Falar verdade a mentir - Versão escolar

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1 Introdução ao Texto Dramático O texto dramático é o texto que se destina a ser lido e/ou representado . Pode ser escrito em prosa ou em verso e as falas das personagens são introduzidas pelo discurso directo . A Acção é apresentada pelas personagens e situa-se num tempo e num espaço. Além destes elementos, ainda elementos paralinguísticos: as indicações cénicas ou didascálias . O texto dramático, criado pelo dramaturgo , tem como finalidade ser representado, passando, assim, a texto teatral , onde se destaca a fun- ção do encenador , o qual interpreta o texto escrito pelo dramaturgo e encena , ou seja, põe em cena o espectáculo teatral. O Texto dramático é constituído pelo: 1. TEXTO PRINCIPAL composto pelas falas ou réplicas das perso- nagens, que aparecem em discurso directo, a seguir ao nome de quem as diz, podendo apresentar-se sob a forma de: a) diálogo: falas entre duas ou mais persona- gens b) monólogo: uma personagem, falando consigo mesma, expõe perante o público os seus pensamentos e/ou sentimentos c) aparte: comentários de uma personagem que não são ouvidos pelo seu interlocutor. Vasco Pires www.the-e-estudo.blogspot.pt

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Criei uma Versão escola de falar verdade a mentir para o 8º ano que contém não só a peça mas muito conteúdo usado nas aulas de 8ºano. (Nota: criei-o para o meu blog e-esudo mas o blog já não exite portanto façam download por aqui ou por: http://www.2shared.com/document/EgYzbaka/Falar_Verdade_a_Mentir_-_Verso.html

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Introdução ao Texto Dramático

O texto dramático é o texto que se destina a ser lido e/ou representado. Pode ser escrito em prosa ou em verso e as falas das personagens são introduzidas pelo discurso directo. A Acção é apresentada pelas personagens e situa-se num tempo e num espaço.

Além destes elementos, há ainda elementos paralinguísticos: as indicações cénicas ou didascálias.

O texto dramático, criado pelo dramaturgo, tem como finalidade ser

representado, passando, assim, a texto teatral, onde se destaca a fun-

ção do encenador, o qual interpreta o texto escrito pelo dramaturgo e

encena, ou seja, põe em cena o espectáculo teatral. O Texto dramático é

constituído pelo:

1. TEXTO PRINCIPAL – composto pelas falas ou réplicas das perso-

nagens, que aparecem em discurso directo, a seguir ao nome de

quem as diz, podendo apresentar-se sob a forma de:

a) diálogo: falas entre duas ou mais persona-gens

b) monólogo: uma personagem, falando consigo mesma, expõe

perante o público os seus pensamentos e/ou sentimentos

c) aparte: comentários de uma personagem que não são ouvidos pelo seu interlocutor.

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TEXTO SECUNDÁRIO – composto pelas indicações cénicas ou didascá-lias, que se destinam ao leitor, ao encenador das peça e aos atores. São compostas:

a) pela listagem inicial dos personagens

b) pela indicação do nome das personagens no início de cada fala

c) pelas informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em

atos, cenas ou quadros)

d) pelas indicações sobre o cenário e guarda-roupa das per-sonagens

e) pelas indicações sobre a movimentação das personagens em palco,

as atitudes que devem tomar, os gestos que devem fazer ou a entoa-

ção de voz com que devem proferir as palavras.

· O texto dramático apresenta 2 tipos de estrutura:

1. ESTRUTURA EXTERNA:

A) ACTOS: grandes divisões do texto dramático, que correspon-dem a um espaço. Muda o ato, mudando o cenário.

B) CENAS: Quando na entrada ou saída de personagens.

2. ESTRUTURA INTERNA:

EXPOSIÇÃO: apresentação das personagens e dos antecedentes da ação.

CONFLITO: conjunto de peripécias que fazem a ação progredir

DESENACE: desfecho da ação dramática.

PROFISSÕES RELACIONADAS COM O TEATRO

· CARACTERIZADOR – trata da maquilhagem e da caracterização dos actores

· CONTRA-REGRA – avisa os actores dos momentos de entrada e saída do palco

· ENCENADOR – encena (põe em cena) o espectáculo teatral

· ADERECISTA – responsabiliza-se pelos adereços (objectos utilizados duran-te a peça teatral)

· LUMINOTÉCNICO – encarrega-se dos efeitos luminosos do espectáculo teatral

· FIGURINISTA – desenha os figurinos usados pelos actores no espectáculo teatral

· CENÓGRAFO – imagina e realiza o cenário da peça teatral

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· ACTOR – representa o papel que lhe foi atribuído na peça teatral

· DRAMATURGO – escreve o texto dramático a ser levado a cena

· SONOPLASTA – encarrega-se dos efeitos sonoros do espetáculo teatral

· ESPECTADOR – assiste ao espetáculo teatral

· PONTO – lê em voz baixa, durante a realização do espetáculo, para

auxiliar a memória dos atores.

ESPAÇOS E OBJECTOS DO ESPECTÁCULO TEATRAL

· ADEREÇOS – acessórios utilizados no teatro

· BALCÃO – galeria/avançado, à frente dos camarotes e sobre a plateia

· BASTIDORES – espaço do palco que não é visto pelos espectadores

· BILHETEIRA – guiché onde se compram os bilhetes para um espetáculo

· CAMARIM – gabinete onde os actores se vestem e se caracterizam

· CAMAROTES – pequenos compartimentos dispostos em andares onde se assiste ao espectáculo

· CENÁRIO – decoração do espaço de actuação

· COLUNAS – caixas acústicas para difusão de som

· CORDAS – conjunto de fios para erguer o pano

· FOYER – sala de entrada de um teatro

· GUARDA-ROUPA – conjunto de fatos e de adereços de um espectáculo

· PALCO – plataforma onde se apresenta o espectáculo

· PANO – cortina que separa o palco do público

· PLATEIA – espaço destinado aos espectadores, no pavimento inferior de um teatro

· PROJECTORES – aparelhos para enviar à distância e com intensidade a luz de um foco luminoso.

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Almeida Garrett—Vida e Obra

1799 Nasceu, no Porto, a 4 de Fevereiro.

1809 A família refugiou-se na Ilha Terceira, devido às Invasões Francesas.

1814 Iniciou o curso de Direito, em Coimbra.

1820 A 24 de Agosto triunfa a Revolução Liberal, iniciada no Porto, com participação ativa de Garrett.

1821 Representação, em Lisboa, da sua tragédia Catão, construído à manei-

ra clássica.

1823-24 Garrett conhece o seu primeiro exílio em Inglaterra e França.

1825 Publicação, em França, do poema Camões.

1826 Publicação, em França, do poema D. Branca.

Regresso a Portugal.

1828 Novo exílio em Inglaterra.

1832 Integra-se no exército liberal, participa no desembarque do Mindelo.

Escreve a primeira parte de O Arco de Santana.

1834-36 É representante de Portugal, cônsul-geral, em Bruxelas.

1836 Regressa a Portugal e é encarregado, por Passos Manuel, de reorganizar o teatro em Portugal. É criado o Conservatório Real e o Teatro Nacional D. Maria II.

1838 Publicação do drama Um Auto de Gil Vicente.

1841 É demitido de todos os cargos públicos que ocupava, após a subida ao poder de Costa Cabral, que impõe uma ditadura.

1842 Publicação do drama Alfageme de Santarém.

1843 Publicação do drama Frei Luís de Sousa e sua primeira apresentação

em Lisboa. Escreve o romance Viagens na Minha Terra.

1844 Colaboração na fundação da

“Sociedade dramática da thalia”.

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1845 Representação da comédia Falar Verdade a Mentir, na Sociedade da

Tália, em Lisboa. Publicação dos poemas Flores Sem Fruto.

1852 É nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros, após a demissão do

governo de Costa Cabral, em 1851, devido ao movimento da regene-

ração.

1853 Publicação dos poemas Folhas Caídas.

1854 Morre, em Lisboa, aos 55 anos, no dia 9 de Dezembro, na sua casa da antiga Rua Santa Isabel, devido a um cancro de origem hepática, ten-do sido sepultado no Cemitério dos Prazeres.

Iniciador do Romantismo, refundador do teatro português, criador do lirismo moderno, criador da prosa moderna, jornalista, político, legislador, Gar-rett é um exemplo de aliança inseparável entre o homem político e o escritor, o cidadão e o poeta. Nasceu no Porto, no seio de uma família burguesa, que se refugiou na Ilha Terceira, a fim de escapar à segunda invasão francesa. Nos Açores, recebeu uma educação clássica e ilu-minista (Voltaire e Rousseau, que lhe ensinaram o valor da Liberdade), orientada pelo tio, Frei Alexan-dre da Conceição, Bispo de Angra, ele próprio escritor. Quando foi estudar para Coimbra, envol-veu-se com a política e identificou-se com a luta das ideias liberais, que aí se fomentavam.

Em 1822, foi nomeado funcionário do Ministério do Reino, casou com Luísa Midosi e fundou o jornal para senhoras O Toucador.

De 1823 a 1826, continuou a sua actividade jornalística, política e de escri-tor, mesmo estando exilado.

Em 1836, regressou a Lisboa, separou-se de Luísa Midosi e fundou o jornal O Português Constitucional. Nesse mesmo ano, foi incumbido pelo gover-no da organização do Teatro Nacional. É por esta altura que inicia um romance com Adelaide Deville, que morrerá em 1841, deixando-lhe uma filha (episódio que o inspirará em Frei Luís de Sousa). Como romancista, Garrett é considerado o criador da prosa moderna em Portugal. Na poesia, foi dos primeiros a libertar se dos cânones clássicos e a introduzir em Portugal a nova estética romântica.

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ESTATUTOS TÍTULO PRIMEIRO

28 de Setembro de 1840

Da organisação do Conservatorio.

CAPITULO I.

Do objecto do Conservatorio e das suas secções.

ARTIGO 1º O Conservatorio Real de Lisboa tem por objecto restaurar e conservar entre nós a littteratura dramatica e a lingua portugueza, a musica, e a declamação. (…)

[…]

TITULO TERCEIRO

Dos trabalhos litterarios e artisticos, e dos premios.

CAPITULO XI. Dos premios. ARTIGO 36º

O Conservatorio distribui annualmente premios ás composições litterarias, dramaticas e musicáes cujo objecto ou assumpto será annunciado no prin-cípio de cada anno, em programma publicado por edital da Vice-Presidencia.

