Falcon, francisco mercantilismo e transição

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Copyrfght by Francisco J. C. Falcon, 1991Nenhuma parte desta publicacao pode ser gravada.armazenada em sistemas eletronicos, fotocopiada.

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ISBN: 85-17-02007-1Primeira ediçao, 198l

15ª ediçao 19941ª reimpressao, 1996

Reuisao: Jose E. AndradeCaricatura: Emilio Damiani

Capa: 123 (antigo 27) Artista Graficos

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INDICEIntrodução ...........................................................................7A época mercantilista.........................................................18As idéias mercantilistas (evolução e temas centrais).........48As práticas mercantilistas ................................................ 82Conclusão ..........................................................................94Indicações para leitura................................................... 100

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INTRODUÇÃO

Tentar apresentar em poucas páginas um tema como este,buscando, ao mesmo tempo, dar uma idéia precisa acerca do objeto aque se refere e indicar os principais problemas que ele envolve,constitui certamente um grande risco para o autor e para seus leitores.Corremos o risco de deixar escapar, por excesso de sintese, este ouaquele aspecto ou questão, ou, entao, de privilegiar, indevidamente,quem sabe, uma determinada característica, talvez ate interessante emsi mesma, porém de importancia menor para o não especialista.Conscientes de tais perigos tentamos, o tempo todo, alcançar oequilibrio entre aqueles extremos, cabendo ao juizo dos leitores dizerse fomos felizes ou não em nosso intento.

* * *

Talvez a primeira observação válida a respeito

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Do mercantilismo seja a de que, a rigor, ele nunca existiu,tratando-se bem mais de um mito, como afirma PierreDeyon, cuja criação e historicamente posterior ao objeto cujaexistência tenta delimitar.

Foram seus adversários, os fisiocratas do séculoXVII e os economistas da escola clássica, dos séculos XVII/XIX, que de certa forma o construíram, denominando-o, aépoca, de "sistema mercantil" ou "do comercio". Foramainda seus admiradores os membros da chamada "escolahistórica alemã", já no final do século XIX, que E deram onome que se fixou: Mercantilismus.

Vivemos hoje, mais do que nunca, mergulhadosnum mundo de "ismos", tanto políticos quanto econômicos, atal ponto que eles se tornaram elementos necessários a nossaprópria maneira de pensar e sentir a realidade que nos cercaE com eles que classificamos, rotulamos e, acima de tudo,aceitamos ou criticamos a realidade contemporânea. Omercantilismo e, num certo sentido, um desses ismos e seuaparecimento se deu precisamente no final do séculopassado, quando tiveram origem também diversos outros.Para nos, portanto, e muito difícil imaginar um mundo ouuma época em que as formas de pensamento podiamprescindir de tais substantivos, dai porque e mais fácil pensaro mercantilismo como sinônimo de um corpo doutrináriocoerente, dotado de um mínimo de abstração teórica. Ora, eesta é nossa observação inicial, nem a palavra"mercantilismo" e contemporânea do objeto que pretendeindicar, nem tampouco tal objeto apresentou jamais as

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características de coerência interna que nos habituamos aimaginar como inerentes a um conceito desse gênero.

Em segundo lugar, cabe aqui uma advertência contraum outro tipo de anacronismo, muito difundido por sinalhoje em dia. e que consiste em denominar de mercantilistas aquaisquer idéias ou praticas econômicas que possuam comocaracterística básica a intervenção do Estado na economia.Em tais casos, ou se apela para a idéia de ressurgimento oupara a de persistência, mas o argumento e sempre o dasidentidades maiores ou menores, no nível das aparências,entre situações atuais e aquelas que caracterizam omercantilismo propriamente dito, o que deixa entrever acrença num certo tipo de continuidade do processo históricoque produziria sempre fenômenos semelhantes em todos ostempos e lugares. Fixemos então este ponto: o mercantilismo,não a palavra ou o sistema, mas aquilo que ele de fatosignifica, foi o produto das condições especificas de umdeterminado período histórico do Ocidente, caracterizadopela transição do feudalismo ao capitalismo.

Em terceiro lugar, devemos estar conscientes de quenão existe um verdadeiro consenso acerca do que devamosentender por mercantilismo. Conforme o texto, a mesmapalavra poderá significar:

a) baseando-se na famosa afirmação de Marx

"Se bem que os primeiros esboços da produção capitalistatenham aparecido precocemente em algumas cidades doMediterrâneo, a era propriamente capitalista não data senãodo século XVI" e sem

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procurar entendê-la, há muitos que imediatamenteidentificam esse capitalismo Freqüentemente denominado decapitalismo comercial com o próprio mercantilismo, isto é,um capitalismo prédominantemente mercantil.Mercantilismo e capitalismo comercial designam então umaprimeira época da história do capitalismo cuja característica éo papel-motor desempenhado pelo comércio, e pelasatividades a ele ligadas, em relação ao conjunto dasatividades econômicas, precedendo e preparando o adventodo capitalismo industrial;

b) segundo outros, o mercantilismo é a formaeconômica ou o sistema que caracteriza a chamada economianacional, aí definida como a organização econômica inerenteao espaço geopolítica correspondente aos Estados nacionaismodernos. Tratar-se-ia, então, de uma etapa da evoluçãoeconômica marcada pela superação da chamada economiaurbana da Idade Média européia. Nessa acepção apenas osaspectos formais da organização econômica, bem como suasimplicações políticas, são considerados;

c) mais interessante talvez é a tendência a atribuir aomercantilismo o caráter de um verdadeiro sistemaeconômico, ou mesmo de um modo de produção, situadoentre o feudalismo e o capitalismo. Dizemos que éinteressante porque aí convergem pontos de vista oriundos deposições teóricas mutuamente excludentes: idealistas ematerialistas. Estes últimos vêem no mercantilismo algo quese aproxima muito de um modo de produção ou, pelo menos,uma estrutura econômica específica, cuja tônica é a atividade

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comercial com caráter dominante, e cuja premissahistórica é o seu papel-chave no processo da chamadaacumulação primitiva do capital. Dessa forma, não sendoainda capitalista, o mercantilismo seria o sistema criador dascondições objetivas para o surgimento do capitalismo.Quanto ao outro grupo, que chamamos de idealistas, suatendência é identificar no mercantilismo a presença de umespírito ou "ser" mercantil que se expressaria através dabusca do lucro através das operações comerciais, dosempréstimos a juros, do controle sobre as oficinas artesanaise manufaturas, da exploração colonial, levando tudo isso àacumulação do capital comercial. O mercantilismoconstituiria uma primeira manifestação do espíritocapitalista, mola mestra da criação e desenvolvimento dasociedade moderna.

Cada uma das perspectivas acima esboçadas, talvez atécaricaturadas, corresponde a uma vasta produçãobibliográfica e inclui diversas nuanças que seria ociosoesmiuçar e discutir aqui. Do nosso próprio ponto de vistaacreditamos que o mercantilismo deve ser entendido como oconjunto de idéias e práticas econômicas que caracterizam ahistória econômica européia e, principalmente, a políticaeconômica dos Estados modernos europeus durante operiodo situado entre os séculos XV/XVI e XVIII. Nessesentido, entendemos que a definição de Mauricio Dobb - "omercantilismo foi essencialmente a política econômica deuma era de acumulação primitiva" é, ainda, bastanteesclarecedora, se entendermos essa acumulaçãoprimitiva como a acumulação

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prévia de Adam Smith, ou seja, um período anterior àexistência da produção capitalista propriamente ditaenquanto forma ou modo de produção dominante, como diriaMarx, durante o qual diversas formas de acumulação decapital, não capitalistas por definição, tiveram lugar.

Prosseguindo, se atentarmos para a expressão "políticaeconômica", poderemos recuperar a afirmação de EliHeckscher de que "o Estado foi o sujeito e o objeto dapolítica mercantilista", isto é, o mercantilismo foi,principalmente, a política econômica dos Estados modernoseuropeus, absolutistas, embora tenhamos dúvidas quanto àafirmação do mesmo autor de que o mercantilismo foi um"sistema uniforme e coerente".

* * *

A história do conceito ou da idéia ao qual nos remete apalavra "mercantilismo" pode ajudar-nos a compreender umpouco melhor o nosso objeto. E importante, por exemplo,não esquecer que as ideias e práticas econômicas que apalavra mercantilismo sintetiza foram, a princípio, indicadasatravés das expressões "sistema mercantil" ou sistema docomércio, acompanhadas de uma conotação francamentenegativa, nas obras dos fisiocratas franceses do século XVIII,pois indicavam coisas absurdas e contrárias às leis naturaisda economia, especialmente o intervencionismo estatal.Adam Smith, ao escrever, em 1776, sobre a Riqueza dasNações, emprestou às

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Adam Smith: critico feroz do intervencionismo estatal.

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idéias e práticas do "sistema do comércio" o caráter desistema acabado e coerente, embora totalmente errado quantoaos princípios em que se baseava e aos objetivos que visava.De fato, afirma Smith, identificando erroneamente riqueza emetais preciosos, refletindo ao mesmo tempo asmaquinações de empresários gananciosos que, para obteremmaiores lucros, teriam convencido os próprios monarcas, osistema do comércio teria dado origem a dois conjuntos depráticas econômicas perniciosas: as medidas destinadas acontrolar e restringir as importações e as medidas cujo fimera estimular as exportações ao máximo. Só assim seriapossível conseguir o objetivo maior de todo Estado: umabalança comercial favorável. Ainda segundo Adam Smith,estaria aqui, no conceito erróneo de balança comercial, ajustificativa para todas as formas de intervenção do Estadona economia, falseando por completo o livre jogo dos fatorese, por conseguinte, as próprias leis econômicas.

A construção a posteriori do sistema e sua condenaçãoirrevogáveis passaram assim a quase todos os autores que, naprimeira metade do século XIX, se preocuparam com osproblemas econômicos. As idéias e práticas associadas aosistema mercantil tornaram-se sinônimas de estatismo,monopolismo, privilégios abusivos, maquinações diabólicas,etc. Condenadas em nome da razão, seus adeptos epraticantes foram alvo de críticas científicas e repúdio moral.

No entanto, na Alemanha, principalmente, mas tambem

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também em outros países que, menos desenvolvidos,possuíam condições sócio-econômicas bem diversasdaquelas da Grã-Bretanha e da França, surgirammanifestações reticentes em relação ao liberalismoeconômico e ao seu corolário -- o livre-cambismo. NaAlemanha, nos escritos de Fichte e sobretudo nos de F. List,privilegia-se a economia nacional e, em consequência,avalia-se o protecionismo econômico sob uma luz maisfavorável. Algumas décadas mais tarde, ainda na Alemanha,vários integrantes da chamada "escola histórica", comSchmoller em primeiro lugar, analisam o mercantilismocomo tendo sido uma política econômica racionalperfeitamente ajustada às necessidades de construção efortalecimento dos Estados modernos, promovendo aunificação interna e assegurando o seu poder no confrontointernacional.

O aparecimento da palavra "mercantilismo" e avalorização positiva das ideias e práticas que ela significavateve opositores e defensores, citando-se, entre estes, naInglaterra, Cunningham e Ashley. No início do século atual,W. Sombart e Max Weber, cada um a seu modo,acrescentaram novos argumentos a essa revisão histórica.Sombart ressaltou o papel das práticas mercantilistas noprocesso de formação da burguesia e do capitalismomoderno, enquanto que Weber, embora indiretamente, deutambém sua contribuição, ao pôr em relevo os aspectosracionais ligados ao Estado moderno e ao surgimento docapitalismo.

No início da década de 1930, com a publicação

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da grande obra de Eli Heckscher sobre o mercantilismo, foipossível tentar ver nele um verdadeiro sistema de políticaeconômica no qual os meios econômicos conduzem aos finsde natureza política. Os meios seriam, nesse caso, a políticaprotecionista e a política monetária, enquanto que os finsseriam a política de unificação e a política de poder. Tudoisso estaria norteado por um quinto elemento que seria umacerta visão da sociedade típica do mercantilismo. Elogiadopor uns, criticado por outros, o trabalho de Heckscher,historicamente incompleto, pessimista quanto ao próprioobjeto, levando mesmo alguns a verem no mercantilismo umsistema imaginário ou uma "noção inútil e perigosa",segundo P. Deyon, ainda assim constitui um marcohistoriográfico.

Durante a Grande Depressão dos anos 30, quando ointervencionismo, o protecionismo, a autarquia, estavam naordem do dia, tornou-se mais fácil compreender a lógicainterna de um sistema como o mercantilista, tido comoirracional pelos liberais, e isso se traduziu num ensaio que J.M. Keynes dedicou ao mercantilismo, reconhecendo-lhecientificidade, se analisado em função das condiçõesexistentes na época em que ele existiu. Tal atitude de análiseobjetiva foi desenvolvida por J. Schumpeter em sua Históriada Análise Econômica, tentando detectar os elementos,embora poucos, de verdadeira teoria existentes na enormemassa produzida pelos autores mercantilistas.

Os trabalhos mais recentes sobre o mercantilismo

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vieram pôr em destaque a riqueza, diversidade e aspeculiaridades dos textos mercantilistas, estabelecendonuanças, estudando aspectos específicos, permitindo umconhecimento bem melhor das relações entre as ideias epráticas mercantilistas e as condições históricas quê ascondicionaram. São assim os livros e artigos de Viner,Coleman, Charles Wilson, Lipson, Kellenbenz, Behrens, etc.

Concluímos assim que, hoje, longe de ser apenas umapalavra, o mercantilismo tampouco se confunde com umsistema ou doutrina ou algo parecido, identificando, sim,aquelas ideias e práticas econômicas que, durante trêsséculos, estiveram sempre ligadas ao processo de transiçãodo feudalismo ao capitalismo, e, mais particularmente, aosproblemas dos Estados modernos, absolutistas, e à expansãocomercial e colonial europeia iniciada com grandesnavegações e descobrimentos dos séculos XV/XVI. Indo umpouco mais longe, podemos ver no mercantilismo o conceitoque tenta dar conta da profunda conexão, da quaseimpossível dissociação, entre o político e o econômico, aqual constitui uma das principais características da épocasituada entre o final da Idade Média e o início da Revoluçãoindustrial.

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A EPOCA MERCANTILISTA

O estudo do mercantilismo só adquire seu sentidoverdadeiro quando o situamos no interior do contextohistórico que o tornou possível: o período de transição dofeudalismo ao capitalismo, também chamado de "épocamercantilista". Duas razões, pelo menos, apontam nessadireção: a distinção entre o mercantilismo e a épocamercantilista e o fato de que o elemento definidor porexcelência dessa época, embora às vezes esquecido, é oprocesso de transição.

Muito embora constitua um problema-chave para acompreensão de toda a época mercantilista, a transição dofeudalismo ao capitalismo é a grande ausente de boa parte dahistoriografia desse período. Argumentam alguns que aprópria idéia de transição é algo sem sentido pois, afirmam, aHistória é uma "eterna transição" e sendo assim não haveriacomo distinguir uma "transição na transição". Para outros,pelo contrário, a idéia de transição parece incompatível com

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um período tão longo, abrangendo vários séculos, pois, aoque tudo indica, deve existir uma duração cronológicamáxima para que se possa aplicar o conceito de transição.Seja como for, o resultado é o mesmo: conserva-se ainda aexpressão oriunda do século XVII Idade Moderna , outenta-se inovar utilizando uma outra expressão RevoluçãoComercial.

