Falando um pouco_sobre_registros
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Falando um pouco sobre Registros de Representação Semiótica
de Raymond Duval Simone Navas Barreiro
Procurando entender as dificuldades encontradas na aprendizagem Matemática, voltamos nossos olhares a pesquisas e fundamentações que nos ajudem a solucionar alguns pontos no processo de ensino e aprendizagem. A Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval tornou‐se a fundamentação teórica de muitas pesquisas em Educação Matemática. Raymond Duval, filósofo e psicólogo francês, professor emérito na Universidade Du Littoral Côte dÓpale da França, desenvolveu um modelo de funcionamento cognitivo do pensamento, que levou a publicação de diversos trabalhos, entre os quais Sémiosis et penseé humaine. Registres sémiotiques et apprentissages intellectuels, publicado em 1995. A Teoria dos Registros de Representação Semiótica não se define em algumas palavras, com poucos exemplos ou simples argumentações. Estamos falando de uma busca de soluções para as dificuldades na aprendizagem Matemática, ou seja, ao falar dos Registros de Representação Semiótica, vários aspectos devem ser ressaltados. Para entender o processo de aprendizagem, levamos em conta que esta ocorre numa relação interacionista, entre os estudantes, entre o professor e os estudantes, entre o estudante e o meio, e do estudante com as ferramentas as quais tem acesso. Mas afinal, quais são as dificuldades na Aprendizagem Matemática? De acordo com Duval, as dificuldades na Aprendizagem Matemática estão ligadas ao fato de os objetos matemáticos não serem “concretos”, não estando disponíveis para o acesso via percepção, observação ou por meio de um instrumento. Assim sendo, fazemos o seguinte questionamento: O que o estudante precisa para reconhecer um objeto matemático? Primeiro o estudante deve reconhecer uma representação do objeto e é por meio desta representação que o estudante exprime idéias para que consiga ter atitudes representativas! Então, quais seriam as representações Matemáticas? Duval (2004) considera que existem três tipos de representações:
As mentais que são concepções que uma pessoa pode ter sobre um objeto ou sobre uma situação;
As representações internas, ou computacionais, caracterizadas pela execução automática de uma tarefa;
E as representações semióticas que são produções constituídas pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de representação, os quais têm suas dificuldades próprias de significado e de funcionamento.
Antes de prosseguir, é importante definirmos alguns conceitos de semiótica. Semiótica é ciência geral de todas as linguagens, ou seja: “A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido”.
(SANTAELLA, 1983, p. 13) Repare que agora falamos em signos e representações. Entretanto, devemos observar que nem todo sistema de signos constitui um registro. As placas de transito são um bom exemplo disso: As placas de trânsito das estradas são significantes (triângulo → perigo, vermelho → proibição,...) “...e não podem se caracterizar como um registro no sentido de Duval, uma vez que não há a possibilidade de transformar um elemento em outro, diferentemente do que ocorre com todo elemento de um registro...” (SILVA e FIGUEIREDO, 2003, p.8) Quanto à particularidade da Aprendizagem Matemática em relação às outras áreas de conhecimento,Duval enfatiza que nas demais áreas de conhecimento, os objetos são concretos, ou seja, o acesso é direto e claro ( exemplo na Física e Química). Na Matemática, os objetos, por serem abstratos, só podem ser acessados por meio de representações inerentes a eles. Por isso é muito importante entender o que é um registro de representação semiótica. Então, quando temos um registro de representação? Para ser considerado um registro de representação, um sistema de signos precisa permitir três atividades cognitivas:
a formação de uma representação identificável,
o tratamento de um registro de representação
e a conversão de um registro de representação para outro (DUVAL, 2004). Podemos então definir e entender o que este registro de representação permite. Um registro de representação semiótica é um sistema de signos que tem por objetivo não somente a comunicação, mas também o tratamento da informação e a objetivação! Esse sistema de representação permite preencher as funções cognitivas de comunicação, objetivação e tratamento que são fundamentais para o funcionamento cognitivo. O acesso aos objetos matemáticos passa necessariamente por representações semióticas, que são externas e conscientes ao indivíduo. Portanto, um objeto pode ter diversos registros que o representem. Vamos observar os exemplos a seguir: O dobro de um número acrescido da sua terça parte é igual a 36 representação em língua natural
representação algébrica Em sua teoria, Duval propõe uma abordagem cognitiva para compreender as dificuldades dos alunos na compreensão da Matemática como também a natureza dessas dificuldades! Esta abordagem cognitiva procura descrever o funcionamento cognitivo que possibilite a um aluno COMPREENDER, EFETUAR e CONTROLAR a diversidade dos processos matemáticos que lhe são propostos. No ponto de vista cognitivo, o que caracteriza então a atividade matemática? A atividade cognitiva da Matemática é diferente da atividade cognitiva de outros domínios do conhecimento.
