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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ANDRÉA ELIANE CHARÃO DE MATTOS FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS E A DOR DO PRECONCEITO Canoas 2007.1

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ANDRÉA ELIANE CHARÃO DE MATTOS

FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS E A DOR DO PRECONCEITO

Canoas 2007.1

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ANDRÉA ELIANE CHARÃO DE MATTOS

FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS E A DOR DO PRECONCEITO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social da Universidade Luterana do Brasil, como requisito para obtenção de Grau de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Maria da Graça Maurer Gomes Türck

Canoas

2007/1

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ANDRÉA ELIANE CHARÃO DE MATTOS

FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS E A DOR DO PRECONCEITO

Monografia final do Curso de Serviço Social, apresentada como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social na Universidade Luterana do Brasil, Curso de Serviço Social. Área de concentração: Assistência Social.

Data da aprovação, ___/___/2007.

Componentes da banca:

____________________________________________ Profª. Maria da Graça Maurer Gomes Türck

Orientadora

____________________________________________ Profª Dra. Ruthe Corrêa Costa

Argüidora (ULBRA)

____________________________________________ Profª. Elizabeth Pacheco Raimundo

Argüidora (Convidada)

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Dedico este trabalho à minha amada família, pelo amor, carinho e incentivo que me deram.

Pela compreensão que tiveram quando tive que me fazer ausente para dar conta desta trajetória.

A vocês, meu amor mais puro e verdadeiro.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus avós paternos e maternos, que me permitiram ser filha de Édio Paulo e Maria Cleuza, pessoas simples e dignas que dedicaram seu amor sem limites.

A Deus, por toda proteção e bênçãos recebidas.

A Marta e Amanda, pelo amor, incentivo e compreensão.

A Viviane e Gustavo, pelo carinho e apoio de sempre.

A Marta e Marília, que carinhosamente torceram por mim.

A Felipe e Mariana, sobrinhos do coração, pelo respeito e carinho.

À Neusa, por ser meu anjo da guarda terreno.

A Adriana e Silvia, amigas verdadeiras, com quem sei que posso contar.

A todos os amigos que hoje vibram com a minha vitória.

À Dra. Cláudia Ávila, pelo cuidado e atenção.

À minha supervisora de campo, professora Cláudia Giongo, pelo acolhimento, cuidado e confiança e pelos conhecimentos transmitidos.

À minha querida orientadora, Maria da Graça, que, com enorme desprendimento, repassou todo seu saber e instigou a buscar sempre mais, pelo acompanhamento, carinho e competência que dispensou durante a jornada acadêmica e na elaboração deste trabalho.

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A todos os professores que fizeram parte desta trajetória, enriquecendo minha caminhada.

A todos os colegas que conviveram e deixaram um pouco de si durante este percurso.

A Adriana e Ivanéria, que, além de colegas, tornaram-se amigas, me aceitando como sou.

A Leandro Celente, Cláudia Jaques, Suzana Richter e Lara de Araújo e demais colegas e amigos da Fundação de Proteção Especial que incentivaram e colaboraram na minha formação.

A Beatriz e Carmem, que incentivaram e fizeram acordar o meu desejo de voltar estudar.

A todos aqueles que não tiveram seus nomes citados, mas que sabem que moram no meu coração, pelo apoio, carinho e dedicação.

Aos usuários, que permitiram experienciar na prática a realização do processo de trabalho, pela confiança, pelo vínculo e pela troca de saberes.

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Somos tantas... Estamos em todos os lugares. Mas poucas pessoas querem nos ver.