Do ponto de vista que assumimos, a passagem dassociedades ou formações sociais medievais, estruturadas emfunção das relações feudais então dominantes, para asformações sociais burguesas contemporaneas, cujasestruturas estão baseadas no caráter culminante das relaçõescapitalistas, constitui a caracteristica essencial do períodosituado entre os séculos XV/XVI e XVIII/XIX, ou seja, aépoca mercantilista. Quando se trata de definir com maiorexatidão o verdadeiro caráter dessa época, surgem deimediato pontos de vista contraditórios que podemosesquematizar da seguinte maneira:

1) um primeiro ponto de vista atém-se à suposta rupturaque marcaria o inicio dos tempos modernos, ignorando que aprópria idéia de modernidade é algo longamente construídoao longo do próprio período que mencionamos. No entanto,se retomarmos o velho livro de Henri Hauser, AModernidade do Século XVI , ali já encontraremos aquelaidéia de uma triplice ruptura: economica produzida pelaexpansão marítima, comercial e colonial e todos os seusefeitos sobre a economia européia (preços, moeda,exploração do ultramar, etc. ); política causada pelo

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surgimento dos Estados modernos centralizados, dandonova dimensão às guerras e à diplomacia e às relações entrepolítica e economia; espiritual ou ideológicaconsubstanciada no duplo movimento - que conhecemosatravés de denominações já cristalizadas Humanismo eRenascimento, Reforma e Contra-Reforma);

2) um ponto de vista oposto, entretanto, põe emprimeiro plano as continuidades sem dúvida ainda bastantereais, a começar pela permanência das relações feudais, tantono plano econômico quanto no político e social, além daprópria mentalidade dominante, resultando disso tudo aafirmação de que se trata realmente da fase final dofeudalismo, pois, embora em crise, é o feudalismo que aindase mostra dominante, pelo menos até o século XVII, naInglaterra, e, até 1789, na França;

3) se a presença de todo um passado feudal parececonferir a esta época uma espécie de continuidade em relaçãoaos séculos anteriores, cumpre, segundo um terceiro enfoque,pôr em relevo aquilo que é novo e que prepara, antecipa ou jáse identifica com tudo aquilo que virá: as relaçõescapitalistas. Sendo assim, esta é uma época pré-capitalistapor excelência, pois é no seu seio que se formam ougerminam os elementos que irão constituir mais tarde osistema capitalista.

Das três posições acima indicadas, parece óbvio que aprimeira é insustentável, uma vez que exagera bastante asrupturas, reais ou apenas supostas, e ignora as continuidadesbastante reais.

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Quanto à segunda, cujos argumentos são em parteválidos, talvez o seu maior obstáculo seja o de não dar adevida importância às mudanças estruturais que entãoocorrem, tornando difícil perceber quais as diferenças de fatoexistentes entre as formações sociais desse periodo e asformações sociais medievais. A terceira, finalmente, emboraindique corretamente a presença de elementos irredutíveis auma caracterização feudal, envereda facilmente peloscaminhos da teoIogia, tal a evidência do destino manifestoque parece fluir de sua certeza sobre o futuro capitalista, oque conduz a explicar uma época não por aquilo que ela é,mas em função daquilo que virá depois dela.

Nossa proposta sobre o caráter da época mercantilista éuma tentativa de englobar e superar as três perspectivasacima. Trata-se de reconhecer, por um lado, a existência,ainda, de relações feudais e, por outro, afirmar também aexistência, já, de relações de tipo capitalista. Um feudalismoem crise, em processo de desagregação continuada; umcapitalismo incipiente, todo um processo de acumulaçãoprimitiva, ou, segundo E. Balibar, um capitalismo aindaformal e não propriamente real. Até aqui, porém. o queestamos postulando é uma espécie de dualismo estruturalbaseado na coexistência e na interdependência de relaçõesfeudais e relações capitalistas. Ora, nosso ponto de vista éexatamente o da superação desse dualismo: o periodo detransição não é redutível nem a feudalismo, nem acapitalismo, nem tampouco à justaposição de ambos; trata-sede uma época com especificidade própria, resultante do fato

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de que em suas formações sociais concretas existemestruturas econômico-sociais, políticas e ideológicas que nemsão mais feudais, nem podem ser já chamadas exatamente decapitalistas são de transição.

* * *

As estruturas típicas do período de transição devem seraqui caracterizadas, de maneira bastante sumida por sinal,em quatro grupos: econômicas, sociais, políticas eideológicas. Vejamos, em primeiro lugar, as econômicas.

As estruturas econômicas

Para facilitar a nossa exposição vamos considerar, emrelação às estruturas econômicas, as relações existentes nocampo, na agricultura, e aquelas existentes na cidade, naindústria. No campo encontramos três tipos principais: oaforamento enfitêutico, a parceria e o arrendamento. Naprática cada um desses tipos se decompõe em formasvariadas conforme o tempo e o lugar que se considere e,além deles, existem também, em proporções muito diversas,os pequenos proprietários propriamente ditos e oscamponeses sem terras, trabalhando como assalariadospermanentes ou eventuais. O aforamento corresponde, emsua essência, à persistência de relações feudais reais (isto é,sem a servidão pessoal entre os foreiros e os senhores

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(nobres, eclesiásticos ou, até, em certos casos, burgueses) dasterras que cultivam; tais relações feudais podem apresentar-se ou não sensivelmente abrandadas, mas nem por issodeixam de existir. O arrendamento, ao contrário, identificaseou aproxima-se bastante das relações contratuais capitalistas,embora seja discutível afirmar-se que em si mesmo se tratade uma forma capitalista. A parceria ocupa um lugarintermediário entre os dois tipos anteriores, sendo talvez numcerto sentido uma forma tipicamente de transição. Ocapitalismo propriamente dito tende a contrapor-se a todasessas formas de produção camponesa e sua versão maisconhecida é a dos cercamentos ou enclosures, levados aefeito, principalmente na Inglaterra, por setores daaristocracia ou por elementos burgueses com a finalide deimprimir às relações no campo um caráter encialmentecapitalista, pressupondo a supressão forçada de todas asformas de exploração pré-capilistas, com a consequenteexpropriação e mesmo expulsão do antigo campesinato.

Na cidade, verificamos a existência de dois tiposbasicos: artesanato e manufatura. O artesanato corresponde àpersistência da produção em pequenas oficinas quase sempreorganizadas em corporações ou guildas, para efeito de defesade seus interesses e manutenção da própria estrutura interna,hierarquizada. O artesão é aí dono não só dos meios deprodução, como do próprio processo de produção.Já a manufatura se apresenta como um tipo de organizaçãoqual no o produtor direto, ainda um artesão,

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encontra-se subordinado a um empresário que Ihe fornece,conforme o caso, a matéria-prima, certos instrumentos detrabalho e se apropria da produção, pagando por tarefa ou,mais tarde, pagando um salário. A manufatura pressupõeuma divisão maior ou menor do trabalho e conduz, sobretudono século XVIII, a uma progressiva especialização defunções, além de tender a organizar segundo seus próprioscritérios o processo produtivo como um todo. Apenas a títulode indicação muito genérica, é possível afirmar que oartesanato é ainda feudal, enquanto que a manufatura seriatipicamente de transição ou mesmo, como querem outros,capitalista, pois iríamos longe se quiséssemos discutir aqui oproblema do caráter capitalista ou não das relações deprodução na manufatura.

As estruturas sociais

O tipo de sociedade que corresponde à épocamercantilista é conhecido, em geral, como Sociedade doAntigo Regime e tem como característica principal o fato deser uma "sociedade de ordens", quase sempre identificadacom o conceito weberiano de sociedade estamental. Tanto adenominação em si quanto a própria caracterizaçãoenvolvem problemas bastante complexos que, aqui, iremosapenas indicar em termos muito gerais. A denominação de"Antigo Regime", criação dos revolucionários franceses de

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1789 para identificar e condenar todos os aspectoseconômicos, sociais e políticos existentes na sociedadefrancesa até 1789, embora cómoda e largamente difundida,trai sempre a sua origem gaulesa e não se aplica facilmente,quer quanto aos limites cronológicos, quer, principalmente,com relação à própria natureza da sociedade que pretendeidentificar, às diversas formações sociais europeias. Hámesmo casos em que ela não se aplica -- como para aInglaterra e as Províncias Unidas , ou só se aplica comdúvidas e restrições. Bem mais grave, porém, é a naturezamesma da sociedade que tal expressão pretende denotar --a chamada sociedade de ordens. Com efeito, embora nemtodos se dêem conta do fato, a caracterização em termos desociedade de ordens ou estamental envolve, habitualmente,uma negação formal a respeito da possibilidade teórica ou davalidade histórica de se analisar essa sociedade em termos declasses sociais. Confundem-se então perspectivas teóricasbem diversas cujo elemento comum é a referida negação. Deum lado, estão os historiadores que se baseiam numa certaleitura de Marx e Engels, ou nos textos de Lukacs, e afirmamo caráter estritamente capitalista e burguês da sociedade declasses e da consciência de classe, daí inferindo aimpossibilidade de utilizar-se o conceito de "classe social"em sociedades pré-capitalistas. De outro lado, colocar-se oshistoriadores de formação empirista (positivista), que sebaseiam no critério da evidência, tanto aquela obtida atravésdo vocabulário e dos discursos da própria época -- onde a palavra "Classe"

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e a expressão "classe social" simplesmente não aparecem ou,então, existem, mas com significabos inteiramente diversos,como aquele outro tipo de evidência obtido através do estudodos chamados "níveis de consciência" e das "mentalidades"em geral, onde também seria de todo impossivel detectartomadas de consciência reveladoras de uma verdadeirapercepção daquilo que denominamos de classe social.

Do nosso ponto de vista, todavia, acreditamos que épreciso distinguir, ao lidarmos com a Sociedade do AntigoRegime, como aliás com sociedades pre-capitalistas de ummodo geral, dois níveis de análise: num primeiro nível,trabalhando com aqueles textos que revelam a propriamaneira daquela sociedade autodefinir-se, não resta a menordúvida de que se trata de uma sociedade de ordens ou "deestados", pois é assim que ela se vê, através da ideologiadominante, essencialmente voltada para a defesa, justificaçãoe conservação dos interesses e privilégios de toda sorte quedesfrutam os setores econômica e politicamente dominantes.No entanto, num segundo nível, utilizando como categoriasanalíticas os conceitos do materialismo histórico, a partir daprópria estrutura sócio-econômica, privilegiando portanto asrelações de produção, verificamos que as classes existem e,mais ainda, existem também as lutas de classes. Apenas, porforça das inúmeras mediações políticas, jurídicas eideológicas, fato aliás inerente a esse tipo de estrutura social,tais classes não são transparentes e a sua consciência não poderá

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ser buscada nos mesmos termos em que isso se dá nassociedades capitalistas.

Na realidade, a chamada sociedade de ordens tentaescamotear através de diversas práticas polticojurídicas eideológicas aquilo que é o caráter essencial mesmo de taissociedades: a existência de uma classe de proprietárias deterras, ou senhores de terras, que se autodefinem comoordens (nobreza e clero), e uma classe de camponeses,ocupantes dessas terras, produtores, diferenciados entre siatravés de um sem-número de critérios ou costumes, mastendo em comum o fato de que, salvo uma parcela mínima,todos eles apenas possuem as terras, mas não sãoefetivamente donos delas. Simultaneamente, devemosmencionar a existência de um número crescente decamponeses sem terras, espécie de proletariado rural, bemcomo o aumento de propriedades rurais em mãos deindivíduos de origem burguesa, sobretudo comerciantes. Ofato central, porém, é a oposição entre senhores ecamponeses.

Outro aspecto a ser levado em conta é aexistência de uma burguesia mercantil, muito variávelem número e poder econômico, de uma formaçãosocial a outra, e, em alguns casos, a presença de umaburguesia industrial incipiente, estando cada umadessas burguesias dividida em segmentos ou setorespor vezes bastante diferenciados. Tal burguesia(mercantil ou industrial) tende, no período em estudo,a opor-se ao predomínio dos interesses e àmanutenção dos privilégios da aristocracia (nobreza eclero). Tal oposição, no entanto, é extremamente

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variada, pois não envolve necessariamente a negação daprópria sociedade aristocrática, podendo significar, apenas ecom frequência, a luta pela possibilidade e pelo direito deenobrecer-se também, ou a luta pela obtenção de privilégiosque representem vantagens econômicas, políticas ou desimples status social. Finalmente, tampouco pode sercaracterizada em bases simplistas a relaçao dessa burguesiacom o campesinato, como sendo a de uma aliança antifeudal,bastando lembrar, nesse sentido, que o desenvolvimento derelações capitalistas no campo tende a opor, cada vez mais,os interesses camponeses aos da burguesia.

As estruturas políticas

A estrutura de classes da sociedade do AntigoRegime e os conflitos entre essas classes assumemcontornos mais nítidos quando analisamos suas formaspolíticas mais ou menos institucionalizadas, cujaexpressão máxima é o Estado Absolutista. Esse é defato o lugar por excelência dos confrontos entre asclasses e frações de classes nas diversas sociedades daépoca mercantilista. Seria inútil, além de err ôneo,tentar definir esse tipo de Estado a partir decaracterizações mais ou menos unilaterais como"feudal", "capitalista" ou "neutro". A rigor, ele não éexatamente nenhuma dessas coisas. Trata-se do tipo deEstado que caracteriza a transição, impossível de ser

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reduzido a mero epifenômeno da estrutura econômica, ouseja, do modo de produção dominante. Cremos que adiscussão deve ser encaminhada de outra maneira, menossimplista.

O Estado absolutista é, antes de mais nada, um, EstadoModerno, ou seja, um tipo de Estado que é resultante devários séculos de formações e de lutas, no final da idadeMédia, levadas a cabo contra os universalismosrepresentados pelo Papado e pelo Império e também contraas tendências localistas dos senhorios feudais e das comunasurbanas. Afirmando-se como Estado territorial, governadopor um príncipe, através de uma complexa política deconcentração do poder e centralização administrativa, oEstado moderno define-se rapidamente como Estadomonárquico absolutista, isto é, pelo fato de que todo o poderestá nas mãos de um rei ou príncipe que é, de fato e dedireito, o seu soberano. Simultaneamente, esse Estadopressupõe a existência de um aparelho burocrático e militarque não só execute as determinações do soberano, mas dê narealidade uma forma visível e concreta à própria idéia depoder que o monarca personifica. O Estado é o Rei, porémeste é na verdade o conjunto de instâncias e agentesburocráticos que são os seus oficiais.