E esta diferença não deve ser procurada nos conceitos mas nas seguintes características: Primeiro, a importância primordial das representações semióticas. já que os objetos matemáticos são diretamente perceptíveis por meio das representações inerentes a eles, portanto, as possibilidades de tratamento matemático dependem do sistema de representação utilizado. Segundo, a grande variedade de representações semióticas utilizadas em Matemática. Mas afinal, quais seriam os tipos de registros que encontramos na Matemática? Segundo Duval, há 4 tipos diferentes de registros de representação:
Fonte: (Duval, 2003, p. 14) A compreensão em Matemática supõe a coordenação de ao menos dois registros de representações semióticas. Fazemos então o seguinte questionamento: Tal coordenação é adquirida naturalmente durante o ensino da Matemática? Quanto a organizar os registros de representação de determinado objeto matemático, devemos levar em consideração os aspectos deste registro e as representações inerentes a ele. A seguir temos alguns exemplos de registros classificados e identificados no trabalho “Estudo de Vetores no R3:Uma abordagem envolvendo conversões de registros semióticos, com auxílio do software Cabri‐Géomètre 3D” ( Karrer, Barreiro , 2009):
Representação Discursiva Representação Não Discursiva
Registros Multifuncionais
Os tratamentos não são algoritmizáveis.
Língua naturalAssociações verbais (conceituais).Formas de raciocinar: argumentação a partir de
observações, de crenças...; dedução válida a partir de
definição ou de teoremas.
Figuras geométricas planas ou em perspectivas (configurações em dimensão 0, 1 , 2 ou 3). apreensão operatória e não somente perceptiva; construção com instrumentos.
Registros Monofuncionais
Os tratamentos são principalmente algoritmos.
Sistemas de escritas numéricas (binária, decimal,
fracionária ...); algébricas; simbólicas (línguas formais).Cálculo
Gráficos cartesianos mudanças de sistemas de coordenadas; interpolação, extrapolação.
QUADRO 2: REGISTROS E REPRESENTAÇÕES (VETORES)
Registros Representações
Geométrico
(Livro 2, p.10)
Gráfico
(Livro 2, p. 27)
Simbólico
Simbólico-algébrico Seja , ,
(Livro 3, p. 104)
Simbólico: (A,B)(B,A)
(Livro 1, p. 3)
Língua natural
Emprego comum
... Portanto, com origem em cada ponto do espaço...
(Livro 2, p. 5)
Numérico 4(1, -2) = (4(1), 4(-2)) = (4,-8)
(Livro 3, p. 103)
Fica claro que, segundo Duval, não haveria uma apreensão conceitual sem uma representação semiótica! ( Não há NOESIS sem SEMIÓSIS).
Ressaltamos que os registros de representação semiótica são aqueles que envolvem três operações cognitivas: a formação, o tratamento e a conversão. Quanto à formação de uma representação, levam‐se em conta as regras que são inerentes a um determinado registro. Os tratamentos são as transformações entre representações que ocorrem no interior de um mesmo registro. Já as conversões são transformações entre representações que ocorrem com mudanças de registros, conservando o objeto em questão.