A OBRA “FALAR VERDADE A MENTIR”

Falar Verdade a Mentir foi um dos muitos textos escritos por Almeida Garrett e representado pela primeira vez em 1845, no teatro Tália, em Lisboa. Trata-se de uma peça que pertence ao género comé-dia e que respeita as exigências do texto dramático no que concerne à “economia de meios” (ver pág. 609, de AGUIAR e SILVA, Vitor, Teoria da Literatura, Coimbra, Almedina, 8ª ed., 1988) as personagens são limitadas ao essencial, o espaço é um só, tempo reduzido a menos de um dia… ( sete personagens:

Duarte, Amália, José Félix, Joaquina, Brás Ferreira, General Lemos e lacaio; espaço: Lisboa – sala de visitas; a acção inicia- se de manhã “Lá por fora ainda mal são nove horas…” e termina à hora do almoço do mesmo dia , “ Um almoço de família…Esperarei.”).

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A obra era uma crítica cómica à sociedade da altura, e ainda hoje conserva o seu humor refinado. Garrett retrata “a vida(…) nos seus momentos de crise e as relações humanas são apreendidas nos seus aspetos de tensão antagónica”. As personagens são confrontadas com uma sucessão de “pequenas” mentiras geradoras de um con-flito que antecede a própria “entrada em cena”.

O objetivo de Almeida Garrett é aquele a que se propôs aquando do exercício das suas funções, em 1836: contribuir para a existência de um repertório nacio-nal, cuja insuficiência e fraca qualidade ele assinalava e escrever “teatro” que correspondesse ao gosto popular, mas igualmente com o fim de “educar” esse gosto.

Texto Dramático—Falar Verdade a Mentir

Pessoas: Brás Ferreira; Amália; Duarte Guedes; General Lemos; Joaquina; José Félix. Um lacaio. Um criado sem libré. Lugar da cena—Lisboa

ACTO ÚNICO Sala de visitas elegante. Porta ao fundo e

laterais. À esquerda, mesa com

escrivaninha, etc.

CENA I

JOAQUINA, JOSÉ FELIX Joaquina – Entre, senhor José Félix, entre. Isto são umas madrugadas!... Para uma pessoa como o senhor José Félix, o criado particular de um fidalgo da corte! Lá por fora ainda mal são nove horas...

José Félix – Nove horas... e fidalgo da corte!... Recolha o seu espírito, senhora D. Joaquina. Meu amo é general, estamos de acordo; nove horas deram há muito. Mas cá em Lisboa contam-se as horas e os fidalgos por outro modo. Lá na província, minha querida Joaquina...

Joaquina – Ai, como tu estás tolo! A província, a província... Ora isto! Saiba que eu venho do Porto, senhor José Félix, que é a segunda capital do reino, e a cidade eterna, como dizem os periódicos. Província será a terra de você, que há-de ser a Lourinhã, ou a aldeia de Paio Pires, ou coisa que o valha. E então?...

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José Félix – Basta, Joaquina, basta; recolhe o teu espírito, que já aqui não está quem falou. Soube ainda agora que tinham chegado ontem à noite no vapor, que estavam aqui nesta hospedaria, que é pegada quase com a nossa casa; e vim logo, minha adorada Joaquina, reclamar o prémio de onze meses de eternas saudades.

Joaquina – E você, vamos a saber, você tem sido constante, fiel?... José

Félix – Horrivelmente fiel! Maldição, Joaquina, maldição!... Joaquina –

Que diz ele?...

José Félix – Se tu vens da!... da província não. Não, Joaquina, tu não vens da província, vens da cidade eterna... Virás. Maldição eterna sobre quem o duvidar! Mas vens, vens donde ainda se não sabe a língua das românticas pai-xões, dos sentimentos copiados do nu da natureza como nós cá a temos na Rua dos Condes, e nos folhetins das folhas públicas, que são o órgão da opinião incomensurável dos séculos.

Joaquina – Se te eu entendo... José Félix – Ah! tu não entendes? Bem, Joaquina, bem. Nem eu: nem ninguém. Por isso mesmo, Joaquina. A moda é esta. Deixa: em tu estando aqui oito dias, ficarás mais perfeita do que eu; porque a tua alma de mulher é feita para compreender o meu coração de homem. E então, vês tu? Oh Joaquina, anjo, mulher, sopro, silfo, demónio! eu amo-te! amo-te, porque...

Joaquina – Cruzes!

José Félix – Não me interrompas, não me interrompas, deixa ir. Silfo, anjo, sopro, mulher! amo-te porque o meu coração está em brasa, e tenho umas veias, e estas veias... têm umas artérias... e estas artérias têm... não têm... as artérias não têm nada; mas batem, batem como os sinos que dobram pelo fina-do na hora do passamento, que é morrer, morrer, morrer... oh Joaquina, mor-rer! E que é a morte? É a vida que cai nos abismos estrepitosos da eterni-dade, que é, que é...

Joaquina – Isso é comédia, ou tu estás a mangar comigo?

José Félix – Isto é o drama das paixões, que o sentimento, a verdade... Joaquina

– Pois olha: tinha uma coisa muito séria que te dizer mas como tu estás doido, adeus!

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José Félix – A poesia da vida é esta, Joaquina. Mas... mas passemos à vil pro-sa dos interesses materiais do país, se é preciso. Vá. Far-te-ei mais esse sacrifí-cio. Que exiges tu de mim?

Joaquina – Que deixes essas patetices agora e oiças. Meu amo, o senhor Brás Ferreira, que é um ricaço como tu sabes, um daqueles negociantes do Porto que têm dinheiro como milho, vem de propósito a Lisboa para casar a menina. É uma filha única, e morre por mim, coitada! É um anjo! Prometeu-me que no dia que se assinassem as escrituras tinha eu o meu dote.

José Félix – Dote! Céus! um dote... Oh Joaquina, pois tu tens um dote?... Não quero saber de quanto. Quem eu! Maldição sobre mim!

Joaquina – Cem moedas.

José Félix – Oh! seja o que for, que me importa? O amor, o amor verdadeiro não conta os pintos do objecto amado... Não... E é em dinheiro de contado, sonante, Joaquina?

Joaquina – Sim senhor.

José Félix – Melhor: porque bem vês, com a minha educação, um rapaz que emigrei, estive em Paris, e hoje sou criado particular de um general... habilitado para ser mordomo de um clube dos de primeira ordem – a Galocha já eu recusei – bem vês, não podia formar uma aliança que me não desse os meios de sustentar a posição social em que me acho colocado. Mas tu tens dote; acabou-se. Recolho o meu espírito c estendo a minha mão.

Joaquina – Ai, José Félix! mas o casamento de minha ama ainda não está fei-to.

José Félix – Pois que há... que impedimentos?

Joaquina – Não sei... quando vínhamos no vapor, pareceu-me, vi que havia transtorno. O pai e a filha tiveram suas coisas a esse respeito. E a menina anda triste, desassossegada. Estou certa que há impedimento grande, há obstáculos...

José Félix – Obstáculos! Não há, não os pude haver. A minha paixão, a nossa felicidade, cem moedas sonantes, mil pintos c'os diabos! absolutamente não pode deixar de ser, há-de-se fazer este casamento, Joaquina... A honra, a deli-cadeza, tudo lhe ordena, senhora Joaquina, que vá já desenganar o papá. E se é preciso que eu tome parte na questão...

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Joaquina – O caso era saber a gente o que é, e onde a coisa pega... Mas espere; olha, aí vem a senhora D. Amália: deixa-te tu estar e... Mas não vás tu fazer fal-ta em casa a teu amo.

José Félix – Meu amo! Toma. Tu estás muito atrasada, Joaquina. Meu amo é um cavalheiro, um general, uma pessoa da primeira sociedade, portanto costuma-do a fazer esperar os outros, e a esperar ele pelos seus criados, que é a regra. Além disso, eu tenho licença por todo o dia, que houve lá uma coisa em casa... A senhora chorou, o senhor ralhou. Eu te contarei noutra ocasião, que hás-de rir. O caso é que hoje tenho o dia por meu. Ela aí vem, a tua ama. Vem triste, coitada! Firme, Joaquina! Olha que a coisa é séria para ti, um dote e um marido!

CENA II

Ditos e AMÁLIA Amália – Joaquina! Joaquina! ando à tua procura. O senhor Duarte ainda não veio?

Joaquina – Não, minha senhora.

Amália – Que homem é esse com quem tu estavas a falar? José

Félix – Anda, apresenta-me como gente.

Joaquina – Minha senhora, é aquele rapaz de quem lhe eu dizia no Porto... Amália – Ah! já sei: o senhor José Félix. Tens bom gosto, Joaquina. O pior é que vocês não têm de casar senão quando o meu casamento se fizer, tenho muito medo que ainda esperem bem tempo.

Resumo—Cena I

José Félix encontra-­­

se com Joaquina, que lhe diz que a sua patroa, D. Amália lhe prometeu um dote assim que se casasse. No entanto apercebeu-­­

se que o casamento está dependente de algo, de uma condição que ir à descobrir.

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Joaquina – Então porquê, minha senhora? Amália – Ora! estou desesperada, transtornou-se tudo: meu pai quer quebrar com ele.

Joaquina – Com o senhor Duarte? Amália – Sim: pois

com quem?

José Félix, aparte – Meu Deus! e as nossas cem moedas? Joaquina – Não é possível: a mesma família, a mesma riqueza, um casamento tão igual, tão acertado... Seu pai não se há-de atrever.

Amália – Nada, não! Veio a Lisboa – agora é que o eu sei bem – só para achar pretexto de o desmanchar.

Joaquina – Pois não o há-de achar. O senhor Duarte é um rapaz como há pou-cos. Juízo não lhe falta: suas doidices... não é, é pancada da mocidade. Isso passa depressa. Bom coração... não o há melhor. Quer a senhora saber? O mal que ele faz é por moda... todos assim são... e o bem que ele faz, que é muito, esse, minha senhora, não é moda que pegue.

Amália – Pois sim; mas já que falamos nos seus defeitos, sempre te digo que ele que tem um, que se meu pai o vem a descobrir... Tenho-lho encoberto até ago-ra, mas se ele o chega a conhecer, acabou-se, nunca mais lhe perdoa. Meu pai é um negociante dos antigos, que leva a honra e probidade, a lisura e a verdade no trato, a um ponto de severidade que é quase rudeza... e Duarte é muito bom rapaz, não há dúvida; mas não sei se é distracção se é doidice, tomou o costume de nunca dizer uma palavra que seja verdade.

José Félix – Percebo: tem viajado muito...

Joaquina – Não, mas é morgado, e de raça quase castelhana... José Félix

– Entendo, entendo: echelas usted más blandas. Joaquina – E de mais a

mais, há seis meses que está em Lisboa... José Félix – Onde todos os

talentos se aperfeiçoam.

Amália – Enfim, meu pai declarou que à primeira mentira bem clara, bem pro-vada em que o apanhasse, tudo estava acabado.