O problema principal, mais uma vez, é tentardefinir qual a exata natureza social e política desseEstado monárquico absolutista. Costumam algunsestudiosos do assunto atribuir a esse Estado umcaráter eminentemente burguês, alegando que teriasido graças ao auxílio da burguesia que os príncipes

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puderam levar de vencida a oposição dos senhores feudais;ou, então, lembrando que era comum a presença deindivíduos de origem burguesa em cargos e funções das maisimportantes na cúpula do Estado absolutista, gozando daplena confiança dos respectivos monarcas. No primeiro caso,porém, esquecemse de que o processo de formação de taisEstados não foi algo tão simples assim que se possaequacionar em termos de uma aliança entre uma classe e umindividuo, bastando ter em mente que, em geral, os príncipescontaram com o apoio de outros segmentos sociais e que aprópria aristocracia (clero e nobreza) em geral apoiou acentralização, justamente porque esta lhes era vantajosa,cabendo a setores minoritários, nao raro pouco expressivos, aoposição decidida à política centralizadora (e, neste caso,também houve oposição de setores da própria burguesiaurbana). Quanto ao segundo argumento, parece-nos que pecapelo exagero: não basta pinçar aqui e ali exemplos deministros influentes de origem burguesa; é bom lembrar,primeiro, que, em se tratando de número, os altos cargossempre foram preenchidos quase totalmente por membros doclero e da nobreza e, segundo, que o critério da origemburguesa de um ministro ou conselheiro não define a suaposição de classe, sendo mais do que sabido que quase todostenderam a enobrecer-se e confundir-se, eles ou seusdescendentes, com a aristocracia dominante.

Frustrado o argumento das origens sociais (sic)do Estado absolutista, ou da origem social de suaselites dirigentes, tenta-se, por vezes, afirmar a tese da

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natureza neutra desse mesmo Estado, que seria o resultadode um equilíbrio de classes, natural ou provocado pelopróprio príncipe, a fim de que esse mesmo príncipe pudesseter as mãos livres para governar de maneira absoluta. Talconcepção, completada em alguns casos pela idéia de quecaberia à burocracia desse tipo de Estado uma quase totalautonomia em relação às diversas classes, embora pareçacorreta, em sua logicidade aparente, peca, à luz dos própriosfatos conhecidos, por dois erros: dissocia o príncipe de suaprópria classe e o transforma, e ao poder que encarna, numaespécie de bonapartismo a-histórico; alem disso, omite o fatode que, apesar de tudo, a aristocracia é ainda a classedominante, económica, política e ideologicamente. Cria-se,dessa maneira, uma inquietante confusão entre o que sejaclasse dominante e o bloco no poder, este sim, dadas ascaracterísticas da própria época de transição, sujeito acomposições e remanejamentos que ora ampliam, orarestringem ou mesmo elirninam a presença de representantes,ou a expressão dos interesses, de outras frações ousegmentos sociais, o que não se confunde, salvo conjunturasmuito específicas, com aquele caráter de estrita neutralidadegenericamente atribuído ao Estado absolutista.

Em sendo ele o Estado de um período detransição bastante específica, é natural que a práticado Estado monárquico absolutista se apresente comnuanças bastante variadas, complexas e até mesmocontraditórias. Tal fato tem dado margem a muitasconfusões e simplificações, pois, dependendo dos aspectos

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que o historiador privilegie, ele tanto pode serdefinido, funcionamento, como feudal ou como capitalista.Na verdade ele é ambas as coisas e, ao mesmo tempo, é algomais do que essas duas coisas. Do ponto de vista dossegmentos aristocráticos, o Estado absolutista representoubasicamente um tríplice papel: em primeiro lugar ele foi ummecanismo ágil e eficiente de defesa e manutenção dosistema de apropriação do excedente ou da renda feudal pelaaristocracia fundiária, numa época, a de transição, onde oproblema crescia era a tendência ao declínio de taisrendimentos; nesse sentido ele pode ser visto como a pecafundamental da chamada reação feudal; em segundo lugar,esse tipo de Estado assegura à aristocracia a manutenção desua hegemonia, em seu sentido mais amplo; por último,consequência dos dois aspectos anteriores, o Estadoabsolutista, ao possibilitar a organização e contínuocrescimento de uma verdadeira máquina burocrática, ofereceà aristocracia a possibilidade de novas e sempre maisatraentes formas de obtenção de rendimentos extrasvinculados ao exercício de funções de proa, algumasmeramente honoríficas, bem como a obtenção de toda sortede benefícios financeiros que a generosidade do príncipedistribui entre os membros da sua nobreza. Dessa forma,estabelece-se uma relação dialética entre a eficácia dodomínio absoluto sobre pessoas e coisas e o incremento dosrecursos econômicos e financeiros manipulados ou absorvidospelo Estado absolutista, em nome, é claro, das funções einteresses de caráter cometido que ele pretende exercer

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e representar. Sua resultante é a constituição de uma espéciede renda feudal indireta, ou seja, uma verdadeira massa derecursos financeiros à disposição do tesouro real, provenienteda tributação obtida às custas das atividades produtivas emercantis não beneficiadas pelas imunidades e outrosprivilégios fiscais; Desse modo, uma boa parte do fruto dotrabalho do campesinato e da burguesia é transferido, porintermédio do Estado absolutista, para os setores parasitáriosda sociedade -- grupos feudais tradicionais e novaaristocracia, de caráter burocrático -- , contrabalançando,assim, em maior ou menor escala, a tendência declinante darenda feudal propriamente dita. Visto sob este angulo, o detransferidor de renda, o Estado absolutista reveste um caráterinegavelmente feudal.

Convém notar, porém, que existem outros aspectosinerentes ao Estado absolutista que complicam um pouco avisão acima exposta. Um primeiro aspecto é a dinâmicaprópria que possui o Estado absolutista, isto é, ao mesmotempo que se ampliam as suas funções, crescem também asnecessidades financeiras cuja satisfação tende a exigir umaeficácia sempre maior no âmbito de suas práticas econômicase políticas -- uma racionalidade crescente, como diz MaxWeber. Disso depende não apenas sua estabilidade, mas suaprópria possibilidade de existência. Não é difícilcompreender, então, por que desde seus primórdioso Estado absolutista foi forçado a estabelecerligações cada vez mais estreitas com os diversossetores da burguesia nascente. Isso pode ser visto através

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de três situações principais: a primeira corresponde àsrelações financeiras entre o rei e seus comerciantes ebanqueiros, traduzidas em empréstimos, contratos fiscais(arrecadação de impostos), transações cambiais, etc.; asegunda identifica-se com as práticas econômicas e fiscaismais adequadas, tanto aos objetivos de lucro da burguesiamercantil e manufatureira, quanto ao aumento daarrecadação de impostos e taxas pelo Estado; é aí, aliás, quese situa o próprio mercantilismo, como veremos adiante; e,por último, o próprio Estado absolutista tende a utilizar osconhecimentos e a competência de elementos burguesesnaqueles setores do seu aparelho burocrático em que isso éfundamental e para os quais a aristocracia se reveladespreparada ou desinteressada; como compensação, abrem-se à burguesia os caminhos da ascensão social e do prestígiopolítico, sobretudo a possibilidade de enobrecimento efetivo.Constata-se então que está na própria lógica de tal sistema oapoio do Estado absolutista às atividades produtivas ecomerciais das camadas burguesas: não é, portanto, porsimples acaso que se identificam na ideologia mercantilista ariqueza do Estado e a riqueza de seus habitantes. Como éóbvio, a existência de riqueza é condição prévia para suatransferência; os meios e modos de promover oenriquecimento, identificando-se o pais e o Estado, vêm aser, para o Estado absolutista, ao mesmo tempo um meio e umfim. Seria então, nesse caso, o Estado absolutista um Estadocapitalista?

Para respondermos a essa última pergunta precisamos

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, agora, tentar compreender o mesmo quadro a partir da ótica própria à burguesia. Parece um fato indiscutível o apoio da burguesia à política dos príncipes, tanto durante os séculos finais da Idade Média, quando se constituíam os Estados modernos, quanto mais tarde, já em plena vigência dos Estados monárquicos absolutistas. De uma maneira geral, é verdade, a burguesia, particularmente a burguesia mercantil, encontrou na aliança com os príncipes um instrumento capaz de favorecer seus próprios interesses econômicos e políticos: internamente, a criação de um espaço econômico mais amplo, menos sujeito aos caprichos dos senhores feudais e das comunidades urbanas, aliada a obtenção de certos privilégios e garantias, não só ampliava as próprias atividades mercantis, como ainda podia servir para evitar que um número excessivo de competidores pusesse em risco a margem de lucro, limitando assim, sempre que possível, a determinados grupos ou setores, os negócios e empreendimentos mais importantes e lucrativos. Externamente, o apoio do Estado tende a impedir a concorrência "desleal" de comerciantes e mercadorias estrangeiras, ao mesmo tempo que possibilita a conquista e exploração, em caráter exclusivo, dos mercados externos, destacando-se aí as colônias ultramarinas. Do ponto de vista específico da burguesia industrial nascente, outras vantagens podiam ser obtidas dessa aliança com o Estado absolutista: podendo ditar e modificar as regras que presidem às atividades econômicas, o príncipe é capaz de favorecer os interesses da burguesia não apenas

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com auxílios financeiros e direitos de monopólioconcedidos como privilégios, mas principalmenteassegurando-lhe mão-de-obra abundante, barata, eestritamente submetida à vontade dos empresários, ao seulivre arbítrio, em nome dos interesses do Estado.

Mas, afinal, esse Estado é feudal ou é capitalista? Naverdade, diríamos que ele é as duas coisas e por issomesmo não é exatamente nem uma nem outra. Trata-se deuma relação essencialmente contraditória: o apoio aocapital comercial e, pelo menos de início, ao capitalindustrial não se opõe, necessariamente, à defesa emanutenção dos interesses senhoriais ou feudais daaristocracia dominante. Para poder compensar o declínio darenda feudal, o Estado absolutista necessita cada vez maisaumentar seus próprios rendimentos (arrecadação) e isso sóse torna possível protegendo e estimulando ao máximo asatividades produtivas e comerciais em geral. O Estadoabsolutista tende a expressar a busca de um equilíbrioprecário, a longo prazo impossível, entre classes e fraçõesde classe cujos interesses são em parte complementares eem parte antagônicos. Enquanto a fração mercantil daburguesia associa-se ao Estado absolutista e transitalivremente em seu aparelho burocrático, a burguesiaindustrial (ou manufatureira), ainda que buscando ouaceitando, de início, a proteção do príncipe (como se deuna inglaterra Tudor), tende, a médio ou longo prazo, a seopor a essa mesma política econômica do Estadoabsolutista, isto é, ao mercantilismo. A partir daí, isto é, do

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nascimento do liberalismo, irão definir-se as condiçõesque possibilitarão a revolução burguesa, antifeudal,antiabsolutista, seus vários caminhos, passando ou nãopelo reformismo ilustrado dos chamados "déspotasesclarecidos" do século XVIII.

As estruturas ideológicasNeste nível devemos estabelecer uma primeira

distinção entre aqueles elementos mais gerais que constituemo fundo comum às transformações então em curso, nocontexto das tomadas de consciência e das formas depensamento que estas últimas revelam, e certas questõesmais especificas, ligadas diretamente ao tema que ora nosinteressa o mercantilismo , as quais se resumem, em últimainstancia, no lugar ocupado pelo poético e pelo econ ômiconos variados discursos produzidos durante esta época.

Os elementos mais gerais que mencionamos, nos quaisnão iremos nos deter aqui, podem ser sumariamenteindicados como: o surgimento e cristalização de uma certavisão ou conceito de modernidade que terá, como um de seussubprodutos, a chamada teoria do progresso; a seguir, aquiloque G. Gusdorf denomina de "passagem da transcendência àimanência", isto é, o abandono de concepções epreocupações construídas em função de uma ordenaçãosobrenatural ou extraterrena do mundo e do homem,

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em favor de uma visão essencialmente calcada na natureza eno homem em si mesmos; em terceiro lugar, o avanço dasecularização, quer dizer, o recuo das formas de pensamentoe das instituições eclesiásticas, a afirmação do Estado comorealidade própria, o desenvolvimento de teorias científicas efilosóficas apoiadas no racionalismo e no humanismo,renegando a plano secundário o primado da teologia; porúltimo, a afirmação, pouco a pouco, do individualismoburguês. Assim, durante o processo de transição, o universoideológico medieval (ou católico-feudal) cede lugar aouniverso ideológico moderno (secular, imanentista,racionalista, individualista) ou burguês.

As questões específicas a que nos referimos linhasacima consistem na verdade no problema da autonomizaçãodiscursiva do político e do econômico. Para que se entendamelhor a natureza desse problema, convém lembrarmos quetalvez possa parecer estranho a nós, em pleno século XX,colocar o problema da própria possibilidade de existência deépocas ou de sociedades nas quais não existam, a rigor,condições que permitam pensar em si mesmos, comorealidades mais ou menos autônomas, aquilo que noshabituamos a chamar de "político" e de "econômico". Noentanto, bem poucos se dão conta do quão recente é adelimitação de tais campos definidos de saberes, de tal formaestamos habituados a conviver com eles como se semprehouvessem existido. E, todavia, datam do final do séculoXVIII e começos do século XIX os processos intelectuais e

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Maquiavel e a autonomização do político.

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ideológicos que fizeram nascer os saberes particulares e ascompetências específicas que estão na origem das ciênciashumanas.

A especificidade do período de transição, em relação àproblemática que acabamos de esboçar, está exatamente naexistência de uma certa defasagem entre o processo deautonomização do político e o processo idêntico relativo aoeconómico. Mais ainda, o espaço que medeia essas duasautonomizações é justamente aquele que chamamos de"mercantilismo". A autonomização do político, isto é, apossibilidade de pensar e produzir um discurso a respeito dapolítica como realidade imanente, possuidora de lógicaprópria, desvinculada das preocupações teológicas efilosóficas, morais e transcendentes, que até então haviammarcado os tratados e utopias políticas, tem seu ponto departida na obra de Maquiavel, no início do século XVI. Asecularização do Estado, o abandono das especulações sobreo tipo de Estado ideal em troca da análise daquilo que oEstado é de fato, marcam a obra de Maquiavel e assinalam oinício de um verdadeiro discurso político. Toldada pelasreações àquilo que parecia uma obra ímpia e amoral,sobretudo durante as longas décadas de conflitos religiososprovocados pelas Reformas, a análise política só iria retomarseu vôo em pleno século XVII, com as obras de HugoGrotius e Thomas Hobbes, nas quais se afirma o caráterconvencional e histórico da sociedade (civil e política). Tantoos seguidores da perspectiva mais racionalista deGrotius, sobretudo os chamados "jusnaturalistas" alemães

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dos séculos XVII/XVIII, quanto os continuadores daperspectiva mais empirista de Hobbes, sobretudo Locke eHume, postulam a existência de um direito imanente oupositivo com princípios naturais de justiça, universais eeternos, onde se destacam os direitos inerentes à próprianatureza do homem. Embora com formulações distintas entresi e em relação aos seus antecessores, Montesquieu,Rousseau e os enciclopedistas consolidam essa visão de umcampo distinto, próprio ao político.

Já a questão do econômico aparece sob um fococompletamente distinto na época em exame. Observe-se, logo de saída, que não se trata de afirmar aqui aexistência ou não do econômico como sinônimo deeconomia, o que seria absurdo, nem tampouco desupor que esse mesmo econômico fosse um ilustredesconhecido para os homens dessa época, o quetambém seria fantástico. O que não existia ainda era oeconômico como campo distinto ou mais ou menosautônomo do pensamento. Existem idéias que podemoschamar de econômicas, mas elas só artificialmentepodem ser isoladas das formações ideológicas e dosseus respectivos discursos, onde sua existência mesmaestá sempre associada a outras categorias e formas depensamento não econômicas. A economia é ainda aadministração doméstica, o controle dos negóciosprivados. Aquilo que nós chamaríamos hoje deeconomia aparece então sempre subordinado aoEstado, sempre mais como política do que comoeconomia. Dai referir-se Montchrétien à EconomiaPolítica. Por esse motivo, não encontraremos livros

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ou tratados de economia, mas sim, quando muito, poderemospingar, aqui e ali, nas obras dos teólogos, filósofos, ministrose comerciantes, certas ideias que para nós são idéiaseconômicas. No contexto em que são produzidas, e que lhesconfere sentido, tais ideias podem, no máximo, caracterizarum corpo de observações ou preceitos de política econômica,mais nada.