Somos negras, brancas, mestiças. Somos altas, magras, roliças. Somos jovens, adultas,

idosas. Somos mulheres comuns, famosas. Somos atéias, cristãs, religiosas. Somos

trabalhadoras, do lar, da rua. Somos filhas, mães, avós. Somos tristes, alegres,

sonhadoras. Somos lésbicas batalhadoras. Existimos, estamos no mundo. Vê quem quer

enxergar... Escuta quem quer ouvir.(Silvana Brazeiro Conti)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................8 1 SOCIEDADE CAPITALISTA, QUESTÃO SOCIAL E PRECONCEITO ..................10 1.1 SOCIEDADE CAPITALISTA E QUESTÃO SOCIAL ...........................................10 1.2 QUESTÃO SOCIAL E PRECONCEITO ..............................................................18 2 PRECONCEITO E FAMÍLIA...................................................................................23 2.1 A FAMÍLIA COMO LÓCUS DO PRECONCEITO ................................................25 2.2 O PRECONCEITO E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES.................31 2.3 FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS E A DOR DO PRECONCEITO .............................32 3 A QUESTÃO SOCIAL SE CONFIGURANDO NAS FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS. 37 3.1 O PROCESSO DE CONHECIMENTO NO DESVENDAMENTO DO OBJETO ..39 3.2 O OBJETO DESVENDADO E A NEGAÇÃO DO DIREITO.................................43 3.3 ESTRATÉGIAS PARA A SUPERAÇÃO DO PRECONCEITO NA GARANTIA

DE DIREITOS .....................................................................................................46 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................50 REFERÊNCIAS.........................................................................................................52 ANEXOS ...................................................................................................................55

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo a articulação dos conhecimentos adquiridos

ao longo da formação acadêmica no curso de Serviço Social da Universidade

Luterana do Brasil para qualificação do Processo de Trabalho enquanto Assistente

Social.

Tendo a família como a instituição primordial para o desenvolvimento do

sujeito, durante o estágio curricular no Centro Multiprofissional da ULBRA, surgiu

inquietação ao se saber que é nela que muitos indivíduos sofrem as dores do

preconceito e que a família é uma das grandes responsáveis pela reprodução e

manutenção do mesmo.

Assim é que, aqui, vai se buscar sistematizar os conhecimentos referentes ao

preconceito. Como se tornava impossível abarcar os vários tipos e formas como ele

se manifestava, delimitou-se, então, a abordagem do preconceito vivido pelas

famílias homoafetivas1.

Para tanto, distribuiu-se o trabalho em três capítulos. No primeiro, apresentar-

se-á algumas reflexões teóricas sobre a sociedade capitalista, o preconceito e a

Questão Social. Será descrito como as múltiplas expressões da Questão Social,

originária dessa sociedade, a partir da relação “Capital X Trabalho”, geram as

desigualdades e a exclusão social, que violam direitos e atingem muitos sujeitos que

mantêm relações homoafetivas.

No segundo capítulo, abordar-se-á o preconceito e a família, quais os tipos

mais freqüentes de preconceito, sua origem e como a família vive e o reproduz.

1 Dias refere-se a famílias homoafetivas àquelas formadas por pares de pessoas do mesmo sexo (DIAS, 2004, p. 71).

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Mostrar-se-á como as famílias homoafetivas vêm se constituindo e um pouco da dor

e da discriminação que sofrem em função da orientação sexual que manifestam.

O terceiro capítulo apresentará a configuração da Questão Social na família

homoafetiva e como esta vem sofrendo o preconceito, que nega direitos

fundamentais. Serão mostrados, também, o objeto desvendado a partir do Processo

de Conhecimento a uma família homoafetiva e as estratégias para a superação do

preconceito na garantia de direitos.

Nas considerações finais, trazer-se-ão impressões sobre a experiência da

construção deste trabalho e sobre a importância de se refletir a respeito da temática

para a qualificação e competência do Assistente Social na busca da defesa

intransigente dos Direitos Humanos.

A seguir, as referências bibliográficas utilizadas na construção do trabalho e,

por fim, os anexos que fazem parte do mesmo.

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1 SOCIEDADE CAPITALISTA, QUESTÃO SOCIAL E PRECONCEITO

Vive-se numa sociedade capitalista marcada pelas desigualdades sociais,

pela exclusão, pela competitividade, pela acumulação da riqueza nas mãos de uma

minoria e pela banalização da violência e da pobreza humana.

