘o que é

Tito?’, ai ela falou: ‘primeiro é nome de gente’(...)” “(...) dai o marido

dela diz: ‘e é o Pape que nois vota é tito’, você já imaginou se,

naquele momento, Paulo Freire falasse: ‘não é papé minha senhora é

papel, não é nois vota é nos votamos, e não é tito é titulo’ ninguém ia

querer fazer mais palavra nenhuma, ele vai corrigir, não naquela aula,

não naquele dia (...)” “(...)Paulo Freire agradece e ela senta e dai ele

21

pergunta se alguém quer formar uma outra palavra dai o marido dela

se levanta vai lá na lousa vira pra mulher e diz ‘Tu já lê’, isso é uma

frase, por que Ta, Te, Ti, To, Tu, Tijolo, Já, Je, Ji, Jo, Ju, Tu Já, La,

Le, Li, Lo, Lu Lê, você já lê! Tu já lê, naquele momento ele não vai

dizer olha a conjugação do verbo na segunda pessoa do singular é Tu

já lês, vão aprender verbo, não naquele momento (...)” (CHEBEL).

Em entrevista, Ana Maria Araujo Freire, ou simplesmente Nita Freire,

conta que Paulo não inventou apenas um método de alfabetização, mas sim uma

nova concepção de educação, que, ao alfabetizar, devolvia o direito que todo

homem e mulher têm de ler e escrever o mundo, visto que, em sua fala, diz Nita,

todos tem esse direito porem as sociedades quando priva tais direitos esta tirando

não apenas um direito descrito por lei, mas também ontológico (GERMANO E

REIGOTA, 2009).

(...) “uma outra é ligar o pensamento de Paulo Freire a um método o

método é uma consequência de um pensamento politico pedagógico,

não existe um método por si só, então aquele método, a pratica

pedagógica que ficou conhecida como método Paulo Freire continua

tendo muito do seu valor sem duvida nenhuma, mas ele não pode ser

pensado fora do pensamento politico pedagógico de Paulo Freire acho

que essas duas questões são as mais difíceis assim de serem superadas

no pensamento freiriano por que, bom o por que não sei te dizer, por

que acho que isso é algo mais complicado, que eu vejo nos textos dos

meus colegas, nas interpretações.” (REIGOTA)

Então, ao compreender que essa relação onde quem detém o poder

dominante impõe sua cultura e tira o direito de ler o mundo das pessoas com

menor status social pela ótica de sua própria cultura, Nita continua seu relato

dizendo que Paulo lutou para que essas pessoas tivessem voz e pudessem escrever

seus nomes na história e assim se tornarem um sujeito da história (GERMANO E

REIGOTA, 2009).

Garcia Canclini apud Neira (2011) explica que a globalização exige lucro,

sendo assim procura vender a cultura dominante fazendo com que todos se vistam

de maneira igual, assistam os mesmos programas, comam a mesma comida,

pensem da mesma maneira surgindo assim as ideologias que vimos anteriormente,

ou seja, acabam destruindo a cultura local tendo como consequência a destruição

da identidade das pessoas que ali residem.

22

Identidade essa que Neira (2007) diz ser difícil de construir, pois essa

identidade cultural é o que torna o individuo único, e ao mesmo tempo da

possibilidade ao mesmo de se reconhecer parte de uma comunidade. Resgatar tal

identidade através de práticas que valorizem sua cultura além de dar mais sentido

a vida e as aulas, ainda devolve ao educando sua individualidade e assim faz com

que lute por aquilo que lhe é de direito.

Com tudo, Hall (2006) nos fala que esse sujeito pós-moderno não possui

uma identidade fixa e essencialmente constituída como o sujeito do iluminismo

que tinha por base seu “eu” interior imutável e incorruptível, formado desde seu

nascimento e mantido sem transformações ao longo de sua vida. Assim também

não é como o sujeito sociológico que também possui um “molde” indenitário que

se transforma através da sociedade em que vive tal individuo, e acrescentando a

ele uma cultura única do local e do momento histórico em que esta inserido. Esse

tal sujeito pós-moderno não possui tal essência, ele é influenciado desde sempre

pela sociedade, não possuindo uma identidade fixa, mas sim, o confronto de

inúmeras identidades em constante conflito, tornando o sujeito pós-moderno

muito mais histórico do que biológico.

Freire (1996) diz que devemos valorizar os saberes do educando, saberes

construídos através de sua relação com a comunidade ao qual esta inserido,

costumes e praticas cotidianas que podem dar suporte para discussões acerca de

questões políticas, sociais, de raça, gênero entre outros. Através desta concepção

podemos observar indícios da influencia que Paulo Freire pode ter exercido no

campo curricular da Educação Física que se preocupa em valorizar as culturas

advindas das camadas menos favorecidas da sociedade.

Porem, onde começa e até onde vai essa influencia de pensamentos?

2.3. CURRÍCULO, CULTURA E FREIRE.

Neira e Nunes (2009) nos falam da importância do currículo para se

formar a sociedade almejada, reforçando assim certas culturas em detrimento de

outras, então não há aspectos técnicos para se elaborar um currículo, ou seja, o

currículo, na verdade, está nas mãos de determinados grupos sociais que, naquele

determinado contexto histórico, detém o poder e impõe sobre a grande massa seu

modo de enxergar o mundo.

23

Freire (1987) fala de uma educação “bancaria” onde os alunos são apenas

depósitos, não há dialogo entre educador e educando, apenas a submissão ao

conhecimento vindo do professor, que por sua vez é abstraído das classes mais

favorecidas socialmente, para que nada mude, ou seja, para que os alunos

continuem alienados frente a diversas questões que lhe são pertinentes e não

sejam capazes de lutar por seus direitos mais básicos como moradia, educação de

qualidade, saúde, entre outros.

Tudo isso se da pelo poder que insiste em ficar estacionado nas mãos da

classe dominante, pois, ao ocupar as carteiras das salas de aula das melhores

universidades publicas, ou seja, o conhecimento que “consumimos” nas escolas

publicas e nas universidades particulares estão atrelados e resumidos a estes

alunos que, ao saírem de camadas mais bem favorecidas da sociedade, não

entendem as reais dificuldades da população menos favorecida. Porem, Reigota

(2010), nos fala sobre uma pequena mudança nesse quadro. O autor afirma que,

com muito esforço, pessoas que vem de universidades particulares, de classes

menos favorecidas, estão conseguindo chegar às salas de mestrado e doutorado

que outrora era frequentada somente por alunos de classe mais alta. Esses alunos

que chegam das “margens”, como explica o autor, se deparam com debates e

discussões a cerca de livros e autores que tentam explicar a realidade da qual eles

próprios fazem parte, através de uma ótica erronia e pouco fiel a realidade.

Tal ótica é fruto da não compreensão do “inacabamento” do homem. Paulo

Freire (1979) ressalta que “a sabedoria parte da ignorância”, ou seja, ao tentar

mostrar o mundo ao aluno por uma ótica que não lhe é familiar, onde o mesmo

não se encontra e seus saberes são marginalizados como se nada soubesse, trás

angustia e perda de sua identidade cultural.

Sendo a identidade uma criação social e cultural, bem como a diferença, a

não valorização e a não aceitação da cultura do educando é a não aceitação de sua

identidade, de sua diferença, já que ambas são interdependentes, eu possuo uma

identidade por que sou diferente do meu próximo e vice versa (SILVA, 2014).

Neira (2011) explica que tal processo ocorre no ingresso de novas culturas

na escola, entrando em conflito com aquilo que historicamente era ensinado, ou

seja, o que vemos hoje nas escolas não são apenas filhos de pessoas com poder

aquisitivo elevado, brancas e com interesses em comum, mas sim de todas as

24

classes, raças e posições sociais tornando a escola um local de cultura heterogenia,

porem com um currículo monocultural.

Ao monopolizar o conteúdo curricular, deixamos de lado diversas culturas

que permeiam o ambiente escolar. Lima e Neira (2010) falam que a Educação

Física, veiculada ao Projeto Político Pedagógico da escola, se aproxima das

culturas marginalizadas, pois, ao analisar criticamente as manifestações da cultura

corporal vivenciadas pelos educandos em seu convívio social, conhecendo os

signos culturais em que estão inseridos e ainda o modo como esses grupos sociais

se relacionam e compreendendo que tudo que o homem produz, a maneira que se

expressa, esta inteiramente relacionada ao seu contexto sociocultural, um

currículo que valorize essas culturas se faz necessário para que isso realmente

aconteça.

Freire (1996) fala da importância de assumir-se como ser histórico, social

e cultural, tanto os alunos se enxergarem dessa maneira e aos colegas e professor,

quanto do professor fazer o mesmo. Levando em conta o que foi apresentado até

aqui, podemos dizer que o currículo cultural da Educação Física, tem vinculo com

as ideias de Paulo Freire acerca de construção de novos conhecimentos que

emergem dos da realidade dos próprios alunos e ainda, ao passar por diversas

bibliografias, entender que em determinados pontos a Educação Física contribui

para aquilo que Freire lutava para a libertação de uma sociedade monocultural que

exclui quem não se encaixa.

“(...) Paulo Freire também contribuiu, os estudos de Paulo Freire, o

trabalho de Paulo Freire, sobre tudo, a metodologia freiriana,

contribuíu com a ideia da pesquisa do universo cultural das crianças,

então quando a gente usa lá “mapeamento”, também tem

fundamentação em Paulo Freire então se você pensar em tematizar, é

procurar todas as interpelações possíveis entre a pratica corporal e o

que acontece na sociedade mais ampla, então a tematização é um

conceito freiriano, a problematização quando você vai discutir uma

briga de torcidas, quando você vai discutir a vestimenta das meninas

no voleibol, quando você vai discutir a relação do negro na capoeira, a

relação do branco na capoeira, ou seja, ai tudo isso é

problematização, então Paulo Freire nos ajuda com a ideia de

mapeamento, embora ele não use esse termo ele usa outro mas que

nos temos fundamento nele, nos ajuda na ideia de tematização e

problematização, assim como na pedagogia freiriana, na pedagogia

25

cultural que a gente esta trabalhando, os conteúdos emergem da

problematização, então você não tem conteúdos a serem ensinados a

priori, você precisa tematizar e problematizar determinados elementos

para que os conteúdos de ensino apareçam e os conteúdos de ensino

sejam então acessados pelos alunos.” (NEIRA)

Em entrevista concedida a Germano e Reigota (2006), Nita Freire fala que

Paulo, ao ser questionado sobre sua confiança e sobre o valor que dava ao

conhecimento popular, sempre dizia que nunca havia visto nenhum pensamento

cientifico que não partisse do senso comum, pois este veio muito antes da ciência

como a conhecemos hoje.

“(...) então Paulo Freire ele vai dar uma coisa interessante

por que o sujeito vai se tornar sujeito a partir do momento

que ele se entender como um sujeito que participa da

cultura, que produz cultura, então isso é muito forte no

currículo cultural essa coisa de o, nós nos baseamos muito

em Giroux e Giroux é um bebedor do Paulo Freire, então

essa ideia de dar voz, dar voz ao sujeito, mas não é dar voz

no sentido de tá lá dentro que o cara sabe tudo, é no

sentido de falar mesmo, você se sentir reconhecido, se

sentir valorizado.” (NUNES).

Tais conhecimentos surgem das relações de identidade e diferença, como

falamos anteriormente, Silva (2014) enfatiza que não podemos separar identidade

e diferença das relações de poder, das fronteiras que se formam ao tocarmos nesse

assunto, talvez por esse motivo seja tão complexa a convivência entre diferentes

identidades, e talvez ainda, esse seja mais um motivo pelo qual os autores do

currículo monopolizam e restringem o mesmo a uma única cultura em detrimento

a tantas outras que fazem parte do convívio escolar, porem essa restrição em favor

da falta de conflitos torna-se vazia e sem significado, alem de tornar os alunos

submissos às praticas elitistas que são protagonizadas dentro dos muros da escola.

Neira, Lima e Nunes (2012) comentam no livro Educação Física e

Culturas, ao qual organizaram, que uma maneira de ir contra tais ações

excludentes, é o questionamento de tais praticas. E ainda, ao comentar sobre a

identidade hibrida do homem que esta a sobra de nossa sociedade pós-moderna,

26

questionam qual identidade queremos formar com o currículo atual, o que vai de

encontro ao que indagamos no parágrafo acima.

O livro citado anteriormente foi publicado com as praticas de professores

que fazem parte do Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar da Faculdade

de Educação da Universidade de São Paulo, tal grupo se reuni para discutir suas

praticas acerca do currículo cultural. Livro este que, em seu segundo volume, traz

um ponto de vista dos autores onde falam que, as praticas norteadas pelos Estudos

Culturais, visam uma vida digna para cada cidadão, questionando marcadores

sociais como a raça gênero, religião ou posição social (NEIRA, LIMA e NUNES,

2014).

Freire (2001), nos fala da consciência, do entender-se como um ser em um

mundo onde habitam outros que não são ele próprio, trazendo uma conotação de

igualdade nas diferenças, um olhar consciente sobre um mundo onde habitam

diversas pessoas com culturas diferentes, diferentes raças, etnias, religiões, etc.

onde, o que deve reinar, sem sombra de duvidas, é a ética que deve ser vista como

ponto crucial.

“(...)‘Conscientização: teoria pratica da libertação’ aqui ele entra em

detalhes sobre o que é conscientização o que ele esta entendendo, e foi

um dos que eu mais usei no meu doutorado em educação para o

transito, conscientizar, por que eu às vezes vejo entrevistas de pessoas,

publicação em jornal, tem que conscientizar o motorista, mas

conscientizar pra eles é dar uma palestra, deu a palestra conscientizou,

aqui ele mostra que conscientização é um processo longo, demorado,

gradativo, mas que, felizmente, não tem volta(...)” (CHEBEL)

Ao observarmos tal posicionamento de Paulo Freire no paragrafo acima,

conseguimos entender o que dizem Françoso e Neira (2014) quando afirmam que,

apoiados no discurso e posicionamento politico e pedagógico de Freire, não veem

esperança para uma sociedade mais justa e democrática com os currículos

tradicionais e fechados ainda em evidencia, pois, os representantes das classes

oprimidas que coabitam no ambiente escolar, não tem voz e não estão

devidamente representados. Sendo assim, o legado de Paulo Freire não está bem

representado, pois o mesmo nos motiva a não aceitar qualquer conhecimento sem

critica.