São essas ideias econômicas do periodo de transiçãoque nós habitualmente denominamos de "idéiasmercantilistas". Não acreditamos que sua explicação possaser obtida através da simples afirmação de que elasconstituem a ideologia do "capitalismo comercial" (sic) ou daburguesia em ascensão. Estamos convencidos de que asimples atribuição de uma origem de classe a tais idéias nãoresolve o problema que mais interessa aqui: o porquê de suaestreita associação à dimensão política que se expressaatravés do Estado absolutista, ou, em outras palavras, a suanão autonomia enquanto expressão do econômico. Aresposta só será viável se tivermos bastante clareza a respeitoda dependência do econômico em relação ao político emnivel ideológico, fato esse que se traduz, por exemplo, narelação dialética entre poder e riqueza, tão difundida nessaépoca, ambos podendo ser pensados, como meio ou comofim, reciprocamente.

A autonomização do econômico subentende aexistência de uma fase durante a qual aquilo queentendemos como ideias econômicas aparece aindaintimamente associado a outros tipos de discursos,

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principalmente políticos em função dos interessesque emanam do Estado absolutista e teológicosdada a sobrevivência ainda, pelo menos até o séculoXVII, de muitas das idéias econômicas escolásticas.O mercantilismo, enquanto discurso político-econômico, traduz sobretudo a primeira daquelasduas associações, mas absorve também algumas daspreocupações oriundas do discurso escolástico.Talvez, devido a este último fato, apareça como algosimplista a definição do mercantilismo como sendo a"razão de Estado" aplicada à esfera das relaçõeseconômicas. Embora o discurso mercantilistaavance, pouco a pouco, no sentido de formular umavisão secular e racional dos fenômenos político-econômicos, tentando articulá-los através de umavisão pessimista em que se postula como necessáriaa intervenção do Estado, ele se mostra incapaz desuperar, salvo em caráter excepcional, como foi ocaso de Emitiam Petty, as suas próprias limitações,ou seja, em outras palavras, ele quase nuncaultrapassa as condições concretas que tornampossível a sua própria produção: o predomínio daspráticas mercantis e das formas de pensamento aelas associadas, a hipertrofia, por conseguinte, dacirculação e o papel secundário e subordinado daprodução propriamente dita. Assim sendo, aautonomização do econômico iria inscrever-sehistoricamente na superacão, ou conclusão, doprocesso de transição para o capitalismo, o quesignifica dizer que, com o desenvolvimento dasformas capitalistas de produção e a aceleração daacumulação primitiva, revelasse a insuficiência

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ou inadequação das idéias e práticas mercantilistas ese afirma a possibilidade de um outro discurso, onde oeconômico assume uma posição dominante e cuja primeiraformulação será o liberalismo econômico, ao tempo daRevolução industrial, na segunda metade do século XVIII.

A evolução conjunturalOs dados mais gerais dessa evolução são os que

remetem às grandes linhas dos movimentos de conjunto daeconomia européia durante a época mercanlilista, marcando,de certa maneira, o ritmo e mesmo certas tendências dasidéias e práticas mercantilistas. Um estudo mais minuciosonos conduziria certamente à análise das conjunturas políticas,sobretudo aquelas ligadas às relações internacionais eportanto as guerras entre os Estados absolutistas, e, umpouco além, consideraríamos também as chamadasconjunturas mentais ou sucessivas visões do mundo queexpressam, no nível ideológico, as diversas etapas e formasassumidas pelo conjunto das manifestações ideológicas maissignificativas desse período. Por ora, no entanto, apenasindicaremos, em seus grandes traços, a evolução conjunturalda economia.

Como primeira conjuntura, correspondendo,mais ou menos, aos anos situados entre 1450 e 1600ou 1620, em conexão com as grandes navegações edescobrimentos marítimos e coloniais iniciados pelos

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países ibéricos, temos como características principais: ocrescimento das atividades produtivas em geral, na Europa; ogrande afluxo de metais preciosos e os problemas monetáriosligados a tal aumento das quantidades de ouro e prata nospaíses europeus; a elevação geral de preços e salários,embora, neste particular, haja grandes diferenças quanto aoritmo e aos níveis dessa elevação através da Europa e,principalmente, conforme o país, disparidades quando setrata de avaliar a relação entre elevação dos preços eelevação de salários reais ou mesmo nominais; a retomada doaumento demográfico; as oscilações das taxas de juros; oaparecimento ou difusão de novos instrumentos comerciais ede novas formas de organização mercantil e industrial . Tudo isso está no bojo das transformações que alguns gostamde denominar de Revolução Comercial e que outros, maisrecentemente, preferem situar num contexto bem maisamplo, como um verdadeiro sistema de acumulação mundialou, então, um sistema mundial moderno, analisando comoum todo integrado tanto as formas econômicas das diversasregiões europeias, quanto os estabelecimentos coloniaiseuropeus no Novo Mundo, e ainda seus entrepostos africanose suas posições comerciais e militares no Sudeste da Asia eno Extremo Oriente.

* * *

A segunda conjuntura é aquela demarcada pelosanos que vão de 1600 ou 1620 até 1700 ou um pouco

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mais, ou seja, o século XVII e a crise que geralmente lhe estáassociada, muito embora, hoje em dia, se constitua umproblema à parte a exata definição do caráter e daabrangência econômica e geográfico dessa famosa crise. Ocerto é que na Europa certas características são mais oumenos comuns: diminui ou mesmo estaciona o ritmo dasatividades econômicas Produtivas e mercantis; reduz-sedrasticamente o afluxo de metais preciosos, fazendoescassear o ouro e a prata e criando dificuldades monetáriasinversas àquelas típicas do século XVI; muitos países sofremsensível redução da sua capacidade de importar, pois vêemcair bastante as suas exportações; ocorre também uma quedabastante sensível do crescimento demográfico, associada,segundo alguns historiadores, à intensificação das crises desubsistência, à fome e à guerra tornadas epidêmicas, tal comoas epidemias propriamente ditas. A incidência de taisfenômenos revela-se bastante desigual de um país aoutro, ou no interior de um mesmo país. Afinal, esteé o século da grande prosperidade das ProvinciasUnidas e, em menor escala, da inglaterra e da Suécia,e será também, mais adiante, o século de Colbert. Asgrandes oscilações conjunturais não impedem umaatividade mercantil em expansão, sobretudo naesfera marítima e colonial, onde se destacam ascompanhias de comércio. Houve, isto sim, umaintensificação da concorrência, agravada pordisparidades de preços, salários, acesso a matérias-primas e transportes, etc. A partir daí, certos Estadosou regiões foram capazes, mais do que outros, de

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obter maiores lucros e superar seus competidores,provocando, em consequência, o declínio de determinadasáreas e o ascenso de outras ao primeiro plano da produção edo comércio. Entre as que declinaram estão sem dúvida asregiões ibéricas e as do Centro-norte da Itália.

Por último, estendendo-se de 1700 ou 1720 ate 1810 ou1815, temos a conjuntura do século XVIII, a qual, vista comoum todo, assinala uma reversão quase geral das tendênciastípicas da crise do século anterior. Assiste-se a um rápidoaumento da produção agricola e manufatureira, multiplica-seo comércio interno e externo, retoma-se, em parte pelomenos, o afluxo de metais preciosos rumo à Europa,tendendo então os preços a se elevarem, tal como os salários,embora não necessariamente na mesma proporção queaqueles. Há também uma retomada, se é que se pode chamá-la assim, da expansão demográfica, sobretudo a partir de1740, de um extremo a outro da Europa, aumentandotambém consideravelmente o volume do movimentomigratório: das áreas rurais para as urbanas, sobretudo naEuropa Ocidental, e das regiões européias para as colôniasamericanas. A grande novidade é a afirmação do carátercapitalista nas transformações que então têm lugar, com aInglaterra ocupando ai o primeiro posto, enquanto se agrava,sobretudo nas regiões ocidentais do continente europeu, acrise das estruturas senhoriais ou feudais, possibilitandotentativas reformistas, adaptações, que revelam aascensão de uma nova sociedade, capitalista e burguesa.

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AS IDÉIAS MERCANTILISTAS(EVOLUÇÃO E TEMAS CENTRAIS)

Perspectiva histórica

As origens das primeiras formulaçõespropriamente mercantilistas estão associadas a duasordens de fatores: a chamada herança medieval e oconjunto de transformações que caracterizam, nosséculos XV/XVI, o início dos tempos modernos. Nesteseu primeiro momento a ideologia mercantilista denotaclaramente a coexistência de dois tipos de discurso, osquais, para simplificar, chamaremos de "medieval" ede " moderno ", respectivamente. Somente aos poucosessa espécie de dualismo foi superada, cedendo lugarao discurso mercantilista clássico, o do século XVII.No século XVI, todavia, a maior parte dos textosmercantilistas revela ainda aquela coexistência quese expressa sob a forma de um diálogo, em geral

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inconsciente, entre as formas de pensamento medievais,escolásticas, e as propriamente modernas, mais emconsonância com a nova realidade resultante do impacto dasgrandes navegações e descobrimentos e da afirmação dosEstados modernos.

O chamado " fundo medieval" é constituído portodo o conjunto de idéias e práticas econômicas,típicas das comunas medievais, que caracterizam aeconomia urbana. Regulamentando as atividadesmercantis e artesanais, em seus múltiplos aspectos, asautoridades municipais desenvolveram uma série depráticas intervencionistas retomadas, ainda no séculoXV, por alguns monarcas que logo trataram de ap1ica-las no âmbito político-econômico mais vasto de seusEstados. Temos aí, por exemplo, a preocupação emassegurar o mercado e zelar pela qualidade dosprodutos e pelos preços compensadores, a fim deproteger os ofícios urbanos, transferida ao conjunto daprodução artesanal de um país. Veja-se, ainda, apolítica que era adotada em relação aos produtoresrurais e que visava assegurar aos habitantes da cidadeum abastecimento de alimentos que fosse ao mesmotempo abundante e barato, traduzindo-se, narealidade, pela fixação de preços máximos para osprodutos agrícolas (enquanto os artigos da indústriaartesanal eram protegidos por preços mínimos). Esseverdadeiro colonialismo urbano é retomado pelosEstados monárquicos e transposto para um espaçogeográfico muito mais amplo, dando origem aocolonialismo mercantilista. Na inglaterra, osexemplos dessas práticas intervencionistas remontam

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ao século XIII, voltadas principalmente para aexportação das lãs e para a produção de panos de lã nas ilhasbritânicas, porém é no século XVI, com a dinastia Tudor, queelas se generalizam e são sistematizadas. Na França, noséculo XV, principalmente sob Luís XI, há exemplosbastante parecidos, além de uma preocupação acentuada como problema da evasão de metais preciosos. No entanto, nãose trata, ainda, de mercantilismo, pois as preocupaçõesfiscais são ainda dominantes.

Ao nível do discurso, esses antecedentes medievaisestão marcados pelas concepções escolásticas, sempre maisou menos reticentes a respeito de atividades dominadas pelabusca do lucro. Não é por acaso que os textos escolásticospõem em relevo a idéia do justo preço e condenam a usura jáque o "dinheiro não pode produzir dinheiro". A ênfase quedão a uma economia de subsistência onde se produza apenaso necessário e não o supérfluo, onde os diferentes bensatendam às necessidades humanas, mas não sejam meios deexploração e de especulação, coloca o "vil metal" em posiçãosecundária e condena aqueles que tentam acumulá-lo e assimo valorizam acima de qualquer outra coisa. Explica-se assimtalves por que, a princípio, o valor é referido ao custo daprodução, ao trabalho empregado nas diversas atividades. Amudança de perspectiva a esse respeito, observável já no finalda idade Média nos escritos de Buridan e Oresmius, quandose privilegia cada vez mais a utilidade dos bens, traduzcertamente uma atitude mental em estreita relação com as

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transformações econômicas e sociais então em curso. Importa ressaltar o caráter essencialmente ético,

finalista, da visão escolástica a respeito dos fenômenoseconômicos. Exaltando sempre o justo, o honesto, o certo, obom, e colocando sempre na base de tudo o princípio doBem Comum, era difícil para essa forma de pensamento nãocondenar, ou somente aceitar com muitas restrições ecautelas, a busca do lucro que movia os empresários, aacumulação da riqueza material, a ostentação e o luxo,principalmente quando os meios utilizados envolviam aespeculação, inclusive sobre gêneros de primeiranecessidade, a cobrança de juros real ou aparentementeabusivos; etc.

Movendo-se, a partir do final da idade Média, em meioa uma realidade cujas rápidas mudanças se contrapunham,pelo menos na prática, a muitos de seus princípios básicos,os autores escolásticos viram-se obrigados a realizar todo umesforço de reflexão sobre essa nova realidade. Através desucessivas racionalizações e distincões minuciosas ecomplexas, lograram tornar aceitáveis, ou até mesmo justas,algumas das práticas mercantis mais difundidas, redefinindo,por exemplo, a fim de circunscrevê-lo, o conceito de usura.Nessa etapa é que foram produzidas as análises escolásticasmais interessantes e já bastante próximas ou até mesmoidentificadas com o pensamento mercantilista propriamentedito, como foi ressaltado por J. Schumpeter.

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A base moderna das idéias mercantilistas consiste naatuação de dois novos fatores: os Estados modernosnacionais, ou seja, as monarquias absolutas, e os efeitos detoda ordem provocados pelas grandes navegações edescobrimentos sobre a vida das sociedades européias. Oprimeiro fator produz a recuperação das práticasintervencionistas mais típicas das comunas medievais, agora,porém, à luz das exigências dos novos Estados, elaborando-se a partir daí um tipo de discurso que tem como principalcaracterística sobrepor os critérios políticos, a razão deEstado, às atividades produtivas e mercantis, misturando-se,na prática, as preocupações imediatistas, fiscalistas, aquelasde cunho mais amplo e duradouro, mercantilistas. O bemcomum dos súditos identifica-se com o interesse do príncipe.A cobrança de impostos, a fixação de direitos sobrea circulação interna de mercadorias e sobre suaentrada e saída nas fronteiras do país, o controle damoeda e dos pesos e medidas, tudo enfim é fonte derenda para o tesouro do monarca, mas pode servirtambém à implementação de uma política econômicaautêntica temos aí, então, o mercantilismo. Adiferença está no fato de que, para o fiscalismo, ostributos representam um fim em si mesmos atendemàs premências da burocracia dos novos Estados e aosgastos sempre crescentes com a diplomacia, aguerra, as conquistas. Já para o mercantilismo ostributos podem ser os mesmos, ou mais numerosos,porém nesse caso eles constituem apenas os meiospara alcançar objetivos bem diversos, a médio ou longo

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prazo sobretudo. Já o segundo fator, cuja referênciacentral é o afluxo vertiginoso dos metais preciosos obtidospelos portugueses na Africa e, muito mais ainda, o "tesouroamericano" que os castelhanos obtêm através do saque e daexploração das minas, oferece as questões básicas para aelaboração do discurso metalista ou bulionista queanalisaremos a seguir.

