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1 FACULDADE DE SÃO BENTO UNIDADE DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA NÍVEL MESTRADO Fabio Marques Ferreira Santos A CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA DO SER DISTANTE DE DEUS A PARTIR DO PONTO DE VISTA SARTREANO SÃO PAULO 2010

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FACULDADE DE SÃO BENTO UNIDADE DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA NÍVEL MESTRADO

Fabio Marques Ferreira Santos

A CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA DO SER DISTANTE DE DEUS A PARTIR DO PONTO DE VISTA SARTREANO

SÃO PAULO 2010

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Fabio Marques Ferreira Santos

A CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA DO SER DISTANTE DE DEUS A PARTIR DO PONTO DE VISTA SARTREANO

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção título de Mestre em Filosofia, pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de São Bento. Orientador: Dr. Franklin Leopoldo e Silva

SÃO PAULO 2010

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Fabio Marques Ferreira Santos

A CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA DO SER DISTANTE DE DEUS A PARTIR DO PONTO DE VISTA SARTREANO

Aprovado em (___) (___) (_______)

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Franklin Leopoldo e Silva – Universidade de São Paulo ___________________________________________________________________ José Carlos Bruni – Universidade de São Paulo ___________________________________________________________________ Daniel Pansarelli – Universidade Federal do ABC

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Dedico este trabalho a Minha amada mãe

pelo incansável apoio, mesmo nestes

instantes em que o tempo a fazem

pestanejar e as minhas filhas, meus grãos

de diamante, Brenda, Thabata e Hannah

Arendt, aos amigos do universo mágico

do Mosteiro e da Faculdade de Filosofia

de São Bento e a todos aqueles que de

alguma maneira contribuíram para o meu

crescimento intelectual.

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AGRADECIMENTOS

À Faculdade de Filosofia de São Bento

Ao Professor orientador

Mestre e Doutor Franklin Leopoldo e Silva

Aos demais integrantes da Banca Examinadora

Professores Doutores José Carlos Bruni e Daniel Pansarelli

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Condenado à liberdade, estou condenado ao valor, mas soberana e absolutamente livre aos meus valores, inclusive o de existir como homem no seio do mundo, e livre, por isso mesmo, em moldar o mundo segundo uma escolha que nada determina a tomar SARTRE, Jean Paul, (2007).

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RESUMO

SANTOS, Fabio Marques Ferreira Santos. Jean Paul Sa rtre: A Concepção

de Autonomia do Ser Distante de Deus a Partir do Po nto de Vista Sartreano.

São Paulo, 2010. Dissertação de Mestrado em Filosof ia Política do Curso de

Mestrado de Filosofia, da Faculdade de São Bento.

Jean Paul Sartre, representa um pensador singular dentro de sua concepção

existencialista do termo, funde seu pensamento sobre o jaez de um ateísmo

extremado, por este foco que a dissertação encontra seu verdadeiro referencial, o

qual dá sustentabilidade ao desenvolvimento da concepção da autonomia do ser

distante de Deus a partir do ponto de vista sartreano, onde o homem como epicentro

é senhor do seu destino detendo uma autonomia enquanto ação em decorrência de

seus atos, os quais se desenvolvem por intermédio de uma liberdade gratuita e

indeterminada.

Palavras Chave: Sartre; Concepção de Autonomia; Existencialismo; Ser;

Deus.

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Abstract

SANTOS, Fabio Marques Ferreira Santos. Jean Paul Sartre: The concept of

autonomy of Being Far from God, from the Sartrean view. São Paulo, 2010. Master

Thesis in Political Philosophy, of the Master of Philosophy Course, of the São Bento

College.

Jean Paul Sartre, represents a singular thinker within his existentialist

conception of the term, he merges his thinking about the kind of extreme atheism,

with this point, the dissertation finds its true referential, which gives sustainability

development of the concept of autonomy of the existence far from God, from the

Sartrean point of view, where the man, as epicenter, is the master of the destiny,

holding an autonomy, while the action is a result of the acts, which develops through

a free and unlimited freedom.

Keywords: Sartre; Concept of Autonomy; Existentialism; Existence; God.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10

2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM SARTRE I .................................................. 14

3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM SARTRE II ................................................. 31

4. A CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA DO SER DISTANTE DE DEUS A PARTIR DO

PONTO DE VISTA SARTREANO ........................................................................... 62

5. CONCLUSÃO .....................................................................................................100

6. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 107

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1. INTRODUÇÃO

A introdução de todo trabalho representa o caminho que conduzirá a obra que

se propõe a escrever. Nesse caminho o compromisso do autor é colossal, tendo em

vista que o seu compromisso é proporcionar ao leitor, senão um contato com o todo

da obra, ao menos colocá-lo em contato com as grandes questões filosóficas e

estimulá-lo e situá-lo dentro dos desafios que é este da filosofia.

Nesse sentido, é salutar esclarecer inicialmente que o presente trabalho está

desmembrado em seu núcleo institucional em três grandes capítulos, digamos assim

de “centrais”, os quais são representados pelos Conceitos Fundamentais em Sartre

Parte I e II e a Concepção de Autonomia do Ser Distante de Deus a Partir do Ponto

de Vista Sartreano, os capítulos dos Conceitos Fundamentais buscam dar

sustentabilidade ao iniciante em Sartre às bases de seu pensamento, facilitando

assim a compreensão e o seu entendimento, mais que isso, facilitando o acesso às

particularidades de seu existencialismo, quanto aos experientes pesquisadores

desse pensador a oportunidade de retomar os conceitos sempre realizando uma

nova releitura o que se revela essencial do ponto de vista pedagógico.

Quanto ao terceiro capítulo, este representa o grande crepúsculo do trabalho,

alude inevitavelmente o cerne da tese a qual pretende vencer os obstáculos

terminológicos e galgar sentido a elucidar o tema proposto com vigorosa coerência,

principalmente porque Sartre dialoga acirradamente com a problemática de fundo

em busca de melhor elucidá-la.

Outrossim, Sartre tem como ponto nevrálgico o homem, referencial que será

mantido na presente tese, no entanto, na presente pesquisa diante de sua dimensão

intercontinental os conceitos ser, eu e homem deverão ser interpretados como

sinônimos, evitando assim, qualquer divergência hermenêutica, neste sentido,

comporta ainda alguns apontamentos em busca de garantir a autenticidade do

pensamento de Sartre.

Nessa esteira, a concepção de autonomia deve ser compreendida dentro dos

contornos do pensamento sartreano, ou melhor, equivalendo ao exercício concreto

social do homem oriundo da liberdade enquanto indeterminação, outrossim, quanto

a palavra doutrina esta corresponde a demonstração de que diante da

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expressividade da corrente existencialista esta desde seu surgimento vem

albergando seguidores e defensores.

Em Sartre encontramos este despertar. Embora tenha registrado o apogeu de

sua filosofia no século XX, ainda em nossos dias podemos encontrar em sua obra

pontos que nos instigam a pesquisar e debater suas ideias, através das suas obras.

Nesse período que compreende o interstício secular de suas obras, notamos

que seu pensamento trouxe incômodos para a igreja e para todas as gerações que

sucederam sua filosofia, caracterizada de existencialista. Sartre nos chama a

atenção para a existência de uma verdade que durante muito tempo foi calada ou ao

menos o despertar pelo interesse de adentrar neste complexo e denso pensamento.

A corrente existencialista em Sartre é impar diante de sua distinção, frente a

outras correntes representadas por outros grandes pensadores, tais como:

Kierkegaard, Heidegger, Jaspers e Gabriel Marcel os quais não serão investigados

na presente pesquisa, Sartre, fresa sua singularidade ao romper com fé cristã, ao se

declarar ateu.

Na existência nos deparamos com o problema clássico da essência para a

compreensão efetivas das coisas sensíveis, neste ponto há uma fratura para que se

estabeleça uma nova concepção de compreensão da existência, onde “a existência

precede a essência”. Para esta corrente o sujeito se perfaz ao se relacionar com o

mundo externo em um processo de dialeticidade onde não existe um fim, isto em

decorrência dos efeitos da temporalidade, essa questão é essencial para o

entendimento do existencialismo.

Percebemos então que os conceitos que cristalizam esta corrente são

peculiares e sua investigação minuciosa sustentará a tese a ser defendida. O

homem nesse processo é admitido como um ser existencial, ele possui sua própria

existência em um procedimento de transitividade, onde alheio a ele nada existe, às

demais coisas, se existem, existem porque o homem existe, caso contrário não teria

significado, pois o homem existe e fornece significado às coisas e a si mesmo.

Nesse projeto existencial, o homem é caracterizado por uma condição

essencialmente humana, ou seja, inacabada e projetada para vida no mundo com os

demais homens. Essa condição, esse modo de ser no mundo, gera uma limitação

interior e exterior, onde podemos constatar a presença de limitações evitáveis e

inevitáveis. Essa situação do homem faz que o existencialismo tematize questões

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que colocam o homem no centro, tais como, o temor, a angustia, o tédio, a

melancolia e desespero, temas umbilicalmente ligados ao homem, enquanto ser

existente no mundo.

Vemos que dessa autonomia existencial surge uma concepção de

esvaziamento ou atrofiamento da moral que contrasta com a objetividade moral

estabelecida de um ponto de vista universal no mundo. A liberdade humana, tema

ícone do existencialismo, justifica esta ruptura ante qualquer ordem universal a qual

se existir chocaria com a unidade do ser.

Dessa forma, podemos inferir que este ser determina sua moral no seu

processo de singularização, no processo de hominização. Nesse processo, a ideia

diretriz passa pela construção da interioridade desse ser que o homem é e tem que

ser propriamente. Numa perspectiva existencial, Deus não tem interferência neste

processo de tornar-se homem livre e existencialmente dotado de autonomia, capaz

de entender, assumir e construir o seu destino.

Deus, nesse sentido, é um problema para o existencialismo, a medida que

Deus torna-se um obstáculo a ser superado, em prol do estabelecimento do homem

plenamente livre, livre até das amarras de um ser transcendente. Esta é uma

questão intrigante e através dela podemos pensar na possibilidade de que para

Sartre é assim que Deus aparece como um problema que deve ser enfrentado

filosoficamente, na busca de responder a várias questões conceituais que dizem

respeito à existência do homem.

Neste contexto, sabemos que a linguagem altera a realidade das coisas, nos

seduz, nos exalta e pode nos conduzir a um abismo sem volta, porém fica colocado

o problema: pensar ou morrer? Para Sartre a morte vem de fora e o pensar está no

ser para si em uma relação com o mundo. Temos ainda o problema de uma

linguagem difusa que foge da linguagem do momento histórico em que esta corrente

foi forjada, o que nos exige um constante esforço para reproduzir o pensamento

sartreano sendo fiel as intenções e objetivos dos seus conceitos, considerando o

contexto sócio-histórico do próprio pensador francês: sua origem, a disciplina e a

educação lhe foi imposta no período de sua formação, bem como a realidade

histórica em que viveu.

Isso será concretizado pela superação de uma condição natural de nós

humanos, outrossim, sabemos ou ao menos imaginamos que terá algo que a

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linguagem não tocará, porque exigirá um maior esforço do pensar. Nesse sentido, a

linguagem é ponto nodal, pois durante todo o processo histórico-concreto

encontramo-nos ante ao seccionamento das realidades, das verdades criadas pela

ilusão verbalizada da linguagem. Esse caráter seccionador e definidor de verdade

que a linguagem possui – a noção de Deus, por exemplo – constitui um desafio

perpétuo para os grandes pensadores que recuaram diante da incompreensibilidade

de tocar o que se buscava compreender, curvando-se a uma simples palavra

chamada Deus, tendo assim, suas teses solapadas pelo esvaziamento de seu

intelecto.

Na dimensão da existência, existe algo de misterioso que convida ao

interesse, não um simples interesse, mas aquele interesse que nasce pela

dificuldade de se chegar onde se pretende. Em Sartre, talvez o fator histórico-social,

sobretudo do período entre - guerras, tenha filosoficamente inibido-o. No entanto,

através dos seus escritos literários é notória a presença de uma voz que ecoa e,

repetidamente, afirma que Deus não interfere na existência do homem. O homem

existe. Por uma via estreita, uma passagem arriscada, através de sua obra-prima O

Ser e o Nada, podemos constatar esta assertiva.

Será um desafio, pois os mais prodigiosos pensadores e sábios de seu

tempo, tentaram perscrutar esta seara, mas não lograram êxito, deixando para as

próximas gerações ao menos uma chance pela tentativa, uma incógnita que com

humildade iremos navegar, buscando uma resposta clara e objetiva para refletir e

esclarecer a concepção de autonomia do ser distante de Deus, a partir do ponto de

vista Sartreano.

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2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM SARTRE I

Sartre é o representante do existencialismo ateu, dentro da corrente filosófica

conhecida, genericamente, como existencialismo. A posição sartreana é marcada

pelo ateísmo e, por isso, diverge na forma e nas questões abordadas pelo

existencialismo como um todo. Essa diferença fica mais clara quando confrontamos

a obra – a temática – de Sartre em relação a seus predecessores, tais como

Kierkegaard, Jasper, Heidegger, Marcel. Embora, não seja o cerne a ser discutido na

presente investigação, visando previamente evitar qualquer confusão, além de

recortar a temática que aqui queremos examinar.

Por esta razão uma das questões importantes é compreendermos que o

existencialismo sartreano goza, primordialmente, de uma autonomia em sua

linguagem. Estabelecer as regras conceituais, no que concerne a especificidade de

sua linguagem e de sua temática, é aumentar a chance de compreensão do seu

legado filosófico-literário. Por vezes, em se tratando de Sartre, é visível que o seu

processo de elaboração e amadurecimento intelectual sofreu inúmeras mudanças de

perspectivas e enfoques. De certa feita, podemos reconhecer que isso é um direito

que lhe assiste, dado o próprio período histórico em que viveu. Apesar disso, essas

mudanças e a nuance multifacetada de sua obra é questionada por seus críticos. A

este respeito, à guisa de ilustração, trazemos à baila o comentário de Mário Giordani

(1976, p. 18):

Helmuth Kuhn, em seu livro Encounter with nothingness observa que os filósofos da Existência não se atêm à Filosofia da Existência. Essas Filosofias da Existência tendem a terminar em qualquer coisa de diferente delas mesmas, quer seja a Ontologia de Heidegger, o Humanismo de Sartre, a Teoria da Transcendência de Jaspers. Cada um deles, nos diz Kuhn, sai, de um modo ou de outro, da Filosofia da Existência propriamente dita.

Isto pode conduzir o leitor despercebido a uma visão relativista do

pensamento existencialista, até mesmo podendo levá-lo a imaginar que ela não seja

uma corrente filosófica propriamente dita, mas, como veremos, ela se assenta no

desenrolar do século XX e efetivamente nele se consagra.

Compreender a linguagem de Sartre, como já enfatizado, significa

compreender seu pensamento em toda sua dimensão. Por esta razão que sua

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menção a partir da linguagem sobre o Existencialismo se faz relevante,

principalmente porque até mesmo os mais inveterados pesquisadores do

pensamento sartreano ainda claudicam frente à sua obra clássica o Ser e o Nada,

por ser esta obra demasiadamente técnica do ponto de vista de sua linguagem.

Ademais, em Sartre a linguagem além lhe ser própria a qual tem como

objetivo salvar seu pensamento em toda sua extensão, trata de seus conceitos com

rigor, por isso, apresentamos a partir do próximo parágrafo o ser em si como um

dentre outros conceitos fundamentais do existencialismo sartreano responsável por

descortinar a linguagem em Sartre.

O ser em si, em síntese, representa o ser que ele é. Portanto, o ser é uma

espécie de pleonasmo, algo redundante que singelamente visa transmitir uma ideia

esférica de perfeição. Para Sartre o em si é absoluto, perfeito, idêntico a si mesmo e

essa é sua identidade que o distingue de qualquer outra coisa. O em si é totalmente

oposto do ser para si, conforme a definição fornecida por Bornheim (2005, p. 34).

A identidade do em-si indica antes de tudo sua opacidade “o ser-em-si não tem um interior que se oporia a um exterior” (EN, p. 33). O ser não tem segredo, apresenta-se como realidade maciça, e nesse sentido constitui uma síntese absoluta que se possa imaginar. Permanece totalmente isolado em seu ser e não tem possibilidade de manter qualquer relação com o que não seja ele mesmo. “As passagens, o devenir, tudo o que permite dizer que o ser ainda não é o que será e que já é o que não é, tudo isso lhe é recusado por princípio.” Sendo “plena positividade” ignora necessariamente a alteridade. O em-si se esgota em ser o que ele é, e isso de um modo tão radical que consegue escapara a própria temporalidade.

O ser em si também se destaca por estar divorciado da concepção do

possível e do necessário, atributos de origem existencial. Outrossim, sua identidade

perfeita faz com que, em sua definição, possamos traçar um recorte, uma espécie de

divisor de águas sustentado sobre a égide do princípio da não-contradição, ao

considerarmos que o ser em si é o que ele é, em relação a si mesmo.

Dessa forma, podemos observar que Sartre ao definir o ser em si deu a este

um conceito de plenitude, totalmente preenchido, sem que houvesse qualquer

brecha em seu ser, defeso do nada. Por outro lado, oposto e autônomo ao ser em si

Sartre tem como existencial o ser para si que será apresentado em suas

particularidades em breve.

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De an passan, os conceitos em Sartre não são fáceis de compreensão e

visualização, isto não nos dá o direito de tê-lo como um pensador inacabado, ou

seja, em Sartre não existe uma ideia, uma categoria pronta e acabada e isso se

aplica a toda a sua filosofia.

Essa peculiaridade é expressa nos temas por ele abordados e, sobretudo, na

forma como esses temas são tratados, distinguindo-o pelo tema e pelo estilo - dos

demais pensadores. A relação entre o ser e o não ser, denominado “o nada”

demonstra que este seja o ponto fulcral que perpassa toda a filosofia de Sartre.

Por isso, que o contato com a obra clássica O ser e o nada: ensaio de

ontologia fenomenológica nos convida a realizar um exame arquivista de seus

capítulos municiado com um rigoroso espírito de pesquisa e o apetite de um

verdadeiro arqueólogo. Seu pensamento, compreendido a partir desta obra, exige

mais que uma leitura, exige uma verdadeira escavação em busca de seu

pensamento.

A relação do ser e não ser nos concebe o legado de que a negação em Sartre

funde a concepção de consciência, esta consciência é um não ser, um nada. Onde o

ser se dá por uma negação, ou seja, o ser é e o não ser não é. Segundo Gary Cox

(2007, p. 20):

Para Sartre, o não ser simplesmente revela o ser e não é necessário ao ser do ser: “precisamos entender, não somente, que o ser tem uma precedência lógica sobre o nada, mas também que é do ser que o nada obtém concretamente sua eficácia. Isso é o que queremos dizer quando dizemos que o nada persegue o ser. Isso significa que o ser não tem necessidade do nada para existir.

Dessa forma, podemos ser levados a pensar que através da negação

amparamos o surgimento do ser, pois o ser não depende do não ser para existir, por

uma questão de logicidade. Em outras palavras, do ponto de vista lógico é

inconcebível o não ser constituir o ser, o que seria o mesmo que o ser advir do não

ser. Por isso, o ser possui em si mesmo o seu próprio fundamento. Para Sartre o ser

é ser em si mesmo.

Este ser em si mesmo, parafraseando Gary Cox, representa uma positividade

total, tem sua própria identidade, nunca se posiciona e não se deriva do possível.

Esse caráter de em si mesmo do ser é necessário, é o fundamento, e a consciência

absoluta do ser. Dessa forma, o para si é a negação do ser, é o ser que

primeiramente se apresenta, para em seguida, ser negado.

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Devemos considerar que não diz respeito ao não-ser do ser em si e não está

vincado ao não ser do ser. Não é o ser do não ser do ser em si, o para si tem que,

continuamente, lutar para ser o que o não-ser do ser em si, sem nunca ser capaz de

tornar-se o não ser em si. Esse processo foi caracterizado por Sartre de para si em

si, ou seja, o para si em si é o estágio idealizado pelo ser, porém irrealizável, onde

somente Deus poderia existir.

O para si é uma contradição, pois o para si não possui uma identidade como

o em si. Caso fosse assim o para si seria um ser. Ao contrário, ele representa uma

proposta da negação do ser, negação de si e um deixar de ser um si para se

preservar. Dessa forma, o para si possui ambiguidade e uma indeterminação e

esses atributos só conseguimos visualizar melhor dentro do desenvolvimento

dialético constituído a partir dá, e pela temporalidade.

Complementando este entendimento que trazemos breve trecho de Cox

(2007, 26):

Ficou claro que Sartre rejeita a hipótese de que o ser, de alguma forma, ocupou-se de salientar o para-si para que o mesmo (ser) fosse conhecido. A objeção de Sartre a esta hipótese se dá pelo fato de ele atribuir ao ser a capacidade de possuir projetos que somente um para si pode possuir. Sartre mantém que somente um ser que é aquilo que não é pode ter projetos, pois somente um ser que é aquilo que não é pode almejar ser outra coisa além daquilo que é.

Sendo assim, é a partir da relação entre o ser em si que extraímos a

concepção do ser para si. Nele encontramos a base para sustentação ontológica da

consciência, considerando a supremacia do para si. Segundo Bornheim, (2005, p.

38):

[...] Sartre a designa com a expressão “para-si”; a consciência é para-si por isso que aparece a si mesma. “A consciência nada tem de substancial, é uma pura aparência, no sentido de que só existe na medida em que se aparece (EM, p. 23). Nessa perspectiva, pode-se dizer que a consciência permanece presa a si, sem conseguir abandonar-se. Por outro lado, contudo, o ser mesmo da consciência é intencionalidade. Vale dizer que, se ela se experimenta como relação a si própria, concomitantemente se relaciona ao em-si; e essa duplicidade de ser explicitada em sua unidade profunda. Se a consciência é para-si, opõe-se ao outro que não ela, opõe-se ao em-si.

Neste contexto, podemos inferir que as razões do para si são diversas do em

si. O para si não está na base do em si, ele só pode residir pela via da exclusão,

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apenas no nada, do ponto de vista ontológico e, sob esse ponto de vista, deve

justificar sua manifestação fenomênica.

Sartre, ao estabelecer seus conceitos, formula-os ligados não somente a sua

maneira de pensar, como também buscando desarticular os pensamentos que

poderiam conspirar contra seu entendimento. Considerando que o para si se

estabelece dentro de uma negatividade, este pensador atribuir a este ser um não

ser, diferentemente de Hegel, em Sartre não se trata de uma simples concepção

nominalista vazia, como bem esclarece Bornheim (2005, p. 40):

É impossível tentar “resolver”, na acepção hegeliana da palavra, essas atitudes, a não ser pelo abandono da própria condição humana. E o encontro com o negativo ainda se faz através de outras “realidades”: a ausência, a alteração, a alteridade, a repulsão, a destruição, a distância (EN, p.57). Nessas experiências todas, a “nadificação é dada à minha intuição” (EN. p. 45).

Isto ocorre frente a dialeticidade e rompe com a concepção de que em Sartre

as palavras não possuem uma carga de materialidade que surge do seu exercício

ativo no plano do sensível, conforme demonstramos em texto recente, Santos (2010,

p.101), senão vejamos:

A obra o Ser o Nada merece destaque no “para-si” de Sartre,o qual representa um vai e vem do “Ser” em busca do que inexiste dentro do fora de si. A ação deste se lançar para fora revela a reflexão do que desejamos ser e que ainda não somos. Metaforicamente falando, somos como construção em que, de tijolo em tijolo, a casa começa a surgir, com nítida diferença de que nunca chegamos ao fim, pois essa plenitude de essência na estrutura existencialista não é reconhecida, talvez por colocar em risco a própria teoria.

Nesse ponto, ou melhor, colocando em foco o ser para si, embora não

possamos apontar para este ser misterioso ele constitui o motivo fundamental da

filosofia existencialista, Franklin Leopoldo e Silva (2004, p. 19-20), destaca esse

comprometimento da consciência no momento em que aborda as questões

existenciais.

O romancista deve, portanto, resistir a tentação de Sirius, deve compartilhar com a sua personagem a opacidade que, em cada situação, se interpõe entre a consciência e a realidade, entre a consciência subjetiva e o outro, entre o sujeito e si-mesmo. Também nesse ponto reencontramos o motivo fundamental da filosofia existencialista, já referido: o homem é o ser para o qual o seu próprio ser está permanentemente em questão. Uma literatura

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que trabalha, por via das diversas situações que configuram a existência, as questões que continuamente se apresentam para uma consciência comprometida é uma literatura que renuncia à simples descrição de estados da consciência, quaisquer que sejam, mas procura examinar o problema que cada momento se põe para a consciência nas suas relações com as coisas, consigo mesma e com as outras consciências.

O para si está no mundo dentro de uma temporalidade, uma consciência do

nada, não é absoluto em si, a consciência é vazia e, por esta razão, o tempo

representa um divisor de águas do ser existencial. A, respeito desta questão e com a

propriedade que se faz necessário neste início destacarmos alguns trechos da obra

Existência & Liberdade de Paulo Perdigão (1995, p. 70).

O Para-Si atende a essas propriedades e ao dualismo permanência-mudança. Presente, passado e futuro (que Heidegger denomina “os três êxtases da temporalidade”) só podem ser entendidos enquanto modos de existir do Para-Sim, porquanto devem possuir o duplo caráter de permanência-mudança de ser e não-ser, que o Em-Si desconhece-se não vejamos: Por um lado, sendo uma, facticidade,com o Em-Si originário em seu miolo, o Para-Si manifesta-se como “aquele que permanece”, Ou seja: nele, cada instante temporal conserva-se isolado e distinto, permanecendo sempre o que é. Para dar sinais de sua existência e não sucumbir no completo nada, os instantes passado e futuro precisam ser no presente. Isso implica uma permanência: para que passado e futuro possam anunciar aquilo que passou e aquilo que virá, é necessário que sejam sustentados por um tipo de Ser (O Para-Si) capaz de existir no presente contendo em seu bojo esse passado e esse futuro, sem, no entanto, suprimir-lhes o caráter de “algo que não é mais” e “algo que ainda é”.

Continua o comentador:

Já se vê que o tempo é a própria maneira de ser do Para-Si, pelo fato mesmo de o Para-Si nadificar-se, constituir-se em permanente arrancamento de si e perpétuo inacabamento (ou totalização-em-curso). Ao contrário do pressuposto vulgar, a consciência não existe no tempo: o tempo é que existe na consciência. A definição que Sartre dá ao Para-Si (O Ser que não é o que é e é o que não é”) exprime mesmo o composto de três êxtases (passado, presente, futuro) que estruturam sua temporalidade.

O passado representa uma realidade absoluta, um em si, com pura

positividade, com sustância, ou melhor, uma essência do para si. Embora seja uma

realidade, o para si não habita o passado, não vive, não realiza mais seu exercício

dialético, em decorrência do seu poder nadificante.

Por outro lado, o para si sempre se destaca por sua perene autenticidade no

tempo presente, distinto do em si que está presente constantemente por ser

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absoluto em si o para si é um nada, mas que se faz presente ao ser fazer para si, no

tempo, enquanto instaurador do presente, conforme destaca Bornheim (2005, p. 68).

Diz Sartre que o “para-si” é originariamente presença ao ser”. Acontece que esse ser presente a... vem acompanhado de distância ou de separação: “a presença ao ser do para-si implica que o para-si é testemunho de si em presença do ser como não sendo ser” (EM, p. 167). Nesse sentido, o presente não é, e deve-se falar em um não-ser do para-si e do presente. Por um lado, o presente é presença ao ser, e por outro lado, constitui-se como fuga perpétua em face do ser. Portanto, o presente não pode ser entendido de um modo objetivo, como momento entre o passado e o futuro; muito pelo contrário, o para-si se faz enquanto instaurador de presente.

Quanto ao futuro, ainda não vivenciado, privado está o para si, pois,

condenado a liberdade de um futuro que ainda não vivenciou o justificando que o ser

para si é pura liberdade dentro dos contornos desta. Todavia, o que se questiona

qual seria após o exame da relação entre passado, presente e futuro o contexto do

para si, o para si é temporal, se perfaz no tempo. Sendo assim, o para si tem sua

origem no tempo diferente do em si e, por isso, não existe argumento para não

considerar não somente a distinção como a peculiaridade estrutural do para si no

tempo, não se subsumindo ao aspecto atemporal, ainda mais por ser, como prova

irrefutável, a consciência um estatuto exclusivo do para si. Nesse contexto de

distinção, ou melhor de contradição que a subjetividade do para si se constrói

diretamente no mundo.

A subjetividade e a objetividade em Sartre devem ser observadas a partir da

relação entre a consciência do ser para si e o mundo. Não de maneira imediata, mas

sem o peso da tradição idealista. Essa caracterização e diferenciação foi elaborada

de forma precisa e objetiva por Paulo Perdigão (1995, p. 62).

