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1 Faculdade São Bento – SP Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Filosofia Uma filosofia do direito sob o enfoque da definição de lei na Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino: considerações sobre a controvérsia entre Villey e Hervada Diogo dos Santos Ferreira São Paulo 2010 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.

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Faculdade São Bento – SP

Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Filosofia

Uma filosofia do direito sob o enfoque da definição de lei na Suma

Teológica de Santo Tomás de Aquino: considerações sobre a controvérsia

entre Villey e Hervada

Diogo dos Santos Ferreira

São Paulo

2010

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Diogo dos Santos Ferreira

UMA FILOSOFIA DO DIREITO SOB O ENFOQUE DA DEFINIÇÃO

DE LEI NA SUMA TEOLÓGICA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO:

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONTROVÉRSIA ENTRE VILLEY E

HERVADA

Dissertação apresentada como requisito

para obtenção do título de Mestre em

filosofia junto ao Programa de Pós-

Graduação stricto sensu da Faculdade São

Bento - SP, na área de concentração “ética

e política”, realizada sob orientação do

Prof. Dr. Carlos Arthur Ribeiro

Nascimento.

São Paulo

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA

Índice para Catálogo Sistemático

1. Tomás de Aquino, Santo 2. Tomismo 3. Filosofia Medieval 4. Ética e Política 5. Jusnaturalismo

FERREIRA, Diogo dos Santos

Uma filosofia do direito sob o enfoque da

definição de lei na Suma Teológica de Santo

Tomás de Aquino: considerações sobre a

controvérsia entre Villey e Hervada.

Dissertação (Mestrado) – Faculdade São Bento

– SP, 2010.

“Orientação: Prof. Dr. Carlos Arthur Ribeiro

Nascimento”.

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A Deus Uno e Trino, a Quem se deve tudo quanto

houver de verdadeiro e bom nas linhas que seguem; à Santíssima Gratia Plena,

onipotência suplicante que nos “constrange” santamente com seu exemplo perfeito; a

meus pais: Jorge Onivaldo de Campos Ferreira e Carmen Maria dos Santos Ferreira,

sem os quais eu não teria condições de ingressar na pesquisa; a meu irmão, Henrique

dos Santos Ferreira, por dispor-se em se manter sempre perto da família, ainda que

esteja geograficamente longe; à minha esposa Sabrina Nakano Silveira Ferreira, pelo

incentivo carinhoso manifestado nesses anos de curso; e às minhas filhas: Júlia Ávila

Nakano Ferreira e Mariana Darc Nakano Ferreira, por terem suportado com lindos e

inocentes sorrisos as indisposições pelo cansaço nada velado desse pai que as ama.

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Agradecimentos

Agradeço aos coordenadores do Programa de

Pós-Graduação, Professores Franklin

Leopoldo e Silva e Djalma Medeiros, pelo

empenho pedagógico e trato atencioso aos

alunos. Agradeço aos funcionários da

Faculdade São Bento, pela acolhida e

consideração. Agradeço aos professores

Francisco Benjamin de Souza Netto e Carlos

Arthur Ribeiro Nascimento, pela paciência

que demonstraram para comigo e pelas

salutares contribuições que deram a este

trabalho. Agradeço, sobretudo, ao Senhor da

Vida e da História, Alimento do ser e fonte

da Paz... Sancta Trinitas, Miserere Nobis.

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Resumo

A presente dissertação visa estender a análise crítica

acerca da definição da norma para além de sua expressão positivada, cuidando de

oferecer uma perspectiva jusnaturalista de matriz tomista.

O desenrolar da reflexão envolve as contribuições

tradicionais do Aquinate para com o tema, bem como as atuais asseverações presentes

nas obras de juristas, principalmente dos jusfilósofos Michel Villey e Javier Hervada.

As relações entre moral, política e direito, além de

considerações quanto à virtude da justiça, constam da proposta temática a desenvolver-

se no corpo dissertativo, que abordará como um de seus assuntos centrais, exatamente o

grau de relevância da lei para além da moral e da política, na estruturação de uma

disciplina filosófica que seja propriamente do direito – a qual embora extraída das lições

do Aquinate – recebeu sistematização autônoma e com aportes diferentes somente com

alguns de seus intérpretes mais recentes.

Palavras-chave

Jusnaturalismo; Justiça Legal; Direito; Lei; Justo.

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Abstract

This dissertation aims to dwell the critical analysis

about law’s definition beyond its expression positively valued, taking care to offer an

array jusnaturalistic Thomist perspective.

The course by reflection involves the discussion of

Aquinas' traditional contributions with the theme, and the current assertions of the

works of jurists, especially the legal philosophers Michel Villey and Javier Hervada.

Relations between morality, politics and law, in addition

to considerations regarding the virtue of justice contained in the proposed issue to

develop in the body dissertational that address as one of its central issues exactly the

degree of relevance of law - beyond the moral and politics - in the structuring of a

philosophical discipline that is exactly right, which though drawn from the lessons of

Aquinas, received systematic autonomous and different applications with only some of

his more recent interpreters.

Key-words:

Jusnaturalism; Legal Justice; Right; Law; fair

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“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pagais os

dízimos da hortelã, do endro e dos cominhos e deixais o

que é de maior importância na Lei: a justiça, a

misericórdia e a fidelidade. Estas são as coisas que

devíeis praticar sem omitir aquelas.” (Mateus 23, 23).

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Sumário

Introdução........................................................................................................................10

Capítulo I - A importância e o alcance das questões sobre a lei na dinâmica interna da

Suma Teológica...............................................................................................................16

Capítulo II – Da essência lei em vista de interrogações recentes....................................20

Capítulo III – Da definição de lei....................................................................................26

Capítulo IV – A lei na estruturação de uma estrita filosofia do direito de orientação

tomista.............................................................................................................................45

Capítulo V – Distinção entre direito e lei........................................................................66

Considerações finais........................................................................................................70

Anexo I............................................................................................................................73

Anexo II...........................................................................................................................75

Bibliografia......................................................................................................................77

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Introdução

Questão primordial, por informar desde o alicerce toda a construção do saber

jusfilosófico, a constituição e natureza da norma legal, bem como a delimitação de seu

papel no âmbito do direito, constituem problemas tratados por vários ícones da filosofia.

Um deles – na Idade Média - se debruçara agudamente sobre a quaestio, e de um modo

particular deixara precioso legado retomado diversas vezes no correr da história, é

chamado comumente “Doutor Angélico”.

Juristas de diversas épocas pretenderam fundamentar-se nas noções desse santo

doutor, desenvolvendo e aprofundando conceitos ou esquematizações para uma

jusfilosofia metafisicamente sedimentada. Dentre eles encontram-se pensadores

contemporâneos como Michel Villey1 e Javier Hervada2, os quais deram grandes

contribuições para a disciplina que se autonomizou nos cursos de ciência jurídica sob o

nome de filosofia do direito.

No entanto, da leitura atenta de suas obras verificam-se algumas discordâncias,

como nas posições de ambos sobre o real alcance da lei como um instituto jurídico. De

qualquer maneira, como eles se pretendem, seja de modo mais próximo ou remoto,

abonados por Santo Tomás de Aquino, convém que alguns dados biográficos do

angélico e traços introdutórios dessa visão tomasiana se insiram como introdução à

abordagem da controvérsia.

1 Professor universitário francês consagrou sua carreira ao ensino de história e filosofia do direito, tendo publicado livros de grande repercussão acadêmica como Filosofia do direito, A formação do pensamento jurídico moderno e O direito e os direitos humanos, obras traduzidas em diversos idiomas, tem em sua homenagem um instituto de pesquisas, cuja página na internet permite conhecer suas contribuições para a jusfilosofia (http//: www.institutvilley.com). Nasceu em 1914 e faleceu em 1988. 2 Francisco Javier Hervada Xiberta é Sacerdote espanhol, nascido em 1934 e catedrático em Direito Canônico desde 1964. No ano de 2002 foi condecorado como Doutor Honoris Causa pela Universidade Santa Croce (Roma), é também decano da Universidade de Navarra. Maiores detalhes bio-bibliográficos podem ser encontrados em http//: www.javier.hervada.org

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Santo Tomás de Aquino é um dos maiores vultos da história da filosofia

ocidental. Nascido ao final do ano de 1224 d.C. (ou início de 1225 d.C.)3 no Castelo de

Roccaseca, situado no Reino de Nápoles e próximo da cidade de Aquino - na Itália –

Tomás desde muito pequeno demonstrara vocação religiosa, e assim teve sua educação

confiada pelos pais à abadia de Monte Cassino, “a mais gloriosa das abadias

beneditinas, fundada pelo próprio S. Bento, era um baluarte da causa papal”4.

Muitos foram os lugares de formação do “Aquinate” – como também é

conhecido – seus estudos e sua posterior atividade docente se exerceram em grandes

centros culturais do Século XIII; convém enumerá-los citando o breve resumo

biográfico feito por Gardeil:

S. Tomás aperfeiçoa sua formação literária e começa seus estudos de filosofia em Nápoles, onde tem, em particular, como mestres: Martinho de Dácia (para a Lógica) e Pedro o Irlandês (para a Física). Em 1244, o jovem estudante toma o hábito dos Pregadores, no convento de San Domenico de Nápoles. Descontentes, os pais prendem e escondem o noviço que, depois de diversas peripécias, conseguirá finalmente a liberdade de seguir sua vocação. É muito provável que S. Tomás tenha sido inicialmente estudante no Studium de Saint-Jacques de Paris (1245-1247), e tenha seguido seu mestre Alberto Magno a Colônia, onde aperfeiçoou sua formação (1247-1252).

Nesse período o Aquinate já teria dado início aos seus comentários bíblicos,

datando-se a Expositio super Isaiam ad litteram ao final da estada em Colônia, antes,

portanto, de 1252. Tal cronologia encontra respaldo no quadro catalográfico das obras

de Santo Tomás feito por G. Emery, OP5, pesquisa esta mais recente, e que - quanto a

isso - destoa de Gardeil, o qual continua:

S. Tomás, bacharel em Paris. (1252-1256). Designado para lecionar em Paris, que era então o centro intelectual da cristandade, S. Tomás começou, de acôrdo com o costume, por "ler" a Bíblia de maneira contínua e rápida (Cursorie), durante dois anos. Depois, durante outros dois anos, comentou as Sentenças de Pedro Lombardo. Admitido como mestre ao mesmo tempo que São Boaventura, S. Tomás comenta a Bíblia

3 GRABMANN, Martin. Santo Tomás de Aquino. Barcelona: Labor, 1952. p.9. 4 BARROS, Manuel Correa de. Lições de Filosofia Tomista. Micro Book Studio/Edição eletrônica – www.microbookstudio.com. 5 TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino: sua pessoa e obra. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 393.

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(ordinarie), realiza suas primeiras questões disputadas (De Veritate), e empreende a composição da Summa Contra Gentiles. [...] Volta a Roma (tendo estado antes em Nápoles e Orvieto). Sua atividade intelectual é então das mais intensas: ensina a Sagrada Escritura (curso ordinário para mestres), discute numerosas questões, conclui o Contra Gentiles, compõe a Catena Aurea, comenta Aristóteles, inicia a Suma Teológica, etc. Professor pela segunda vez em Paris (1269-1272). Chamado a Paris por ocasião da crise intelectual provocada pelo movimento averroista, S. Tomás toma posição na polêmica e prossegue incansàvelmente na sua tarefa de professor e de escritor (comentários da Sagrada Escritura, de Aristóteles, Questões Disputadas, Suma Teológica, opúsculos diversos). Professor em Nápoles (1271-1273). Designado para assumir a direção do novo Studium generale em Nápoles, S. Tomás tem, além dos trabalhos habituais de mestre, uma notável atividade apostólica. A pedido de Gregório IX, S. Tomás parte para participar do Concílio de Lyon. Durante a viagem fica doente e morre, a 7 de março (1274), na abadia cisterciense de Fossanova.6

Como se pode notar, Tomás escreveu uma vasta obra sendo aquela que melhor

representa seu gênio a “Suma Teológica” – não por tratar-se de seu escrito de maior

fôlego ou profundidade especulativa (sobre o que há indicações em contrário7) – mas

por tratar-se de conjunto marcado em concisão expositiva, clareza de método e remissão

pedagógica constante aos princípios, erigindo-se assim num todo harmônico que

condensa o pensamento maduro e acabado do autor. Nela, o Santo aportou em meio à

sua teologia também uma série de reflexões tomadas a partir da razão natural, de cunho

filosófico.

Ele tratou de uma diversificada gama de problemas, dedicando-se aos

principais questionamentos existenciais com agudeza de espírito e rigor argumentativo,

construindo uma verdadeira cosmovisão, tanto teológica quanto filosófico-científica.

Segundo os freqüentes quadros cronológicos8 acerca dos livros de Santo Tomás

a Suma Teológica fora obra do final da vida, na qual se resumiu os mais importantes

6 GARDEIL, H. D. Iniciação à Filosofia de Santo Tomás de Aquino. Micro Book Studio/Edição eletrônica – www.microbookstudio.com. (parênteses sem itálico, meus). 7 O próprio Santo Tomás no prólogo dessa magnífica Suma aponta para sua finalidade didática, elaborada sistematicamente eo modo secundum quod congruit ad aeruditionem incipientium, além disso muitas de suas questões disputadas se estendem no trato detalhado de temas específicos e contam com um maior número de citações, exemplos e referências. 8 Apoiados sobretudo nos testemunhos de Ptolomeu de Luca e Guilherme de Tocco.

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assuntos teológicos para apresentação panorâmica aos sacrae doctrinae novitii, um

monumental manual para seus alunos e para a posteridade.

Dentre os temas abordados por Aquino na Summa Theologiae encontra-se o

problema da Lei em sua natureza peculiar, na tentativa de traçar o alcance de sua

definição; tal empreitada resultou numa sistematizada avaliação e inspirou muitos

outros autores do gênero ao longo dos séculos, de maneira que, também sobre este

ponto, a exposição tomista recebeu posteriormente a alcunha de Filosofia Perennis.

Coletando um sem número de referências de pesquisadores modernos9,

Grabmann indica que, apesar de certas dificuldades em precisar os lugares e datas da

composição dessa Suma, pode-se dizer que a primeira das três partes em que é divida a

obra fora escrita inteiramente em Roma, lugar em que o Santo permaneceu de 1266 até

1268, quando então e pela segunda vez seguiu a Paris. Lá teria escrito a segunda parte

(que por sua vez é dividida em duas: a Prima Secundae – onde se encontra o conjunto

de questões sobre a lei, com aportes diretos a este trabalho; e a Secunda Secundae).

Depois, de volta a Nápoles, o Aquinate teria composto a terceira parte10, nos anos de

1272 e 1273.

Desta forma a primeira das partes que compõem a Secunda Pars (na divisão

geral) e que nos interessa especialmente, por conter – como já se disse – as questões

sobre a Lei, tem como data provável de nascimento o período que vai de 1268 a 1272.

Maritain, seguindo aparentemente Mandonnet (ainda que não o tenha citado

nesse ponto), intenta ser ainda mais exato em firmar o ano de 1269 como data de escrita

para a Prima Secundae11.

Juízos em contrário podem ser encontrados nas referências de Jean Pierre

Torrell, segundo o qual Glorieux e Eschmann, seguidos por Weisheipl teriam concluído

que o término da Prima Secundae teria se dado no verão de 1270; já Gauthier “que

inicialmente seguira essa opinião” teria se retratado em Nouvelle introduction, e em L’

Étique a Nicomaque, I, 1, Introduction, apontando junto ao parecer prestigiado de Dom

9 GRABMANN, Martin. Introdução à Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1944. P.21 e 22. 10 Talvez a tenha iniciado ainda em Paris, conforme: TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino: sua pessoa e obra. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 389. 11 MARITAIN, Jacques. El Doctor Angelico. Buenos Aires: Desclée, 1942. P. 154.

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Lottin que a Prima Secundae na verdade teria sido escrita apenas em 1271, pois

somente no final de 1270 é que chegaram às mãos de Santo Tomás as traduções de

Aristóteles por Moerbeke, que foram amplamente usadas a partir de então. Esse é o

parecer adotado por Torrel12.

De qualquer maneira é útil situar que os tópicos referentes ao assunto da lei

encontram-se expressos nessa primeira das duas partes em que se subdivide a segunda

grande parte da Suma Teológica, e aquela questão que mais precisamente pertine a esta

pesquisa, cujo cerne é considerar a articulação da noção tomista de lei com o

jusnaturalismo (corrente/ escola de direito natural) de mesma orientação, é abordada na

questão de número 90.

As considerações iniciais quanto à Prima Secundae, urgem por integrarem-se

às notas gerais precedentes - apresentadas a respeito da Suma como um todo - porém a

maneira destacada e especial com a qual suscitara interesse ímpar entre antigos

comentadores, acaba por despertar, por sua vez, a sã curiosidade de mais recentes

pesquisadores.