27

3. METODOLOGIA

Ao apontar diferentes currículos da Educação Física, além de buscar

entender e relacionar a pedagogia freiriana ao currículo cultural proposto por

Neira e Nunes e colocado em pratica pelos professores do Grupo de Pesquisa em

Educação Física Escolar da faculdade de Educação da USP, Grupo este que se

tornou objeto de pesquisa de Martinez Junior (2013), onde apontamos as

dificuldades e importância de se trabalhar o currículo cultural em diversas

realidades sociais apresentadas pelos próprios professores, que lecionam na rede

estadual, municipal e privada tanto da cidade de São Paulo quanto outros

municípios.

Ao nos aprofundarmos nos estudos sobre o currículo e qual cidadão

queremos formar, surgiu à possibilidade de investigar qual a relação dos

ensinamentos pedagógicos formulados e colocados em pratico por Paulo Freire

neste currículo cultural, e, nos apoiando no que diz Freire (1997), ensinar exige

pesquisa, não há como ficar apenas em frente a um teclado e tela de computador,

o presente trabalho nos impulsionou a alçar voos mais altos, sendo assim,

decidimos ir a campo para por a prova nossa pesquisa literária para, além de

outras coisas, ampliar nossos saberes acerca do currículo cultural e buscar relação

com a pedagogia freiriana.

Sendo assim, tivemos o prazer de entrevistar cinco professores, sendo dois

deles, Professor Marcos Garcia Neira e Mario Ferrari Nunes, aos quais

conversamos sobre o currículo cultural da Educação Física e a pedagogia freiriana

dentro deste currículo. Os demais: Marcos Reigota, Sonia Chebel e Aldo

Vannucchi nos concederam entrevista com conteúdo relacionado à vida de Paulo

Freire, seu modo de relacionamento com os alunos e pessoas em geral, com os

colegas de trabalho e amigos.

Todo o processo de entrevistas foi embasado na metodologia de pesquisa

historia oral temática, descrita por Meihy e Holanda (2010), que traz como

proposta de pesquisa uma sequencia a ser seguida que se inicia com: a

apresentação do tema, a justificativa, problemática e hipótese, corpus documental

e objetivos, procedimento, bibliografia e o cronograma, como meio norteador das

analises das entrevistas realizadas.

28

Apresentado o tema e as características da presente pesquisa, vamos nos

atentar, mesmo que de modo ainda superficial, a justificativa e a inquietação que

nos motivou a “correr” atrás, verbo esse que demonstra bem o caráter motivador

de ir ao encontro de tais pessoas, dos professores que nos deram o prazer de

registrar suas falas acerca do tema proposto.

As falas de Paulo Freire, seus ensinamentos pedagógicos e políticos foram

muito importantes para a educação no Brasil, porem atrelar tal pedagogia, ou

como diz Nita Freire “Paulo não criou apenas um método de alfabetização, ele

criou uma nova concepção de educação” (GERMANO E REIGOTA, 2009), ao

currículo cultural pós-critico que esta sendo pesquisado e colocado em pratica por

Neira, Nunes e pelo Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar da FEUSP

(Faculdade de Educação da USP) torna-se um desafio pelo momento histórico um

tanto distante e, como descrito na revisão de literatura, Paulo Freire foi um autor

que tinha como linha de pensamento as teorias criticas de currículo, pautadas nas

lutas de classe (SILVA, 2010), já no currículo cultural sugerido pelo GPEF e

Neira e Nunes é embasado nas teorias pós criticas que, além das lutas de classe,

abordam as diversas lutas por espaço das culturas que são excluídas e

marginalizadas que englobam as lutas de gênero, etnia, religião entre outras.

Sabendo desse distanciamento, porem intrigados com tal relação,

decidimos buscar em fontes reais, sair do papel e conversar com quem viveu e

vive próximo as duas realidades apresentadas, para dar mais vida ao trabalho e

buscar aprofundar nosso entendimento sobre ambos os assuntos.

Devo aqui citar nossa excitação em investigar tal relação, Paulo Freire e

currículo cultural pós-critico da Educação Física, do ponto de vista de pessoas que

viveram ao lado de Paulo Freire, seja como aluno ou colega de profissão, e

puderam realmente observar sua visão sobre educação, politica e sociedade nos

dando a oportunidade de questionar se tais pensamentos ainda permanecem vivos

no período histórico em que estamos, relacionando assim com um currículo

pautado nas teorias pós-criticas e nos Estudos Culturais, como é caso do currículo

proposto por Neira e Nunes (2009).

O que nos impulsionou a investigar o tema explicitado anteriormente foi

nada mais do que a hipótese de que essa relação existisse porem o “como” e o

“por que” ainda se faziam obscuros e omitidos em pilhas e mais pilhas de teses,

livros e documentos que, mesmo sendo de grande ajuda, não saciavam nossa sede

29

por historias que fossem coloridas por uma grade de corres maior do que o

simples, porem necessário, preto e branco de tais obras.

O que conseguimos lapidar de já tão belas historias esta descrito logo

abaixo a seguir, esperamos que tal viagem no tempo seja tão agradável de ser lida

quanto foi de ser escutada e documentada, tenhamos todos, uma boa viagem.

3.1. PRIMEIRA PARADA

Começamos nossas entrevistas na Universidade de Sorocaba (UNISO),

fomos assistir a defesa da tese de doutorado do professor Mauricio Massari, onde

o professor Marcos Neira, livre docente da USP, fazia parte da banca, não por

coincidência, pois já havíamos trocado e-mails e nesse dia seria fácil para ambos,

e assim foi.

Ao término da defesa fui até o professor Marcos que mesmo, cansado

pelas horas de banca vivenciadas há poucos instantes atrás, aceitou que

conversássemos na cantina da universidade. E ali conversamos sobre currículo e

sobre Paulo Freire, de uma maneira aberta e muito esclarecedora como podemos

acompanhar na transcrição a seguir:

3.1.1. Marcos Neira

Martinez Jr: Professor de onde surgiu a inquietação do currículo atual e o que

levou a pesquisar e propor um currículo menos tecnicista, mais voltado pra cultura

dos alunos.

Neira: Uma questão primeira que surge é essa sociedade que nós temos, então as

propostas da Educação Física convencionais, os currículos tecnicistas estão

alinhados com a sociedade baseado na classe e na promessa da escola como

ascensão social. Hoje nos temos uma outra configuração social, nos temos uma

sociedade multicultural, nos tivemos a partir dos anos 60, 70 e 80 uma serie de

movimentos que reconfiguraram as relações de poder, então nos não temos

relações pautadas unicamente na questão do lugar que você ocupa na relação de

30

trabalho, nos temos, emergiram , eclodiram explicações sobre as relações sociais

baseadas no gênero, na religião, na etnia, no local de moradia e tantas outras.

Diante disso não podemos continuar com a escola pautada na mesma promessa de

ensinar os conhecimentos das culturas dominantes para circular na esfera publica

e ter sucesso na sociedade. Hoje nos pensamos e ate por conta da produção de

conhecimento sobre o assunto que não há uma hierarquia entre as culturas, que

todos os conhecimentos são importantes, historicamente a escola reservou um

espaço privilegiado para os conhecimentos da cultura dominante, mas não só eles,

então era necessário levar tudo isso para Educação Física, e pensar como a

Educação Física poderia se nutrir, dessas questões mais amplas que são discutidas

predominantemente pelas teorias pós criticas, pelo multiculturalismo , pelo

estudos culturais, pelo pós colonialismo, pelos estudos do gênero e assim por

diante.

Martinez Jr: Dentro dessa linha de pesquisa, quais foram os principais autores que

levaram você a formular esse pensamento, a querer levar esses estudos culturais

para a Educação Física.

Neira: A primeira questão importante, Marcos, é que eu não tenho feito nada

sozinho, isso só esta sendo feito por que é um grupo muito importante, que você

conheceu, de pessoas que vem estudando essas coisas e vem principalmente

colocando em pratica, então o que nós estamos aprendendo, o que se tem feito é

estar sintetizando as grandes contribuições que essas pessoas, que estão colocando

o currículo cultural em pratica, tem trazido. Os autores são tanto brasileiros como

internacionais como um dos autores principais do currículo como Tomaz Tadeu

da Silva, e depois também temos outros de currículo como Antônio Flavio

Moreira, Vera Candau, Cassimiro Lopes, Marluce Paraiso, do multiculturalismo,

Ana Cannen, Marisa Roben Costa, Sandra Coraza, portanto temos vários autores

tanto currículo, quanto multiculturalismo e estudos culturais que fizeram essas

discussões acho que no estudo de gênero né, Guacira Lopes Louro, e ai claro,

como já havia um grande acumulo de conhecimento na área da Educação Física

olhando sobre o âmbito cultura, sobre tudo a partir de autores que com base

inicialmente na antropologia, com Jocimar Daólio, e na filosofia como Kunz e

tantos outros autores, que ai a gente vai entender a motricidade, perdão, o

31

movimento como gesto, e a cultura corporal como objeto da Educação Física,

nossa contribuição é trazer pra ela essa discussão que já existe, que é a base, trazer

o olhar das teorias pós-criticas, principalmente a visão de cultura dos Estudos

Culturais como campo de luta para validação de significados, então na verdade

quando a criança brinca, dança, pratica esporte ou faz ginastica essa criança não

esta mobilizando somente a sua gestualidade como forma de significado ela

também esta produzindo cultura e está veiculando um conjunto de significados

produzidos em meio a relações de poder, por isso que existem as brincadeiras de

menino, perdão, as brincadeiras produzidas como brincadeiras de menino, os

esportes produzidos como esportes de elite, as ginasticas produzidas de forma

mercadológica, então não é só a ginastica nela mesma, a brincadeira nela mesma,

o esporte nele mesmo como produtos de um determinado grupo, esses produtos

também são atravessados por relações de poder, e na escola, o grande objetivo da

escola é ajudar as crianças a enxergar isso, e também colocar as crianças como

sujeitos desse processo de construção.

Martinez Jr: pensando em tudo isso, você diria que Paulo Freire foi um autor

importante para a estrutura do currículo cultural da Educação Física?

Neira: foi por que, é o seguinte, eu citei os autores que serviram como base

conceitual, o Paulo Freire é a nossa referencia obrigatória quando a gente vai

pensar em metodologia de trabalho, então há dois termos que são freireanos que a

gente trabalha que é a ideia da tematização e problematização. Paulo Freire

também contribuiu os estudos de Paulo Freire, o trabalho de Paulo Freire, sobre

tudo, a metodologia freireana, contribuiu com a ideia da pesquisa do universo

cultural das crianças, então quando a gente usa lá “mapeamento”, também tem

fundamentação em Paulo Freire então se você pensar em tematizar, é procurar

todas as interpelações possíveis entre a pratica corporal e o que acontece na

sociedade mais ampla, então a tematização é um conceito freireano, a

problematização quando você vai discutir uma briga de torcidas, quando você vai

discutir a vestimenta das meninas no voleibol, quando você vai discutir a relação

do negro na capoeira, a relação do branco na capoeira, ou seja, ai tudo isso é

problematização, então Paulo Freire nos ajuda com a ideia de mapeamento,

embora ele não use esse termo ele usa outro mas que nos temos fundamento nele,

32

nos ajuda na ideia de tematização e problematização, assim como na pedagogia

freireana, na pedagogia cultural que a gente esta trabalhando, os conteúdos

emergem da problematização, então você não tem conteúdos a serem ensinados a

priori, você precisa tematizar e problematizar determinados elementos para que os

conteúdos de ensino apareçam e os conteúdos de ensino sejam então acessados

pelos alunos.

Martinez Jr: Professor obrigado. Se quiser acrescentar algo...

Neira: Assim como eu acabei de dizer, lá dentro, eu sinto uma pena muito grande

porque os estudos de Paulo freire eles não aparecem tanto nos cursos de Educação

Física. Na cidade de educação nos temos uma disciplina só de Paulo Freire, para

todos os alunos e muitos cursos de pedagogia tem disciplina de Paulo Freire, mas

na Educação Física tem sido menos frequente, mas se você pega os autores, vou

citar duas obras importantes, há um livro chamado: “Visão didática da Educação

Física”, produzido pelo grupo de trabalho da Universidade Federal de Santa

Maria e Universidade Federal de Pernambuco em 1991, que é um livro de

Educação Física freireano porque se fundamentou muito em Paulo freire. Ao ler

também “Metodologia de ensino de Educação Física”, do chamado coletivo de

autores ou ao ler “Educação Física transformação didática pedagógica” do Kunz,

você enxerga nesses três materiais as contribuições de Paulo Freire. Então pra

gente entender um pouquinho da promessa freireana , não a do currículo cultural

de Educação física, a promessa freireana ,que uma educação libertadora, que é a

promessa desses três textos que acabei de mencionar, você tem que se

fundamentar em Paulo Freire. Então eu sugiro, eu estimulo seu trabalho para

conhecer mais a obra freireana, mais recomendaria menos, essa segunda parte do

trabalho freireano da década de 90, e muito mais as obras centrais de Paulo Freire:

“Pedagogia do oprimido”,” Educação como pratica de liberdade e

conscientização”, porque são as obras onde ele vai inaugurar discussão e vai

apresentar aqueles elementos que vão fundamentar também. Então acho

importante conhecer essa discussão ate pra você se deixar apaixonar por Freire.

33

3.2. SEGUNDA PARADA.

Nossa segunda entrevista foi com o professor Marcos Reigota, professor da

Universidade de Sorocaba (UNISO) que foi aluno de Paulo Freire, que também

estava na defesa de tese do professor Massari, porem como orientador.

Também fui até o professor Reigota depois da defesa me apresentar e marcar

para conversarmos outro dia. No dia marcado voltei a UNISO e conversamos na

sala do professor Reigota por quase uma hora sobre Paulo Freire, histórias e mais

histórias sobre os pensamentos políticos e pedagógicos de Freire com um

sentimento de carinho e admiração muito grande do professor inclusive para com

a professora Nita Freire, viúva de Paulo Freire.

Foi uma conversa descontraída e muito interessante que me trouxe um

sentimento de proximidade com Paulo Freire muito grande por parte do professor

Marcos Reigota, me senti a vontade inclusive de formular perguntas que extras

entre suas falas que não estavam previstas como vamos conferir a seguir.

3.2.1. Marcos Reigota

Martinez Jr.: Afetos, educação ambiental e política: Encontros com Nita e Paulo

Freire.