Ao longo da história se foi evoluindo de servos a escravos, de escravos a

homens livres, de homens livres a mercadorias dessa sociedade.

1.1 SOCIEDADE CAPITALISTA E QUESTÃO SOCIAL

A história das sociedades é a história das lutas de classes. A luta do homem

livre e do escravo, do senhor feudal e do servo.

Na Idade Média (476-1453), com o esfacelamento do Império Romano do

Ocidente e as invasões bárbaras, ocorreram mudanças econômicas e sociais,

principalmente na Europa Ocidental, alterando o sistema de propriedade e de

produção. A partir dessa época, revelou-se um novo sistema econômico, político e

social que veio a se chamar Feudalismo.

O Feudalismo foi um modo de produção2 baseado nas relações servo-

contratuais (servis) de produção. Os senhores feudais recebiam as terras do rei e os

camponeses cuidavam da agropecuária dos feudos. Em troca, os camponeses

recebiam um pedaço de terra para sustentarem a família e estarem protegidos. O

Feudalismo vem da fusão de duas culturas: a Germânica e a Romana. Tal

sociedade era composta pelo clero, pela nobreza e pela burguesia.

O clero tinha como função oficial rezar. Na prática, exercia grande poder

político sobre uma sociedade bastante religiosa, onde o conceito de

separação entre a religião e a política era desconhecido.

2 “O modo de produção de qualquer sociedade consiste em dois elementos: suas forças produtivas referem-se às capacidades produtivas da sociedade, não apenas em sentido tecnológico, mas também em sentido social, e incluem não apenas os meios materiais de produção, mas também as capacidades humanas, tanto físicas quanto conceituais. As relações de produção referem-se às relações sociais sob as quais a produção é organizada: como os recursos e os trabalhos são alocados, como o processo de trabalho é organizado e como os produtos são distribuídos. É a combinação específica tanto das produtivas quanto das relações de produção que define o padrão de relações de classe em qualquer sociedade e, assim, sua dinâmica interna” (BOTTOMORE, 1996, p. 479).

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A nobreza (também chamados de senhores feudais) tinha como principal

função guerrear, além de exercer considerável poder político sobre as

demais classes.

Os servos constituíam a maior parte da população camponesa, presos à

terra e sofrendo intensa exploração, eram obrigados a prestar serviços a

nobreza e a pagar-lhe diversos tributos em troca da permissão de uso da

terra e de proteção militar. Embora geralmente a vida dos camponeses

fosse considerada miserável, não eram caracterizados como "escravos". A

produção dessa sociedade era de subsistência e marcada por pouca

atividade comercial.

O funcionamento feudal ou corporativo da indústria, existente até então, já

não bastava para as necessidades, que cresciam com os novos mercados. A

manufatura tomou o seu lugar. Os mercados continuavam a crescer, continuava-se a

aumentar a necessidade de produtos. A manufatura, então, já não bastava mais.

Dessa forma, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande

indústria moderna tomou o lugar da manufatura, criando-se, assim, o mercado

mundial.

A partir da Revolução Industrial (1760-1860), houve o movimento dos

cercamentos3, quando as terras comunais foram gradativamente sendo cercadas e

declaradas propriedade individual dos antigos senhores feudais. O regime de

servidão foi abolido, de forma que os servos não mais eram obrigados a permanecer

nos antigos feudos, mas, ao mesmo tempo, também foram proibidos de cultivar as

terras para sua subsistência, porque estas passaram a ter donos. Com a mudança,

eles foram expulsos e passaram a ser contratados como trabalhadores assalariados.