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José Félix – Ora adeus! O senhor seu pai com efeito... ele ainda é parente, bem se vê, há-de ter sua costela espanhola... O seu projecto é outra espanhola-da também... Querer impedir que um rapaz do tom, da moda pregue a sua peta!... isso é mais do que formar castelos em Espanha, é querer meter o Rossio pela Betesga.

Amália – Meu pai é que o não entende assim: e eu não sei como hei-de avisar a Duarte.

Joaquina – Vou eu pôr-me à espera dele. Não tarda a vir por aí; e antes que entre e que fale com seu pai, hei-de avisá-lo que tome conta em si, e que não dê notícias senão as que forem oficiais... a ser possível.

Amália – Cala-te: oiço falar no quarto de meu pai; é a voz de Duarte. Joa-

quina – É que entrou pela outra escada.

Amália – Está tudo perdido! Se ele falou com meu pai... aposto que já... Nunca vi: é que não pode, mente por hábito e sem saber o que faz.

Joaquina – Então agora o que se podia... o que era de mestre, era fazer que o senhor Brás Ferreira o não conhecesse. Por fim de contas, a nós que nos impor-ta que ele minta, contanto que seu pai o não perceba?

José Félix – Ela tem razão, a Joaquina. E é mais fácil isso. Se a senhora D. Amália se confia em mim, e me autoriza...

Amália – Oh meu Deus! Se vocês encobrem aquele defeito a meu pai, fico-lhes numa obrigação... Depois em nós casando, eu o emendarei. Que se não fosse isso...

José Félix – Está claro, minha senhora. Mas agora é preciso que o senhor Duarte me não veja. E u é que se pudesse ouvi-lo, e fazer assim ideia do seu modo...

Joaquina, apontando para uma alcova, à direita – Ora!... aquela alcova... e tem uma porta que dá direita na escada... Eles aí vêm: entra depressa, esconde-te.

Resumo—Cena II

Amlia diz a Joaquina que o seu casamento está em risco, pois o seu pai, Brás Ferreira ameaçou que não o permitiria se apanhasse Duarte,

mentiroso compulsivo, numa mentira. José Félix interessado no dote de Joaquina, oferece-­­se a ajuda-­­la.

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CENA III

JOAQUINA, AMÁLIA, BRÁS FERREIRA, DUARTE Brás Ferreira – Agora essa é demais!... Cem mil cruzados de renda!

Duarte – Pois é tal e qual como lho digo... uma senhora brasileira – marquesa, que é o menos que lá há; a marquesa de Paraguaçu. Engenhos de açúcar a moer, trezentos e seis; pretos... entre pretos, mulatos, cabras e cabritos, é uma conta que mete medo; sem falar em cajus, bananas, farinha-de-pau, papagaios e periquitos, que isso anda a rodo pela casa – pois a mesma em pessoa é que me pediu, a mim.

Brás Ferreira – Uma marquesa deveras!

Duarte – Marquesa deveras. E eu recusei: escuso de dizer porquê... (olhando para Amália.)

Brás Ferreira – E que caminho levou essa fidalga? Tomara vê-la.

Duarte – Vê-la, coitada! Apenas lhe dei o fatal desengano, saiu daqui no primei-ro navio para Pernambuco, de Pernambuco à Baía, da Baía para Niterói, de Niterói – que desgraça! – passava para o Rio de Janeiro naquele vapor que arre-bentou... morreu escaldada a pobre da marquesa.

Brás Ferreira – Que pena! Joaquina, aparte – Que

fortuna

Brás Ferreira – Se ela vivesse, queria saber...

Joaquina, aparte -Por isso Deus a levou: ainda bem!

Brás Ferreira – Sempre lhe acontecem coisas a este rapaz!

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Duarte – Ainda isto não é nada. – Mas deixa-me falar com esta querida Amália. Que gosto que eu tenho de a tornar a ver! Mas chegou ontem, e não me manda dizer nada! Se eu tal soubesse, não tinha ido a S. Carlos, onde me suce-deu, contudo, uma aventura, à saída do teatro... Queriam roubar esta prima-dona que chegou há pouco... roubá-la... levá-la a ela numa sege... Acudo eu, duas bengaladas no boleeiro, deito a mão ao cavalo das varas, o da boleia espanta-se, quebra os tirantes, foge... os meliantes fogem também e... Mas que é isso, que tem? Que tristeza é essa? Então não sabe que seu pai con-sente enfim em nos unir hoje? hoje mesmo!...

Amália – É possível!

Duarte – Sim, deu-me a sua palavra que esta noite, depois de jantar, se assina-vam as escrituras; mas com uma condição somente que me não quis dizer qual era. Disse-lha, não disse?

Amália – Disse, Duarte, disse; e bem medo tenho que já não esteja no seu poder cumpri-la.

Brás Ferreira – Pelo menos há-de-lhe custar, me parece. Mas quero ser justo, e não hei-de condenar sem provas. Por desgraça estou bem persuadido que te não hás-de ver aflito por me dares quantas eu queira daqui até à noite.

Duarte – O que a mim me parece é que no Porto deram em falar por enigmas, porque eu não entendo nada. Mas seja o que for: o que eu entendo bem é o amor que lhe tenho, Amália, a afeição tão verdadeira que me inspirou, e que me persuado merecer-lhe também. Estou tão contente de a ver... Separados há seis meses!

Brás Ferreira – Queira Deus que tu tenhas aproveitado este tempo, que adqui-risses amigos, boas relações, protectores. Nas tuas cartas nunca me falavas no general Lemos, o melhor amigo de teu pai. Dar-se-á caso que o não fosses visi-tar ou que deixasses de frequentar uma casa que?... Duarte – Ao contrário, vou lá todos os dias. É a casa mais agradável de Lisboa: uma senhora extremamente amável... O outro dia compus eu uma modinha para ela... uma letra que não ficou feia... hoje tinha ficado de lhe ir levar a música.J

Joaquina, a Amália – Jesus! que medo que eu tenho! José Félix, que está em casa do general, tinha-mo dito decerto, se fosse verdade.

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Duarte – O meu general, coitado! o meu santo general Lemos tem-me obse-quiado e tem-me feito serviços... interessou-se por mim de uma maneira... O caso é que hoje tenho eu à minha disposição, para escolher, três lugares de pri-meira ordem, recebedor-geral em Évora, Santarém...

Brás Ferreira – Escolho eu: Santarém. E vamos já, já daqui sem demora a casa do general.

Duarte – Ora! ainda agora chegou, se pode dizer, e há-de ir já tratar de negó-cios! Não senhor, cuidemos dos divertimentos primeiro. Quero eu fazer as hon-ras da capital a esta senhora. Há hoje benefício em S. Carlos, toca o Liszt: man-dei-lhe tomar uma frisa. Depois vamos ao baile do clube: temos quantos bilhe-tes quiserem; eu sou director.

Brás Ferreira – Tu és director, tu!

Duarte – É verdade: eleito por duzentos votos.

Brás Ferreira – Duzentos votos! pois quantos sócios tem o clube?

Duarte – Duzentos e um. Não perdi senão um voto; e mais foi cá por certa coisa que eu sei. – É verdade, e como se arranjam neste hotel? É o melhor de Lisboa. Os quartos não são grandes, não... Mas eu moro nos outros de cima, e então... foi egoísmo da minha parte...

Brás Ferreira – A falar a verdade, eu gostava mais do Cais do Sodré.

Duarte – Ora se eu tal soubesse, mandava arranjar um quarto da minha casa que é mesmo no fim da Rua do Alecrim. Amália – A sua casa!

Brás Ferreira – Pois tu tens uma casa em Lisboa?

Duarte – E que me não custou cara. Assinei por trezentos contos na Companhia-monstro, vendi, ganhei dez por cento sem desembolsar cinco réis... bagatela! trinta contos de réis: não sabia o que lhe havia de fazer, comprei aquela casa.

Brás Ferreira – Com a breca! é fortuna.

Duarte – Uma casa linda, nova; saída por três ruas – e tenho quase tudo aluga-do: – tudo, ainda assim! menos o segundo andar que é o melhor, e para onde podiam ir se eu soubesse. Mas enfim, sempre era um segundo andar.

Brás Ferreira – Que me importa! Os segundos andares em Lisboa é o mais habi-tável das casas. Vou para lá morar eu para a tal casa.

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Duarte – Que pena que eu tenho! Se tal adivinhasse, não a tinha vendido ontem.

Brás Ferreira – Pois já a vendeste?

Duarte – É verdade, trinta e três contos: e ainda ganhei... uma bagatela é certo, mas sempre é melhor que perder. E havia seus consertos, suas despesas que fazer.

Brás Ferreira – Consertos numa casa nova?

Duarte – Eu lhe digo: é que as águas-furtadas tinham sido feitas de empreitada, e bem sabe... Enfim vendi e não fiz mal. Trinta e três contos é mais certo, e não paga impostos e tal...

Brás Ferreira – E o comprador é pessoa segura?

Duarte – Oh! seguríssima. Um homem de uma fortuna imensa, um negociante retirado, Tomás José Marques... há-de conhecer...

Brás Ferreira – Não conheço: admira-me.

Duarte – Tem estado quase sempre no Brasil e cm Inglaterra, veio-se estabele-cer aqui agora. Compra tudo quanto aparece em bens de raiz. Esta manhã ficou ele de me trazer aqui o dinheiro. Não me dá cuidado nenhum.

Joaquina, aparte – Nem a mim.

Amália, baixo a Joaquina – Ai, Joaquina, que esta parece-me que é... Joa-

quina, baixo a Amália – Também a mim.

Resumo—Cena III

Duarte convence Brás ferreira e vai contando várias mentiras desde: • Uma marquesa que queria casar com ele; • Que a marquesa explodiu? ; • Passando pela posse de cargo de diretor do Teatro S. Carlos; • Que era amicíssimo do General Lemos; • Em relação à propriedade de uma casa em Lisboa; • Até ao nome do novo dono dessa casa.

Brás Ferreira quer apanhá-­­lo, mas Duarte consegue enganá-­lo, contando cada vez mais mentiras. Amália começa a ficar preocupada.

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CENA IV

Ditos e um criado da hospedaria Criado, trazendo uma carta. – Para o senhor Brás Ferreira, do Porto.

Brás Ferreira – Sou eu: dá cá. (abre) Ah! é para o tal pagamento. (O criado sai.) Vejamos as minhas contas: quanto tenho eu em dinheiro?... Dá-me licença, Duarte; tenho uns papéis que arranjar. Conversa com minha filha. (Tira a sua carteira, e vai sentar-se à esquerda.)