A ) As ideias mercantilistas nos séculos XV/XVI

Tomando por base aqueles dois fundos acimamencionados o medieval e o moderno a formulação de umpensamento mercantilista, ao longo do século XVI, estárelacionada sobretudo ao impacto provocado pelo tesouroamericano: o afluxo crescente de ouro e prata provenientesda América, com todas suas sequelas já apontadas por nós(alta dos preços, dos salários, etc.). E fácil entender assimpor que foi o problema monetário aquele que maisimpressionou os contemporâneos, traduzindo-se astentativas de analisá-lo numa teoria monetarista que viria aser a primeira perspectiva mercantilista: a chamada "teoriaquantitativa da moeda". Em sua formulação mais simplesessa teoria pode ser exposta da seguinte maneira: acontínua elevação dos preços seria provocada pelo aumentomuito rápido das quantidades de ouro e prata em circulação(devido ao afluxo dos metais preciosos vindos da América),alterando a relação entre a quantidade de bensexistentes e a quantidade de moeda disponível para ser

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trocada por eles. Em outras palavras, uma verdadeirainflação monetária desvalorizava a moeda e encarecia asmercadorias, forçando os preços para cima. Sabe-se, hoje,que a formulação dessa teoria ocorreu quase ao mesmotempo na Espanha e na França, a partir de perspectivasdiferentes, mas chegando a conclusões equivalentes. NaEspanha coube a pensadores escolásticos, os "primitivosespanhóis do pensamento econômico" da chamada "escola deSalamanca", tendo à frente Martin de Azpilcueta, o "doutorNavarro", e Frei Tomás de Mercado, apresentar, já em 1557,uma primeira explicação quantitativa. Na França, coube a umjurista, Jean Bodin, em 1568, em sua conhecida "Respostaaos paradoxos do Sr. de Malestroit", oferecer também umaargumentação quantitativista para explicar o porquê da altados preços. Para ambos, os preços sobem e vão continuar asubir ainda porque o afluxo do metal precioso alterousubstancialmente a relação que até então existira entre aoferta de mercadorias e a quantidade disponível dessamercadoria especial que é a moeda de ouro ou de prata.

E bem verdade que nem todos os textos mercantilistasdo século XVI aceitam a teoria quantitativa na moeda comofator válido ou determinante. Aqui e ali, na Inglaterra atravésde um discurso de autor desconhecido, na França, naEspanha, há indicações de que o problema das relaçõescomerciais entre os países, a natureza e o custo dasrespectivas produções, deveriam ser encarados como o fatormais importante, porém são apenas sinais precursores

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daquilo que viria a ser, no século XVII, a teoria dabalança comercial.

Não há a menor dúvida quanto ao fato de que a ênfasedada pelos mercantilistas do século XVI à visão monetaristados fenômenos econômicos produziu enormes confusões, naprópria época e, mais ainda talvez, nos séculos seguintes, atéos dias atuais. Vejamos por exemplo as afirmações que seseguem:

"Todas as mercadorias encarecem pela muitanecessidade que há, e pouca quantidade delas; e odinheiro enquanto é coisa vendável, trocável oucomutável por outro contrato, é mercadoria, pelo ditoacima, logo também ele se encarece pela muitanecessidade e pouca quantidade dele..." (Martin deAzpilcueta)

"Em primeiro lugar a abundância de ouro e prata, que éa riqueza de um país, deveria desculpar em parte acarestia, porque, se houvesse escassez deles, como emtempos passados, é muito certo que todas as coisas seestimariam e comprariam tanto menos quanto o ouro ea prata fossem mais valiosos." (Jean Bodin)

Pode-se perceber que, alem de afirmarem que amoeda é uma mercadoria, os autores mercantilistasidentificam no metal precioso ao mesmo tempo ummeio de se obter a riqueza e um signo dessa mesmariqueza. Raríssimos casos podem ser mencionados deidentificação pura e simples entre moeda e riqueza.Seu metalismo, portanto, não pode ser descrito como

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sendo uma espécie de criso-hedonismo, quer dizer, umaconfusão insensata entre metais preciosos acumulados eriqueza propriamente dita. Acontece, porém, que tal foi aimportância atribuída, na prática, à aquisição de metaispreciosos, ao controle de sua entrada e saída, ou mesmo àproibição desta ultima, que a imagem ainda hoje difundidaacerca do pensamento mercantilista é exatamente essa visãosimplista de adoradores ou fanáticos das moedas de ouro eprata, espécie de Tio Patinhas do século XVI.

B)As idéias mercantilistas no século XVII

O primeiro fato a assinalar é a persistência dasconcepções metalistas, vindo a seguir o desenvolvimento dostrabalhos sobre as finanças públicas e a administração dosEstados absolutistas, aparecendo, finalmente, o elementomais importante, que foi o desenvolvimento da chamada"teoria da balança comercial".

As idéias metalistas aparecem nos mesmos autores quetêm na teoria da balança comercial a sua contribuiçãoprincipal. Vejamos, a título de exempio:

Antonio Serra "Não é meu propósito discutir aqui quãoimportante é, tanto para os povos como para os príncipes,que abundem num reino o ouro e a prata..."

A. de Montchrétien "O ouro e a pratasuprem as necessidades de todos os homens."preciso notar, no entanto, que esse metalismo

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está sempre associado a várias outras concepçõescomercialismo, industrialismo, populacionismo, etc.), demodo que o verdadeiro sentido de afirmações desse tipo émuito mais o de chamar a atenção dos leitores para o papelde indicador ou signo da verdadeira riqueza desempenhadopela abundancia de metais preciosos.

As idéias sobre a administração dos Estados modernos,sobretudo suas finanças, dentro da antiga tradição dochamado "principe-administrador", encontram-se, ainda nasegunda metade do século XVI, em J. Bodin e em GiovaniBótero. No século XVII essa mesma linha de reflexãoproduziu verdadeiros sistemas, podendo-se citar, entre osprincipais: Barhélemy de Laffemas, Antoine deMontchrétien, Vauban, na França; na Espanha, os arbitristas,a começar por Luiz Ortiz, ainda em 1557, prosseguindo comGonzález de Cellorigo, em 1600, Sancho de Mancada, Pedrode Valencia, Bartolomé de Albornoz, Juán de Castro, noséculo XVII; em Portugal, Duarte Gomes Solis, Luis Mendesde Vasconcelos, Severim de Faria, e, principalmente, DuarteRibeiro de Macedo e o Padre Antoanio Vieira. Nosprincipados italianos e alemães também foi intensa apreocupação com tais questões, destacando-se nos primeirosAntonio Serra e, nos segundos, os chamados cameralistas, aserviço dos inúmeros príncipes dos numerosos Estados queconstituíam a Alemanha de então.

* * *

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E no entanto a teoria da balança comercial quecaracteriza realmente o pensamento mercantilista durante oséculo XVII. Segundo a opinião de J. Schumpeter, em suaHistória da Análise Econômica, essa teoria representou "umavanço analítico considerável". Já, pelo menos, entrevista noséculo anterior, essa teoria pode ser entendida como oresultado da transposição, para a economia do Estado comoum todo, do mesmo esquema já aplicado, há muito tempo, àempresa mercantil: o cálculo do "deve" e do "haver". Sobesse angulo, a economia do país é imaginada como umconjunto econômico homogéneo face às economias dosdemais países; assim sendo, dentro das fronteiras de ummesmo pais todas as transações que ai se processam têmsempre um saldo final igual a zero, posto que se compensammutuamente; somente o comércio externo foge a essa regra,uma vez que poderá ser ativo (superavitário), passivo(deficitário) ou neutro (equilibrado); logo, é atravésdesse comércio que a riqueza do país aumenta oudiminui em termos reais. Persistindo, como vimos, aconvicção de que os metais preciosos são o própriosigno da riqueza, sua entrada ou saída do país,dependendo da balança comercial ser favorável ounão, constituía, na prática, o indicador mais segurosobre o pricesso de enriquecimento ou empobrecimentodo país em geral. Muito embora fosse quase impossível,naquela época, obter os dados quantitativos necessários aocálculo da balança comercial, além das próprias deficiênciasque marcam as formulações iniciais dessa teoria, o fato é que

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ela esteve sempre na ordem do dia e foi o marco de referênciapara quase todas as práticas político-econômicas desseperiodo.

As primeiras idéias acerca da balança comercial podemser encontradas nos escritos de Thomas Mun, A. deMontchrétien e Antonio Serra. Eis alguns exemplos:

"Os meios ordinários, portanto, para aumentar nossariqueza e tesouro são pelo comércio exterior, para o quedevemos obedecer sempre esta regra: vender maisanualmente aos estrangeiros em valor do queconsumimos deles." (Tomas Mun, no livro England'sTreasure by Foreign Trade , escrito em 1630 epublicado em 1664) "As nossas perdas são equivalentesaos lucros realizados pelo estrangeiro... Um país nãoganha sem que outro perca." (Antoine de Montchrétien,no Traité del 'Economia Politique, em 1615)

"Não necessita demonstrar-se que aonde hágrande comércio tem que haver necessariamente muitodinheiro, já que o comércio não pode fazer-se sem ele,e este é o seu objeto." António Serra, no seu Brevetratado sobre as causas que portem fazer que abundemo ouro e a prata nos reinos onde nao há minas , em1613)

A primeira vista essas ideias parecem confirmar.O lugar comum, ainda hoje amplamente difundido, deque a única coisa realmente importante era a

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entrada ou a saída do metal precioso, sendo a balançacomercial apenas o espelho desse movimento. Uma leituramais atenta, porém, das obras dos autores acima citados (aosquais se deve acrescentar muitos outros: Colbert, Vauban,Boisguilbert, na França; Josiam Child, Charles Davenant,Dudley North, na inglaterra; além daqueles que naAlemanha, Suécia, Italia, península ibérica se debruçaramsobre os mesmos assuntos), logo revelará o simplismodaquela interpretação metalista. Percebe-se, por exemplo,que o verdadeiro não-dito da teoria da balança comercial nãosó está sempre presente como tenderá a assumir um papeldecisivo: é a chamada questão dos "termos de intercâmbio",cuja formulação mais conhecida então prendia-se à polémicasobre a validade ou não de se exportar o ouro e a prata.Desde a década de 1620, Thomas Mun, em sua discussãocom Malynes, origem de seu famoso Discurso sobre oComércio da Inglaterra com as Indias Orientais (1621),desenvolvia o argumento favorável à saída dos metaispreciosos, desde que ela assegurasse, a seguir, umareexportarão de mercadorias cujo valor total representassemuito mais do que o ouro ou a prata exportados. Nodesenvolvimento dessa argumentação, o próprio Mun,seguido por Child, Davenant e pelo próprio Colbert, iriampôr em relevo a importância do "comprar barato e vendercaro". Simultaneamente, eles aperfeiçoariam a teoria dabalança comercial, ao fazer entrar em seus cálculos ocusto dos transportes, os seguros, as tarifas aduaneiras e,indo mais além, os chamados "invisíveis":

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portações ou exportações não registradas, somas em dinheirogastas no exterior, ganhos dos estrangeiros no próprio paisou dos súditos do próprio país quando no exterior, etc. Emsíntese, da balança comercial chegava-se pouco a pouco aobalanço de pagamentos.

Os discursos mercantilistas, durante a segunda metadedo século XVII e início do século XVIII, diversificam-sesegundo predominam cada vez mais as opiniões e os debatesa respeito de questões específicas: o chamado "pactocolonial"; os prós e os contras das políticas de preços altos oubaixos em confronto com a abundância ou escassez demercadorias; o controle ou a liberação da taxa de juros; oproblema da oferta de mão-de-obra e o seu controle emconexão com as análises sobre a população em geral, etc. Abalança comercial não esgota a problemática mercantilista,mesmo porque, em intima relação com as idéias a seurespeito, encontraremos os discursos relativos aoprotecionismo e ao desenvolvimento manufatureiro, aosquais voltaremos mais adiante.

O século XVII, em conclusão, não foi apenas o séculoda balança comercial, mas também aquele em que essa teoriaarticulou-se a outras não menos importantes, envolvendo aspráticas mercantis e as iniciativas voltadas para asmanufaturas e mesmo para a agricultura.

C) As idéias mercantilistas durante o século XVIII.

O pensamento mercantilista do setecentos movimento

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segundo direções e tendências variadas, não rarocontraditórias entre si, as quais podemos tentar resumirconsiderando três grandes vetores:

1) as formas clássicas, em geral associadas aocolbertismo, mantêm-se até além de meados do século,notando-se apenas que declina a ênfase metalista, reduzindo-se a importância atribuida ao metal precioso, colocando-seem destaque o comércio e a produção para a riqueza doEstado, deixando revelar, ainda, uma espécie de rançoautarquista, como é o caso de Verón de Forbonnais;

2) na Franca, ganha impulso a crítica de setoresmercantis às práticas intervencionistas do colbertismo, osexageros protecionistas e seus efeitos nocivos, tomando-secomo referência os exemplos das práticas contrárias a elas,adotadas por ingleses e holandeses. Os malefícios políticos emorais da xenofobia mercantilista são denunciados porFenelon e Vauban, enquanto Pierre de la Pesant deBoisguilbert, em seu Détail de la France ( 1695), expõe acrise agricola e a miséria camponesa, atribuindo aosubconsumo gerado pelo colbertismo o empobrecimentogeral; daí, em sua Dissertação sobre a Natureza dasRiquezas, colocar em primeiro lugar a circulação dosprodutos e dos lucros, chegando mesmo a formular "umprimeiro modelo económico global e um primeiro esquemado circuito monetário". Estamos, nesse caso, muito próximosda concepção do "mecanismo automático", das leisnaturais, distantes portanto do mercantilismo e jábeirando a fisiocracia e o próprio Adam Smith;

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3) na inglaterra, cujas condições poéticas e econômicaseram bem diferentes do resto da Europa, vemos Child, Northe Davenant desenvolverem, em substituição à visão clássicada balança comercial bilateral, o conceito da balançatriangular e mesmo multilateral. Dessa forma, o que interessanão é a balança do comércio da Inglaterra com este ou aquelepais em particular, mas o conjunto de suas trocas comerciaiscom todos os países e regiões com os quais ela mantémrelações mercantis. Naqueles autores, a visão belicosa docomércio internacional tende a ser substituida por visõesmais abrangentes e equilibradas, enfatizando os ganhosrecíprocos, a identidade de interesses, a divisão do trabalho,as possibilidades de uma expansão ilimitada do comérciomundial. Mas é o problema da liberdade econômica,contraposto ao intervencionismo, que mais e mais se impõe.William Petty, o criador da Aritimética Política, J. Locke,Dudley North, Charles Davenant, todos eles, embora comnuanças, põem em dúvida a eficácia do intervencionismoeconômico e, mais ainda, insistem cada vez mais naexistência de agentes ou fatores naturais como os únicosrealmente eficazes.