Adentrando-se assim, um pouco mais na especificidade temática do que é

atinente, convém reportar-se brevemente – mesmo que a título ilustrativo e secundário –

a algumas repercussões representativas do impacto particular da filosofia prática tomista

em estudiosos de relevo, cujos pareceres gerais de antemão nos fornecem diretrizes para

uma autêntica incursão no pensamento robusto do Aquinate.

Depois de pontuar, de um lado o caráter didático e enxuto da Suma,

contrapondo, por outro lado, o fato positivamente avaliado de tratar-se de obra madura

de Santo Tomás, o ilustre historiador do tomismo Monsenhor Martin Grabmann passa a

tecer breves comentários sobre cada uma das partes que compõem a Suma Teológica,

reservando à segunda dessas partes as seguintes observações:

Na moral sobretudo é que aparece a excelência da divisão e da lógica interna da Suma Teológica. Partindo da idéia de que Deus É A Causa final da criatura racional ou do movimento da criatura racional para Deus, Santo Tomás ergueu uma obra monumental, cujo valor já os contemporâneos apreciaram. Lê-se

12 TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino: sua pessoa e obra. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 172.

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na Continuatio IV da Chronica minor auctore minorita Erphordiensi, numa fonte, por conseguinte que não emana de um meio dominicano ou tomista: “Item magister Thomas, clarum Dei organum in theologia et in naturalibus et praecipue in moralibus”.13

E arremata Grabmann – ainda acerca da Secunda pars, com o cotejo de longa

citação de W. Grass:

É evidente que a multiplicidade de aspectos e o caráter individual que apresentam a vida e atividades morais reais tornam mui difícil o emprego do método sintético que se liga aos conjuntos, às leis, às vistas profundas e aos apanhados luminosos. S. Tomás triunfou brilhantemente destas dificuldades; soube aliar, magistralmente, a análise e a síntese, pôr a observação a serviço da poderosa especulação metafísica e teológica: criou assim um sistema moral, tanto teórico quanto prático, onde tudo se liga a um tempo com a arte e com a verdade. W. Gass escreveu com justeza: “O vasto desenvolvimento do plano faz-nos atingir até os pontos mais remotos. Acham-se de um lado a oração, a contemplação, a visão; de outro, encontramos freqüentes vezes um empirismo moral, com todas as dificuldades e vicissitudes da prática. Mas nunca deixa o autor os fios condutores. Em sua obra de filigranista, tudo encontra seu lugar, e, assim como define a moral como a ciência dos atos, sabe também impulsionar a atividade por toda parte; não deve faltar em parte alguma, nem no movimento da inteligência e da vontade, nem no estado mais elevado da contemplação religiosa. Relaciona o geral a uma multidão de casos particulares; a marcha lógica e imperativa do pensamento, completa-a por descrições. S. Tomás já preparou em certa medida a tarefa de que se incumbe a moral de nossos dias: submeter a lei moral à vida inteira, como sendo susceptível de ser tocada por ela, de sofrer-lhe o ascendente”.14

Por tudo, se vê realçada a elevada importância da filosofia moral tomasiana;

tanto ad extra – como capítulo notável da história do pensamento ocidental sobre os

atos humanos -; quanto ad intra – como um locus privilegiado na construção “gótica”

da síntese tomista.

13 GRABMANN, Martin. Introdução à Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1944. P. 82 e 83. 14 Idem. P. 84 e 85.

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Capítulo 1 - A importância e o alcance das questões sobre a Lei

na dinâmica interna da Suma Teológica

1 – 1. Referências gerais

Antes de tratar diretamente da polêmica envolvendo Villey e Hervada na

compreensão da maior ou menor importância da lex para o direito, é de todo útil

conduzir a incursão ao tema com observações gerais sobre a questão 90 da Suma

Teológica, na qual se define a lei. Para tanto os próximos capítulos trarão excertos do

texto com comentários de alguns pesquisadores da tradição tomista, dando-se

preferência nas citações aos que se aproximam das características presentes nos

envolvidos na controvérsia: comentadores que além de filósofos sejam também juristas,

principalmente entre os mais recentes intérpretes (sobretudo do final do séc. XIX e

mesmo juristas do séc. XX).

De antemão, porém, cabe esclarecer resumidamente tanto as fontes usadas pelo

Aquinate, bem como a posição das questões pertinentes à lei na Suma Teológica. Isso

porque Villey, de um lado, considera Santo Tomás a partir de Aristóteles, o qual de fato

era das fontes mais utilizadas pelo angélico, e ainda, por outro lado, por conta do fato de

que Villey usa da circunstância das questões sobre a lei não estarem em continuidade

sistêmica com as questões sobre a justiça particular e o direito para iniciar sua investida

contra o realce da norma na construção jurídica.

Em vista de tudo, ponderações diversas terão ocasião antes de se cuidar

diretamente do imbróglio envolvendo as divergências de Villey e Hervada quanto à

função da lei para o ofício do jurista, sendo o próximo passo um apontamento suscinto

das fontes do Aquinate.

Assim como Aristóteles, Santo Tomás enfrentava as questões que se propunha

solucionar recordando algumas das posições mais importantes de pensadores

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precedentes e contemporâneos a si, desta forma, teses diversas e muitas vezes contrárias

umas das outras introduziam os artigos tratados.

Esse modo dialético de iniciar o estudo tinha o mérito metodológico de

apresentar o status questionis do problema e oferecer expressamente as principais fontes

utilizadas.

Pode-se, portanto, extrair da própria redação das questões 90 a 97 da Prima

Secundae algumas das fontes bibliográficas de que Santo Tomás de Aquino se valeu

para edificar sua visão sobre a lei.

Sumariamente convém destacar: As Sagradas Escrituras foram citadas várias

vezes no desenvolvimento das questões, com destaque para o Pentateuco e as Cartas de

São Paulo; A “Ética à Nicômano” de Aristóteles também teve lugar de relevo no

tratamento do tema, mormente os livros 1, 5 e 10; junto a ela também a “Política” fora

lembrada; os juristas clássicos, por sua vez, foram tomados como fonte através dos

extratos do famoso Digesto, com transcrições de Ulpiano, Modestino, Papiniano,

Juliano, Celso e Pomponio, chamados reiteradamente na Suma de “Iurisperitus”,

“Iurisconsultus” ou ainda “legisperitus”; também o Decreto de Graciano de 1.142 d.C.

foi atentado; Santo Agostinho, como em outras questões, foi referência importante,

principalmente na abordagem da Lei Eterna, em que o De libero arbitrio foi

considerado sobremaneira; somam-se ainda, como referências, Cícero e especialmente

Santo Isidoro, com o livro V das Etimologias.

Ainda que não explicitamente citados, vislumbra-se certa influência da Suma

Halense, que cuidara do tema da lei em sua terceira parte, bem como, o esperado e

natural influxo do pensamento de Santo Alberto Magno, mestre de Santo Tomás15.

1 – 2. A condição destacada do conjunto de questões sobre a lei na Suma.

15 AQUINO, Santo Tomás de. Suma de Teologia. vol. 2. 2ª ed. Madrid: BAC, 1989. p. 696 e 697. comentários de Antonio Osuna Fernandez-Largo, OP.

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Depois de situar a Prima Secundae no quadro geral das obras de Santo Tomás

apontando cronologicamente a data aproximada de sua escrita, é de todo útil descer

ainda mais aos detalhes dessa averiguação quanto ao lugar das questões sobre a lei na

dinâmica interna e própria da Suma Teológica.

Tomás passa a cuidar de maneira mais detida dos atos humanos, em sua

estrutura e desdobramentos, exatamente com o início da Segunda Parte – a qual é

especialmente reservada ao tema – assim o faz não somente na primeira divisão dessa

parte, mas também na Secunda Secundae.

Oportuno frisar, sobretudo, que as questões sobre a lei, estando mais ao final da

Prima Secundae, acabam por se inscrever próximo ao centro gráfico da Secunda Pars,

considerada em sua integralidade16.

Ademais, e para além de uma centralidade meramente casual e organizacional,

as questões sobre a lei estão entre, de um lado as considerações sobre as virtudes em

geral (Q. 55, a. 67, da I-II, e de modo especial a Q. 61) – em que se trata, dentre outras,

da virtude da Justiça, tomada, nesse caso, in genere; e de outro, as questões que cuidam

diretamente da justiça especial e do direito (Q. 57, a. 79 da II-II, com destaque para as

questões 58, 61 e 62).

Vale dizer: no edifício da filosofia prática expressa na Suma, o estudo das leis

é antecedido pela reflexão sobre a justiça como virtude em geral e sucedido pela

investigação sobre a justiça particularizada, conectada intimamente ao direito, seu

objeto.

O fato de Santo Tomás não ter incluído o estudo da lei em uma continuidade

orgânica com nenhum destes outros blocos de questões – da justiça genericamente

abordada e da justiça em particular – não quer dizer que o problema das leis não tenha

correlação com algum deles; pelo contrário, a autonomia no estudo da lei – manifesta no

fato de angariar um tratamento autônomo, próprio a si - parece realçar sua importância,

e ao mesmo tempo pode indicar que a amplitude de seu alcance reclama uma apuração

que vai além da restrição metodológica que pode ser traçada entre as formas de se

considerar a Justiça.

16 Isso tomado sistematicamente pela divisão que encerram, pois é notável o maior volume da Secunda Secundae.

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Esse, “como que destacamento” do estudo da lei, principalmente em relação à

justiça analisada de maneira particularizada, acabou por provocar sutis divergências

entre pesquisadores do chamado “jusnaturalismo tradicional”. Tais divergências

pouquíssimas vezes foram alvo de uma crítica pontual. Considerando, porém, que as

posições discordantes implicam em uma ou outra conseqüência teórica e prática de certa

relevância para a filosofia do direito, convém contextualizá-la e apresentá-la, para

aferição da maior ou menor amplitude do alcance sistêmico da lei no pensamento de

Santo Tomás de Aquino e na tradição tomista.

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Capítulo 2 – Da essência da lei em vista de interrogações

recentes

2 – 1. Baliza delimitadora

Diferentemente de outros temas discutidos na Suma, Santo Tomás não inicia a

questão 90 colocando o problema da existência ou da necessidade da lei; ao contrário

cuida já da lei em si mesma. Essa postura insinua que o Doutor Angélico tinha por

suposto, ab initio, que alguma lei há de haver, e que a realidade social por si reclama

sua necessidade.

Nesse sentido comenta o jurista Fernandez Alvar:

La existência de leyes em todo orden de cosas es tan notória, y su necesidad tan palpable, que todo intento de demonstración resulta poco menos que supérfluo.17

Entretanto, ainda que não tenha formulado questão própria sobre a necessidade

da lei, tal indispensabilidade está demonstrada por Santo Tomás em todo o

desenvolvimento da questão 90, principalmente a partir da consideração de que a lei é

algo de foro racional e em favor do bem comum, além de sua tomada sob aspecto o

mais geral possível, sem restringi-la aos modelos de sua época.

Vemos ainda que a mesma indispensabilidade da lei acaba por ser manifesta

mais à frente, quando Tomás cuida das classes de lei em particular, expressamente ao se

deter na lei natural e na Lei eterna.

Também aqui a existência da lei e sua necessidade ficarão a se desenvolver

com as tratativas acerca das notas que caracterizam a lei, bastando por ora cotejar um

corolário da assertiva: não há indiferenciação universal no campo ético; as ações

humanas se fazem sempre em vista de um bem (ainda que seja bem menor, como em

17 AQUINO, St Tomás de. La Ley. Barcelona: Labor, 1936. Comentários: Prof. Constantino Fernandez Alvar, p. 131.

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atos desmedidos) e, enquanto transcendental - o “bem” - sempre foi alvo de reflexões

dos homens (seja de modo mais elaborado ou singelo).

As noções de “dever/direito”, junto às de “bem” e “mal” são as premissas

inelutáveis suscitadoras da lei, a qual se caracteriza, portanto, como orientadora do juízo

deôntico. Assim, a práxis universal e a consciência individual denunciam a necessidade

da lei – medida dos atos - como resposta a uma não exequível indistinção total no agir,

podendo ser vislumbrada em qualquer ação racionalmente motivada; por isso é que, ao

tratar da lei natural, Hervada a apresenta como um fato e não apenas como uma

doutrina, salientando que sua formulação “não é outra coisa senão a explicação

científica desse fato da experiência, que é um dado natural do homem”18.

2 – 2. O conceito de Lei

Depois de considerar os princípios internos dos atos humanos, tratando das

virtudes e dos vícios, Santo Tomás passa a discorrer sobre o princípio externo que move

ao Bem, tal Princípio e tal Bem em si são O Mesmo Deus, O Qual nos Instrui mediante

a lei e Auxilia pela graça.

Entretanto, um aspecto interessante que previamente se insinua diz respeito à

questão terminológica posta hodiernamente: lei e norma têm conotações sinônimas?

Tal indagação aparenta pequena importância, entretanto seu esclarecimento

encontra reclamo no uso que ultimamente se tem feito de ambas as palavras, em que se

reserva à lei um uso quase exclusivo para algumas ciências particulares da natureza.

Com o impulso dos dois últimos séculos nas pesquisas de ciências naturais,

passou-se a associar frequentemente à palavra “lei” ao liame entre causa e efeito dos

18 HERVADA, Javier. Crítica Introdutória ao Direito Natural. Pamplona: Resjuridica, 1981. p. 129.

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22

fenômenos físicos e biológicos, o vocábulo “lei” denotou muitas vezes e em primeiro

lugar algumas fórmulas matemáticas descritivas dos fenômenos19.

Desta forma, ao substantivo lei se liga comumente o adjetivo natural, as leis

em sentido próprio seriam aquelas da natureza: leis físicas, químicas, biológicas.

Em face dessa situação a palavra norma ganhou espaço na designação de

regras fora do âmbito matemático ou empírico-natural. Assim, principalmente ao

cuidar-se de leis morais ou jurídicas, substituiu-se “lei”, por “norma”.20

A palavra norma provém do grego nomos, com o sentido de esquadro, regra,

modelo exemplo, e que por sua vez poderia remontar de maneira mais distante a némo,

cuja significação era muito próxima de “partilha”, modo de partilhar. Nessa incursão à

raiz etimológica do vocábulo se reconhece de início sua utilidade para o direito, tido

desde os romanos como a arte de “partilhar” os bens e encargos na polis, dando a cada

um o “seu”.

Ao uso de nomos fora entranhado também, desde há muito, à palavra ethos,

fazendo com que se prestasse a designar, por conseguinte, o hábito tornado regra de

identidade de um povo em sua interação, ou, a regra e medida entre os

“compartilhadores”, de uma mesma sociedade, aurida de costumes sedimentados.21

A proximidade de significação dos dois termos – lei e norma - se evidencia

ainda pelo uso normalmente indiscriminado que se faz deles no âmbito acadêmico

voltado à ética ou ao direito. Norma, provindo do grego, e lei, provindo do latim,

designariam igualmente uma regra.

Diante disso, não se insinua problemático – à primeira vista – encarar ao

menos como intercambiáveis as palavras lei e norma.

19 Embora isso já se tenha iniciado no séc. XIII, com Roger Bacon ao falar dos Canones fractionis ( cânones da refração – em física ótica). 20 Caso emblemático é o do jurista austríaco Hans Kelsen, que aludia em seu sistema a uma norma hipotética fundamental, ainda que se valesse também da palavra “lei” noutras situações. 21 CAIRUS, Henrique. Quando o nómos não é lei. Artigo retirado de: http://www.gtantiga.net/textos/quando%20o%20n%F3mos.pdf em 28 -07-2010.

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23

Isto se vislumbra, por exemplo, no uso sinônimo e intercalado feito por

Monsenhor Octávio Nicolas Derisi das expressões “lei natural” e “norma moral”.22

Ocorre que atualmente a palavra “norma” se aplica a um grande número de

regramentos diferentes, sendo sua literalidade passível de referências múltiplas dentre as

quais se incluem: regras técnicas de um procedimento (chamadas normas diretivas e que

se referem exclusivamente ao modo como algo particularíssimo deve ser feito,

relevando apenas a eficiência e utilidade); regras de jogos (também chamadas normas

definitórias, que apresentam o que é válido ou não em certos esportes ou atividades

lúdicas); regras de etiqueta (também conhecidas como normas de trato social, em que

não há verdadeiro dever, mas uma sugestão de conveniência quanto ao comportamento

diante do outro).

Em resumo, pode-se avaliar que as diversas normas nem sempre recaem sobre

os atos humanos enquanto considerados nos aspectos próprios de incidência da lei, que

para Santo Tomás parece ter uma significação mais precisa, restrita.

Sobre isso vem a calhar algumas observações pouco discutidas de Simon:

Si la noción de norma es sinônima de regla y de medida, el término lex, según Santo Tomás derivaria de ligare y significaria, pues, “ligar”, “obligar”. Si la etimologia no es cierta, la significación es exacta, y es esto lo que importa.[...] La ley es una norma, pero es una norma prescriptiva; pasamos, pues, com la ley, de la noción de norma puramente reguladora a la norma imperativa.23

Desta forma pode-se apurar que a lei não se confunde com norma – ao menos

quanto a conformação de seus significados modernos - senão que se trata de uma

espécie do gênero normativo.