Neste artigo, a ultima frase escrita foi que Paulo Freire mudou sua vida.

Qual a real mudança que Paulo freire proporcionou a você No âmbito acadêmico

e fora dele...?

Reigota: bom, eu acho que nesse artigo eu tentei relatar um certo período uma

certa sequencia dessa influencia, e também como jovem professor com 23 anos

essas coisas né? E em quais os momentos eu estava mais próximo, em quais

momentos eu estava mais distante, inclusive fisicamente dele, e depois com a

Nita, toda essa minha relação com ela que, por exemplo, esse pôster que te dei de

um evento que aconteceu no sábado na Califórnia ela me enviou pra que eu desse

uma olhada, então isso continua toda essa reflexão de Paulo Freire, um pouco

antes de você chegar eu estava conversando com a professora Alda a disciplina

que nós vamos dar ano que vem pautada em Paulo Freire, então é uma

continuidade muito grande só que assim, a gente tenta fazer uma releitura, isso no

34

caso mais eu, falando de mim, uma releitura do Paulo Freire, o que ele significa

hoje, por exemplo, pra você que tem 23 anos hoje, que não teve essa convivência,

um Paulo Freire que chega pra você já é tão institucionalizado, tão conhecido,

então, ele permanece vivo? Essa é a pergunta! No sentido do seu pensamento

pedagógico politico, permanece vivo pra uma nova geração? Isso é uma coisa que

eu gostaria de saber. Depois de todos esses estudos, de todos esses trabalhos eu

considero que sim, mas eu sou de uma outra geração, de uma geração que já esta

saindo deixando o lugar entendeu? Mas eu acho que sim, por exemplo, eu estou

com um projeto para o ano que vem de estudar, além das disciplinas que eu te

falei, um projeto para estudar qual a influencia do pensamento Paulo Freire nos

Estado Unidos, principalmente relacionado com esses grupos sociais mais

marginalizados nos estados unidos ou que eram ate recentemente por que graças a

essa influencia você tem intelectuais muito importantes nos estados unidos que se

referem ao Paulo Freire como uma fonte de inspiração de movimento uma delas é

a Bell Hooks que eu te recomendo, a Bell Hooks que é uma mulher negra ela é um

pouco mais velha que eu, mas a gente é da mesma geração, ela conseguiu estudar

em Stanford que é uma das maiores universidades americana e lá quando ela

entrou em contato com Paulo freire ela participou de um seminário dele, mudou

completamente a vida dela a perspectiva politica, a perspectiva teórica, então essa

influencia aconteceu para muita gente, pelo menos até quando ele estava vivo,

então em termos acadêmicos é isso que eu quero continuar pesquisando, pensando

em Paulo Freire, não para embalsama-lo sabe? Não para te-lo assim como vários

colegas que falam assim:” por que Marx, por que Durkheim...” e é um estudo

embalsamado sabe? Para conservar alguma coisa no tempo que os caras

escreveram que era um outro tempo histórico era um outro contexto cultural

inclusive, então nesse momento, nesse contexto cultural que nós estamos, mais

globalizado, de mais conexões, tudo isso, esse pensamento pedagógico

permanece? Ele ainda é questionador? Ele ainda é radical no seu sentido assim, no

amago das questões, eu vou repetir, eu acredito que sim mas pode ser que eu

esteja enganado, então por isso a gente continua estudando ainda pesquisando e

isso é o que faz um autor estar, ser estudado como um pensamento parado na

historia mas um pensamento dinâmico que se refaz e se reconstrói.

Martinez Jr.: Qual a Visão de mundo de Paulo Freire na sua Perspectiva

35

Reigota: Uma visão humanista, um respeito pelo outro fundamental, mesmo que

as vezes com um certo tom até católico, religioso, que cai mais no teológico, isso

não me interessa, teologia não me interessa, como estudioso não me interessa, o

que me interessa é esse respeito essa solidariedade no seu sentido politico, então

essa visão de mundo de que a gente pode sempre torna-lo melhor, tornar este

mundo melhor e não é no seu sentido material mas é no seu sentido com o tempo

que a gente passa nesse mundo com toda essa violência com todas essas

injustiças, isso é uma criação humana, isso não é uma criação divina, da natureza,

isso é uma criação social! Então é possível ir contra isso, é uma pergunta e ao

mesmo tempo é uma afirmativa: “não, eu posso ir contra isso, eu não preciso viver

assim eu não quero viver assim e eu quero continuar vivendo e eu não quero pegar

em armas”. Então esse pra mim é o mundo de Paulo Freire, embora varias pessoas

tenham pego em armas e de uma forma que você pode questionar aceitar ou não,

mas eu acho que essa visão de mundo que Paulo Freire trás que é muito

influenciado por um pensamento cristão sem duvida nenhuma, ele esta pautado

em uma visão de solidariedade e isso pra mim é fundamental.

Martinez Jr.: Uma questão que me surgiu agora é que se há alguma e qual a

influencia freireana em alguns movimentos sociais como o MST?

Reigota: Muita, muita, a toda formação que acontece no MST é freireana assim do

inicio ao fim, eu estou lendo hoje, até vindo pra cá, eu moro em São Paulo, vindo

pra cá, eu vim lendo um projeto de uma colega colombiana, ela estará aqui ano

que vem na UNISO, justamente o que ela faz, a pesquisa dela é verificar qual a

influencia desse pensamento freireano em vários movimentos sociais radicais na

américa latina e em um deles num trabalho dela e que ela se refere é o MST sem

duvida nenhuma, e o que o MST reivindica? Não é só terra, é uma reivindicação

de justiça, de distribuição dos recursos aos bens coletivos então claro que tem uma

perspectiva socialista ai né, de uma economia socialista, que talvez seja a parte

mais ingênua do MST, nesse tempo que agente vive, mas no MST tem uma utopia

de uma construção de uma sociedade justa, democrática de uma distribuição de

bens, que eu sou totalmente favorável, e, sem duvida nenhuma, isso vem de uma

36

mescla de vários pensadores, e um deles fundamental é o Paulo Freire sem duvida

nenhuma.

Martinez Jr.: O que estudar Paulo Freire muda na vida de um professor?

Reigota: Acho que eu já te respondi, mas vamos lá! Depende de que professor,

por que, sabe em todas as profissões tem muita gente acomodada que não quer né,

e a própria atividade de professor é, e isso é muito de Paulo freire, é uma atividade

politica, então esse entendimento é muito sofisticado e aparentemente ele é

simples, mas ele é muito sofisticado essa compreensão de sua atividade

pedagógica como uma atividade politica, mesmo por que nesse tempo que a gente

vive é de muita banalidade as pessoas consomem bobagens, ideias completamente

inócuas e então, claro assim, você estava falando que entrou na Educação Física

pra ir para a academia e de repente você se viu professor isso de outra forma

também aconteceu comigo, é por que você não esta satisfeito com o mundo que

você vive de uma forma ou de outra isso vai sair, então eu acho assim, se são

esses professores inquietos, se são esses professores insatisfeitos não no sentido

puramente material da insatisfação, mas do tempo que a gente vive as pessoas que

não se deixam dominar essas pessoas que buscam pela liberdade pela justiça tudo

isso e ai pouco importa se é professor agricultor juiz então...

Martinez Jr.: Talvez ele influencie mais pessoas do que somente professores?

Reigota: Exatamente! São as pessoas com essa sede de justiça de liberdade,

solidariedade. Às vezes eu tenho um pouco de receio assim “vamos ter que

estudar Paulo Freire” como que uma obrigação eu acho que é matar Paulo freire é

matar seu pensamento eu acho que a gente pode dizer assim “vamos estudar Paulo

Freire não para copia-lo, mas para ver se ele tem uma pertinência hoje pra você

para o outro” por que pode ser que para você não tenha nenhuma e pro seu colega

do lado tenha uma pertinência muito grande eu acho que isso é o principio

pedagógico do Paulo Freire é impossível de você institucionaliza-lo então se

alguém que vai, por exemplo um professor que vai ensinar sobre Paulo freire ou

que vai dar aula de Paulo freire se ele não acreditar naquilo ou naqueles mesmos

princípios ele tá matando qualquer possibilidade de um aluno dele ser afetado pelo

Paulo freire.

37

Martinez Jr.: Quais os ensinamentos de Paulo Freire continuam atuais e

necessários para o mundo atual?

Reigota: Solidariedade, justiça e liberdade tá bom?

Martinez Jr.: O que Paulo Freire pensava que não cabe para o mundo atual?

Reigota: Olha, ai a gente precisava de um estudo mais aprofundado, mas eu acho

que um termo que o Paulo Freire utilizou e depois ele foi muito criticado e ele

refez essa observação e realmente isso mudou muito, é o próprio termo de

conscientização, “eu vou lá conscientizar alguém” é como se o professor o

intelectual o artista estivesse imbuído de uma consciência maior e que ele

precisava passar pra alguém então eu acho que isso não cabe mais, nesse sentido

de “eu te conscientizo” e ele refez esse pensamento mas no pedagogia do

oprimido ainda aparece isso, ou pelo menos foi lido, interpretado assim então eu

acho que sempre você tem que se lembrar quando Paulo Freire pensava a

conscientização você para um pouquinho, qual período ele falou isso por que

depois ele vai praticamente a obra toda dele ele vai refazer essa noção e ela parece

que grudou assim não sai, uma outra é ligar o pensamento de Paulo Freire a um

método o método é uma consequência de um pensamento politico pedagógico,

não existe um método por si só, então aquele método, a pratica pedagógica que

ficou conhecida como método Paulo Freire continua tendo muito do seu valor sem

duvida nenhuma, mas ele não pode ser pensado fora do pensamento politico

pedagógico de Paulo Freire acho que essas duas questões são as mais difíceis

assim de serem superadas no pensamento freireano por que, bom o por que não

sei te dizer, por que acho que isso é algo mais complicado, que eu vejo nos textos

dos meus colegas, nas interpretações.

Martinez: algo que me vem à cabeça quando escuto “método Paulo Freire” é essa

divisão do Paulo Freire com seus pensamentos de cunho politico do Paulo Freire

educador.

Reigota: Exatamente e isso não existe, por exemplo, se eu fosse trabalhar o

método utilizando as palavras geradoras, hoje aqui na universidade de Sorocaba

38

eu não conseguiria fazer, mas tendo como perspectiva a sua base politica e

pedagógica eu consigo dar uma aula freireana, às vezes até sem fala de Paulo

Freire.

Eu tenho um texto que eu não falo de Paulo Freire em nenhum momento, e

quando as pessoas leem dizem “isso é puro Paulo freire” e eu digo exatamente

você entendeu o que eu quis dizer, não tem como separar isso vai impregnando na

sua concepção você vai detalhando, e eu não estou falando de palavra geradora de

conscientização nada disso, e por que também são diferentes formas de você

interpretar um autor de trabalhar com ele e nessa perspectiva eu viajo muito vou a

muitos seminários fora do país e essa é uma pergunta que sempre aparece: “Paulo

Freire ainda tem sentido no mundo atual?” bom, de qual Paulo freire você esta

falando? Se você estiver falando do método talvez não, então são essas coisas

assim. Um autor ele permanece a partir do momento que ele vai sendo

reinterpretado, recontextualizado.

3.3. TERCEIRA PARADA

A ideia inicial deste projeto era modesta e pretendia apenas envolver os

dois primeiros relatos descritos acima, porém, ao termino da conversa com o

professor Reigota, ele me sugeriu entrevistar a professora Sonia Chebel por que

ela teria histórias muito boas para contar a respeito de Paulo Freire por ter gravado

e transcrito o áudio das convenções realizadas na UNISO pelo próprio Paulo

Freire a convite do professor Aldo Vannucchi logo que Freire voltou do exilio, na

verdade a primeira palestra depois do exilio.

Comentei sobre a ideia com o diretor da Fefiso (Faculdade de Educação

Física de Sorocaba) Mauricio Massari que conhecia e tinha o e-mail da professora

Sonia, ele gostou muito da ideia e me incentivou a prosseguir.

Enviei na mesma hora um e-mail para a professora Chebel perguntado se

ela poderia me conceder a entrevista. De pronto obtive uma resposta positiva com

um agradável convite para ir até a sua casa e lá conversaríamos sobre Paulo

Freire.

No dia combinado fui até sua casa e fui muito bem recebido pela

professora, seu esposo e por seus gatos de estimação que logo se familiarizaram

39

com a minha presença. Foi uma tarde ótima de conversa e de muita emoção em

cada história contada pela professora que me emocionou pela sua paixão pelo ato

de ensinar e por sua admiração por Paulo Freire que vamos conferir abaixo.

3.3.1. Sônia Chebel

Martinez: Qual a mudança que Paulo Freire trouxe pra sua vida acadêmica e

pessoal?

Chebel: Olha, eu estudei 11 anos em um colégio de freiras aqui em Sorocaba,

colégio Santa Escolástica, mas, naquela época, a maioria das freiras era de origem

alemã, hoje o colégio existe bem mais flexível e com a maioria das freiras

brasileiras, mas elas eram alemãs e vinham de uma educação bastante rígida, eu

não vou condenar aquilo que eu tive, acho que caracterizou uma época mas assim

um autoritarismo muito grande, comparando com Paulo Freire era uma educação

bancaria e um autoritarismo muito grande, embora eu reconhecesse a

competências das freiras e a preocupação com o aprendizado dos alunos mas

assim, era respeito através do medo, bom e lá eu estudo do meu primeiro ano

primário, como era chamado na época hoje o primeiro ano do ensino fundamental,

até o terceiro colegial dai eu presto o vestibular pra fazer pedagogia na faculdade

de filosofia de Sorocaba e o primeiro livro que eu vou ler, eu presto o vestibular

1967 e o primeiro livro que eu vou ler é “A Educação Como Pratica da

Liberdade” de Paulo Freire que é mudança da agua pro vinho em termos de

concepção de educação, Paulo Freire escreve exilado lá no Chile, então dai eu

começo a descobrir uma outra maneira de olhar as pessoas de olhar o aluno, um

outro relacionamento professor/aluno e principalmente a concepção de educação,

então me chama muita atenção nesse livro o modo como ele metodologicamente,

do ponto de vista metodológico de Paulo Freire e do ponto de vista filosófico

como é que ele via a educação de adultos como é que ele enxergava a pessoa e

como ele inseriu o processo de alfabetização nesse contexto então por exemplo

numa comunidade de adultos analfabetos que eram pedreiros e que lidavam com

tijolo com massa com cimento com agua com areia o dia inteiro ele falou “é um

crime alfabetizar esse pessoal a noite depois de ter trabalhado o dia inteiro, ta

cansado mão calejada, pegar uma cartilha que era o que se fazia na época e

40

alfabetizar o adulto com a cartilha infantil dizendo assim: “Pedro viu a uva”, “o

neném baba”, ele dizia “como?”. Paulo Freire cria a palavra desencadeadora então

ele começa a conversar com esses adultos e esses adultos “não o senhor que deve

falar, o senhor é que sabe”, e ele falou “eu sei algumas coisas e você sabe outras”.