Amália, baixo a Duarte – Não se emenda, está visto. Duarte –

De a adorar? não decerto.

Amália – Não é disso, é do seu maldito vício que nos deita a perder: meu pai jurou que desfazia o nosso casamento se daqui até à noite o apanhasse numa mentira.

Duarte – Oh meu Deus, o que fiz eu!

Amália – Pois que é, Duarte? Tudo quanto tem estado a dizer?...

Duarte – É verdade no fundo; acredite: agora os detalhes... os pormenores... eu não sei como isto é... não é com má tenção... mas a maior parte das vezes, as coisas contadas tais quais como elas são... ficam duma sensaboria tal...

Amália, com ironia – Que não pode resistir ao desejo de as enfeitar, e de mostrar a riqueza da sua imaginação.

Duarte – Não torno mais. Juro-lhe que nunca mais.

Amália – Cale-se, que pode ouvir meu pai.

Duarte – Não me importa, não tenho medo: estou emendado e para sempre. Amália, prometo, hei-de ser o modelo dos maridos, leal, sincero, verdadeiro, sempre...

Amália – Sempre! Se meu pai ouvisse essa palavra, desfazia logo o nosso casamento.

Duarte – Amália, isso também é de mais!...

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ALMEIDA GARRETT E O TEATRO O início do século XIX é um período politicamente conturbado, dado a existên-cia das crises sucessivas, em1836 dá-se uma revolução que leva ao poder Pas-sos Manuel. Por portaria publicada no Diário do Governo de 29 de Setembro desse ano, aquele Ministro do Reino encarregou Almeida Garrett de elaborar um plano para a reorganização do teatro em Portugal.

Manda Sua Magestade a RAINHA, que João Baptista da Silva Lei-tão d’Almeida Garrett, proponha sem perda de tempo por esta Secretaria de Estado, um Plano para a fundação e organisação de um Theatro Nacional nesta Capital, o qual sendo uma Escola de bom gosto, contribua para a civilisação, e aperfeiçoamento moral da Nação Portugueza, e satisfaça aos outros fins de tão uteis Estabelecimentos, informando ao mesmo tempo ácerca das providencias necessarias para levar a effeito os melhoramentos possiveis dos Theatros existentes. E espera Sua Magestade que o dito João Baptista da Silva Leitão d’Almeida Garrett no desempe-nho desta Commissão, se havera com zelo e intelligencia que são proprios do seu patriotismo e reconhecidos talentos. Palacio das Necessidades, 28 de Setembro de 1836 = Manoel da Silva Passos.

Nesse âmbito, desenvolveu uma ação notável, dirigiu a Inspeção Geral dos Tea-tros e o Conservatório de Arte Dramática, intervindo no projeto do futuro Tea-tro Nacional D. Maria II. Garrett tinha como objetivo criar “o Drama Português e educar uma nova gera-ção para dedicar-se ao estudo e perfeição da cena, organizando à maneira de França e Inglaterra um Conservatório de Arte Dramática; tornar os teatros dig-nos de respeito e serem recebidos como escola, sendo urgente o estabeleci-mento de uma Inspeção Geral dos Teatros; e levantar um edifício digno das tra-dições do Teatro Nacional, a par da ideia de instituição social que se lhe ligava na Europa.” Isto porque os atores eram de qualidade artística duvidosa, os textos correspon-diam a más traduções, as instalações dividiam-se entre os barracões do Bairro Alto e do Beco da Comédia e as salas do Teatro do Salitre e da Rua dos Condes eram miseráveis. Assim, o Conservatório de Arte Dramática entre outros aspetos tinha como objetivo formar atores e a Inspeção Geral dos Teatros animar o tea-tro, finalidades criadas por decreto no ano de 1836.

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Brás Ferreira, chegando com um papel – Não tenho dinheiro que chegue. E eu sem me lembrar! Duarte, hás-de-me fazer um favor.

Duarte – Qual? Estou pronto.

Brás Ferreira – Uma letra de três contos de réis para descontar. Duarte

– Em bem má ocasião, co'a fortuna! não tenho um pinto. Brás Ferreira

– Não tens!... e aquele dinheiro?

Duarte – Qual dinheiro? Brás Ferreira – O da tua casa.

Duarte – Da minha casa?... Ah sim, é verdade. É que actualmente...

Brás Ferreira – Já dispuseste dele?

Duarte – Não, não, isto é, de certo modo já; mas propriamente...

Amália, baixo a Duarte – Vê o que é mentir.

Duarte – Em suma, porque lhe não hei-de dizer francamente o que

é, meu tio?... Eu tinha minhas dívidas...

Amália – Outra, Duarte? Duarte – Não, esta não; é verdade puríssima. Um rapaz não pode viver sem isso. Ora sucedeu, por uma coincidência esquisita, que o comprador da minha casa, o tal senhor José Marques...

Brás Ferreira – Ainda agora disseste Tomás...

Duarte – Tomás José Marques, um lino agiota de gema...

Brás Ferreira – Tinhas-me dito um negociante...

Duarte – Negociante, porque negoceia em papéis e descontos por atacado, e faz usura em grosso. Enfim, o meu honradíssimo homem, que já é comendador e sai conselheiro um dia destes, era o que me tinha emprestado o dinheiro. De sorte que na compra da casa, feitas bem as contas...

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Brás Ferreira – E tu devias ao comprador?

Duarte – Uns dez a doze contos de réis.

Brás Ferreira – Então vendeste por trinta e três; tem de te dar ainda de tornas vinte e um contos.

Duarte, atrapalhado – Vinte contos de réis... É o que lhe eu dizia... (aparte) Como hei-de eu sair desta?

Brás Ferreira, olhando para ele – Dar-se-á caso que tu me pregasses uma das tuas?... que tal comprador não exista?...

CENA V

Ditos, JOSÉ FÉLIX, disfarçado em negociante velho, JOAQUINA Joaquina – O senhor Tomás José Marques.

Duarte, pasmado – O senhor!...

Brás Ferreira, idem – Como?

José Félix, a Duarte – Peço-lhe desculpa, meu caro senhor Duarte, de o

perseguir assim pelas casas alheias; mas a obrigação, como lá dizem, está

primeiro que a devoção. E aqui, parece-me que todos parentes os senhores,

não quer dizer nada... O senhor seu pai, creio eu?... E estas senhoras,

suas manas? Tenho a honra de as cumprimentar. Custa-me vir importuná-lo... mas são duas palavras, e já me retiro.

Duarte, aparte – Que história será esta? Amália – Estes senhores querem tratar dos seus negócios... Meu pai dá licença, eu retiro-me.

Resumo—Cena IV

Amlia avisa Duarte da condição do casamento entre os dois, e ele

promete-lhe não voltar a mentir. Contudo não consegue, pois Brás Ferreira confronta-o com o valor da venda da casa e ele inventa que já tinha usado o dinheiro para pagar uma dívida.

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Duarte – Para quê?... Eu por mim, não tenho segredos nenhuns... José Félix – A falar a verdade, para uma senhora não é divertido ouvir tratar de títulos, registos, termos de posse, escrituras... ainda se fossem de casamento – vá, tem a gente paciência, recolhe o seu espírito, e...

Brás Ferreira – Vai, minha filha, vai: nós não tardamos também.

CENA VI

Ditos, menos AMÁLIA José Félix – Então, meu caro senhor! eu venho acabar com isto: fazemos ou não fazemos o negócio da sua casa?

Duarte, admirado – Da minha casa?

José Félix – Da sua casa... ainda assim! da que vossa senhoria vendeu e eu com-prei: não se trata senão de entrar de posse... É verdade: que cabeça a minha! Muitos recados da senhora D. Jacinta Marques, minha mulher, uma criado de vossa senhoria. Já me ia esquecendo. É que eu, em se tratando de negócios, a respeito de tudo o mais recolho o meu espírito.

Duarte – Ah! então o senhor vem... (a Brás) A mim sempre me sucedem coisas! Esta é a mais extraordinária...

Brás Ferreira – Que lhe achas tu extraordinário? Vendeste a casa...

Duarte – Está claro... pois isso não é o que me admira. Mas se o tio soubesse!...

José Félix – O contrato não está assinado, mas é como se o fosse. Oh! bem entendido: décima e impostos anexos, por este ano ainda lhe pertence a vossa senhoria pagá-los.

Resumo—Cena V

José Félix, disfarçado de Tomás José Marques

(suposto dono da casa), surpreende todos com a sua presença.

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Duarte – Esta agora é melhor! Não me faltava mais nada. Com que eu hei-de pagar?... eu! a décima da tal dita casa que... que vendi ao senhor... senhor...

José Félix – Tomás José Marques, um criado de vossa senhoria. – Pois, meu senhor, é como se tudo tivesse assinaturas e sinais em público e raso. Eu sou homem de dizer e fazer. E o dinheiro está pronto; quando quiser...

Duarte, aparte – É uma pulha de entrudo; está visto. Mas deixa, que eu já te apanho. (alto) Então como o dinheiro está pronto, meu caro senhor Tomás José Marques, o dito dito, faz favor de mo entregar...

José Félix – Essa é boa! certamente. (Procurando nas algibeiras, donde, por fim, tira a caixa do tabaco.) Assinado o contrato, e certidão tirada do registo das hipotecas...

Brás Ferreira – Tem razão.

José Félix – Além disso, o senhor Duarte bem sabe, aquelas continhas velhas... não lhe venho a restar senão...

Duarte, aparte – Não sei como se pode mentir com aquele desembaraço...

José Félix – E já está em poder do tabelião o saldo...

Duarte – Pois é pena! tinha vontade de ver as cruzes ao seu dinheiro, senhor Marques... E por causa deste senhor meu sogro, mais por outras razões particulares... se me pudesse dar aqui já algum ao menos... (aparte) tinha mais graça a mangação.

José Félix – Faço ideia: na sua posição, há-de-lhe ser preciso realizar... ainda que não seja senão para as suas fianças.

Duarte – As minhas fianças! José Félix – Então! a recebedoria-geral de Santarém.

Brás Ferreira – O quê? pois ele será verdade?... O que tu me disseste ainda ago-ra dum emprego?...

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José Félix – O decreto está assinado: não há ninguém que o não saiba... O gene-ral Lemos tem uma influência com os ministros... Ainda esta manhã estive com ele. É um belo sujeito o general... e olhe que é seu amigo, senhor Duarte, seu amigo deveras. E então a senhora D. Matilde, a mulher do general? não fale-mos nisso. É verdade: tenho que ralhar com vossa senhoria da sua parte. Isso não é bonito; prometeu. deve Cumprir. Aquela música, não se lembra? para aquela modinha, que lhe fez a letra – e que há-de ser linda... mas não há músi-ca onde caiba.