A lei seria então a norma quando carregada de teor imperativo, como regra e

medida de caráter prescritivo, não somente regra útil ou sugestiva, mas implicando num

dever ou obrigação em sentido estrito, seja tal obrigação de viés moral e ou jurídico.

22 DERISI, Octávio Nicolas. Los fundamentos metafísicos del Orden Moral. Buenos Aires: Monografias Universitárias, 1941. Capítulo VI e seguintes. 23 SIMON, René. Moral: curso de filosofia tomista. Barcelona: Herder, 1968. p. 228.

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24

Neste trabalho, por praticidade e por não tratar de outras espécies ou

subespécies de normas, usar-se-á “lei” e “norma” como sinônimos, ressalvado desde

logo que na utilização da palavra “norma” fica subentendida sua especificação como

norma prescritiva, ou imperativa.

2 – 3. A questão 90

A questão 90, contendo 4 artigos, apresenta os caracteres universais da lei,

resultando - depois de vencidas as opiniões em contrário - numa definição que se tornou

célebre: “A lei consiste numa ordenação da razão para o bem comum, promulgada por

aquele a quem cabe cuidar da comunidade”24.

Nessa definição alguns autores indicam como operante uma consideração de

Santo Tomás pela doutrina aristotélica que reporta às 4 causas explicativas dos entes.

Tomando-se com cautela a sobredita definição, a referência às 4 causas se mostra

provável, entretanto, por fugir um tanto à alçada deste trabalho, convém que apenas se

lhe refira: A lei teria como causa formal seu caráter racional; e como causa final o bem

comum (essa seria a determinação que a especifíca, distinguindo-na de uma diretiva

individual, por exemplo); já a causa eficiente seria “àquele que tem a incumbência de

cuidar da comunidade”; e a causa material consistiria no “ato de promulgação”25.

Além do texto em seu original latino, conforme publicação da editora labor,

adotar-se-á neste trabalho a tradução em língua portuguesa feita pelo ilustre professor

24 A definição acha-se expressa na resposta do artigo 4 da questão 90, em que se lê: Et sic ex quatuor praedictis potest colligi definitio legis, quae nihil aliud est quam quaedam rationis ordinatio ad bomnum commune, et abe o qui curam communitatis habet, promulgata. 25 A correspondência entre as 4 notas que compõem a definição tomasiana de lei e as 4 causas: formal, final, eficiente e material, não estão expressamente consignada pelo Aquinate, porém não se trata de um paralelo infundado, vide: AQUINO, St Tomás de. La Ley. Barcelona: Labor, 1936. Comentários: Prof. Constantino Fernandez Alvar, p. 135 a 140, ou AQUINO, Santo Tomás de. Suma de Teologia. vol. 2. 2ª ed. Madrid: BAC, 1989. p.697 a 699. Comentários de Antonio Osuna Fernandez-Largo, OP.

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25

Francisco Benjamin de Souza Netto, em obra da Editora Vozes que reproduz alguns

importantes escritos políticos de Santo Tomás26.

26 AQUINO, St Tomás de. Escritos Políticos. Petrópolis: Vozes, 1997.

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26

Capítulo 3 – Da definição de lei

3 – 1. O caráter racional da lei.

Do desenvolvimento da questão 90 se depreende que a primeira nota da lei

para Santo Tomás é a sua racionalidade. O artigo primeiro, que, além de primeiro é dos

mais extensos da questão, se centra neste aspecto com particular ênfase.

A lei é apresentada como regra e medida dos atos, obra da razão: é à faculdade

racional que incumbe a ordenação em vista do fim, e tal ordenação caracteriza os atos

propriamente humanos.

Esse predicado da lei, em ser obra da razão, pode parecer de todo óbvio ao

senso comum, pois ao se apresentar uma regra imperativa que externaliza uma

obrigação, a razão se põe primeiro a compreendê-la quanto ao que prescreve - seu

sentido meramente literal ou lingüístico - e passa depois à busca de uma compreensão

de seu conteúdo, uma busca de seu “porquê”, ou de sua ratio legis (para usar uma

expressão da hermenêutica jurídica contemporânea). Ou seja, uma lei flagrantemente

absurda e despicienda geraria protestos e reclamações tão logo fosse conhecida. Assim,

a expectativa dos destinatários de qualquer norma é de que esta seja racional, “faça

sentido”, e isto pode ser reputado como um fato universal.

Nem é necessário multiplicar exemplos fictícios de normas absurdas,

flagrantemente inverossímeis, para supor os protestos contrários e a inocuidade das

mesmas: se, por exemplo, um governante legislasse que as plantas deveriam ser tidas

como os seres humanos, ganhando o “direito” à educação básica, ensino fundamental e

médio nas escolas públicas etc... isso não geraria menos que o riso de alguns e a fúria de

outros dos súditos.

O exemplo citado – mesmo um tanto exagerado - serve apenas para reforçar o

sentir comum de que a lei não pode ser qualquer ordem, não pode se consubstanciar em

esdrúxulos e desbaratados mandamentos.

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27

Ocorre que a esperada constituição racional de uma lei, quando burlada, o é de

uma maneira muito mais sutil que a do exemplo, ou em outras palavras: erros e

mentiras, descaminhos e males, podem ser erradamente admitidos como lei quando

estão sob a camuflagem de uma pseudo-racionalidade; ou ainda, e pior, se em princípio

se desconsiderasse e repugnasse essa característica indissociável da lei: o de ser obra da

razão.

Ao responder os argumentos iniciais Santo Tomás chega ao mais profundo da

questão e reafirma com amplo escopo probatório que a formalidade da lei é seu caráter

racional. Podemos extrair da leitura da q. 90 incisivos argumentos em favor da tese, os

quais o jurista brasileiro Alexandre Correia resumiu em silogismo:

A lei é uma regra e medida dos actos humanos; ora, a regra e medida dos actos humanos é a razão; logo a lei é algo de racional – aliquid rationis. Que a lei mede e regula nossos actos facilmente o compreenderemos se lhe atendermos aos efeitos: ordenar, proibir, permitir e punir. Dos actos genericamente bons e virtuosos mede-lhes a bondade e regula-lhes a prática, ordenando-os. Os genericamente maus ou viciosos também os regula e mede na sua malícia, proibindo-os. Permite os genericamente indiferentes; mas como estes, individualmente considerados, são por força bons ou maus, incluem-se em uma das duas classes precedentes, subordinando-se assim à regulamentação e à medida que a eles se aplicam, embora a permissão em si mesma sirva-lhes de regra e medida. Quando, porém, o súbdito recalcitra em aquiescer às injunções legais, transformando-se em perturbador da ordem e do bem dela decorrente é inevitável o recurso à pena, por parte do chefe da sociedade: são as leis penais. A pena imposta, pelo delito cometido, é por natureza um castigo contrário à nossa vontade. É relativa não só à gravidade da culpa, mas ainda à grandeza da transgressão, à facilidade com que foi perpetrada e à complacência de sua prática. Ora todos esses fatores, ponderados pela lei, ao punir o prevaricador, que outra coisa significam senão medir-lhe e regular-lhe o ato culposo? 27

Para compreensão mais aguda desse aspecto da lei cumpre fazer remissão a

prévias lições de Tomás quanto aos atos humanos.

27 CORREIA, Alexandre. Definição tomista de Lei. In: VERBUM – tomo I, Fascículo 2. Rio de Janeiro: Publicação trimestral das faculdades católicas, 1944. p. 99.

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28

Os seres humanos, diferentemente das outras criaturas materiais, não se

movem exclusivamente de acordo com um impulso irresistível, ou instintivo; podem

eles captar pela razão o fim apropriado a si e ajustar os meios que concorrem à sua

consecução, isso porque têm natureza racional.

Trata-se da clássica distinção entre os actus homini e actus humani: os

primeiros incluem atos que independem do exercício atual da vontade, como pulsar o

coração, ou mesmo os tics e reflexos inevitáveis; já os segundos são atos provenientes

do homem enquanto ser racional e que dependem de sua vontade livre.

Os atos humanos, conscientes que são, manifestam ainda mais claramente a

teleologia, participando ativamente dela, o que, entretanto, está impresso em todos os

entes que se movem. É o princípio de finalidade que Tomás assume a partir de

Aristóteles28.

A ação, passagem de potência a ato, mostra-se sempre dirigida a um fim, um

termo; tende a produzir, portanto, um efeito29.

Tal finalidade é causa e princípio do agir na ordem da intenção, pois dirige as

operações, como dito, a um termo.

A tendência - ou desejo - no ser, é posto em ato pela apreensão de algum bem,

desta forma aquilo que é apetecido – alguma determinação ou perfeição – cumpre o

papel de fim, tendo ainda o aspecto transcendental “bem”, porquanto ser desejado que

contém certa perfeição.

Noutras palavras: bem e fim são convertíveis na metafísica tomista.

Em vista disso tem lugar certo na compreensão do caráter racional da lei o

princípio supradito, expresso como “omne agens agit propter finem”30, e à razão cabe

tanto conhecer o fim (ipsam rationem finis) quanto digirir, regular, os atos que para ele

concorrem (directive formaliter).

Vigorosa é a explanação de Derisi a este respeito:

28 Cfr: Ética a Nicômano, L I, nº 3, ou ST I-II, Q. I, a. 1. 29 Iª pars, Q. 18, a. 3. 30 Todo agente age por um fim.

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29

Lo bueno, lo acabamos de decir, expresa el ser en cuanto apetecible, señala la capacidad que tiene para mover la voluntad o una tendência qualquiera hacia su consecucion. Coincide, según esto, com la noción de fin. El fin es aquello por cuya consecucion o realizacion opera y se mueve la voluntad, y, mediante ella y la inteligencia, todo ser, aun irracional, equivale a lo apetecible.31

Depois completa, já se antecipando a qualquer confusão que porventura se

insurja ao sobredito:

Ahora bien, anteriormente a este movimiento de tendencia que hacia si provoca como bien o fin, es menester que el ser ya sea bueno. La razón formal de la bondad del ser no está, por ende, en su nocion de fin o apetibilidad, sino en aquella capacidad intrínseca que posee em si mismo de fundamentar el movimiento de prosecucion de otros seres. [...] Em una palabra, um ser no es formalmente bueno porque es apetecible, sino que es apetecible porque conviene y es capaz de perfeccionar a outro, es decir, capaz de aumentarlo en su ser o perfección, reduciendo a acto sus potencias, o em términos más simples, porque encerra una perfección comunicable.32

Fechando o parêntesis sobre a convergência do ser e do bem, que por sua vez

tem a razão de fim na ordem intencional do agir, pode-se retomar o artigo 1 da Q. 90: a

lei é racional enquanto é ato prescritivo de ações comissivas ou omissivas que se

constituem meios necessários ao fim da polis, é racional ainda por hierarquizar os bens

particulares a serem perseguidos, concatenando os esforços exigíveis e medindo o

quanto as ações individuais destoam ou se fazem consoantes a esses fins, orientados ao

fim comum.

Tais normas, como se disse, prescrevem proibições ao que atenta contra o

fim/bem almejado; obrigam o que se faz necessário a consecução do fim/bem

reconhecido; e estatuem punições ao que viola a ordem engendrada “a partir de... e para

o...” fim/bem da sociedade.

31 DERISI, Octávio Nicolas. Los fundamentos metafísicos del Orden Moral. Buenos Aires: Monografias Universitárias, 1941. p. 41. 32 Idem. P. 42.

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30

Desta forma, a perspectiva tomasiana se contrapõe a qualquer forma de

voluntarismo jusfilosófico. Ao dizer isto, não se está subtraindo a vontade de um papel

relevante na filosofia prática, o que Santo Tomás observa é que a vontade, tanto no ato

de positivação da lei, quanto de sua recepção, bem ainda em quaisquer outros atos

humanos livres e eletivos, é depositária do objeto posto pela razão.

É a razão que permite o exercício da vontade livre (I-II, Q. 19, a. 3),

imperando no apontamento dos meios para a consecução do fim reconhecido, sob pena

do ato de vontade ser iníquo ou mesmo tirânico.

Neste sentido, embora os atos estejam sempre entremeados com a vontade,

que é a força que os move, sua causa formal permanece sendo a razão.

Em vista disso é que conclui Manser:

Puesto que la misma actividad humana es una acción racional, la ley, como norma de aquella, tiene que depender necesariamente del entendimiento y de la voluntad. Sin la razón, la actividad moral no seria humana [...] Sin la voluntad no seria una acción. Mas, con esto, queda al mismo tiempo demonstrada la prioridad del entendimiento, puesto que la razón da a la actividad lo específico y ella es la que sirve de base a la libertad. Por consiguiente, la ley tiene que ser uma norma racional de la acción.33

Desta forma é que se compreende a importância dessa primeira noção de Santo

Tomás em torno da lei, pois embora razão e vontade concorram ambas à produção do

ato legislativo e seu produto - a lei - o perigo de incorreção não ocorre com uma

supervalorização do papel da razão, mas sim com o contrário, ou seja, no hipotético

caso imprudente de uma injustificada supremacia da vontade do legislador deixada a si

mesma.

Por fim e para aprofundar a compreensão da repercussão prática concernente à

relação entre razão e vontade na constituição da lei, convêm algumas aplicações ao tema

da gnoseologia realista de Santo Tomás:

33 MANSER, P.G.M. La esencia del tomismo. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1947. p. 686.

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31

A vontade carrega consigo apenas uma determinação geral ao Bem – como

fim último – ela, portanto, é potência que se atualiza por alguma razão de bem,

considerado simpliciter e a modo absoluto, trata-se da inclinação natural à felicidade.

Já quanto aos bens particulares, o grau de importância de cada um, bem como

sua hierarquia, a vontade em si mesma mostra-se indeterminada, como sede que é do

livre-arbítrio. A escolha é então devedora da liberdade radicada na potência volitiva. O

que é próprio e originário da vontade é uma sua incoatividade terminante, signo da

liberdade que a conforma em sua distinção como potência da alma.

Isso leva a concluir que “um ato voluntário arbitrário continua sendo

plenamente voluntário”.

Em contrapartida tal não se dá com a razão, que sempre é medida da realidade

(e pela realidade). Pois, tanto os atos cognitivos quanto os inventivos – ou imaginativos

– nascem e se fundamentam com o contato com a realidade (mesmo a imaginação, pois

o fato é que a função imaginativa não cria algo ex nihilo, mas conjuga ludicamente as

possibilidades imersas necessariamente no real, cuida-se de virtualidades engendradas a

partir das coisas).

“Por isso – diz Hervada – o racional é o adequado à objetividade do real34”.

Assim, “se a norma jurídica procede originalmente da razão, terá a marca da

racionalidade, que quer dizer adequação à realidade objetiva da pessoa humana e da

vida social35”.

Como corolário, se uma norma apresentar-se como ato racionalmente

corrompido, portanto irracional, perde a formalidade e força de lei, seria, como nos diz

Santo Tomás “mais iniqüidade do que lei” (Q. 90, a. 1, ad. 3).

Já não poderíamos dizer o mesmo se considerássemos a lei como algo próprio

da vontade, pois o exercício do livre arbítrio sem uma intervenção secante e decisiva da

razão pode degenerar em arbitrariedade, sem deixar, contudo, de ser ato plenamente

volitivo.

34 HERVADA, Javier. Lições propedêuticas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 228. 35 Idem.

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32

Nesse sentido a vontade se faria presente indiferentemente e, como

conseqüência, caso a essência da lei fosse de fato a vontade, ela continuaria sendo lei

mesmo quando recheada de patentes arbitrariedades.

A encruzilhada fatídica então significa: se a lei for obra da razão, um mandato

irracional não teria verdadeira força de lei, possibilitando-se com isso debates e

discussões sobre as ordens a emanar e até, como última ratio, o exercício do direito de

resistência; já em sentido oposto, se a lei for fruto da vontade, todo mandato (sóbrio ou

absurdo) teria a mesma força de lei, incabendo qualquer discussão, debate prévio,

sugestão ou objeção contra ele.

Essa última situação, além de ser claramente contrária ao senso comum,

poderia encerrar contradições insolúveis denunciadas por hipóteses recorridas a título de

reductio ad absurdum.

De início – fosse a lei obra essencialmente da vontade – mesmo as demais

características que nela encontramos universalmente poderiam sucumbir, ante uma

determinação que ela própria trouxesse em contrário.

Noutras palavras, poderíamos ter uma lei (porque não?) que proibisse o

respeito e acatamento a qualquer lei!.

Aplicando-se, no entanto, tal disposição a essa mesma hipotética lei, teríamos

“na prática” uma contradição pura e simples, um non sense auto destrutivo e

imobilizador.

Esdrúxula situação aparentaria ser um desdobro prático da mesma aporia

insuperável pela qual Aristóteles convidava os sofistas céticos a emudecerem e

estagnarem como plantas36. Da mesma forma, subtraindo a primazia do caráter racional

da lei, tanto legisladores quanto os destinatários da norma perderiam o sentido em

positivar e em obedecer as leis.