A colheita passou a ser propriedade exclusiva dos donos das terras, e o seu trabalho

3 Significou a transformação dos campos, antes comuns ou abertos, em unidades fundiárias particulares e fechadas, ou a divisão de terras antes comuns, mas não cultivadas, em propriedade privada. Esse processo foi intensificado a partir do século XVII, por meio de uma série de atos legislativos (enclosures acts), votados por parlamentares ligados à propriedade fundiária. Os enclosures acts implicaram não só no fechamento das terras como na expulsão dos pequenos cultivadores. Em síntese, o cercamento possibilitou o controle da burguesia sobre a terra, cuja etapa inicial foi a expulsão do posseiro e o fim do “velho” sistema de arrendamento: o surgimento das manufaturas e a conseqüente falência do artesanato, isto é, a burguesia assumiu o controle do setor e o artesão se viu despojado de seus instrumentos e dos frutos de sua produção que a partir daí passam a pertencer ao dono do capital e da manufatura (Autoria desconhecida. http://www.manyanga.ac.mz/discip/hist/ri.pdf, acessado em 11/06/07 às 20:30).

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passou a ser remunerado em dinheiro. Com isso, muitos migraram para as cidades,

onde também passaram a trabalhar, em troca de salário, em oficinas com os meios

de produção de propriedade privada.

Com o naufrágio, então, da sociedade feudal, emergia a sociedade burguesa,

com o surgimento de novas classes, novas condições de opressão, novas estruturas

de luta. Teve-se o confronto de duas grandes classes: a burguesia e o proletariado.

Na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, as máquinas apareceram

para substituir a produção artesanal, houve uma revolução do modo de produção.

Esse modo, Marx4 chamou de Capitalismo.

A Revolução Burguesa ou Francesa (5 de maio de 1789 a 9 de novembro de

1799), foi um importante marco na História Moderna. Ela representou o fim do

sistema absolutista e dos privilégios da nobreza. Frente à insatisfação popular diante

da grave situação social a qual os trabalhadores e camponeses eram submetidos,

eles decidiram ir às ruas com o objetivo de tomar o poder e arrancar do governo a

monarquia comandada pelo rei Luis XVI. A partir de 1789, durante a revolução, as

bases da sociedade capitalista foram sendo, portanto, estabelecidas.

A burguesia desempenhou na história um papel extremamente revolucionário.

Onde quer que tenha chego ao poder, destruiu todas as relações feudais,

patriarcais, idílicas5. Rompeu impiedosamente os laços feudais que atavam o

homem ao seu superior natural, não deixando nenhum outro laço entre os seres

humanos senão o interesse e o insensível "pagamento à vista". O valor de troca

passou a ser mais valorativo do que a dignidade pessoal. Com a ascensão dessa

burguesia, a exploração ocultada era descortinada, tornando-se aberta,

desavergonhada e direta.

A burguesia arrancou às relações familiares o seu comovente véu sentimental

e as reduziu a pura relação monetária.

4 Criador de uma filosofia própria para o operário, que dedicou sua vida a criar a Filosofia do Proletariado (RIOS, 1989, p.79). 5 De acordo com Michaelis (2001, p. 454), refere-se a sonho, fantasia, devaneio.

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Revolucionou os instrumentos de produção, as relações de produção e,

assim, o conjunto das relações sociais.

À medida em que a burguesia, isto é, o capital, desenvolvia-se, desenvolvia-

se o proletariado, a classe dos modernos operários, os quais só subsistiam enquanto

encontravam trabalho, e só encontravam trabalho enquanto o seu trabalho

aumentava o capital. Esses operários, que tinham de vender-se, um a um, eram uma

mercadoria como qualquer outro artigo de comércio e, por isso, igualmente expostos

a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as oscilações do mercado.

Com a expansão da maquinaria e pela divisão do trabalho, os proletários

perderam todo o caráter autônomo e tornaram-se meros acessórios da máquina,

explorados pelo modo de produção. A indústria moderna transformou a pequena

oficina do mestre patriarcal na grande fábrica do capitalista industrial. Massas de

operários, aglomeradas nas fábricas, eram organizadas de forma soldadesca, sob a

supervisão de uma hierarquia.