"O negócio é por sua natureza uma questão deliberdade, pois só assim ele encontra seus próprioscaminhos e dirige melhor seus empreendimentos,de maneira que todas as leis que tentam limitá-lo, regulamentá-lo ou orientá-lo podem ser úteispara certos interesses particulares, mas

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muito raramente são vantajosas para o público."(Charles Davenant)

A margem dos três vetores acima descritos, vamosencontrar nas "Europas periféricas", isto é, na penínsulaibérica, na Itália, na Alemanha e na Rússia, no momentomesmo em que o mercantilismo é submetido a críticas cadavez mais agudas, uma recuperação das idéias e das práticasdo mercantilismo clássico através da política economica do"governo ilustrado" dos chamados "déspotas esclarecidos".Gerónimo de Uztariz, na Espanha, com sua Theorica, yPrática de Comercio, y de Marina ( 1757), D. Luis daCunha, em Portugal, F. Galiani, A. Genovese, J. B. Ortes, naItália, são alguns dos autores mais expressivos desse outromercantilismo, desfasado, da segunda metade do séculoXVIII.

* * *

Em claro contraste com essa persistência domercantilismo, temos, ao iniciar-se a segunda metade doséculo, a refutação da teoria-chave do pensamentomercantilista: a da balança comercial. Richard Cantillon, emseu Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral,publicado em 1755, demonstra a contradição entre a teoriaquantitativa da moeda e a teoria da balança comercialfavorável, o que o leva a antever, descrevendo mesmo demaneira sumária, o " mecanismo automático", segundo J.Schumpeter. Por sua vez, David Hume, em 1752, em seusEnsaios Economicos, contrapõe ao quantitativismo metalista

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a idéia do equilíbrio automático das trocas internacionais, aíincluída a moeda. Os fisiocratas, na França, e Adam Smith,na Inglaterra, estavam já à vista.

Principais temasAté agora temos utilizado a expressão "idéias

mercantilistas" sem nos preocuparmos em saber se existe defato alguma coisa que assegure a tais idéias um mínimo deunidade. Na verdade, é extremamente problemático afirmar aexistência dessa unidade de conteúdo ou de perspectivas apropósito dos enunciados discursivos que nos habituamos achamar de idéias mercantilistas.

Talvez devamos admitir, como ponto de partida, ocaráter pensado das práticas mercantilistas, o qual estariapresente nos inúmeros textos produzidos por homens denegócios, administradores, políticos, filósofos, etc. Algunsdeves eram certamente simples panfletários, enquanto queoutros eram evidentemente interessados na defesa ejustificação de seus lucros pessoais, e, temos certeza, muitosescreviam a fim de agradar aos poderosos e obter favores parasi e seus familiares. Mas, e daí? Deveremos reduzir a análisedas idéias que souberam expor e defender ao simples critériodas suas intenções reais ou apenas supostas? Como procederse, apesar de tudo, encontramos aqui e ali visões pertinentes eextremamente corretas dos diversos fenômenos político-econômicos? São idéias, sim, podendo constituir ou não uma

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teoria, um sistema ou uma doutrina, no sentido que hojeatribuímos a essas palavras.

Nesse caso, como ficam as idéias mercantilistas?Comecemos respondendo que tais idéias não

constituem um sistema nem tampouco uma doutrina. Emtermos de sistema, falta-lhes rigor analitico, coerência ouconsistência internas; quanto à doutrina, carecem de umaarmadura racional e logicamente demonstrável composta deleis e princípios interdependentes e dedutíveis a partir deseus elementos mais gerais. Sob esse angulo não há dúvidade que as idéias mercantilistas estão destituídas daquelacientificidade que somente a ciência econômica clássica seriacapaz de produzir. isso, para nós, como foi visto, não énenhuma novidade, em se tratando de idéias que seproduzem justamente num periodo em que não há, ainda,uma ideologia econômica autônoma.

Quais são, nesse caso, as principais características dasidéias mercantilistas?

Uma primeira característica é que elas não se articulama partir de um princípio explicativo universal; os discursosque veiculam essas idéias são muito diversificados, tanto nosobjetos que abordam quanto nos fatores determinantes de suaprópria enunciação.

Em segundo lugar, é evidente que Ihes falta a visão datotalidade dos fenômenos que analisam; limitam-se a setoresparticulares da realidade, a fatias do bolo, mas não vêem obolo propriamente dito.

Segundo J. Schumpeter essas idéias são assistemáticas

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e muito pobres em visões analíticas, quer dizer,científicas; mas nem por isso são necessariamente erradas ouabsurdas.

Seus componentes, medievais e modernos, como jáindicamos, articulam-se de maneira aparentementedesordenada no universo mental da época, com aspectoscontraditórios, de acordo com uma lógica própria, bemdiferente da nossa.

Elas formam, talvez, um certo discurso, fragmentado,por vezes desconexo, sobre fenômenos que são, ou parecemser, simultaneamente politicos e econômicos, tentando aqui eali circunscrever ou atingir um econômico que parece teimarainda em ocultar- se .

Enfim, tais idéias traduzem, à sua maneira, aimportância cada vez maior dos princípios e cálculosracionais no trato dos problemas político-econômicos,transitando, a todo momento, do verdadeiro microcosmoburguês que é a empresa (mercantil ou manufactureira) aomacrocosmo que é o Estado, a empresa do príncipe.Conjugam se assim as perspectivas que se ligam à ascensãoburguesa, notadamente sua fração mercantil, e aquelas querepetem a posição-chave do Estado absolutista, transferidorde renda e empresário, naquilo que se poderia ver como aúltima metamorfose da sua tradição patrimonialista.

Não percamos de vista, afinal, que estamostratando de uma época que ainda ignora a crença naexistência de um universo econômico regido por leispróprias, eternas e imutáveis, capazes de regularem

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automaticamente a produção e a circulação. Na ausênciadessa crença, seu lugar é ocupado pelo Estado absolutistaentidade superior, com racionalidade própria, responsávelpela regulamentação, vigilância e controle de um universopré-econômico cujas diretrizes são o metalismo, oprotecionismo, o colonialismo, o monopolismo, etc.

Tais eram as idéia mercantilistas vistas em conjunto.Tentemos, agora, caracteriza-las de acordo com os principaistópicos nelas abordados.

A ) Valor, preço, moeda

As idéias mercantilistas a respeito do problema dovalor identificam-se, a princípio, com as concepçõesescolásticas, oscilando entre a ênfase atribuída ao custo deprodução e a importância dada por outros à abundância ouescassez de oferta. A partir do final do século XVII, contudo,especialmente nos trabalhos de William Petty, houve umacerta tendência no sentido de atribuir ao trabalho utilizado naprodução o principal papel na determinação do valor,fazendo antever, num certo sentido, a teoria do valor-trabalhodos economistas clássicos. Simultaneamente, sobretudo naItália, desenvolveu-se uma corrente oposta, nas obras deDavanzati e mais ainda de Galiani, já no século XVIII. Estacorrente, trabalhando sobretudo com o chamado "paradoxo dovalor", inclinou-se para a sua explicação a partir da

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ótica do consumidor, pondo em relevo, como seus fatoresdeterminantes, a utilidade e a raridade de uma determinadamercadoria.

Não produzindo efetivamente uma teoria de formaçãodos preços, os mercantilistas ativeram-se às tentativasdestinadas a explicar as suas oscilações. Nesse terrenomantiveram-se a maior parte do tempo fiéis à teoriaquantitativa da moeda, aperfeiçoada, no inicio do séculoXVIII, pela introdução do conceito de velocidade decirculação da moeda, nas obras de William Petty, John Lockee sobretudo R. Cantillon. Tal conceito, por sua vez, foidesenvolvido por Law e pelo mesmo Cantillon em seustextos acerca do crédito e da chamada "moeda fiduciária",isto é, a moeda-papel, separando o caráter de mercadoria,presente na moeda metálica, do seu caráter de padrão e signode valor.

As análises e discussões sobre a moeda, sua natureza,importância, papel real ou fictício, estão presentes em quasetodos os textos mercantilistas. Segundo Schumpeter épossível reunir todo esse material utilizando como critério asdisputas entre os chamados metalistas e antimetalistas:tratava-se, o tempo todo, de saber se a moeda é, também, oué, acima de tudo, uma mercadoria, ou se devia ser vistaapenas como um signo de riqueza, ou mesmo um meropadrão de valor. Para os metalistas a moeda é umamercadoria, sendo fundamental a relação nelaexistente entre o seu valor de troca e o valor efetivoda quantidade de metal precioso nela existente.Assim, adulterar a moeda, diminuindo-lhe o valor intrínseco

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(em metais correspondia a diminuir também, na prática, oseu valor de troca e provocar com isso uma elevação geraldos preços de todas as mercadorias a serem trocadas por essamoeda. J. Chio, W. Petty, J. Locke, D. Hume, R. Cantillon,todos eles, embora com diferenças entre si, podem ser vistoscomo metalistas, tal como, no século XVIII, os italianosMontanari, Galiani e Carli. A tendência oposta, antimetalista,já aparece, no século XVII, nos escritos de Boisguilbert,porém seu desenvolvimento teórico mais amplo foi feito peloitaliano G. Ortes, pelos ingleses Barbon e Steuart e pelosfranceses Néon e Dutot. Segundo eles, prevalecendo namoeda o seu valor nominal a sua maior ou menorcredibilidade e aceitação , não haveria nenhuma necessidadeou relação unívoca entre o seu valor de troca e o valor domaterial de que fosse constituída, metal ou papel, poucoimporta, pois o que vale é o fato de ser ou não aceita pelovalor que ostenta. A chamada "experiência de Law", naFrança, entre 1715 e 1720, esteve alicerçada nessespressupostos.

B) A balança comercial

Idéia das mais caras ao pensamento mercantilista, abalança comercial implica, como vimos, uma identificaçãoentre a economia de um país como um todo e a economia deuma empresa mercantil. O importante é que o país venda maisao exterior do que compre, pois haverá aí um saldo favorávelque se traduzirá no ingresso de riqueza expressa em entrada

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de moeda metálica. Do contrário, será o empobrecimento, a"sangria", como diziam os mercantilistas portugueses.Subjacentes a esta teoria estavam duas idéias também muitodifundidas na época: a de que o volume total do comérciopossível entre os diversos Estados era uma quantidade finita,inelástica, diríamos nós hoje, e que, por conseguinte, um paíssó poderia aumentar a sua participação nesse todo às custasda diminuição das partes até então em poder dos demaispaíses; e, em segundo lugar, admitisse que as mercadorias dealto valor unitário e, portanto, de preços altos, eram maislucrativas do que aquelas que tinham pouco valor (e preçosbaixos), mais valendo assim incentivar o comércio de artigosde luxo do que aqueles de consumo mais generalizado. Aprincipal consequência do primeiro dos pressupostos acimafoi a de transformar o comércio internacional numaverdadeira guerra permanente, na qual eram lícitas todas asmanobras para aleijar os competidores, o que, não raro,conduziu à guerra propriamente dita. E preciso não perder devista o fato de que durante a época mercantilista a guerra doscomerciantes e a guerra dos generais e almirantes são duasconstantes, ora correndo paralelas, ora tendendo a articular-se num único conflito. Já o segundo pressuposto queassinalamos produziu aquilo que se costuma chamar de"horror às mercadorias", típico, embora não de formaabsoluta, do pensamento mercantilista e que revela o medosempre presente de que um excesso de mercadorias façacair o seu preço ou, ainda mais grave, torne impossível a

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sua colocação num mercado que se imagina sempre comolimitado e imprevisível.

C) O industrialismo

Aparecendo sempre associado à teoria da balancacomercial, o chamado industrialismo mercantilista deve servisto como um elemento dos mais típicos no interior dessaideologia. Note-se que não se trata aqui de " indústria " nosentido moderno, mas apenas naquela acepção genérica queidentifica como tal toda e qualquer produção resultante dautilização da habilidade manual na confecção de artigosnecessários à vida humana, inclusive aqueles que sãocatalogados como artigos de luxo. Na realidade, resultam dotrabalho artesanal típico ou, especialmente nos séculos XVIIe XVIII, desse mesmo trabalho já agora organizado naschamadas manufaturas que, à época, tanto podiam localizar-se no perímetro urbano como em meio a áreas rurais,assumindo, por outro lado, a forma de organizaçõesconcentradas num mesmo local, com grandes construções, ouentão dispersas num âmbito geográfico por vezes muitoamplo, articulando quase sempre trabalho doméstico eoficinas maiores, já pressupondo uma divisão do trabalho efases distintas.

A mola mestra do industrialismo é a idéia deque os produtos manufaturados, por exigirem maiorarte, são os mais valorizados e por isso capazes deproporcionar maior margem de lucro aos seus empresários

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e comerciantes. Sempre que comparado ao trabalhoagrícola, esse tipo de atividade é exaltado pelo fato deoferecer oportunidade de trabalho honesto a um número bemmaior de individuos do que a agricultura é capaz de fazer. Ospensadores mercantilistas, sobretudo no século XVIII,começam a se dar conta, embora de forma confusa, dodilema que se coloca diante da visão tradicional, colbertista,de que o importante é produzir artigos de qualidadeesmeralda e alto valor unitário como única forma deconquistar compradores no exterior e assegurar o própriomercado interno. Alguns deles vislumbram mesmo nessapolítica a principal limitação ao aumento da produção, poisafasta os possíveis consumidores de renda mais baixa. Situa-se nesse ponto a discussão entre os partidários de saláriosaltos e os que defendem a manutenção dos salários em níveisos mais baixos possíveis, aliás a maioria. Na prática, taisdivergências expressaram-se em tendências opostas, como sepode depreender da simples comparação entre a França e aInglaterra a partir do final do século XVII.

O elemento que de fato articula industrialismo ebalança comercial é o conjunto de medidas que formam apolítica protecionista. E o que vemos em Colbert:

"Todo o comércio consiste em diminuir osdireitos de entrada das mercadorias que servem asmanufaturas interiores, onerar os direitos das queentram manufaturadas, aliviar os direitos

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das mercadorias manufaturadas dentro do Reino."

Ou seja, é preciso facilitar a entrada das matérias-primas necessárias à alivias produtiva das manufaturasexistentes no país, ou, se for o caso, dificultar ou impedir asua exportação, caso essa saída vá provocar elevação dospreços internos ou, pior ainda, falta para o consumo internodas manufaturas. E necessário também elevar os direitoscobrados sobre as manufaturas importadas, a fim de atingirdois objetivos: reduzir-lhes o consumo e permitir a venda dosartigos similares produzidos no próprio país; acrescente-seque em certos casos, como se viu em Portugal e na Espanha,mesmo sem haver sucedâneos nacionais os apertos dabalança comercial podiam levar à proibição pura e simplesde entrada ou a proibições e limitações quanto ao uso decertos artigos eram as chamadas leis pragmáticas.Finalmente, colocava-se como desejável o estímulo àexportação das manufaturas do próprio país, quer pelaredução ou supressão de direitos de exportação, quer, emalguns casos, pela concessão de verdadeiras bonificações aosexportadores a fim de incentivá-los.

E o que afirma também Thomas Mun:

"Também é necessário não onerar os artigosnacionais com impostos aduaneiros muito altos afim de que, encarecendo-os para o consumoestrangeiro, não acabemos por embaraçar a suavenda. Devem especialmente favorecer- se os ar-

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tigos estrangeiros que se trazem para ser novamentetransportados... Porem o consumo destes artigosestrangeiros no Domínio pode gravar-se mais,resultando proveitoso para o país e para a balança decomércio..."