O mundo, do mesmo modo, também não se esgota em sua aparição a nós, como pensam os idealistas. Existe independentemente do conhecimento que dele temos. No máximo podemos dizer que o mundo apresenta-se como objetivo e subjetivo: objetivo porque nos aparece como já existindo antes que nossa consciência o revele; subjetivo porque, ao torna-se conhecido, é traspassado por nossa subjetividade. Mas a consciência nada cria no mundo; este já nos surge plenamente constituído. Nada que percebemos vem de nós, a consciência nada acrescenta à realidade concreta do mundo.

Como podemos observar o grande problema em questão diz respeito ao

critério dualista entre o ser e a realidade, questão essa que se arrasta há séculos por

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razões e fundamentações próprias, busca a todo pulso resolver a questão. Do ponto

de vista sartreano, a celeuma pode ser superada a partir do fenômeno da

transfenomenalidade como boa parte dos seus comentadores de sua obra vem

sustentando.

Consciência e mundo não podem ser apenas partes isoladas onde uma das

partes busca conhecer e a outra parte aguarda ser conhecida. Ao contrário, é

suscetível que tanto para consciência como para o mundo exista um ser que

possibilite ambas as manifestações, cuja autonomia e relação se concretiza de

maneira independente.

Embora seja complexa a questão, é interessante compreendermos o pari-

passo, para se chegar a esta conclusão. Nesse sentido, segundo Gary Cox (2007, p.

30).

Para Sartre, a tranfenomenalidade, é a marca do real. Em sua visão, a transfenomenalidade, a série infinita de possíveis aparências, precisa substituir o velho dualismo da aparência e da realidade que enganou os filósofos durante muitos séculos: “o dualismo do ser e da aparência não tem mais direito a qualquer status legal na filosofia. A aparência se refere à série total de aparências e não a uma realidade oculta que poderia sucumbir em si mesma todo o ser do existente.” (BN XXI). Não existe, na opinião de Sartre, nada além da aparência, na forma de um ser absoluto que demanda total positividade enquanto reduz, ao mesmo tempo, a aparência a uma mera sombra. Se não houver nada além da aparência, então a total positividade é restaurada a aparência, a essência da qual “é uma ‘aparição’ que não é mais oposto ao ser, pelo contrário, é a medida dele” (BN XXII).

Esta forma com que Sartre aborda a questão entre aparência e realidade gera

em seu pensamento existencialista uma indeterminação, pois, seria ele um pensador

realista ou idealista? Podemos considerar Sartre um pensador realista, na medida

em que ele considera a aparência como pura realidade. Por outro lado, observamos

que a aparência precisa do para si, o que conduz a reflexão sobre a aparência em

linha de continuidade do ser para si que, por sua vez conduziria o pensamento

sartreano ao idealismo.

No entanto, é possível caracterizar o pensamento de Sartre de híbrido, ou

seja, tanto realista quanto idealista, a este respeito Cox, apud Gregory McCulloch

(2007, p. 31), senão vejamos:

O realismo de Sartre. Em seu livro, Using Sartre (“Usando Sartre”), ainda não traduzido no Brasil), Gregry McCulloch desenvolve um relato sobre o

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direto realismo sartreano, contrastando-o com o realismo indireto cartesiano e o idealismo berkeliano ou fenomenalismo. Os realistas indiretos cartesianos sustentam que a mente e o mundo material, apesar de interagirem, de alguma forma, são essencialmente independentes entre si. McCulloch observa (McCULLOCH, 1994:84): “De acordo com os realistas cartesianos, as duas afirmações são verdadeiras: 1 - O mundo poderia existir sem qualquer mente nele. 2 - As mentes poderiam existir sem nenhum mundo material adjacente ou meio ambiente algum”.

Por esta perspectiva podemos sustentar, seguindo o pensamento cartesiano, que

o mundo e a mente estão respectivamente separados pela res extensa e res

cogitans, embora para esta corrente de pensamento o mundo seja algo factível, seja

possível pensar no mundo, obter ideias, etc, ao mesmo tempo, os realistas indiretos

da corrente cartesiana não podem provar a existência desse e ficam condenados,

dessa forma, ao solipsismo à medida que não conseguem justificar o mundo em sua

realidade material.

Em outro sentido, Berkeley como protagonista do idealismo, se abomina do

mundo material. Segundo este pensador a mente não está ciente da realidade do

mundo e, por isso, a mente não poderia reconhecer a materialidade do mundo.

Sendo assim, a ideia das coisas está na mente e não fora dela, em um mundo

intangível. Diante da impossibilidade da mente conhecer o mundo, por ser ele uma

realidade/materialidade desconhecida, o ser é ser percebido.

Significa dizer que as coisas deixam de existir quando não percebidas, pois,

perceber significa ser percebido pela mente, em decorrências das ideais que temos

de alguma coisa. Porém, quando não percebidas, ainda assim existem, porque Deus

vigilante diuturno percebe todas as coisas. Importa destacar que ambos os

pensadores comungam de um ponto em comum, ponto este que pode ser

denominado de zona de interseção entre esses dois pensadores.

Para eles a mente porta ideais sobre as coisas como se fosse uma espécie

de filmes fotográficos. Esta imagem alegórica serve e pode ajudar nossa

compreensão, do subjetivismo e objetivismo sartreano que passamos a explorar.

Segundo Sartre, pelo viés do seu realismo direto, considera que as ideias,

percepções e representações do mundo não estão na mente em uma “galeria de

fotos”, mas ao contrário nas coisas em si, fora da realidade das coisas nada existe.

A consciência intencional, consciência de alguma coisa decapta a concepção

de Descartes e Berkeley pela raiz, pois, rompem com estas duas correntes.

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Estribando-nos em Sartre somos conduzidos a um garantismo e evitamos, assim,

que realidade atingida não seja, outra coisa, senão a realidade efetiva.

O para si, lançando-se fora para de si, constrói a consciência a partir de um

mundo que aí está. É este o fenômeno do para si o qual, dentro de sua

singularidade, torna-se aquilo que quer ser, bem como e o seu próprio ser. Isto,

caracteriza a subjetividade do ser em relação a objetividade do mundo, conforme

bem menciona Paulo Perdigão (1995, p. 52).

O fenômeno do conhecimento também se deve ao vazio interior, a falta de Ser do Para-Si. Sendo “todo negação”, a consciência pode ser “negação do todo”: o mundo é tudo aquilo que eu não sou. Mas esse “todo de mundo” aparece apenas enquanto fundo comum a qualquer conhecimento. Estamos presentes à totalidade do mundo e, no entanto, jamais podemos captá-lo como um todo, e sim somente através da apreensão deste ou daquele objeto determinado. Ou seja, só podemos conhecer o mundo parcialmente, por meio desta ou daquela forma particular, enquanto o mundo, como totalidade, se conserva como fundo comum e, no entanto, temos consciência de que há um “todo” por detrás de cada “isto” ou “aquilo” observados.

Vale dizer então que o para si irradia seu subjetivismo e concomitantemente,

sua existência onde também inicia o processo de conhecimento. Em verdade, o para

si não alberga experiência anterior ao seu surgimento, em decorrência de uma

impossibilidade lógica imanente a estrutura do existencialismo em Sartre, no

entanto, o para si somente se constitui no mundo, ou melhor, em um mundo onde

também se relaciona com um outro para si.

O homem existe no mundo, sua singularidade, individualidade, é marcada

pela interação que ele mantém com outros homens. O fato da interação entre

singularidades é a realidade que nos permite falar da existência como caráter

inalienável do homem. É importante afirmar que esta característica do homem não

surge no em si, mas no próprio para si em sua essência nadificante, pois, o nada

além de contribuir para este fenômeno opera como um hiato no sentido de revelar a

autonomia do para si. Confirma esta posição o comentário de Bornheim, (2005, p.

102).

Sendo negação interna, o para-si faz-se habitar por uma fome de ser, de afirmação de si no ser – mas de um ser no qual jamais consegue incidir. Ele é relação ao em-si, e apenas relação; o para-si confunde-se com seu próprio nada, e permanece separado do em-si por nada. “O para-si é

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fundamento de toda negatividade e de toda relação, ele é a relação” (EN, p. 429).

A consciência do outro é uma sensação natural da consciência do ser para si,

algo que compõe sua estrutura. Neste sentido, é clarificante o magistério de Paulo

Perdigão, (1995, p. 137).

[...] reconheço o Outro como consciência, como sujeito, como Para-Si igual a mim, portador do mesmo poder de nadificação e da mesma intencionalidade, a agrupar as coisas a sua volta e, através do “circuito de ipseidade”, a fazer do mundo o lugar dos seus projetos. Capto no Outro um sistema de experiências, sentimentos, vontades e ideias que não é o meu, um projeto e uma organização do mundo que não são os meus.

Constatamos assim da possibilidade de objetar o outro, porém impossível ser

o outro enquanto consciência do outro. Caso fosse possível objetar

automaticamente, o eu para si seria consciência do outro que também existe

enquanto para si. Se isso fosse possível, a relação de subjetividade,

intersubjetividade e alteridade deixariam de existir, e como consequência, a

autonomia do para si que por este aspecto não gozaria de sua liberdade teria sua

consciência cooptada.

Diante dessa impossibilidade o outro torna-se, para o eu para si, é um objeto,

uma petrificação realizada por intermédio da janela da alma, os olhos, ou melhor,

pelo olhar. O olhar é o responsável por transformar o outro em algo que “é”, a partir

de um ponto de vista cognoscitivo e capaz de ser inferido pelo ser que conhece. O

Outro está na consciência desde os primórdios, como ensina Paulo Perdigão (1995,

p. 138).

É, então na consciência que devemos buscar a existência do Outro, e não fora dela. “No cogito descobrimos não só a nós, mas aos outros”. Sendo o Outro um fato que me alcança no meu âmago, isso significa que a consciência, além de Para-si, deve ser também, desde a origem, Para-Outro. “O homem é um Ser que implica o Ser do Outro em seu Ser” A realidade humana é sempre Para-Si-Para-Outro.

Dessa forma, o que eu sou é o resultado do olhar do outro sobre mim, sou

porque o outro me faz ser o que eu sou. Sou, definido pelo outro ou simplesmente

no outro, um ser inoculado pelo outro. Isto nos leva a pensar que sem o outro nada

somos. Esta necessidade do outro, do diferente do eu para dar identidade dentro da

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contradição do para si faz com que o outro seja a razão existencial do eu. Essa

também é a posição de Paulo Perdigão (1995, p. 142).

Com efeito, para obter qualquer verdade objetiva a meu respeito, dependo do Outro, Ele é indispensável ao conhecimento que tenho de “mim mesmo” como um Ser que existe objetivamente no mundo real. O Outro é a condição necessária para que eu possa me conhecer de uma maneira que, sem o olhar dele, eu sequer seria capaz de imaginar que fosse possível. Se o Outro não existisse, eu não poderia saber-me visto objetivamente, porque eu mesmo, sozinho, não teria como fazer essa representação de mim, ainda que imaginando a existência de um Outro irreal.

Isso conduz a uma ideia de que o para si seja aquilo que o outro para si faz

dele. O olhar fotográfico capta o outro no mundo fazendo deste instante um retrato.

Diante do congelamento realizado entre o conhecedor e o conhecido, não há nada

que o outro capturado possa fazer, o para si capturado se revela um em si diante da

plenitude do ato.

É interessante porque no ato em que o para si se revela ao outro, para que

outro veja “olhe”, sua subjetividade é mitigada pelo olhar do outro, pela ideia que o

outro faz do para si. Uma concepção plena, acabada, embora as possibilidades para

o para si objetado não deixe de existir. Nem mesmo nesse instante, a maldição da

liberdade o abandona.

No entanto, para o outro, este para si está, petrificado, inerte, perfeito,

recortado e encaixado em uma moldura, sem que sua subjetividade esteja ativa,

ainda que conserve na essência o subjetivismo do sujeito, não passa de um objeto,

a este respeito afirma Bornheim (2005, p. 103):

Compreende-se, desse modo, que o projeto de unificação amorosa se transforme em fonte de conflito; “precisamente porque eu existo pela liberdade do outro, não tenho nenhuma segurança, estou em perigo nessa liberdade; ela petrifica meu ser e me faz ser [...]” (EN, p. 433).

Sendo assim, o ser é o que ele é, mas também o que ele não é, ainda que

subjetivamente mantenha o status do ser. Ele mantém esse status, mas, de uma

forma globalizante suporta os efeitos do outro, do olhar do outro, da subjetividade e

objetividade do outro. Isso não significa a supressão da liberdade do para si

objetado, todavia, o ser já está petrificado, condenado pelo carrasco, todavia, nessa

relação existe algo de necessário segundo Sartre e que individualiza esta relação

denominado corpo.

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Sartre parte do princípio de que o corpo está no mundo. Sobre este corpo que

habita o mundo, nele habita uma consciência. É impossível a consciência esta sem

que exista um corpo. Essa é a condição básica, para que possa a liberdade efetivar-

se como exercício propriamente humano e como tarefa que diferencie o homem dos

outros seres. O exercício da liberdade gera um entrelaçamento contínuo onde a

consciência, sem perder de vista o corpo, o abandona constantemente indo e vindo.

Segundo Gary Cox (2007, p. 75):

O corpo representa a situação imediata e inescapável do para-si que o para-si perpetuamente supera em direção as situações futuras. O corpo é o contingente dado que o para-si transcende perpetuamente. Entretanto, o para-si é perpetuamente recapturado pelo corpo, pois o corpo é a possibilidade, a base, da transcendência do para-si. Em outras palavras, o para-si é aquele que supera perpetuamente o corpo sem nunca se capaz da considerá-lo, finalmente e completamente, superado.

Na concepção sartreana é uma necessidade contingencial dentro de uma

relação de intersubjetividade. Se para Descartes a prova ontológica exige uma

última instância que essa instância é idêntica a Deus, em Sartre este caminho se

revela impossível. Diante da própria estrutura do para si, formada pelo corpo e pela

consciência, Sartre funde essas duas dimensões. Claro, não é possível afirmar que

em Sartre exista uma certa distinção entre corpo e consciência, porém existe uma

aderência entre si decorrente da imanência.

O corpo também pode ser definido a partir do outro, conforme nos esclarece

Gerd Bornheim, (2005, p. 97).

[...] justificar uma ontologia do corpo deriva do outro como ser-objeto, e esclarece o que acabamos de dizer. “O outro pode existir para nós sob duas formas: se eu o sinto como evidência, não chego a conhecê-lo; se eu o conheço e ajo sobre ele, só atinjo seu ser-objeto e sua existência provável no meio do mundo; nenhuma síntese dessas duas fórmulas é possível” (EN, p. 363-4).O conflito não consegue sobrepor à alternativa: ou bem sou objeto para o outro, ou então o outro se faz objeto para mim; a reificação do para-si não pode ser evitada.

O corpo nesta perspectiva opera como se fosse, metaforicamente uma

antena, uma antena de comunicação em comunicação com uma outra. No entanto,

embora exista uma manifestação/comunicação de uma para outra, a

intersubjetividade não permite com que as consciências estabeleçam plenamente

uma comunicação em nível de consciências puras.

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Dessa forma, o corpo demarca entre os para si uma relação de facticidade

oriunda da contingência do homem no mundo o que o determina, neste aspecto o

corpo somente é corpo, enquanto o para si está no mundo. Outrossim, corpo, neste

aspecto, funciona como termômetro na medida em que registra o ingresso e localiza

o para si no mundo. Só através do corpo é possível ter acesso à consciência. Dito

com outras palavras, não existe consciência pura, eu puro, o que existe é uma

consciência histórica, situada. O corpo situa e historiciza a consciência, delimitando-

a.

É de se considerar também o corpo do outro no contexto relacional, onde

tanto um quanto o outro se apresentam mutuamente. Os corpos tornam-se

presentes e perceptíveis, portanto, históricos através da contingência, diante do

perceber/existir advindo da manifestação. Nesse pormenor, destaca Gary Cox

(2007, p. 81).

Sartre subestima a importância da corporificação na experiência do outro como objeto, é levantada por um contemporâneo seu, Maurice Merleau-Ponty, em sua obra, Fenomenologia da percepção. Como já vimos, Sartre propõe que o outro precisa existir para mim, assim como eu preciso existir para o outro, como objeto transcendente ou objeto transcendido.

No fim, é necessário considerar o corpo sob o prisma do olhar do outro, onde

os corpos também se tornam objetos de conhecimento. Sob o prisma do olhar, o

corpo também pode ser definido pelo olhar do outro, tornando-se objeto. Essa

compreensão é descrita por Gerd Bornheim (2005, p. 99-00), como segue.

A importância fundamental do estudo do corpo reside no fato de que, por ele manifesta-se o sentido profundo de facticidade. Pois a facticidade é isto: “nossa existência como corpo no meio do mundo” (EN, p. 428). Compreende-se, então, que apenas como estudo da realidade corpórea se possam elucidar as relações concretas com o outro; não que o corpo seja o instrumento ou a causa dessas relações, mas ele constitui o seu significado e marca o seu limite: “é como corpo-em-situação que eu apreendo a transcendência – transcendida do outro e é como corpo-em-situação que eu me reconheço em minha alienação dando vantagem ao outro”.

Mesmo nesta relação com o outro, ou melhor, entre os corpos em que fica

evidente a subjetividade, a intersubjetividade, a alteridade, a facticidade e a

historicidade da consciência, a redoma da liberdade é protegida pela elevação que

Sartre dá à concepção de liberdade.

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Em Sartre a concepção de liberdade é distinta. A Concepção de liberdade

que ele, propõe não é um simples gesto de dizer sou livre, mas é uma liberdade que

decide o futuro do ser, o seu destino. Nesse sentido, liberdade é algo que

fundamenta enquanto estrutura o ser que está no mundo.

É uma liberdade que não se encontra dentro do contexto da infinitude, mas da

finitude continental do homem, por isso, ao se analisar a liberdade notamos dentre

vários aspectos que ela também é responsável por diferenciar o homem de Deus e

dar aquele à sua autonomia.

De certo modo esta liberdade é decisiva, conforme nos ilustra em breve

trecho Bornheim (2005, p. 46).

Com outros termos: a possibilidade que tem o homem de produzir o nada que o isola da transcendência chama-se liberdade; o homem em seu ser é liberdade. Mas o que se entende por liberdade? Se o homem não é estruturado por nenhuma constituição interna, a determinação da liberdade permanece ontologicamente negativa: qualquer tentativa de determinação incide na total indeterminação; a liberdade absoluta. Faz-se claro, assim, que Sartre explicite a liberdade, antes de mais nada, como desprendimento do passado, quer em sentido objetivo, quer em sentido subjetivo. “Esta liberdade, que se descobre à nós na angústia, pode caracterizar-se pela existência desse nada que se insinua entre os motivos e o ato” (EN, p. 71).

Esta liberdade se revela como uma maldição ao ser para si, inerente a ele

desde a sua existência, como bem esclarece o trecho destacado por Santos (2010,

p. 101).

Devemos observar que essa liberdade de escolha, que está contida do “para-si” do filósofo, não pode ser concebida como liberdade em sentido “vulgar”. A liberdade, que Sartre acena, é uma liberdade estabelecida topograficamente em decorrência de uma situação que acontece o exercício da própria liberdade. Poderíamos, por assim dizer, que essa liberdade opera como instrumento do exercício de uma ação positiva ou negativa na realização de um ato.

Interessante que ao se destacar à liberdade como não sendo em um sentido

“vulgar”, revela-se oportuno adentrarmos em que sentido? Ora, se conduzir a

liberdade por essa seara, seria improvável que pudesse dar sustentação a

concepção de liberdade em Sartre, como então justificar a impossibilidade do ser

para si deixar de fazer algo se ele é livre? Então sendo impedido deixaria de ser

livre? Esta seria uma concepção equivocada sobre o que seja liberdade, Albérès

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(1958, p. 102-103), é pontual nesta distinção, em longo trecho que passamos a

transcrever:

Deste modo a semana de Munique parece trazer um corretivo a esta “liberdade” total que fora dada ao homem: a guerra se lhe impõe. Porque o homem é livre, mas somente em uma situação dada. Esta noção vai permitir a Sartre aprofundar seu pensamento no que diz respeito à liberdade. Certamente, cada homem permanece sempre livre, mas não há diante dele como creram Mathieu em A Idade da Razão e Roquetin em A Náusea, este vago e vazio de indecisão. Há uma situação precisa, que é aqui a ameaça da guerra. Evidentemente o indivíduo guarda uma certa liberdade que em determinado sentido é integral: pode responder ao chamado da mobilização, pode passar à Suíça ou suicidar-se. Ele é livre em relação a uma problemática que não pode elidir.

Continua o comentador:

De fato, à afirmação absoluta da liberdade, formulada até aqui por Sartre, poder-se-ia responder que ela é relativa: o pobre não é livre de fazer um cruzeiro ao Japão, o prisioneiro no calabouço não é livre de pedir lagosta à americana. De um lado, se cada indivíduo parece livre e cada instante para escolher entre um conjunto de soluções, de outro lado cada homem nos parece marcado por sua hereditariedade, por seu nascimento, sua classe social, pela nação a qual pertence... Tudo isto constitui sua “situação” e é somente nela e com relação a ela que é livre.

Uma liberdade não como um vácuo, uma vagues, uma imensidão. Podemos,

inferir que a liberdade sartreana está umbilicalmente ligada a uma situação concreta,

uma realidade, onde cada indivíduo corporeificado deve decidir e caso não faça isso,

ainda assim estará decidindo. A partir daí também se, abstrai a moral em Sartre, a

liberdade faz do homem o ser soberano frente a sua existência, construindo-o

internamente, no exercício da dialeticidade do ser para si na medida que se projeta

para o futuro, como bem esclarece Albérès (1958, p. 107).

A responsabilidade pessoal de uma escolha individual efetuada frente a uma situação vinda do exterior, define a única grandeza possível do homem: “assim, a liberdade só descobre no ato, faz-se una com o ato... Não é uma virtude interior que permite desligamento das situações mais urgentes... Mas, pelo contrário, é o poder de comprometer-se na ação presente e de construir um futuro”.

Arremata com seu estilo globalizante Perdigão (1995, p. 104-105).

Podemos dizer que a liberdade nos aprisiona nela própria: estamos como que “condenados a ser livres”. A única liberdade que não temos é justamente a liberdade para não escolher sermos livres. A liberdade é um

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fato contingente que nasce com o nosso Ser. Não posso escolher não ser livre, do mesmo modo como também não escolho ser livre. Se eu pudesse eleger-me livre ou não, isso implicaria uma liberdade prévia de eleição – e, uma vez livre, já o seria então para sempre. Por isso Sartre observa que não somos fundamento de nossa liberdade, já que não a escolhemos.

A liberdade desse ser para si, como um dos fundamentos conceituais mais

importantes pode gerar conseqüências, dentre elas, um dos comportamentos

estudados por Sartre é a má-fé, o qual será tratado na parte II dos conceitos

fundamentais em Sartre.

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3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM SARTRE II

A má-fé sartreana se fosse necessário defini-la como algo enxuto e objetivo,

poderia conceituar objetivamente como sendo aquilo que não somos, mesmo assim,

o ato de liberdade é presente, como bem aponta Bornheim (2005, p. 49): “O fascínio

da marionete nos leva ao problema central; “O que somos nós se temos a constante

obrigação de nos fazer ser o que não somos, se somos segundo o modo de ser do

dever ser o que somos?” (EN. p. 98).

Da citação, é possível notar que este ser para si deixa de exercer sua

liberdade, permitindo a si mesmo o enganando e atribuindo a sua existência uma

inautenticidade. Esta fase representa um golpe dado a si mesmo, uma perda de

autenticidade, um deixar de ser, enquanto uma liberdade positiva. Esta forma e/ou

modelo de existir, não é impossível no interior da existência. Essa forma de ser no

mundo é definida como má-fé.

Tal questão coloca o para si que é, é em sua existência, uma consciência

vazia, um “nada”, em uma representação, onde cumula no bojo dessa consciência

dois mundos, abrigando no interior do para si uma dualidade que o conduz a

possibilidade de ser o que é e não ser ao mesmo tempo por estar representando

algo que não seja ele mesmo.

Essa postura que dá distinção com relação ao em si, primeiramente porque

este não tem consciência como o para si, segundo, porque é da natureza do em si

não possuir fenda. Caso contrário na medida em que o para si comportar dualidade,

será possível afirmar que ele é suscetível de comportar uma fenda em sua estrutura,

fenda esta da dualidade conforme acima aludimos.

A má-fé por assim dizer é um germe que abriga a consciência, um fenômeno

inato a esta que poderá se manifestar de forma singular em cada ser para si. Por

isso, ser honesto, autêntico e sincero, representa, sumariamente, algo possível e

imanente à condição do para si, a este respeito que faz se oportuno transcrevermos

breve trecho da obra Existência & Liberdade de Paulo Perdigão (1995, p. 120).

O “campeão da sinceridade” é aquele que decide ser exatamente aquilo que é, sem reticências: “Sou isso, e ponto final”. Então, o que ele almeja é ser para si mesmo aquilo que ele é, em uma consciência total consigo mesmo. Ocorre que esse “ser si mesmo”, como um Em-si, não existe para a consciência. Alguém que confessa “ser mau”, querendo possuir um caráter

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inanimado de mau, um ilusório ser-mau-em-si, totalidade acabada, no mesmo momento em que pretende ser essa total fusão com uma suposta “coisa que ele é”, evade-se dela, põe-se à distância para contemplá-la, tomar sobre ela um ponto-de-vista, decidir sobre a sua permanência ou não, e então dizer “sou mau”. A sinceridade, para existir, exigiria que o homem fosse somente aquilo que é o que é.

Por esta razão, tudo que se passa pela consciência e não possa estar no

plano da realidade pode ser tido como má-fé, pois, estaria existindo o

convencimento de algo que não é. No entanto, segundo Sartre, nem toda má-fé é

uma mentira no sentido mais comezinho das palavras. Este aspecto da má-fé é

explicado por Cox (2007, p. 125).

A reivindicação geral de Sartre é de que a má-fé não deveria ser igualada à mentira para si mesmo, especialmente se “mentira para si mesmo” se refere a operações de uma dualidade enganador-enganado, dentro de uma única consciência. Rejeitando esta dualidade, Sartre rejeita mais especificamente como sendo ilógica a dualidade freudiana do consciente e inconsciente.

Para Sartre, diferente de Freud, a consciência é cristalina, sua relação se dá a

partir da existência, o devir está projetado para a transcendência e a facticidade no

mundo, o para si e os outros forjam uma relação onde a má-fé, pode emergir,

quando a consciência do ser para si coincide. Esse é o momento em que o ser para

si está representando algo que não é ele mesmo, a isto Sartre denomina de má-fé.

Convém, assim, frisar que a má-fé tanto quanto o ser para si é algo que se

encontra no tempo e com a qual o para si tem que lutar constantemente, como bem

define Cox (2007, p. 127).

A má-fé, ou aquilo que poderíamos cruamente chamar de “mentira para si mesmo”, é, ou é obtida através de manipulações sutis e constantes desta propriedade dupla do sujeito-objeto. Mais especificamente, a má-fé é, ou é obtida através da tentativa de inversões seletivas da facticidade e transcendência. A má-fé não é um estado. Ao contrário disso, como o para-si que a realiza é parecido como um projeto contínuo que precisa-se sustentar contra a ameaça constante de colapso. Sartre descreve a má-fé como uma estrutura metastável.

Continua o comentador:

Como todos os “vários aspectos” (BN 56) ou tipos de má-fé são realizados através de inversões e manipulações da facticidade e transcendência, um entendimento destas inversões e manipulações é essencial para um entendimento da má-fé.

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A luta do para si no mundo é incessante seja no rio da má-fé ou não até o fim

de sua existência a relação com o outro para si no mundo faz tornar-se perceptível o

fenômeno da alteridade e da intersubjetividade do para si a qual será tratados a

partir de então.

A relação entre alteridade e intersubjetividade em Sartre representa o

termômetro de que a consciência do para si com relação ao outro para si mantém

mesmo em um fluxo relacional a sua autonomia e sua independência. Caso

contrário, o outro deixaria de existir e o para si seria o outro, melhor explicando, o

para si seria a consciência do outro quando do contato com o outro, hipótese esta

insustentável, considerando a singularidade de cada ser existencial, principalmente

enquanto consciência historicamente localizada.

Conspira contra a constatação desta relação, a impossibilidade do para si

permanecer isolado, considerando que em sendo a consciência pura negatividade, a

relação com o mundo, com o outro se revela imprescindível, não diferente seria a

subjetividade e a intersubjetividade marcada entre os para si.

Outrossim, suprimir a alteridade e intersubjetividade seria decretar a

inexistência da liberdade. Ao menos com base no existencialismo sartreano,

primeiro, mesmo que a liberdade revelasse sua autonomia frente uma possível

supressão da alteridade e intersubjetividade, estas são protagonistas naturais pelo

fator existencial. O para si, ao existir no mundo, surge pelo outro, o outro o faz notar

sua existência, esta relação é plena alteridade e intersubjetividade.

Por isso, os conceitos de alteridade e intersubjetividade marcam a corrente

existencialista por sua preponderância e por ser em um elemento estruturante dessa

corrente de pensamento. No existencialismo, sobremaneira, estes conceitos, são,

peculiares como uma engrenagem é peculiar ao sistema mecânico de um relógio.