36 ARISTÓTELES, Metafísica, IV, c. 3 e 4. Em que se aborda as conseqüências do não cognitivismo para a filosofia prática. De acordo com tradução livre de Jolivet: “toda accion es necesariamente afirmacion o posicion de ser. Si fuera lógico, el esceptismo ni siquiera deberia como Cratilo, mover el dedo menique, por ser eso demasiado, pues equivale a uma afirmacion. Deberia limitarse a vegetar, como lo hacen las plantas” (JOLIVET, Regis. Metafísica: Tratado de filosofia. Buenos Aires: Carlos Lohle. 1957, p. 87).

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33

Outra consideração notável a respeito da lei pode ser encontrada na questão

90, na resposta à objeção 1 do primeiro artigo, em que se pondera que, como regra e

medida, pode a lei ser reputada de duas maneiras: enquanto é algo da razão e nela se

encontra – este é o sentido próprio e primeiro; mas também enquanto é inerente ao que é

regulado e medido – este é um sentido impróprio.

Quanto ao segundo sentido, em que a lei se encerra no próprio ente enquanto

regulado e medido, Santo Tomás já adianta lição importante principalmente ao tratar

posteriormente da lex naturalis:

E, assim, é a lei inerente a tudo que é dotado de certa inclinação por força de alguma lei. Neste sentido, toda inclinação oriunda de certa lei pode dizer-se lei, não essencialmente, mas por participação. (Q. 90, a.1, r. 1).

A lei, portanto, pode ser dita de dois modos: ou como prescrição racional, ou,

diversamente, como inclinação no ente. A primeira é conotação própria, pois produz a

segunda, ou seja, a ordenação é racional também por estar primeiramente na Razão –

inicialmente de Deus – enquanto a segunda também pode ser chamada lei, pois é a

própria impressão da Lei Eterna na criatura (a que o homem é capaz de reconhecer

racionalmente).

Não seria, portanto, o caso de dizer que a lei se encontra primeiro nos entes,

pois que somente num segundo momento é que o homem por meio da razão a

reconheceria; já que é preciso considerar que na definição de lei em geral está

compreendida também a Lei Eterna, que é a Causa Primeira da natureza dos entes, Ela

que estatui e imprime as inclinações naturais, assim é que se pode entender ser a lei em

si primeiramente algo próprio da razão (da Razão Divina em sentido derradeiro), e

somente num sentido secundário algo que se encontra no ente como regulado e medido.

Santo Tomás abona essa distinção quando apresenta a lei no ente, regulado e

mensurado, somente como “por participação”, e esclarece o contexto da afirmação

apontando exemplificativamente para a inclinação do corpo, objeto da concupiscência

(Q. 90, a.1, ad. 1 e 2).

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34

3 – 2. O bem comum

O segundo artigo da questão 90 (I-II) trata daquilo para o quê a ordenação

racional, que constitui a lei, se destina, e a resposta é de que a lei é sempre ordenada ao

bem comum.

Afinal, diz Alvar – pressupondo a metafísica tomista dos transcendentais: “se a

lei é obra da razão, seu objetivo deve ser o bem, nunca o mal37”.

A nuance se encontra no termo que se associa ao “bem”, pois é ao bem

especificamente “comum” que se orienta a lei.

Logo no primeiro argumento em contrário se coloca o problema advindo das

conclusões do artigo anterior: se à lei cabe preceituar e proibir certos atos ou omissões

referentes a bens particulares, como poderia ela ter como fim o bem comum?

Ao responder, Santo Tomás pondera que a aplicação da lei se dá, de maneira

imediata, a fins particulares, porém, esses fins particulares, só têm lugar na vida social

como verdadeiros preceitos obrigatórios enquanto atrelados ao bem comum, somente a

este título – de atos prescritivos concorrentes ao bem comum – se pode estabelecer e

compreender as aplicações pontuais da norma.

Ao refutar o segundo e o terceiro argumento, que vão no mesmo sentido do

primeiro, o Aquinate esclarece ainda mais esta distinção entre bem particular e bem

comum. Como tal distinção é que norteou o esforço didático desse artigo convém

aborda-la na aproximação conceitual do bonum commune.

Na resposta ao segundo argumento, Santo Tomás reforça que as operações de

ordem particular, sobre as quais incide a lei, são necessariamente referíveis ao bem

comum, ou seja, não podem perder de vista o bem comum, pois assim essas prescrições

careceriam de uma unidade de propósito. É exatamente no fim comum que repousa a

explicação das ordenações particulares. Não houvesse um fim comum que as

harmonizasse e fizesse convergirem entre si, cada qual poderia ser regido por uma

37 AQUINO, St Tomás de. La Ley. Barcelona: Labor, 1936. Comentários: Prof. Constantino Fernandez Alvar, p. 141.

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35

ordenação em alheamento e entrechoque com diversas outras, dos demais concidadãos;

o que significaria para a lei a perda do caráter racional reforçado no artigo primeiro e

assinalado como o ajuste dos meios em vista do fim.

Pois a lei é racional em obrigar e proibir certos atos particulares, tendo como

critério algo além dos próprios bens particulares, e este é o bem comum. Diversamente

não haveria verdadeira razão em se proibir ou obrigar atos individuais, pois todo e

qualquer ato humano é sempre empreendido em função de algo com razão de bem. Não

havendo então, um bem que seja o fim da comunidade política como um todo, com

muito menor razão deveria haver comandos prescritivos socialmente exigíveis.

Daí que do bem comum não se diz comum por mera comunidade de gênero ou

espécie, mas na medida em que há uma finalidade comum a um corpo de pessoas que se

reúnem na polis.

Na resposta ao terceiro argumento é feito um paralelo entre a razão

especulativa e a razão prática: assim como nada do que fica estabelecido pela razão

especulativa tem firmeza se não se resolve nos primeiros princípios indemonstráveis;

também nada se estabelece na razão prática senão por sua ordenação ao fim último, que

no caso da polis, é “comum”, aos seus vários integrantes.

Mas se o bem comum não se confunde com os bens particulares, em que

consiste afinal? O respondeo do artigo em pauta delineia o sentido de bem comum,

entretanto, alguns trechos de outros escritos do Doutor Comum também contribuem

para a formação de tão importante conceito.

O bem comum seria o fim da comunidade política em sua especificidade,

conforme a questão 58 - especialmente na resposta à segunda objeção do artigo 7, da

secunda secundae - em que se verifica que a diferença entre o bem comum e o bem

particular se dá porque é formalmente diferente a razão do “todo” e a razão de “parte”.

A comunidade política, não sendo mero aglomerado de pessoas, mas

constituindo um todo orgânico exige uma ordem entre suas partes, onde deve imperar

certa harmonia e concórdia, certa conjugação producente dos que a integram.

Todas as coisas que existem aparecem ordenadas entre si, de modo que umas servem a outras. Mas as coisas que são diversas

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não conviriam numa ordem comum se não houvessem sido ordenadas por algo uno38.

Com isso vai se desvelando um conceito para bem comum que pode ser

expresso como “a forma de ser do bem humano na vida social39” e que se traduz num

“conjunto de condições adequadas a permitir o pleno desenvolvimento dos homens, das

famílias e dos grupos sociais integrantes da sociedade40”.

Pois a ordenação dos atos individuais deve levar em consideração os outros

que consigo formam o “todo”, isso devido a própria sociabilidade inscrita na natureza

humana. Essa consideração do “todo” consiste em estabelecer por si e com os outros um

ambiente propício ao aperfeiçoamento individual de cada um.

Da aplicação do texto da prima pars transcrito acima - geral ao tratar da ordem

– se pode apontar ainda duas ordens presentes na comunidade política: A ordem

intrínseca, das partes ordenadas entre si e a ordem extrínseca, que é a do todo ao fim.

O arranjo ou concerto das partes entre si só pode ser avaliado em referência ao

fim extrínseco colimado, donde se diz que a ordem intrínseca se subordina à extrínseca.

Assim, o jurista e filósofo Ives Gandra da Silva Martins Filho divide o bem

comum em duas espécies:

Bem comum transcendente (externo e eterno) – finalidade última buscada por qualquer sociedade (glória de Deus e felicidade dos homens); e Bem comum imanente (interno e temporal) – ordenação da sociedade visando o fim último (condições e meios para que os membros da sociedade possam alcançar seus fins particulares)41.

38 I, Q. 11, a. 3, (c). 39 SOUSA, José Pedro Galvão de. Dicionário de Política. São Paulo: Queiroz, 1998, p. 61. 40 Idem, p. 61 e seguintes. 41 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O princípio ético do bem comum e a concepção jurídica do interesse público. Revista eletrônica Aquinate, nº 2, 2006. retirado de www.aquinate.net

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Essa distinção, recorrente também em outros comentadores42, parece se

confirmar sob outros termos na resposta à objeção 2 da questão 39, artigo 2 da secunda

secundae, em que se lê:

O bem da coletividade é maior que o bem de um particular da mesma, e também menor que o bem exterior a que se ordena a multidão [...] Da mesma forma, o bem da unidade eclesiástica, a que se opõe o cisma, é menor que o da Verdade Divina, a que se opõe a infidelidade43.

Em vista disso é que o homem não se ordena à comunidade política com todo

o seu ser, como expressamente é apontado por Santo Tomás na Q. 21, a. 4, ad. 3 da

prima secundae, mas tal ordenação total e irrestrita de sua pessoa somente se dá ao Fim

Último, a Quem se subordinam todos outros fins44.

Neste sentido esclarece José Pedro Galvão de Sousa:

Uma vez que o homem é parte da sociedade e a parte se ordena ao todo, num primeiro momento se poderia incorrer no equívoco de entender que o bem comum tem primazia absoluta sobre o bem individual. Esclarece, no entanto, Santo Tomás que o homem não se ordena à sociedade política como um todo nem com todas as suas coisas, observando ainda que a subordinação do bem individual ao bem comum não se dá senão entre bens do mesmo gênero. Não é outra a razão pela qual os atos humanos referentes ao bem sobrenatural ultrapassam a mera relação de subordinação entre o homem e a sociedade45.

Resta com isso que o bonum commune imanente à comunidade política é

maior que o bem individual, mas menor que o Bem/Fim Último, assim, nenhuma lei

será verdadeira ordenação ao bem comum se não estiver, numa perspectiva mais ampla,

ordenada por fim a Deus, permitindo ou mesmo contribuindo – direta ou indiretamente -

com a perfectibilização do ser humano em sua dimensão transcendente.

42 A disjunção do bem comum em dois aspectos pode levar outras nomenclaturas, mas é referida explícita ou implicitamente. Por exemplo: Alvar distingue de maneira aproximada, portanto não idêntica à perspectiva de Gandra Martins Filho, mas muito afim dela, um bem comum que seria distributivo e um bem comum coletivo (Op. Cit. P. 142). 43 Tradução livre da II-II, Q. 39, a. 2, ad. 2. 44 Vide também I, Q. 65, a.2. 45 SOUSA, José Pedro Galvão de. Dicionário de Política. São Paulo: Queiroz, 1998. p. 60 e 61.

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Desta forma, a finalidade da lei em ordenar racionalmente ao bem comum, não

diz respeito somente ao âmbito político, e essa conclusão já poderia ser depreendida em

face das especificações que o Aquinate faz dela, como “lei natural” e principalmente

através da “Lei Eterna”.

Mais que isso, se pode considerar que o bem comum, normalmente entendido

apenas em seu aspecto imanente, se revela na verdade como expressão a um tempo

política e teológica, já que o fim extrínseco, subordinador do fim intrínseco/imanente da

sociedade, é aquele em que se radica a razão de ser de qualquer ordem, afinal não se

pode proceder ad infinitum na seqüência de subordinação de fins próximos, havendo

necessidade de um Fim Último que, por assim o ser, constitue-se como princípio

primeiro na ordem da intenção e termo extrínseco cabal do agir humano, agir este

preservado com isso em sua racionalidade. Ou em outras palavras: não havendo um fim

de fato terminante, cujo caráter de Bem repouse na Plenitude do Ser, também os fins

intermediários não se sustentariam em sentido próprio e ontológico de bem, fazendo

com que o agir humano perca qualquer autêntico finalismo, e, impedido ficaria,

portanto, de qualquer racionalidade prática.

Como corroboração se lê no De Regno:

Dado que o homem ao viver segundo a virtude se ordena a um fim ulterior, que consiste na Fruição Divina [...] é necessário que o fim da multidão humana, que é o mesmo do indivíduo, não seja viver segundo a virtude, mas antes, por meio de uma vida virtuosa, chegar à Fruição Divina46.

Estas palavras de Santo Tomás mostram que o fim extrínseco, a que se dirigem

tanto indivíduo quanto comunidade política, subordina e harmoniza os demais fins, de

tal modo que os bens particulares e o bem comum imanente (ou intrínseco) à polis, não

são inter excludentes pela ordenação racional, mas se solicitam mutuamente47, sob a

égide da Lei Eterna.

46 Texto latino: Thomae Aquinatis De regimine principum, cap. XIV. In: VEIGA, Arlindo dos Santos. Filosofia Política de Santo Tomás de Aquino. 3ª ed. Guarulhos: José Bushatsky, 1955. p. 135. 47 II – II, Q. 47, a. 10, ad. 2. – Segundo o qual a reta disposição das partes depende de sua relação com o todo. A busca do bem particular se entremeia com o cuidado do bem comum,

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3 – 3. Quem pode estabelecer leis

No terceiro artigo da questão 90 (I-II) se coloca o problema da origem das

prescrições legais, ou, conforme Simon:

Si la ley es uma ordenación de la razón com miras al bien comum, se plantea inmediatamente la pregunta: de qué razon se trata? Com mayor precisión, de la razón de quién? El problema de la autoridad queda, pues, planteado.48

A resposta a esta indagação que Santo Tomás se impõe é, num primeiro plano,

muito simples: se a lei visa a ordenação para o bem comum, compete ao todo da

comunidade, ou a alguém que faz as vezes de toda a multidão, estabelecer as normas

prescritivas.

Como acena a metafísica, a ordem dos agentes deve corresponder à ordem dos

fins49, em sendo o bem comum a finalidade da lei, será a comunidade como um todo de

quem emanará tal norma imperativa.

Assim expressa o Aquinate na resposta/solução que dá à pergunta do artigo:

Ora, ordenar algo para o bem comum compete a toda a multidão ou a alguém a quem cabe gerir fazendo as vezes de toda a multidão. Portanto, estabelecer a lei pertence a toda a multidão ou à pessoa pública à qual compete cuidar de toda multidão. Isto porque, em todos os demais casos, ordenar para o fim é competência daquele a quem é próprio o referido fim.

Tal correspondência entre o bem comum e uma autoridade também comum,

nasce da própria caracterização da comunidade humana que se faz providente a si

dirigindo-se em última instância ao fim extrínseco, todos os atos que buscam ambos os bens (particular ou comum intrínseco da polis). 48 SIMON, René. op. cit. p. 240. 49 AQUINO, Santo Tomás de. Suma de Teologia. vol. 2. 2ª ed. Madrid: BAC, 1989. p. 699. comentários de Antonio Osuna Fernandez-Largo, OP.

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40

mesma através das leis. Do contrário, se um particular se arvorasse, em nome e por

interesse próprio, a ditar regras a toda a comunidade, o liame entre a atividade

legislativa e o bem comum ficaria enfraquecido, dando ocaso a uma desnaturação dessa

manifestação da sociabilidade humana.

De fato, nenhum particular tem, por natureza, o direito de dirigir e governar os

demais coercitivamente, a admissão disso seria em escala social admitir mesmo os

correlatos pressupostos escravagistas.

Na comunidade política, somente a razão de “todo” é que comporta uma certa

prevalência sobre a parte (o particular), o que permite obrigar em sentido próprio e legal

os indivíduos, reservando, ainda, punições aos infratores. Expressa tal lição a resposta à

objeção 2 do artigo em análise:

Esta força coativa tem a multidão ou a pessoa pública, à qual compete infligir as penas, como se verá adiante (Q 92, art. 2, cap. 3). Eis porque só a ela cabe legislar.

Contudo, cabe dizer que, se a autoridade legislativa na polis pode ser

encontrada no povo, no sentido de que a prerrogativa de se auto governar por leis

pertence a ele de maneira inerente e permanente, disso não se conclui que a origem

primeira deste poder esteja nele mesmo, como se fosse auto suficiente ou seu próprio

princípio e fim, encerrado em si mesmo.

Santo Tomás não abandona ou deixa de manifestar a máxima de que “todo

poder provém de Deus”, assim, não se entende a autoridade legislativa do povo senão de

maneira derivada, ou tomando-se a comunidade como depositária e causa segunda do

poder.

Traçando-se um paralelo, da mesma maneira como o bem comum imanente à

sociedade se subordina ao bem comum transcendente (poder-se-ia também dizer

transpolítico), a autoridade legislativa de que a comunidade é portadora deve a sua

existência e subordina seu exercício à Autoridade Maior, Que se Identifica com o Fim

Último e de Quem Emana diretamente a Lei Eterna.