D) O luxo

Poucos temas terão sido mais discutidos pelosmercantilistas do que este; no entanto, poucos também terãolevado a opiniões tão antagônicas e oscilantes. Talvez umadas razões dessa constatação esteja no fato de que esse tema,tal como o da taxa de juros, trazia sempre, dita ou não dita,uma conotação ética. Sempre foi muito difícil discuti-loapenas em função de considerações político-econômicas,pois, permeando-as, emergirem, cedo ou tarde, osargumentos ou condenações morais, reveladores de umpensamento escolástico que ainda sobrevive. Apenas de umaforma bastante esquemática, podemos afirmar que a visãomercantilista tende a aceitar o luxo quando se trata dejustificar a produção de artigos desse tipo para fins deexportação. Dai se dizer que o mercantilista é a favordo luxo, mas na casa dos outros. Dentro de cada país,o luxo tem sempre seus defensores e seus inimigos,pois, enquanto estes apontam os malefícios que eletraz a degeneração dos costumes, a quebra dashierarquias, os vícios , aqueles exaltam o fato de queé a produção do luxo que assegura emprego e sustentoa milhares de pessoas que, de outro modo, ficariam

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ociosas e famintas. Mandeville, com sua Fábula dasAbelhas, ilustra bem esta última linha de argumentação,tentando na realidade mostrar o caráter contraditório do beme do mal quando aplicados à análise de um problema como odo luxo.

E) A agricultura

Verdadeira prima pobre do pensamento mercantilista, aagricultura apenas incidentalmente chegou a mereceravaliações ou análises mais profundas. Num certo sentido elaé a grande ausente. As idéias mercantilistas distinguem, narealidade, duas agriculturas: a dos gêneros de subsistência e acomercial. A primeira é necessária, pois é quem garante asubsistência dos povos e a ordem das repúblicas. A segundaé desejável, pois assegura matérias-primas para os insumosdas manufaturas existentes no próprio país, ou se transformaem valiosas mercadorias de exportação. A consequência éque se deve estimular ao máximo o segundo tipo, dando-lheauxílios e garantias de preço e de mercado, enquanto que aprimeira deve constituir preocupação constante dosgovernos, a fim de que não falte o pão aos habitantes do país.Embora o ideal fosse a auto-suficiência em grãos, a fim deque sua importação não pesasse negativamente sobre abalança comercial, as considerações políticas admitiamfacilmente a importação de cereais para debelar fomes ouenfrentar a ganância de especuladores em anos de colheitasmás. Nesse ponto, afinal, nos defrontamos com a perspectiva

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mais profunda do pensamento mercantilista a respeito daagricultura: trata-se, afinal, de uma atividade que dependemais de fatores imprevisíveis, fora do controle do homem,isto é, submetidos à mãe-natureza; assim sendo, é inútiltentar intervir nesse processo, já que os resultados são muitoparcos. Na agricultura o homem é quase um meroespectador, sua alivias é passiva, ao contrário da indústria,onde tudo depende do homem, do seu trabalho, de suainiciativa. Tal passividade frente aos azares da natureza malconsegue esconder o sentimento de menor estima que se tempelos produtos agrícolas (São mais baratos, valem menos)quando comparados aos manufaturados. Além do mais,embora os argumentos possam variar, persiste a velhapolítica anonária -- mais importante que o interesse dosagricultores (seus lucros) é a questão do abastecimentoregular das cidades, de preferência mantendo-se os preçosdos grãos, legumes e frutas em níveis muito baixos, às custasdos produtores, o que favorecia também os empresáriosdonos de manufaturas, pois assim podiam ter seus gastoscom a mão-de-obra bastante diminuídos.

F) A população

Os textos mercantilistas revelam uma atitudepopulacionista nítida: uma populacão numerosa euma verdadeira riqueza para a república. Aos poucos,introduzem-se certas nuanças: além do número dehabitantes como um todo, o importante é ter a maior

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parte deles empregada nas atividades manufatureiras,pois assim a riqueza produzida é bem maior. Procura-sedemonstrar que, para o trabalhador, a indústria é superior àagricultura, em termos de rendimentos, como o é para opróprio país. E, mais ainda, somente uma intensa atividademanufatureira pode dar ocupação a uma populaçãonumerosa, evitando o desemprego. Nesse ponto, ao focalizara questão da quantidade maior ou menor de homensdesempregados, os mercantilistas fazem questão de distinguirentre aqueles que não trabalham porque não têm onde, eaqueles que são desempregados por sua exclusiva culpa, aliása maioria. Para estes são válidos os meios coercitivos que oEstado e os empresários devem utilizar para forçá-los a umaatividade digna, honrosa e produtiva Por detrás dessediscurso, sente-se claramente toda uma orientação voltadapara a compulsão ao trabalho, cuja contrapartida é, comoficou exposto linhas acima, o nível bastante baixo dossalários. Na mentalidade da época misturam-se por issomesmo as preocupações assistenciais para com osnecessitados e a condenação à vagabundagem e à ociosidade,e isso de uma forma tal que, frequentemente, o auxílio temcomo contrapartida o trabalho obrigatório, ao mesmo tempoque a recusa a trabalhar oferece a justificativa para arepressão mais violenta e desumana

G) O sistema colonial

A conquista e exploração de colonias é um ponto

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essencial das idéias mercantilistas. A expressão clássicadesse fato em nivel ideológico é a teoria do pacto colonial,onde se trai a falsa suposição de que haveria de fato umpacto ou acordo tácito entre metrópoles e colonias. Narealidade, porém, a colonia existe em função e para ametrópole, estando suas relações definidas através dochamado "exclusivo colonial". A produção das colônias só éválida na medida em que possibilite lucros elevados aoscomerciantes metropolitanos, detentores do monopólio sobreo comércio de importação e de exportação das colônias. Aatividade econômica das colônias deve ser complementar ejamais concorrente em relação à das respectivas metrópoles.Afinal, as colônias têm um papel único a desempenhar, nosentido de garantir às suas metrópoles os meios de obteremuma balança comercial favorável nas trocas com outrospaíses. Na prática, as colônias constituem uma espécie deterritório privilegiado, reservado, já que o exclusivo asseguraao comércio metropolitano a prática mercantil mais cara àética mercantilista: comprar pelo preço mais barato possívele vender pelo preço mais elevado que se pudesse conseguir.

Compreende-se, dessa forma, que sempre tenha sidoum ponto de honra proibir o aparecimento de atividadesmanufatureiras nas colônias, pois não só fariam concorrênciaaos produtos vindos da metrópole, como desviariam recursosmateriais e humanos daquelas atividades mais lucrativas doponto de vista metropolitano. O próprio afluxo de imigrantesou colonos para as colônias foi durante muito tempo

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limitado ou mesmo proibido, a fim de evitar odespovoamento da metrópole, entendido tal despovoamentocomo perda de homens e acima de tudo de forças produtivas.Somente no século XVIII esse modo de encarar o problemafoi um pouco modificado, conforme, em alguns discursosmercantilistas, chegou-se a admitir que a transferência paraas suas col ônias de homens em excesso na metrópole,vagabundos e desocupados portanto, poderia ser positiva, jáque eles se transformariam em novos consumidores para asmanufaturas metropolitanas e aumentariam a riqueza dacolônia, identificada aí com a riqueza da própria metrópole.

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AS PRATICAS MERCANTILISTAS

Trata-se aqui de oferecer um quadro histórico-descritivo da evolução e características mais importantes dasprincipais práticas mercantilistas, criticando, ao mesmotempo, a abordagem tradicional que se faz desse problemaatravés dos chamados "tipos nacionais".

As práticas, consideradas em si mesmas, remetem-nos,na realidade, a vários daqueles tópicos que foram analisadosao tratarmos das idéias, pois, a rigor, nada mais são do que asua expressão objetiva. Nossa preocupação será explicitá-lasum pouco melhor, justamente enquanto práticas, tentando, aomesmo tempo, situá-las ao longo do processo histórico, emsuas sucessivas etapas.

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Os séculos XV e XVIAs práticas mercantilistas assumiram então duas formas

principais: o monopoLismo de exportação e o monetarismoou bulionismo. A primeira correspondeu ao transplante, parao âmbito do Estado absolutista, de muitas das práticaspolítico-econômicas comuns às cidades medievaiscaracterizadas, em conjunto, pelas preocupaçõesmonopolistas e protecionistas cuja expressão mais típica é oemporio medieval. Concretamente, essa política aparece soba forma de controle pelo Estado de todo o fluxo do comércioexterior, fiscalizando-o, regulamentando-o, limitando-o. Nãoraro, como foi o caso ibérico, sobretudo o espanhol, tende-sea estabelecer um porto único para o comércio ultramarino, oupelo menos limita-se a alguns portos o privilégio docomércio exterior. A Inglaterra, no seu comércio com aFlandres, a Liga Hanseática, no comércio com a Polônia e aMoscóvia, oferecem outros tantos exemplos. Tal práticaatendia aos interesses fiscalistas do Estado, mas correspondiatambém, ao menos nessa época, às perspectivas dos grandescomerciantes, que assim podiam defender os seus lucros demonopólio e organizar melhor os transportes e a segurançade seus carregamentos.

Já a segunda das formas acima indicadas estádiretamente ligada às conseqüências imediatas dadescoberta do Novo Mundo: o afluxo dos metaispreciosos e o início da explorado col ônial. Umaprimeira reação foi a de adaptar os mecanismos do

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monopolismo de exportação à nova realidade que era otráfico com o ultramar, como fez Castela no caso de Sevilha.Rapidamente, porém, a questão da evasão do metal precioso,ou o afã de atraí-lo para dentro das próprias fronteiras, levouos diversos países a adotarem medidas tendentes aregulamentar e fiscalizar mais rigidamente o comércioexterno, tendo em vista a sua importância para a situaçãomonetária de cada país e, segundo a perspectiva de muitos,para a sua própria riqueza. Duas situações aparecem entãocom nitidez: a dos Estados que podiam obter ouro e pratadiretamente, extraindo-o das minas ou trocando-o, por quasenada, no ultramar, e a dos Estados que, não podendo fazernada disso, só podiam tentar capturar o metal preciosoatravés do comércio e da pirataria. A primeira situaçãocaracteriza, no século XVI, os países ibéricos, enquanto quea segunda descreve a posição da Inglaterra, França, PaísesBaixos, Estados alemães, repúblicas e principados italianos,etc.

E curioso observar que, apesar de ser aceita por todosa máxima que afirmava ser preciso que o ouro e a pratanão saíssem da república, cuja contrapartida eralogicamente a de privilegiar tudo aquilo que atraísse o ouroe a prata para dentro da república, a tradição apegou-seapenas ao primeiro aspecto, tipicamente ibérico, porqueeram estes que podiam conseguir os metais preciosos noultramar, os castelhanos mais do que quaisquer outros. Daías afirmações ainda hoje comuns acerca do chamadobulionismo ibérico, como se os demais Estados também

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não o fossem, à sua maneira, ou ainda como se identificaçãoapressada entre metais preciosos e riqueza tivesse sido umpecado específico de espanhóis e portugueses. A rigor, ochamado metalismo, se é que de fato existiu em termos tãosimplistas, o que duvidamos, é uma característica comum àspráticas mercantilistas desse século e está intimamenteassociado a toda uma ideologia que transcende as fronteirasdos Estados. Estes, por outro lado, na medida em que osproblemas monetários e financeiros os afligem, tendem areforçar as práticas centradas no objetivo de reter e (ou) atrairpara seus tesouros o metal precioso em circulação.

Basta um exame das práticas político-econômicasadotadas durante o século XVI pelas principais monarquiaseuropeias para verificar os seus traços comuns. A rigor, todaselas preocupam-se com a questão das medidas de controle eproibição quanto à saída dos metais preciosos, e é emconexão com essa questão que se definem também asmedidas de incentivo e protecão às atividades produtivas quepossam evitar ou diminuir as importações de mercadoriasestrangeiras. Na França, várias declarações regias, entre 1506e 1574, reafirmam a proibição quanto à saída da moeda; omesmo ocorre na Inglaterra, sob Henrique VIII eprincipalmente sob Elisabete I; idem quanto à Espanha, naépoca de Carlos I (Carlos V) e mais ainda na de Felipe II. Acontrapartida, ou antídoto, o desenvolvimento da produçãodo próprio país, foi o alvo de diversas iniciativas deFrancisco I, Henrique II e Henrique III, na França,

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culminando no enorme esforço de reconstrução quecaracteriza o reinado de Henrique IV, graças à atividade deseus ministros -- o Duque de Sully e Barthélemy deLaffemas. Subvenções e protecionismo, concessão deprivilégios, verdadeiros monopólios de produção, elevaçãodas tarifas aduaneiras, eis os principais instrumentos dessapolítica, cuja expressão mais sistemática vamos encontrar naInglaterra, sob Elisabete I. O caso espanhol apresenta algunstraços específicos, pois, além da abundância do metalprecioso, o problema ali se situa em termos de concorrênciaentre uma produção artesanal importante, de tecidos de lã,linho e seda, além de artigos de metal, e as mercadoriasimportadas a preços mais baratos. O estudo de dose barrassobre esse problema demonstra o impasse político-econômico: diante dos protestos gerais causados pela rápidaelevação dos preços dos artigos nacionais, os governos deCarlos I e Felipe II adotaram medidas aparentemente lógicas:limitaram ou proibiram as exportações de tais artigos erecusaram tomar providências contra as importaçõesconcorrentes. Afinal, segundo se afirmava, a carestia eraprovocada pelas manobras altistas resultantes da ganânciados produtores e das especulações dos comerciantes.Ignorando a influência inflacionária do ouro e da prata,especialmente sua pressão cada vez maior sobre os custos daprodução em geral, atendo-se, portanto, apenas aos seusefeitos mais aparentes -- a carestia --, a política do Estado,como expressão que era do domínio exercido pelaaristocracia fundiária, mostrou-se incapaz de impedir

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tanto a "saca do metal" quanto a decadenciamanufatureira, produzindo em última análise o fenômenoque P. Vilar chamou de "meteoro burguês".

O século XVIISem abandonar totalmente as práticas anteriores, em

alguns casos até reforçando-as, os Estados europeusconcentram suas políticas econ ômicas na aplicação doprincípio da balança comercial, buscando sempre o ideal dosaldo comercial positivo. O próprio favorecimento dasatividades mercantis supõe que é através do comércio quese alcança uma balança favorável e com ela se aumenta ariqueza do próprio país. Trata-se então de estimular asexportações e limitar ou mesmo proibir determinadasimportações. Logicamente articuladas a tais práticas,encontramos a chamada "política industrialista" e aestruturação do sistema colonial. Com efeito, a limitação ouproibição de importações visa principalmente àsmercadorias manufaturadas, pois o seu peso relativo nabalança é sempre muito alto. Assim sendo, a melhor soluçãoé incentivar a produção interna dos artigos mais consumidose que se originam de outros países. O sucesso de tal políticairá exigir todo um conjunto de medidas em nívelalfandegário elevan do a taxação que incide sobre certosartigos estrangeiros, ampliando as listas de mercadorias cujaimportação é proibida) -- é o protecionismo

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ao mesmo tempo, o Estado concede auxílios aos empresáriosnacionais, através de empréstimos, privilégios deexclusividade na produção deste ou daquele artigo, isençõesfiscais, fornecimento de mão-de-obra e de matérias-primas.Nesta mesma linha de atuação, articulam-se aquelasprovidências cujo objetivo é favorecer a entrada de matérias-primas inexistentes ou escassas, a fim de suprir asmanufaturas, reduzindo ou eliminando os direitos deimportação que pagam nas alfandegas. Lembremos tambéma própria atitude então dominante em relação à agricultura, oabastecimento de cereais encarado como subsídioindispensável à produção das manufaturas -- logo os preçosdevem ser baixos para não desestimular os empresários.