Apesar de toda a conjuntura que existência revela algo que o universaliza, um

sistema de linguagem. A existência de outras consciências, e outras liberdades

registram a presença da alteridade, segundo Pecoraro (2009, p. 111).

[...] o grande componente da situação é a alteridade: vivemos e exercemos nossa liberdade em meio a outros sujeitos, outras consciências, outras liberdades. A intersubjetividade, problema que se mostrou crucial na tradição moderna, é designada por Sartre com a expressão ser-para-outro. Já vimos como se constitui o Para-si; trata-se agora de verificar como esse

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Para-si é também Para-outro. O problema da intersubjetividade, tal como se foi classicamente formulado, consiste em supor primeiramente a representação de si e, em seguida, a possibilidade de representação do outro.

O grande dilema em Sartre nesta relação de alteridade e intersubjetividade é

compreender que o para si é equivalente ao outro e por outro lado entender como se

estabelece a relação do para si que sou eu com o outro que também é um para si,

que não sou eu, mas sim um outro para si. A subjetividade do outro, enquanto algo

já superado, não pode ser ceifada, ainda que o outro seja, estruturalmente, tanto em

forma quanto em essência histórica como eu, dado sua singularidade.

O outro é objetivado pelo eu para si, porém o outro que também é um para si

não perde sua liberdade, nem sua subjetividade que não é totalidade em si ante a

estrutura do para si, no entanto, é petrificado pelo olhar, sua consciência embora

singular para o outro que a objeta se torna irrelevante, pois, o para si faz do outro

ser o que ele vê. Através do instante fotográfico, o para si revela o outro e o perfaz

perfeito, sólido em plenitude, um em si metaforicamente dizendo, distinto

completamente do sentido técnico sartreano.

Arremata, Pecoraro (2009, p 113-114).

[...] a intersubjetividade enquanto conflito de liberdades, só pode ser compreendido na intersecção das histórias pessoais e a partir da relevância do outro na experiência do existir histórico própria de cada sujeito singular. As liberdades não se chocam em abstrato, mas num cenário concreto e historicamente definido, ainda que essa determinação histórica e política sejam explicitamente focalizada em O ser e o nada.

Esta relação que destaca a intersubjetividade como bem alude o trecho da

obra acima citada tem fundamento na medida em que existe uma relação profícua

entre dialeticidade e a consciência segundo a concepção de Sartre.

A relação entre dialeticidade e consciência ou vice-versa é algo vital para o

pensamento de Sartre, não são simples palavras, são palavras que para o

pensamento sartreano determinam.

Para Sartre a consciência é tributária da concepção de intencionalidade

herdada de Husserl, ou seja, ela é pura negatividade, é consciência de algo. Por

isso, obrigatoriamente, ela se projeta para fora de si, com o objetivo de construir a

subjetividade existencial.

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Nesse passo, constamos que o movimento dialético, completado pelo

raciocínio, enquanto condição de que o sujeito não se encontra na ideia, mas fora

dela. Partindo desse pressuposto torna-se compreensível a máxima sartreana que

afirma que a existência precede a essência.

Avançando ainda mais na compreensão da dialética da consciência, torna-se

imprescindível entendermos melhor a estruturação da consciência para que possa

gerar a compreensão necessária. O exercício realizado pela dialeticidade, segundo

Pecoraro (2009, p. 107) é.

A grande novidade trazida por Husserl, ao caracterizar a consciência como movimento intencional, consiste em romper com a definição de consciência como coisa pensante (Descartes) e como apercepção sintética do objeto em geral. A consciência não é substancia nem ente lógico, mas o simples movimento na direção das coisas. Estamos, portanto, livres de qualquer configuração de um ego interno, seja ela pensada em termos reais ou numa acepção puramente lógica.

Complementa o mesmo comentador:

Sartre valoriza a noção fenomenológica de intencionalidade porque ela lhe permite passar do movimento pelo qual a consciência visa os seus objetos ao movimento pelo qual a consciência se põe diante do mundo como indeterminação e liberdade. Com efeito, qual é o significado da célebre divisa “a existência precede a essência”? Ao contrário da tradição, em que a essência determina a existência na medida em que contem causas e determinações de todo vir-a-ser, nesse sentido já pré-configurado essencialmente através dos atributos principais do ser, o existencialismo sartriano considera que, no caso da realidade humana, a primazia é da existência enquanto processo e devir, ficando a essência como o horizonte de realização do processo de existir. O homem primeiramente existe, sem qualquer essência que determine essa existência; ao contrário de que julgava a tradição, a existência não é mera explicitação da essência, mas processo indeterminado de vir-a-ser.

Por este prisma a realidade do para si é movimento e não repouso. O

movimento é pura dialeticidade e, mudança. Essa modificação são situações

necessárias e valorizadas pela corrente existencialista, a partir da qual a

consciência, detendo o movimento intencional, faz emergir a subjetividade do para si

que até então não é, conforme explica, Pecoraro (2009, p. 109).

Como consciência é vista como movimento, de acordo com a interpretação existencial da intencionalidade, o movimento de constituição da subjetividade é primeiramente designado como Para-si. Esse termo possui em Sartre dois significados. Primeiramente, aquele ligado à reflexibilidade, como em Descartes e numa etapa da lógica hegeliana: o sujeito está voltado para si como a primeira instância de realidade que lhe é dada; visa

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a si mesmo aspirando o ideal da coincidência. O segundo significado é o de processo: nesse caso Para-si significa em direção de si-mesmo, isto é, o sujeito, no seu processo de existir, constitui-se, vale dizer, faz um percurso para si, ou para chegar a si. Os dois significados convergem, pois, sendo a existência processo de vir a ser, a reflexão sobre si é ao mesmo tempo a constituição progressiva de si: ser sujeito equivale a vir-a-sê-lo. Isso significa que a consciência de si é a consciência de algo que ainda não é. Ou como diz Sartre, a realidade humana é o ser cujo ser está além de si.

O para si é um processo interminável, condenado ao inacabamento por uma

condição de sua própria constituição, a conduta do para si dentro de sua

particularidade repercute no contexto social onde este para si encontra-se situado,

sua dialética individual também é universal na medida em que ele representa um

todo universal dentro de sua particularidade individual ou singular. O para si, é uno,

existente, livre e senhor do seu destino.

Este movimento que podemos denominar de dialética, é assim por dizer uma

fotografia da contradição do para si, o para si necessita da contradição quando ele

passa a ser aquilo que ele não é, e assim sucessivamente. O mesmo ocorre com a

dialeticidade. Na mesma proporção ela torna este movimento perceptível: como um

cronômetro ela constata a contradição do para si que não é pura positividade frente

ao seu caráter intencional descrito na obra clássica La trascendencia del ego (S/R,

p. 16).

La intuicion, según Hurssel, nos pone em presencia de la cosa. Es necesario entonces entender que la fenomenologia es una ciência de hecho y que los problemas que pone son problemas de hecho, como, por outra parte, se lo puede comprender si se considera que Hursserl la llama una ciência descriptiva. Los problemas de la relacion del yo a la conciencia son, pues, problemas existenciales.

O para si, enquanto detentor do estatuto da consciência, infla a partir de si,

em um processo de dialeticidade, ela não está fora de si. Por certo ela é registrada

fora, mas parte de dentro, do para si, enquanto consciência fenomenológica e

subjetividade ontológica. Isto é possível porque a consciência é vazia, um nada, é

intencional e, por isso, projeta-se para ser aquilo que ela não é, encampando o

movimento de dialeticidade para construir a subjetividade, construção esta que

revela de forma meridiana a relação entre a liberdade e alteridade em Sartre.

A relação com o outro no exercício da liberdade não encontra barreira no

outro para si, pois, a intersubjetividade é o encontro do para si com o outro para si.

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Constatamos que esta motricidade decorre de uma liberdade, uma liberdade

enquanto condição do ser para si, enquanto processo de constituição que jamais se

concretiza, ante sua impossibilidade em essência, ou seja, o ser para si está sempre

buscando fora de si ser aquilo que ele ainda não é, como já descrevemos outrora.

Segundo Pecoraro (2009, p. 110).

A liberdade como projeção constitutiva do sujeito é algo que se exerce sempre no interior de um contexto determinado, que Sartre designa de situação. A liberdade é sempre situada: isso quer dizer que no seu exercício concreto o sujeito se depara com os elementos que compõem a situação vivida. Não existe liberdade sem situação, assim como não existe situação sem liberdade. Essa reciprocidade deve ser compreendida de duas maneiras. Em primeiro lugar, através da facticidade: conjunto de fatos, naturais e sociais, que constituem o contexto em que o sujeito exerce a liberdade. Dentre esses estão o tempo e o lugar em que nos foi dado viver; a família, a classe, o entorno social; caracteres herdados, constituição física, perfil psicológico; cultura, contexto histórico, regime político, etc. Observe-se que nenhum desses fatos pode ser mudado; quando nascemos, já os encontramos constituídos e nada podemos fazer a respeito, porque não dependem de nós. Entretanto, é em meio a fatos dessa natureza que devemos viver e exercer a liberdade.

Parece um paradoxo, mas não é, principalmente quando surgem fatores

impeditivos ou que desvirtuem a intenção inicial do para si. De fato, a liberdade a

qual somos condenados vem antes do mundo enquanto

ação/representação/significação.

Nesse processo, o para si em quanto liberdade dá a tonalidade às coisas em

decorrência de sua liberdade. Existir, pois, é existir é em e para a liberdade, onde o

contexto, o destino e a situação do indivíduo, repousa no plano do possível como

individualidade, guiado pela liberdade.

O outro não tira do eu para si a liberdade. A alteridade é comum no contexto

coletivo social onde todos os para si se encontram, vivem e convivem, esta relação

onde um para si é um para outro e assim vise e versa, onde o eu para si constitui

sua subjetividade formando seu passado, sua história.

Enquanto para o outro o eu para si é objetivação, onde as liberdades se

encontram, uma relação de intersubjetividade em que a liberdade encapsulada é

mantida incólume para cada para si.

O conflito entre as liberdades, do ponto de vista sartreano, embora mantenha

a liberdade enquanto liberdade para cada para si, o resultado final sofre uma

variação quanto ao resultado, isto advém do atrito entre as liberdades.

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Dessa forma, a liberdade e a alteridade são faces de uma mesma moeda, se

completam, na medida em que se justificam dentro do pensamento de Sartre, a

relação entre os para si enquanto uma realidade inevitável, todavia, a condição de

ser livre é imanente ao para si e, a alteridade uma consequência, onde seus

estatutos são preservados no bojo do processo existencial, o qual funde a

historicidade sartreana como passamos a ver.

O pensamento de Sartre é divorciado da concepção clássica de que a

essência precede a existência. No entanto, não seria forçar, inferir que existe uma

essência enquanto existência, pensar uma essência da existência, uma história do

sujeito. O para si enquanto pura negatividade, detentor de uma consciência que é

um puro nada, em seu processo existencial se projeta fora de si constituindo sua

subjetividade, como já dito uma consciência fenomenológica e uma subjetividade

ontológica.

Sua facticidade, ou melhor, tudo que envolve sua existência enquanto tal

constitui sua história, são as marcas impressas no para si e o reflexo objetivado

pelos outros durante o lapso temporal denominado existência, conforme bem

esclarece Pecoraro (2009, p. 115)

A história que age sobre o indivíduo no sentido de determiná-lo e o individuo age sobre a história na medida em que esta decorre de suas ações. [...] a subjetividade não é dada, mas constituída. Em termos históricos, isso significa que o sujeito se forma pela interiorização das condições objetivas que delineiam o contexto no qual vive. Essa interiorização não pressupõe qualquer instância de interioridade já dada, pois se trata precisamente de constituição ou formação. O sujeito nada mais é do que essa interiorização que equivale ao processo de sua constituição. Ao agir, o sujeito exterioriza o que foi interiorizado e assim constitui o mundo histórico naquilo que lhe diz respeito (representações e significações atribuídas às coisas) porque também o mundo histórico não é algo dado, mas constituído pelas ações dos sujeitos enquanto agentes.

O homem é um ser histórico, na medida em que faz a sua estória, onde a

historicidade representa nada menos e nada mais do que o englobamento do

começo, meio e fim da existência. A este respeito se mostra salutar destacar a

posição de Franklin Leolpodo (2004, p. 33).

[...] a historicidade é o que o caracteriza na sua produção totalizadora, razão pela qual podemos admitir algo como uma consciência narrativa na apropriação ressignificativa que o sujeito faz da factualidade na qual se insere por sua história individual e social. A narrabilidade, entendida como

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modalidade temporal do surgimento do sujeito para si mesmo, aparece assim como um aspecto intrínseco pelo menos em nível reflexivo [...].

O para si é histórico e história, é texto e contexto de si mesmo, auto

sustentável, uma singularidade universal, uma possibilidade que dialeticamente

edifica-se, parafraseando Santos, como uma casa que de tijolo em tijolo se perfaz,

com a única diferença, embora história! Este para si não deixa se completar, caso

contrário, seria um em si, no entanto, por não ser o em si que o para si se revela

autônomo, diferente e por consequência existencial conforme passamos a analisar.

Em Sartre faz-se necessário termos em mente que sua teoria do ser para si

tem como pressuposto uma determinada concepção de liberdade. Percebemos que

as inúmeras obras que tratam do existencialismo sartreano chegam a definir

conceitos e a dar um breve palatar sobre seu pensamento, mas esquecem de,

efetivamente, propiciar ao leitor uma compreensão sistemática do pensamento

existencialista, no que diz respeito a concepção sartreana de autonomia e como esta

articula e perpassa toda a sua doutrina da liberdade.

A autonomia tem como ponto central a liberdade, sendo este o núcleo sob a

qual se estrutura o existencialismo, enquanto corrente filosófica influente. Porém,

compreender o que se entende com o conceito de liberdade em Sartre é vital, pois

liberdade para ele não é definida pela via negativa, ou seja, compreendida em face

de uma impossibilidade real: o deixar de fazer o que se quer.

Em Sartre, sucintamente, a liberdade reflete a livre escolha que o homem faz

de sua vida, em sua maneira de existir para o mundo, ou seja, é uma liberdade pró-

ativa. Uma liberdade em que não pode interferir na essência do próprio homem,

enquanto ser engajado e vincado à existência e único responsável pelo que lhe

acontece: responsável pelos seus acertos e conquistas, pelos seus erros, falhas,

decepções, mesmo quando isso lhe advém quando o homem deixa de escolher.

Afinal não escolher é, em si, um ato essencialmente livre e constitui a expressão

máxima de uma escolha.

Disso podemos notar que a autonomia, que é desmembrada em outras

esferas que compõe a vida humana, ou seja, autonomia religiosa, autonomia ética,

etc merece um tratamento peculiar, ao ponto de elevá-la a status de exame como

ora fazemos.

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A autonomia da liberdade marca, dentro da corrente filosófica existencialista,

o total divórcio com Deus, a medida que o homem é o criador de seus valores e o

responsável pela consequência de suas escolha, portanto, responsável pelo seu

destino. Essa compreensão da autonomia sartreana é radical. É uma autonomia,

que sela a responsabilidade e levada às últimas conseqüências, como bem

esclarece Sartre em o Ser e o Nada (2007, p. 550).

O Para-si é responsável tanto quanto por uma quanto por outra, porque ele só pode “ser” caso tenha se escolhido. Aparece, pois, como livre fundamento tanto de suas emoções quanto de suas volições. Meu medo é livre e manifesta minha liberdade; coloquei toda minha liberdade em meu medo, e escolhi-me medroso nessa ou naquela circunstância; em outra, existirei como voluntário e corajoso, e terei posto toda minha liberdade em minha coragem. Em relação à liberdade, não há qualquer fenômeno psíquico privilegiado. Todas as minhas “maneiras de ser” manifestam igualmente a liberdade, pois todas as maneiras de ser meu próprio nada.

Esse ponto de partida humanista-antropológico que caracteriza a concepção

de autonomia em Sartre, tem como finalidade deixar claro e evidente que sua a

filosofia é existencialista, mas se afasta de outras correntes existencialista que

discutem a existência em sua relação com o transcendente, mas que não serão

tangenciadas pelo recorte da pretensão encampada pelo objetivo do trabalho. É

oportuno, nesse passo, citar um breve trecho Coleção Pensadores (1987 (A), p. XI):

Sartre tira todas as consequências desse ateísmo, eliminando qualquer fundamento sobrenatural para os valores: é o homem que os cria. A vida não tem sentido algum antes e independentemente do fato de o homem viver; o valor da vida é o sentido que cada homem escolhe para si mesmo. Em síntese, o existencialismo Sartreano é uma radical forma de humanismo, suprimindo a necessidade de Deus e colocando o próprio homem como criador de todos os valores.

O valor, ou melhor, os valores atribuídos às coisas não são um legado divino,

mas do próprio homem que faz com que estas coisas existam, dando razão as

coisas em meio esta vivência do homem na constância de sua existência e em sua

perpétua transformação. Essa autonomia em relação às coisas e esse poder de

auto-referenciar-se a si mesmo e o mundo à sua volta, nos leva a concluir que a

liberdade é essência do homem e o elemento que distingue o homem frente aos

demais seres, conforme retrata Mário Giordani (1976, p. 104):

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A liberdade é essencialmente humana, não, porém, como uma propriedade da essência de homem, mas sim porque torna essa essência possível pela escolha. Nesse sentido é que a “existência precede a essência”, pois a liberdade define o: homem: é o próprio homem: é a essência do homem.

O homem se confunde com sua liberdade. A liberdade, enquanto essência,

garante a sua autonomia, permitindo que o homem crie sua própria moralidade.

Essa característica primordial do homem é expressa não apenas nos textos

filosóficos, mas também nos textos literários ou teatrais, como bem captou Mário

Giordani (1976, p. 105):

Orestes, o herói da tragédia Les Mouches, encarna bem o ideal do homem livre de Sartre, com seu drama interno, ao tomar sobre si a decisão de matar Egisto e a própria Clitemnestra. “Mas, de repente, a liberdade precipitou-se sobre mim e penetrou-me, a natureza saltou para trás e eu não mais tive idade e senti-me completamente só, no meio de teu mundozinho indulgente, como alguém que perdeu sua sombra; e nada mais houve no céu, nem Bem, nem Mal, nem ninguém para dar-me ordens”.

Esta autonomia apoiada em uma liberdade absoluta justifica o ateísmo

escancarado de Sartre e fundamenta sua filosofia existencialista. Mário Giordani

(1976, p. 109) nos melhor traduz este impulso:

Portanto, expulsa a providência tanto do mundo como de suas obras. Não há para ele nenhuma lei moral divina, nenhum valor eterno a priori, nenhuma essência; portanto, tampouco nenhuma essência e natureza do homem. Seu existencialismo ateu significa que há, ao menos um ser cuja existência é anterior a sua essência, um ser que existe antes que possa ser definido por qualquer conceito, a saber: o homem.

Isto nos leva a acreditar em um distanciamento de Deus não somente para

sustentar esta autonomia, como também a descrença de que existe uma ordem

estabelecida no mundo a qual estaria influenciando, de forma determinista, a vida do

homem, como se tivesse este homem que cumprir uma jornada já pré-estabelecida

no mundo.

Para Sartre, a vida do homem não pode ser guiada por um ser transcendente.

Tanto a ética quanto a estética são questões que devem ser edificadas segundo a

vontade do homem, mediante sua autonomia e sua possibilidade concreta e com

um caráter pendular.Dessa forma, fortalece ainda mais com propriedade o vinco

conceitual de autonomia, pelo prisma do ateísmo Sartreano, segundo (Bochenski,

1955 p.114):

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Sartre talvez seja o mais inteligente e o mais sutil ateísta de toda a história da filosofia e por isso, julgamos útil um rápido contato com sua doutrina. Sartre mais do que ninguém compreendeu e experimentou a não-necessidade e a insuficiência de tudo o que encontramos no mundo. Tudo, diz ele, é sem justificativa. Absolutamente não precisa existir, no entanto está aí. Um triângulo abstrato, uma fórmula matemática são de algum modo explicáveis, mas nem existem. A existência das coisas, ao contrário, não tem explicação. Não conseguimos explicar, por exemplo, por que existe esta árvore com estas raízes. O mundo real só poderia ser explicado por Deus. Mas Sartre não quer saber de Deus porque pensa que Deus é uma contradição, um absurdo maior que o mundo absurdo. Logicamente conclui que todos os entes, e especialmente o homem, são absurdo sem sentido. Sartre como nenhum outro filósofo soube formular o dilema: é necessário escolher entre Deus e o absurdo, ele pessoalmente escolhe o absurdo, o sem sentido, com todas as suas consequências. Seja me permitido notar de passagem que quem conhece a marcha do pensamento de Sartre não o pode classificar como simples “existencialista”. Sartre é um metafísico de alta categoria. Se errar, erra numa altura onde muitos nem sequer conseguem acompanhá-lo.

Neste mesmo sentido, podemos a partir da doutrina de (Albérès, p. 139-140),

reforçar a concepção de autonomia através da interface autonomia e liberdade, ao

citar a breve passagem da obra o “Sursis”:

Nada sou, nada tenho. Tão inseparável do mundo como a luz e, contudo, exilado, como a luz, escorregando sobre a superfície das pedras e da água, sem que nada, jamais, me agarre ou encalhe. Fora. Fora. Fora do mundo. Fora do passado, fora de mim mesmo: a liberdade, eis o exílio, e eu estou condenado a ser livre.

A liberdade em Sartre é algo que fascina e que marca efetivamente a

condição do homem como senhor de seu destino. Esta autonomia lhe proporciona

selar a rota na qual se ligará o hoje e o amanhã e ao mesmo tempo revelar sua

condição existencial, sem chance de fugir da liberdade que possui. O homem pode

morrer pela sua própria liberdade, demonstrando com isso que a autonomia de ser o

que é, é algo imanente a sua existência, onde Deus, não opina, não decide, não

toma partido algum. Em recente produção cinematográfica podemos presenciar

Sartre tão vivo e latente no filme The Box (A Caixa).

The Box (A Caixa) Elenco: Cameron Diaz, Frank Langella, James Marsden, Gillian Jacobs, Michelle Durrett. Direção: Richard Kelly - Gênero: Terror - Duração:115 min. Distribuidora: Imagem Filmes - Estréia:26 de Março de 2010 Sinopse: O que você faria se lhe entregassem uma caixa com apenas um botão e que se você o apertasse o deixaria milionário mas, ao mesmo

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tempo, tirasse a vida de alguém que você não conhece? Norma Lewis (Cameron Dias) é uma professora e o seu marido, Arthur (James Marsden), é um engenheiro da NASA. Eles são um casal com um filho que leva uma vida normal morando no subúrbio. Tudo muda quando um misterioso homem aparece com uma proposta tentadora: a caixa. Norma e Arthur têm 24 horas para fazer a escolha. Logo eles irão descobrir que certas escolhas estão fora de seu controle e vão muito além da fortuna e do destino.

No filme, além da quantidade de cenas que traduzem o mundo de conceitos

da filosofia existencialista, consegue de forma inquestionável desnudar a incerteza

do ser que ao mesmo que é, não é em si, é no outro ou para o outro, ou apenas é

outro, quase que não se reconhecendo por estar fora de si mesmo, uma ausência de

identidade perturbadora.

Esse turbilhão assusta nossa contemporaneidade ao vermos uma sociedade

incapaz de se proteger a ponto de não garantir sua própria existência. Sartre diria

que existir, viver em uma sociedade assim – socialmente sem rumo ou vivendo,

onde os indivíduos vivem de forma inautêntica – é uma existência falsa, uma

existência que bebe de uma fonte incapaz de dar a este ser uma existência

autêntica, embora tanto em uma como na outra condição, ainda tenha autonomia

por ter em sua essência liberdade, um conceito que embasa sua filosofia e que este

ser está condenado a ser livre. Esta forma de receber o ser em sua plenitude é

preocupante, na medida em que torna este ser limitado, como bem destaca Sartre

em o Ser e o Nada (2007, p. 538)

Enquanto imerso na situação histórica, o homem sequer chega a conceber as deficiências e faltas de uma organização política ou econômica determinada, não porque “está acostumado”, como tolamente se diz, mas porque apreende-a em sua plenitude de ser e nem mesmo é capaz de imaginar que possa ser de outro modo. Pois é preciso inverter aqui a opinião geral e convir que não é a rigidez de uma situação ou os sofrimentos que ela impõe que constituem motivos para que se conceba outro estado de coisas, no qual tudo sairá melhor para todos; pelo contrário, é a partir do dia em que se pode conceber outro estado de coisas que uma luz nova ilumina nossas penúrias e sofrimentos e decidimos que são insuportáveis.

O existencialismo então é um reflexo de um fato, o qual podemos identificar

dentro de um contexto político-social, como um fato histórico, onde Sartre versus

Deus representa um rompimento, como podemos extrair do artigo Os Equívocos de

Heidegger na Delimitação da Ontoteologia, de José Nicolao Julião 2002, p. 91- 92):

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O tema da “morte de Deus” não é originariamente nietzchiano; já era corrente no ambiente alemão, tanto entre os poetas românticos quanto na filosofia do idealismo [...] Esta triste notícia da morte de Deus talvez necessite de alguns séculos para se expandir universalmente. Para Heine, Kant com A Crítica da Razão Pura havia promovido uma revolução espiritual na Alemanha, muito mais profunda que a Revolução Francesa [...] Kant teria instalado uma crise no pensamento ocidental moderno, ao afirmar categoricamente que não há conhecimento especulativo da coisa em si, mas tão somente de fenômenos [...] O realismo metafísico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciência ou do sujeito, tal posição pressupõe uma autoridade externa como fundamento e organizadora da ordem do mundo, aos moldes da metafísica de Leibniz, Wolf e Descartes. A revolução copernicana promulgada por Kant, põe fim a todo fundamento externo, tanto gnosiológico quanto moral. Dessa forma, o intelecto humano é a medida de todas as coisas; e a ação humana, não a divina, é o motor da história, “somos nós que comandamos”. Deus perde o estatuto de coisa em si, assim como a sua função de fundamentador, e passa a ser apenas uma ideia reguladora, um postulado da razão prática, que somente orienta a formulação da lei moral, mas o fundamento mesmo é totalmente subjetivo e racional.

Este novo paradigma do pensamento, indubitavelmente, somado as

incertezas da verdade no mundo externo conduz e influência a novas correntes

filosóficas, dentre elas o existencialismo radical de Sartre.

Nesse sentido, Régis Jolivet (Jolivet, p. 36), de forma meridiana e refletindo

uma nova perspectiva, corrobora com a concepção de que o homem possui uma

autonomia que lhe é peculiar, senão vejamos:

[...], o homem justifica-se a si mesmo absolutamente. Essa justificação, porém, não é mais que um aspecto de sua liberdade, que não tem razão de ser. E, por último, o homem é sem razão, absurdo como tudo o mais. O homem é “uma paixão inútil”. O pior em sua condição será, pois, sacrificar ao “sério”, ou seja, atribuir ao mundo mais realidade ou valor do que a si próprio, e a si próprio um valor absoluto. No fundo, tudo é indiferente, não somente porque Deus não existe e, “se Deus não existe, tudo é permitido”, mas ainda porque todas as escolhas, quer dizer, todos os valores confluem para o mesmo absurdo e o mesmo nada, onde tudo se equipara.

Constatamos que Sartre propicia a nós um momento de reflexão sobre a

questão da autonomia algo que é universal ao “homem”, tanto quanto é a construção

universal do homem no mundo, pois, se Deus tivesse qualquer interferência sobre o

homem, este, ao ficar inerte, mesmo assim se realizaria. Podemos concluir, partindo

dessa premissa, que a autonomia de Deus não existe. Em segundo lugar, a prova

da autonomia do homem distante de Deus torna-se patente, à medida que este ser

depende somente de si para ser algo de diferente do que era e demais ninguém,

nem mesmo de Deus.

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Este entendimento pode ser complementado com a citação de (Albérès, p.

23) oriundo da obra de Sartre a Náusea: “A Náusea não pára aí. Ela constata um

fracasso, mas apresenta um problema, é verdadeiramente uma interrogação: a

liberdade e a lucidez que a afirmamos não serve para nada, falta dar-lhes um

sentido”.

O homem é livre a ponto de sentir uma angústia ao deixar que sua existência

torne se vã e vazia, pois livre e possuidor de sua autonomia precisa ser, caso

contrário será Nada. O homem detém a liberdade que lhe é inerente, onde nada está

pronto, tudo convida ao emprego da construção, pois, caso nada faça sua existência

tornar-se-á um tédio, um tormento.

Esta gratuidade é da sua existência, demonstra a liberdade onde o ser se

empenha dentro de um processo dialético que se dá no mundo, tem que justificar

sua existência, para que isto aconteça a sua autonomia é um atributo essencial de

sua própria existência, uma condição não no sentido de natureza do homem como

um sinônimo, mas uma condição que revela uma circunstância real onde o homem

é. O homem precisa justificar a sua existência livre e responsavelmente concebida.