Então educação é uma troca de saberes, não é vertical como foi a minha colégio,

mas ela é horizontal se troca saberes, então Paulo Freire começa a perguntar: o

metro quadrado de parede quantos tijolos vão? Como faz a argamassa? Quais as

medidas pra faze-la? E os alunos vão ficando felizes por que eles não são burros,

eles sabem alguma coisa e dai o Paulo freire diz bom nessa comunidade eu vou

começar alfabetizando com a palavra tijolo, e dai Ta, Te, Ti, To, Tu, mostrando as

famílias silábicas etc. eu sei que hoje pra alfabetização infantil tem muito que não

usam esse método usam um outro mas eu acho que usar um outro método sem ter

certeza é pior do que usar o silábico por que a criança não sabe direito como é que

escreve e etc. o interessante é que eu me lembro que então das palestras das

conferencias que o Paulo freire fez na faculdade de filosofia de Sorocaba na

década de oitenta quando ele volta do exilio e que são essas que se transformaram

nesse livro “Paulo Freire ao vivo” que eu tive ai a chance, a oportunidade, o

privilegio de gravar de transcrever depois Paulo freire corrigiu pra ser publicado,

ele explica nessas palestras, lembro dele assim escrevendo, projetando os slides da

família silábica do tijolo Ta, Te, Ti, To, Tu, dai ele diz que ele pergunta pra uma,

pra classe, uma classe de pouquíssimos alunos, os operários da construção civil de

Brasília, Brasília esta sendo construída, que eram chamados de “candangos”, era o

apelido que eles receberam a maioria vinha do nordeste pra construir Brasília e

que era lá no refeitório depois das refeições naqueles bancos feitos de taboa e

cavaletes, mesas de taboa e cavalete, uma lousinha que ele falava que era uma

lousinha preta, hoje a lousa é verde, quando tem lousa é verde, uma lousa preta

pequenininha, um pico de luz que iluminava mais ou menos e quem quisesse se

alfabetizar ia nessas aulas depois, a noite e alguns vinham com a mulher do

nordeste enquanto eles trabalhavam na construção civil de dia elas trabalhavam no

refeitório fazendo aquela enormidade de comida pra todos, e dessas mulheres

muitas eram analfabetas então elas vinham com os maridos assistir as aulas. Então

pra esse grupo ele pergunta, mostra as famílias silábicas, como ele fez lá na

faculdade de filosofia de Sorocaba, e ele pergunta “Alguém consegue fazer

alguma palavra com essas silabas além de tijolo?”, ai ele diz que uma mulher

41

levanta a mão e ele diz” Fala minha senhora”, e ela diz “Tito”, ai ele pergunta “o

que é Tito?”, ai ela falou: “primeiro é nome de gente”, preciso contextualizar, Tito

era o imperador da Iugoslávia, e que estava visitando o Brasil naquele mês. Como

que ela sabia se ela não lia? Ficava com o radio ligado o tempo todo enquanto

fazia comida e se informava, então o Tito, imperador da Iugoslávia estava vindo

para o Brasil, então primeiro é nome de gente, essa mulher fala, mais ou menos

55, 60 anos Paulo Freire dizia que ela tinha, então ela viu o Ta, Te, Ti, To, Tu, o

Tito dai o marido dela diz: “e é o Pape que nois vota é tito”, você já imaginou se,

naquele momento, Paulo Freire falasse: “não é papé minha senhora é papel, não é

nois vota é nos votamos, e não é tito é titulo” ninguém ia querer fazer mais

palavra nenhuma, ele vai corrigir, não naquela aula, não naquele dia. Então Paulo

Freire também coloca a importância da correção no momento da correção você

corrige uma palavra erra você não desqualifica a pessoa não é falar pro aluno que

ele é burro, é fala olha você escreveu casa com Z, mas é com S então você corrige

o erro você não desqualifica o aluno, não xinga, não apelida não desqualifica não

chama de burro nada disso, bom dai o Paulo Freire agradece, a não lembrei, é a

própria mulher que diz que é nome de gente e depois é o papé com que nois vota,

dai no Paulo Freire agradece e ela senta e dai ele pergunta se alguém quer formar

uma outra palavra dai o marido dela se levanta vai lá na lousa vira pra mulher e

diz “Tu já lê”, isso é uma frase, por que Ta, Te, Ti, To, Tu, Tijolo, Já, Je, Ji, Jo,

Ju, Tu Já, La, Le, Li, Lo, Lu Lê, você já lê! Tu já lê, naquele momento ele não vai

dizer olha a conjugação do verbo na segunda pessoa do singular é Tu já lês, vão

aprender verbo, não naquele momento. Então mudança na vida profissional e na

vida pessoal, pra mim, na vida profissional ainda não tinha começado eu ainda

estava fazendo o primeiro ano da faculdade o segundo de um curso de quatro

anos, não era bem uma mudança, era uma formação, quer dizer, uma mudança em

termos daquilo que eu aprendi no colegial e do que eu estava aprendendo na

faculdade mas era uma formação de como deveria atuar como professora para

poder evitar alguns erros, algumas coisas erronias que podia ter feito e que deu

tempo de não fazer por que graças a Deus logo no primeiro, segundo ano da

faculdade eu já entrei em contato com a obra dele. E mudança a vida, depois que

você entra em contato com a obra do Paulo Freire você não consegue mais

enxergar não só o aluno, se a sua profissão é professor, enxergar o mundo da

mesma maneira, tudo passa a ser valorizado, não há conhecimento inferior e

42

superior, em Pedagogia do Oprimido Paulo Freire fala de não existir a

absolutização do saber e a absolutização da ignorância. Essa absolutização

colocada em outras palavras, na visão do Paulo mesmo nas palavras dele é que

ninguém é tão sábio que não tenha mais nada para aprender e ninguém é tão

ignorante que não tenha nada pra ensinar, então não há alguém que é ignorante em

absoluto e outro que seja sábio em absoluto ai eu lembro do Mauricio citando lá o

barqueiro que perguntam pra ele se ele já leu isso e aquilo e ele diz que não ai o

barco virou, e os que perguntaram eram doutores e o barqueiro pergunta vocês

sabem nadar? E os doutores respondem não, antes eles falaram para o barqueiro

que ele havia perdido metade da vida se você não leu tal obra, eram professores

universitários na travessia de uma rio num barco e tudo que eles perguntaram de

literatura o barqueiro não conhecia e dai o barco virou deu uma ventania e ele

pergunta e você sabe nadar? O professor responde não e ele diz então você perdeu

a vida inteira por que tinham falado que ele havia perdido a metade da vida. Então

é agora essa visão eu acho assim tão fundamental e não é só em relação ao aluno

maduro analfabeto ou ao adulto universitário que da pra gente dizer que ninguém

é tão sábio que não tenha mais nada pra aprender e ninguém é ignorante que não

tenha nada para ensinar isso se refere a uma criança, uma pergunta que uma

criança de pré-escola faz e quanto é difícil pra gente responder com honestidade

num nível que ela consiga entender, “por que o céu é azul?” a resposta supõe

conhecimentos de física porque o céu é azul? Não é assim por que Deus quis,

“oque é quando?” você não vira pra uma criança de três anos e diz é um adverbio

de tempo, por que ela pergunta o que é quando? Por que ela queria tomar sorvete

ai os pais falaram quando você sarar da gripe, queria ir à casa da vó, quando

chegar domingo, ela queria sair passear, a mãe falou espera quando seu pai chegar

do trabalho, então o que é quando que pra ir na casa da vó é quando chegar

domingo ou quando sarar do resfriado ou quando o papai chegar então você tem

que dizer olha é uma condição que precisa acontecer antes, precisa acontecer

primeiro essa pra depois a outra, você precisa se fazer entender então responder

uma pergunta de uma criança é um momento de reflexão do adulto pra responder

com honestidade e num nível de conhecimento que essa criança tem, bom deixa

eu passar pra outra pergunta se não eu fico só nessa por que olha não há mudança

na vida profissional sem a vida pessoal nem a pessoal sem a profissional elas são

interdependentes.

43

Martinez Jr.: Pelo que a senhora estudou e pelo tempo que conviveu junto do

Paulo qual a visão de mundo que ele tinha ao seu entender?

Chebel: eu acho que é uma visão de respeito, solidariedade e ajuda mutua entre as

pessoas, o mundo físico e o mundo cultura, a concepção que ele pega pra falar de

mundo é tudo aquilo que é produto, produzido pelo ser humano, que na época ele

dizia homem depois ele vai, tem uma obra que ele vai dizer que toda vez que ele

falava homem era homem e mulher então ele passa a dizer agora ser humano, tudo

aquilo que é produto do ser humano, um tijolo, uma colher, um bolo, um livro,

uma ideia, uma pesquisa, seja produto concreto, objeto, ou seja, produto no

sentido de ideias é cultura, não é natureza, é cultura e essa cultura tem que ser

socializada as pessoas tem direito a conhecer tem direito ao saber então a

concepção de mundo dele, mundo social nesse caso, é uma concepção de troca, de

solidariedade, de respeito, de ajuda mutua, de compartilhar tudo, não é uma

concepção de classes, de egoísmo, de “ eu mando e você obedece”, então existe

maneiras de você chegar em uma conclusão do que deve ser melhor para aquele

grupo pra fazer, mas não você fazer pelo outro mas fazer com o outro, eu acho

que isso em termos de educação seja popular ou seja qualquer expressão que se

use, é sempre com a participação do outro, olha se você olhar isso na escola de

hoje e na escola de 40 anos atrás quando eu comecei a minha vida estudantil nos

somos muito longe dessas ideias, não elas sejam impossíveis de conseguir colocar

em pratica mas é que a maioria das pessoas não conhece, hoje sim Paulo freire

esta um pouco mais estudado e divulgado no Brasil, quando ele começa a ser

estudado no Brasil, exclusivamente nos cursos de pedagogia, então mesmo que o

professor de historia se formou vai lecionar historia, o de Educação Física vai

lecionar Educação Física, vai ser professor diziam, não ele não vai precisar saber

disso é o pedagogo que tem que estudar Paulo Freire, hoje eu já estrou vendo que

a Educação, outro dia vieram aqui conversar comigo alunos de jornalismo que

sabiam quem era Paulo Freire, tinham lido alguma obra dele de algumas ideias

dele, então eu acho que mesmo devagar, mesmo faltando muito mas hoje ainda o

Brasil esta conhecendo um pouco mais a obra dele que é muito mais conhecida no

exterior valorizada e posta em pratica enquanto, as vezes no Brasil esta

procurando importar modelos de Portugal, da Suécia etc. que talvez deu certo lá

44

não sei se daria certo aqui, mas aqui nos não precisamos buscar modelos deve

conhecer tudo que acontece em educação no mundo mas não precisa imitar,

buscar pra imitar por em pratica eu acho que eu diria que a concepção de mundo

de é esperançosa e critica, de uma esperança critica e não de uma esperança

ingênua, a esperança ingênua em dizer que o mundo vai ser melhor e cruza os

braços, a esperança critica é aquele que acredita que o mundo vai ser melhor por

que ele esta agindo não por que ele cruzou os e não esperar que tudo venha de

Deus por que, pode-se nem ter uma visão religiosa, mas que venha da obra do ser

humano em grupo, compartilhada, e , deixa só eu falar um pouco dessa esperança

na concepção de mundo, na pedagogia da esperança ele diz que o professor tem

que ser esperançoso ele tem que ser inerente, é uma necessidade vital! Por quê?

Por que se não ele não tem esperança que o aluno vai aprender, que o aluno não

vai ser melhor, que a educação vai melhorar a vida de todos, o que ele esta

fazendo ali? Agora não é essa esperança assim de ingenuidade “ah vai ser tudo

melhor!” é da práxis, é da ação, reflexão, ação, quer dizer eu estou ensinando

Educação Física pra oitava serie em um determinado momento de um

determinado modo os alunos estão indisciplinados, será que eles são

indisciplinados? Será que é o meu modo de trabalhar a disciplina? Será que se eu

fizer alguma mudança aqui eu produzo interesse neles? Isso é práxis, ação-

reflexão-ação, mas eu tenho que ter esperança, mas eu tenho que ser autocritico

também, uma autocritica, mudanças, melhorias dentro de uma visão esperançosa.

Acho que eu tenho uma imagem que expressa isso o progresso, a melhora e a

esperança não são uma linha reta, são uma espiral, aqui eu melhorei, aqui eu errei

aqui eu melhorei aqui eu errei, aqui eu acertei com essa classe aqui eu acertei de

novo, veja, a direção é ascendente, mas é uma espiral como toda a vida humana é

feita de erros e acertos e a reflexão é que vai dizer errei no que? Da pra melhorar

no que?

Martinez Jr.: o que estudar Paulo Freire muda na vida de um professor?