Com isso se esboça os limites da extensão, no âmbito social, dessa

prerrogativa de legislar, pois a autoridade não tem outra razão de ser que não a de dirigir

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41

até o fim comum os membros da sociedade, e as leis civis sendo racionais (art. I) e

encaminhando-se ao bem comum (art. II), encontram seus parâmetros na lei natural que

outra coisa não é que a própria Lei Eterna enquanto humanamente conhecida.

Há, no entanto, um outro pormenor a discernir: a autoridade de produzir e

impor as leis se viabiliza sempre através do exercício direto da função pela comunidade

política inteira?

Santo Tomás apresenta duas possibilidades, uma é a do exercício dessa

autoridade pela multidão diretamente (referendum); outra é a de que a lei se constitua a

partir de alguém que faz as vezes da comunidade política.

Maritain, nomeia esta condição - em que alguns se tornam representantes da

comunidade para a feitura das leis - como “função vicariante50”, expressão que se

mostra adequada em seu sentido óbvio.

Entretanto, equivocado se apresenta, com isso, supor que Santo Tomás se

filiasse entre os defensores da legitimidade exclusiva de um regime ou forma de

governo – no caso a república, hoje largamente difundida sob o sistema eleitoral de

sufrágio universal.

A bem da verdade, as maneiras de assunção de alguém à autoridade pública

não são colocadas nesta questão, e, em grande parte das vezes, quando se vale de

exemplos quanto ao exercício dessa “função vicariante”, Santo Tomás aduz à figura do

príncipe51, típica de sua época.

De todo modo, se vê claramente em todo o De Regno (entre outros escritos52),

que Santo Tomás adotou em grande medida a conhecida divisão das formas de governo

feita por Aristóteles, e antes dele esboçada por Herótodo53, que compreendia a

50 MARITAIN, Le Pouvoir, p. 37. apud: SIMON, René. Moral: Curso de Filosofia Tomista. Barcelona: Herder, 1968. p. 241. 51 A título de ilustração vide I-II, Q. 97, a. 3, ad. 3. 52 Nos próprios comentários às obras de Aristóteles. 53 SOUSA, José Pedro Galvão de. Dicionário de Política. São Paulo: Queiroz, 1998. p. 157.

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42

monarquia, a aristocracia e a politéia, como formas de constituições legítimas da

soberania de uma comunidade política54.

Desta forma se conclui que qualquer que seja o regime e forma de governo,

àquele ou àqueles que representam a multitudo, somente nesta condição – de fazer as

vezes da comunidade inteira – é que detém o múnus de estabelecer leis civis,

ressalvando-se que sua autoridade, vinda da comunidade de maneira imediata, tem sua

origem primeira no Supremo Legislador.

3 – 4. A promulgação

Em seqüência, se tem no quarto e último artigo da questão em pauta, um

aspecto que completa a definição tomista de lei que se adiantou ao início deste capítulo,

mas que na própria questão 90 somente agora aparece em sua inteireza:

Define-se a lei, que outra coisa não é senão certa ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele a quem cabe cuidar da comunidade.

Trata-se agora, da necessidade de promulgação pela autoridade pública, da

ordenação racional para o bem comum.

Na resposta/solução deste artigo, Santo Tomás fala em “aplicação” e

“conhecimento” da lei, em relação àqueles a quem ela se dirige, para insistir na

necessidade de alguma forma de promulgação na instituição da norma imperativa,

refere-se, portanto, à essa promulgação como o ato pelo qual a ordenação vem a ter seu

vigor de regra e medida da conduta aos que estão submetidos a ela.

Convém expressamente citar excerto da resposta que esclarece em que

consiste a promulgação:

54 Diferentemente da carga ideológica que acompanha a concepção moderna de democracia, e que se deve na maior parte a Rosseau em Du contrat social.

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43

Logo, para que a lei obtenha o vigor de obrigar, que lhe é próprio por natureza, é mister que se aplique aos homens que por ela devem ser regulados. Tal aplicação faz-se ao chegar ela ao conhecimento por força própria da promulgação.

Da promulgação se cuida, portanto, de ato que confere aplicabilidade da lei

por colocá-la ao conhecimento daqueles a quem se destina, se trata do sinal

manifestativo do mandamento do legislador.

Santo Tomás passa à responder as objeções abordando primeiro certo

problema que se adianta a respeito da lei natural: se a lei natural não necessita de

promulgação pela autoridade política, não pode a promulgação pertencer à razão de lei.

Ao que responde, o Doutor Comum, que a lei natural tem sim promulgação, a qual se dá

no ato mesmo de Deus a haver inserido na natureza humana afim de que fosse

naturalmente conhecida.

Como a lei natural é a participação da lei eterna na criatura racional55, tanto

uma quanto a outra se mostram acordes em incluir a promulgação em sua constituição

essencial. Pois a promulgação da lei eterna ocorre na própria natureza do ente, e, sendo

tal ente racional, o reconhecimento dessa lei em si, que o regula, é o que se chama lei

natural.

Já as objeções 2 e 3 reportam-se ao fato de que a promulgação é um ato

pontual, delimitado no espaço e no tempo, enquanto a lei reclama vigência estendida no

tempo e ampliada no espaço, de tal forma que não seria a promulgação algo próprio da

razão de lei.

O Aquinate coloca a questão de que o ato de promulgação não é efetivado

normalmente perante todos os destinatários da lei, mas o conhecimento imediato que se

dá com a promulgação, somente afeta a alguns presentes nesta ação, de prover uma

publicidade legislativa.

Como resposta, alega-se que mesmo àqueles ausentes à promulgação, quando

destinatários da lei, obrigam-se a ela na medida em que podem chegar ao conhecimento

55 I-II, Q. 91, a. 2

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44

da norma através de outros, considera-se, contudo, que podem e devem vir a chegar a tal

conhecimento uma vez que houve a promulgação.

Desta forma, pode-se dizer com os sistemas jurídicos modernos, devedores do

direito romano, que o conhecimento da lei necessário à sua instituição social é um

conhecimento de direito, e não necessariamente um conhecimento de fato, pois quando

da promulgação a presunção é de que os integrantes da polis a conheçam, daí que as

legislações em geral dispõem que ninguém se escusa sob a alegação de

desconhecimento da lei.

É que a lei é o instrumento por excelência do bem comum, de modo que os

indivíduos, em comunidade, têm o dever cívico primário de inteirarem-se das leis que

os regulam, assim, basta a externalização da prescrição legal, através da promulgação,

para que haja o afastamento de uma ignorância invencível que lhe retiraria a eficácia.

É a promulgação o ato que torna possível a cognição específica e individual de

uma lei, o que nem sempre significa um conhecimento atual do conteúdo de uma norma

por seu destinatário, mas esse eventual desconhecimento factual não desconstituí uma

lei, e, como regra, nem mesmo impede sua eficácia.

Já a respeito do terceiro argumento, o Doutor Angélico responde que a

promulgação presente estende-se ao futuro, mediante a fixidez da escrita, dizendo ainda

– segundo Santo Isidoro – que a lei é assim chamada em razão da leitura, porque é

escrita.

Claro está que Tomás tratava neste específico ponto da lei humana positivada;

no entanto, convém lembrar que a lei natural não padece das dificuldades apontadas nas

duas últimas objeções do artigo, pois, como se viu na resposta à 1ª objeção, sua

promulgação encontra-se na própria natureza do ente, na sua essência enquanto

princípio de operação, de maneira que o acompanha sempre, no tempo e no espaço.

Por tudo, se a promulgação de uma lei humana positiva se torna permanente

por mecanismos que as fixe, ou seja, que mantenham operante sua comunicabilidade,

como a escrita; por outro lado, as leis natural e eterna têm uma promulgação já

permanente em si próprias, porque inscritas indelevelmente nos próprio seres.

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45

Capítulo 4 – A lei na estruturação de uma estrita filosofia do

direito de orientação tomista

4 – 1. Noções de justiça e de direito

Uma vez que as implicações da definição de lei foram abordadas, resta que o

campo próprio da filosofia do direito seja delimitado, a fim de se traçar a medida de

integração da lei no jusnaturalismo tomista.

A conhecida definição de justiça, que nos dá Santo Tomás, repetindo outros

pensadores, e que será retomada diversas vezes neste trabalho se encontra na Q. 58, a.1,

da II-II, e significa em suma, dar a cada um o “seu”.

Na mesma questão 58 da secunda secundae, Tomás inicia a sua abordagem da

justiça em especial, diferenciando-a da justiça como virtude em seu caráter geral.

A pergunta que coloca a respeito disso encontra-se no artigo 6, no qual se

indaga se “a justiça, na medida em que é geral, é o mesmo em essência a toda a

virtude”. Sobre isso a resposta do Aquinate se baseia numa distinção das duas principais

maneiras de algo ser dito “geral”56.

Tal distinção, sobre o caráter geral de algo, é expressa sob as formas de

generalidade por predicação e generalidade por influência (também chamada “por

causalidade”).

Quanto a ambas as formas, e com exposição fulcrada em Santo Tomás, o

professor Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento acentua:

Com efeito, algo pode ser dito geral por predicação, assim como animal é geral em relação ao homem, ao cavalo e às outras espécies de animais. Neste caso o geral é essencialmente o mesmo que aquilo em relação ao qual é geral, pois o gênero faz parte da essência da espécie e entra na definição desta. Mas algo pode também ser dito geral pela sua causalidade ou influência; assim o sol é dito ser a causa geral em relação a todos os corpos

56 Distinção já aludida em I-II, Q. 46, a. 1.

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46

que são iluminados ou transformados por sua atividade. Aqui não é necessário que o geral seja o mesmo em essência com aquilo em relação ao qual é dito geral, pois a essência da causa não é a mesma que a do efeito.57 (grifos meus)

E completa:

É desta segunda maneira que a justiça pode ser dita uma virtude geral. Quer dizer: na medida em que tendo por objeto o bem comum, ordena a este os atos das outras virtudes.58

Assim, a justiça geral, neste aspecto se mostra essencialmente distinta das

demais virtudes, embora ordene os atos de todas elas para o bem comum. Por isso é que,

nessa faceta, é chamada de justiça legal, pois sua causa final é o bem comum, e, por

meio da lei é que se ordenam os atos humanos a este fim da comunidade.

Uma confirmação disso se encontra no livro V dos Comentários à Ética a

Nicômano:

No entanto, qualquer virtude, na medida em que é ordenada ao bem comum pela supracitada virtude, particular quanto à essência e geral pela influência, pode ser denominada justiça geral.59 (grifos meus)

Desta forma, temos para a justiça geral uma dupla constatação: ela é geral num

primeiro plano, enquanto idêntica ao conjunto de virtudes, pois toda a virtude é uma

forma de retidão, ou “justeza”; porém, se constitui num segundo plano, como especial,

enquanto ordenação do homem imediatamente ao bem comum, e é nesse aspecto que

melhor lhe convém o nome de justiça legal (vide para maiores detalhes: anexo I).

Junto à esta justiça, cujo conteúdo é dado pelo conjunto de leis, encontra-se

outra forma também especial de justiça, chamada particular, e que se subdivide em

comutativa e distributiva.

57 NASCIMENTO, Carlos Arthur R. A Justiça Geral em Tomás de Aquino. Porto Alegre: Veritas, v. 40, nº 159. Set. de 1995. p. 475. 58 Idem 59 Ibidem, p. 476.

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47

A justiça comutativa é ilustrada por Santo Tomás, como aquela em que se “dá

um tanto para receber outro tanto” (II-II, Q. 57, a. 2), ou seja, pressupõe dois ou mais

particulares que interagem entre si na polis, pela comunicação de bens ou serviços que

se equivalem entre si. Essas situações requerem, para haver de fato justiça, uma

igualdade material entre o que é dado e o que é recebido, entre o que é feito e o que se

lhe faz. As causas de “dar a cada um o seu” no âmbito desta forma de justiça, não se

restringem aos negócios pactuados, mas à qualquer interação interindividual que

constitua um debitum de igualdade aritmética estrita. Vemos noutro exemplo: “Se

alguém destrói a casa do outro, deve restituir-lhe exatamente o que vale” (Q. 62, a. 4).

Já a justiça distributiva se liga à distribuição de bens e encargos ocorrida da

comunidade aos particulares, em virtude de méritos e deméritos manifestados por estes

últimos na vida social em relação ao bem comum. Neste caso, não há um intercâmbio

direto de bens que permita o estabelecimento de uma igualdade aritmética quanto ao

“seu” devido a cada particular, assim, a igualdade nestes casos é proporcional (ou

geométrica, conforme outra nomenclatura de fundo aristotélico) e não pura e simples -

como na justiça comutativa.

Os parâmetros apresentados por Santo Tomás, para a justiça distributiva, são:

a importância (principalidade) da pessoa na estrutura social (II-II, Q. 61, a. 2); a

dignidade manifesta por cada um, nos seus graus distintos (II-II, Q. 63, a. 1), entre

outros caracteres, na medida em que são diferenciadores dos indivíduos no seio social.

Como exemplificação costumeira, se tem o caso da proporcionalidade que

deve haver entre o crime cometido e a pena imposta pela comunidade ao criminoso. Ou

ainda, a proporcionalidade, de acordo com a capacidade contributiva, da tributação ou

isenções nessa área fiscal, impostas pela comunidade a tal e qual particular,

diferentemente um de outros.

Tais conceitos preliminares ajudam a compreender o direito e o papel das leis

no plano jurídico específico, principalmente quanto a justiça legal, ainda assim, será

necessário aprofundar a compreensão dos significados, quando se enfrentar a questão da

conjugação dessas diferentes noções. Cumpre, entretanto, apresentar desde logo -

também em sede preliminar - o conceito de direito expresso na Suma.

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48

Tomás define o sentido próprio de direito na secunda secundae; assim é que,

da Questão 57 dessa parte da Suma, se extrai que o direito é o “objeto da justiça”.

Uma vez que, ao conceituar a justiça em sua essência, Tomás segue em linhas

gerais a clássica concepção de Ulpiano que a define como “perpétua e constante

vontade de atribuir a cada um o que é seu” (Q. 58, a.1, da II-II) se conclui que o direito

constituiria o suum, o “seu”, devido a alguém em virtude de uma relação.

Logo se vê que o direito é associado à alteridade, sua origem reclama, como

suporte fático, certa relação; está, portanto, sob a marca da sociabilidade.

O direito (suum) de alguém constitui-se com isso, e sob a perspectiva inversa,

aquilo que é devido (debitum) por outrem, dentro da composição de uma relação que se

faz assim jurídica, no interior da polis.

4 – 2. Villey versus Hervada

É expressamente no jusfilósofo francês Michel Villey, em sua obra de Filosofia

do Direito60 - na qual intenta apresentar o método próprio ao jurista e o conteúdo

delimitado da ciência jurídica - que se encontra de modo mais límpido uma

reconsideração do papel das leis no jusnaturalismo61.

Villey, na contra corrente das posições exaradas pelos neotomistas, lança um

parecer que se pretende abonado primeiro em Aristóteles, mas também – ainda que

secundariamente – em Santo Tomás, de que, o valor das leis, na concepção estritamente

jurídica do sistema jusnaturalista tradicional, teria sido hipostatizado por uma

indistinção entre a justiça geral e a justiça particular. Ele, por sua vez, supervalorizando

a diferença entre uma e outra justiça, recolocaria o problema nos termos e medidas do

pensamento original do aristotelismo-tomista.

60 VILLEY, Michel. Filosofia do Direito: definições e fins do direito, os meios do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 61 Palavra aqui utilizada, vale reforçar, como indicadora da filosofia do direito que pode ser encontrada, mesmo que de modo disseminado, nas obras de Santo Tomás.

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49

Interessante notar que essa posição encontrou eco em outros pesquisadores

contemporâneos ao redor do mundo todo, entre eles alguns brasileiros como os ilustres

professores Elcias Ferreira da Costa e Vaudrilo Leal Guerra Curado, que fizeram notar

sobre isso, que Villey teria, nesse ponto, se contraposto nada menos que à maioria dos

teólogos da assim chamada segunda escolástica.62

Nesse sentido minimalista quanto à função da lei no jusnaturalismo

manifestou-se o grande jurista francês:

Na nossa maneira atual de pensar, quando no início dos manuais vemos o direito definido como um “conjunto de regras de conduta”, direito e moral estão confundidos. Ao passo que a análise de Aristóteles oferece um critério de discernimento. Existe uma arte que se preocupa com a virtude subjetiva do indivíduo, ou a prescrever-lhe condutas, inclusive as condutas justas, as do homem justo (dikaios); podemos chamá-la de moral. Mas da moral se destaca uma outra disciplina, cuja finalidade é dizer o que é justo, o que pertence a cada um. Ciência não da dikaiosunê, do dikaios, da conduta justa, mas do dikaion. Quer dizer, do direito. Sua função não é vigiar a virtude do indivíduo, nem mesmo regular sua conduta.63 (grifos meus)

E com muita clareza, se vê o reflexo de tal reconsideração restrita do que seria

de fato o direito, para com a avaliação da importância das leis – a qual, por sua vez,

ficaria em muito reduzida ou ofuscada, sendo, por outro lado, a repartição direta dos

bens - própria do direito privado (justiça comutativa) – a verdadeira conformação do

objeto tanto da ciência particular do direito quanto da Filosofia jurídica.