Duval (1996) apresenta três argumentos para explicar a necessidade de uma diversidade de registros de representação dos objetos matemáticos que seriam: a economia de tratamento; a complementaridade dos registros; e a compreensão de um conteúdo na coordenação de pelo menos dois registros de representação. Quanto à conversão, não podemos esquecer de que esse tipo de transformação enfrenta os fenômenos de não‐congruência: os alunos não reconhecem o mesmo objeto através de duas representações diferentes. Converter implica em coordenar registros mobilizados Os fatores de não‐congruência mudam conforme os tipos de registro entre os quais a conversão é efetuada. Pode ocorrer a irredutibilidade da conversão a um tratamento, ou seja, realizar a conversão não é simplesmente traduzir. Em um processo de conversão existem várias variáveis cognitivas, específicas do funcionamento de cada registro, que determinam as unidades de significado pertinentes a serem consideradas em cada um dos registros.
Existem dois tipos de fenômenos característicos na conversão de representações, as variações de congruência e não‐congruência, que seria a “comparação” entre o registro de chegada e o de partida, como também a heterogeneidade dos dois sentidos de conversão, ou seja, saber converter em um sentido não implica que se saiba converter no sentido contrário. Encontramos em muitas pesquisas, o grande insucesso dos alunos na mobilização de diferentes registros como também ao efetuar mudanças entre eles. Fica evidente que esse insucesso aumenta quando as conversões são não‐congruentes.
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Tipos de transformações
TRATAMENTO CONVERSÃO
Exemplo de tratamento
Exemplo de conversão
TABELA 1– EXEMPLO DE ANÁLISE DA CONGRUÊNCIA DA ATIVIDADE DE
CONVERSÃO
TIPO DE
CONVERSÃO
SISTEMA OU REGISTRO
DA ESCRITA NATURAL
SISTEMA
SIMBÓLICO-
ALGÉBRICO
Conversão
congruente
Conjunto de pontos com
ordenada maior que abscissa. y>x
Conversão
não congruente
Conjunto de pontos cujas
ordenadas e abscissas têm o
mesmo sinal.
x.y>0
FONTE: DUVAL, 2000, p. 63
Segundo Duval, o “enclausuramento” de registro pode impedir o aluno de reconhecer o mesmo objeto matemático em duas diferentes representações. E como a compreensão em Matemática implica justamente na capacidade de mudar de registro, não se deve jamais confundir um objeto e sua representação, reforçando que o acesso aos objetos matemáticos passa necessariamente por representações semióticas. Então, como podemos não confundir um objeto e sua representação se não temos acesso a esse objeto a não ser por meio de sua representação? Quanto a este paradoxo da compreensão Matemática, levantamos algumas conclusões: Primeiro ter consciência de que é preciso dispor de, ao menos, dois registros de representação diferentes para não confundir um objeto com sua representação. A articulação dos registros é que constitui uma condição de acesso à compreensão em Matemática, e não o inverso, ou seja, o “enclausuramento” em cada registro! Esta Teoria, mais do que esclarecer alguns pontos importantes no processo de ensino e aprendizagem em Matemática, leva‐nos a questionar muitos aspectos antes ignorados ou mesmo despercebidos, como por exemplo, a conscientização de que se deve distinguir cuidadosamente aquilo que é evidenciado, ressaltado no tratamento em um registro e aquilo que é evidenciado em uma conversão, de considerar a natureza dos registros e de que estes registros apresentam diferentes graus de dificuldades e de analisar a complexidade da atividade de conversão. Concluo esta apresentação citando que, para Duval (2003) o entendimento matemático ocorre quando o estudante consegue coordenar vários registros, tendo a apreensão do objeto matemático, ou seja, integrando‐se no que o autor chama de arquitetura cognitiva.
Referências Básicas DUVAL, R. Registros de representações semióticas e funcionamento cognitivo da compreensão em Matemática. In: Aprendizagem em MACHADO, S. D. A. (org.). Aprendizagem em Matemática. Campinas, SP: Papirus, 2003.