Chebel: pra não ser repetitiva no que eu falei, muda visão de escola, muda visão

de ser humano, muda visão de aluno, muda visão de mundo, muda visão de

televisão, acho que muda a visão de tudo, e ajuda o professor a ser mais autentico,

a ser mais eficiente, no modo que ele esta trabalhando com aquele conteúdo, no

45

modo como ele da exemplo, como ele vai exemplificar, adaptado a idade a

finalidade daquele curso, se é alfabetização pra crianças de 6 ou 7 anos se é um

curso universitário por que estudar Paulo Freire ajuda a desempenhar o papel de

professor em qualquer nível de ensino desde a escola até o pós doutorado é uma

visão diferente de respeito a pessoa de troca de saberes e não dizer assim “eu sei,

como é que ele não aprendeu?” vou dar um exemplo, eu estava na sexta serie e o

professor de Matemática estava dando um exercício de matemática que, supunha,

aquilo que aprendeu na quinta e muitos alunos não lembravam mais ou nem

tinham aprendido dai ele vai tomar satisfação com o professor da quinta serie,

como o senhor não ensinou tal coisa? E ele disse, claro que eu ensinei! E por que

eles não aprenderam? Quer dizer, não da pra dizer eu ensinei se não houve

aprendizagem, então não foi bem ensinado, os métodos não foram os melhores ou

o método foi bom mas a classe tinha medo do professor e o medo, as vezes,

impede que a gente aprenda, quanto, as vezes, o medo impediu os alunos de

pronunciarem corretamente as palavras em inglês? Professor de inglês que era

muito rígido, que era muito bravo, o aluno tinha a capacidade pra aprender inglês

mas, ele tinha medo, aquilo bloqueava, na hora de pronunciar pronunciava errado

então, o que ajuda ao professor lendo Paulo Freire, dentre tantas coisa eu acho que

essa visão bancaria e libertadora, visão bancaria é acumulo de conhecimento

parece que assim, eu falei, necessariamente, ele aprendeu e o conhecimento é uma

somatória eu vou somando. A visão libertadora você vai interagindo com o

conhecimento, você vai refletindo, você vai criticando, o aluno tem que exercer a

capacidade crítica, a escola não pode ter medo de critica, o professor não pode ter

medo de critica, critica não quer dizer depredar a escola, mas, assim não é ato de

violência, mas a critica é mostrar aquilo que não esta indo bem do seu ponto de

vista, então é essa ideia de troca mesmo de experiência e de troca de saberes.

Martinez Jr.: Quais pensamentos de Paulo Freire continuam atuais?

Chebel: Fazendo o inverso, se você perguntar o que ele pensava que não esta

atual, que não cabe mais no mundo atual que não pode ser usado, olha assim de

supetão em uma entrevista eu não consigo enxergar nenhum que não seja atual,

talvez em uma releitura das obras ou de uma maneira mais critica eu encontre,

mas, olhe consciência do inacabamento, todos nos somos seres inconclusos,

46

incompletos, inacabados, que nos temos que aprender sempre isso continua atual.

Educação bancaria e libertadora, conscientização, ele tem um livro só sobre

conscientização, “Conscientização: teoria pratica da libertação” aqui ele entra em

detalhes sobre o que é conscientização o que ele esta entendendo, e foi um dos

que eu mais usei no meu doutorado em educação para o transito, conscientizar,

por que eu às vezes vejo entrevistas de pessoas, publicação em jornal, tem que

conscientizar o motorista, mas conscientizar pra eles é dar uma palestra, deu a

palestra conscientizou, aqui ele mostra que conscientização é um processo longo,

demorado, gradativo, mas que, felizmente, não tem volta, quer dizer, uma pessoa

conscientizada sobre educação ambiental sobre jogar o lixo no lixo, sobre não ser

imprudente no transito não tem recaída, quer dizer ele não deixa de ser consciente

e volta ao processo anterior, então eu acho que esse conceito do Paulo Freire

ainda esta longe de ser conhecido em profundidade como ele falou, quer ver um

exemplo, agora eu vou falar do transito, vamos supor uma pessoa que joga pela

janela papel de bala, palito de sorvete, tudo pela janela do carro vamos supor e

tem preguiça de por a sacolinha e jogar as coisas ali dentro da sacolinha dentro do

carro, e um dia essa pessoa vamos supor, viu o que eu presenciei na avenida

marginal Dom Aguirre aqui em Sorocaba, perto de onde fica o corpo de

bombeiros na marginal, tem um semáforo e eu estava dirigindo na pista do meio e

na minha frente um ônibus que faz a ligação Sorocaba São Paulo, e o semáforo

estava fechado, então os carros já estavam em uma velocidade menor por que

tinham que parar pois o sinal estava vermelho e uma pessoa no fundo do ônibus

joga pela janela uma latinha de refrigerante vazia, a latinha foi cair na pista da

direita batendo no capacete de um motociclista que se desiquilibrou, você já

imaginou você esta dirigindo e cai uma lata no seu capacete, isso eu presenciei e

de repente ele perdeu o equilíbrio e a moto caiu e graças a Deus que o semáforo

estava fechado e os carros estavam devagar por que o carro que estava atrás dele

brecou e não passou por cima, não atropelou, se não eu teria presenciado tudo ali.

Bom eu nem sei se esse passageiro do ônibus teve a consciência do que ele

provocou, mas o que eu sei é que os carros ao redor, eu, o que estava atrás de mim

e principalmente o que estava atrás do motociclista e que todos viram aquela lata

voando e batendo no capacete eu acho que ali foi um momento que desencadeou

uma conscientização: Não devo jogar lixo da janela do carro, do ônibus, do

caminhão, por que além de poluir a rua posso causar um grave acidente de

47

transito. Então acontecimentos há acontecimentos que parece que dão um choque

assim e a pessoa diz olha poxa o que eu vi, olha a consequência e aquilo vai

mudando vai refletindo e ela passa a não jogar mais nada, não por que tem multa,

mas por que é perigoso e pode matar alguém uma palestra nem sempre provoca

isso, um cartaz “se beber não dirija” ou então uma propaganda na televisão, aquilo

virou um slogan, propaganda de cerveja, qualquer coisa e aparece embaixo “ se

beber não dirija” um dos questionamentos que os meus alunos entrevistados da

área da saúde da PUC fizeram quando a gente estava refletindo educação para o

transito foi: saber oque é correto todo mundo sabe, por que nem todo mundo faz?

É a conscientização, quer dizer, a pessoa sabe se beber não dirija, não ultrapasse

pelo acostamento não exceda o limite de velocidade se você tiver com seu celular

falando, você pode estar distraído por que sua atenção esta na conversa com a

pessoa e não vê que uma pessoa esta atravessando e a atropela saber o correto

todo mundo sabe por que nem todo mundo faz é a questão da conscientização

agora no caso da educação, nessa pergunta dos ensinamentos atuais eu acho que

uma parte dos professores pode estar dentro dessa visão, saber o que seria correto,

o que seria ideal, por que ele não procede assim? Por que talvez seja mais difícil,

conseguir a disciplina de uma classe através do respeito, através do dialogo

através do interesse pela disciplina é demorado, mas é muito mais recompensador

do que conseguir a disciplina através do medo, olha como a classe fica quieta com

ela, mas por que eles morrem de medo dela, não por que estão interessados na

disciplina no assunto etc. agora outros professores eu acho que nem chegaram

nesse ponto de saber oque seria melhor para a educação por que nem estudaram

Paulo Freire, ou decoraram para a prova, a educação bancaria, pelos ensinamentos

atuais, você aprende para ir bem na prova, você aprende pra passar no vestibular,

pra ir bem no ENEM, não é aprender pra vida o que o Paulo Freire fala para a

educação libertadora é aprender para vida, numa visão assim sem ser uma analise

mais aprofundada, sem pegar de novo as obras de Paulo freire e reler eu lembro é

do que eu li uma vez, as vezes duas vezes cada obra mas não todos os livros que

eu tenho dele eu não li duas vezes, eu vi que todos os ensinamentos dele são

atuais agora talvez com uma analise mais aprofundada apontasse um outro que

não fosse atual mas, então eu estou tentando recordar, educação bancaria,

libertadora, conscientização consciência do inacabamento, esperança critica, são

muitas coisas, é eu acho que são todos atuais e aqueles pensamentos que não

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cabem mais no mundo atual eu creio que não são pensamentos talvez exemplos,

por exemplo, nesse livro “Paulo Freire ao vivo” ele da exemplo de propaganda

televisiva e faz a critica da propaganda de 1980 nos estamos em 2014, talvez

aquela propaganda hoje não esteja na televisão mas a critica que ele faz continua

valida, eu lembro que um dos exemplos que ele dava é que em um supermercado

pra classe C, mais popular classe D você punha as compras em um saco de

supermercado e tinha que ficar abraçado carregando ele isso quando ele volta do

exilio em 1980 e que um dia ele entra em um shopping em São Paulo e aquele

mesmo Supermercado que existia em lojas de rua agora esta dentro de um

shopping é uma filial desse supermercado que esta dentro de um shopping, e lá a

compra que as pessoas fazem não é só em um saco de supermercado assim, tem

uma alça, é uma sacola, então ele diz “por que esse tratamento?” de classe A, o

saco de supermercado tem uma alça, é mais pratico de você levar e o outro não

você tem que ficar carregando, os dois são sacos de papelão, só que um é sacola,

tem alça e a alça é reforçada, essa propaganda não tem mais esse supermercado,

por ética eu não vou nem falar o nome, não está passando mais na televisão, mas a

critica dele é valida no sentido de diferenciar o tratamento das pessoas pela classe

social que você imagina que ela pertença.

Martinez Jr.: A senhora respondeu as duas perguntas finais juntas então vou

deixar o espaço para uma ultima fala.

Chebel: eu queria então, informalmente dizer que quando Paulo Freire participa

desses seminários na faculdade de filosofia a convite do professor Aldo que tinha

trabalhado com ele em Genebra no conselho mundial das igrejas, veja pra mim o

que eu tinha lido em pedagogia do oprimido e principalmente em Educação como

pratica da liberdade, conhecer a pessoa, nesse tratamento pessoal, de ver com ele a

condução de São Paulo a Sorocaba com a Elza, que era viva, de ver o que ele ia

almoçar, o que ele ia jantar etc. reflete nesses assuntos a concepção dele de

educação, de mundo, de relacionamento com pessoas, veja eu era vice-diretora da

faculdade e trabalhava na mesma sala que o Aldo que era o diretor por que a

faculdade estava em reforma por que quando eu comecei o mandato era uma sala

pra cada um de nós com a reforma nós ficamos um ano e meio trabalhando na

mesma sala e eu batia a maquina, datilografava muito rapidamente veja não tinha

49

computador eu estou falando de 1980, 81, 82 não tinha computador, as pessoas

entravam as vezes, professores de outras faculdades ou então um conferencista e,

se o Aldo estivesse ausente, mesmo que ele fosse ao banheiro se ele estivesse

ausente ali as pessoas olhavam pra mim e diziam: e o professor Aldo? E eu dizia,

ele se ausentou um pouquinho e já volta, você é secretaria dele? Eu respondia não

sou vice diretora a faculdade esta em reforma e nos estamos usando a mesma sala

o único que não perguntou se eu era secretaria do Aldo foi o Paulo Freire a

primeira vez que ele entrou, o Aldo estava na faculdade mas não estava na sala e o

funcionário da recepção o encaminhou para a diretoria e dai eu falei olha o

professor Aldo esta no prédio mas não esta aqui na sala o senhor quer se sentar a

senhora quer se sentar ele já volta, filha, filha por que a minha idade em 1980 e

pela idade do Paulo Freire com a barba, naquela época uma barba que vinha até

aqui depois ele cortou, então eu era filha mesmo podia ate dizer neta mas ele falou

filha o que você faz aqui? Veja ele não falou você é secretaria do Aldo? Embora

se eu fosse secretaria do Aldo não tinha problema nenhum, mas assim, minha

posição era outra, a vice direção o Aldo entrava de férias eu assumia a faculdade,

filha o que você faz aqui? Então veja o tratamento, ele faz uma pergunta, ele não

emite uma opinião, e o outro exemplo que me marcou muito, quando eu estava

fazendo o mestrado e o doutorado na PUC, o mestrado era o segundo eu fiz o

primeiro na década de 70 depois eu voltei em 90 fazer o segundo mestrado e

engatar no doutorado, o Paulo Freire era o professor do mestrado e doutorado em

educação e eu estava fazendo em psicologia, mas algumas aulas eu pedia pra

assistir mesmo como ouvinte por que nossa era uma maravilha os alunos, eu via

os alunos saindo da aula dele os doutorandos em educação babando do

conhecimento do respeito, e um dia eu estava na aula a porta estava fechada

estava frio era inverno, bateram na porta Paulo Freire abril eram alunos do centro

acadêmico acho que do DCE, que queriam conversar com a classe, dar um recado

pra classe passar uma informação, o senhor autoriza? Ele falou eu autorizo agora

precisa ver se eles autorizam dai ele perguntou para classe, vocês autorizam a

gente para um pouquinho ouve o que eles têm a dizer e todo mundo concordou ai

na hora eu cai em mim, quantas vezes eu estava aqui, na faculdade de filosofia

sando aula pra um curso, Historia, Geografia, Matemática a classe lotada alguém

batia na porta pra dar um recado do centro acadêmico, a senhora autoriza? Sim.

Eu nunca consultei a classe, dava essa ideia, eu autorizo eu autorizo, eles tem que

50

autorizar também eu autorizo pode entrar, mas olha o respeito do Paulo Freire, eu

sim vamos ver eles, por que se a aula estava num ponto extremamente interessante

e que a classe não quisesse parar talvez ele falasse para os moços olha voltem

depois, voltem depois do intervalo não sei né mas, e as vezes que eu subia pelo

elevador por que a pós graduação na PUC no campo central que fina na Monte

Alegre bairro de Perdizes em São Paulo fica no 4°, 5° andar, 6° andar, tinha

elevador então eram andares altos, então a gente ia de elevador e o dia que eu

estava no segundo andar pra ir pro quinto, abre a porta do elevador, já tinham

pessoas dentro e a primeira era o Paulo Freire ai eu falei nossa! Sabe assim é

como se você pensasse numa pessoa extremamente famosa na época na área da

Educação Física e que de repente você vai na cantina do quarto andar quinto andar

e ele esta lá, e uma vez eu fui pra Itaici, é uma cidadezinha perto de Indaiatuba no

caminho de Campinas, que tinha as reuniões dos bispos do Brasil, antes era em

Itaici, hoje eu acho que é em Brasília, e convidaram Paulo Freire para falar sobre

educação para os bispos, por que educação religiosa, educação de um modo geral,

e cada cidade cada diocese podia mandar dois ou três leigos também pra ir, não

eram só padres e bispos, e o bispo de Sorocaba, não o Dom Eduardo hoje, o Dom

José Alambert que é falecido, nessa época eu estava na direção da faculdade de

filosofia, foi de 1988 a 92 que eu fui diretora a gente já estava caminhando para o

projeto da universidade, e dai o bispo perguntou se eu podia ir representando os

leigos, eu falei nossa que honra, dai ficamos três dias em Itaici refletindo sobre

educação de maneira geral e depois educação religiosa com o Paulo Freire lá,

então assim, eu acho que eu fui privilegiada de conhecer a obra dele de participar

de palestras, de ser aluno ouvinte no curso de pós graduação na PUC, de encontra-

lo em encontros religiosos ai em Itaici, de ficar transcrevendo as conferencias,

ouvindo a voz dele, agora, eu guardei todas essas fitas K7 por que eu to falando de

um período que não eram filmadas as conferencias a faculdade não tinha

filmadora e a gravação não eram como os meios de hoje, eram fitas K7 de meia

hora cada lado e ainda tinha que virar né, mas mesmo assim, quando acabou meu

mandato eu deixei tudo no multimeios, nunca fui ver se continuam lá por que eu

tenho muito medo que tenham jogado por que o que teria que fazer era fazer o que

eu fiz com as minhas fitas, transformar as fitas K7 em CD que a durabilidade é

muito maior, mas era a voz dele, era o arquivo sonoro do que ele falava assim

como Marcelo Rubens Paiva, todos que eram os grandes que vinham falar a gente

51

gravava e eu organizei o arquivo sonoro, mas de medo que isso não existisse mais

eu não fui procurar, mas olha tem muito, mudou um pouco, mas tem muito pra

mudar na educação brasileira pra melhor conhecendo a obra de Paulo Freire e o

mesmo livro, seja esse de conscientização seja aquele condensado, não resumido,

condensado que é pedagogia da autonomia, cada vez que a gente lê, relê e lê de

novo eu acho que a gente descobre mais implicações na nossa vida pessoal e

profissional e que pena que muitos não conhecem ou que conheceram pra fazer

uma prova e não pra aquilo entrar na vida

.