Assim, e de maneira mais incisiva assevera Villey:

Direito e Leis. Neste ponto, liberemo-nos de nossos modernos modos de falar. No sistema de Aristóteles, as leis que formam a ossatura da justiça geral – quer sejam escritas ou não, naturais ou positivas – não são o direito (to dikaion). É verdade que reportam ao direito. Ao menos quando a lei moral vem acompanhada de sanções temporais: já que a função do direito penal é a distribuição das penas, ela interfere no direito penal. O direito internacional, por sua vez, consistiu durante muito tempo

62 COSTA, Elcias Ferreira da (Org.). Temas tomistas em debate. Recife: Instituto de pesquisas filosóficas Santo Tomás de Aquino/ Círculo Católico de Pernambuco, 2003. 63 Idem. p. 72

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numa tentativa de aplicar aos oriundos de cidades distintas uma lei moral universal. Diferente, porém, é o direito civil, que constitui para os romanos e na doutrina de Aristóteles o modelo consumado de direito.64 (grifos do autor).

Logo se depreende que, para Villey – que não se furta de citar Santo Tomás no

mesmo diapasão que o faz com Aristóteles – o objeto da justiça stricto sensu consistiria

na concreção histórica, caso a caso, da célebre definição já aduzida neste trabalho que

remonta a Ulpiano e encontra-se também no Estagirita e no Aquinate: perpétua e

constante vontade de dar a cada um o que é seu (ou “o que lhe pertence”, entre outras

variações da fórmula).

E ainda, uma vez que o direito é associado de maneira exclusiva à justiça

particular (maximamente comutativa), as leis seriam meros adendos indicadores do

itinerário procedimental da repartição das coisas entre os homens, ou em palavras do

próprio autor, reportando-se a esse papel minorado das leis: “um artigo do nosso

Código Civil tem por função indicar a parte de cada um: tal coisa, tal dívida está para

X relativamente a Y. Medida de justas relações sociais”65.

É certo que Villey não diminui em amplo espectro o valor das leis em si

mesmas (incluída a lei natural), nem o faz de maneira terminativa ou em todas as

escalas, o que ele faz é reservá-la no mais das vezes ao campo da moral, pretendendo

sanear a seara do direito, conferindo-lhe independência epistemológica (para maiores

detalhes, vide anexo II).

Em artigo sobre o tema, Mariana Castiglione sintetiza os reflexos da posição de

Villey pela falta de estima da estruturação legal do direito: “Se há criticado a Villey por

rechazar la naturaleza jurídica de las leyes y colocarlas em uma espécie de limbo

jurídico – en el campo ético – volviendo ininteligible su función para el derecho”66.

Entretanto e por tudo, o autor deixa transparecer uma pretensão de cindir a

Filosofia prática em três, sendo que uma comportaria a moral, em que se cuidaria dos

64 Ibidem. p. 61. 65 Ibidem. p. 75. 66 CASTIGLIONE, Mariana. El derecho y las leyes. Retirado de: www.enj.org; e também de www.aafd.org.ar/filosofia/documentos/15_castiglione.doc em 23/11/2010.

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51

atos humanos – inclusive os internos – em orientação geral ao fim último do ser humano

tomado a princípio individualmente67; outra a política, que trata do direcionamento dos

atos humanos externos no concurso para o bem comum, referindo-se não apenas à

natureza pessoal do homem, mas à sua natureza social68; e, por fim uma outra, o direito,

ao qual caberia somente indicar a coisa justa concreta, aurida pela proporcionalidade

nas interações interindividuais, recaindo, portanto, não sobre a natureza humana

pessoal, nem sobre a natureza humana social, mas restritamente à própria dinâmica da

relação posta, em sua igualdade aritmética ou geométrica de contraprestações.

A referida divisão pode também ser aduzida das obras de Santo Tomás69,

porém, no caso do Doutor Comum tal diferenciação de matérias se reconhece como

fundamentada em aspectos periféricos, pois em um plano aprofundado todas elas se

referem em essência aos atos voluntários, propriamente humanos, bem como, todas se

sedimentam nos mesmos primeiros princípios da ordem prática, e ainda, se destinam as

três a fazer brilhar nas consciências e ações a mesma finalidade última do ser humano –

Deus mesmo.

Por isso e com aguda argumentação em sentido oposto, outro pensador da

atualidade se contrapõe a Villey, defendendo que nem a justiça particular pode ser

apartada da justiça geral, nem o direito tem um objeto tão diminuto na vida social, e -

mais relevante para a temática desta pesquisa - a lei de que trata Santo Tomás não é

apenas moral, mas também contém preceitos formalmente jurídicos.

67 Proprium est considerare operationes humanas, secundum quod sunt ordinatae ad invincem et ad finem (In Eth., lect. I, nº 2). A distinção da moral e do direito poderia ainda ser traçada conforme Santo Tomás distingue a virtude da justiça, cujo objeto é exatamente o direito, das outras virtudes, dizendo em síntese, na solução da Q. 57, artigo 1, da II-II, que “as demais virtudes perfeccionam o homem somente naquelas coisas que convém a ele em si mesmo” (falta/abstração da faceta da alteridade). 68 A política diz respeito à ação humana tendente a conseguir a adoção de decisões relacionadas ao governo da sociedade, sua organização e forma de exercício do poder (SOUZA, José Pedro. Dicionário de Política. São Paulo: Queiroz, 1998, p.424). 69 I-II, Q. 57, a. 1, respondeo, a respeito do que Elcias Ferreira da Costa pondera sobre a justiça: “ mais do que nas outras virtudes, de modo especial o objeto é considerado em si mesmo” (COSTA, Elcias Ferreira da. A conceituação do Direito em Santo Tomás de Aquino. In: DE BONI, Luis A. et al (org.). A Ética Medieval face aos desafios da contemporaneidade. Porto Alegre: Edipucrs, 2004. p. 296.)

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52

É de grande valia citar diretamente o supra referido autor, pois, cuida-se de

eminente canonista e filósofo do direito nos meios tomistas, trata-se do espanhol Javier

Hervada.

Outros pesquisadores poderiam ser citados por apresentarem contribuições

acerca desse ponto específico da consideração das leis, e o serão mais a frente, todavia,

em Hervada70 a controvérsia é enfrentada diretamente, sendo que a tese de Villey é

expressa e nomeadamente tratada, e isso em mais de uma obra do decano da

Universidade de Navarra.

Em linhas gerais, o clérigo espanhol expressa uma visão de conjunto abalizada

na conexão fática entre moral, política e direito, sobre as quais aduz também uma

comunicação teorética fundamental.

Em sua obra “Lições propedêuticas de Filosofia do Direito”, Hervada coloca de

início o problema da distinção entre justiça geral e justiça particular, reafirma,

sobretudo, que tal diferenciação é encontrada em Aristóteles, Santo Tomás, e muitos

outros pensadores que em maior ou menor grau os seguiam, logo após o primeiro

parágrafo em que apresenta a questão se pode ler in verbis na referida obra:

Dessa distinção ocupou-se Villey, que afirma que a Justiça Geral pertença à Moral e não ao Direito, de modo que não interessa diretamente ao jurista. A Justiça própria do Direito – e por conseqüência aquela que se refere ao ofício de jurista – seria a justiça particular. [...] De fato, segundo Villey, a Justiça Geral é a soma das virtudes e consiste no cumprimento da Lei Moral. Pertence então ao campo da Ética, já que consiste na concordância da conduta de uma pessoa com a lei moral em sua integralidade. As leis morais, embora afetem o direito e estejam relacionadas a ele, não são o direito e, por conseguinte, a justiça geral não é aquela que tem relação direta com o jurista. A justiça particular, por outro lado, diz respeito à repartição de bens e, por isso ocasiona o “seu”, o direito de cada um, quer se refira à distribuição de bens e encargos, quer às relações entre particulares; é, portanto a justiça que está na base do direito, a justiça que tem relação com a arte do jurista.71 (grifos meus)

70 HERVADA, Javier. Lições propedêuticas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 71 Idem, p. 110.

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53

Logo se vê, pela citação acima, que a exposição de Hervada sobre o

pensamento de Villey corresponde quase literalmente ao outro excerto supracitado do

próprio Villey, assim o juízo de Hervada tratar-se-á de ponderação que não se furta ao

reconhecimento detido da fundamentação do contendor.

Emendando a exposição geral preliminar, o pensador espanhol apõe seu

parecer sobre a apresentada tese de Michel Villey, fazendo menção à particularidade

que caracteriza a justiça legal, em consonância com a exposição feita ao inicio deste

capítulo, sob o subtítulo precedente, que fez notar uma diferença essencial da justiça

quanto às outras virtudes, sendo sua generalidade apenas de influência:

Há nisso uma inexatidão no que se refere à justiça geral ou legal. Se na época anterior a Aristóteles confundiu-se a justiça geral com toda virtude, ou soma de virtudes e, decididamente, um pouco ou muito disso ocorreu na Patrística e nos escritores da alta Idade Média, Aristóteles e sobretudo Tomás de Aquino não identificaram simplesmente a justiça geral com a soma das virtudes. Víamos uma exatidão importante no filósofo grego: a justiça geral compreende as virtudes enquanto se referem ao bem do outro e se direcionam ao bem da comunidade, ou seja, justiça é o bem político, que consiste no conveniente para a comunidade. O que isso quer dizer é que a justiça geral refere-se à orientação das condutas para o bem comum; o que tem sim haver com o ofício do jurista, porque a relação da pessoa com a comunidade política tem uma dimensão jurídica. Não é só moral, nesse ponto há direito. [...] Mais claro ainda é Tomás de Aquino. A justiça geral direciona a conduta da pessoa para o bem comum, e nisso consiste a essência de tal justiça enquanto justiça, visto que a justiça sempre se refere ao outro. Por isso a justiça é uma virtude especial em sua essência, não toda virtude. Agora, a orientação das condutas para o bem comum cabe às leis da comunidade, por isso a justiça geral consiste basicamente no cumprimento das leis, de onde vem para a justiça geral o nome de justiça legal. Porém, as leis da comunidade política são direito, seu cumprimento é coisa que cabe ao ofício de jurista; donde se conclui que a justiça legal é uma parte da justiça que se refere à arte do jurista, de quem é muito própria a interpretatio legum, a interpretação das leis. [...] Quando dizemos que a justiça consiste no cumprimento e satisfação do direito, aí se inclui o cumprimento da ordem legal (a justiça legal); e, quando afirmamos que a ação justa consiste em dar a cada um o seu, com o seu queremos expressar também que cumprir as leis é dever do cidadão e direito da comunidade política, de modo que o cumprimento das leis é o “seu” da

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54

comunidade política em relação ao cidadão, o devido por esse à comunidade conforme o direito.72 (grifos meus)

Nesse sentido, as leis – positivadas ou não – são tanto objeto da ética, quanto

da política, quanto do direito (vide gráfico do anexo II, inspirado no autor em análise).

Imbuído de tal entendimento Javier Hervada completa, referindo-se à radical separação

de campos de pesquisa intentada por Villey:

Para a arte do jurista esses aspectos são indiferentes, pois nenhuma conseqüência jurídica, nem substancial, nem metodológica – decorre deles; e, como cada ciência conceitualiza conforme sua perspectiva, em filosofia do direito impõe-se a consideração unitária: há uma justiça que é definida como a virtude de dar a cada um o seu.73 (grifos meus)

Com isso se pode dizer que, se o direito é o objeto da justiça e a justiça consiste

em dar a cada um o “seu”, as diferentes formas especiais de justiça: seja comutativa,

distributiva ou legal; não se subtraem de uma inserção jurídica, ou seja, o plano do

direito não exclui a justiça legal, como pretende Villey, pois é possível reconhecer o

suum também nela74, o qual não é outro senão o dever do indivíduo de cumprir com as

leis justas.

Desta forma o indivíduo deve dar à comunidade o que lhe pertence, e a

comunidade – por sua vez – tem o direito que se lhe dê esse “seu”, que se configura nos

atos e abstenções necessários ao bem comum, expressos por lei.

Sob o prisma retro apresentado, o papel das leis é deveras importante, pois não

apenas estabelecem os critérios do “seu” nas relações inter pares – portanto não se

restringem em ser fórmula de aplicação do justo particular entre os comuns – mas é

expressão do próprio conteúdo mesmo do direito, que também estatui o “seu” quando

considerado do particular em relação à comunidade política in totum, e por seu turno, o

“seu” desta para com aquele (justiça legal, a primeira; e justiça distributiva a segunda).

72 Ibidem, p. 111. 73 Ibidem, p. 112.

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55

4 – 3. A sinalizada extensão de influência da lei para toda a filosofia prática,

através da consideração sobre a Lei Eterna.

De toda forma, tal ponto sob exame pode ainda ser retomado em vista da

remissão metafísica radicada nas próprias questões sobre a lei, em que se apresentam

leis civis, que devem se pautar na Lex Naturalis, que por sua vez é a própria Lex

Aeterna na essência dos seres, de tal sorte que essa mesma Lei Eterna acaba por conferir

unidade ao estudo dos atos humanos, estejam eles sob o espectro da Filosofia moral,

jurídica ou política.

A Lex Naturalis, já referida neste trabalho, consiste, em resumo, no regramento

depreendido da ordem natural das coisas, em conjugação com os chamados princípios

sinderéticos, que são as assertivas analiticamente evidentes da razão prática75.

Acerca da compreensão dessa que é considerada componente alicerçante da

norma positivada, pontua José Pedro Galvão de Souza:

Usa-se, neste caso, a expressão lei natural porque: 1) ela tem sua causalidade intrínseca na própria natureza humana, cujas inclinações naturais a manifestam (elemento ontológico); 2) ordena o homem para os fins ou bens que lhe permitem realizar a sua natureza em toda sua plenitude (elemento teleológico); 3) é conhecida universalmente por todos à luz natural da razão (elemento gnoseológico)76.

Na síntese tomista, a reflexão sobre a sedimentação racional vai ainda além do

aspecto ontológico da própria lei natural e ganha lastro arraigando-se no Infinito,

abordando o aspecto transcendente dessa mesma noção, que se denomina por sua vez

Lex Aeterna – e consiste na Razão Divina enquanto Ordenadora do Cosmo.

75 I-II, Q. 91, a. 2, e Q. 94. 76 SOUSA, José Pedro Galvão de, e outros. Dicionário de Política. São Paulo: T.A.Queiroz,

1998. P. 311.

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56

Assim, para a lei, há um aspecto imanente ao ser humano e outro

transcendente, que se eleva à Causa Primeira de Toda Ordem, no embasamento das

prescrições humanas. Tais vértices dão uma visão de conjunto da sistematização do

Aquinate que mantém uma sequência analógica entre Lei Eterna, lei natural e lei

humana positiva, as quais devem manter-se em harmonia.

Jolivet pontua com precisão:

Por aí se vê que não podemos descobrir o primeiro princípio da ordem moral que regula as relações dos homens entre si nem no direito só, nem apenas no dever. (Mister se faz necessariamente remontar a mais alto, até a Lei Eterna que, pela lei natural e pela lei positiva, determina as relações mútuas dos homens para assegurar a todos a obtenção do fim último). Só ela explica, a um tempo, os deveres de uns e os direitos de outros77.

Ou seja, os diferentes desdobramentos da filosofia prática são, na base e ao

final, reconduzidos à coesão pela metafísica que lhes serve de fundo e a Lei Eterna é

uma das colunas dessa exposição metafísica; assim, independentemente do viés da

investigação filosófica, o tema das leis parece propositalmente imiscuído nas grandes

áreas da política, ética e direito (vide: anexo II). Dissociar a lei de qualquer uma dessas

searas seria olvidar o caráter sintético da construção tomista.

4 – 4. Aprofundamento da relação entre as formas de justiça, o direito e a lei.

Consoante ao sobredito se pode concluir pelo destaque da lei na compositio que

confere harmonia à segunda parte da Suma, já que a Lei Eterna abarca todos os campos

da filosofia das coisas humanas, e as leis natural e civil não deixam de ser expressão e

medida do “seu” devido, seja no âmbito relacional privado - daí a subdivisão moderna

na ciência jurídica com a grande área do Direito Privado – derivado da Justiça

comutativa – seja o “seu” do Direito chamado público – derivado da justiça distributiva

e também da Justiça legal (geral).