Duarte, aparte – Irra! isto já é descoco demais... é já muita caçoada junta. (alto) Oh lá, senhor... sabe que mais?...

José Félix – Aos pés de vossa senhoria. senhor recebedor-geral. – Um lugar magnífico! verdadeiramente dos rendosos e pouco trabalhosos! – Com um poucachinho de jeito e de savoir-faire – quaisquer boas relações no tesouro, um amigo seguro nas companhias-monstros... pode-se andar muito caminho em pouco tempo. Hão-de gritar – é o costume – hão-de gritar: o recebedor- geral para aqui, o recebedor-geral para acolá!... Deixá-los gritar: ri-se a gente, e vai arranjando a sua vida. A minha regra, a minha regra, que é: em ouvindo tolices, recolho o meu espírito. E com isto não enfado mais. Criado e fiel cativo... (Vai-se.)

CENA VII

DUARTE, BRÁS FERREIRA, JOAQUINA Duarte – Com efeito sempre é o maior falador!

Brás Ferreira – Tenho que te pedir perdão, meu Duarte: confesso-te que tinha desconfiado, estava em dúvida... Duarte – O quê! pois meu tio?...

Brás Ferreira – Mas acabou-se, com isto acabou-se. Vamos já imediatamente a casa do general, e apresenta-me como teu sogro: quero-lhe agradecer.

Joaquina, aparte – Está perdido!

Resumo—Cena VI José Félix, fazendo-­­

se passar por Tomás José Marques confirma todas as mentiras de Duarte transformando-as em verdades), o que deixa Duarte muito surpreendi-

do e, simultaneamente, desconfiado.

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Duarte, atrapalhado – Hoje é... domingo... hoje está ele da outra banda na sua quinta da Lameda. É um sítio delicioso a Lameda, à borda do Tejo, uma vista, uns ares... Vamos lá, uma, duas vezes na semana: Sempre lhe digo, senhor Brás, que há ali um bilhar em que eu tenho feito as bolas mais espantosas... O outro dia carambolei... eu lhe digo como: a negra estava...

Brás Ferreira – Sim, sim; mas não é hoje que o general há-de jogar no tal bilhar, porque ainda agora este Tomás José Marques me disse que tinha estado com ele esta manhã. Assim, como eu não estou para ir só, vamos.

Duarte – Amanhã, cada vez que quiser; mas hoje é-me impossível. Brás

Ferreira – Então porquê?

Duarte – Tenho uns amigos à minha espera esta manhã – um pequeno-almoço de rapazes... mas contamos com o meu caro sogro.

Brás Ferreira – Eu não posso: prometi de ir almoçar com o barão da Granja.

Duarte – Ai está! E eu que tinha mandado fazer um almoço magnífico, um

verdadeiro ambigu. Champanhe, já se sabe. Um cerceal da Madeira que bate quantos hocs e johannisbergs tem o Reno; – torta de camarões e ostras, e dois faisões que me chegaram ontem de Inglaterra pelo vapor, coisa preciosa! (Joaquina parece tomar sentido na lista dos pratos.)

Brás Ferreira – Ora vá – pois seja... Mas ainda não são senão dez horas: o teu almoço há-de ser como o meu, para o meio-dia: e daqui lá, temos tempo de sobejo para ir a casa do general. Assim, anda, vem... Então que é isso?

Duarte, aparte – Está teimoso com a tal visita.

Joaquina, aparte – O pobre rapaz não sabe com que santo se há-de pegar.

Brás Ferreira – Então! que tens tu? Que pasmaceira é essa? Não podes sair de casa por meia hora?

Duarte – Pois enfim, meu tio, já que não há outro remédio, vou-lhe dizer... já que lhe não posso ocultar o que eu tanto desejava... saiba que não posso sair de casa esta manhã nem um minuto. (baixo) Tenho um desafio, e estou à espe-ra do meu adversário.

Brás Ferreira – Oh meu Deus!

Joaquina – Bem no dizia eu: aqui temos outra.

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Brás Ferreira – E então aquele almoço que tu me dizias ainda agora? Duarte – Lá está... lá está o almoço, posto lá, à espera... Um dos rapazes que aí vem almoçar é que me há-de servir de padrinho.

Brás Ferreira – Isso! outra cabeça doida como a tua: haviam de fazê-la bonita... Não senhor, toca-me a mim: eu é que hei-de arranjar esse negócio.

Duarte – Ora, não se meta nisto, deixe cá a gente. Pode comprometê-lo... nós somos rapazes, é outra coisa.

Brás Ferreira – Nada, nada! quero saber como isso é, como isso foi, senão adeus casamento.

Duarte, aparte – Que diacho de homem! (alto) E o seu almoço em casa do barão da Granja?...

Brás Ferreira – Importa-me cá almoço nem meio almoço! que espere o almoço. Trata-se da tua vida, da tua honra... Tu, filho do meu maior amigo, e agora meu filho, que és quase como se o fosses já! Vamos, fala, conta-me lá como isso foi, quero saber tudo por miúdo.

Duarte, aparte – É um homem capaz, por fim de contas, o meu sogro. (alto) Ora pois oiça, senhor Brás, e não tome estas coisas em ponto de admiração... é um caso como há tantos, um mal-entendu, uma brincadeira por fim.

Brás Ferreira – Não está má brincadeira! pôr em perigo a sua vida, a de um amigo! Assim é que vocês o entendem...

Duarte – Primeiro que tudo, é um inglês.

Brás Ferreira – É o mesmo... E para que hás-de ir tu logo às do cabo, logo com as mãos à cara?...

Duarte – Eu não lhe toquei. Brás Ferreira – Ou com palavras?... Duarte – Eu lhe digo como a coisa se passou. Fui ontem jantar fora, a Benfica... uma casa linda à beira da estrada... O dia estava belo, um dia de Verão. Depois de jantar viemos tomar café para um terraço delicioso que fica mesmo rente com a casa... É uma espécie de quiosque... uma lindeza! faça ideia... e pouco elevado do chão. A casa fez-se este ano, ainda lhe não puseram grades no terraço... repare bem nesta circunstância... note...

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Brás Ferreira – Noto, noto, e faz-me estremecer. Querem ver que sucedeu algu-ma?

Duarte – Oiça. A dona da casa, senhora extremamente amável... e moça ain-da... uns olhos pretos!... a dona da casa pergunta-me se quero mais açú-car... Eu tinha a xícara na mão, o café soberbo e a ferver... Eu entretido a olhar para a senhora e a dizer-lhe algumas coisas agradáveis... o tio bem sabe... não reparei na xícara que estava muito cheia a deitar por fora... e eu de sapa-tos... Sinto escaldar-se-me um pé de repente, dou um pulo à retaguarda, empurro um sujeito que estava por trás de mim... para a borda do terraço... e com a fortuna...

Brás Ferreira e Joaquina – E Jesus!

Duarte – Perigo nenhum!... cinco ou seis palmos de altura... Mas a desgraça foi que justamente nesse momento passava um oficial inglês da nau... viria de Sin-tra ou das Laranjeiras, mas vinha a pé... para um inglês é indiferente; e o meu sujeito cai-lhe mesmo em cima dos ombros.

Joaquina, rindo – Ah ah ah! Já não posso mais. Brás Ferreira

– Ó Joaquina, pois tu ris-te?...

Joaquina, contendo o riso – Oh! senhor, é que eu já não posso... não me pude conter.

Duarte – O mesmo sucedeu a toda a companhia. O inglês desesperado embirra comigo, teima que eu o fiz de propósito, que lhe atirei com o homem... Eu procuro acomodar a coisa; ofereço-lhe a desforra, dando-lhe até um primeiro andar de partido, isto é, que o atirem a ele do segundo sobre mim... Recusa tudo... não houve remédio senão dar-lhe a minha adresse; ele dá-me a sua... E lord Coockimbroock aí vem logo buscar-me com um par de pistolas.

Brás Ferreira, abanando a cabeça – Confesso-te que a tal história sempre me parece bem extraordinária... Mas não importa, eu não te largo, e quero ser teu padrinho.

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Duarte, aparte – É cabeçudo ou não é? (alto) Mas, senhor Brás, eu faço escrú-pulo de lhe pregar uma maçada... E se ele não vier?... Não era a primeira que sucedia. Há por aí sujeitinho que, ã mais pequena coisa, tem logo na boca:

'A sua adresse?' Cuidam que é para a gente lhe não escapar? Não senhor, é para se escaparem eles.

Brás Ferreira – Pois bem, se ele não vier, iremos nós ter com ele.

CENA VIII

Ditos, JOSÉ FÉLIX de inglês, um criado

Criado – Milord Coockimbroock!

Brás Ferreira, espantado – O quê?... pois deveras?...

Duarte, admirado – Temos outra! Esta agora ainda é melhor. Joaquina,

aparte – Bravo!... vou dizer a minha ama, e adverti-la...

CENA IX

JOSÉ FÉLIX, DUARTE, BRÁS FERREIRA

José Félix – Sinhórr, eu vem tómarr vóssinhórrie pôr o pequena diverrtissemente de... to exchange, querr dizerr, trrócar dois tirras de pístol entrre nós ambas amiguevolmente.

Duarte, aparte – À pistola, c'os diachos!

Brás Ferreira – Pois quê, milord! o caso de ontem?...

Resumo—Cena VII

Em mais uma das suas mentiras, Duarte inventa um duelo com um Inglês, de forma a livrar-­­se de ir com Brás Ferreira até o General Lemos.

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José Félix – Essa foi muito disagrréavel! E ésto foi por guarrdarr todo o cólerra que me tem causade, que eu guarrdarr meu sombréro – em pórrtuguiz, meu chapello – como ele esteve ontem. (mostra o chapéu com o fundo dentro) Vê vóssinhorrie? Oh! eu vem pedirr satisfácxion in forma.

Duarte, aparte – Agora é que eu já não entendo. Estou a ver se por acaso... Não fosse eu dizer a verdade?

José Félix – Oh, yes! foi um brincadeiro muito má. Eu não impedir vóssinhorrie de atirrar com homem, se faz-lhe prazer, if you please; mas é estilo de suo capi-tal gritar primeirra de janela: 'homem vai!' – Eu trazia meu umbella, podia ter abrrido, como faz quando dizem: 'aguo vai!' – que é sempre um grrande peto em Lisbon, este de dizer: 'aguo vai!' – Oh, yes! não é aguo, vóssinhorrie... (sorrindo.)

Duarte, aparte – Irra! Chegou-me a mostarda ao nariz, com o tal engraçado tolo que apostou de mangar comigo: hei-de saber quem ele é. (alto) Pois, senhor, uma vez que veio para se bater, havemo-nos bater, e já.