Martinez Jr.: Obrigado Professora.

Chebel: Eu que agradeço.

3.4. QUARTA PARADA

Assim como aconteceu com a professora Sônia, a entrevista com o

professor Aldo Vannucchi aconteceu por conta da indicação e incentivo da

professora Sônia que, ao final da entrevista, me perguntou se eu já havia

entrevistado o professor Aldo. Quando disse que não ela me passou o numero da

secretária dele e disse pra eu entrar em contato, pois seria interessante colocar o

relato dele no trabalho.

Mandei e-mail para o professor Aldo e fiquei feliz ao obter uma resposta

positiva a respeito da entrevista por conta da imensa importância dele na história

da educação em Sorocaba, por ter trabalhado e ser amigo intimo de Paulo Freire

durante e após o exilio de ambos.

Nesse momento percebi o tamanho da responsabilidade do trabalho que

estava redigindo por lidar com sentimentos de saudade que moldaram a didática e

a postura de quem foi aluno de Paulo Freire, e ainda pude contemplar a saudade e

o carinho de quem conviveu ao lado dele em um momento tão difícil na vida de

ambos com as histórias de Aldo Vannucchi que vamos acompanhar agora.

52

3.4.1. Aldo Vannucchi

Martinez: O senhor poderia contar pra mim onde conheceu Paulo Freire?

Vannucchi: Eu conheci Paulo Freire, primeiramente, em uma palestra em Roma

em 1968 que eu tinha saído daqui do Brasil por causa da ditadura, foi uma palestra

assim, eu o conheci de longe, e já tinha lido o livro dele, já tinha apoiado o

trabalho de alguns alunos da faculdade de filosofia onde eu era diretor para que

eles fizessem alfabetização dentro da metodologia do Paulo Freire e eles

realmente fizeram um trabalho na vila Angélica em Sorocaba, mas o

conhecimento mais profundo, eu diria quase total com o Paulo foi mais tarde em

1973, 1974 por que eu de novo precisei sair do Brasil por causa da ditadura outra

vez e fui morar em Genebra na Suíça, e lá eu consegui emprego no Conselho

Mundial de Igrejas, o Conselho Mundial de igrejas é, só para comparar e

simplificar é o vaticano dos protestantes, assim como o vaticano é a central da

igreja católica no mundo o Conselho Mundial de Igrejas é o órgão central, e não

de vinculação obrigatória para toda e qualquer igreja evangélica mas que tem

umas trezentas igrejas evangélicas afiliadas, e lá o organismo, então com essa

finalidade, mas lá há muitos católicos trabalhando, e eu então, fui trabalhar como

um católico lá dentro, e a própria igreja católica, não é membro desse conselho e

nem podia ser né, mas ela é convidada e tem acento lá dentro, eu primeiro fui

trabalhar no setor das relações internacionais na área de direitos humanos, mas

logo depois pediram para eu passar a trabalhar na área da educação quando o

Paulo era a grande e principal figura, não figura executiva mas própria da missão

dele um grande educador o grande conferencista que naquele tempo corria o

mundo convidado por toda e qualquer nação, qualquer igreja e ele vivia viajando,

mas a gente ficou logo muito amigo por que o Paulo era uma figura muito

sentimental, não só por ele e eu sermos brasileiros mas por ele viver muito, sofrer

muito a saudade de tudo que era do Brasil, ele morava com a esposa e os filhos

em Genebra em um apartamento, tinha carro mas não dirigia, eu dirigi muitas

vezes o carro dele, a vida digamos assim, humana sentimental dele era muito

intensa dependia muito da esposa dona Elza, alias, dona Elza era professora

primaria, trabalhou lá em Recife como professora primaria uma pessoa realmente

muito, de personalidade muito rica, sem vaidade nenhuma mas uma experiência

53

fabulosa e muito equilibrada, ela que punha equilíbrio na vida do Paulo, esse

aspecto brasileiro sentimental dele, agente via , por exemplo na comida eu tinha o

compromisso que ele criou comigo de jantar toda quarta feira no apartamento dele

e sempre que eu podia é claro que eu ia com muito gosto e era a comida que a

dona Elza fazia por que na vida dele de muita viajem ele vivia comendo fora e

mesmo em Genebra em reuniões de trabalho então o jantar na casa deles

especialmente na quarta feira era um momento muito interessante de conversa, de

amizade, de vida familiar. Outro aspecto interessante na vida do Paulo é que ele

falava inglês e espanhol, morava em Genebra onde predominava o francês, mas

ele detestava o francês e não falava, a Elza por sua vez não falava nenhuma língua

e era adorada pelas outras senhoras, pelas outras mães por que muitos pastores,

muitos chefes de igreja, muitos teólogos das varias igrejas, das muitas igrejas

evangélicas do mundo trabalhavam lá dentro e evidentemente foram morar em

Genebra com suas famílias, e essas senhoras as vezes ficavam sem ter o que fazer,

o marido o dia inteiro lá no conselho mundial então eram muito comuns reuniões

dessas senhoras e a dona Elza participava sem falar nenhuma outra língua mas

muito agradável muito segura de si muito querida de todas. O Paulo teve vários

filhos né, Madalena, Cristina, a outra eu não me lembro, Joaquim e o mais novo

que, por sinal, dirige em São Paulo o Instituto Paulo Freire um nome interessante

eu não me lembro agora, o Joaquim é um grande violonista, parece que continua

morando em Genebra, a Madalena filha mais velha trabalhou em São Paulo e esta

em São Paulo ainda muitos anos, ela é uma espécie de Paulo Freire feminino em

São Paulo tem também obras publicadas.

Martinez Jr.: como foi para o senhor trabalhar com Paulo Freire em Genebra?

Vannucchi: como eu estava dizendo, foi muito interessante por que ele por

incrível que pareça precisava de apoio humano assim, por que a vida dele lá era

muito oficial, era um ídolo então tinha relações muito formais ou então relação

muito esporádica hoje tava na Guiné africana daqui a pouco estava no Canada

outro dia tava na Alemanha então contato assim muito esporádico sempre com

muita formalidade, sempre na linha do trabalho pedagógico dele, então o trabalho

comigo foi muito mais humano, muito mais simples de conversas e coisas bem

intimas até, e um dos compromissos que ele tinha em Genebra que ele atendia

54

todo mundo né, foi dar essa orientação pedagógica para o trabalho dos padres

espanhóis que trabalhavam na Suíça como capelães da coroa espanhola lá na

Suíça, você sabe que a suíça era e hoje continua sendo um pais onde a mão de

obra mais simples é feita por portugueses, espanhóis, italianos la do sul da Itália,

hoje em dia de árabes, e naqueles anos a colônia espanhola era muito grande la,

muitos trabalhadores espanhóis trabalhavam lá e evidentemente a Espanha

católica na sua grande maioria e ai havia um grupo ali, 8 ou 10 padres espanhóis

que trabalhavam com a colônia espanhola e iam para a Inglaterra, Zurique,

Basileia, toda parte da Suíça e ele inicialmente atendeu a esses padres espanhóis,

mas logo que eu cheguei ele pediu, falou, você chegou em boa hora eu vou passar

pra você e você trabalha, você agora vai trabalhar com eles e foi para mim, muito

interessante , reuniões sobre a Pedagogia do Oprimido, como que eles podiam

combinar a vida pastoral com a ação pedagógica e então esse foi

profissionalmente a ligação maior que eu tive com ele lá na Suíça.

Martinez Jr.: Depois que vocês voltaram do exilio, o que mudou na vida de vocês?

Vannucchi: A mudou muito, eu não posso falar por ele, mas para mim mudou

muito por que, bom mudou e não mudou, eu voltei no começo de 75 ainda estava

em plena ditadura, a ditadura foi ate 85, e a minha volta foi ate um ato de coragem

por que os amigos aqui no Brasil me escreviam e recomendavam, não volte ainda

é muito cedo, espere mais, mas eu me aventurei e voltei, mas aqui eu continuava

seguido e perseguido, tudo que eu falava, tudo que eu escrevia eu tinha alunos, eu

voltei, eu tinha sido diretor da faculdade de filosofia mas eu voltei como simples

professor, e como professor eu tinha aluno delegado de policia e eu via o cara la

tomando nota de tudo que eu falava e eu continuava falando de tudo que eu

sempre falei, escrevendo no jornal, falando na radio Cacique, dando aula, sempre

a mesma linha né de falar da justiça social cristã segundo a doutrina da igreja de

acordo com a realidade que eu via e sabia da cidade de Sorocaba onde eu trabalhei

muito com universitários e operários e era tão seguido que depois que acabou a

ditadura eu consegui a minha ficha no DOPIS em São Paulo foram 118 folhas

uma delas é interessante que da pra rir e chorar ou da pra chorar e pra rir que uma

noite eu fui visto saindo da pizzaria no centro de Sorocaba o delegado de

Sorocaba oficiando para o delegado de São Paulo delegado geral que o senhor

55

Aldo Vannucchi foi visto saindo da pizzaria Pizza na Pedra que ficava na bulevar

Braguinha ali no centro.

Martinez Jr.: Depois do exilio como surgiu a ideia de convidar Paulo freire para

fazer as convenções aqui em Sorocaba?

Vannucchi: Então, claro que eu voltei bem antes, me parece que ele voltou em 79

se eu não me engano a nossa amizade, logo depois que ele voltou procurei

contata-lo em São Paulo, estava dando aula na PUC e convidando ele falou é claro

que eu vou sem problema ai eu consegui traze-lo quatro noites, não seguidas, mas

de tempo em tempo, eu me lembro que uma noite eu o apresentei lá no salão

Trujilo, Salão Vermelho, antes de começar a palestra ele falou eu agradeço o

convite estou aqui mais uma vez eu quero dizer que devia estar hoje no Canada

mas o convite do Aldo foi mais importante. E ele falou então quatro vezes, e a

professora Sonia foi sempre muito amiga minha e grande professora, um mandato

eu fui diretor e ela foi vice-diretora nessas palestras ela gravou tudo com a

autorização dele e depois então a gente decidiu publicar o livro, que é o Paulo

Freire Ao Vivo, você viu ou não?

Martinez Jr. Já cheguei a ver, mas não li, ainda não tive acesso.

Vannucchi: editora Loyola, infelizmente a editora foi muito infeliz na capa, muito

escura, muito mesmo, mas o livro esta ai vendido ate hoje, as palestras dele com

uma introdução minha e antes de publicar, evidentemente a gente passou pra ele ai

foi um trabalho duro que só por muita amizade ele aceitou, ele precisou reler tudo

chamou uma secretaria pra mudar isso aquilo demorou um pouco, mas, o livro

saiu. Então é uma contribuição interessante na bibliografia do Paulo Freire que é

imensa, se você já a viu praticamente não tem fim continuamente sai livro,

palestra, artigos sobre a obra dele no Brasil e no mundo e quando ele vinha ele

trazia a Elza e eles ficavam em casa era uma delicia.

Martinez Jr.: Paulo freire sempre zelou pela cultura do aluno, utilizar a cultura

deles para alfabetizar, na educação brasileira, no atual cenário histórico e politico,

essa valorização ainda é presente?

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Vannucchi: esse é um problema muito serio eu tenho ate um livro publicado

Cultura Brasileira, o que é e como se faz, esta na quarta edição, onde a minha tese,

desse livro e de inúmeras palestras que eu já fiz e é ligada a essa visão do Paulo

Freire que cultura é a transformação da natureza pelo ser humano, então o

lavrador, alias, o que é agricultura? Agricultura é cultura do agro, cultura do

campo, a cultura humana surgiu no campo, o primeiro ser humano que olhando a

natureza viu brotar isso brotar aquilo deve ter pensado e pensou se eu trabalhar

isso ai talvez eu consiga fazer crescer mais nascer mais e ai veio toda a vida

agrícola rural que é o começo da humanidade e continua ate hoje, a moça que

trabalha na sua casa ou na minha casa que pega um punhado de arroz um punhado

de feijão a farinha um pouco disso e daquilo e faz o almoço ela sabe fazer o que

eu com mestrado não sei fazer então há diferentes níveis culturais mas tudo é

cultura não só quem sabe varias línguas, não é só quem viajou pelo mundo, não é

só quem tem muitos livros muita leitura que é culto, o pedreiro é capaz de fazer

não só a parede mas uma casa, um palácio, uma catedral eu não sei levantar nem

três tijolos um em cima do outro não sei fazer o reboco então cada um tem a sua

cultura e a cultura o que é no fundo? É o domínio que o ser humano tem sobre a

natureza. A vaca da leite, leite aquilo é produto natural o queijo não é a vaca que

da é o ser humano que produz o queijo é produto cultural, o livro é produto

cultural não tem arvore que de livro, mas o pêssego a manga que alguém cultiva

produz e vende é também um produto cultural entende, essa visão assim tão

simples é fundamental por que democratiza o saber, democratiza a vida escolar

democratiza a vida social é oque a gente não tem infelizmente, eu infelizmente

acho que essa visão não é a visão da maioria dos professores a maioria insiste e eu

também insisto em leitura, leitura e leitura tudo bem mas não esqueça de valorizar

o pai daquela aluna daquele aluno lá do Jardim Tatiane que é pedreiro que é

ferreiro que é auxiliar de limpeza da escola pode ate ser analfabeto mas ela

também tem cultura então essa visão faz com que o pais ou fara com que o pais

seja realmente democrático e isso esta na raiz da pedagogia do método de

alfabetização do Paulo Freire que fala do tijolo disso e daquilo.