Quanto menos o trabalho manual requeria habilidade e dispêndio de forças,

isto é, quanto mais a indústria moderna se desenvolvia, tanto mais o trabalho dos

homens era sufocado pelo das mulheres. Diferenças de sexo e de idade não tinham

mais qualquer validade social para a classe operária. Só restavam ainda

instrumentos de trabalho que, de acordo com idade e sexo, perfaziam custos

variados.

O Movimento Operário surgia, então, em 1847, a partir da organização da

classe trabalhadora que se encontrava insatisfeita frente às péssimas condições de

vida e a exploração pelos donos dos meios de produção. Manifestações como

sabotagens e quebra de máquinas demonstravam o descontentamento dessa

classe. Os trabalhadores passaram a reivindicar melhores condições de trabalho,

melhores salários, redução da jornada de trabalho, entre outros benefícios. Toda luta

de classes é uma luta política. Essa organização dos proletários em classe era a

todo o momento, rompida pela concorrência entre os próprios operários. Ela

ressurgia sempre de novo, mais forte, mais sólida, mais poderosa e impunha o

reconhecimento de interesses particulares dos operários em forma de lei.

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Toda sociedade, até hoje existente, assentou-se, como se viu, no

antagonismo de classes opressoras e oprimidas. O operário moderno, ao contrário,

em vez de elevar-se com o progresso da indústria, vai caindo cada vez mais fundo,

abaixo das condições de sua própria classe. Torna-se um pauperizado. E o

pauperismo6 desenvolve-se ainda mais depressa do que a população e a riqueza.

A condição essencial para a existência e para a dominação da classe

burguesa é a acumulação da riqueza em mãos privadas, a formação e a

multiplicação do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho

assalariado assenta-se exclusivamente sobre a concorrência dos operários entre si.

Conforme Rios 1989, Marx desenvolveu, então, uma concepção materialista

da História, afirmando que o modo pelo qual a produção material de uma sociedade

é realizada constitui o fator determinante da organização política e das

representações intelectuais de uma época.

Através da historicidade, que é um processo de compreensão da história, é

possível desvendar as expressões da Questão Social, materializadas na vida de

sujeitos, grupos, instituições ou sociedades.

Assim, a base material ou econômica constitui a "infra-estrutura" da

sociedade, que exerce influência direta na "superestrutura", ou seja, nas instituições

jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e ideológicas (as artes, a religião, a moral).

Segundo Rios 1989, para Marx, a base material é formada por forças

produtivas (que são as ferramentas, as máquinas, as técnicas, tudo aquilo que

permite a produção) e por relações de produção (relações entre os que são

proprietários dos meios de produção, as terras, as matérias-primas, as máquinas - e

aqueles que possuem apenas a força de trabalho).

Ao se desenvolverem as forças produtivas, se estabelece um conflito entre

os proprietários e os não-proprietários dos meios de produção. Este conflito se

resolveu em favor das forças produtivas e surgiram relações de produção novas,

com isso, a superestrutura também se modificava e abria-se possibilidade de

6 Segundo Michaelis (2001, p. 656), pauperismo é a classe dos pobres; condição permanente de pobreza, numa parte da população de um país.

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revolução social, através da luta entre as classes sociais. Assim, o movimento da

História possui uma base material e econômica que obedece a um movimento

dialético.

Segundo Spindel,

A dialética hegeliana7 afirma que cada conceito possui em si o seu contrário, cada afirmação, a sua negação. 0 mundo não é um conjunto de coisas prontas e acabadas, mas, sim, o resultado do movimento gerado pelo choque destes antagonismos e destas contradições. A afirmação traz, em si, o germe de sua própria negação (tese X antítese); depois de se desenvolver, esta negação entra em choque com a afirmação, e este choque vai gerar um terceiro elemento mais evoluído, que Hegel chamou de "síntese" ou "negação da negação” (1992, p. 31).

