Falta de política de conservação e preservação ambiental promove a conversão do bioma...
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Falta de Política de Conservação e Preservação Ecológica promove a
conversão do Bioma Pampa em Desertos Verdes
por Cíntia Barenho
Bióloga, Mestre em Educação Ambiental e coordenadora de Projetos do Centro de
Estudos Ambientais (CEA). Também atua na Marcha Mundial das Mulheres.
O Bioma Pampa sul-‐rio-‐grandense abrange cerca de 180 mil Km2, o que
equivale a cerca de 60% da área do Rio Grande do Sul (RS). O Pampa é
caracterizado por uma vegetação campestre, que predomina em relevos de
planície, e por uma vegetação mais densa, arbustiva e arbórea, nas encostas e ao
longo dos cursos de água, além da ocorrência de banhados e áreas úmidas. Além
disso, as terras pampeanas ocupam uma área de aproximadamente 700 mil km2
entre os países da Argentina, Uruguai e Brasil (Schnadelbach & Picoli, 2007)1.
No RS apenas 39% de sua área total ainda é constituída por
remanescentes de campos naturais (Pillar, 2006)2. E mesmo com uma imensa
riqueza de biodiversidade e significantes endemismos (ou seja, espécies que só
ocorrem nesse ecossistema) apenas 0,46% do Pampa gaúcho está protegido em
Unidades de Conservação.
Mesmo assim, e em ritmo acelerado, os campos sulinos estão sendo
convertidos em lavouras e plantações de árvores exóticas. Segundo Pillar (2006),
entre os anos de 1970 e 2005 mais de 4,7 milhões de hectares de pastagens
naturais foram modificadas.
Atualmente o RS tem uma área de mais de 500 mil hectares de
monoculturas de árvores exóticas3 e, segundo projeções, chegaria a cerca de um
milhão de hectares de plantações de pinus, eucalipto e acácia até 20154. A
metade sul do RS, onde predomina o bioma, desde 20035 tem sofrido a ofensiva
1 PICOLI, Luciana R. e SCHNADELBACH, Carla V. (Coord.). O pampa em disputa: a biodiversidade ameaçada pela expansão das monoculturas de árvores. Porto Alegre: Núcleo Amigos da Terra/Brasil, 2007. 64p. Disponível em: http://goo.gl/sd1hO 2 PILLAR, V.D.P. et al. Estado atual e desafios para a conservação dos campos. Workshop -‐ UFRGS, Porto Alegre, março de 2006. 3 Infelizmente não vem sendo possível acessar dados oficiais e confiáveis sobre a quantidade de hectares de eucaliptos plantados no Pampa até o momento. 4 No entanto, com a crise econômica do sistema capitalista o panorama mudou. 5 Cabe destacar que durante 1980 outra ofensiva ocorreu, resultando em monoculturas de acácias (extração de resina) e pinus (cavacos). As tentativas de instalação de fábrica de celulose foram barradas pela sociedade de Rio Grande-‐RS.
dos mega-‐projetos de celulose e papel6. Os projetos, além de transformar o
Pampa em imensos maciços de eucalipto (desertos verdes), também previam a
instalação de, pelo menos, três fábricas de pasta de celulose.
O Executivo Estadual apoia, a sociedade disputa de modelo
O Governo estadual (gestão Rigotto e Yeda Crusius) fez de “tudo” para não
preservar o Pampa. Para tanto, assumiu os investimentos do setor da celulose e
papel como projeto de governo (especialmente Yeda), incentivando de
diferentes formas a consolidação deste setor no Estado. Pode-‐se dizer que a
principal foi a flexibilização e o descumprimento da legislação ambiental. Por
exemplo, excluindo ou postergando a apresentação do Estudo Prévio de Impacto
Ambiental em empreendimento de florestamento ou reflorestamento para fins
empresariais com menos de 1000 hectares.
A sociedade civil organizada (Movimento Ecológico Gaúcho) conquistou, a
duras penas, o Zoneamento Ambiental para atividade de Silvicultura (ZAS),
desenvolvido pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental e da Fundação
Zoobotânica. Mesmo sendo desenvolvido por órgão público, o ZAS foi
desqualificado e rechaçado pelas empresas, por algumas entidades e sindicatos e,
pelo próprio governo, uma vez que o zoneamento limitava o plantios de pinus e
eucalipto em grande escala e em determinadas áreas do RS.