Esta justificativa somente se realizam se ele detiver autonomia, por esta razão

ao agir dentro de sua liberdade não escapa da responsabilidade de suas ações o

que reflete possuir autonomia. A esse respeito, na obra o Existencialismo é um

humanismo, (Sartre, 1987, p. 3) podemos extrair a seguinte inferência:

O Existencialismo é um Humanismo. Muitos poderão estranhar que falemos aqui de humanismo. Tentaremos explicitar em que sentido o entendemos. De qualquer modo, o que podemos desde já afirmar é que concebemos o existencialismo como uma doutrina que torna vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana.

Portanto, esta subjetividade humana se espraia, por intermédio do exercício

da autonomia do homem, como ser que possui liberdade. Outrossim, o homem tem

uma universalidade a qual não lhe é outorgada e sim edificada no mundo que este

homem existe. Segundo Sartre, o homem só se realiza, ao realizar um determinado

tipo de humanidade inerente a ele (Sartre, 1987, p. 16.): “O que o existencialismo faz

questão de mostrar é a ligação existente entre o caráter absoluto do engajamento

livre – pelo qual cada homem se realiza, realizando um tipo de humanidade...”.

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O homem é livre, ele diferente dos outros seres possui autonomia capaz de

forjar o seu destino, isto é, o homem é seu próprio artífice, senhor e criador de sua

essência, o que revela uma consciência nadificada que dispensa a relação com

outras vidas. Em O Ser e o Nada encontramos sua ontologia voltada para a

existência e não para a essência, como podemos extrair do trecho ora transcrito

(2007, p. 542). Encontramos análogas dificuldades ao querer descrever o ser do

fenômeno e o nada. Mas elas não nos detiveram. Isso porque, com efeito, pode

haver descrições que não visam a essência e sim próprio existente, em sua

singularidade. Devidamente sistematizado demonstrou metodicamente a

compreensão fenomenológica que fundou o pensamento existencialista.

O autor, pesquisador e estudioso de Hegel rompe com o psicologismo antigo

que sugeria a existência de dois mundos um interior e um outro exterior, esta sacada

decapta com o pedantismo obscuro de um mundo turvo, desconhecido e explorado

de forma maliciosa que atormenta as mentes menos evoluídas. A partir desse

fundamento e dessa crítica que surge então a existência como consciência em

Sartre.

Esta consciência marca a inexistência do passado: não há vida antes, nem

após a morte, não existe encarnação. Poderia, em verdade, ir mais longe e ponderar

que na modernidade e em nossos dias não houve nenhum outro momento em que

os “trapaceiros” - segundo a linguagem de Sartre - abusaram tanto de uma realidade

que jamais existiu, criando um mundo interior para aprisionar uma falsa existência.

Segundo Gary Cox (2007, p.22):

A consciência de acordo com Sartre, é fundamentalmente e ontologicamente um não ser em relação ao ser; uma negação do ser. Portanto, o seguinte relato sobre a visão de Sartre a respeito do não-ser deve ser entendido como um relato de sua visão do ser da consciência em nível ontológico.

A consciência em Sartre é uma incógnita tanto quanto tudo que é absurdo,

tida como uma “grande aventura do em si, parafraseando Gary Cox é uma curiosa

aventura, um absurdo considerando a característica rígida, inerte e tenebrosa sem

nenhuma relação consigo, como extrair uma contingência?

No mais, Sartre também busca definir a natureza da consciência. Para este

pensador ela é, inicialmente, dicotômica em relação a sua significação: consciência

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de si e consciência de alguma coisa, sendo a primeira absolutamente pura por ser

vazia, em suma, um nada no bojo do ser. Quando a consciência em si torna-se

consciência de alguma coisa, nesse estágio, ela se projeta no outro, podendo ser

consciência de si. Para Sartre, conforme afirma Régis Jolivet (1968, p. 30-31),

mesmo considerando a consciência a partir da existência, ela não é psicologizada:

Assim, entendida, a consciência permite eliminar o recurso à “vida interior” das psicologias clássicas, pelas quais Sartre sempre teve horror. De um lado, com efeito, julga, como bom hegeliano, que o exterior é, afinal de contas, antes de tudo o próprio conteúdo do interior, que a essência aparece na existência e se suprime, portanto, como antítese de fenômeno, identificando-se com ele. Do outro lado, a “vida interior” parece lhe ser o asilo da má-fé, o álibi da mentira familiar aos “sórdidos” ou ainda “o subproduto” que o tédio destila “para as almas sensíveis”. Graças a noção de “intencionalidade”, tirada de Hurssel, a vida “interior” fica radicalmente eliminada: não existindo a consciência senão como ultrapassagem perpétua de si rumo ao objeto, o “dentro” das psicologias clássicas desaparece em proveito exclusivo do “fora”, isto é, do mundo objetivo, sem o qual se desvaneceria como uma chama sem oxigênio.

A consciência em Sartre vem ao encontro da esperança Nietzscheana, ou

seja, se para o existencialismo Deus não existe e a consciência advém com a

existência e se perfaz no mundo, para aquele pensador, segundo José Nicolau

Julião (2002):

O momento da tomada de consciência da “morte de Deus” é o mais perigoso de todos, pois ele aponta para dois caminhos: um - o que Nietzsche gostaria que a humanidade seguisse – é o caminho da superação, a tomada de consciência, de que somos nós que comandamos, ou seja, não há autoridade externa que nos guie, mas somos nós mesmos que nos conduzimos, para os tornarmos aquilo que somos; o outro, é o perigo que essa percepção pode lançar sobre a humanidade, pois tal tomada de consciência revela que lançar sobre a humanidade, pois tal tomada de consciência revela que aquilo em que depositávamos a mais alta esperança é desprovido de valor, é ficção e se revela como nada.

O existencialismo vem selar a preocupação de Nietzsche, sem retaliação,

sem consequências, Sartre coloca o homem frente a frente consigo mesmo, em uma

espécie de espelho narcísico e vê sua consciência no mundo sensível, sem Deus.

Ao acordar o homem percebe que continua sendo homem, enquanto Deus, ou

melhor, o conceito de Deus tem sua importância na medida em que desempenha um

papel elementar na construção da filosofia existencialista, demonstrando que a

ordem metafísica, ontológica, epistemológica e moral possuem ordem e garantia de

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existir em si e não por Deus, o que revela ser uma ilusão a criação do homem

segundo o postulado da religião oriental.

Pois a palavra Deus ou deuses, em análise mais acurada não tem a

concepção que a contemporaneidade atribui, isto significa que Deus, conforme já

manifestado por Sartre é um absurdo, ou simplesmente um pseudo-conceito, a este

respeito Etiene Gilson (2002, p. 22) é esclarecedor.

O primeiro facto surpreendente acerca do significado grego desta palavra é que a sua origem não é filosófica. Quando os filósofos da Grécia antiga começaram a especular, os deuses já lá estavam e os filósofos limitaram-se a herdá-los daqueles homens aos quais toda a antiguidade, até a época de Santo Agostinho chamou de Poetas Teólogos. Limitando-nos à Ilíada de Homero a palavra “deus” parece ser aí aplicada uma incrível variedade de objectos diferentes.

Continua o mesmos comentador (2002, p. 58), porém focando toda a

dificuldade enfrentada pelos filósofos diante do problema do conhecimento, o qual

também é objeto de questionamento em Sartre em sua obra magna O Ser e o Nada

na relação entre o para si e o em si.

O homem conhece-se a si próprio. E porque se conhece a si próprio pode afirmar “eu sou”. E porque conhece outras coisas para além de si próprio, pode dizer dessas coisas que “elas são”. Na realidade, um facto tremendamente importante, uma vez que, tanto quanto sabemos, é através do conhecimento humano e unicamente através dele que o mundo pode ter consciência da sua existência. Daí que para os filósofos e para os cientistas de todos os tempos surja uma primeira dificuldade, não sem importância: desde que o homem como ser inteligente faz parte do mundo, como explicar a natureza sem atribuir ao seu primeiro princípio o conhecimento ou qualquer coisa que, por incluí-lo virtualmente, lhe é efectivamente superior?

A ilusão da criação é uma questão complexa e sempre que discutida causa

grandes e inesgotáveis controvérsias. O fato de que a linguagem causa tantos

problemas poderia nos conduzir a uma atitude simplista de não questionar, mas

apenas aceitar os fatos criados pela linguagem.

No entanto, o limiar dos dias coloca o homem frente a uma realidade humana

que exige que ele se posicione no horizonte do seu tempo, seja olhando para a

história do passado, tanto quanto para história da sua estória como também para a

história do futuro que agora se tornou presente e em instantes passado. Neste

aspecto pontua o magistério de Franklin Leopoldo e Silva (2004, p. 20), “A realidade

humana não é objeto de contemplação porque, numa sociedade fundada na

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alienação, o homem não atingiu sequer a sua própria realidade: e prisioneiro de

uma imagem inautêntica de si próprio”.

Por esta razão, o homem se vê refém de uma criação surrealista de Deus,

concebendo-o como uma verdade imposta e através da qual surge a ilusão da

criação de um ser superior. Segundo Sartre, a existência de um ser transcendente

não passa de uma contradição e sobre esse tema citamos Bochénski (1955):

O que o homem quer se converter no em-si e ao mesmo tempo ser o fundamento de sua própria causa, é dizer, um em-si-para-si. Com outras palavras, o homem quer ser Deus. A paixão do homem é ser em certo sentido a invenção da paixão de Cristo: O homem deve morrer para que se converta em Deus. Pois, para Deus é impossível: um “en-si-para-si” é uma contradição.

O trecho em destaque infere que existe uma contradição à medida que a

paixão de Cristo é tida como invenção. A contradição do em si, com sendo denso,

imóvel, complexo, uno, dentre outros atributos, desponta na medida em se pensa

sobre o questionamento de como possuí-los? E ao mesmo ser livre e conhecer a

tudo, por outro lado também não teria sentido lógico se Deus é um em si ter que ser

um em si para si, disso extraímos a ideia de Deus como uma contradição na criação

do homem.

Deus em sua empreitada teria criado o universo do nada, porém de duas

uma: ou o nada é um nada, um vazio e disso nada poderia ser criado ou em sua

oposição, o nada, é algo, pois, pensar o nada exige a pressuposição da existência

de algo. Afirmar uma essência do “nada”, no entanto, do ponto de vista

existencialista, seria impossível considerando que a existência precede a essência,

portanto, para o existencialismo estes fatos nenhum efeito geraria.

De um modo geral, as escrituras sagradas e em específico a escritura

sagrada ocidental conduz o homem a crer em uma criação ex hihilo, concepção

embasada na criação do universo por um único escultor denominado Deus e antes

dele nada existia, tão somente ele, conforme dispõe o livro de Genesis 1.1 “No

princípio criou Deus os céus e a terra”. À luz do Novo Testamento, lemos em João

1.3 que “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi

feito se fez”. Complementando este raciocínio ainda podemos citar o apóstolo Paulo

que, em Hebreus 11.3, afirma, “Pela fé entendemos que foi o universo formado pela

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palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não

aparecem”.

Dessas passagens e outras existentes no corpo da escritura sagrada não se

consegue extrair de forma inequívoca elementos que forneça segurança

suficientemente capaz de sustentar a criação do universo do Nada, É importante

notar que existe uma tentativa de explicar este fenômeno em decorrência da

impossibilidade da explicação, quando retrata uma criação do visível pelo invisível,

ou seja, pela negatividade.

A tese de contradição da criação ex nihilo encontra reforço, diante da

absurdidade da possibilidade frustrada a qual encontra respaldo ao lermos o

versículo sobrepondo a segunda parte em face da primeira, “De maneira que o

visível veio a existir das coisas que não aparecem, pela fé entendemos que foi o

universo formado pela palavra de Deus”, ou seja, ainda que a criação tenha se dado

pelas coisas que não aparecem, elas já se encontravam em Deus, pois, para serem

emitidas por suas palavras – para ter uma certa logicidade – deveria estar contidas

em seu pensamento. Sendo assim, a teoria ex nihilo se revela impossível e

falaciosa.

Outrossim, a possibilidade de uma preexistência material na criação, reflete

do ponto de vista sartreano uma contradição, não somente pela base que alicerça a

corrente filosófica existencialista, como também no seio da doutrina cristã que

defende a criação a partir de Deus, na medida que a existência não possui essência

e esta somente se concretiza a partir da existência. A exegese da escritura não

afasta a essência materialista no momento da criação, o que demonstra uma certa

incoerência.

Nesse sentido, o homem pelas circunstâncias é levado a acreditar na criação

ex nihilo, por quê? Porque se houver entendimento contrário, Deus como arquiteto

“mor” teria criado o universo de uma matéria equiparada a ele, pois tudo teria

surgido junto com Deus. Portanto, nas mesmas condições, observando o universo

notamos que diferente de Deus as coisas existentes não são eternas, e isso nos

conduz, através da negação, a acolher o fenômeno ex nihilo.

A este respeito, se considerar a matéria equivalente a Deus, então Deus não

poderia ser Deus, pois os predicados absoluto e necessário seriam também

atribuídos a matéria onde a supremacia divina e sua autonomia seriam

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questionáveis. Não poderia existir uma diferença essencial, caso não houvesse um

hiato entre Deus a e matéria. Sendo eles iguais, Deus não regeria a matéria por esta

ser senhora de seu governo, possuindo a mesma propriedade, adjetivos e atributos

de Deus.

Do contexto, percebemos outras implicações questionadoras e que conduz a

reflexão sobre a ilusão da criação, ou seja, se houver defesa no sentido de que tudo

no universo é Deus - posição panteísta - podemos sumariamente ser levados a crer

que a unidade de Deus não se sustenta na medida em que existe no universo

movimento. A possibilidade como colocado da existência de matéria e de Deus no

plano da dualidade, coloca a matéria a guerrear com Deus, gerando inevitavelmente

certo tensionamento.

Não diferente é a supremacia radical de Deus. Sustentando esta posição a

humanidade é levada a acreditar que são deístas, melhor explicando, a

transcendência do criador o colocar em um tribunal a julgar todos, Deus não teria

uma intervenção, senão somente no ato de criação e posteriormente participaria do

juízo final.

Esta questão também é retratada por PENZO; GIBELLINI (2002, p. 18-19) na

clássica obra Deus da filosofia do século XX, senão vejamos:

No quinto livro de A gaia ciência, sob o título “Em que medida nós somos devotos”, Nietzsche, depois de ter-se lamentado pela perda da fé metafísica, em que, porém, se funda a ciência, confessa não ter uma certeza inabalável de perda definitiva do fundamento divino. [...] O novo modo de propor a relação entre ser e Deus fica fora desse princípio “não contradição”. [...] Por isso, caso tente esboçar uma resposta para a pergunta nietzschiana sobre o sentido em que ainda se pode ser devotos, pode-se dizer que isso é possível no âmbito de um existência imoral. Ou seja, no âmbito de uma existência que escapa ao poder do homem e, portanto, á força imperativa do conceito e, por isso, da Lei.

Complementam os autores, ainda citando:

De resto, Nietzsche procura demolir o fundamento do existir moral e, portanto, a validade ontológica da metafísica quando afirma, ainda em A gaia ciência (par. 347.355), que, no fundo, a raiz da metafísica seria de natureza psicológica. A confiança na dimensão universal do conceito e, portanto, da lei, teria, para ele, explicação no instinto do “medo” que está em cada um de nós, ou seja, na necessidade de certeza e de segurança. Essa necessidade de certeza e segurança estaria justamente na base do princípio de não-contradição.

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A criação, por estes vetores, apenas reflete, com isso, ratifica a inexistência

de Deus, seu dogmatismo somado à pseudo-segurança conduzem ao problema da

prova cientifica da existência de Deus, no plano pós-metafísico circunda pelo abismo

de uma crise gerada pela figura paternalista de Deus.

Essa figura, abominada pela filosofia sartreana, em Nietzsche não passa de

um Deus-Âncora no plano metafísico e no plano pós-metafísico. Deus-risco, em

decorrência da insegurança oriunda de sua improbabilidade, outrossim, outros

pensadores, tais como Descartes e Locke representam seus pensamentos uma

forma de revelar a rigidez do pensamento ateísta de Sartre.

Em Descartes a ideia inata de infinitude presente no espírito que representava

a prova de Deus, é fulminada, tanto por Sartre como aniquilada, por Locke, segundo

trabalho artesanal cunhado pelo formão da filosofia de autoria de Saulo Henrique

Souza Silva no texto “Locke e a crítica à prova cartesiana da existência necessária

de Deus: um problema moral” (2008, p. 145-159):

No ensaio de Locke, utilizando o que denomina de “historical plain method” (simples método histórico, Essay, Introduction, parágrafo 2º), pretende fazer do entendimento humano o objeto de uma investigação cuja finalidade é delimitar com precisão a origem, certeza e extensão de nosso conhecimento. Exposta sua, intenção,o filósofo inglês estabelece a princípio basilar de sua filosofia, a saber: que não existe nenhuma ideia inata da mente dos homens , sendo esse fato evidente porque “nem as crianças nem os idiotas possuem a menor apreensão ou pensamento delas” (ibidem, I, II, parágrafo 5), nem tais ideias, sejam práticas ou especulativas, recebem da Humanidade validade universal.

Complementa o autor:

[...] diferente de Descartes, Locke pensa que a existência real de Deus não pode ser provada a priori por nenhuma suposta i deia inata de um ser sumamente perfeito como sendo “a explicação de uma concepção que temos em comum de Deus” (Curley, 1997, p. 55), visto que, essa ideia não encontra nenhum assentimento geral entre os homens. (o negrito é meu).

Locke não defende uma ideia contrária a existência de Deus, sua visão

antropológica busca sedimentar Deus como escultor da natureza e arquiteto das

regras da moral que faz o homem ser o que é. No entanto, se Locke debela a tese

cartesiana, na medida em que Deus não é uma ideia imanente ao homem, como

destaca Etiene Gilson em sua obra Deus e a Filosofia (2002, p.42)

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Efectivamente, o próprio Moisés não conhecia o nome do Deus único, mas sabia que os judeus lho perguntariam; mas, em vez de se envolver em profundas meditações metafísicas para descobrir o verdadeiro nome de Deus, ele optou por um atalho tipicamente religioso. Moisés simplesmente perguntou a Deus Seu nome, dizendo-lhe “Senhor, irei ao encontro dos filhos de Israel dizer-lhes: O Deus dos vossos pais enviou-me até vós. Se eles me perguntarem: qual é o seu nome? O que lhe devo responder? Deus respondeu a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse: Assim o dirá aos filhos de Israel: O QUE É enviou-me até vós”.

Complementar o autor (2002, p. 65):

É um facto conhecido que Descartes sempre desprezou a História, mas aqui a História pregou-lhe uma partida. Se não tivesse investigado tão pouco o passado da sua própria ideia de Deus, teria compreendido imediatamente que embora seja verdade que todos os homens tem uma certa ideia de divindade, nem todos tiveram, nem sempre, a ideia cristã de Deus. Se todos os homens tivessem essa ideia de Deus, Moisés não teria perguntado a Javé o seu nome; ou a resposta de Javé teria sido: “Que pergunta disparatada, tu sabe lo”.

Sartre não diferente, debela com o pensador inglês, na medida em que Deus

é um absurdo e que o valor moral é uma modalidade do nada. À medida que o

homem estabelece seus valores e a sua moral, Deus não existe. Mais do que

Nietzsche que afirma que “Deus Morreu”.

Para a concepção Sartreana, o grande autor da natureza e escritor de suas

regras é o próprio homem, criatura esta condenada a liberdade e senhor do seu

destino, como podemos extrair do trecho da obra a A idade da razão, do diálogo

entre Mathieu e Marcelle (Sartre, 1979, p. 15) “... tem saudade dessa época?

Marcelle respondeu secamente: Dessa época, não, mas da vida que poderia ter

tido”, negar Deus no interior do existencialismo, representa a garantia de que o

amanhã existirá, enquanto que negar Deus para o empirismo Lockiano a Lei da

natureza não existiria.

Sendo assim, para o existencialismo a criação é uma ilusão dentro dos

contornos dessa corrente. Por que? Se para o existencialismo sua condição de

corrente filosófica existe independentemente da fé e/ou da religião, esta na medida

em que é revelada ou imposta como postulado, por ser contraditória, ou melhor, por

não provar claramente o que é Deus e quem seja, principalmente pelo vértice

filosófico, não merece ter estatuto de superioridade que habilite à criticar e expor o

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pensamento existencialista como sendo uma doutrina imersa no mal e em falsas

verdades emergente do século XX.

No século XX, temos um problema crítico a ser encarado, o qual não

podemos nos furtar, segundo Albéres (1958, 09) “... a angústia da responsabilidade

humana por um homem que não admite guia algum no exercício desta

responsabilidade”, é elemento que recorta a questão da autonomia moral a ser

explorada dentro do pensamento de Sartre e que trataremos no decorrer destas

próximas linhas.

Uma moral que se faz presente, a partir da existência, é algo que rompe com

a compreensão clássica gerando inevitável conflito nos círculos intelectuais, em O

existencialismo é um humanismo (1987, p. 8-9) Sartre fala da necessidade de

suprimir Deus e garantir a priori todas as dimensões da existência, partindo do

próprio homem:

O existencialista opõe se frontalmente a certo tipo de moral laica que gostaria de eliminar Deus com o mínimo de danos possível. Quando, por volta de 1880, os professores franceses tentaram constituir uma moral laica, disseram mais ou menos o seguinte: Deus é uma hipótese inútil e dispendiosa; vamos suprimi-la: porém, é necessário – para que exista uma moral, uma sociedade, um mundo policiado – que certos valores sejam respeitados e considerados como existentes a priori; é preciso que seja obrigatório a priori, ser honesto, não mentir, não bater na mulher, fazer filhos, etc.

A Moral Sartreana está ancorada nos valores criados pelo próprio homem que

os constituem em sociedade e os respeita praticando suas ações conforme as

regras estabelecidas. Esta posição revelou o radicalismo da corrente existencialista,

pois, ao fazer essa afirmação Deus foi transformado em uma ilação ultrapassada,

desnecessária e inviável para a construção dos valores morais.

Citando trecho da mesma obra acima citada O existencialismo é um

humanismo (1987, p. 9):

O existencialista, pelo contrário, pensa que é extremamente incômodo que Deus não exista, pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar valores num céu inteligível; não pode mais existir nenhum bem a priori, já que não existe consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em nenhum lugar que o bem existe, que devemos ser honestos, que não devemos mentir, já que nos colocamos precisamente num plano em que só existem homens.

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Ao considerarmos que a existência precede a essência, em Sartre somos

conduzidos a pensar que os valores morais somente podem surgir de uma

construção por meio da ação do homem. Por outro lado, acreditar na moral cristã

seria repousar na imensidão da vagueza, à medida que os valores cristãos

dependem de um exercício homérico de hermenêutica intelectiva em busca de

compreender a moral oriunda dos textos cifrados das escrituras religiosas.

Também é oportuno compreendermos esta forma de elaboração da moral

sartreana, considerando ser este pensador um Moralista que realiza suas

observações, descrevendo-as e julgando-as dentro do contexto humano, o homem

como agente autônomo e elemento central de sua filosofia tem seus atos e atitudes

analisados donde se extrai as concepções morais.

Em Albérès (1958, p. 46-47) podemos citar:

Este movimento marca uma desconfiança do homem com relação aos “valores”, uma vez que eles estão comprometidos em uma civilização, petrificados de algum modo e tornam se suscetíveis de se transformar de realidades vividas em álibis de para a hipocrisia.

Outrossim:

[...] Sartre toma os valores morais na medida em que se degradam, tomando fatalmente o aspecto de convenções; eis o que Péguy entendia por “mística deteriorada em “política”. Sartre e este é bem o movimento de sua filosofia, vem então a criticar tudo pela sinceridade, lucidez e responsabilidade nuas do indivíduo, desprezando os valores coletivos e a “moral” que se transformam muito amiúde em paraventos para a insinceridade.

Podemos perceber que Sartre rompe com o clássico entendimento sobre a

moral. É importante deixar claro que para este pensador a moral é uma construção a

partir de valores criados pelo próprio homem. Diante disso, os valores impostos, os

valores apresentados por uma moral cristã são suscetíveis de desconfiança, são

verdadeiros iglus da hipocrisia, considerando a evolução social e dos valores

construídos em determinado momento social.

Não diferente seria ao lermos a partir de Sartre que a “sinceridade, lucidez e

responsabilidade nuas do indivíduo, desprezando os valores coletivos e a “moral”

que se transformam muito amiúde em paraventos para a insinceridade” (sic) fosse

suprimida e deixada às margens do descrédito. Nesta passagem podemos observar

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que o pensador deixa claro que no exercício de sua liberdade o homem cria, ou

melhor, constrói seus parâmetros morais, o seu contrário, ou seja, os postulados

apresentados não servem para justificar a moral deste homem, o qual somente

encontra justificativa ao realizar sua subjetividade por meio de sua liberdade.

Confirma esta inferência o trecho da obra de Albérès (1958, p.48):

Aqui o que exprime o pensamento de Sartre é bem o homem do século XX, cada vez mais livre das leis exteriores da vida e cada vez mais comprometido com uma responsabilidade rigorosamente pessoal. Foi dito muitas vezes, depois de Nietzsche, que “Deus está morto”. Entre o século XIX, e o nosso, não só Deus que está morto, é antes todo um conjunto de valores intermediários entre Deus e o homem, um conjunto de mitos e semideuses, o que os filósofos chamam “os valores”. É incontestável que, mesmo se novos valores aparecem em nossa época, o sistema de valores sobre os quais viveu o século passados conheceu um vasto desmantelamento.

Duas são as verdades, os valores tidos como tautologias oriundas de uma

moral cristã inabalável ou quando no mínimo de um mundo composto de deuses e

criaturas mitológicas são vazadas e reduzidas ao pó pelo pensamento

existencialista.

Quanto aos valores construídos a partir da existência do Ser, estes também

tem uma certa modulação quanto aos seus efeitos, todavia, o mais importante, se

resume em primeiro lugar que o homem não precisa de Deus ou deuses para

construir a sua moral. Livre e condenado a liberdade pode construir estes valores e

também reconstruí-los quando os valores anteriores não mais atendem a suas

necessidades.

Sartre traça um paralelo entre arte e moral, pois segundo ele ambas têm algo

em comum, pois, tanto a arte como a moral é fruto de uma criação e invenção,

nesse processo o homem escolhe a sua moral a partir de sua própria construção

que se perfaz dentro de suas circunstâncias, ficando certo que se boa ou má, uma

moral deve ser escolhida, ainda que seja pela não escolha, como condição

indeterminante da liberdade, em que funde a autonomia do para si.

A autonomia representa um status de independência a partir do exercício

concreto social, que se assenta na liberdade, questão esta vastamente discorrida

quando tratamos da autonomia em Sartre.

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A questão da autonomia religiosa que será examinada a partir de agora é

uma questão que remonta desde os primórdios da humanidade e sempre foi um

problema insolúvel, ao que parece, um golpe dos que idealizaram Deus, lhe deram

uma roupagem, uma linguagem, um tom misterioso e o cravaram em um labirinto

infinito, elevaram-no ao eterno, ao plano este distinto dos demais, assim, o homem

não pode alcançá-lo, no máximo consegue conjecturar sobre ele.

Por que então o homem é assim?, que homem é este?, contribui para esta

compreensão o legado por Penzo e Gibellini (2002, p. 14-15):

Definir o homem, segundo a concepção clássica, como animal racional, significa não captar a autêntica dimensão existencial do homem. A definição clássica está circunscrita a um âmbito determinado e ressalta, no fundo, sobretudo o aspecto negativo do homem, esclarecendo o que o homem não é em comparação com o animal. É ressaltado apenas o aspecto da diferença específica, a razão, graças a qual a espécie humana se distingue da espécie animal. E, por sua vez, se reduz a essência da razão a puro intelecto, que procede com as categorias do pensar lógico, fundadas no princípio da não-contradição. Considerado, porém, sob o aspecto positivo, ou seja, na sua irreptível individualidade, o homem não encontra a sua mais profunda essência no intelecto cognoscente. O homem é, antes de tudo, liberdade, e o horizonte autêntico da liberdade não pode ser captado mediante o puro conhecer, que representa o modo típico de proceder à ciência.

Complementa o autor:

Se percorrermos até o fim o caminho do conhecer, sempre nos encontraremos diante da relação entre sujeito cognoscente e objeto conhecido. Mas, nesse âmbito, mais do que falar de liberdade, deve se falar, em sentido estrito, de autonomia. Isso significa que, à medida que se percorre o caminho do conhecer, adquire-se uma consciência cada vez maior da própria autonomia.

Também, lançar ao vazio não nos dá condições de sustentação ao que

buscamos desestabilizar a partir do pensamento Sartreano, por esta razão alguns

outros pensadores devem contribuir com seu legado neste ponto trabalho ao menos

dando nos parâmetro para alicerçar a autonomia religiosa em Sartre traçando assim

a distinção de seu pensamento.