77 JOLIVET, Regis. Tratado de Filosofia: Moral. Rio de Janeiro: Agir, 1966. p. 149.

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57

Em ambos os casos não há mera imperatividade política ou exclusividade ética,

pois a comunidade, embora possa ser considerada a princípio somente como a portadora

de autoridade política e funcionar, portanto, como juiz, ou terceiro imparcial na

prevenção e solução dos litígios entre os particulares; pode, por outro lado, ser

considerada também sob outra formalidade, a de simples parte ou pólo (ativo ou

passivo) em algumas interações de ordem maior com os indivíduos, neste último caso o

que se tem é a comunidade numa situação sui generis de simples pessoa jurídica (como

se diria hodiernamente), ou considerada enquanto ente de uma relação social (a relação

indivíduo-comunidade).

Assim, tal qual no direito privado, também nessa distinta ocasião é necessário

precisar-se o “seu” - o direito - de cada um dos envolvidos. E ainda, no ocaso dessa

hipótese verifica-se que a lei tem o preponderante papel de satisfazer o anseio de

segurança jurídica antecipando-se à atividade judicante nessa esfera do direito que leva

a nomenclatura de público.

Isso se dá porque o conteúdo do “seu” devido nesses casos, é um tanto quanto

implícito ou abscondito, (não se trata apenas de atentar para uma igualdade aritmética,

como na justiça comutativa), já que a lei natural traz os princípios do agir e suas

conclusões imediatas – mas não as aplicações mais concretas em deferência das

circunstâncias, de sorte que a lei previamente deve explicitá-lo não se restringindo em

enunciar a regra de aplicação do justo, mas precisando com suporte na ordem natural o

quid dessa relação, o conteúdo mesmo da “coisa justa” nessa dimensão que é político-

jurídica.

À lei, por tudo, se pode reputar como uma das fontes ontológicas do direito,

integrando, portanto, a inteligibilidade de seu conceito78. Por isso se verifica que na I-II

da Suma (que aborda a Justiça Geral e a Lei) há referências a problemas não

exclusivamente morais mas alguns claramente jurídicos79, bem como a II-II (em que se

cuida da Justiça Particular, ou direito) – por outro lado – não deixa de abarcar questões

morais que escapam da alçada jurídica (q. 57, a. 2, ad. 2 e 3, ou Q. 60, a. 1e 2).

78 KALINOWSKI, George. Concepto, fundamentación y concreción del Derecho: estúdio preliminar de Carlos Ignácio Massini. Buenos Aires: Abeledo Perrot, [s.d], p. 21. 79 Como na admissão de que a lei regula também bens particulares devidos a outrem, na Q. 90, a. 2, ad. 1. ou ainda no reconhecimento de que é através das leis que se inflige as penas, Q. 90, a. 3, ad. 2, o que é algo do direito penal, ou suum devido a alguém.

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58

Enfim, e noutros termos, também ao tratar do direito estrito, Tomás insere o

papel norteador e jurídico da lei, explicitamente na questão 60, a. 1, ad. 2., em que

assevera que o julgamento deve ser feito segundo o teor da lei, o que reforça o parecer

de Hervada de que a justiça legal também é objeto do ofício do jurista e o suum, ou a

“coisa justa”, também pode ser, de alguma forma, reconhecida e determinada nesse

plano. A supracitada ponderação de Hervada se mostra, para tanto, muito oportuna e

razoável: ele concebe que esse direito na justiça legal, o devido do homem à

comunidade, é o cumprimento mesmo das leis justas.

Disso se depreende novamente que a natureza da lei, mais do que estritamente

política ou ética é também – como exposto - formalmente jurídica nalguns de seus

preceitos, tanto mais por constituir através da noção de Lex Aeterna verdadeiro ponto

metafísico de conexão e articulação das subcategorias política, ética e direito.

4 – 5. O problema da comensuratio na justiça legal

Mais detidamente se verifica que a delimitação do direito não se dá em

somente ser a outra face de um debitum alterum, ou seja, um débito em relação a

outrem, que para aquele a quem é devido é chamado ius (coisa justa a ser satisfeita),

mas, além disso, há uma especificidade quanto à dívida, que a caracteriza como aquela

própria da virtude da justiça em especial.

Eis outra objeção que poderia ser argüida – junto àquelas de Villey - contra a

consideração da lei como um instituto não apenas moral ou político, mas também de

direito.

A justiça legal (e o conjunto de leis, portanto), não seria de direito em sentido

próprio, pois o débito existente do indivíduo para com a comunidade (de cumprir as leis

que sobre ele incidam), decorre de uma relação em que não há mensuração possível

entre os agentes, faltaria uma comensuratio ad alterum, como se explicará em seguida.

Santo Tomás distingue o débito em sentido lato e aquele em sentido estrito,

considerando este último como “aquele a ser pago segundo uma perfeita equivalência”

(I-II, Q. 60, a. 3). Assim é que, na seqüência da Suma, desenvolverá as noções

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59

subdivididas, já comentadas nesta pesquisa, de justiça comutativa e distributiva, com

uma igualdade material (ou aritmética) concernente à primeira, e uma igualdade

proporcional (também chamada formal ou geométrica) para a segunda.

Nas outras virtudes cardeais, conquanto possam estar anexas à justiça, a ratio

debiti não se encontra como objeto especificador, mas, ao contrário, considera-se a

princípio o que concerne à perfeição do homem tomado em si mesmo, na sua

pessoalidade; já no direito o suum é retirado de uma comensuratio ad alterum, que

pressupõe, como já dito, uma alteridade própria das relações com proporcionalidade.

Essa alteridade capaz de gerar um dever/direito se configura também numa

proporção de condições entre os próprios agentes (condições de retribuir por certa

equivalência o bem que lhe chega), e aqui é que se poderia afastar uma apreensão de

verdadeiro direito na justiça legal. De tal modo, ao responder a 3ª objeção do artigo 1 da

questão 57 (II-II) Santo Tomás assevera que o direito nesse sentido restrito não se

admite que exista a respeito de Deus, pelo óbvio motivo de que não podemos retribuir a

Deus de modo sequer proporcional, restando que rendamos a Ele aquilo que está em

nossas possibilidades, a saber, submetendo nosso ser totalmente a Ele e Sua Lei.

Essa alteridade comensurada e própria do direito strictu sensu também não se

verifica sempre no âmbito da sociedade doméstica, quando em seu seio se preceitua

sobre questões particulares cuja repercussão social é irrelevante e considerando-se ainda

que, o conjunto daquilo que é oferecido pelos pais é impassível de pagamento

proporcional pelos filhos (sobretudo a própria vida que lhes é dada pelos genitores

como primeiro bem natural).

Simon pondera a este respeito:

En las virtudes anexas, la ratio debiti no encuentra en su perfeccion: es el caso de la relacion del hombre con Dios en la virtud de la religion; del nino com sus padres en la piedad filial, del agradecido hacia su bienhechor.80

Talvez também por isso é que Villey, conforme já abordado sob o sub título

“Villey X Hervada”, compreendia o direito como referente apenas à justiça particular,

80 SIMON, René. Moral: Curso de filosofia tomista. Barcelona: Herder, 1968, p. 388.

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60

naquela que ele considera sua expressão mais acabada: a justiça comutativa, relativa às

interações interpessoais entre os “iguais” no seio da polis.

Seria então verdadeiro direito apenas àquele em que os indivíduos exercitam a

alteridade por negócios nos quais se encontram num mesmo patamar, ou numa mesma

condição prévia.

Reforça-se nessa perspectiva a igualdade inicial pura e simples entre os

agentes para os efeitos do negócio, e, em síntese, poder-se-ia alegar que se Santo Tomás

não considerava haver real comensuratio ad alterum nas relações entre Deus e os

homens, nem em todas as interações entre os pais e os filhos, ou entre o auxiliado e o

benfeitor, tampouco poderia haver direito em sentido estrito quando das relações entre a

comunidade e o indivíduo, cuja nota, nessa perspectiva, seria de relação apenas política

e não especificamente político-jurídica.

Entretanto, se viu que Santo Tomás não restringe a juridicidade aos casos de

igualdade material, entre os agentes em suas contraprestações, mas, apesar de apontar as

supraditas ocasiões em que a diferença entre os envolvidos se agrava - de modo a

afastar a juridicidade81 - seja por motivo de ordem ontológica (Deus e Homem), ou por

conta da própria dinâmica relacional distinta (pai e filho, ajudado e benfeitor, etc.),

verifica-se que, de maneira geral e por outro lado, há sim, na visão tomasiana,

verdadeiro direito nas relações entre indivíduos e comunidade.

Os casos de ampla desproprocionalidade entre os agentes entendidos na

formalidade de suas relações (Deus e homem, pais e filhos, etc) apresentam-se na

verdade como aquelas exceções que fogem à regra e ao mesmo tempo confirmam-na:

regra essa de que também entre desiguais pode haver direito.

Não fosse assim, nenhuma necessidade haveria de especificar esses casos que

fugiriam ao âmbito do direito, no artigo 4 da questão 57 (II-II), bastando uma rejeição

total e a priori da categorização como ius ao que não fosse justiça comutativa, sem nem

mesmo apodar o plano distributivo e legal também como formas de “justiça”, pois uma

vez que são chamados “justiça” e o direito sendo por definição o objeto da justiça (e isto

81 Santo Tomás propugna que nas relações entre pais e filhos, marido e esposa, senhor e servo, benfeitor e auxiliado, há uma forma especial de justiça, a qual seria justiça apenas por analogia, portanto fugiria daquele sentido próprio em que há direito como objeto especificador, vide: II-II, Q. 57, a. 4

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61

dito indistintamente ao menos na questão própria – 57, a. 1 – da secunda secundae),

forçoso é sustentar, ao menos como uma presunção relativa, que há direito também na

justiça distributiva e legal.

É o que se verifica na resposta à objeção 3 do supracitado artigo 4, em que

Santo Tomás não afasta a juridicidade para outros casos de diferenças de grau entre os

envolvidos numa relação social. Pode-se ler:

Que todas as demais diferenças de pessoas que vivem na polis, têm uma imediata relação com a comunidade e o príncipe da mesma, e, por conseguinte, para eles existe o direito, segundo a perfeita razão de justiça.

Ocorre, todavia, que a igualdade nas relações entre o indivíduo e a

comunidade é de outra monta, seria aquela igualdade proporcional, ou geométrica,

como já houve ocasião de enunciar.

Essa igualdade proporcional, que caracteriza a auferição do ius na justiça

distributiva, poderia ser aplicada também – mutatis mutandi - para a justiça legal,

conforme ponderações correlatas de Hervada, pois os agentes relacionados são os

mesmos, a dicotômica relação é de comunidade e indivíduo, ainda que sob perspectivas

inversas: na justiça distributiva o suum é o que é devido da sociedade aos particulares

(proporcionalmente conforme seus méritos e deméritos); enquanto que, na justiça legal

o suum é o devido do particular em relação à comunidade (proporcionalmente,

conforme suas condições e características se amoldem a uma ou outra lei, que, por

exemplo, lhe proíba ou obrigue em função de cargo ou exercício de atividade

específica).

Quanto a esse aspecto cabem ainda maiores esclarecimentos de Hervada,

também já embrionariamente aludidos anteriormente:

A sociedade e a pessoa são iguais enquanto titulares de um direito? A sociedade – particularmente a comunidade política, da qual se fala por antonomásia quando se menciona a justiça legal – não é superior ao membro, à pessoa e por isso, não se trata de uma relação de iguais? [...] Pois bem, a sociedade não é uma realidade em termos de entidade superior à pessoa; é a união em relação a alguns fins comuns, por isso a sociedade não tem o sentido de realidade absoluta ou última, mas de entidade relativa

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62

– no que se refere a alguns fins – e em certo sentido medial, como meio ou instrumento do homem para alcançar conjunta e solidariamente os fins para os quais se orienta a sociedade. Conjunto de pessoas, a sociedade não pode se constituir em entidade ontologicamente superior a seus elementos constituintes, que são as pessoas. Vale como elas, não mais. Sua subjetividade jurídica é projeção da subjetividade jurídica das pessoas que a compõem. Então, como sujeito de direito, a sociedade é igual à pessoa, razão pela qual cabem relações jurídicas entre o membro e a sociedade. A justiça legal é justiça entre sujeitos de direito iguais enquanto corresponde à subjetividade jurídica; por isso é verdadeira justiça.82 (grifos meus)

Em que pese Hervada ter se valido da palavra sociedade, que, assim como o

termo Estado, tinha na Idade Média uma conotação diversa da que é usada mais

recentemente, desde a idade moderna, basta que se a substitua pelo vocábulo

“comunidade” para preservar o inteiro teor de seus argumentos.

Destarte, a comunidade perfeita, ou polis, representativa do todo social, ou da

multidão, não detém uma altitude tão radicalmente distinta do indivíduo que o

impossibilite de retribuir ao menos proporcionalmente o suum nascido dessa relação

entre ambos, o qual é o cumprimento das leis justas para o bem comum.

Com isso se pode alocar outra objeção: mas se a comunidade é o todo

enquanto o indivíduo é a parte, não se recairia no problema da falta de autêntica

alteridade?

Com uma contradição aparente é possível recrudescer ainda mais a objeção: se

a constituição da comunidade é minimizada ante o indivíduo (como simples

agrupamento de vários particulares formando um todo) faltaria a alteridade na relação;

já, em contrário, se o estatuto ontológico da comunidade é próprio e distinto dos

indivíduos que a compõem, faltaria a igualdade de condições, ou comensuratio, e,

assim, de qualquer maneira, não haveria direito, pois, ou faltaria a real alteridade ou

faltaria a comensuratio na relação “comunidade-particular”.

82 HERVADA, Javier. Lições propedêuticas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 147.

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63

Para se desvencilhar de tal paradoxo cumpre observar que a comunidade

perfeita que é a polis, tem como matéria a soma dos indivíduos, entretanto a diferença

do todo para com a parte não é meramente quantitativa, mas formal.

Isso pode ser atestado na resposta à objeção do artigo 7 da questão 58 da

secunda secundae83, em que Santo Tomás, ao tratar do bem comum, indica que não se o

distingue do bem particular apenas pelo montante, com se tratasse apenas da soma de

bens próprios (o item “2 – 3. b)” deste trabalho tece considerações sobre o bem comum

nesse exato sentido).

Isso equivale a dizer que a comunidade perfeita é um todo de que os cidadãos

são parte, mas enquanto tem a razão de todo carrega consigo uma diferente formalidade,

com a qual preserva, portanto, a alteridade em relação a cada um de seus componentes

tomados isoladamente. É o que hodiernamente a complexidade das relações, já entre o

estado e o indivíduo revela pragmaticamente.

A comunidade como um “todo” pode ser ente de uma relação jurídica em face

de um indivíduo, pois este pode ser como que destacado ou deslocado do “todo”, sem,

contudo, destruí-lo. É que o indivíduo considerado em si detém a perfeição de pessoa, e

sua integração ao corpo social é acidental e não substancial.

Elucida este ponto a observação de José Pedro Galvão de Sousa apoiada em

Aristóteles e nos correspondentes comentários de Santo Tomás:

O organismo animal, por exemplo, é um todo complexo e subsistente por si mesmo, cuja vida se comunica às partes que o compõem, enquanto permanecerem integradas nessa unidade orgânica. Já no tocante ao grupo social, a unidade que lhe dá vida decorre da aglutinação de seus membros, fundada numa ordenação dirigida a um fim comum. Mas, enquanto o organismo animal forma um todo substancial, o organismo social constitui um todo acidental, em que cada parte integrante – o ser humano – tem existência em si mesma e por si mesma.84

83 Quanto a segunda objeção há que se dizer. Que o bem comum de uma cidade e o bem particular de uma pessoa não diferem somente segundo o muito ou o pouco, senão segundo uma diferença formal, pois não é igual a razão de bem comum e a razão de bem particular, como tampouco é igual a razão de todo e a razão de parte [...] 84 SOUSA. José Pedro Galvão de. Dicionário de Política. São Paulo: Queiroz, 1998. p. 54.

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64

Este “todo”, a seu turno, pode se conformar como ente de certa autonomia,

atentando a seu fim próprio como um ente juspolítico, isso pode se clarificar com, por

exemplo, o bem comum sendo defendido pela comunidade, contra pretensões ou

interesses particulares desarrazoados.

Porém, se há uma formalidade para o “todo”, que resguarda a alteridade na

relação da comunidade com um dos seus componentes; por outro lado, tal formalidade

não é de tal maneira superlativa, o constituindo como uma entidade de tal modo

magnânima, que impeça uma mensuração na relação, pois, materialmente a comunidade

continua sendo o conjunto de indivíduos e somente deles é que pode retirar seu valor

próprio (não há outra fonte para sua subjetividade jurídica), o qual, por isso mesmo, fica

limitado à mesma dignidade política que guarnece a pessoa particular.

Em palavreado singelo, pode-se resumir que a comunidade sob certa

formalidade (do bem comum, que é seu fim próprio), difere dos indivíduos que a

compõe, entretanto, em ser distinta não significa que tem maiores prerrogativas ou

maior dignidade que cada um deles, já que de todos e cada um dos particulares é que

extrai sua força e capacidade retributiva, restando preservada, por isso, também a

comensuratio na relação, o que permite a aferição do justo, mesmo em seu sentido mais

estrito.