Além da disputa por dentro do “sistema”, a sociedade, através dos
movimentos sociais-‐ecológicos, sistematicamente estava às ruas denunciando e
condenando a transformação do Pampa em Desertos Verdes. Uma das ações mais
condenadas midiaticamente, foi a ocupação e destruição do viveiros de mudas da
Aracruz, por mulheres da Via Campesina.
Também era possível contar com alguns parlamentares, ligados a campos
ditos de esquerda, que apoiavam a luta contra a expansão do projeto.
Sobre a mídia, não se pode deixar de destacar que nos meios de
comunicação 7 imperava a desinformação: comemoravam os investimentos,
destacando apenas lados ditos positivos8.
6 Eram três grandes projetos – da Aracruz, da Stora Enzo (Finlândia) e da Votorantim Celulose e Papel (VCP) – que pretendiam investir cerca de US$ 3,5 bilhões em sete anos.
A crise econômica do capital sobre os desertos verdes
Com o agravamento da crise econômica mundial, bem como com a
sistemática luta e resistência local, os investimentos do setor de celulose e papel
foram minguando. Por conta da crise e de estripulias junto ao mercado
financeiro (derivativos), a Aracruz foi incorporada à VCP, transformando-‐se em
Fibria. Assim a fábrica de celulose de Guaíba virou Fibria, mas rapidamente foi
comprada pela empresa chilena CMPC9 (Companhia Manufatureira de Papeis e
Cartões).
Na Metade Sul a Fibria anunciou que venderia o “Projeto Losango” para
reduzir dívidas, ativos considerados, agora como não-‐estratégicos. Empresas que
até então ressaltavam a importância e suas boas intenções com o
desenvolvimento do RS, escolhem outro cenário mais favorável (no restante do
Brasil os projetos seguem e se expandem).
A volta dos que não foram: os novos velhos investimentos
Atualmente a ofensiva papeleira volta a pauta. Primeiramente com o
anúncio que a CMPC comprou10 cerca de 100 mil hectares monocultura de
eucalipto por R$ 615 milhões de reais.
A chilena, também anunciou que a fábrica de Guaíba será ampliada e
passará a produzir 1.750 mil ton/ano, com início das operações comerciais em
2015. O valor total do investimento previsto será de R$ 4,6 bilhões, sendo que
seu conselho administrativo autorizou obter crédito no valor de R$ 2,51 bilhões
no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Projetam a
geração de mais de 7 mil postos de trabalho diretos e 17.100 indiretos, até 2015.
7 A principal empresa de comunicação do RS, detentora de concessão pública de rádios-‐TV-‐jornais, foi e é a porta-‐voz das empresas promotoras dos Desertos Verdes. Inclusive a mesma promovia “campanhas” de criminalização dos movimentos sociais-‐ecológicos. 8 Uma tal salvação que também não veio dos eucaliptos. Disponível em: http://goo.gl/Tdmzl 9 A fábrica de celulose de Guaíba-‐RS já foi Borregaard, Riocel, Aracruz, Fibria, e agora é da empresa CMPC, mas se utiliza de um nome que soa melhor aos ouvidos locais: Celulose Riograndense. 10 Referente a conclusão da operação de compra de ativos florestais (projeto Losango) da brasileira Fibria no RS. A transação inclui 100 mil hectares de áreas próprias, dos quais 38 mil hectares com plantações de eucalipto. Disponível em: http://goo.gl/FZjVB
No comunicado da empresa informa11 que possui 214 mil hectares de terras, dos
quais 81 mil hectares são destinados à preservação ambiental12.
Tal anúncio foi saudado não só por parlamentares e meios de
comunicação (comprometidos com seus anunciantes), como também pelo atual
executivo estadual. Para o atual governador Tarso Genro (PT-‐RS): "trata-‐se de
uma concepção de desenvolvimento, que gera uma demanda social virtuosa e o
Estado está tecnicamente preparado para isso"13. Nada foi esclarecido sobre o
processo de licenciamento ambiental.