Podemos pontuar que a essência e a existência de Deus são interpretadas

como uma coisa só, este argumento ontológico estruturado por Santo Anselmo em

seu Proslógion, encontra cristalina definição em “O Unum Argumentum de Santo

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Anselmo”, São Paulo, 24/05/2010, em seminário de pesquisa realizado por William

Moraes da Silva, senão vejamos:

O Proslógion é considerado o principal opúsculo desenvolvido por Santo Anselmo, datado de 1079, o Proslogion, título de origem grega, é uma palavra de difícil tradução, geralmente interpretada, embora de modo muito limitado, como “para os outros”. Este opúsculo é dividido em XXVI capítulos, que podem ser separados em dois grandes grupos. A primeira parte é constituída pelos capítulos I, II, III e IV, tendo como objetivo, a apresentação e desenvolvimento do unum argumentum. A Finalidade principal de Anselmo nesta obra, é a contemplatio da divina substantia: “Um argumento suficiente, em suma, para fornecer provas adequadas sobre aquilo que cremos acerca da substancia divina (Anselmo, 1973:103). A segunda parte contém a maioria dos capítulos da obra, muito embora, dependa da fundamentação apresentada da primeira. Em outras palavras, o capítulo V em diante, aborda o que seria a natureza de Deus, os atributos presentes na divina substantia, e, que, portanto, tem um caráter secundário.

O caráter, místico, devocional e dramático que são atributos de um Deus

paternalista, representa um hiato com relação ao pensamento existencialista. O

conceito de Deus justifica um divórcio entre o homem e a religião, se para Anselmo

Deus é um desejo da Alma, para o existencialismo Deus é um absurdo, uma

contradição.

O em si de Sartre se estabelece com condições que em tese equivale a

concepção de Deus, Deus em última análise é um axioma, uma verdade posta e

hipotética para o mundo, por outro lado, o para si como uma negação para vir a ser,

na obra O Ser e o Nada, conforme cita Cox (2007, p. 26) nos permite fazer uma

aproximação entre o transcendente e o axioma ligado ao ser para si, senão vejamos:

O ser e o nada, Sartre argumenta que qualquer tentativa de justificar aquilo que ele descreve como irrupção do para-si do ser, produz somente hipóteses que não podem, de forma alguma, ser válidas ou invalidas. De acordo com Sartre, a irrupção do para-si do ser tem que ser aceita como axiomática, assim como o ser do ser precisa ser aceito como axiomático.

A instalação da universalidade da teoria da emergência do para si é algo que

sustenta, ontologicamente, a forma de ser do para si comum aos demais organismos

conscientes. Por outro lado, Sartre ao se posicionar dessa forma se dá por satisfeito,

o que revela um esgotamento de seu intelecto como fim justificador do problema do

ser do para si.

Esta autonomia existencialista frente à religião, indubitavelmente, demonstra

a crise da religião ocidental no século XX, uma crise sem fronteiras, que se espraia e

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toma o tecido social, outrossim, representa um acordo feito pelo ateísmo do

pensamento político frente uma religião invisível e inexplicável, como bem retrata

Dilthey, citado por Penzo e Gibellini (2002, p.45):

Essa tentativa de separar o cristianismo dos seus mistérios e convicções e de transformá-lo num dado particular que se vincula não à natureza humana, mas somente a um Deus nominalista, instruir funcionários com essa particularidade, como empregados de Deus, deve atingir e cortar em toda parte as profundas raízes do cristianismo.

Dentro do contexto filosófico, é possível sem que haja cisma de se equivocar que a

corrente existencialista goza de autonomia, que a religião representa de an passan uma

possibilidade de explicar o homem, mas que não interfere que esse seja explicado

existencialmente como uma autonomia cujo nascedouro se dá por intermédio da liberdade,

afinal de contas segundo Etiene Gilson (2002, p. 86).

Seja qual for nossa resposta final ao problema de Deus, todos concordamos que Deus não é um fato empiricamente observável. A experiência mística em si é ao mesmo tempo indizível e intransmissível; daí que não possa tornar-se numa experiência objetiva. Se falarmos na ordem do puro conhecimento natural, a proposição “Deus existe” fizer qualquer sentido, tem de ser devido ao seu valor racional como resposta filosófica e uma pergunta metafísica.

O existencialismo, por um outro prisma, já distante da acepção religiosa e

agora assentado na perspectiva política e filosófica tem como proposta um pacto

com o presente, torna se perceptível na medida em que percebemos na obra O Ser

o Nada como ponto fulcral o homem em sociedade, como bem destaca István

Mészáros (1991, p. 170).

O ser e o nada é uma ontologia concebida do ponto de vista da subjetividade, e “a experiência da sociedade” é posta em jogo apenas até o ponto em que pode oferecer ilustrações – muitas vezes brilhantemente coloridas – do “mundo” extremamente abstrato (não o mundo empírico, mas um construto ontológico) no qual “a realidade humana” (subjetividade ou individualidade) se situa.

Sartre não se preocupa com o passado como seu contemporâneo Heidegger,

como bem destaca Bornheim (2005, p. 300):

Nesse particular, Sartre se revela o oposto de Heidegger; este é, antes de tudo, o grande crítico da história da metafísica, o pensador da historicidade dessa História, e uma extensa parte de sua obra se debruça sobre o

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passado, perscruta-lhe as implicações, procura detectar suas modulações mais remotas. Justamente por esta razão aponta caminhos que realmente apresentam fecundidade para o pensamento e conseguem abrir novas perspectivas: de dentro do passado, sendo o passado, seu pensamento é mais do que o passado. Mesmo se se disser que esse mais se revela escasso e até insignificante em face do que deveria ser em sua complexidade uma ontologia da finitude, tal insuficiência decorre precisamente do clima de profunda historicidade.

A filosofia é um exercício intelectivo e tem guarida dentro da consciência do

homem, surge dentro do existencialismo com a existência do ser que passa a dar a

esta consciência algo que não tinha, ela era um nada. A afirmação principal do

existencialismo de Sartre pode ser resumido na máxima “a existência precede a

essência”, máxima essa que marca o seu pensamento e sua relação com todas as

outras correntes filosóficas da época.

A corrente filosófica existencialista fratura o cordão umbilical com a

concepção clássica de que a essência precede a existência, para ilustrar melhor, é

interessante colecionarmos breve trecho da obra de Descartes: a Metafísica da

modernidade Franklin Leopoldo e Silva (2001, p. 46), senão vejamos:

Toda substância compõe-se de forma e matéria, e a forma é precisamente o ato que faz com que a substância exista de maneira determinada.Ora, esse ato constitutivo da substância, pelo qual ela existe, é a forma substancial ou a forma da substância. É essa forma que faz com que alguma coisa exista, primeiramente como substancia (essência) à qual se acrescentarão os acidentes, que são as determinações não-essenciais da substância. Essa noção desempenha papel de destaque no conhecimento dentro da filosofia aristotélico tomista...

Como apresentado, o existencialismo tem em si sua forma, sua linguagem e

sua estrutura, possui uma autonomia filosófica que lhe faz ser o que é e não ser o

que não é, a este respeito, Mário Curtis Giordani (1976, p.19):

[...] poderíamos arriscar-nos a uma definição do que seja Existencialismo? O leitor já terá facilmente compreendido a temeridade e quase impossibilidade de realizar tal pretensão, pois como observa Foulquié, “há com efeito quase tantos Existencialistas quanto filósofos existencialistas”. Cabe aqui lembrar a opinião de Aloys Wenzl em seu trabalho Problem der Existential-philosophie, segundo a qual o Existencialismo não constitui uma doutrina filosófica existencialistas possuem apenas de comum o ponto de partida, o problema e a maneira de enfrentá-lo: “não existe o Existencialismo como doutrina comum; existe só como situação filosófica temporal”.

Citando, Jolivet apud Giordani (1976, p. 19):

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Conjunto de doutrinas segundo as quais a Filosofia tem por objeto a análise e a descrição da existência concreta, considerada como o ato de uma liberdade que se constitui ao se afirmar e que não tem nem outra origem nem outro fundamento além dessa afirmação de si mesma.

Disso somos tangenciados a ter o existencialismo como uma corrente

filosófica autônoma como acima resvalado, todavia, ela é capaz de gerar e gerir

todos os seus conceitos e atributos, dando conta de responder aos questionamentos

que a fazem ser reconhecida como uma doutrina filosófica independente.

Doutrina, não como um engessamento ao pensamento e a forma como deve

ser compreendida em última instância o pensamento de Sartre, cuja corrente alberga

a liberdade do homem como expressão máxima de sua condição existencial, mas ao

contrário como uma forma de pensar que atraiu e ainda hoje atrai muitos seguidores.

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4. A CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA DO SER DISTANTE DE DEU S A PARTIR

DO PONTO DE VISTA SARTREANO

Por certo que este capítulo é o cume. Apesar disso, queremos que os demais

capítulos como figurantes de uma ideia gozem de autonomia e preponderância tanto

quanto este, e que também o animus existencial não mexa com os demais animus a

ponto de desvirtuá-lo, salvo se este for a escolha de um para si. Nesse momento

preciso, faremos um recorte dos mais profundos do ponto de vista do rompimento

com Deus onde a autonomia do ser cria um hiato mais nítido em relação à

possibilidade do Ser que é, diante do ser que não é.

A autonomia conceituada em Sartre deve ser lida literalmente dentro dos

contorno de seu pensamento, pois, qualquer semelhança nominal e/ou interpretativa

extensiva conduzirá a uma conclusão não pertinente, a autonomia em destaque

surge depois da liberdade. O para si no exercício concreto social em plena sinergia

de sua liberdade enquanto ser existencial faz emergir um resultado que podemos em

Sartre denominar ou simplesmente nominá-lo como autonomia, como podemos

extrair desse trecho de o Ser e o Nada (2007, p. 257-258).

Longe de se abstrair certas qualidades partindo das coisas, é preciso ver, ao contrário, que a abstração, como modo de ser originário do Para-si, é necessária para que haja em geral coisas e um mundo. O abstrato é uma estrutura do mundo necessária ao surgimento do concreto, e o concreto só é concreto na medida que ruma ao seu abstrato e se faz anunciar, pelo abstrato, aquilo que é: o Para-si é revelador-abstrativo em seu ser. Vê-se que, por esse ponto de vista, a permanência e o abstrato são idênticos. Se a mesa, enquanto mesa, tem uma potencialidade de permanência, é na medida que tem-de-ser mesa. A permanência é pura possibilidade para um “isto” de ser conforme sua essência.

A abstração em Sartre representa parafraseando-o um processo pelo qual um

nada de ser passa para além do ser, onde o para si como transcendência toma

contato com isto e aquilo, ou seja, com as “coisas” que estão no mundo, por esta

razão, conseguir efetivamente selar este divórcio inacabado quando se busca

sustentar em última análise uma autonomia distante de Deus, principalmente quando

temos como baliza a obra o Ser e o Nada, obra esta cifrada onde os mais

experientes e dedicados em sua análise portam dúvidas, não é empreitada das mais

fáceis.

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No entanto, por ser desafiador que o convite foi aceito, assim surge também

um novo pensamento, onde a linguagem consegue tocar uma nova situação no

mundo. Neste contexto, conforme mencionada na derradeira citação, se revela

salutar compreender a acepção de permanência em Sartre (2007, p. 257), senão

vejamos:

Enquanto o Para-si se nega no porvir, o isto de que se faz negação desvela-se como lhe advindo do porvir. A possibilidade de que a consciência seja não-téticamente como consciência (de) pode-não-ser-isto desvela-se como potencialidade do isto de ser o que é. A primeira potencialidade do objeto como correlato do comprometimento, estrutura ontológica da negação, é a permanência, que perpetuamente lhe advém do fundo do porvir. A revelação da mesa como mesa exige uma permanência de mesa que lhe advém no futuro e não é um dado puramente constatado, mas uma potencialidade. Esta permanência, por outro lado, não advém da mesa de um futuro situado no infinito temporal: o tempo infinito ainda não existe; a mesa não se desvela como tendo a possibilidade de ser indefinidamente mesa. O tempo aqui tratado não é finito nem infinito: simplesmente, a potencialidade faz aparecer a dimensão do futuro.

O para si, neste contexto herda a mesma dinâmica na medida em que ele

aparece para além de si, como porvir “é enquanto não sou o que sou”, onde o isto a

qual sou presente surge como algo que supera, melhor, transcende a mim mesmo,

uma espécie de totalidade destotalizadora que demonstra por um lado o

inacabamento do para si e por outro lado sua soberania face o em si, como

esclarece Sartre (2007, p. 256).

Mas, como o Para-si se constitui enquanto presença, como consciência não posicional (de) si, faz-se anunciar a si, fora de si, pelo ser, aquilo que não é; recupera seu ser fora, ao modo “reflexo-refletidor”; a negação complementar, que ele é como sua possibilidade própria, é, portanto, negação-presença, ou seja, o Para si tem-de-sê-la como consciência não-tética (de) si e como consciência tética de ser-para-além-do-ser. E o ser-para-além-do-ser está vinculado ao isto presente, não por uma relação qualquer de exterioridade, mas por um nexo preciso de complementação que se mantém em exata correlação com a relação entre o Para-si e seu porvir.

Como cautela, sem que se perca na alteridade do intelecto, seja pelo excesso

de confiança, seja pelo limite que este possa se assentar, restará na pior das

hipóteses a conclusão de que Deus não interfere no destino do homem, todavia esta

conclusão foi deveras tratada por outros pensadores do pensamento existencialista

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sartreano. Por esta razão não podemos aceitar sem lutar, por hora, esta assertiva

como sendo a máxima que podemos atingir.

Dessa forma, é vital destacar inicialmente a raiz a partir de Sartre que instiga-

nos a perfilhar a autonomia do para si de forma tão contundente como se imprime na

presente tese, na obra o Ser e o Nada (2007, p. 232) Sartre semeia esta

possibilidade que de ora em diante será explorada de forma radical, pois, o

radicalismo representa um estigma sartreano.

O concreto se nos revelou como totalidade sintética da qual tanto a consciência quanto o fenômeno constituem apenas articulações. Mas se, em certo sentido, a consciência considerada em seu isolamento é uma abstração, se os fenômenos – mesmo o fenômeno de ser – são igualmente abstratos, na medida que não podem existir como fenômeno sem aparecer a uma consciência, o ser dos fenômenos, como Em-si que é que é, não poderia ser considerado uma abstração. Só necessita de si mesmo para ser, não remete senão a si mesmo. Por outro lado, nossa descrição do Para-si mostrou, ao contrário, como este se acha o mais longe possível de uma substância e do Em-si; vimos que era a sua própria nadificação e só podia ser na unidade ontológica de seus ek-stases. Portanto, a relação entre o Para-si e o Em-si há de ser originariamente constitutiva do próprio ser colocado em relação, não devemos entender com isso que tal relação possa ser constitutiva do Em-si, mas sim do Para-si.

O para si, representa o centro das atenções em Sartre, goza de autonomia

por ser fundador de seu conhecimento em existência, o único e capaz de explicar

por intermédio do conhecimento qualquer relação que possa se estabelecer com

relação ao em si, caso exista esta possibilidade relacional. Interessante a este

respeito trata Moller (1958, p. 81) citando breve trecho da obra O existencialismo é

um humanismo, senão vejamos:

O existencialismo não é propriamente um ateísmo no sentido em que se esfalfará a demonstrar que Deus não existe. Mais do que isso, ele declara: “ainda que Deus existisse, isso nada alteraria”; eis o nosso ponto de vista. Não que acreditemos que Deus exista; achamos, porém, que o problema não é o da sua existência; é preciso que o homem se encontre a si mesmo e se persuada de que nada o pode salvar de si mesmo, nem sequer uma prova substancial da existência de Deus (EH, p. 93).

Complementa Julian Marias (1952, p. 383) comentando Heidegger no sentido

de demonstrar a genuinidade da existência, no sentido de sê-la perfeita por si

mesma, descartando qualquer anomalia como ventilado no trecho da obra O

Existencialismo é um Humanismo.

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“EXISTÊNCIA” Y MUNDO – Pero em las ciências la “existência” trata con entes que no son forzosamente Ella misma. Ahora bien, a la “existência” le pertenece esencialmente estar en un mundo. La comprensión del ser de la “existência” supone, pues, de un modo igualmente orginario, la comprensión del “mundo” y del ser ente que se encuentra dentro del mundo. Las ontologias de los entes que no son “existencia” están fundadas, por consiguiente, en la estructura óntica de la “existência”. Esta es la razón de que debamos buscar em la analítica existencial de la “existencia” (existensiale Analytik des Daseins) la ontologia fundamental, de la que unicamente pueden surgir todas as demás.

Neste ponto, é possível encontrar um diálogo com Sartre em O Ser e o Nada

(2007, p. 541) revelando a liberdade como expressão máxima do existencialimo que

surge do nada do para si, onde a nadificação representa o ser da liberdade como

alma do para si que se faz senhor de sua autonomia por ser ação “movimento”.

Mas a liberdade não tem essência. Não está submetida a qualquer necessidade lógica; dela deve-se dizer o que Heidegger disse do Dasein em geral: “Nela, a existência precede e comanda a essência”. A liberdade faz-se ato, e geralmente alcançamo-la através do ato que ela organiza com os motivos (razão de um ato), os móbeis (um fato subjetivo) e os fins que esse ato encerra.

Esta movimentação existencial em busca da autonomia objetivada na

proposta parece encontrar um ponto de toque em Albérès (1958, p. 22), conforme

passo a esposar:

Deste modo, esta geração sentia a insuficiência dos valores descobertos em sua adolescência. A lucidez e a disponibilidade se azedavam na estagnação; o adolescente desprezador, imprudente, fantasista, que Cocteau animara, tornava-se homem amadurecido, hipercrítico, desabusado, que descobriu que a fantasia não dura, que o surrealismo fora um fogo de palha, e que sentia o mundo tempestuoso de 1936-1939 pronto a levá-lo as tormentas onde a liberdade individual não vale nada.

Abater-se frente à inércia seria aceitar a morbidez de uma verdade vendida

ao preço que o poder lhe faz, assim são as verdades que nos são vendidas quando

não questionamos ou quando questionamos sem elementos a desestabilizá-las, por

isso, existir é construir e assim é o Ser e o Nada.

Sartre propicia-nos um momento de reflexão sobre a questão da autonomia

algo que é universal ao “homem”, tanto quanto é a construção universal do homem

no mundo. Caso Deus tivesse qualquer interferência sobre o homem, este ao, ficar

inerte, mesmo assim se realizaria. Isso podemos concluir a partir da premissa

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autonomia que Deus não existe e também que a prova da autonomia do homem

distante de Deus se faz presente na medida em que este ser somente depende de si

para ser algo de diferente do que era e de mais ninguém, nem mesmo de Deus.

Deus, então, é uma contradição incapaz de interferir em qualquer aspecto da

existência humana, diante da estrutura do para si, como bem ilustra Sartre em O Ser

e o Nada (2007, p. 235).

A negação vem do próprio Para-si. Não se deve conceber esta negação segundo um tipo de juízo que recaísse sobre a própria coisa e negasse, a seu respeito, que fosse o Para-si: esse tipo de negação só seria concebível se o Para-si fosse uma substância feita e acabada, e, mesmo nesse caso, só poderia derivar de um terceiro termo que estabelecesse de forma uma relação negativa entre dois seres. Mas, pela negação original, é o Para-si que se constitui como não sendo a coisa. De modo que a definição dada há pouco da consciência pode ser formulada da seguinte maneira, na perspectiva do Para-si: “O Para-si é um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão o seu ser, enquanto este ser é essencialmente um certo modo de não ser que, ao mesmo tempo, ele posiciona como outro que não a si mesmo”.

O homem é, em si, uma totalidade destotalizada: através de seu corpo, seu

ego, seus costumes, seu destino, sua autonomia, está registrada sua tendência ao

nada. Através de sua negatividade e finitude em sua relação com a liberdade como

exercício dialético de sua condição existencial, Bornhein (2005, p. 300-301) nos

esclarece o surgimento do nada ontológico em Sartre:

Sem dúvidas, como toda a filosofia, também o existencialismo permanece histórico – mas ele não se sabe histórico. E fundamentalmente por esse motivo, Sartre é o passado; o próprio sentido da Metafísica tradicional como que desemboca, passivamente, no existencialismo. Digamos que a Metafísica se resolve, por dentro de si mesma, na obra de Sartre. O existencialismo continua essencialmente platônico, com a significativa diferença de que se processa nele uma inversão do sentido do platonismo; quero dizer que, por razões que persistem inteiramente metafísicas (ou platônica), a ontologia do ser se transmuta com necessidade na exigência de uma ontologia do nada, ou seja, a existência deve agora preceder a essência.

A moral e os demais valores como elementos dissuadem da interferência de

Deus, uma prova que demonstra a independência do homem. A moral Sartreana é

criada a partir de valores gerados pelo próprio homem que os constituem em

sociedade e os respeita praticando suas ações conforme as regras estabelecidas,

pois, em qualquer posição que se coloque Deus no bojo da corrente existencialista

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sua participação gera insofismavelmente uma incompatibilidade, pior, que isso, uma

inconsistência absoluta diante da liberdade sartreana como constatamos em O Ser e

o Nada (2007, p. 544).

Mas, em lugar de ver nesses fins transcendências postas e mantidas em seu ser por minha própria transcendência, iremos supor que as encontro ao surgir no mundo: provêm de Deus, da natureza, de “minha” natureza, da sociedade. Esses fins pré-formados e pré-humanos irão definir, portanto, o sentido de meu ato antes mesmo que eu o conceba, assim como os motivos, enquanto puros dados psíquicos, irão provocá-lo sem que eu sequer dê-me conta. Motivo, ato, fim, constituem em um “continuum”*, um pleno. Essa tentativas abortadas de sufocar a liberdade sob o peso do ser – tentativas que se desfazem ao surgir de súbito a angústia ante a liberdade – demonstram o suficiente que a liberdade coincide em seu fundo com o nada que está no âmago do homem. A realidade humana é livre porque não é o bastante, porque está perpetuamente desprendida de si mesmo, e porque aquilo que foi está separado por um nada daquilo que é e daquilo que será. E, por fim, porque seu próprio ser presente é nadificação da forma do “reflexo-refletidor”. O homem é livre porque não é si mesmo, mas presença a si. O ser que é o que é não poderia ser livre. A liberdade é precisamente o nada que é tendo sido no âmago do homem e obriga a realidade humana a fazer-se em vez de ser.

Complementa Sartre (2007, p. 544):

Como vimos, para a realidade humana, ser é escolher-se: nada vem de fora, ou tampouco de dentro, que ela possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem qualquer ajuda de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de fazer-se ser até o mínimo detalhe. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, ou seja, seu nada de ser. Se começássemos por conceber o homem com algo pleno, seria absurdo procurar nele depois momentos ou regiões psíquicas em que fosse livre: daria no mesmo buscar o vazio em um recipiente que previamente preenchemos até a borda. O homem não poderia ser ora livre, ora escravo: é inteiramente e sempre livre, ou não o é.

Esta postura revela o radicalismo da corrente existencialista ao declarar esta

posição, a qual transformou Deus em uma ilação ultrapassada, desnecessária e

inviável para a construção dos valores morais e éticos. Citando trecho da O

existencialismo é um humanismo (1987, p. 9), Sartre afirma:

O existencialista, pelo contrário, pensa que é extremamente incomodo que Deus não exista, pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar valores num céu inteligível; não pode mais existir nenhum bem a priori, já que não existe consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em nenhum lugar que o bem existe, que devemos ser honestos, que não devemos mentir, já que nos colocamos precisamente num plano em que só existem homens.

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Em Sartre temos a sensação de uma sombra de nostalgia a respeito de Deus,

mas para todo efeito, ainda que ele existisse em nada alteraria o pensamento

existencialista, aliás, somos conduzidos a pensar que os valores morais somente

podem surgir de uma construção por meio da ação do homem, depende deste.

Por outro lado, acreditar na moral cristã seria repousar na imensidão da

vagueza na medida em que os valores cristãos dependem de um exercício homérico

de hermenêutica intelectiva em busca de compreender a moral oriunda dos textos

cifrados das escrituras religiosas, além de que sua aceitação seria fazer do homem

um não ser, por asfixiar a liberdade do para si.

Deus, neste aspecto, se revela distante e incapaz de outorgar ao homem as

regras de sua vida, considerando que estas regras somente surgem no plano da

existência, pois, antes nada existe. Para Mário Giordani (1976, p. 111), a concepção

da moral em Sartre assim é definida:

Em “Le Diable et le Bom Dieu”, Sartre põe nos lábios de Goetz estas significativas palavras: “Il n’y avait que moi: j’ai decide Seul du Mal; Seul, j’ai invente le Bien”. E aqui temos resumido todo o subjetivismo da moral sartreana. Ao mesmo tempo que nega a existência de Deus, Sartre nega também a existência de uma ordem de valores preestabelecidos no mundo: “Sem dúvida, o homem elege sem deixar-se guiar por valores preexistentes”. A criação ética e estética estão no mesmo nível sob o ponto de vista moral: “temos o poder de criação e invenção na moral e na arte”. Tudo, pois, é permitido. Ao projetar-se “cada um elege livremente sua moral”. E temos aqui a moral da ambiguidade construída sobre um terreno movediço e vacilante.

Isso prova que a moralidade existencialista também é instrumental, clara e

objetiva é a demonstração da autonomia do homem, que não depende de Deus para

reconhecer, respeitar, viver ou conviver com o outro em sociedade, o que faz Deus

ser uma concepção equivocada.

Segundo Mário Giordani (1976, p. 27), existe, por parte da corrente

existencialista, uma obsessão de Deus: “Sartre, considera Deus um falso conceito,

uma contradição, usa-o como tema frequente de suas dissertações”. Posição esta

assumida por Sartre em sua obra clássica O Ser e o Nada, o ser seria sua própria

causa, ou melhor, a causa de si mesmo.

Complementando o pensamento citando Giordani (1976, p. 29), notamos que:

Das teorias dos principais autores existencialistas não é difícil concluir que as mesmas levam a um profundo irracionalismo, a uma aversão à filosofia

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científica, a um completo subjetivismo no que tange os conceitos de verdade e de valor, ao desprezo das essenciais, a um relativismo, à destruição, enfim, dos fundamentos da Filosofia tradicional cristã. “não é de admirar-se que se chegue, por essas teorias, a pôr em perigo duas disciplinas filosóficas que, por sua natureza, estão estreitamente unidas ao ensino da fé: a teodicéia e a ética. (Humani Generis, n.º 52)

Para Sartre o equívoco de Deus, além do estilo literário de sua filosofia

existencialista, tem por base seu ateísmo. Ao negar Deus, toma como referencial a

liberdade, pois seu exercício não teria razão de existir quanto ação se Deus

existisse, por isso, Deus seria também uma contradição histórica, como explicita

Sartre (2007, p. 543).

É através dela que o Para-si escapa de seu ser, como de sua essência; é através dela que constitui sempre algo diverso daquilo que pode-se dizer dele, pois, ao menos é aquele que já está além do nome que se lhe dá ou da propriedade que se lhe reconhece. Dizer que o Para-si tem de ser o que é, dizer que é o que não é não sendo o que é, dizer que, nele, a existência precede e condiciona a essência, ou inversamente, segundo a fórmula de Hegel, para quem “Wesen ist was gewesen ist” – tudo isso é dizer uma só e mesma coisa, a saber: que o homem é livre.

A providência no mundo, enquanto algo peculiar ao homem, onde a divindade

não poderia influenciar, longe de qualquer lei moral ou valor eterno, o homem está

condenado a ser livre, ele simplesmente existe de forma gratuita. Esta situação mais

bem ilustrada por Mário Giordani (1976, p. 110) ao trazer um trecho da obra

Sartriana “Les Mouches”:

Em “Les Mouches”, Deus, sob a forma mitológica de Júpiter, é apresentado como uma espécie de tirano que impõe aos homens uma noção petrificada do bem. Orestes exclama: Que importa júpiter? A justiça é um negócio de homens, eu não tenho necessidade de Deus para apreendê-la

Outrossim:

Quando a liberdade explode na alma de um homem, os deuses já nada mais podem contra esse homem.

Este ateísmo de Sartre demonstra o perfil de seu existencialismo. Ele

pensador conseguiu transmitir algo importante, um legado que a modernidade e

contemporaneidade previa: sacar que o mundo é desprezível, diante de sua

insuficiência e desnecessidade, onde o homem atribui o significado as coisas, sem o

homem nada têm sentido, nem mesmo Deus, por isto Deus não pode ser um criador!

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Deus não pode ser o artífice criador do homem, pois, se somos a semelhança

de um criador logo seríamos tanto quanto ele, o que por si só é contraditório, em O

existencialismo é um humanismo, (Sartre, 1987, p. 6) encontramos para a

concepção existencialista do homem a qual é, diametralmente, oposta a teoria da

criação:

O homem, tal como existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de inicio, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe Deus para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é o primeiro princípio do existencialismo.

O dilaceramento conceitual por si só marca a autonomia desta corrente

filosófica e nos traduz uma realidade a qual devemos aceitar, ou não, caso não

aceitemos ficaremos na contradição da frágil justificativa de nossa criação por um

ente superior.