Portanto a realidade do direito que é o “seu” a que alguém tem prerrogativa, ou

(em termos mais simples e sob a perspectiva invertida, daquele que tem o debitum de

justiça) o“devido” a alguém, tem como premissas a alteridade e certa igualdade de

condições entre agentes de uma relação que acontece e repercute na polis. Este direito

consubstancia-se, ainda que de maneiras diversas, tanto na justiça comutativa e

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65

distributiva, quanto na justiça legal85, mesmo que, a respeito desta última, não haja

indicação direta a propósito na Suma Teológica86.

85 Além de Hervada, parecer no mesmo sentido pode ser lido em Barzotto: “Deste modo, a lei determina quais ações que são devidas à comunidade, para que esta alcance seu bem, o bem comum. Assim, as ações legais são ações justas, na medida em que atribuem à comunidade aquilo que lhe é devido”, em BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia do Direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2010. p. 82; Também se pode encontrar consideração próxima em obra de John Finnis, na qual se reconhece que um significado focal do direito implica a existência de normas produzidas pela autoridade (vide: FINNIS, John. Ley natural y derechos naturales. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2000. p. 304). 86 No entanto se vê uma corroboração implícita da tese no Comentário de Santo Tomás ao livro V da Ética de Aristóteles em que se “sublinha ser o não cumprimento da lei uma forma de desigualdade” (apud: CUNHA, Paulo Ferreira da. O comentário de Tomás de Aquino ao livro V da Ética a Nicômano de Aristóteles. Retirado de: www.hottopos.com/videtur14/paulo2.htm em 22-11-2010.

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66

Capítulo 5 – Distinção entre direito e lei

As conformações jurídicas pós-modernas têm salientado de tal maneira o

princípio da legalidade e o movimento constitucionalista disseminou-se tão

extensamente que há o perigo de se cair na posição extrema oposta àquela até aqui

discutida, onde os conceitos de direito e lei seriam tomados como sinônimos, o que de

fato ocorre em grande parte dos tratados jurídicos fundamentais contemporâneos.

Embora o capítulo anterior desta pesquisa tenha reforçado a importância das

leis também no âmbito jurídico – especialmente sob os subtítulos “Villey versus

Hervada”, “aprofundamento da relação entre as formas de justiça, o direito e a lei” e “o

problema da comensuratio na justiça legal” – não parece de todo exato identificar

ambos os termos.

Ou seja, se de um lado não se insinua correto cindir moral e direito, reservando

à lei um papel ético, também carece de precisão a mera indistinção entre lege e ius.

A confusão entre as noções se justifica em parte pelo uso correlato que muitas

vezes faz delas o Aquinate. Nisto há uma amostra da ligação convergente entre ambas e

do característico uso da analogia por parte de Santo Tomás.

Ainda que, de fato, alguns comentadores tenham simplesmente tomado direito

por lei e lei por direito87, muitos indicativos conduzem a uma visão mais focada do

pensamento tomasiano em que a distinção – mesmo mantenedora da interconexão –

pode ser delineada com maior precisão mesmo no campo jurídico que lhes é comum.

Diante das distinções e conceitos trazidos nos capítulos precedentes, que

perfilam a caracterização e restrição do que seja o direito, uma primeira grande

diferença com relação à lei salta aos olhos: deveras mais extensa é a lei por abarcar

todos os atos propriamente humanos como regra e medida, ou em outras palavras... o

campo de referência da lei na filosofia prática vai muito além do âmbito jurídico, lhe

sendo mais geral.

87 É aparentemente o caso de Guido Fassò, entre outras obras em La legge della ragione (1964).

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67

A lei natural, por exemplo, inclui-se como regra e medida também naquelas

relações em que a desproprocionalidade é substanciosa a ponto de não permitir a

satisfação da dívida, em tal caso se terá lei natural com cogência moral, ainda que não

jurídica... é o que se dá nas chamadas relações de piedade, também no exemplo das

relações entre o ser humano e Deus, ou ainda nas citadas relações filiais, em que o bem

recebido pelos filhos – a própria vida – não é passível de pagamento, equitativamente,

mas constitui neles um dever de ajuda, respeito e reverência aos pais.

A lei, portanto, compõe uma ordem normativa abrangente, que abarca uma

afetação direta ao direito (um campo comum em que a intervenção da lei é incisiva),

mas não se limita a ele, estendendo-se também à orientação moral dos atos humanos

não correspondentes ao ius em seu sentido próprio.

Essa primeira distinção, conforme dito, já estava consubstanciada nos

capítulos anteriores deste trabalho, embora incipientemente. De qualquer forma, há

outra diferença, mais importante que o grau de generalidade ou amplitude entre as

realidades lei e direito.

Sendo o direito, em seu analogante principal, a própria coisa justa em si, a

distinção ainda mais fundamental se denota, pois a lei é, por sua vez e no seu sentido

peculiar, uma prescrição. Assim a realidade da lei é de ser algo da razão, que a formula

e enuncia.

Desta forma, enquanto o direito é a coisa mesma, devida: um objeto, um

serviço, uma ação ou uma abstenção, a que outrem tem direito/prerrogativa em função

da proporcionalidade de uma relação; a lei, por sua vez, é a regra e medida do dever:

juízo que reconhece e expressa o que se deve fazer, como se deve agir, ou o que se deve

concretizar, incluindo a “coisa justa”, nesse caso ainda em previsão abstrata.

Voltando à questão 57 da II-II, parece claro neste sentido que, mesmo quando

relacionados no campo que lhes é comum – o campo jurídico de maneira estrita - direito

e lei não se identificam.

Para reforçar esse aspecto, Santo Tomás se vale de um paralelo com a arte.

Indica o Aquinate que, assim como a arte, em que a idéia preexiste à obra na mente do

artista, a lei preexiste ao direito, como regra racional de prudência determinando o agir,

em vista, entre outros deveres, da concreção do mesmo ius.

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68

A lei como idéia exemplar do que se há de fazer é que norteia e distingue, após

e através do choque com a realidade peculiar da relação jurídica, o conteúdo da coisa

justa a ser realizada.

Muito elucidativa sobre essa relação entre a lei e a coisa justa (direito) é a

exemplificação trazida por Jolivet, numa esteira de apuração da distinção entre ambas:

O ditame da razão é um silogismo (que muitas vezes permanece implícito), cuja premissa maior enuncia uma lei geral (preceito de uma lei natural ou de uma lei positiva que precisa ou determina o direito natural), a premissa menor enuncia a qualidade do ato em questão, e a conclusão define que esse ato deve ser praticado como bom ou evitado como mau. Tal é, por exemplo, o silogismo seguinte: ‘Deve-se restituir a cada um o que lhe é devido; ora, este livro pertence a Pedro, que mo emprestou; logo, devo restituir-lho’.88

Na situação exemplificada, como em muitas outras que poderiam ser aludidas

há uma interação entre dois agentes, e o fato da realidade que especifica a relação se

subsume ao preceito geral da lei (empréstimo), a qual indica o que deve ser feito (dever

de devolver), resultando, a título de conclusão, na determinação da coisa justa (direito)

que corresponde, no caso exemplificado, à entrega do livro a Pedro.

A lei é prescrição (premissa maior na atividade judicante) que se encontra com

fatos determinados (cuja abstração é premissa menor), resultando na conclusão sobre a

coisa justa ou direito, que deve ser dado.

Por isso é que, Simon, chega a dizer que o direito deriva da lei como efeito

próprio, ou ainda, que a lei constitui a causa formal extrínseca do direito89.

Em aplicação às diferentes formas de justiça e como síntese do até aqui

apresentado:

É bem verdade que na justiça comutativa a lei se restringe, no mais das vezes,

em ser a regra de aplicação da igualdade aritmética para as contraprestações devidas.

88 JOLIVET, Régis. Traité de Philosophie, IV, Morale. Apud: SOUSA, José P. Galvão de. Dicionário de Política. São Paulo: Queiroz, 1998, p. 363. 89 SIMON, René. Moral: Curso de filosofia tomista. Barcelona: Herder, 1968, p. 389.

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Também é forçoso reconhecer que na justiça distributiva ela estabelece os

critérios de diferenciação do suum de cada indivíduo em vista da distribuição pela

comunidade dos proporcionados encargos e benesses.

Mas na justiça legal o papel da lei se apresenta em toda sua pujança, porque

aqui é que, em observância às inclinações naturais do homem e os primeiros princípios

da razão prática, a lei humana recolhe sua força e razão de ser da lei natural e de modo

mediato, da Lei Eterna. Assim, a comunidade política, ao exarar uma prescrição

consistente numa ordenação racional em vista do bem comum, constitui com a

promulgação mesma do ato legislativo o conteúdo de um direito, que deve ser

respeitado e cumprido pelo indivíduo como um debitum seu para com o outro e para

com a própria comunidade, tendo esta comunidade então o verdadeiro direito de ter suas

leis justas obedecidas.

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70

Considerações finais

Santo Tomás de Aquino conseguiu reunir, na questão 90 da Prima Secundae,

os traços fundamentais de um instituto universal da humanidade, pois presente - ainda

que de maneiras circunstancialmente diversificadas - em todos os povos e civilizações.

A lei, como ordenação racional para o bem comum, promulgada por aquele a

quem cabe cuidar da comunidade, traduz o conjunto de elementos gerais e comuns a

esta realidade, já embrionariamente aduzidos pelos predecessores do Aquinate – que tão

largamente os citou – e que, com a depuração do Doutor Angélico, se alçou à

posteridade, sendo tal definição objeto de pesquisas, reflexões e influxo patente na

história da filosofia ocidental.

Esses elementos constituintes da norma prescritiva abarcam, ainda que a

títulos diferentes, as classes de lei apontadas por Santo Tomás no desenvolvimento

seguinte da Suma: Lei Eterna, lei natural e lei humana.

A Lei Eterna, enquanto ordenação racional promulgada pela própria

Autoridade da Razão Divina em vista do Bem comum, se insere na filosofia prática

como um dos fundamentos metafísicos cabais de todo agir humano, estendendo sua

influência a todas as ordens de movimento, seja, para o homem, na ordem moral,

política ou das relações jurídicas tanto em sentido geral quanto em sentido estrito.

Afinal, em mesma esteira de viés tomista se pode dizer que “nenhuma atividade

humana, nem mesmo em assuntos temporais, se pode subtrair ao Domínio de Deus90”.

Enquanto humanamente conhecida, é chamada de lei natural e estabelece os

limites da autêntica ação humana, incluindo-se o agir quanto a justiça na aplicação do

direito.

O fato da lei, enquanto ordenação racional, regrar ações humanas, ou, noutras

palavras, regular condutas, já lhe denuncia o caráter moral; tendo, a seu turno, o fim de

90 Lumen Gentium, parágrafo 36. In: DENZIGER-HUNERMANN. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Loyola, 2007. p. 958.

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71

prover o bem comum e sendo promulgada por uma autoridade pública, carrega consigo

um teor político, conquanto a política se entende como a arte do bem comum.

Porém, para além de sua inscrição na ordem moral e política, a lei pode ser

considerada também como incidente ao direito, mesmo este tomado no seu sentido mais

estrito e próprio de seu campo epistêmico.

O jusnaturalismo de orientação tomista – célebre escol da filosofia do direito –

sempre estimou a lei, dela tratando mesmo nos tratados que se pretendiam mais

específicos à arte e ofício do jurista.

Entretanto, recentemente, algumas objeções foram lançadas – mormente pelo

grande jurista Michel Villey – quanto a real importância da lei ao direito. Com

alegações que restringem o direito em ser “a coisa justa” na justiça comutativa e - não

sem um esforço extensor - também na justiça distributiva, o pensador francês exclui a

justiça legal da seara da ciência do direito, fazendo da lei, no que se refere ao oficio do

jurista, somente expressão da fórmula de equivalência que aponta a contraprestação, o

suum, de alguém a outrem em relações na polis.

O presente trabalho, além de apresentar a definição tomasiana de lei em sede

expositiva, tratou de discutir a inserção dessa norma prescritiva no direito e, partindo da

sugestão aferida a partir da Lei Eterna, como suporte metafísico de todo agir – de que a

relevância da lei se infiltra em todas nuances da filosofia prática – intentou-se

argumentar, mormente através de tese de Javier Hervada e aportes de René Simon, em

favor da inclusão da justiça legal no âmbito do direito, fazendo com que a lei não tenha

nessa esfera do direito strictu sensu somente a função de indicar uma formatação do

procedimento que aponta o “seu”, pela igualdade das prestações mútuas de dada

relação.

Desta forma, remeteu-se às noções de direito e justiça: se o direito é a coisa

justa, ou suum, devido a alguém em virtude de uma relação proporcional entre seus

agentes e contraprestações, a justiça legal pode ser inclusa no ofício próprio do jurista,

na medida em que consiste no cumprimento das leis pelos particulares, assim, temos

que a observância da lei é o “seu” da comunidade em relação ao particular.

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A relação seria entre o indivíduo e a comunidade e o cumprimento das leis

seria a coisa justa deste para com aquela, já que a capacidade retributiva do indivíduo

não fica afastada de todo, pela grandeza e dimensão formal avultada da comunidade.

A comensuratio se mantém, pois a comunidade não prevalece sobre o

indivíduo de maneira total e plena: se, por um lado, o bem recebido pelo indivíduo da

comunidade política consiste em ter um ambiente privilegiado para sua perfectibilização

como ser social; por outro, a comunidade deve ao indivíduo sua própria ordem e

subsistência, como causa material, e enquanto o particular cumpre com o seu dever de

obedecer às leis justas emanadas da autoridade pública.

Com isso, as leis – que compõem a justiça legal em sua essência – não

somente tangenciam o direito como regra funcional de aplicação do justo comutativo ou

distributivo, mas expressam-no diretamente, no conteúdo mesmo do direito natural e do

direito humano.

Isso explica ademais, o fato de que os tratados de filosofia do direito de índole

jusnaturalista tomista, sempre – ou muito frequentemente – tenham reservado um lugar

de destaque para a lei em sua composição, de maneira que, ainda que a tese de Hervada

não esteja claramente consignada na Suma Teológica, a visão que ela comporta tem

inspiração flagrantemente tomista e acaba por se mostrar uma boa referência para o

discernimento das complexas relações que hodiernamente se verificam entre a moderna

figura do Estado e os cidadãos.

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73

ANEXO I

Esquemas elaborados pelo professor Carlos Arthur R. Nascimento para a

divisão da Justiça91: primeiro o pensamento de Aristóteles a partir do livro V da Ética a

Nicômano.

Depois, o professor Carlos Arthur pondera que o esquema de Aristóteles “é

(ocultamente) transformado por Tomás de Aquino no seguinte”:

91 NASCIMENTO, Carlos Arthur R. A Justiça Geral em Tomás de Aquino. Porto Alegre: Veritas, v. 40, nº 159. Set. de 1995. p.478.

Justiça

Geral – idêntica ao conjunto de virtudes – toda a virtude é uma

forma de justeza ou retidão

Especial

Geral (legal) – ordenação do homem

imediatamente ao bem comum

Particular –

ordenação do

homem a bens

particulares

Distributiva

Comutativa

Justiça

Geral – idêntica ao conjunto das virtudes

Particular

Distributiva

Comutativa

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74

Nessa perspectiva, Villey usa do esquema de Aristóteles e o aplica

também a Santo Tomás, considerando como afeta ao direito somente a justiça particular

(de acordo com o primeiro esquema).

Já Hervada, deixa entrever uma aproximação ao esquema modificado de

Santo Tomás e considera abarcada pelo direito toda a chave da justiça especial

(conforme o segundo esquema), assim estariam inclusas no campo de estudos da

Filosofia do Direito e do Direito como ciência particular, tanto a justiça particular

(comutativa e distributiva), como a justiça legal.

Para reforçar a tese é que Hervada se propõe a encontrar o direito em

sentido estrito (a coisa justa segundo uma equivalência, a qual requer, portanto,

alteridade e comensuração) também na justiça legal.

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ANEXO II

Numa representação gráfica livre e de fito meramente didático, inspirada

nas orientações de Javier Hervada, teríamos as subdivisões da filosofia prática em

círculos concêntricos com a intervenção secante da lei em todas as áreas.

Já a posição de Villey, parece limitar o alcance e intervenção da lei aos planos

da moral e da política, de maneira que – ao que tudo indica – numa representação

gráfica em paralelo com esta acima, a seta que representa a lei apenas tocaria

superficialmente no círculo menor do direito, pois a lei não traria o conteúdo da coisa

justa, mas tão somente expressaria a regra (fórmula) de igualdade aritmética para a

busca do justo comutativo. A lei que ao direito serviria restritamente, seria aquela,

segundo a qual: “um artigo do nosso Código Civil tem por função indicar a parte de

Moral

Política

Direito

Lei Eterna,

natural e

humana

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76

cada um: tal coisa, tal dívida está para X relativamente a Y. Medida de justas relações

sociais”92.

92 VILLEY, Michel. Filosofia do Direito: definições e fins do direito, os meios do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 75.

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