Sendo assim, em suma, o capitalismo é um modo de produção que se

caracteriza pela propriedade privada dos meios de produção. Na sociedade

capitalista, as padarias, fábricas, confecções, gráficas, papelarias, etc., pertencem a

empresários e não ao Estado. Nela, a produção e a distribuição das riquezas são

regidas pelo mercado, no qual, em tese, os preços são determinados pelo livre jogo

da oferta e da procura. O capitalista, proprietário de empresa, compra a força de

trabalho de terceiros para produzir bens que, após serem vendidos, lhe permitem

recuperar o capital investido e obter um excedente, denominado lucro. No

capitalismo, as classes não mais se relacionam pelo vínculo da servidão (período

Feudal da Idade Média), mas pela posse ou carência de meios de produção e pela

“contratação livre do trabalho”.

Outros elementos, que caracterizam o capitalismo contemporâneo, são o

acúmulo permanente de capital; a geração de riquezas; o papel essencial

desempenhado pelo dinheiro e pelos mercados financeiros; a concorrência; a

inovação tecnológica ininterrupta; e, nas fases mais avançadas de evolução deste

modo de produção, o surgimento e expansão das grandes empresas multinacionais.

A divisão técnica do trabalho, ou seja, a especialização do trabalhador em tarefas

cada vez mais segmentadas no processo produtivo, é também uma característica

importante do modo capitalista de produção, uma vez que proporciona aumento de

produtividade.

7 Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão, idealista, criador do método dialético no qual as idéias se desenvolvem a partir de contradições dialéticas.

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Considera-se, portanto, a primeira fase de expansão do capitalismo o período

em que ocorreu a Revolução Industrial (1760-1860), cujo berço foi a Inglaterra, de

onde se estendeu aos países da Europa Ocidental e, posteriormente, aos Estados

Unidos. A evolução do capitalismo industrial foi, em grande parte, conseqüência do

desenvolvimento tecnológico. Por imposição do mercado consumidor, os setores de

fiação e tecelagem foram os primeiros a usufruir os benefícios do avanço

tecnológico. A indústria manufatureira evoluiu para a produção mecanizada,

possibilitando a constituição de grandes empresas, nas quais se implantou o

processo de divisão técnica do trabalho e a especialização da mão-de-obra.

Por volta do século XIX, ao mesmo tempo em que se desencadeava o surto

industrial, construíram-se as primeiras estradas de ferro, introduziu-se a navegação

a vapor, inventou-se o telégrafo e implantaram-se novos progressos na agricultura.

Sucederam-se as conquistas tecnológicas: o ferro foi substituído pelo aço na

fabricação de diversos produtos e passaram a ser empregadas as ligas metálicas;

descobriu-se a eletricidade e o petróleo; foram inventadas as máquinas automáticas;

melhoraram os sistemas de transportes e comunicações; surgiu a indústria química;

foram introduzidos novos métodos de organização do trabalho e de administração

de empresas; e aperfeiçoaram-se a técnica contábil, o uso da moeda e do crédito.

Mas a sociedade capitalista não garante meios de subsistência a todos os

seus membros. Pelo contrário, é condição desse modo de produção a existência de

uma massa de trabalhadores desempregados, que Marx chamou de exército

industrial de reserva, cuja função é controlar, pela própria disponibilidade, as

reivindicações operárias. O conceito de exército industrial de reserva derruba,

segundo os marxistas, os mitos liberais da liberdade de trabalho e do ideal do pleno

emprego.

Segundo Rios 1989, como o proletariado possuía somente sua força de

trabalho, começava a surgir o sentimento de alienação8, quando este era duramente

sugado. A partir de então, começaram a se organizar de forma que dialeticamente 8Alienação no sentido que lhe é dado, por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se torna (ou permanece) alheios, estranhos, enfim, alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade e/ou também a outros seres humanos. Assim concebida, a alienação é sempre alienação de si próprio ou auto-alienação, isto é, alienação do homem (ou de seu ser próprio em relação a si mesmo, às suas possibilidades humanas), através dele próprio pela sua própria atividade (BOTTOMORE, 1998, p.05).