Martinez Jr: em Pedagogia do oprimido tem uma frase que eu acho muito

interessante que é “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os

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homens se libertam e comunhão,” e ele diz o mesmo sobre a educação, o que o

senhor pode me dizer sobre essa frase?

Vannucchi: essa visão que eu disse da cultura é justamente isso, se você se sente

tão respeitoso com a empregada da casa, com quem cuida do lixo da rua como

com o prefeito, o bispo, o governador, o doutor fulano todos você se sente

necessário e os outros necessários pra você, um nexo cultural humano profundo

que nivela culturalmente todo mundo nivela em nível de respeito de valor claro

que sempre haverá diferenças, a diferença não é o mau mas a desigualdade é um

mau, nos somos todos diferentes um do outro, mas nos temos que lutar para que

não haja desigualdade um comendo bem outro passando fome, um podendo ler e o

outro analfabeto, um morando bem e outro sem ter onde morar, a desigualdade é

que fere a dignidade humana e não a diferença.

Martinez Jr: por que as obras de Paulo Freire foram tão revolucionarias e

importantes antigamente e nos dias de hoje também?

Vannucchi: precisamente por isso, por que mostra como a educação não pode ser

formalizada demais ela precisa ser basicamente humana para poder ser uma

educação libertadora por que se ela não respeitar a dignidade humana básica

fundamental que esta em qualquer ser humano ela vai tomar caminhos de

privilégios e de desigualdades a libertação é fruto de uma consciência própria da

própria dignidade e da dignidade dos outros por isso ele disse que ninguém se

educa que ninguém se liberta sozinho na mediada que a educação é um processo

de um crescimento pessoal mais um crescimento de acordo com a vida humana no

universo onde entra então, a natureza bruta, a natureza trabalhada, a natureza

física e a natureza, hoje, tecnológica e sempre a natureza humana essa visão

universal holística é fundamental para a pessoa se sentir bem colocada no mundo

sem perder o sentido da própria vida hoje é comum gente deslumbrada com a

tecnologia que realmente é maravilhosa, mas a tecnologia não é o caminho, ela

sozinha não é o caminho da nossa educação e da nossa libertação ela deve ser

conjugada com a educação artística, com a educação cientifica, com a educação

filosófica, com a educação religiosa, o saber humano verdadeiro não é unilateral.

58

Martinez Jr: Os estrangeiros valorizam mais Paulo Freire que nós brasileiros?

Vannucchi: essa é uma estatística difícil de dizer, mas em termos assim, digamos

matemáticos e geográficos é bem provável que sim por que o Brasil é um e tem

mais uns duzentos países pelo mundo, outro aspecto também é que a universidade

brasileira é muito jovem, não tem cem anos e as universidades europeias têm

séculos e séculos, então é possível ou é certo sem duvida nenhuma que há muito

mais doutores, há muito mais pedagogos, há muito mais cientistas da educação

fora do Brasil do que no Brasil consequentemente pode haver, deve haver mais

leitores e conferencistas sobre Paulo Freire lá fora.

Martinez Jr: Nas convenções que Paulo Freire fez aqui em Sorocaba, no projeto

“Vivendo e Aprendendo” um dos objetivos das convenções era: “Buscar a ação

educativa que leve à intervenção na realidade e sua valorização”, ou seja,

aprendendo com a vida. O que Paulo Freire ensinou ao senhor que interveio em

sua realidade que o senhor carrega ate hoje?

Vannucchi: então foi, não só Paulo Freire evidentemente, minha formação é em

filosofia eu dei aula muitos e muitos anos sobre filosofia, conheço muito filósofos

e é evidente que isso esta na base da minha formação e o Paulo Freire foi algo a

mais, e algo assim muito, afetivamente, ligado a mim e essa visão de viver é

aprender e aprender é viver foi fundamental na minha vida eu sempre procurei

muito trabalhar o que eu sabia o que eu aprendia o que eu queria saber juntando

com aquilo que eu via com aquilo que eu sentia com na população, no mundo,

especialmente no mundo mais pobre, no mundo operário de Sorocaba, naquele

tempo Sorocaba não era a de hoje, naquele tempo Sorocaba vivia muito da

Sorocabana, estrada de ferro Sorocabana e mais ainda da indústria têxtil, fabricas

de tecido que de tempo em tempo a Sorocaba era apelidada de Manchester

paulista, Manchester da Inglaterra era a grande cidade onde a indústria têxtil

floresceu mais do que qualquer outro lugar e de lá vieram maquinas, engenheiros

e famílias trabalhar em Sorocaba, a gente vê ate hoje nome de rua, alameda

Kenvort, Comendador Oeter, Largo do Lider que o nome real é Frank’s Piers,

tudo isso mostra que Sorocaba vivia muito da indústria têxtil e tinha, naquele

tempo, uma grande força exportadora e a exportação era periódicas temporadas de

59

produzir tudo ao máximo para mandar pra Santos pra ir embora pra África, para a

Europa a produção sorocabana, e nesse esforço de ganhar ao máximo os

industriais exploravam ao máximo então era muito comum operários operarias

serem obrigados a dormir na fabrica com lanche com sanduiche, a legislação

trabalhista naquela época era muito falha e eu sabia disso e eu tinha programa

diário no radio, tinha jornal, eu tinha escola faculdade, falava contra isso

frequentemente e ao mesmo tempo aprendia fazia com que a minha palavra

procurasse ser sempre muito direta muito simples eu sempre parti daquele

principio que o mais difícil é falar fácil, quando o professor começa a falar difícil

a classe não entende muito, ou ele não preparou bem a aula ou ele não domina

aquele assunto, quem não é capaz de falar em publico sobre um assunto ou está

nervoso, foi pego de surpresa ou está enrolando de proposito é o que a gente vê

muito em politico fala, fala, fala e não diz nada de concreto.

3.5. QUINTA PARADA

Nossa quinta e ultima parada foi para “equilibrar” as coisas digamos

assim. Era necessário mais um ponto de vista a respeito da Educação Física e

sobre o currículo cultural, foi quando o nome do professor Mario Nunes surgiu e

veio para ser a cereja do bolo.

Conversando com ele por e-mail decidimos que nos encontraríamos em

Campinas, mais precisamente na Unicamp (Universidade de Campinas) que fica a

mais ou menos uma hora de Sorocaba.

Ainda melhorando de uma gripe, fui a Campinas para me encontrar com o

professor Mario que me recebeu muito bem, conversamos alguns minutos antes de

começarmos a entrevista sobre a minha saga entrevistando os demais professores

até chegar nele.

A entrevista do professor Mario, assim como as demais foi muito

esclarecedora em todos os sentidos mas em especial na compreensão do inicio do

currículo cultural, de como emergiu e emerge, foi uma ótima experiência pra

fechar nossa viagem.

60

3.5.1. Mario Nunes

Martinez Jr.: O que levou você, o professor Neira e o grupo de estudos na USP a

propor um currículo mais voltado à cultura, mais humanizado.

Nunes: bom é uma trajetória né, começa por uma trajetória tanto minha como do

Marcos, como professores da educação básica, nós tivemos a mesma formação,

nós não nos conhecíamos, a gente foi se conhecer bem mais a frente, fizemos a

mesma faculdade e saímos trabalhando do mesmo jeito, e ai esta o que todos os

professores sofrem a gente vai pra faculdade, aprende coisas sobre a pratica

pedagógica, um fazer, e esse fazer nunca vai dialogando com a escola, a gente vai

vendo a garotada se afastando, alguns garotos se interessam, algumas garotas se

interessam outra parte não e ai você vai se incomodando com isso, esse é um

ponto, que vai fazer a gente sempre estar atento.

Acho que um segundo ponto que eu acho que o Marcos também deve ter colocado

pra você é que a gente atravessou um período da nossa formação, eu me formei no

começo dos anos 80, é um período, vamos dizer assim de “demonização” do

esporte na escola, fim da ditadura, ai chegam outras ideias do exterior pra cá, as

ideias de desenvolvimento, psicomotricidade, etc. então quando eu me formei e

comecei a trabalhar a escola que eu fui trabalhar já não aceitava aquilo que eu

tinha aprendido na faculdade, ao colocar isso em pratica eu sofri uma pressão da

escola e aquela coisa do conflito com os alunos, ai eu fui estudando

psicomotricidade, ai eu vivenciei o desenvolvimento motor e tudo isso a gente foi

aplicando na prova, após a formação eu me tornei um psicomotricista e também

não dava certo e me tornei aquilo outro. Lá nos anos 90 eu acessei as teorias

criticas, mas também não davam certo, vamos dizer assim, não é que não davam

certo, por que nada da certo, mas elas não atendiam a leitura que a gente tem eu

tinha uma formação mais politizada, então ela não tinha, não atendia e não batia

com aquilo que a gente de mundo, então pedagogia critica até que sim, mas na

prática não, e essa trajetória eu e o Marcos a gente esteve junto, sem estar junto, a

gente vivenciou as mesmas coisas e por questão de interesse, assim como o seu,

eu fui procurar pesquisar essas questões, ai eu tomei contato com outras leituras,

esse momento de tomar contato com outras leituras, vamos chamar de leituras

pós, vamos deixar nesse buraco pra gente saber do que eu estou falando, que não

61

são as criticas, é o momento que eu resolvi então fazer o meu mestrado, resolvi

pesquisar essas questões de identidade que me interessaram, e um pouquinho

antes disso eu encontrei o Marcos, a gente se cruzou ai na vida acadêmica, e ele

passava pelas mesmas coisas, ele já era professor da universidade, eu era

professor na escola, e, ao ter um curso em que ele era meu professor, eu fui

questionando o curso, ele estava atento a estas questões, a gente se aproximou, foi

tomar café, eu sempre brinco que ele não pagou o café que ele disse que ia pagar,

quem pagou fui eu, e a partir dali a gente começou a discutir essa possibilidade de

pensar outras coisas a partira daquilo que a gente estava estudando, então o que

nos levou eu acho que foi essa trajetória que esta desde uma formação voltada

para um segmento, a vivencia com outras e o diálogo com a sociedade, diálogo

com os alunos, diálogo com os professores e diálogo com o mundo, então a gente

estava em um momento de sociedade extremamente, estamos ainda no mesmo

momento, que essa questão multicultural efervescente, hoje mesmo no Brasil essa

volta do conservadorismo, esse grupo tentando segurar as coisas, e a maior parte

da população não sabe o que esta acontecendo por que os discursos vão tomando

aqui e ali, então a gente pensou que precisaríamos ter uma Educação Física não

pra ser legal, não pra ser bacana e dar certo, mas uma Educação Física que

dialogasse com esses problemas da escola, que é essa presença da diversidade,

essas questões multiculturais, pra gente politizar essa garotada pra uma atuação

mais efetiva na sociedade.

Martinez Jr.: O currículo cultural colocado em prática vem te surpreendendo?

Nunes: vou partir para uma cena um pouco mais ampla, quando a gente pensou

nisso na verdade a gente já fazia, tanto eu que era professor na escola quando ele

que era professor de metodologia, a gente já tentava fazer na pratica coisas a partir

das coisas que a gente esta lendo, eu falo isso para os alunos, não existe assim um

cara que faz uma teoria que todo mundo segue se você se apropria de um

determinado campo teórico, e a partir daquilo você consegue enxergar e ele te da

as ferramentas pra você enxergar coisas no seu cotidiano você faz coisas no teu

cotidiano, mas na escola é a mesma, a educação é uma ciência, ela vai produzindo

uma serie de discursos que se você se apropria daquilo, você começa a olhar pra

pratica e diz assim “poxa”, então esse currículo ele surge da prática, e não um

62

currículo teórico, eu era professor de sala de aula, professor de escola, ele era um

professor que tinha passado pela a escola mas era um professor de formação de

professores, então ele estava ali nos grupos, com a atuação docente, então com a

maneira que gente foi lendo aquilo, e quando a gente se encontrou a gente lia as

mesmas, lia coisas similares não as mesmas coisas, a gente “inventava” vamos

dizer assim, situações, a gente escrevia como a Sandra Couraza fala né, a gente

escrevia um currículo a partir daquilo que a gente lia, então acho que é por isso

que esse currículo de alguma maneira encanta as pessoas, não só pela sua proposta

em si, mas é por que ele é um currículo da prática, ao contrario de quando você

pega, por exemplo as leituras da psicomotricidade são propostas de laboratório,

que servem para crianças em determinadas situações, não pra situação complexa

que é a escola eu penso assim, investigo e vejo isso, então eu acho que essa é a

questão do currículo que surge da prática, a partir da prática ele vai gerando

situações que necessitam o tempo inteiro de outras explicações essas explicações

são construídas ali no grupo ou pode ser construída pelos professores ou a gente

vai buscar explicações em pessoas que já pensaram aquilo que a gente já viu ou

esta vendo acho que essa é a questão que faz você gostar é um currículo de carne

e osso, por isso que ele é aberto vamos dizer assim né, os alunos perguntam assim

professor como que eu faço, ai eu digo não sei, não conheço os seus alunos quem

vai saber é você mas precisa ter um conhecimento pra poder dar conta disso né.

Martinez Jr: Paulo Freire fez parte da sua formação durante a graduação?