O homem existencialista é ateu por excelência, ao menos pelo prisma

sartreano, contesta na totalidade o fenômeno da criação do homem como sendo

uma obra de Deus, o concebendo como uma verdade imposta a qual surge por meio

do equívoco da criação a partir de um ser supremo, segundo Sartre não passa de

uma contradição.

Contradição esta que nasce na medida que a paixão de Cristo é tida como

invenção, a contradição do em si, como sendo denso, imóvel, complexo, uno, dentre

outros atributos desponta na medida em se pensa sobre o questionamento de como

possuí-los? O mesmo ser livre que conhece tudo, por outro lado, também não teria

sentido lógico se Deus é um “em-si” ter que ser um em “em-si-para-si”, disso

extraímos a ideia de Deus como uma contradição na criação do homem.

Deus por esta hipótese tivesse criado o universo do nada, porém de duas

uma: ou o nada é um nada, um vazio e disso nada poderia ser criado ou em sua

oposição, o nada, é algo, pois, pensar o nada pressupõe a existência de algo, uma

essência do “nada”. No entanto, do ponto de vista existencialista, seria impossível,

considerando que a existência precede a essência.

Sartre rompe com a teoria de potência em Aristóteles, nesse aspecto

herdamos um problema a ser dissolvido, ou seja, a busca por uma resposta

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plausível dentro do espectro ontológico sartreano, a este respeito Sartre é pontual

(2007, p. 238).

Não posso negar que sou tal ser, à distância deste ser. Se concebo um ser inteiramente fechado em si, este ser, em si mesmo, será simplesmente o que é, e, por isso, nele não haverá lugar seja para uma negação, seja para um conhecimento. De fato, um ser só pode dar a conhecer a si mesmo aquilo que ele não é a partir do ser que ele não é. Significa, no caso da negação interna, que o Para-si aparece a si como não sendo o que não é lá longe, no e sobre o ser que ele não é. Nesse sentido, a negação interna é um nexo ontológico concreto. Não se trata aqui de uma dessas negações empíricas, nas quais as qualidades negadas se distinguem primeiramente por sua ausência ou mesmo por seu não-ser. Na negação interna, O Para-si é esmagado sobre aquilo que nega. As qualidades negadas são precisamente a que há de mais presente ao Para-si; é delas que o Para-si toma sua força negativa e a renova perpetuamente.

No mais, desde o século passado e retrasado quando do surgimento deste

radicalismo com que imprimi a concepção existencialista, a Igreja lançada a

examinar sua estrutura e sua forma de pensamento. Tal atitude demonstra que a

certeza da criação do homem por Deus não convence nem mesmo seus maiores

mentores, questão esta que encontramos em Giordani (1976, p.13) “... Pio XII,

através da memorável Encíclica Humani Generis, chama a atenção: ... em segundo

lugar, porque, às vezes, até nas teorias falsas encontram-se escondido um resquício

de verdade...”.

Embora a igreja tenha no existencialismo uma doutrina falsa, não menos

diferente tem o existencialismo como falsa a doutrina da igreja, a qual embriaga seus

fiéis com a cicuta da fé, a qual põe Deus no status de um Ser supremo, na medida

em que ilustra este possuir todas as perfeições.

Esta ilação é equivocada na medida em que, do ponto de vista

existencialista, a existência não pressupõe necessariamente a essência, pois a

existência precede toda e qualquer essência à medida que é uma construção

histórico-concreta, essa essência é tida assim por Sartre em o Ser e o Nada (2007,

p. 257) O existente não possui sua essência como uma qualidade presente. É

inclusive negação da essência: o verde jamais é verde. Mas a essência vem do

fundo do porvir ao existente como um sentido que nunca é dado e o infesta sempre.

Por outro lado a perfeição atribuída a Deus não passa de um recurso da

linguagem por se deparar com o esvaziamento do intelecto ou na vã tentativa de

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sustentar uma teoria ou no mínimo evitar que seus propulsores fossem ateados na

fogueira por ser questionador da verdade imposta pela igreja.

Apesar de ser uma contradição, a suspensão do juízo sempre declinou no

sentido de considerar a ideia de Deus em todos os seus limites, por considerá-lo

necessária e absoluta como temos no pensamento Cartesiano.

No entanto, esta afirmação é desguarnecida de veracidade na medida em que

o homem não se vê preso existencialmente à necessidade de Deus, o homem

existe. A obrigatoriedade de Deus no plano existencial é afastada diante de sua

desnecessidade. Quanto ao homem, mesmo que sua existência fosse contingencial,

se considerarmos Deus como artífice do homem este também poderia ser

contingencial considerando a autonomia do homem por ter uma existência gratuita e

possuir liberdade.

Então a concepção de que Deus seja necessária e absoluta frente a corrente

existencialista não se justifica. Ora, se estes são atributos que fazem Deus ser Deus,

podemos afirmar que se Deus é um ser supremo ele pode ser sem estes atributos,

pois o homem se quer precisa destes atributos para existir, no mais, conforme

vaticinava Descartes citado por Franklin Leopoldo e Silva (2001, p. 84) :

Mesmo que seja o arbítrio de Deus – em vez de estarem vinculadas a uma necessidade. Para Descartes esse problema não existe , visto que sendo a vontade de Deus igual a sabedoria, de vez que são ambas infinitas, Deus nunca seria arbitrário no sentido em que um homem pode ser arbitrário. Ou seja, Deus nunca determinaria algo como verdadeiro sem que houvesse razões para isso. Essa compatibilidade entre vontade e entendimento é que configura a sabedoria e a principal questão relativa a sabedoria humana será a de averiguar até que ponto essas duas faculdades são compatíveis no homem.

Dessa passagem, podemos comprovar que tanto Deus como o homem

possuem o livre arbítrio o qual também representa um atributo, o que nos leva a

pensar que a debilidade, anterior ao pensamento existencialista, sempre conduziu o

homem a ter Deus como seu ópio, cedendo um espaço a catalogá-lo como superior

“vontade e sabedoria infinitum” e neste contexto dar a este uma tonalidade sempre

distinta do homem, colocando este sempre em relação de dependência para com

aquele por ser finitum. No entanto, a vontade também é tributária do para si

embrionária na liberdade segundo Sartre (2007, p. 548).

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Mas não é só: a vontade, longe de ser a manifestação única ou pelo menos privilegiada da liberdade, pressupõe ao contrário, como todo acontecimento do Para-si, o fundamento de uma liberdade originária para poder constituir-se como vontade. A vontade, com efeito, coloca-se como decisão refletida em relação a certos fins. Mas esses fins não são criados por ela. A vontade é, sobretudo, uma maneira de ser em relação a ela: decreta que a perseguição a esses fins será refletida e deliberada.

Sartre enfatiza que a existência precede a essência, sendo assim, se esta é a

lógica estrutural do existencialismo seu contrário seria uma contradição. A propósito,

em O ser e o nada, o ateu Sartre polemiza esta questão onde Deus é uma ideia ou

uma simples obrigação nos dada a exercitar quando nada compreendemos, é uma

atrocidade feita ao homem, nu, indefeso é posto a consumir o pior dos produtos da

existência. Na obra As palavras Sartre é categórico (1964, p. 65):

Acabo de contar uma história de uma vocação falha: eu tinha necessidade de Deus, ele me foi dado, eu o recebi sem compreender o que procurava. Por não tomar raiz em meu coração, vegetou em mim algum tempo, depois morreu.

Nestas condições o homem recebe Deus como uma criança recebe um doce

de seu pai, oculta a intenção, sem talvez ter sentido, sem compreensão, quando

então adulto desconfia de que, partindo daquilo que recebe de Deus, não pode ter

sido esse o seu criador e percebe que aquele doce era um remédio disfarçado de

doce, se fosse estaria considerando que a essência precede a existência o que não

prevalece por ausência de logicidade.

Distante do critério fundador do existencialismo em decorrência da base

fundadora da psicanálise freudiana e diante do psicologismo interno e externo

proposto por este psicanalista, citar Freud torna-se interessante na medida em que é

possível compreender melhor a relação de autonomia em Sartre diante da

concepção impar sobre a dependência do homem e um ser supremo plasmada na

obra O futuro de uma ilusão, Freud (1997, p.38-39):

A libido segue aí os caminhos das necessidades narcisísticas e liga-se aos objetos que asseguram a satisfação dessas necessidades. Dessa maneira, a mãe, que satisfaz a fome da criança. Torna-se seu primeiro objeto amoroso e, certamente, também sua primeira proteção contra todos os perigos indefinidos que a ameaçam no mundo externo – sua primeira proteção contra a ansiedade, podemos dizer.

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Continua o pensador...

Nessa função [de proteção] a mãe é logo substituída pelo pai mais forte, que retém essa posição pelo resto da infância. Mas a atitude da criança para com o pai é matizada por uma ambivalência peculiar. O próprio pai constitui um perigo para a criança, talvez por causa do relacionamento anterior com a mãe. Assim, ela o teme tanto quanto anseia por ele e o admira. As indicações dessa ambivalência na atitude para com o pai estão profundamente impressas em toda religião, tal como foi demonstrado em Totem e Tabu. Quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção.

Deus, como foi mencionado, é uma contradição. O seu conceito não atende a

prova de existência, pois todas as tentativas conduzem a necessidade de fé, no

mínimo de uma necessidade e dependência como aludido por Freud, porém,

esvaziado em sede do juízo de constatação. Por outro lado, se reconhecermos a

sua existência, ele tanto quanto o ser para si será contingente, caso contrário

possuiria essência e entraria em rota de colisão com o conceito definidor do

existencialismo.

Outra contradição, citada por Jolivet, (1968, p. 45) nos apresenta um outro

prisma da injustificada existência de Deus como criador:

Sartre apresenta um outro argumento que pretende igualmente provar ser a noção de Deus contraditória em si mesma, consistindo em dizer que Deus não é senão o pseudoconceito, absolutamente impensável, da perfeita identidade do em-si com o para-si. Para apreendermos o sentido dessa argumentação cumpre lembrar que o para-si (consciência ou subjetividade) só se funda enquanto nega, referindo-se a si, um ser ou uma maneira de ser, isto é, o ser-em-si. Mas o ser-em-si não pode deixar de ser o próprio ser que niilizo. Logo, a realidade humana é seu próprio nada: seu sentido é propriamente ser um si-como-ser-em-si-falho, pois o para-si é uma tentativa, jamais bem sucedida, de coincidir plenamente com o ser-em-si que ele é.

Originariamente, o homem é um nada, e não possui natureza preexistente ou

uma essência. Assim, livre e sem determinação que o acolha, ele constitui suas

essências e suas verdades. O homem escolhe e escolhe desde muito cedo existir e

assumir a fatalidade da liberdade, como descreve Régis Jolivet (1968, p. 32):

Escolho, pois, existir como homem e sou responsável por meu nascimento. Talvez que essa conseqüência pareça absurda. Trata-se, porém, de um aspecto da absurdidade inerente ao para-si, o qual, como o em-si não tem

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justificativa fora de si. A liberdade que é uma fatalidade, será, pois, também uma “maldição” porque faz com que a existência jamais possa ser uma estrutura estável a repousar em si mesma, mas, antes, “um perpétuo desequilíbrio, um permanente desligar-se de si.

Superada a questão da origem do homem, podemos deduzir partindo de uma

concepção extremada que sua fecundidade é assexuada, ou seja, o homem advém

de um “Nada” a partir de uma estrutura que se desenvolveu dentro do plano

existencial, em decorrência do fluxo do ser para si, conceito este balizado na

doutrina existencialista que também ilumina a facticidade do para si segundo Sartre

(2007, p. 549).

O Para-si é integralmente ipseidade e não poderia haver “eu-profundo”, a menos que se entenda por isso certas estruturas transcendentes da psique. A liberdade nada é senão a existência de nossa vontade ou nossas paixões, na medida em que tal existência é nadificação da facticidade, ou seja, existência de um ser que é seu ser à maneira do ter-de-ser.

Nesse contexto, nos permitimos concluir que como a negação do ser, ser

para si é o nada em si mesmo. Segue-se dessa sentença, portanto, que a

consciência, existe no módulo do para si como totalidade incompleta e que também

é criada em si mesmo a partir do nada do para si dentro de uma temporalidade que

se dá no plano existencial, como define Sartre em o Ser e o Nada (2007, p. 207).

Assim, o tempo da consciência é a realidade humana que se temporaliza como totalidade, a qual é para si mesmo seu próprio inacabamento; é o nada deslizando em uma totalidade como fermento destotalizador. Esta totalidade que corre atrás de si e se nega ao mesmo tempo, que não poderia encontrar em si mesmo qualquer limite a seu transcender, por ser seu próprio transcender e porque se transcende rumo a si mesmo, em nenhum caso poderia existir nos limites de um instante. Jamais há instante no qual se possa afirmar que o Para-si é, porque, precisamente, o Para-si jamais é. E a temporalidade, ao contrário, temporaliza-se totalmente como negação do instante.

Segundo Gary Cox (2007, p. 55) encontramos maior sustentabilidade,

inclusive com relação a celeuma do ser para si e a possibilidade de superação da

temporalidade, como equivalência do ser em si, senão vejamos:

Sartre reafirma sua máxima de que o ser do para-si não é para ser aquilo que é, e é para ser aquilo que não é em termos especificamente temporais: “No presente [o para-si] não é aquilo que é (passado), e é aquilo que não é (futuro)”. O presente precisa ser igualado ao para-si e definido negativamente. Igualar o para-si com o presente e descrevê-lo em termos

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temporais revela o senso da reivindicação, aparentemente absurda, de que o para-si não é aquilo que é, e é aquilo que não é. Se o para-si fosse uma positividade auto-idêntica, ao invés de uma negação expressa, então a realidade humana seria impossível. A experiência do ser é possível somente para um ser que não é ser, um ser que se experiência como uma relação para um ser que não é. Como negação do ser, o para-si não pode ser co-presente com o ser-em-si; caso contrário, seu vôo temporal seria impedido, e ele seria reduzido ao ser-em-si.

Dessa interpretação, podemos supor que se a consciência é um módulo do

ser em si e esta precisa da temporalidade para se constituir como citado em a partir

de Sartre, podemos concluir que a temporalidade é evento que em tese separa os

mundos do ser para si do ser em si, no entanto, se o ser para si realizasse seu

processo dialético no mundo, em um nível onde o tempo não sofresse os efeitos da

temporalidade, tornando-se atemporal, nessa plataforma seria plenamente

sustentável a equivalência do ser para si em relação ao ser em si.

Isto também seria suscetível, pois, Sartre ao definir o ser em si atribui a este

plena positividade por talvez não conseguir alcançar com sua linguagem uma

realidade possível de existir a priori, isto é, possível ao examinarmos a obra o Ser e

o Nada e não encontramos vestígios dessas tentativas inacabadas, melhor, é pensar

o porque Sartre consegue implementar seu pensamento, o que faz ser denominado

assim e quais as razões de um empreendimento niilista.

Sartre cinde os mundos, seu rompimento para alguns é acanhado, no

entanto, ao superar a neblina da miopia, é possível identificarmos em sua obra o Ser

e o Nada esta distinção (2007, p. 245-246).

Em outras palavras, a presença ao Mundo do Para-si só pode se realizar por sua presença a uma ou várias coisas particulares, e, reciprocamente, sua presença a uma coisa particular só pode se realizar sobre o fundo ontológico da presença ao mundo, e o mundo se devela concretamente como fundo de cada percepção singular. A presença do Para-si ao ser como totalidade decorre do fato de que o Para-si tem-de-ser, à maneira de ser o que não é e não ser o que é, sua própria totalidade como totalidade destotalizada. Com efeito, na medida que o Para-si se faz ser, na unidade de um mesmo surgimento como tudo aquilo que não é o ser, o ser se mantém diante dele como tudo aquilo que o Para-si não é. A negação originária, com efeito, é negação radical. O Para-si, que se mantém frente ao ser como sua própria totalidade, sendo ele mesmo o todo da negação, é negação do todo. Assim, a totalidade inacabada pela qual o ser da totalidade surge ao ser. É por meio do mundo que o Para-si faz-se anunciar a si mesmo como totalidade destotalizada, o que significa, por seu próprio surgimento, o Para-si é revelação do ser como totalidade, na medida em que tem-de-ser sua própria totalidade de maneira destotalizada.

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Outrossim, continua o pensador:

Assim, o próprio sentido o Para-si está fora, no ser, mas é pelo Para-si que o sentido do ser aparece. Esta totalização do ser nada acrescenta ao ser; é somente a maneira como que o ser se desvela como não sendo o Para-si, maneira como há ser; totalização esta que aparece fora do Para-si, escapando de todo alcance, como aquilo que determina o Para-si em seu ser. Mas o fato de desvelar o ser com o totalidade não significa alcançar o ser, do mesmo modo como o fato de se contar duas taças sobre a mesa não alcança essas taças em sua existência ou sua natureza. Não se trata, contudo, de pura modificação subjetiva do Para-si, uma vez que é somente por este, ao contrário, que toda subjetividade é possível. Mas e o Para-si há de ser o Nada pelo qual “há” ser, só pode haver ser originariamente como totalidade. Assim, portanto, o conhecimento é o mundo; para falar como Heidegger: o mundo e, fora disso, nada. Só que esse “nada” não é originariamente aquilo em que emerge a realidade humana como negação radical pela qual o mundo se desvela.

Sartre assenta recorte na interjeição de Deus e em um antimaterialismo

contestável, como veremos, tanto quanto o idealismo. Sua doutrina existencial está

estribada no cogito, onde a consciência é a base inquestionável e irreduzível, e o ser

do homem é o ser da consciência. No entanto, o fundamento do ser se encontra no

nada, ou seja, o ser não tem lastro nem em objeto, nem no em si, destaca-se

também que esta consciência não está no ser, separada pelo nada, o ser do homem

é pura negatividade, esta relação trilateral entre ser, nada e consciência é o que

representa o questionamento ontológico do ser, Bornhein (2005, p. 304) ilustra:

Se o homem, é assolado, por exemplo, por uma experiência como a náusea, sente-se irremissivelmente condenado a ficar preso a sua imanência. Não há fé, não há alegria, não há convívio humano que possa isentar o homem das experiências negativas, a começar pelas radicais. Dentro de tal contexto, Deus se revela perfeitamente inútil e, em definitivo, a realidade humana fica abandonada de si mesma, a sua contingência radical. No fundo, Sartre queixa-se de Deus: Deus não resolve nada. Ou melhor: não resolve o nada, não pode curar o homem dessa sua “doença mais profunda”, que o leva até a nadificação.

A este respeito Sartre em O Ser e o Nada (2007, p. 255-256) ilumina este

engôdo relacionado com a relação original do para si da seguinte forma:

Tratamos o problema da relação original entre o Para-si e o ser como se o Para-si fosse simples consciência instantânea, tal como pode revelar-se ao cogito cartesiano. Para dizer a verdade, já tínhamos encontrado a fuga a si do Para-si enquanto condição necessária à aparição dos istos e dos abstratos. Mas o caráter ek-stático do Para-Si estava ainda implícito. Se procedemos assim visando à clareza da exposição, não devemos concluir por isso que o ser desvela a um ser que seja primeiramente presença para

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só depois constituir-se como futuro. Mas é a um ser que surge como por-vir para si mesmo que o que o ser-Em-si se desvela. Significa que a negação que o Para-si se faz ser em presença do ser tem uma dimensão ek-stática de porvir: é enquanto não sou o que sou (relação ek-stática às minhas próprias possibilidades) que tenho de não ser o ser-Em-si como realização reveladora do isto. Significa que sou presença ao isto no inacabamento de uma totalidade destotalizadora.

A temporalidade em Sartre registra a presença do realismo e do idealismo

transcendental em seu pensamento. Na temporalidade o ser se destaca pela

consciência, ela demonstra que o ser é diferenciado pela consciência, sem

consciência o ser para si estaria libertado do tempo ou ao contrário, sem a

necessidade desta, ou seja, da consciência poderia estar no mesmo plano do ser

em si ou equivalente, pois como o em si não teria que ter justificativa fora de si, seria

plena positividade, albergando assim um materialismo, inconciliável com o

existencialismo.

Por esta via, é suscetível perceber que o ser é singular, individual,

independente, existencial, não resta dúvida que seja sua própria causa, pois, seu ser

é distinto de qualquer outro, sob pena de cair na contradição do em si, com isso, se

releva essencial observar que Sartre toca nessa passagem ontológica em O Ser e o

Nada (2007, p. 250).

Nesse sentido, toda qualidade do ser é todo ser; é a presença de sua absoluta contingência, sua irredutibilidade de indiferença; a captação da qualidade nada acrescenta ao ser, a não ser o fato de que há ser como isto. Nesse sentido, a qualidade não é um aspecto exterior do ser, pois, o ser, não tendo um “dentro”, não poderia ter um “fora”. Simplesmente, para haver qualidade, é preciso que haja ser para um nada que, por natureza, não seja o ser. Todavia, o ser não é um em si qualidade, mesmo que não seja nem mais nem menos que isso. Mas a qualidade é o ser integro revelando-se nos limites do “há”. Não é o fora do ser; é todo o ser, na medida que não pode haver ser para ser, mas somente para aquele que se faz não ser o ser. A relação do Para-si com a qualidade é relação ontológica. A intuição da qualidade não é a contemplação passiva de algo dado, e a mente não é um Em-si que permaneça o que é nesta contemplação, ou seja, permaneça à maneira da indiferença em relação a isto contemplado. Mas o Para-si faz-se anunciar pela qualidade aquilo que não é.

Também poderíamos considerar um mundo em que o registro das

informações ficassem em outra espécie de armazém, que não fosse o da

consciência, distinto da consciência que não estivesse no plano temporal. A

temporalidade demarca o ontologia existencial do ser e suas distinções, eis uma das

questões mais questionadas pelos filósofos em todos os tempos, o “tempo”, segue

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alguns fragmentos de um texto Os dois tempos exclusivos do homem: a mão e o

tempo de Pio Collonnelo e José Gaos y González Pola (S/R), para melhor ilustração

do tema:

Finalmente anota Gaos, nós representamos o tempo como “um movimento sem mobilidade”, um movimento absolutamente puro. Todavia, é a final de contas representante de tal movimento, sem que nos represente umas coisas em ato de mover-se, por mais abstrata que elas sejam? Os momentos do tempo não são móveis e o tempo não é movimento desses móveis? Em verdade, nossa inadequada representação se deve ao fato de que nossa noção do tempo é uma abstração totalme nte forçada do tempo concreto , em dizer sobre os mesmos movimentos dos móveis. A distinção do tempo, em relação com as coisas e seu vazio homogêneo é a expressão cumprida dessa abstração, que é mais imaginativa que conceitual e, por tanto, imprecisa, imperfeita. Há que reiterar então que é um erro conceber o tempo como um recipiente que contém todas as demais coisas: melhor concebê-lo como uma abstração extremadamente cuidadosa. (o negrito é meu).

Outrossim...

Sem embaraço, somente o tempo concreto é real: o outro não é senão uma artificial elaboração nossa. É, portanto oportuno voltar a apresentação inicial: “em vez de ser as coisas no tempo, é o tempo que es tá nas coisas, nas coisas finitas em seu movimento finito” . Cada um dos móveis tem assim um movimento próprio, distinto dos demais. Os seres móveis ou temporais se distinguem dos seres i móveis ou temporais precisamente pelo dito movimento, que é a temporalidade . Mas se somente o tempo concreto é real, como chegar ao centro do problema, como se questiona na pergunta “que é o tempo?” não através da teoria do conhecimento, considerando, por exemplo, o tempo como uma “forma a priori de sensibilidade”. Nem a ciência nem a filosofia, segundo Gaos, estão em condições de oferecerem o talismã ou a chave da questão . Segundo ele, a via mestre do problema do tempo está em análise cuidadosa, meticulosa, das expressões correntes, que encontramos nas linguagens diárias: “tem tempo” “ganhar ou perder tempo”, “passar o tempo”, “matar o tempo”, expressões que conotam uma relação entre o homem e o tempo, como no se dá entre nenhum outro ser e o tempo . Estas expressões, em efeito, não podem aplicar-se mais que a um ser humano. De qualquer outro ente, seja uma pedra, uma planta ou também um animal, até os seres imortais, os anjos, Deus, não pode dizer se perdem ou ganham tempo. “A existência de tais expressões já significa que o saber comum, pré-filosófico, sabe algo da relação entre homem e o tempo: a filosofia não pode fazer outra coisa que potencia a este conhecimento comum, pré-filosófico [...] qual é então o significado comum - e último, radical, filosófico de tais expressões? Quais fenômenos ou realidades, comuns e radicais se referem?” (o negrito é meu).

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O tempo, ou melhor, seu questionamento é algo essencial para o plano

existencial, ainda sobre Gaos, este procura dar uma resposta a questão sobre o que

é o tempo?

Concluamos então brevemente. Seguimos a Gaos por um longo e enredado caminho largo que este formulou a pergunta filosófica por excelência, “porque então o ente é melhor que nada?” às vezes quase em baixa voz, às vezes gritamos com paixão, com frequência reiteramos na melhores obras da filosofia do homem, onde com esta pergunta há traçado o problema do tempo. Já observamos que essa obra, interrogando-se a respeito do ente, não vimos no Ser o fundamento do mundo, senão que assumiu muito melhor a constituição moral do homem como origem das categorias metontológicas e as correlativas categorias ontológicas. Em dois exclusivos do homem: a mão e o tempo, interrogando-se acerca do tempo, dividiu se uma vez mais o “Abgrund”, o não fundamento e o abismo: o defeito do pensamento e da linguagem na palavra logos, para dizer o tempo. Como faria falta uma linguagem capaz de dizer nomes do Ser, do não Ser ou fundamento, assim faz falta uma linguagem apropriada para expressar o tempo, se dispensa – opina Gaos – as expressões da vida diária. Perguntamo-nos, sem embaraço, se não havia outros meios de tirar a luz do rosto do tempo. Não existe acaso a linguagem que confia a potência do símbolo ou a experiência mística em alusão a metáfora? E deixando de lado a toda arrogância intelectual, não fica a possibilidade de ficar a escutar o silêncio – não que é mudo calar, senão a extrema chave da capacidade de significado da palavra ou da manifestação da uma “ulterioridade” expressiva de ficar a escutar, dizíamos, de todas as vezes que se levanta sobre o cenário do mundo, como a voz dos rios e o mar e o vento? A voz amiga do vento que, passando entre as folhas das árvores e fazendo-las murmurar, pode avocar na alma o poeta da infinitude do tempo, a eternidade em que confluem e desaparecem as estações humanas e naturais, até “a presente e viva, e seu som”. E se a razão tem que renunciar a busca do pensamento predicativo não pode dizer mais, podendo afirmar somente o que não é ficando ao doce abandono do intelecto no infinito do tempo evocado pela sábia mágica da arte: “enquanto o vento escuta/sopra por essas plantas e esse grande silêncio infinito em suas vezes vou comparando: o eterno me lembro, das idades mortas, da vida que aqui presente sonha. Assim que está a imensidade que se afoga na minha alma: e naufraga-me no doce deste mar”.

Desta reflexão, sobre o tempo podemos presumir que a temporalidade surge

com a existência do ser para si, com o contínuo sair de si na busca daquilo que falta

em si, o conhecer do objeto exterior na factualidade do mundo que desconhece. O

tempo existencial é assim... a partir de então como menciona Sartre em O Ser e o

Nada (2007, p. 247).

O espaço não é o fundo nem a forma, mas a idealidade do fundo na medida que é sempre capaz de desagregar-se em formas; não é o continuo nem o descontínuo. A existência do espaço é a prova de que o Para-si, ao fazer com que haja ser, nada acrescenta ao ser, é a idealidade da síntese. Nesse

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sentido, é ao mesmo tempo totalidade, na medida em que extrai do mundo sua origem, e nada, por resultar em abundância de istos. Não se deixa apreender pela intuição concreta, porque não é, mas sim é continuamente espacializado (spatialisé). Depende da temporalidade e aparece na temporalidade, uma vez que não pode vir ao mundo salvo por um ser cujo modo de ser é a temporalização, pois, o espaço é a maneira como este ser se perde ek-staticamente para realizar o ser.

Um mundo em que se constrói o sentido das coisas, em que sua significação

decorre daquele e não dessa, sendo que a consciência é consciência de algo.

Verificamos assim, que a consciência existencial e temporal precisa de um corpo o

que representa questão a ser enfrentada analisando-o pelo prisma do fenômeno

psíquico. Segundo Gary Cox (2007, p. 75), o corpo representa um fenômeno

psíquico e que merece melhores considerações para nosso propósito, senão

vejamos:

[...] um olho vendo a si mesmo em um espelho e um olho vendo o outro diretamente – comprovam que a consciência não é um fenômeno psíquico, magicamente atado ao corpo que pode ser observado dentro dos olhos, na forma de ver e ser visto. Ao contrário, o corpo de uma pessoa, assim como é para a própria pessoa, é totalmente psíquico; ele é o para-si. O corpo representa situação imediata e inescapável do para-si que o para-si perpetuamente supera em direção às situações futuras. O corpo é o contingente dado que o para-si transcende perpetuamente.