Brás Ferreira – Essa é que é a moderação que tu me dizias?...

CENA X

Ditos e AMÁLIA

Amália, acudindo – Oh meu Deus! que é isto?

José Félix, baixo a Amália – Separe-nos, ande... (alto) Eu não bato a mim.

Duarte – Mas mim bate a ti. Agora o veremos.

Brás Ferreira – E eu mando-te que te cales. Que tal está! Ai que eu!... (aparte) E eu que cuidava ao princípio que era uma brincadeira!... e o jogo é a valer. (a José Félix) O senhor é o ofendido...

Duarte – Não senhor, o ofendido sou eu. Brás Ferreira – Tu! tu que o ias matando, aleijando pelo menos! Duar-

te – Não é verdade.

José Félix – É verrdade.

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Brás Ferreira – É verdade sim senhor: a culpa é sua, não há que

duvidar.

Duarte – Se meu tio o diz, não tenho remédio eu senão acreditá-lo.

Brás Ferreira – Ora graças a Deus! que confessou a sua culpa, e

entrou na razão enfim. Da sua parte, milord, espero que desista, que

se esqueça...

José Félix – Se o senhórr está muito triste, very sorry, se não tinha

intenxion... Brás Ferreira – Não tinha, não.

Duarte – Não tive. Brás Ferreira – Então vamos! esqueça-se tudo; e em sinal de reconci-liação, milord, há-de almoçar connosco. Amália – Ainda bem! respiro. Duarte, aparte – Verdade, verdade, não tenho muito de que me queixar. Ainda eu lhe sou obrigado ao tal maganão que embirrou a fazer-me este serviço. (alto) Oh lá! Joaquina, Isidoro! algum de vocês... É preciso mandar arranjar depressa alguma coisa... Brás Ferreira – Para quê? Duarte – Pois o senhor almoça connosco...

Brás Ferreira – Almoça: e então? Tu tens almoço em casa para um prín-cipe. Já te esqueceste?

Duarte – Ah! sim... decerto... Mas talvez um almoço de garfo... sem chá preto... sem manteiga fresca... não será do gosto de milord... José Félix – Eu peço o seu perdão, vóssinhorrie. O meu stomago é cos-mopolitana, e entende todos línguas; janta em francês, pórtuguiz... não importa; almoça com Turquia se é preciso, e ceia sobre Peru, se vóssi-nhorrie dá prazer.

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CENA XI

Ditos e JOAQUINA Joaquina – O almoço está na mesa. Duarte, espanta-

do – O almoço!...

Joaquina – Venha cá ver como está bonita a mesa. (leva-o à porta do fundo) Garrafas de Champanhe, fruta, pastelão, tudo tão bem posto... hem?

Duarte – Não há dúvida: o almoço ali está. Acabou-se, já me não deixam men-tir... é escusado. – Agora posso dizer o que eu quiser. (alto) Amália! (Dá- lhe o braço.)

Brás Ferreira – Milord! (conduzindo-o para a porta do fundo. – Saem todos menos Joaquina.)

Resumo—Cenas VIII, IX e X

José Félix apresenta-

se como o inglês Coockimbrook, para espanto de Brás Ferreira e mais ainda de Duarte, e desfaz a mentira

do Duelo, perdoando Duarte pelo suposto mal entendido e acabando por ficar para o almoço.

Resumo—Cena XI

Duarte fica bastante satisfeito por ver suas mentiras tornadas

verdades e fica espantado por o almoço já estar pronto, para todos.

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CENA XII

JOAQUINA, só Pobre rapaz! ficou como pateta! Se ele não está acostumado a isto... Condena-do a falar verdade vinte e quatro horas a fio!... Também olhe que nos dá um trabalho! porque mente com um desembaraço e sem a menor consideração... Já se tinha esquecido da peta do almoço. Felizmente que nós estamos preveni-dos, e graças ao bolsinho de minha ama e à vizinhança do Manuel Espanhol, em poucos minutos se fez da peta verdade... E José Félix! Não verão o meco sentado à mesa com meus amos como se fosse gente, o pedaço de lacaio!... Mas deixem estar que o tratante tem um ar, sabe tomar uns modos, que quem o não conhecer!... Em que ele se deita a perder decerto, é que aquilo é um comilão... O que lhe vale é fazer de inglês... não se repara. – Agora que mais falta? Vejamos. A tal visita de agradecimento ao general Lemos: essa não se pode evitar. Só se... É verdade; o general Lemos que venha cá... como têm vindo os outros. Vou avisar José Félix que se avie de almoçar e nos repre-sente mais esse figurão. Não lhe há-de custar muito... é seu amo. – Ai! que é isto, que quer este senhor?

CENA XIII

JOAQUINA e o GENERAL General – O senhor Duarte Guedes está aqui, não é assim?

Joaquina – Está sim senhor, foi agora para a mesa almoçar com o senhor Brás Ferreira, seu sogro que está para ser.

General – Um almoço de família, almoço de noivos... Não permita Deus que eu tal perturbe. Esperarei.

Joaquina – Se faz favor de dizer o seu nome.

General – Não é preciso.

Resumo—Cena XIII

Joaquina em monólogo confirma como tudo foi arranja-

do e diz que terão de fazer com que General Lemos apareça.

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Joaquina – Não é para saber... é que se fosse coisa que...

General – É coisa que eu lhe quero dizer só a ele ou a seu sogro.

Joaquina – Como queira.

CENA XIV

BRÁS FERREIRA, GENERAL, JOAQUINA Brás Ferreira, de guardanapo na mão, falando para dentro – Eu venho, milord, eu venho: quero ratificar o nosso tratado de aliança com uma garrafa especial do meu Porto, é da fundação da Companhia, trouxe-o eu comigo.

Joaquina, para o general – Aqui vem o senhor Brás Ferreira. Brás

Ferreira – O que é isso?

Joaquina – Um senhor que lhe quer falar, ao senhor Brás Ferreira ou a seu gen-ro. (aparte) Vamos ensaiar José Félix no novo papel que tem de represen-tar.

CENA XV

GENERAL e BRÁS FERREIRA

General – Creio que é o senhor Brás Ferreira do Porto a quem tenho a honra de falar? Muita satisfação de ver a vossa senhoria em Lisboa. Conheço-o há muito de nome, e quase que posso dizer somos amigos sem nos termos visto. O meu antigo camarada, o coronel Luís Guedes sempre me encarece por tal modo a amizade que lhe tem! Nas suas cartas quase que me não fala de outra coisa senão de seu filho e de vossa senhoria.

Resumo—Cena XII

General Lemos aparece em casa de Brás Ferrei-

ra, Joaquina recebe-­­o, mas não sabe quem ele é, nem sonha que é o verdadeiro General Lemos.

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Brás Ferreira – Luís Guedes! Então vossa senhoria é... General – O seu mais antigo e melhor amigo, o general Lemos.

Brás Ferreira – Ah! vossa excelência perdoe, por quem é. Mas porque se inco-modou, senhor general? Eu é que devia ir aos seus pés... e hoje mesmo tencio-nava fazê-lo – para lhe agradecer todas as bondades que tem tido com meu genro... que está para ser.

General – Bondades! eu não sei... decerto não tem nada que me agradecer... mas é sua culpa. Eu ignorava absolutamente...

Brás Ferreira – O quê, general?

General – Que Duarte estivesse em Lisboa.

Brás Ferreira – Que me diz, senhor? Há três meses.

General – Ainda o não vi uma só vez. Antes de ontem recebi eu uma carta de seu pai, que me pareceu um enigma: queixa-se de que o filho não tenha ainda obtido a recebedoria de Santarém que tanta conta lhe fazia... Mas que diacho! quem quer alguma coisa, pede-a. Eu não podia adivinhar, e vinha aqui de pro-pósito ralhar com ele.

Brás Ferreira – Ralhar, tenho eu que ralhar com o tal menino por outras muito piores. Mas como é isto, senhor? Pois Duarte não vai habitualmente a sua casa?

General – Não senhor.

Brás Ferreira – Não digo em Lisboa, mas à sua quinta? General –

A minha quinta? É coisa que não tenho.

Brás Ferreira – Pois não digo quinta... não seja... mas a linda casa que tem da outra banda com uma vista magnífica, um bilhar...

General – Sou tão desastrado que não jogo o bilhar.

Brás Ferreira – Estava visto... Faça ideia, general, que é o sistema de mentiras mais complicado que nunca vi, e combinado de modo que ainda não sei... Mas deixá-lo: vossa excelência está aqui, há-de-me ajudar a confundi-lo... Com toda a certeza não lhe dou minha filha.

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General – Por quem é! Eu que vinha com tanto gosto trazer-lhe a minha prenda de casamento...

Brás Ferreira – Não há-de ser meu genro. General – E a

sua palavra?

Brás Ferreira – Retiro-a: e ele não tem direito de se quei-

xar... Avisei-o de que, à primeira mentira em que o apa-

nhasse, tudo estava acabado. Ainda bem que o encon-

trei, general: vamos a ver com que cara o maldito do

rapaz... Oh! ele aí vem: peço-lhe que não diga o seu

nome.

General, aparte – E esta! Eu que vinha para obsequiar o pobre do rapaz, e a seu pai de quem sou tão amigo!

CENA XVI

Ditos, DUARTE, AMÁLIA, JOAQUINA

Duarte – Ora com efeito! forte companhia fazem os tais senhores! – O senhor meu sogro levanta-se no meio do almoço, e daí a um instante milord desapare-ce à segunda garrafa de Champanhe.

Joaquina – Vieram procurá-lo.

Resumo—Cenas XIV e XV

Brás Ferreira encontra o General Lemos que lhe diz não conhece Duarte.

Brás Ferreira diz que não dará a sua filha pois Duarte mentiu-­­lhe, e agora Brás Ferreira quer desmascara-­­lo.

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Duarte – Não duvido... algum pobre rapaz que se achou em aperto... Que é preciso confessar... o tal sujeito é a criatura mais serviçal... E então sem nenhum interesse! – Diga-me uma coisa, amabilíssimo sogro, que fazemos nós esta manhã?

Brás Ferreira – Eu tinha vontade de sair; mas temos aqui uma visita, um amigo da família...

Duarte – Perdoe... eu não tinha tido o gosto de ver este senhor... É do Porto?

Brás Ferreira – É verdade.

Duarte – Ia jurá-lo... Nós os das províncias do Norte temos um ar de franqueza, um aberto de fisionomia... Se vossa senhoria se demorar em Lisboa, terei muito gosto de o acompanhar, de lhe servir de guia... Não faça cerimónia comi-go... sinceramente lho peço... um amigo de meu sogro!...

General – Dou-lhe os parabéns, senhor Brás Ferreira: o seu genro parece um rapaz extremamente amável.