O desenvolvimento de um sistema fechado de relaçõesentre cada metrópole e suas colonias, o sistema colônial, cujoelemento-chave é o exclusivo, articula-se ao industrialismoas colônias formam um mercado cativo, inerme, para asmanufaturas da metrópole e, em última instância, à políticada balança comercial favorável, a produção colonialexportapa sempre através dos portos metropolitanos reforça olado positivo da balança, cabendo à mesma política doexclusivo impedir por todos os meios que navios e produtosde outros países cheguem diretamente aos portos coloniais.Além do ganho mercantil e fiscal que é conseguido com ocomércio colonial, comerciantes e Estado têm no respectivosistema um fator insubstituível em termos de balançacomercial.

As práticas econômicas mercantilistas concretamente

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adotadas neste século pelos países europeus, emborapartindo de princípios comuns, foram bastante variadas. Nospaíses ibéricos, antes e após a Restauração da independênciaportuguesa em 1640, ao mesmo tempo que se desenvolve osistema colonial, as metrópoles vêem-se a braços com umacrise tríplice monetária, demográfica e da produção. Osembaraços financeiros do Estado, a penúria do metalprecioso que leva às sucessivas desvalorizações da moeda, odesequilíbrio demográfico, geral mas sobretudo regional, adecadência da produção agrícola e manufatureira, tudo issocompõe um quadro de crise ou de decadência. Somente nasúltimas décadas do século, com as iniciativas manufatureirasde D. Luis de Meneses, Conde de Ericeira, em Portugal, e asdo Conde de Oropesa, na Espanha, iremos encontrar osprimeiros sinais de recuperação. Nos Estados italianos ealemães, peões da política de grandeza e poder de seusvizinhos mais poderosos, a situação não é muito diferente,destacando-se apenas os ingentes esforços de reconstruçãolevados a efeito pelos cameralistas germânicos. AsProvíncias Unidas, por sua vez, no auge do seu poderioeconômico e financeiro, associam práticas mercantilistasespecialmente a criação de suas grandes companhias decomércio -- e outras bem mais livres. A ênfase dadaao comercio entre as varias regiões europeias, oslucros das transações financeiras, a posição deAmsterdam como metrópole financeira, a construçãoe venda de navios, deixam em plano secundário aprodução manufatureira, permitindo evitar boa parte

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das práticas protecionistas. Daí resulta uma contradiçãoaparente que tem levado muitos a se referir a uma espécie demercantilismo liberal (sic), sem se darem conta dacontradição em termos que essa expressão encerra. O quenem sempre é ressaltado é o fato de que, nas ProvínciasUnidas, o tipo de Estado é que é outro. E o Estado da própriaburguesia mercantil, o que torna mais ou menos sem sentidopensar as suas práticas em função da idéia de maior oumenor intervencionismo. Talvez por causa dessacaracterística possamos pensar o caso das Províncias Unidas,simultaneamente, como o exemplo máximo de mercan-tilismo, ou, ao contrário, como a sua negação.

A França apresenta-se como o país típico domercantilismo em sua forma clássica. Suas lutas contra aEspanha, contra a Holanda e, por último, contra a inglaterra,traem facilmente as preocupações mercantis e coloniais damonarquia francesa. Já na época de Richelieu encontra-seuma política marítima e colonial bem definida, enquantoprosseguem, internamente, os esforços de unificaçãoadministrativa e fiscal. A questão da saída do metal precioso,a necessidade de desenvolver a navegação, a criação decompanhias de comércio, já presentes sob Richelieu,retomam impulso no reinado de Luís XIV, sob a orientaçãode Colbert. Trabalho incessante, dinamismo, uma visãomuito clara das exigências da guerra econômica cujo âmagoé ainda o metal precioso, tudo isso completa-se em Colbertcom a adoção de uma política protecionista e manufatureira de

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grande amplitude. Companhias de comércio e manufaturasocupam o centro de suas preocupações, ao lado daconstrução naval e da legislação tarifária. Sua tonica é aregulamentação minuciosa e o apoio financeiro e políticodado pelo Estado. Num certo sentido, com todos os seuserros concertos, o colbertismo tornou-se o paradigma dapolítica mercantilista clássica.

A Inglaterra mercantilista do século XVII caracteriza-se por duas fases bem distintas: até 1640, sob os Stuarts, ointervencionismo é a regra, dando seqüência à políticaelisabetana: privilégios, monopólios, protecionismo, tudoenfim que possa evitar a evasão monetária, favorecer aprodução e desenvolver a navegação e o comércio. Noentanto, os excessos desse intervencionismo, associados àsmanipulações de grupos detentores de conexões políticasprotetoras, exacerbou os protestos e levou a grandesmudanças durante e após a Revolução Puritana. Com efeito,os revolucionários deram início a uma nova fase: aspráticas intervencionistas mercantilistas foram abolidasinternamente, de roldão com a liquidação dosremanescentes feudais, abrindo-se espaço à livreiniciativa dos cidadãos em todos os setores: agricultura,indústria, comércio. Externamente, porém, a tendênciafoi oposta: reforço do protecionismo alfandegário, tantopara as manufafuras quanto para a agricultura; reforço,também, do sistema colonial; manutenção das companhiasde comércio, em especial a Companhia das Indias. Daí umtipo ambíguo de mercantilismo, mais para uso

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externo do que interno, aparentemente, cuja expressão maisnotável foram os chamados Atos de Navegação, embora, alongo prazo, a luta pela conquista do comércio internacionale a preocupação com as áreas coloniais, as inglesas e as deseus rivais, tenham sido de fato os seus verdadeiros trunfos.

O Século XVIII

O principal fato relativo às práticas mercantilistasdurante o setecentos é a sua permanência, pela força dainércia, ou aos interesses sócio-econômicos que lhes davamcondições de existência. As críticas cada vez maisnumerosas, no plano teórico, tiveram pouca repercussão anível dos políticos e administradores responsáveis pelacondução da política econômica. A França traduznitidamente esse lato, pois somente com Turgot, já nasegunda metade do século, foi possível tentar pôr em práticaalguns dos pontos de vista fisiocráticos. A Inglaterra, por suavez, manteve-se fiel ao dualismo que descrevemos no itemanterior: já liberal, em muitos aspectos, para efeito interno,tremendamente mercantilista, ainda, em suas relações com oexterior, como o demonstram seus atritos dia a dia maiorescom seus colonos da América, e o auge da Companhia dasIndias.

Ao mesmo tempo, como já mencionamos, aspráticas mercantilistas recebem novo alento nospaíses situados na periferia europeia: na Rússia de Pedro

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o Grande e de Catarina II; na Prússia de Frederico II; naSuécia de Gustavo III; no Portugal de D. Jose I, com oMarquês de Pombal; na Espanha de Carlos III; na Austria deJosé II, além de inúmeros príncipes alemães e italianos. Aspráticas propriamente ditas, no entanto, não apresentamnovidades: sua essência é dada pelo modelo colbertista,adaptado às necessidades e às possibilidades reais de cadaEstado particular.

Lembremos, a título de conclusão, que essapermanência do mercantilismo na França, em crescentecontradição com o desenvolvimento econômico do país e aascensão burguesa, representa um dos fatores pré-revolucionários mais significativos. Sob outro prisma, aquelarecuperação do mercantilismo que atinge os confins daEuropa, enquanto peça importante do reformismo ilustrado,que é a marca do Antigo Regime de um extremo a outro docontinente, não deixa de ter também influência no própriodesenvolvimento ou não do capitalismo e da burguesia nasdiferentes sociedades em que ele se processa. Aspossibilidades e os rumos da revolução burguesa já se achamaí, em parte, inscritos.

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CONCLUSÃO

Através da exposição que fizemos, acreditamos quetenha sido possível apreender as características e osproblemas principais do nosso objetivo: o mercantilismo(Idéias e práticas político-econômicas) em sua articulaçãocom o processo de transição feudal-capitalista. Este último,embora apenas esboçado, deve ter permitido situar melhor,historicamente, a problemática do mercantilismopropriamente dito. Gostaríamos que tivesse ficadosuficientemente claro também que as idéias e as práticasmercantilistas, articulando, tanto ao nível do discurso quantoao nível da política econômica, as perspectivas e osinteresses que remetem ora ao universo mercantil dominadopelo capital comercial, ora ao universo do Estado modernoabsolutista, com sua estrutura e funcões bastante peculiares,permitem estabelecer algumas conclusões mais ou menosgerais que tentaremos agora resumir.

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Em primeiro lugar, parece lícito afirmar que os doispontos cruciais do mercantilismo, na teoria e na prática,foram a sua teoria monetária e a sua teoria da balançacomercial, pois os demais itens do seu ideário têm aquelesdois como pressupostos. Partindo de uma posição decomplementaridade e interdependência, aquelas teoriastenderam a se desenvolver seguindo seus próprios caminhos,numa tensão dialética crescente que veio, afinal, a colocá-lasem posições antagonicas, que levaram à negação e àsuperacão de ambas, já na segunda metade do século XVIII.

Em segundo lugar, não há muitas dúvidas sobre o papelsubordinado que o mercantilismo destina à produção emgeral, pois, a rigor, não se acha ligado a nenhum modo deprodução em particular. Naqueles casos em que as atividadesprodutivas aparecem diretamente organizadas e dirigidas porempresários mercantilistas, e isto se dá principalmente nosempreendimentos manufatureiros, é possível até formular umesquema:

1 - A produção de mercadorias, sua oferta, baseia-seem três tipos de cálculos: os custos da produção; a naturezado mercado; a margem de lucro pretendida.

O problema dos custos repousa sobre três coordenadasbásicas:

1) a lentidão do avanço tecnológico, da qual resulta sermuito arriscado contar com ele como fator de redução docusto da produção;

2) a mudança também muito lenta, dadas as

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dificuldades existentes, na organização dos processos deprodução; logo, a divisão e especialização do trabalho só empequena escala podem contribuir para reduzir os custos;

3) a remuneração da mão-de-obra é o elemento central,pois, ao lado dos gastos com a aquisição das matérias-primas, constitui a principal despesa dos empresários; comoconsequência, o principio básico é manter sempre em seunivel mais baixo essa remuneração (salários ou não); entramentão ai em linha de conta as flutuações demográficas, osdeslocamentos populacionais (inter-regionais ouinternacionais), a existência ou não de um vasto contingentede desempregados ou subempregados; sobre essa oferta demão- de- obra aplicam- se, sempre que necessário, os meioscoercitivos de compulsão ao trabalho que o Estadoabsolutista faculta, através da legislação e da fiscalizaçãoburocrática e policial de seus "oficiais".

O problema da NATUREZA DO MERCADO, oscálculos sobre o seu caráter limitado e inelástico e,principalmente, a concorrência e o movimento dos preços. Alimitação do mercado tende a privilegiar a qualidade sobre aquantidade, o vender poucos artigos a preços altos em lugarde muitos artigos a preços baixos; mas tende também a tolherquaisquer veleidades de aumento excessivo da produção,pois faz sempre pairar o fantasma da acumulação de estoquesinvendáveis. A concorrência, na qual está afastada apossibilidade de reduzir os custos além de um certolimite, funciona levando em consideração os cálculossobre transportes ( fretes e seguros ), distância

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, barreiras fiscais e alfandegárias, e, acima de tudo, aexistência ou não de privilégios monopolistas queassegurem, a priori , um mercado cativo. Os preços,consequentemente, sempre que possível, são os mais altospossíveis, pois, na prática, salvo as flutuações conjunturais,ligadas às questões monetárias ou às característicasestruturais das economias pré-industriais, não há umaconcorrência suficientemente poderosa para forçá-los parabaixo.

2 - O consumo de mercadorias, sua demanda, assenta-se em realidades que tendem também a limitá-la ou, pelomenos, só permitir um crescimento muito lento:

1) baixo poder aquisitivo da maioria da população,quase toda abastecendo-se, nas áreas rurais (que são asnumericamente predominantes), ou em mercadosestritamente locais, ou mesmo através da auto-subsistência;enquanto isso, aqueles que produzem, trabalhando nasmanufaturas, ganham tão pouco que seu papel comoconsumidores do que produzem não entra em linha de conta,sendo contraditório pensar em ampliar os seus rendimentos;

2) o verdadeiro mercado consumidor, portanto, estálimitado pela própria estrutura social: o nível de consumo dasclasses mais ricas é mais ou menos estável por longosperiodos; pode-se, quando muito, substituir um produto poroutro, mais sofisticado, mais caro, de acordo com a moda; épara esse espaço que se orienta a produção dos artigos deluxo;

3) a busca de novos mercados equivale sempre àconquista de posições fora do próprio país, ou, inversamente

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à expulsão dos competidores estrangeiros dasções

posi- que por ventura ocupem dentro do país; e sempre de

uma guerra de posições que se trata. A diplomacia, ostratados comerciais, a guerra de tarifas, as operaçõesmilitares propriamente ditas assumem ai uma importânciadecisiva. Um caso particular dessa guerra é dado peladescoberta, conquista e exploração de novos mercados: asáreas coloniais.

Finalmente, em terceiro lugar, para retomarmos o fio denossa exposição, é importante não perdermos de vista asrelações entre as políticas mercantilistas e as variaçõesconjunturais mais amplas: as fases de inflação e expansão eas de deflação e contracão econômica.

A fase de inflação (alta dos preços) e expansão geraldas atividades econômicas tende a exacerbar as práticasmetalistas ou bulionistas, como foi visto para o século XVI,às quais se subordinam as iniciatívas industrialistas e oproprio fiscalismo. A fase de deflação ou depressão(tendência à baixa dos preços), envolvendo dificuldadesmonetárias e queda dos lucros, traz consigo a redução dacapacidade de importar e coloca a balança comercial naordem do dia. Nasce dai toda uma preocupação renovada esistemática com o fomento às manufaturas nacionais,visando implementar uma política de substituição deimportações, paralelamente ao redespertar das políticascoloniais. O arsenal mercantilista fornece então ascompanhias privilegiadas, as manufaturas reais, as leisregulamentadoras da produção e da mao-de-obra, asbonificações, os remanejamentos das tarifas aduaneiras

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as leis protecionistas, etc. É o que foi quando vistotratamos do século XVII.

Assim foi o mercantilismo.

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INDICAÇÕES PARA LEITURA

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Sobre o autor

Francisco José Calazans Falcon e professor livre-docente de História Moderna e professor titular de HistoriaModerna e Contemporanea da Universidade FederalFluminense. É também professor associado da PUC-RJ Co-autor de A formação do Mundo Conternporaneo , escreveu atese Politica Economica e Monarquia llustrada:a epocapombalina ( 1750-1777).

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