Neste mesmo sentido, e complementando o pensamento, Gary Cox (2007, p.

75-76):

Entretanto, o para-si é perpetuamente recapturado pelo corpo, pois o corpo é a possibilidade, a base, da transcendência do para-si. Em outras palavras, o para-si é aquele que supera perpetuamente o corpo sem nunca ser capaz de considerá-lo, finalmente e completamente superado. “O corpo é aquilo que eu niilífico. É o em-si que é superado pelo para-si niilificador e que capturado o para-si nesta superação” (BN 309). Se o para si fosse capaz de superar o corpo de uma vez por todas, ao invés de ser uma perpétua superação dele, o para-si imediatamente deixaria de existir.

Dessa forma, o para si seria o em si, portanto, a supressão do corpo como

agente psíquico colocaria o homem nas mesmas condições do em si, o que se

mostra ser possível, considerando a possibilidade dessa superação.

Sartre é rigoroso e tem como foco o homem. Nesta relação, como já

apresentado, antes do homem não se tem nada. Porém com a sua existência e seu

lançar no mundo as coisas passam a ter significado e, por esse caminho, podemos

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pensar como seria o mundo onde o homem não existisse, Deus também não poderia

se quer ser Deus. Ora ser Deus pressupõe ser Deus de algo, de alguém, do outro...

a relação de superioridade parece ser uma questão conturbada embora resolvida no

plano existencial.

Sartre desconsidera o psicologismo antigo que sugeria a existência de dois

mundos um interior e outro exterior, esta forma de pensar livra o ser de um mundo

obscurecido por falsas verdades, desconhecido e explorado de forma maliciosa à

atormentar as consciências menos evoluídas, surge então com a existência a

consciência em Sartre.

Estruturalmente a consciência revela a inexistência do passado segundo

pensamento Sartreano, não há vida anteriores, nem após a morte, não existe

encarnação para este pensador, ou em tempos mais remotos uma reminiscência

Platônica de vidas passadas, sugerindo uma evolução da alma, onde esta, do ponto

de vista dualista, estava aprisionada pelo corpo.

Na modernidade e em nosso cotidiano não houve nenhum outro momento em

que os “trapaceiros” segundo a linguagem de Sartre abusaram de uma realidade

que jamais existiu, criando um mundo interior para aprisionar uma falsa existência.

Dessa maneira, a formação de um conhecimento psicológico no existencialismo é

superado pelo conhecimento lógico advindo do existir, onde o homem é único e

exclusivo responsável por uma consciência nadificada.

Nesse sentido, ou melhor, ilustrando o psicologismo Sartreano a partir do

comentários de Albérès (1958, 66-67) que conseguimos compreender como ele se

funda:

Tal é sentido desta peça, encenada pela primeira vez em 1944, onde Sartre reuniu no inferno três personagens somente para mostrar como cada um tem necessidade dos outros para se iludir sobre si mesmo. [...] Estelle, Inés e Garcin são condenados a uma existência falsa, com a qual nesta vida se contentam infelizmente, muitos homens. [...] Esta imagem, no fundo, é uma mentira que imploramos aos outros e que lhes impomos posando diante deles e lhes enganando sobre nós. Mas se o outro recusa este papel, então torna-se nosso carrasco: “Não é necessário grelha, o inferno são os outros”. Estelle acaba por jogar sobre Garcin sua responsabilidade, a qual ele não quer aceitar. “GARCIN: Estelle, é verdade que sou um fraco? – ESTELLE: Mas nada sei disto, meu amor, não estou na sua pele. Isto cabe a você resolver”. Esta última frase resume o que sabemos até aqui sobre a moral de Sartre, e é chave de toda sua psicologia, que é o estudo das poses e das comédias que fazemos diante dos outros, para evitarmos nossas próprias decisões.

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Dessa forma, encontramos no pensamento sartreano a fórmula da construção

da “personalidade”, o outro é necessário, a relação de intersubjetividade, alteridade

e liberdade com o outro emerge a psicologização existencial, outrossim, nos olhos

do outro é por onde nos vemos como uma coisa, uma imagem, um objeto, onde ao

mesmo tempo faz o Ser para se ver e iludir se para si mesmo.

O problema da impossibilidade da criação do ponto de vista metafísico

Sartreano tem assento na absurdidade total da existência e da realidade humana

como tal, Deus foi uma construção arbitrária para contemporizar um mundo aonde a

sagacidade vem imperando e justificando um direito que é voltado a justificar a

existência humana, tomam do homem o seu direito magno a vida, dos bens, da

disposição de si ao mundo, da governança e da vida após a morte.

É uma realidade que Régis Jolivet (1968, p. 25), nos estampa. Ao mesmo

tempo em que choca, fortalece o compreender:

A trapaça é, pois, um “dever” e mesmo o único dever. Os “sórdidos” carecem, a um tempo, de lucidez e de coragem. Sua falta capital é esconder a si próprios obstinadamente a gratuidade da existência, enquanto que evidentemente, diz Roquetin, “tudo é gratuito, este jardim, esta cidade e eu mesmo”, sendo que, quando chega a compreendê-lo, “o coração revira e tudo põe a flutuar”.

Dessa forma, o homem em Sartre não é fruto de Deus, pois se assim for,

teremos que conviver com ausência de sentido para esta criação. Para Jolivet (1968,

p.28):

O em-si, revelação específica da náusea, é o próprio ser, maciço, opaco, tenebroso e empastado de si mesmo. Dele nada mais pode dizer senão que é, porque não comporta absolutamente nenhuma relação, nem interna nem externa. É tão fraco que não pode impedir-se de ser. Mas donde vem o em-si ou ser? Vem de nada, de parte alguma. Ele é, sem razão, injustificável, absurdo, “demais para sempre”. É e prolifera horrivelmente, “obcecadamente”. Qualquer tentativa de explicá-lo será vã, impossível justificá-lo a partir de Deus, porque em primeiro lugar, Deus não existe, sendo contraditório em si, e, além disso, a ideia de criação carece de sentido...

A passagem nos conduz a concepção da teologia do absurdo de Sartre onde

a consciência é um módulo peculiar do para si, natural da condição humana após

sua existência, observando sempre o rompimento com a essência ou “natureza

humana” que pressupõe também essência. Portanto, Deus diante desta

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inconsistência, passa a ser um problema humano e que deve ser resolvido dentro do

contexto existencial, nos limites da realidade humana.

Em sendo Deus um problema humano, cabe ao homem buscar uma solução

que o satisfaça a ponto evitar qualquer equívoco ou viver sobre uma superfície

instável e incômoda, Jolivet (1968, p. 38) ilumina esta questão, senão vejamos:

Sartre não deixou de notá-lo muitas vezes com bastante firmeza, notadamente no artigo Gide Vivant (1951), onde escrevia: “O problema de Deus é um problema humano que diz respeito à relação dos homens entre si, um problema total para o qual cada um traz solução mediante toda a sua vida, e essa solução reflete a atitude que se escolheu relativamente aos outros homens e a si próprio”.

O homem então percebe ser inútil a crença de um Deus criador, sua

insistência somente lhe enveredará em uma seara repleta de armadilhas que visa

cooptá-lo. A filosofia da cristandade não prova sua tese do ponto de vista racional,

então a pensar o homem conclui eu criei Deus. Para que? Talvez um passa-tempo,

ou, como dizia Sartre, dentro de uma “existência falsa” do ser para si.

Podemos então ser levados a pensar que o homem no mundo é uma

justificativa da exclusão de Deus, citando Régis Jolivet, (1968, p. 48) obteremos

maior nitidez:

Se Deus existe, diz Goetz,o homem é nada; se o homem existe, Deus não é. E dirigindo-se a Hilda: “Digo te que Deus morreu. Não temos mais testemunha. Como és verdadeira desde que ele não é mais”. Urge ficar só, com o céu vazio sobre nossas cabeças. Em outras palavras: o homem abdica sua liberdade desde que admite que o bem e o mal existem independentemente de suas opções próprias. A moral principia pela negação de Deus e correlativa expulsão dos valores objetivos e constrangedores da conduta humana.

O homem, seria mais do que isto, este para si seria insubstituível, como

exemplifica Sartre em o Ser e o Nada (2007, p. 251).

É a determinação absoluta da negatividade: pois, não basta que o Para-si, por uma negação originária, não seja o ser, nem que não seja este ser; é necessário ainda, para que sua determinação como nada de ser seja plenária, que o Para-si se realize como certa maneira insubstituível de não ser este ser; e tal determinação absoluta, determinação da qualidade como perfil do isto, pertence a liberdade do Para-si; ela não é; ela é como “a ser”.

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O para si é um marco insubstituível, elementar a compreensão do mundo e

das coisas que nele aparece, onde suas ações imprimem suas responsabilidades,

as quais são legitimadas por sua liberdade ser existencial. O Risco da ambiguidade

humana e a serviência a Deus leva diante do medo do Diabo como retratado na

peça o Diabo e bom Deus leva o homem a refletir que o ateísmo o conduz a

verdade, pois se a atividade se der pelo amor de Deus ou pelo medo do Diabo, isto

somente demonstra que o homem abdicou de sua responsabilidade. Por esta razão

a existência do homem também neste aspecto justifica a exclusão de Deus.

Outra questão tratada por Sartre estaria pelas cercanias da razão humana,

onde também podemos extrair elementos para justificar concepção de autonomia do

Ser distante de Deus a partir do ponto de vista Sartreano. Deus como puro sujeito,

ou melhor, como positividade é um mistério, tratado pela fé e os princípios

dogmáticos instituídos pela igreja nas pessoas do pai, filho e espírito santo.

Neste aspecto percebemos que neste meandro a razão humana encontra seu

limite, diante da necessidade de outra linguagem, a qual talvez inexista por isso a

desconhecemos. No entanto, como cingido por Etiene Gilson (2002, p. 85), não

parece a acepção que temos de Deus ser confiável à aceitá-lo.

Os convites naturais para que o homem aplique a sua inteligência na resolução do problema vem de origens muito diversas. E são exactamente as mesmas origens que outrora fizeram surgir não apenas a mitologia grega mas todas as outras mitologias. Deus oferece-se espontaneamente à maioria de nós, mais como uma presença confusamente sentida do que como uma resposta a qualquer problema, quando nos encontramos confrontados com a vastidão do oceano, com a pureza tranqüila das montanhas ou com a vida misteriosa de uma noite de Verão estrelada. Longe de serem sociais em sua essência, estas tentações fugazes de pensar em Deus geralmente visitam-nos nos nossos momentos de solidão. Mas não há solidão mais solitária do que a de um homem sofrendo uma profunda dor ou confrontando com a perspectiva trágica do seu fim eminente. <<Morremos sozinhos>>, afirma Pascal Talvez seja por essa razão que tantos homens finalmente encontram Deus esperando por eles no limiar da morte. E o que provam esses sentimentos? Absolutamente nada.

Temos a isto uma distinção, que Sartre busca solução dentro de sua teologia

do absurdo, porém, se observarmos a composição da trindade notamos que existe

ali uma consciência perfeita formada pelas três pessoas. Então podemos ter uma

noção de que Deus é um contingente residindo, assim, no plano existencial,

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portanto, mais uma consciência dentre às consciências, mas a consciência de Deus

seria então da totalidade, como? Régis Jolivet (1968, p. 52) aclara esta passagem:

Efetivamente, diz ele, a antinomia da totalidade resiste a qualquer tentativa de redução. Para suprimi-la, seria preciso que pudéssemos apreender de fora a totalidade, sobrevoando-a. Isso é irrealizável quanto a nós, pois somos partes do todo e somente existimos em função desse todo. Ora, acrescenta Sartre, essa compreensão da totalidade seria impossível ao próprio Deus, porque, se ele é consciência (para-si), integra-se na totalidade, ao passo que, se o concebêssemos como um em-si que fosse o fundamento de si mesmo, a totalidade se lhe anteporia, sejam como um objeto e, por conseguinte, como um limite de seu para-si, seja como um sujeito e, consequentemente não sendo ele esse sujeito, não poderia senão experimentá-la, sem conhecê-la. Nos dois casos, ei-lo limitado pela totalidade, ou seja, pelo mundo, o que contradiz o conceito de Deus, como propõem as filosofias.

Então, o status supremo de Deus é expropriado diante da impossibilidade, ou

melhor, da limitação frente à totalidade, seu pensamento revela que esta

impossibilidade de Deus demonstra que ele não está mais presente, Deus então

está morto como propalado por Nietzsche desde o século XIX, dessa maneira

podemos mencionar que o mundo está aí, por isso, segundo Deleuze (2007, p. 86),

“A grandeza do Homem é que ele é uma ponte e não um fim; o que podemos amar

no Homem é que ele é uma transição e perdição.

Pensar em um Deus criador é contraditório ao menos do ponto de vista

argumentativo, que em verdade exterioriza não somente o seu pensamento como

sua forma metodológica de exposição, a linguagem com já resvalado por certo foi

uma das grandes aliadas de Sartre neste processo doutrinário, Moller (1958, p. 66-

67), deixa claro esta assertiva:

[...] se existisse, Deus seria um “para-si”, quer dizer um “ens causa sui”, causando-se continuamente a si mesmo, fazendo-se existir; seria um ser onde a existência precede a essência. Somente, como Deus, seria “para-si-absoluto” ou, o que vem a dar na mesma, uma subjetividade absoluta. Esta noção é impensável, porque não há “para-si em estado puro”, visto a consciência ser essencialmente projeção fora dela mesma para o “em-si”; sendo toda a consciência “consciência de”, Deus não poderia ser consciência absoluta; se existisse, estaria perpetuamente apontado para outra coisa que não ele mesmo, para o “em-si”.

E mais...

Por outro lado, se Deus existisse, deveria ser igualmente um “em-si”, seria então um “plenum”, uma totalidade bruta, desprovida de qualquer

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significação, de qualquer relação com outra coisa que não ele mesmo. Seria uma espécie de bloco de gelo perdido na solidão abismal de uma inconsciência cósmica; coincidiria consigo mesmo, mas ignorá-lo-ia por completo. Seria preciso, pois se Deus existisse, que ele fosse ao mesmo tempo consciência pura, absoluta, e consciência de um “em-si”, do qual se distinguiria e não distinguiria, que seria e não seria identicamente e sob o mesmo aspecto. Esta noção do “em-si-para-si”, sendo contraditória deve ser rejeitada.

Se o mundo esta aí, como afirma Sartre e Deus está morto, o homem está

distante de Deus. Nesse sentido, o homem estaria vivendo com liberdade e

autonomia. Para complementar este raciocínio transcrevemos um trecho magistral

da obra de Régis Jolivet (1968, p. 53):

Quanto a existência do existente, toda pesquisa chega a um “isto é”, que representa a intuição direta da contingência absoluta e injustificável da existência do mundo, pela qual nos sentimos “demais”, provocando o sentimento da náusea. A vontade de criar, que se atribui a Deus, é, pois, absolutamente inconcebível, porque não poderia exercer-se de fato senão produzindo o ser que, criado, necessariamente escaparia ao criador para fechar-se logo em si e assumir seu “ser”. Em uma palavra, o criado se colocaria como absoluto, autônomo e independente: Deus, criando-se, negar-se-ia e destruir-se-ia a si mesmo.

Sartre é senhor de seus critérios, ou melhor, sua filosofia existencialista se

auto-explica. Por esta razão não se pode desviar de seu raciocínio, sob pena de se

perder na selva do seu pensamento, de onde muitos viajantes jamais retornaram

para relatar. Por isso, destaca Gerd Bornhein (2005, p. 303), “Sartre é homem do

asfalto, o enamorado dos arranha-céus de Nova Iorque, o ateu coerente. Como

entender esse ateísmo que configura, de resto, a própria situação de nosso tempo?”

O homem no mundo é plena atividade, como isso é liberdade a qual lhe

garante o sentido ao seu mundo, a criação é uma contradição injustificável, Sartre

neste ponto escandaliza, esta é efetivamente sua verdadeira intenção, atrair atenção

e elevar sua filosofia ao patamar de uma tautologia. O homem é um ser histórico,

como bem enfatiza Moeller (1958, 36):

O homem está no tempo; é determinado por ele, está atolado nele; não pode desembarcar-se dele para se refugiar numa solidão idealista, a das “boas intenções”; mas por outro lado também não pode deixar-se “tragar” pelo tempo, deixar-se pregar a este mundo da “existência obscena”, que é coisa presente “aí, estupidamente aí” para sempre. O homem não é uma coisa, nem uma consciência pura; é “consciência encarnada”; não pode viver com o mundo, nem viver sem ele. Aquilo que a doutrina bíblica chama de “fragilidade da criatura”, descreve-o o existencialismo ateu como a

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encarnação de uma consciência que, em face do mundo, retoma a frase de Ovídio: “Nem contigo, nem sem ti”. Enquanto o “historicismo” não atinge os valores dogmáticos, que são sobre naturais, limitando-se ao mundo terrestre contingente, exprime uma verdade profunda, que aliás Sartre não inventou.

É perceptível a tentativa da linguagem cristã ocidental busca distorcer a

realidade do homem, enquanto ser existencial, tentando lhe ceifar sua liberdade e

dar lhe uma essência inútil diante de uma interpretação contraditória que adorna a

doutrina bíblica.

Quanto à liberdade, esta é destacada por Albérès (1958, 56), como segue:

Se ele se define como a possibilidade de dar uma significação às coisas, é todo atividade. Esta atividade, esta necessidade de escolher em cada minuto como vemos o mundo, constitui a liberdade. Uma tal liberdade contém, paradoxalmente, sua própria antinomia: somos livres de dar, não importa que sentido e não importa que coisa, mas somos obrigados a dar um sentido a alguma coisa, a pensar, a interpretar, a escolher.

A existência é, portanto, exercício da liberdade, bem como, comprovação de

uma consciência que dentro de uma certa dialeticidade é responsável pela

construção do ser e de dar a este sentido no interior do mundo. O homem, a cada

instante, assumindo e renovando sua posição, prova assim sua autonomia. Ao

mesmo tempo em que o homem se descobre como ser livre, por este mesmo

caminho mostra que Deus é uma contradição, diante de sua inoportunidade

participativa na existência do homem.

Talvez, como vaticinado anteriormente, no âmago da doutrina bíblica com

relação à questão da “fragilidade da criatura” representa um aspecto sedutor que

conduza o homem a desacreditar de sua própria existência. No entanto, esta

dificuldade existencial é imanente a sua condição como sintoma de sua angústia,

cuja superação nasce da ideia de não parar de escolher, renascendo sempre

novamente como antídoto capaz de afastar o ser de uma consubstancialização

inerte, definitiva e acabada.

A existência de Deus e sua justificativa seria um problema da razão humana

em busca de uma explicação ontológica do ser, ora a razão teria sido contaminada

por uma doutrina que lhe impõe uma ideia perfeita, irretocável do bem. Segundo

Albérès (1958, 111) “Porque Sartre vê no cristianismo uma doutrina que impõe uma

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ideia completa do bem, uma espécie de farisaísmo, concepção muito incompleta,

mas acredita, sem dúvida, sinceramente, exata”.

Ainda segundo o mesmo comentador de Sartre (1958, 112):

Resta apenas Goetz, como último recurso, desligar-se desta crença opondo a vida dos homens à lei de Deus: “É esta carne e esta vida que amo. Só se pode amar sobre a terra e contra Deus”, e abandonando a teoria do Bem e do Mal, que fez com que errasse, proclama: “Quero ser um homem entre os homens”. Em As Moscas também, Deus, sob a forma mitológica de Júpiter, apresenta-se como uma espécie de tirano que impõe aos homens uma noção petrificada do Bem: “Porque o mundo é bom; eu o criei segundo a minha vontade e eu sou o Bem”. Sartre pinta na maior parte das Vezes um Deus enfatuado de sua pessoa e de sua criação: “O Bem está em ti, fora de ti, penetra-te como uma foice, esmaga-te como uma montanha, carrega-te e te faz rolar como um mar. [...] A justiça é negócio dos homens e não preciso de Deus para ensinar-me, Goetz grita: “Não havia nada além de mim: decidi sozinho o Mal: sozinho inventei o Bem”. Porque o homem é livre: “Quando a liberdade explode numa alma de homem, os Deuses nada mais podem contra ele”. Em suma, Sartre repreende o velho tema da incompatibilidade filosófica da liberdade divina e da liberdade humana.

A transcendência poderia ser uma saída para explicar a existência do homem.

Porém, em Sartre ela é uma via obstruída na medida em que Deus não existe.

Outrossim, ainda que houvesse a possibilidade de contar com a colaboração de

Deus para explicar existência do homem pela transcendência esta via se revelaria

impossível pela forma como foi definido o ser em si por Sartre, como sendo rígido,

imóvel, determinado, perfeito, pura positividade, por este atributo Deus é pura

contradição do ponto de vista sartreano, portanto, impossibilidade de ser o criador

do homem.

Esta concepção se assemelha ao legado por Parmênides, segundo o artigo de Rômulo Conceição:

O ser é, portanto, alheio a todo devir, está além de toda geração e corrupção; é uno e contínuo, porque a razão não permitiria nascer algo além dele, determina-o, pois, indivisível, igual ao todo, não pode ser maior ou menor que ele mesmo e caso houvesse mais de um ser, à unidade retornaria, já que por imposição lógica ente a ente adere. O ser é imóvel e, pousado em si mesmo, permanece imobilizado em seus limites. O ser é perfeito, pois não é carente; se de nada é carente, não é possível que seja imperfeito e inacabado. Em Parmênides, o um é o todo e o todo é um. Se existissem dois todos, um limitaria a abrangência do outro. Como o ser é infinito, ilimitado, só pode ser um. Ele refere-se a uma esfera. Não se pode deduzir daí que o ser tem o atributo da corporeidade. Trata-se de uma simples imagem, evidentemente influenciado pelas idéias cosmológicas de Anaximandro que geometrizou o

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espaço, até então aritimetizado. No caso, a esfera dá mais a noção de infinitude, de algo que nunca termina. Quando o poema fala de uma "verdade bem redonda", a imagem que nos vem à mente é a do ser "esférico", ou seja, sem começo e sem fim, sem dobras, sem quebras, indivisível, imutável, sempre idêntico a si mesmo.

Embora Sartre não assuma ser nem idealista nem realista, por uma questão

estrutural, em busca de uma resposta no campo ontológico, há que caracterizar sua

filosofia como sendo de cunho híbrido. Diante de sua postura conceitual da

existência, onde idealismo e realismo são faces de uma mesma realidade, o

fenômeno do ser é um postulado que se manifesta, onde não existe nada anterior.

Talvez esteja aqui o início da linha do carretel que conduz a uma explicação

do problema ontológico em Sartre, vital para demonstração da autonomia do Ser

distante de Deus como pressuposto da tese defendida. Sendo o ente o que é, ou

seja, o em si denso, rígido, simplesmente perfeito, qualquer outro ser estaria

aniquilado pela exclusão. Todavia, uma resposta a esta questão é asseverada por

Bochénski (1955, 194), cujo trecho vale apena transcrever:

A resposta a esta pergunta dispõe assim: ele é possível porque o mundo, apesar dos entes plenos, rígidos e determinados pelo “em-si” há um outro tipo muito diferente de Ser: ser-para-si, um ser especificamente humano. Todavia como tudo que é, deve ser ente, é decidir, ser um em-si deduz Sartre que este outro tipo de ser, não pode ser, senão um não ser, pois, é dizer, que consiste em um nada. Advém o ser homem graças a aniquilação do ente.

Outrossim, o reforço a esta análise ontológica encontra respaldo dentro da

acepção de Sartre quando procura demonstrar que o mundo do em si possui um

certo materialismo originário, a este respeito com propriedade que lhe é peculiar

que transcrevemos breve trecho de Jolivet (1968, 63):

Denominamos materialista toda doutrina segundo a qual a realidade do ser se reduz à matéria e suas modificações, com exclusão de qualquer princípio de natureza imaterial ou espiritual (alma ou espírito). O materialismo evita sistematicamente toda interpretação metafísica da ordem vital e especialmente da realidade humana.

Sartre por sua vez, combate o materialismo atacando os seguintes pontos, se

compreender a consciência pela matéria presume-se que a consciência possui uma

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matéria anterior, ou seja, essência, por outro lado. Compreendendo a incidência do

materialismo na consciência esta realizaria um reflexo frente aos objetos do mundo,

porém, impossível, refletir tudo que estaria no mundo, a medida em que o cérebro

representa apenas parte do mundo e não sua totalidade.

A objeção identificada no pensamento sartreano está lastreada no contexto

da impossibilidade da forma como é apresentada, pelo materialismo dialético, ou

pelo materialismo e a dialética. Para o pensador existencialista o materialismo

considerado é um outro, o da “atitude humana” não discutido neste momento e

quanto a dialética a que encontra guarida seria a dialética da ideias com relação

liberdade do ser no mundo, nestas condições o homem se define por sua existência,

segundo o legado por Jolivet (1968, 67):

O homem, com efeito, não se reduz ao “ser, como as coisas: define-se pela existência, que é uma capacidade de emergir fora da opacidade maciça do ser. Ora, essa própria capacidade resulta de uma espécie de descompressão do ser, a qual introduz neste uma falha do nada. Esse nada situado no âmago do ser, como um verme, é a consciência ou subjetividade: o ato do para-si consiste, pois, em “niilizar o em-si que ele é”. A realidade humana como tal explica-se, assim, não a partir da matéria, mas a partir daquilo pelo que nada vê ao ser, que é o para-si.

O ser em Sartre, é tido como existência, está distante e ao mesmo

tempo é consciência, uma consciência vazia, estranha e que se perfaz fora de si,

detentora de uma realidade como sujeito a partir de um idealismo, distinto, daquele

que busca converter toda realidade em espírito. É importante destacarmos que tanto

o realismo como o idealismo em Sartre não aparecem como estruturantes de sua

filosofia, mas tão somente como elementos que fazem a junção de sua corrente a

qual encontra sustentação no comentário de Pecoraro (2009, p. 107), A consciência

não é substância nem ente lógico, mas o simples movimento na direção das coisas.

Estamos, portanto, livres de qualquer configuração de um ego interno, seja ela

pensada em termos reais ou numa acepção puramente lógica.

E complementa o comentador.

A fenomenologia representa, assim, dois aportes decisivos à filosofia de Sartre. Em primeiro lugar a possibilidade de entender a consciência sem vinculá-la ao naturalismo psicológico ou a metafísica do sujeito; em segundo lugar, a possibilidade de uma descrição fenomenológica das condutas subjetivas isenta dos compromissos tradicionais com as definições de consciência

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É interessante a questão espiritual em Sartre ao se notar que em todos os

seus personagens não identificamos certa interioridade, suas personagens se

realizam sempre fora de si, no exercício de sua liberdade. Talvez seja algo patente

em sua filosofia, ou melhor, no recorte dado entre o homem e o sobrenatural

contraditório este, propagado pela fé cristã ocidental. Sartre identifica o

existencialismo com ateísmo, nesse aspecto sua doutrina defende que na medida

em que Deus não existe, o homem existe ainda sem estar plenamente definido.

Um ser sem essência, um ser possuidor de existência, um ser sem natureza,

essas seriam as características do homem capaz de sustentar o divórcio com Deus,

o que demonstra a incompatibilidade entre a existência e Deus, revelando assim

uma contradição conforme já acenada.

A partir da leitura da obra o Ser e o nada, podemos inferir que Sartre tem

Deus como algo já resolvido. Conforme ilustrado, Sartre não escreve um capítulo

atribuído a Deus! E por quê? Porque Deus é um absurdo, questão resolvida. No

entanto, para melhor compreensão pedagógica é salutar que compreendamos o seu

ateísmo. Apoiado em Husserl, segundo a qual “... toda consciência é consciência

de...” é a “intencionalidade”, onde a consciência projeta-se para fora de si, o que faz

desta consciência um arcabouço vazio. Segundo Moeller (1958, p. 60):

Compreende-se agora o que significa a expressão “fenômeno do ser”: o “em-si”, outra coisa não é que a imagem invertida do “para-si”; de um lado há falta de consciência consigo; do outro, coincidência perfeita. É assim que o ser aparece à consciência; eis o que esta revela no seu próprio “projeto”.

Continua o autor:

Se, portanto, o “em-si” é o “fenômeno do ser”, a maneira como o ser aparece, supõe um “ser do fenômeno”, isto é uma espécie de “suporte” dos perfis sucessivos, dos Abschattungen que aparecem a consciência. É em virtude de uma espécie de “argumento ontológico” que Sartre postula a existência deste “ser do fenômeno”

Neste contexto, define Salanskis (2006, p. 59) o cerne da concepção de

intencionalidade a partir de suas propriedades.

Como várias vezes anunciado, é preciso chegar agora aquilo que corresponde , em Husserl, a uma “definição” da intencionalidade: a algumas referências que ele nos dá, à luz das quais podemos compreender mais precisamente o que ele assim nomeia e como a intencionalidade opera. Porque em Hursserl, primeiramente a intencionalidade designa a

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propriedade que a consciência tem de produzir acontecimento, a atividade por excelência da consciência. Esta consciência que é antes de tudo fluxo dos vividos sabe cristalizar-se ou ligar-se a tal forma que ela se faz ato, o que, desde as investigações lógicas, como já dissemos, de sua parte significa ao mesmo tempo apontar para, visar. A intencionalidade satisfaz a uma função de visada, mas ela sempre se efetua em atos, que são também acontecimentos [...] Contudo, para Hursserl a propriedade que a consciência tem de ser consciência é atribuída a certos vividos, dos quais dizemos que “participam da intencionalidade”.