Nunes: Não, Paulo Freire, bom também tudo depende como é o acaso, tudo é

contingencial Foucault é forte em dizer isso da questão contingencial, nos anos 80

quando eu me formei em 84, eu trabalhava em uma escola marista que é uma

escola confessional, mas é uma escola confessional de cunho progressista, os

maristas são conhecidos, eles não são padres são irmãos eles não rezam missa,

mas eles são conhecidos na educação como um pessoal progressista, eles estão

sempre na frente, e eles tem uma visão de religião, uma visão cristã muito

diferente da maioria das outras congregações cristãs por que uma coisa que a

gente precisa sempre falar, e eu gosto de falar e as pessoas pensam que eu sou

coroinha, é que Cristo só existe depois que Jesus morre, o Jesus, aquele que

passou a vida pregando o amor, quando ele vai pra cruz ele é o Jesus de Nazaré,

63

quando ele morre os seus seguidores o chamam de Cristo, o ungido, o escolhido, e

a partir dali, dos seus discípulos o cristianismo, então a gente pode falar que

existem coisas distintas, então os maristas eles são irmãos em Maria, então eles

tem uma filosofia que não é cristã do cristianismo, ela é marista que vem de

Maria, e eles estão sempre em uma situação de vanguarda, quando eu comecei o

meu trabalho, eu estudei nessa escola, eu fui fazer faculdade e comecei nesse

trabalho, fui para uma escola marista também que estava sendo uma das primeiras

escolas a estudar construtivismo no Brasil, então tinha toda uma discussão lá de

Piaget, então eu tinha que estudar pra caramba por que havia uma exigência, ao

mesmo tempo os professores do ensino religioso daquela escola eles eram

freireanos, por que Paulo Freire tem uma concepção toda, o pessoal na faculdade

de educação principalmente em pós, tira o lado cristão dele pra não misturar, mas

ele era um fervoroso, um católico fervoroso, então Paulo Freire era muito forte ali.

Quando eu entrei nessa escola em 88, quando eu entrei nessa escola é que eu fui

descobrir que o Paulo Freire existia, na época ele era vivo tinha acabado de voltar

do exilio e tal e eu não sabia o mínimo né, quando eu, foi nos anos 90 quando eu

fui para uma outra escola de cunho religioso que não era uma escola

conservadora, mas tinha uma equipe de ensino religioso de vanguarda e a diretora

da escola, que era freira, era muito fã de outras religiões, então ela fazia retiro

budista, ai você vai pensar assim que doido né, então essa freira, esse pessoal do

ensino religioso era tudo da teologia da libertação pessoal do MST eles eram

ligados a esses movimentos, ai o Paulo Freire chegou e eu era coordenador da

escola e Paulo Freire chegou como literatura ou seja, eu tinha que estudar Paulo

Freire, então eu comecei, mas assim, uma leitura ou outra, Pedagogia do

Oprimido e a Pedagogia da Autonomia que ele vai escrever nessa época que ele

vai morrer nesse período ai que eu estava lá. Então Paulo Freire entra na minha

formação a partir do momento que eu já era professor já em atuação, mas eu não

tenho a formação em Paulo Freire que o Marcos tem, Marcos é um cara que leu

toda obra de Paulo Freire por que ao chegar à faculdade de educação e fazer

pedagogia, a Faculdade de Educação da USP era toda freireana, mas eu já

dialogava com ele. Quando eu fiz faculdade a gente não lia nada, a gente no

máximo tinha a apostila com nome de osso, nome de musculo, e tinha que saber o

ciclo de Krebs né, o resto eram aulas praticas e a gente era avaliado, eu estava até

comentando com um colega aqui, que a prova de ginástica você sorteava uma

64

situação um aparelho e você tinha que desenvolver 10 exercícios para o aparelho,

a prova de condicionamento físico, eu nem lembro o nome da matéria, eram

sempre provas assim, musculação, agente nem tinha matéria de musculação mas

aprova era assim, faça 5 exercícios que envolva tais músculos, então não tinha

nenhuma leitura como vocês tem hoje, era um curso prático, tanto é que, quando

eu me formo, era licenciatura plena depois que vem uma discussão pra a

Educação Física ser um curso universitário.

Martinez Jr.: Paulo Freire tem alguma contribuição no currículo cultural?

Nunes: Tem, mas a gente precisa muito situar, e ai cabe uma explicação um pouco

mais densa, a base do currículo cultural é o pensamento pós-critico, o pensamento

pós-critico não é um pensamento que vem depois do critico, ele é um pensamento

que critica o critico e vê os seus limites, ai é uma discussão de estruturalismo e

pós-estruturalismo, uma discussão filosófica, o Paulo Freire ele é um autor

moderno, ele é um autor de uma pedagogia critica, apesar de até a gente compara-

lo ou inseri-lo nas discussões pós-coloniais por que ele tem uma prática

libertadora, as ideias que ele trás não estão na mesma base epistemológica que

está no currículo cultural vamos dizer assim, mas não podemos negar algumas

contribuições que Paulo Freire produziu e a gente, em alguma medida, ressitua,

ou, reterritorializa, usando um termo desse referencial, então por exemplo: a gente

entender a ideia do ciclo de cultura, vou usar alguns conceitos freireanos que

alguma medida estão atravessados ali né, então o ciclo de cultura é aquele espaço

onde todo o sujeito é portador de cultura, portador de conhecimento, então logo é

capaz de ensinar algo para alguém. Então quando você traz a ideia de que a gente

vai mapear os saberes dos alunos mapear as praticas corporais de cada

comunidade, depois esse alunos, o skatista, vem e conta como é o skate, como faz,

como ele aprende como ele aprendeu, oque ele pensa, etc. isso ai esta baseado na

ideia de ciclo de cultura, a ideia de conscientização do Paulo Freire ela também

tem que ser repensada, o Paulo Freire partiu daquela ideia de um sujeito

essencialista que foi tomado pelos dominantes e teve a realidade alienada dele, e o

Paulo Freire vai fala isso ele da uma mudada nessa discussão mais marxista, ele

não é, ele trabalha em uma outra perspectiva, é aquela ideia da consciência

ingênua, você manja isso né? Tem a consciência ingênua a transitiva e a critica. O

65

que a gente pode pensar a partir disso é que as crianças fazem uma leitura da

realidade, mas não de forma ingênua, eles fazem leitura da realidade, o professor é

aquele que vai proporcionar pra eles uma ferramenta pra ele poder reler aquela

realidade de um outro jeito e ver existem muitas leituras, dai você vai dizer assim

que isso não tem nada a ver com a ideia de conscientização, não tem mais inspira

por que seria a ideia de você passar de um estado de que você conhece uma

realidade e agora você entende que aquela realidade não é dada aquela realidade é

construída etc. mas você pode dizer ai é a mesma coisa, não é a mesma coisa do

ponto de vista epistemológico mas ela se alinham, então é possível a gente beber

também dessa fonte né. Fundamental do Paulo Freire é a ideia do conhecimento

popular tão valido quanto o conhecimento acadêmico, que isso é uma coisa que,

por exemplo, outros autores Brasileiros críticos questionavam Paulo Freire, como

Saviani. Saviani era contra essa ideia do conhecimento popular por que é o que

você falou que os professores questionam né, então quando você estuda os pós-

estruturalistas, estuda discurso, Foucault, você vai perceber que todo o

conhecimento tido como superior, ele é superior coisa nenhuma, é apenas um

conhecimento que tornou-se superior por relações de poder, e que outros

conhecimentos tornaram-se descaracterizados, desconsiderados, então Paulo

Freire ele vai dar uma coisa interessante por que o sujeito vai se tornar sujeito a

partir do momento que ele se entender como um sujeito que participa da cultura,

que produz cultura, então isso é muito forte no currículo cultural essa coisa de o,

nós nos baseamos muito em Giroux e Giroux é um bebedor do Paulo Freire, então

essa ideia de dar voz, dar voz ao sujeito, mas não é dar voz no sentido de tá lá

dentro que o cara sabe tudo, é no sentido de falar mesmo, você se sentir

reconhecido, se sentir valorizado. Então é fundamental essa coisa, como é que a

gente vai buscar certos conhecimentos que nunca entraram na escola e agora esses

conhecimentos podem entrar, podem entrar por que qualquer conhecimento pode

entrar na escola, acho que são essas as, se eu pensar bem, que o Paulo Freire vai

falar em dialética e agente não vai falar, a ideia de cultura dele é outra, mas a

contribuição caminha por ai, a ideia, por exemplo, de você mapear, essa ideia de

você mapear parte de Paulo Freire, apesar de outros autores falarem isso de outro

jeito, então Foucault vai falar em fazer cartografias, em fazer esse desenho do

espaço e ver o que está acontecendo ali, isso é um casamento, essa ideia de trazer

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o conhecimento popular, de trazer o conhecimento dos alunos e ver outras coisas

junto com esse mapa.

Martinez Jr.: foram essas as perguntas professor, se quiser deixar uma ultima

palavra está aberto.

Nunes: Se você for fazer uma nota alguma coisa, eu acho que é fundamental pra

quem for ler seu trabalho é entender assim, que todo o conhecimento ele é uma

produção da própria cultura que a gente esta inserido, então quando a nossa

cultura não dialoga com aquilo que a gente conhece a gente nega isso dai, então

isso é fundamental a gente entender assim, que esse conhecimento que sustenta

esse currículo é o conhecimento para produzir outros conhecimentos, e é logico

que ele parte de alguma coisa, o que os autores fizeram ou todo mundo que faz

esta fazendo é uma costura, e é fundamental que a gente entenda de onde vêm

essas coisas pra não dizer que é tudo a mesma coisa, nesses tempos esquisitos que

a gente está vivendo de recrudescimento dos sistemas conservadores, com redes

sociais violentas todo mundo batendo em todo mundo, eu tenho usado uma

estratégia que eu acho bem engraçada as pessoas sabem o que eu penso, as

pessoas mais próximas né, ai começam, a por que o marxismo, a por que a

esquerda, ai eu entro no Facebook e falo assim, por favor me explique o que é o

marxismo? E ai oque é que você percebe?

Martinez Jr.: Ninguém conhece

Nunes: Ninguém conhece! Ninguém sabe, as pessoas falam né, então até o Paulo

Freire tem sido combatido nessas redes sociais como pensador marxista, gente,

Paulo Freire leu Habermas ele não um marxista, Habermas é uma versão mais

adiante do marxismo, na teoria critica do colégio de Frankfurt, então as pessoas

precisam, ao ler seu trabalho, e você também precisa tomar esse cuidado de

entender aonde as coisas vão, e você foi muito feliz quando disse que eu entendia

de um jeito, mas entendia de um jeito por que é o repertório que você tem,

iluminado pela psicologia, quer ver outra coisa, as pessoas confundem muito

mapeamento com diagnóstico, mapeamento é você construir um mapa,

diagnóstico é você ver qual é a doença do seu paciente, é um paciente sem

67

conhecimento e eu vou dar conhecimento pra ele, não é isso. A ideia é o que você

sabe, o que você contribui, como é que eu posso desconstruir aquilo que você sabe

e como é que você pode construir outra coisa, eu só posso fazer isso a partir de um

mapa e às vezes as pessoas pensam que mapeamento é a mesma coisa que

diagnóstico.

68

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando todo o caminho traçado até essas páginas finais, podemos

entender um pouco mais sobre a estrada que percorremos até chegar aqui e,

percebendo que nosso trabalho tomou rumos diferentes dos imaginados

inicialmente, gostaríamos aqui de ressaltar, não considerações finais de fato, pois

entendemos que o projeto e principalmente as histórias nele contidas não podem

ser encerrados, mas sim reinventados, desconstruídos e reconstruídos novamente.

Tentaremos aqui colocar alguns pontos importantes que entendemos ser

relevantes para que, ao termino da leitura deste, haja uma reflexão e

principalmente para que não se encerre nestas palavras um tema tão rico e de

singular importância não apenas para a Educação Física, mas para a área da

Educação em geral.

Estudar as contribuições dos pensamentos pedagógicos de Paulo Freire em

um currículo da Educação Física é um desafio por conta do pouco contato que

temos nos cursos de graduação, seja por falta de espaço na grade, ou mesmo por

desinteresse por meio dos estudantes.

Decidimos investigar o currículo cultural pós-critico pelo fato de dar

continuidade ao trabalho feito no curso de graduação que também apresentava o

currículo cultural pós-critico como uma das possibilidades de ensinar Educação

Física na escola.

Através da literatura revisada pudemos enxergar algumas contribuições,

ainda que de maneira tímida, nas questões de luta para que os alunos tenham voz,

saibam se colocar frente ao cenário politico como também valorizar a cultura do

aluno.

Porem, o trabalho, ao iniciarmos as entrevistas, tomou um rumo

inesperado e muito interessante pelo fato de podermos ouvir histórias de como era

o tratamento e modo com que Paulo Freire trabalhava com relação ao respeito ao

saberes dos alunos e valor que dava ao que o aluno sabia.

No currículo cultural pós-critico da Educação Física entendemos que o

trato para com o aluno é de grande respeito e de dar voz a minoria calada através

de gestualidades que vem sendo deixadas do lado de fora da escola justamente por

fazerem parte de um grupo minoritário.

69

Entretanto sabemos que a escola, nos dias de hoje, abriga uma diversidade

muito grande de pessoas de diversos grupos sociais, etnias, gêneros, religiões e

precisa estar atenta a estas questões para que não todos possam enxergar todos

como pessoas em uma sociedade que é formada pela diversidade.

Ao ouvir os relatos e realmente perguntar qual era a possível ligação de

Paulo Freire com esse currículo, o que encontramos foi que a pesquisa do meio

cultural do aluno, o “Mapeamento”, esse método de trabalho que visa conhecer a

cultura e o meio que o aluno está inserido para que dali possa emergir os temas a

serem trabalhos e os conteúdos que nele podemos abordar e problematizar, esse

ponto nos chamou atenção em relação ao método de trabalho.

Por fim, escutando os relatos gravados e as conversas que antecederam e

sucederam as entrevistas, nos fizeram ver o quão grande foi a experiências das

pessoas que conviveram e tiveram aula com Paulo Freire, não pelo fato de ensinar

a ler e escrever, mas por mostrar para o aluno que ele também sabia coisas, seu

legado foi construído por fazer a diferença na vida dessas e tantas outras pessoas,

assim podemos associar com o currículo cultural pós-critico da Educação Física,

pois quando trazemos manifestações da cultura corporal que nunca entraram na

escola, ou adentraram com um discurso branco, heterossexual, masculino,

estamos fazendo a diferença na vida dos alunos que talvez não tivessem a

oportunidade de acessar outros discursos se não esses. Ainda, ao ouvir muitos

relatos de aulas nessa perspectiva, posso ver essa semelhança, onde tais diferenças

ganham voz e os discursos são desconstruídos e reconstruídos, talvez outras

minorias, porém as intenções se esbarram.

Com isso esperamos ter deixados perguntas e questionamentos em aberto

para que os próximos trabalhos possam busca, não repostas, mas sim novos

caminhos que possam ser lidos de maneiras diferentes por pessoas diferentes,

sejamos, então, diferentes e façamos a diferença.

70

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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