Brás Ferreira, baixo ao general – Espere, espere, e depois falará. (a Duarte) É preciso que saibas, meu caro amigo, que este senhor vem a Lisboa para negó-cios que tem na secretaria da guerra, e precisa muito do valimento do general Lemos.

Duarte – Melhor... Dizem que é um homem justo e imparcial; e toda a gente o estima.

Brás Ferreira – Pois sim... mas tu que tens relações de intimidade com ele, não podias pela tua influência?

Duarte – Ah! certamente... terei a honra de lho apresentar. Há-de gostar dele, verá: um homem agradável e que, sem basófia, é meu amigo.

Brás Ferreira, rindo – Hem!

General, baixo a Brás Ferreira – Até aqui, acho que diz a verdade.

Duarte – E alegre!... Olhe: à mesa me não deixava ele só, como aqui me fizeram. Ainda ontem almoçámos nós juntos em sua casa.

Brás Ferreira e General – Em casa dele?!

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Duarte – Sim, juntos, ao pé um do outro.

Brás Ferreira – Então muito mudado está ele de ontem para cá. Duarte

– Porquê?

Brás Ferreira, apontando para o general – Porque ele aqui está, e tu não o conheceste.

Duarte, surpreendido – O general Lemos!

Joaquina, aparte – Estamos perdidos.

Amália – Tudo, tudo está perdido.

Duarte, tornando a si logo – O quê! Pois este é o senhor general Lemos? Muito sinto... não tenho a honra de o conhecer.

Brás Ferreira – Não duvido... mas nem por isso deixa de ser ele em pessoa.

Duarte – Há-de-me perdoar, meu tio: eu não digo o contrário; mas não foi com

este senhor que eu almocei ontem... a verdade pura é esta. Como isto foi é que eu não sei; mas a não ser que haja outro general Lemos em Lisboa...

General – Em Lisboa do apelido de Lemos nem eu conheço senão meu primo o coronel Francisco de Lemos.

Duarte – Exactamente. Pois foi em casa dele, decerto, que ontem me apresentaram, e provavelmente com ele é que eu almocei. General – Não teria dúvida nenhuma em o acreditar, se não fosse uma pequena dificuldade: e é que há três meses que está em Inglaterra.

Duarte, aparte – Co'a breca! (alto) É que voltaria há pouco, sem se saber... porque ele ontem estava em Lisboa.

Brás Ferreira – Não estava.

Duarte – Estava tal. Brás Ferreira – Pois bem, rapaz, esqueço-me de tudo... se me provares essa.

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Resumo—Cena XVI

Duarte é confrontado com a presença do Gene-

ral Lemos e diz que não é aquele o Lemos que ele conhece. O General Lemos afirma que tem um pri-

mo que está em Inglaterra e Duarte reafirma que foi com esse que almoçou.

CENA XVII

Ditos, um criado, JOSÉ FÉLIX com farda de brigadeiro, etc. Criado – O senhor Lemos.

José Félix, afectando desembaraço – Então que é isto, que é isto?

General – Que vejo! É o meu brejeiro do meu Félix.

José Félix – Ora vivam meus senhores... Adeus, meu Duarte. Duarte – Oh meu querido protector! Confesso que desta vez já não contava com o seu auxílio... Ainda bem que veio... Vou apresentá-lo a meu sogro e a seu primo.

José Félix, indo para eles com ar chibante, reconhece de repente o general – Santo Deus, meu amo!...

General, aparte – E com a minha farda, o maroto!

Brás Ferreira, espantado – Conhecem-se! (Duarte, Brás Ferreira, José Félix e Amália ficam todos imóveis de admiração.)

General – Que painel! Enterraram-se todos até ao joelho. Ora vamos a dar-lhes a mão, que eles por si não se levantam. (para José Félix) Então senhor meu pri-mo...

Todos – Seu primo!

General – Que espanto é esse? Pois queria esconder de mim a sua volta a Lisboa?

Duarte – O quê? Pois este senhor é seu primo, o coronel Francisco de Lemos que voltou de Inglaterra?

General – Sim senhor. Porquê?... não lhe faz conta?

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Duarte – Certamente que faz. – Mas é que isto hoje parece mesmo um acinte... não invento senão verdades. – Pois não é minha culpa, senhor Brás; mas, em consciência, está obrigado a dar-me sua filha.

General – Não há dúvida, senhor Brás Ferreira; é preciso consentir neste casamento. Já não tem mentiras de que o acusar.

Brás Ferreira – Excepto a da recebedoria de Santarém.

General – Aqui está o decreto. É a prenda de casamento que lhe eu trazia.

Amália – Pois é possível!

Duarte – Aposto que é verdade... tudo é verdade hoje. Assim, meu caro sogro, consinta, não há remédio...

Brás Ferreira – Estou certo que me enganaram.

José Félix – E eu também.

General – E eu também... Apesar disso, vamos, consinta... Brás Ferreira – Que lhe hei-de eu fazer? Ainda que não seja senão por curiosidade e para saber esta adivinhação.

José Félix, atirando com o chapéu – Viva! A palavra do senhor Brás Ferreira é letra que não tem desconto. Eu ritorno al mio mestiere e ponho aos pés da minha cara Joaquina... o senhor Tomás José Marques... milord Coockim-broock, e sobre todos, o seu fiel José Félix, criado particular do excelen-tíssimo general Lemos.

Duarte – Ó maroto, pois eras tu?

Brás Ferreira – Faz-te de novas.

Duarte – Juro-lhe que eu não sabia nada, e que Nem sequer o conheço... Brás Ferreira – Continuamos?... Não faltava senão esta que é a mais difícil de engolir!

Amália – E contudo é verdade, meu pai. Eu lhe explicarei como isto foi.

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Duarte – Protesto-lhe que hoje foi o último dia da minha vida que me deixei cair neste maldito vício... E nem eu sei como foi; queria-me defender... vinham umas atrás das outras... por fim... não sei... Mas acabou-se: não torno mais a mentir; custa muito, dá muito trabalho. Vi-me em ânsias! Juro que me hei-de emendar... já estou emendado. – José Félix, nunca me hei-de esquecer da lição que me deste, e prometo pagar-ta.

José Félix – Deveras?

Amália, dando-lhe uma bolsa – E eu pago-ta já.

José Félix – Melhor ainda. (apalpando a bolsa) Isto sim que são verdades puras... e não deixam mentir ninguém.

(Cai o pano.)

Resumo—Cenas XVI

General Lemos reconhece o José Félix e entrou na brincadeira, confirmando

que ele é o seu primo. Duarte reconhece as suas mentiras e admite que todas se tornaram verdade,

pelo que Brás Ferreira não tem motivos para não permitir o casamento de Duarte

com Amália.

Finalmente agradece a José Félix e promete pagar-­lhe. Amália dá o dote a Joaquina.

Resumo da Obra : Falar Verdade a Mentir é uma comédia de Almeida Garrett, e uma das mais representativas do seu tempo. Duarte é um mentiroso compulsivo. É atra-vés das suas repetidas mentiras que a Ação vai avançando no sentido de se ocultarem as ditas “aldrabices”. O grande problema que se põe é o do casa­mento de Duarte com Amália, filha do negociante portuense Brás Ferreira. A personagem de José Félix (coadjuvada pela criada Joaquina, sua noiva) marca uma posição importante, visto que as encenações de diversas perso-nagens que vai apresentando vão dando cobertura às mentiras de Duarte perante Brás Ferreira, seu futuro sogro.

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Personagens ( a entrada das personagens é antecedida de uma apresentação de pequenas men-tiras geradoras de um conflito)

Brás Ferreira Pai de Amália, desconfia das histórias de Duarte Amália- Filha de Brás Ferreira, perdoa o noivo (Duarte) por amor. Duarte- Noivo de Amália, mente descaradamente. General Lemos- Contribui com a sua ajuda, para um fim feliz entre Amália e Duarte. Joaquina- Empregada de Amália e disponível para a ajudar a manter o seu noivado. José Félix- É uma pessoa que, por dinheiro, é capaz de fazer tudo. Ajuda Amália a manter o seu noivado com o objectivo de obter o dote que Joaquina receberá após o casamento de sua ama. Um lacaio, um criado sem libré

Relevo das Personagens

Principal Em Torno da Qual

Se Desenrola toda a Ação Duarte

Secundária Detém um papel menos importante sendo, no

entanto, fundamental para o desenvolvimento da ação.

Amália Joaquina José Félix

Brás Ferreira General Lemos

Lacaio

Apenas ilustra um ambiente ou cenário, não interfere na

ação.

Figurantes

Características do Texto Dramático

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Caracterização

Tipos Psicológica— apresentação de atitudes e compor-tamentos, relacionados com a personalidade. Física—descrição do aspeto físico.

Processos

Revelada a partir

da fala das perso-

nagens e/ou das

indicações cénicas.

Direta

Indireta Deduções feitas pelo leitor a partir de atitudes e ações

Autocaracterização (Feita pelo Próprio)

Heterocaracterização (Feita por Outros)

Enredo

A peça conta a história de dois criados, José Félix e Joaquina, que se vão casar. Joaquina veio com os seus patrões do Porto para Lisboa, onde vive José Félix, o que lhes deu a oportunidade de estarem

juntos. Joaquina revela então a José Félix que Amália, a filha do seu amo, prometeu-lhe que lhe iria dar um dote de cem moedas quando se casasse. Mas Joaquina disse que havia um problema: Duarte, o noivo de Amália, era um mentiroso compulsivo, e o pai de Amália (Brás Ferreira) disse-lhe que se o apanhasse numa mentira, acabava com o seu casamento. Interessado no dote, José Félix disse a

Joaquina que tinham que dizer isso a Duarte, pois senão ele iria ser apanhado, o casamento iria ser cancelado e Joaquina nunca recebe-ria o dote de Amália. Mas demasiado tarde! Duarte já tinha começa-do a contar mentiras ao pai de Amália, que após algumas histórias extraordinárias, começou a desconfiar dele.

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Ação

(gira à volta das

mentiras sucessivas de Duarte. Só com a

ajuda dos amigos este

consegue sair-se bem, provocando uma série de situações cómicas.)