Sartre não envereda a explorar os fenômenos à substância do ser, o que o

conduziria a um estudo metafísico. Sartre aqui busca não só garantir a

concatenação lógico-formal do seu pensamento como ao mesmo tempo romper com

a concepção de alma. Restringindo-se ao ser do fenômeno, diante da estrutura de

sua corrente filosófica, Sartre estabelece que a existência precede a essência e,

dessa forma, o ser do fenômeno é um postulado como pressuposto.

O ser do fenômeno está sustentado sobre os auspícios do conhecimento, tem

que ser assim, para que seja possível a compreensão. A consciência, neste caso,

não o alcança, pois, geraria uma contradição em decorrência da essência. Para

pressupor e sustentar esta possibilidade tem que ser, segundo o pensamento

sartreano, com base no idealismo.

Sendo, portanto, o ser do fenômeno um postulado, é nodal que se

compreenda o diálogo do ser para si e do ser em si. Esse diálogo é importante, para

que seja possível a visualização da consciência vazia e, por esta razão, não

permanece em si mesma, necessitando sair de si, como bem expõe Pecoraro (2009,

p. 109).

Isso implica que a realidade humana tem seu ser fora de si, na medida em que ele está sempre em processo de constituição. Essa forma de existir Para-si é balizada pela noção de projeto. A realidade humana tem seu ser fora de si porque, estando sempre em constituição, o ser da realidade humana é constantemente projetado como aquilo que virá-a-ser ou que se constituirá no decorrer do processo. O ego nunca repousa a si mesmo, porque seu ser consiste em projetar-se para constituir-se. O projeto existencial se define como esse constante lançar-se adiante de si e na direção de si. A realidade humana se constitui fora de si.

Por isso, se a consciência existisse em si mesma, isolada, neste contexto

ideológico individual, o homem não existiria. Porém, esta não é a realidade da

consciência, mas ela arrisca-se ao sair de si, correndo o rico de perder-se.

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O para si tem como intenção desconectar-se do em si. O para si factualmente

está atrelado ao seu corpo e ligado ao em si, no entanto, sendo ainda reflexo do em

si o para si se vê distinto, diferente do em si, esta relação forja a liberdade do para si

em relação ao em si, o para si independente, pleno de si, destacado do em si, um

“vazio” que surge no interior do “pleno” do para si, revela o para si livre. Com plena

liberdade ele é uma consciência vazia, onde Deus representa uma concepção vazia,

incapaz de interferir no destino deste para-si.

A este respeito, com o conhecimento de causa que lhe é peculiar

transcrevemos um trecho da obra Ética e literatura em Sartre, segundo Franklin

Leopoldo e Silva (2003, 31):

Assim, é na contingência e a partir da facticidade que o “homem é um absoluto”.[...] É a solidão do para-si que impõe a consciência o absoluto de sua liberdade, é uma consciência despojada de tudo, aquela que se lança adiante de si por sua conta e risco. E quando o sujeito lançado no mundo encontra a densidade da história, um passado herdado compulsoriamente, um presente já constituído, um futuro incerto, será a partir dessa fragilidade originária que ele irá situar-se e projetar-se, razão pela qual ele só pode mesmo ser a origem absoluta de suas escolhas, isto é, de si próprio, inventando-se absolutamente no embate com a relatividade histórica. A presença do absoluto no relativo constitui sempre a singularidade de cada situação. Mesmo que não se viva a todo o momento uma situação limite como no caso da tortura, a historicidade vivida na irredutibilidade da consciência em todas as situações se configura sempre como um tipo de convergência entre o absoluto e a história.

Deus, para Sartre é uma noção contraditória. Superado o desejo de que o

para si tem como sonho ser um em si, é suscetível que seja enquanto fora de si, no

mais, é necessário compreendermos um trecho da obra de Moeller (1958, 66):

Sartre explica no epílogo de L’être et le néant, que tudo se passa como se um sismo primitivo, original, tivesse produzido essa fenda ontológica no seio de um conjunto primitivo que seria “em-si-para-si”; ao mesmo tempo causa de si e identidade consigo. O ser atual parece supor uma “desintegração” a partir de uma “integração” original. Caberia a metafísica, diz ele, explicar esta aparição, este “nascimento” do “para-si” no seio do “em-si”. Já tive ocasião de dizer que, segundo a sua própria confissão, a resposta a esta pergunta, apesar de primordial, pertence ao domínio da hipótese incontrolável.

Torna se difícil extrair uma posição relacional entre o ser para si e ser em si,

diante da contrariedade patente, pois, sendo Deus a causa de si mesmo –causa sui

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– ele seria um para si absoluto, ou seja, estaria circunscrito dentro dos contornos

existencialista, onde a existência precede a essência.

Impossível, o para si não pode ser absoluto na medida em que está em

constante movimento para fora de si, sendo Deus consciência absoluta, estaria

inclinado ao em si, seria em Deus pura positividade e plenitude, porém como

compatibilizar com a acepção de totalidade do mundo, como também propalado por

Bochénshi, Deus é uma contradição, logo ele é impensável.

Embora não nos resolva o cerne da questão, temos dessa retomada uma

perspectiva para compreender o pensamento sartreano em busca de justificar a

autonomia do Ser distante de Deus, no bojo da filosofia de Sartre.

Temos um problema que não pode ser deixado de lado, pois, a fenda pela

qual emerge o para si do em si demonstra a priori uma das grandes celeumas da

ontologia existencialista. Originariamente temos em comum, embora comentado por

prismas diversos, que o para si tenha se destacado do em si por uma

descompressão fenomenológica parcamente explicada a qual em última análise não

se vê forte o suficiente para explicar não somente a oposição entre o para si e o

em si ou sua convergência, considerando a força argumentativa de Sartre a qual

conduz seus receptores a diversas aporias.

Sartre então busca desvencilhar-se deste problema elevando esta passagem

a um apoio fenomenológico para explicação desse, e mais, colocando o ser do

fenômeno como um postulado ante a impossibilidade de uma outra explicação ao

menos no plano do sensível, isso, nos conduz a estreitar a autonomia do ser, para

que consigamos prová-la ao menos por um ponto, considerando que Sartre repele in

totum a paternidade cristã, como bem frisado por Moller (1958, p. 80):

O autor de L’être et le neánt prova aliás uma assombrosa ignorância perante a realidade cristã; ele escreve, sem pestanejar, que a “experiência mística não é uma experiência privilegiada”, como se ignorasse a soma da ascese e de renúncia que supõe o fato: pode-se pensar que uma experiência baseada em tais renúncias nada tem de original a ensinar-nos, que seja, por exemplo, exatamente da mesma ordem da de um homem sensual? Temos que dizê-lo: Sartre apaga, com uma penada, vinte séculos de história cristã, sem uma investigação séria, apenas em virtude de uma opção prévia em favor do “racionalismo materialista”, ou, se se prefere, segundo Gilbert Varet, do “empirismo dialético”.

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Há que se ponderar que o seu pensamento merece recortes, como postulado

comum a todos os pensadores. Sartre, ao delinear seu pensamento, rompe por

completo com a preexistência e se filia a existência, por esta razão a história cristã

não tem relevância.

De outro modo, seu pensamento esta estabelecido no plano do sensível e

não do sobrenatural e, por esta razão, sua fenomenologia ontológica deve ser

simétrica ao seu pensamento, sob pena de não se chegar a lugar nenhum.

Sartre já sabia da grandiosidade de seu desafio, e dos riscos das mais

diversas e variadas críticas que seu pensamento poderia sofrer. Porém, senhor do

seu destino, optou pelo desafio, desviou se do mundo sobrenatural ao decepar esta

possibilidade entre a incompatibilidade de seu pensamento e a transcendência

cristã, também não se posicionou radicalmente contra a existência de Deus

“antiteísmo”, muito embora tenha se declarado ateu por uma estratégia

implementada em sua corrente filosófica. Como constatamos, na obra O

existencialismo é um humanismo, podendo ostentar um certo radicalismo somente

dentro da teoria da linguagem, a qual também forja o homem “Sartre” identificando-o

com suas obras.

Sua ontologia fenomenológica está mais voltada para a moral, a autonomia

moral do ser. Segundo Moller (1958, 87):

A única regra que pode formular é a de que é necessário promover um regime humano e político que garanta o máximo de liberdade a cada um, visto a liberdade ser o único valor do homem. [...] Tomando consciência do equívoco inevitável de todos os compromissos políticos e humanos, o homem sartriano só poderá encontrar alguma grandeza na decisão de assumir lucidamente a seu ato de homem; assim faz Hugo, no final de Mains Sales.

Complementa...

Esta atitude estóica, porém de um estoicismo despojado de todos os seus prolongamentos místicos, seduz o homem moderno; ao mesmo tempo, impede toda a fuga para um mundo do sobrenatural, o da fé e o da Graça. Gabriel Marcel escreveu que a filosofia de Sartre é o sistema mais lógico que jamais houve de negativa de graça, de toda a graça. Sartre o disse, absolutamente nada do exterior pode entrar no homem; este acha-se por completo sozinho e entregue a si mesmo.

Talvez a lógica não guarde relação com a verdade, mas qual a verdade que

menos importa senão a impossibilidade de provar a existência de um Ser supremo

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denominado Deus pela fé. Por isso, Sartre parte da premissa de que Deus é algo

não importante, ou importante apenas para justificar seu pensamento. Nesse

sentido, Deus não seria mais do que um adorno, um apoio para Sartre.

Manter o homem distante de Deus é a garantia de que este homem não sofra

das mazelas de um psicologismo trapaceiro e insano, possibilitando ao homem ser

ele mesmo, no gozo de sua liberdade no exercício de sua autonomia em decorrência

da sua liberdade em ação, o homem é o construtor de seu próprio edifício e, nesta

perspectiva, a moral torna-se a modalidade de cada um.

A subjetividade existencial torna-se autêntica através do pleno e eficiente

exercício dialético da consciência para fora de si, onde o outro, a relação de

alteridade com a liberdade da coletividade e da historicidade factual, demonstra, de

forma meridiana, a impossibilidade de justificar alguma coisa dentro do pensamento

sartreano não alija sua corrente filosófica.

Ao contrário fortalece, segundo Santos (2010, p.100):

Dessa forma, conforme destacado, não podemos negar a propriedade da subjetividade Sartreana, a qual se perfaz a partir da existência dentro de um processo (movimento) de existir. Nesse ponto, a confluência das águas filosóficas nos conduz a necessidade de compreender a concepção de liberdade, pois, segundo Pecoraro “[...] é neste movimento pelo existir, que identificamos a liberdade em Sartre e a indeterminação fundamental que constitui a liberdade” (Pecoraro, 2009, p. 108-109).

A existência é liberdade, onde qualquer oposição gera a impossibilidade da

existência. Por esta razão, se o homem existe, ele além de ser livre aniquila com a

existência de Deus. Porém, mesmo que Deus existisse, o homem por sua

singularidade, ontologicamente seria livre, livre por ser um ser existencial.

No entanto, ainda há o que considerarmos, no campo da ontologia. Notamos,

que por este viés é possível encontrarmos entre Deus e o Homem um abismo que

Sartre busca justificar, o homem é o pastor do nada, conforme elucida Gerd

Bornheim (2005, p. 304-305):

Assim, como Heidegger afirma que o homem é pastor do ser, poderíamos dizer que, segundo Sartre, o homem se faz pastor do nada, cada homem é pastor de seu próprio nada, e ninguém pode transcender o nada em direção à coisa, ao outro ou a Deus. A maldição do homem – ou a sua culpa, com o diz Sartre – é esta: a de não poder esquecer o nada que cada homem é. Se a realidade humana se conserva escrava dessa imanência

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negativa, se não consegue despojar-se de sua gratuidade fundamental, Deus termina completamente absurdo.

Nessa seara ontológica, o homem é o nada e o nada é a origem e o elemento

fundante do homem, onde ocorre o fenômeno do ser negativo, onde sua positividade

se constitui dentro de uma relação externa, no mundo. O método de Sartre se

mostra evidente quando ele analisa a simplicidade da estrutura, a qual não poderia

ser diferente diante da gratuidade da liberdade, o ser é.

No entanto, não do ponto de vista real, mas tão somente racional, para

justificar sua existência, a consciência é vazia por ser pura intencionalidade e o nada

é mar que separa o homem de Deus. Essa separação ontológica é necessária e visa

justificar a doutrina existencialista por meio da filosofia e não da fé. Caso contrário,

se Sartre se deixasse conduzir pelas palmilhas da fé, o existencialismo sartreano

jamais viria a ser o que é.

O ser existe junto com a consciência. À medida que o ser participa das ideias

da consciência que se faz fora de si, é uma relação cronológica e ao mesmo tempo

lógica pelo perfeito encadeamento existencial. A este respeito, confirma Gerd

Bornhein (2005, p. 307):

Sartre persiste integralmente metafísico no seu modo de compreender Deus; o conceito de Deus é pensado, hegelianamente, como síntese do em-si e do para-si. Mas a síntese tornou-se finalmente impossível, os termos que a deveriam compor ficam emperrados na contradição e resultam inconciliáveis. Se Deus fosse provido de consciência, abrigaria o nada em seu ser, visto que a consciência é, por definição, ontologicamente intencional.

Sendo assim, o nada é modalidade do ser, enquanto homem, peculiar a este

e fundador deste. Esta assertiva radicaliza e conduz ao problema de que seja o

existencialismo uma gnosiologia, como vaticina Gerd Bornheim (2005, p. 309):

[...] o existencialismo não passa de uma gnosiologia transposta a um plano ontológico, mas de um ontológico que fica irresolvido, que não consegue alcançar à igualdade do diverso. A consequência imediata pode ser vista na cisão fundamental entre sujeito e objeto, entre para-si e o em-si. E tudo o que a fenomenologia sartreana faz redunda em concentrar o homem em sua própria particularidade, em isolá-lo ontologicamente de todo outro que não ele. Daí a pobreza do mundo das coisas: “a madeira morta, a vértebra ressequida, a concha vazia, eis o ‘ser’ para Sartre”...

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Sartre gera um Deus finito e mortal e, por isso, em diversas de suas obras

constatamos a vontade do homem ser Deus. Ele faz de seu projeto existencial uma

gestação do homem a partir do nada e, nesse sentido, sua obra é mais importante,

O Ser e o Nada, este homem é um deus, é seu criador, é seu senhor, é seu

edificador, um homem niilista, um homem, que aprende a viver em condições áridas,

desoladora frente a um mundo que ele mesmo criou. Nessa perspectiva, em Sartre,

o homem é um Ser que goza de autonomia distante de Deus, por ser o que é e

ainda não é como realidade humana em constante constituição fora de si.

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CONCLUSÃO

Concluir um trabalho não pode ser sinômino de encerramento, a literalidade

da palavra sede estrada para um outro vértice... do continuísmo, considerando que o

saber advindo pelo processo lento e árido do conhecimento tem relação direta com o

desenvolvimento da ciência, a conclusão estará buscando ser fiel ao seu tempo, ao

seu instante, onde o trabalho propõe este recorte sem que a ideia jamais possa sê-

la.

A concepção de autonomia do ser distante de Deus a partir do ponto de vista

sartreano, vem trazendo neste estágio o afunilamento necessário, onde a

decantação das ideias refletem o extrato mais puro extraído do pensamento de

Sartre.

Nesse aspecto da proposta, o diálogo com Sartre e seus inveterados

estudiosos demonstram que ainda existe muito de Sartre para ser explorado, seu

pensamento enviesado justifica as dificuldades em dar o arranjo correto em seu

pensamento, principalmente quando nos propomos a defender um grande embate

entre dois pensamentos e uma verdade!

Sartre ao verbalizar Deus como sendo um absurdo, sabia da dificuldade do

seu trabalho em o Ser e o Nada, sabia que o Ensaio de Ontologia Fenomenológica

poderia lhe conduzir a uma trincheira, mas não se desapegou de pensar de que

Deus também ao ser submetido a concepção filosófica não poderia exaurir

justificadamente sua razão de ser, por isso, Deus é um absurdo!

Sendo Deus um absurdo, não resta dúvidas de que o homem é, no sentido

existencial, não interpretemos é, como perfeito, acabado, esférico e irretocável, pois,

o para si, ele existe sem nenhum desses atributos, pois, o para si existe em

contradição e não em identidade, poderíamos relevar a palavra identidade para

definir tão somente sua distinção e singularidade diante dos demais para si, bem

como identidade para identificar que o para si tem sua identidade distinta da

identidade do em si, por serem originários de fontes distintas!

A fonte da distinção nos projeta ao legado da autonomia, a qual será

artesanalmente evidenciada, outrossim, não podemos nos olvidar de que a

fenomenologia, ou melhor, como surge as coisas e a ontologia como acontece as

coisas são critérios importantes e merecem transparência hermenêutica.

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Sendo o para si contradição e o em si identidade, não podemos nos furtar

dessa diferença, no mais, sendo um pura negação e o outro pura perfeição,

impossível sê-los gêmeos homozigotos e/ou heterozigotos! Existe aí uma total e

irrestrita necessidade de independência, seja no plano do fenômeno seja no plano

ontológico.

Do ponto de vista fenomenológico o ser para si é existencial a partir do nada,

disso ainda teremos muitas linhas a discorrer, enquanto do ponto de vista ontológico

o ser para si está alicerçado em uma consciência que é pura negação, o para si, tem

como estatuto individual a consciência, que lhe é própria, enquanto o em si, não a

tem. Caso possuísse, como o para si, seria contingente, seria consciência, aliás

mais uma consciência entre as consciências, por esta razão, ontologicamente, o

para si acontece no mundo por intermédio de uma consciência cujo ser não é no

sentido de perfeição e pura positividade, enquanto o em si detém estes atributos.

A contingência atribuída ao em si também ganha compreensão na medida de

sua desnecessidade frente a existência do para si, na proporção em que o em si não

deixa ser percebido, ocultando seu ser de forma misteriosa, omitindo sua criação ou

sua causa primeira, mas que também não reflete nenhum problema ao para si diante

de sua contingência e negatividade.

Disso, podemos deduzir que o ser do para si é um ser que se faz da

consciência nadificada, por outro lado o ser do em si, é no sentido mais puro da

perfeição, isto nos conduz a prova de que o mundo de um e do outro são diferentes,

em sendo diferentes, cada ser tem que possuir seus próprios recursos para existir,

portanto, o para si é autônomo em seu mundo, por uma condição natural tanto

fenomenologicamente como ontologicamente, sendo estes mundos fielmente

divididos pelo oceano do nada, com seus próprios fundamentos.

Difícil, para não dizer impossível ser convencido de que o para si tem seu

fundamento no em si, por aquele encontrar se na ilha da consciência, enquanto este

repousa em um fenômeno inalcançável pelo viés da filosofia, reduzido a um

postulado, se é válido este argumento, porque não elevar o para si também a um

postulado.

Para todo efeito, por uma questão de contradição o em si não pode ser o

fundamento do para si, não se faz comprável a ideia de que o para si tenha

adquirido sua negação oriunda de uma fenda em decorrência de uma

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descompressão no seio do em si, sendo a perfeição do em si totalmente

incompatível com qualquer hipótese do nada, mas parece plenamente possível e

defensável o para si carregar em si sua própria causa.

O argumento é frágil e de pronto, revela incoerente na medida em que o em si

é pura positividade, por consequência não tem fendas e nem brechas, isto seria

reduzi-lo ao amenos a imperfeição. Não diferente seria equiparar diante da

existência de dois mundos, os fundamentos tanto fenomenológico como ontológico

entre o em si e o para si, ambos são distintos, considerando que por pertencerem a

mundos heterônomos o ser de cada um seria também distintos.

O ser do para si está para consciência e o ser do em si está para uma pura

positividade, embora, essa positividade possa ser questionada, considerando que a

relação com o mundo do para si é contraditória, por ser o para si, ser, ser do que é e

ainda não é.

A inacessibilidade do em si, deixa o para si totalmente independente, ao

mesmo tempo que impede que se tenha acesso a sua estrutura interna, digno

inclusive de desconfiança, digno de ser atribuída a esta esferacidade total e irrestrita

absurdidade.

Quanto o para si, sendo senhor do conhecer e pelo conhecer, esta relação

com o mundo e no mundo também o põe em patamar impar com em si, que diante

de sua estrutura somente demonstra ao menos em tese que a formação do

conhecimento é indiferente diante de sua plena perfeição, portanto, o continente do

conhecimento é seara palmilhada somente pelo para si.

A negatividade do para si, pode representar um obstáculo a autonomia do

para si, se houvesse a consideração de que o nada somente pode advir de um ser,

ou melhor, do ser do em si enquanto positividade, todavia, não podemos sustentar

esta hipótese pela razão de que o ser do em si é oposto ao ser do para si, para

aquele temos a positividade e para este a consciência vazia.

Existe um hiato entre estes seres, intransponível, onde o ser para si,

enquanto consciência do nada, se sustenta em seu nada que em última instância,

tem sustentabilidade em um postulado do nada, caso não possamos convencer de

que o para si seja a sua própria causa a partir do nada do para si.

Seria, portanto, esse o ponto irradiador dessa consciência fenomênica e

ontológica do ser para si. O nada de algo positivo como o em si, não pode, ser

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interpretado em sua literalidade, esta leitura somente representa o passaporte para

transformar o existencialismo de Sartre em um Cristianismo Existencial ou outra

coisa que negue o existencialismo ateísta de Sartre

Posição improvável diante da forma com foi arquitetada a obra o ser e o nada,

pois do seu garimpo, a menor preocupação de Sartre foi o tratamento para com

Deus, o em si, o homem, o para si, recebeu trato diferenciado, interpretar o nada

advindo do miolo do ser em si, será sepultar Sartre pela segunda vez, ou ao menos

fazer uma leitura turva das escrituras sagradas da obra destacada nesse parágrafo.

A ligação entre o ser em si e o para si é inconcebível, diante do perfil arrojado

de Sartre, a radicalização da liberdade é o que respalda a radicalização da

autonomia, se por um lado da moeda ainda que Deus o em si existisse ainda assim,

o existencialismo sartreano encontraria adorno, merece retoque.

Primeiro, para os que sustentam ser a corrente existencialista uma falsidade

diante de sua indemonstrabilidade, a resposta deve ser proporcional ao agravo, ou

seja, seus opositores não conseguem justificar a existência de Deus pela via da

filosofia ou da experiência mística, no entanto, a filosofia é capaz de fazer do

existencialismo uma corrente compreensível e justificável.

No mais, em segundo lugar, a clareza da autonomia do para si é tão

cristalina a ponto de refletir o quanto ele pode ser, enquanto possibilidade

existencial de se fazer o que não é frente ao seu inacabamento, onde a consciência

demonstra a profunda cisão entre o em si e o para si.

O para si transcende para a construção da moral, da subjetividade, e os

demais conceitos fundamentais em Sartre fazendo do para si ser o que o em si

jamais poderá ser! Livre e a totalmente autônomo dentro de sua corporeidade como

começo e fim materializadores da existência, parafrasendo Sartre o homem é o que

traz o nada ao mundo, por isso, o homem é autônomo na concepção mais

extremada da palavra, senhor do seu destino, fundador da sua existência a partir do

nada como postulado ou do seu nada originário de si mesmo.

Esta perspectiva se mostra plausível diante da condição do para si, pois se

sua existência é contingencial seu fim que se dá com a morte também será, dessa

forma, o para si coleciona em seu âmago a finitude existencial, por isso, a origem do

nada somente pode se dar por intermédio de si mesmo e não do em si, diante do

contexto em que funde sua realidade. Outrossim, o para si como negação, pura

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negatividade sua autonomia não me parece prejudicada pela positividade do em si,

ao contrário se revela plenamente possível e factível.

O para si, dentro do contexto da obra o ser e o nada irradia a concepção de

autonomia do ser distante de Deus conforme se avalancha os fundamentos

esposados, o isolamento do tema, encontra vigor de tese pela janela da liberdade

que se processa a constituição da subjetividade do ser para si como exercício

evidente de sua autonomia.

O estudo da fenomenologia e da ontologia sartreana tendo com epicentro o

homem, defende automaticamente a autonomia do para si, onde consegue de forma

meridiana apresentar como se manifesta a consciência e a subjetividade do para si,

esta manifestação também revela de forma irrefutável a autonomia do ser.

Este raciocínio cristaliza a autonomia do homem por intermédio do ateísmo de

Sartre, pois se por um lado para justificar seu ateísmo ele radicaliza a liberdade, ser

ateu corrobora para demonstrar que Sartre constitui o homem em liberdade, como

em autonomia. Não seria possível colocar Sartre a serviço do cristianismo, embora

seu rompimento com a igreja seja conseqüência de sua postura como fundador de

sua corrente.

Todavia, por dentro de seu pensamento, ao procurar elementos a dar

embasamento a tese em questão, o respeito a seus objetivos nos instrumentaliza

com o conhecimento que faz premente para justificar os fins perseguidos, Sartre não

está preocupado em fazer uma metafísica do para si e do mundo, nem tão pouco

enveredar para o labirinto da psicologia. O homem, como já verbalizado como centro

de sua atenção para a ser descrito subjetivamente em termos de conduta dentro do

mundo a partir de sua existência.

Isso nos leva a crer que o pensamento de Sartre não pode ser tido como uma

panacéia para o mundo, mas a partir dessa acepção de mundo e objetivo enquanto

pensado, possibilita o reconhecimento de uma realidade imanente ao homem, a

realidade da autonomia na qual está o homem enquanto liberdade como fluxo

perpétuo de sua existência frente a Deus.

O mundo de Deus não é o mundo do para si de Sartre, pois, caso Sartre

pretendesse façanha diversa, o para si jamais seria objeto de sua reflexão, tudo

seria tão somente em si, o para si é presença, é moral, é liberdade é autonomia que

se faz em uma dialética externa do ser, a partir do seu ser que é pura negação é um

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ser do nada. Sartre não precisa de Deus para salvar sua corrente existencial,

somente precisa do homem em quanto existência o qual é auto suficiente para existir

e construir o seu ser.

Por isso, estabelecer dois mundos e ao mesmo tempo colocar em cada um

desses mundos o ser que nele deve residir, se revela curial, na medida em que

Sartre ilustra de forma clara em sua obra magna O Ser e o Nada que todas as

maneiras de manifestação do para si demonstram sua liberdade e nesta, a ação do

para si radicalmente registra sua autonomia.

Esta afirmação não parte de uma objetivação da subjetivação do para si

enquanto existente, mas ao contrário das linhas outrora trilhadas até este momento

podemos obter de forma meridiana e evidente uma descrição objetiva do para si

enquanto ser fenomenologicamente advindo do seu nada e ontologicamente

perfilhado no mundo a partir de uma estrutura singular propiciada pelo

existencialismo que explica o para si no contexto de uma realidade sensível,

diametralmente distante da metafísica transcendental, embora a guisa de informação

possamos dada a unção polissêmica das palavras tê-lo como metafísico ao explicar

o para si como consciência negativa máxime na transcendência do ego.

Houve então, pelo aspecto de fundo esmiuçado a certeza de que a missão

proposta conseguiu superar o abismo das palavras e penetrar de forma sutil na

questão da autonomia do ser distante de Deus a partir do ponto de vista sartreano,

considerando o êxito da explicação do para si enquanto existência no mundo, pois,

não seria seguro conduzir Sartre a explicar a essência, quando seu pensamento

descarta literalmente esta possibilidade diante de sua peculiar estruturação no

campo do existencialismo.

A autonomia perseguida teve seu estabelecimento radicalmente posto como

uma forma de dar ao para si absoluta singularidade, o para si se mostrou justificar

este atributo por ser um ser em ação, em exercício enquanto detentor de uma

liberdade gratuita indeterminada, soberana e fundadora de toda realidade do homem

coporeificado dentro de um lapso temporal que o cristaliza e o faz ser histórico

demarcando sua essência oriunda da existência.

A liberdade do para si consagra sua autonomia em todos os sentidos,

justificando o divórcio com qualquer doutrina que venha a pretender explicar a

existência do para si, inclusive Deus, por ser um falso conceito ao existencialismo.

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Uma inferência no mínimo lógica, que detêm autenticidade por força das

razões apresentadas as quais amparam a totalidade do pensamento artesanalmente

costurado a partir de Sartre, o resgate do pensamento deste pensador fez com que

ele saísse da hibernação e nos trouxesse o legado a verdade que ali repousava.

Sua envergadura literária é de seu tempo, é de nosso tempo, ela é atual,

comprometida e compromissada com a reflexão que se arraiga em nossa

contemporaneidade no sentido real de certificar que o homem é, no sentido de

existir, é mais do que isso, ele goza de uma autonomia distante de um nome, de

uma falsa e pedante verdade cultivada na história e que jamais esteve imanente ao

homem chamado Deus.

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