O Movimento Ecológico Gaúcho14 manifestou-‐se sobre a ampliação de
megainvestimento da Celulose Riograndense no RS.
Também cabe destacar que recentemente, o Congresso Nacional aprovou
a compra de terra por estrangeiros (empresas brasileiras controladas por
estrangeiros). Ou seja, o Pampa já pode ser “vendido”. Benefícios tanto para a
empresa chilena, como para sueco-‐finlandesa Stora Enso. Tal empresa se utilizou
de laranjas para comprar terras no RS, na faixa de fronteira. Denúncias do
descumprimento da Constituição Federal foram feitas, mesmo assim a Stora
Enso obteve aval para legalizar o que adquiriu ilegalmente na faixa de fronteira.
E no Congresso Nacional, há parlamentares gaúchos tentando reduzir
definitivamente as faixas de fronteira.
Além disso, há uma ofensiva das empresas multinacionais de agrotóxicos,
afim de flexibilizar a legislação estadual sobre Agrotóxicos15. A lei impede, por
exemplo, registro de agrotóxicos banidos, em seus países de origem. Certamente
tais mudanças também beneficiarão às monoculturas de árvores.
11 Celulose Riograndense anuncia aprovação de seu projeto de expansão no RS. Disponível em: http://goo.gl/HJ3F9 12 Informação sobre preservação ambiental promovida por papeleira seria a Reserva Natural Barba Negra (Reserva Particular do Patrimônio Natural-‐RPPN), que tem 10,6 mil hectares, aproximadamente 6 mil hectares possuem eucaliptos e viveiro de mudas; e outros 2,4 mil hectares seriam designados para a reserva ambiental. “Celulose Riograndense apresenta Reserva Natural Barba Negra?” Disponível em: http://goo.gl/3svP1 Sendo assim, onde estarão os demais milhares de hectares informados? 13 Celulose Riograndense confirma investimento de R$ 5 bilhões no Estado. Disponível em: http://goo.gl/HJ0lD 14 A Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (APEDeMA-‐RS) manifestou-‐se contra o megainvestimento da Celulose Riograndense no RS. Disponível em: http://goo.gl/8XKXZ 15 A lei Lei n. 7.747 foi criada em 1982. Atualmente o RS é o quarto estado brasileiro em consumo de agrotóxicos. Disponível em: http://goo.gl/Lw8VP
Desafios para tornar vislumbrar um Pampa não mais pobre
As grande extensões de terra do RS que outrora foram propriedade de
poucos latifundiários, agora passam para as mãos de duas empresas e
multinacionais. Seria isso desenvolvimento e sustentabilidade?
A Falta de Política de Conservação e Preservação Ecológica16 promove a
conversão do Bioma Pampa em Desertos Verdes, o mesmo modelo recorrente de
desenvolvimento que nos mantém como uma colônia, onde se:
• Privatiza os lucros e socializa os custos sociais, ecológicos;
• Intensifica a concentração de terra/renda e diminui a diversificação
produtiva;
• Submete o Aqüífero Guarani aos interesses do capital estrangeiro,
rechaçando a soberania;
• Transforma terras agriculturáveis em monocultivos de árvores;
Até quando seguiremos nos submetendo a falsos projetos de
desenvolvimento? Alternativas produtivas, reprodutivas e de
preservação/conservação já existem no Pampa. Precisamos de mais meios para
visibilizá-‐las e efetivá-‐las!
16 Existe o projeto, ação que não se restringe ao Pampa, chamado “RS Biodiversidade -‐
Conservação da Biodiversidade como Fator de Contribuição ao Desenvolvimento” que prevê
proteção e conservação dos recursos naturais e busca promover a incorporação do tema
biodiversidade nas instituições e comunidades envolvidas.. Os recursos para execução provêm de
doação de US$ 5 milhões do Fundo Global do Meio Ambiente (Banco Mundial), com contrapartida
de US$ 6,1 milhões por parte do Governo Estadual. Disponível em: http://goo.gl/Bza4F