Estrutura Interna

Estrutura Externa

Exposição- Cena I Apresentação das personagens e do conflito: O pai de Amália desconfia de Duarte e pretende acabar com o noivado; Amália, Joaquina e José Félix fazem uma aliança movida por interesses mate-riais. Conflito- Cena II a XII Complicação dos acontecimentos: Duarte mente sucessivamente, alimentando as desconfianças do pai de Amália; José Félix faz teatro dentro do tea-tro, fingindo de negociante velho, de inglês e de coronel Lemos, acabando por tornar “reais” as figu-ras inventadas por Duarte. Desenlace- Cena XIII a XVII Resolução do conflito: Preciosa intervenção do General Lemos; desenlace feliz: Brás Ferreira con-sente no casamento de Amália e Duarte; tornou-se

Cenas (Divisão do acto, determinada pela entrada ou saída de personagens)

I a XVII- marca a entrada e/ou saída de

Atos (Grande divisão do texto dramático,

que decorre num mesmo espaço. Sem-pre que há mudança de cenário

(espaço), há um novo ato). Único— A Ação decorre toda no

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Tempo

(Um único dia) Cronológico - 1845

Físico – Sala de visitas, em casa de Brás Fer-reira

Social- Ambiente social de Lisboa, onde se

podem observar três categorias de estrangei-ros: ingleses, brasileiros e espanhóis. A bur-guesia rica domina o ambiente social de Lis-boa, pretendendo-se destacar: a influência nefasta deste ambiente sobre as pessoas, favorecendo o “talento” de mentir; a vida mundana lisboeta: bailes cafés, teatro; o

peso da moda.

Espaço

(Lisboa)

Falar Verdade a Mentir, denuncia a mentira fácil e o

jogo vivido por pessoas capa-zes de tudo fazer para subir

na vida. No entanto, tem como objetivo divertir e

simultaneamente moralizar.

Intenção Crítica

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Linguagem Podemos encontrar diferentes registos de língua interligados e caracterizado-res das personagens como a linguagem popular, corrente ou cuidada.

Os cómicos de linguagem (pelo dis-curso e vocabulário: calão, pragas... ), de situação (pela situação em que a

personagem se encontra) e de carác-ter (pela maneira de ser e de se apre-sentar), bem como os apartes apa-

recem ligados a situações cómicas geradas pelas próprias personagens.

Cómico

Discurso Dramático

Texto Principal

Texto Secundário

Dialogo Aparte

Monologo

Didascálias

Atualidade

O conteúdo da mensagem está totalmente fora da atualidade

ou encontramos ainda “mentirosos” que se divertem a

falsificar os factos?

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Cena I 1. De onde vem Joaquina e como é que ela caracteriza esse lugar? Vem do Porto e caracteriza-o com sendo a “segunda capital do reino e a cidade eterna”. 2. Por que motivo Joaquina e José Félix estavam interessados no casamen-to de Amália com Duarte? Estavam interessados, porque com o casamento de Amália, Joaquina recebe-ria um dote de cem moedas e, assim, já poderia casar com José Félix. 3. Caracteriza José Félix e indica os processos de caracterização de persona-gens que te permitiram caracterizá-lo. José Félix era interesseiro, emigrou, esteve em Paris e é criado particular de um General. Os processos de caracterização foram a caracterização indirecta, porque sabemos que ele é interesseiro, pelas suas palavras “a minha paixão, a nossa felicidade, cem moedas sonantes...”; há a caracterização directa, através da autocaracterização, porque ele caracteriza-se a si próprio, e da heterocaracterização, pois Joaquina disse que ele estava tolo e doido..

Cenas II e III 4. Qual a condição necessária para que o pai de Amália a deixasse casar com Duarte? Que o Duarte não seja apanhado a mentir. 5. Caracteriza Duarte e indica os processos de caracterização que te permi-tiram caracterizá-lo. Duarte é um bom rapaz com juízo e bom coração, nunca diz uma palavra que seja verdade, morgado de raça quase castelhana, mente por hábito sem saber que o faz. Os processos de caracterização de personagens foram a caracterização directa e a heterocaracterização. 6. Resume as mentiras que Duarte conta a Brás Ferreira na cena III. Duarte diz que tinha uma brasileira rica que queria casar consigo, que espan-tou ladrões que frequentava a casa do general Lemos e que este lhe oferece-ra três lugares de primeira ordem, que era director do clube, que tivera uma casa e que a vendera na véspera.

Ficha de Leitura

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Cenas IV, V e VI 7. O que leva Duarte a mentir? Duarte diz que as coisas contadas tal como são, não têm graça. 8. Qual foi a artimanha arranjada por José Félix para salvar Duarte? José Félix disfarçou-se de Sr. Tomás José Marques. 9. Qual a reacção de Duarte à estratégia de José Félix? Justifica a tua resposta com expressões do texto. Fica admirado e diz «que história será esta?» e «A mim sempre me sucedem coi-sas! Esta é a mais extraordinária...». Depois, pede-lhe o dinheiro da casa.

Cenas VII, VIII e IX

10. Que mentira inventa Duarte para não ir a casa do General? Diz que não podia sair de casa, porque esperava que o venham buscar para um duelo. 11. Que estratégia inventa agora José Félix para salvar Duarte? Disfarça-se de inglês.

Cenas X, XI, XII, XIII e XIV

12. Depois da situação do Inglês estar resolvida, Duarte ia sendo apanhado em mais uma mentira, que tinha dito anteriormente. 12.1- Que mentira era essa? Duarte tinha dito que tinha um grande almoço preparado. 12.2- Quem o salvou desta vez? Quem salvou a situação foi a Joaquina. 13. “Vamos ensaiar José Félix no novo papel que tem de representar.” 13.1- A que novo papel Joaquina se refere. Era que José Félix se disfarçasse de General. 13.2- Achas que haveria necessidade de representar esse novo papel? Justifica a tua resposta. Não era necessário, porque o General Lemos acabava de chegar.

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Cena XV

14. Por que motivo queria o General ralhar com Duarte? O general queria ralhar com Duarte, porque ele ainda não tinha ido ter com ele para lhe pedir a recebedoria de Santarém. 15. Que combina Brás Ferreira com o General? Brás Ferreira pede ao General que o ajude a confundir Duarte e que não diga o seu nome. 16. Qual o motivo apresentado por Brás Ferreira para não casar a sua filha com Duarte? Diz que tinha avisado Duarte que se o apanhasse numa mentira não havia casa-mento.

Cena XVI 17. Que estratagema inventa Brás Ferreira para desmascarar Duarte? Brás Ferreira diz que o General era um senhor do Porto que desejava conhecer o General Lemos. 18. Como recomeçam os deslizes de Duarte? Duarte não reconhece o general e prontifica-se a apresentar aquele senhor ao general. 19. Qual a reacção de Duarte ao saber que estava a falar com o General e que mentira inventa de seguida? Fica admirado e diz que o General Lemos que ele conhecia era outra pessoa. 20. Qual a condição apresentada por Brás Ferreira para perdoar ao Duarte? Se o Duarte lhe provasse que o primo do general estava em Lisboa.

Cena XVII 21. Quem aparece para tentar salvar a situação? Aparece José Félix com uma farda de Brigadeiro. 22. Como o considera Duarte? Considera-o um querido protetor. 23. Que ligação havia entre o falso brigadeiro e o General? José Félix era criado do General.

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24. Quem e de que modo acaba por salvar a situação? É o General que confirma que José Félix era o seu primo coronel Lemos que vol-tara de Inglaterra 25. Explica as afirmações de Duarte: “Mas é que isso hoje parece um acinte... não invento senão verdades.” Duarte diz que as mentiras que inventa se transformam em verdades só para o contrariarem. 26. Como se justifica Duarte do hábito de mentir? Diz que mentir era um vício e que as mentiras vinham umas atrás das outras. 27. Interpreta a última fala de José Félix no contexto da peça? José Félix diz que o que fez com que as mentiras se transformassem em verdades foi a bolsa com dinheiro que lhe estava prometida, confirmando assim o seu carácter interesseiro. 28. Qual a função dos apartes ao longo da peça? Transmitir aos espectadores o que as personagens estão a pensar. 29. Indica, exemplificando, qual a importância da linguagem para a caracteriza-ção das personagens. José Félix ao dizer «cos diabos» demonstra que é uma personagem do povo e de baixa condição social, tal como Joaquina ao dizer «Cruzes!». O General mostra que é uma pessoa de alta condição social e educada, devido à linguagem que utiliza «Creio que é o Senhor Brás Ferreira, do Porto, a que tenho a honra de falar? Muita satisfação de ver Vossa Senhoria em Lisboa.». Joaquina também revela que tem pouca instrução ao dizer: « Província será a terra de você...”. 30. Apresenta exemplos de cómico de situação presentes ao longo da peça. Sempre que José Félix aparece disfarçado de alguém que Duarte inventara, este mostra-se muito admirado e interroga-se como é que é possível que as mentiras que inventa sejam verdades. Outro exemplo de cómico de situação é quando Duarte diz ao próprio general Lemos sem o conhecer que é muito amigo dele e que o apresentará ao general.

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Links/ Créditos : Plano Nacional de Leitura - Guião Falar Verdade A Mentir http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/teatro/backstage_files/pecas_escritas/Falar-Verdade-a-Mentir.pdf Língua Portuguesa 8ºAno - Blog António Alves - Documentos Falar verdade a Mentir http://linguaportuguesa8ano.blogspot.pt/search/label/Falar%20verdade%20a%20Mentir Falar verdade a mentir - Guião de leitura http://profelsa-jornaldeturma.blogspot.pt/2011/05/falar-verdade-mentir-guiao-de-leitura.html Informações e Exercicios - Falar verdade a Mentir http://profpaulo.weebly.com/falar-verdade-a-mentir.html Ficha de leitura http://jorge-almeida.blogspot.pt/2007/03/ficha-de-leitura-do-texto-dramtico.html Resumo da Obra http://portugues_8a.blogs.sapo.pt/1514.html Resumo da Acção http://proflpelsa.wordpress.com/2011/02/14/falar-verdade-a-mentir-resumo-da-accao/ Resumo do Livro http://bmariagg.blogspot.pt/2012/03/resumo-do-livrofalar-verdade-mentir.html Jomaferreira Presentation - Falar verdade a mentir http://www.slideshare.net/jomaferreira/falar-verdade-a-mentir-introduo Marianogue Presentation - Falar verdade a Mentir http://www.slideshare.net/marianogue/falar-verdade-a-mentir

Créditos Especiais:

Falar Verdade a Mentir - Edição Didáctica - 8.º Ano - Porto Editora http://www.portoeditora.pt/produtos/ficha/falar-verdade-a-mentir---edicao-didactica---8---ano?id=127002 Arte D'Encantar - Intrepretação Falar Verdade a Mentir - Lisboa/ Porto/ Braga http://www.artedencantar.com/subcanais_n1.asp?id_subcanal=127&id_canal=81 Luisa Giestas - Prof. Lingua Portuguesa 8ºAno - Fichas de Trabalho

Falar Verdade a Mentir—Versão Escolar por Vasco Pires http://www.the-e-estudo.blogspot.com

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