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lutassem entre os contrários: de um lado o capital (patrão) de outro o trabalho

(operário), ambos defendendo seus interesses. Para eliminar com a alienação o

operário se organizava para se libertar das concepções burguesas e ver a realidade

a partir do seu ponto-de-vista.

O Movimento Operário, então, ganhou força quando vários trabalhadores

começaram a se mobilizar, surgindo os sindicatos, a confederação dos sindicatos e

os partidos operários. A classe operária se organizava para atuar na busca de seus

direitos contra o poder unido da classe dominante. Passa a se politizar, ter

consciência da sua força de trabalho e de que o capitalismo nunca resolveria seus

problemas. Para isso, o Sindicato Operário deveria ter como objetivo principal a

transformação da sociedade como um todo.

O livre mercado capitalista explorava, então, brutalmente as necessidades

das relações sociais. De um lado destruía as estruturas sociais básicas, entendidas

como tecido social. Por outro, criava novas estruturas, baseadas na hierarquia e na

competição. Essas novas estruturas sempre baseadas no princípio da maximização

do beneficio financeiro pessoal, sem conter os princípios básicos do tecido social

como: a confiança, a solidariedade, a cooperação e reciprocidade.

Nesse sentido, o capitalismo, apesar de ser a mais ampla manifestação do

processo civilizatório da modernidade urbano-industrial (século XIX), se fortalece e

se reproduz com a guerra, as catástrofes ambientais e a fome. Cada vez mais o

capital apropria-se, de modo auto-destrutivo, tanto da força de trabalho como da

natureza.

Enquanto modo de produção, produz através da superestrutura normas e

regras que devem ser mantidas para garantir um controle social, os sujeitos que

alteram ou deixam de seguir essas padronizações compõem o grupo das minorias e

estão vulneráveis à exclusão e ao preconceito.

Com a ascensão, entao, do capitalismo, a desigualdade social, que está

diretamente ligada à forma diferente da distribuição de renda, em que a maior parte

fica nas mãos de poucos, intensifica as expressões da Questão Social na vida dos

indivíduos. No Brasil, a desigualdade social é uma das maiores do mundo. Mas, para

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se entender o que significam as expressões da Questão Social na vida dos sujeitos

é preciso reconhecer o que esta é realmente.

1.2 QUESTÃO SOCIAL E PRECONCEITO

Segundo Castel 2000, a Questão Social como ameaça de fratura,

representada pelos proletários que não se integram à sociedade industrial, ou seja, a

população flutuante, os miseráveis, os destituídos dos vínculos rurais que ameaçam

a ordem social, foi explicitamente colocada pela primeira vez por volta dos anos

1830. Nessa época, era representada pelo pauperismo.

De acordo com Cerqueira Filho, a concepção de Questão Social está

enraizada na contradição Capital X Trabalho, é o conjunto de problemas políticos,

sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs à sociedade

capitalista (Cerqueira Filho apud TÜRCK, 2001, p.03).

Portanto, é uma categoria que expressa o conflito entre os donos dos meios

de produção e os sujeitos que vendem a sua força de trabalho. Dessa forma, a

grande contradição do modo capitalista de produção é a exploração do trabalho

humano pelo capital, onde a burguesia se apropria da riqueza gerada socialmente

pelos trabalhadores, ficando estes destituídos do poder de decisão sobre o produto

do seu trabalho, que já não lhes pertence mais. Neste contexto é que se clarificam

algumas das categorias teóricas instituídas por Marx (1844), tais como: a

fetichização9, a reificação10, a mais valia11, a alienação e a luta de classes12.

9 Para Marx, fetichização na sociedade capitalista, significa dizer que os objetos materiais possuem certas características que lhe são conferidas pelas relações sociais dominantes, mas que aparecem como se lhes pertencessem naturalmente. Essa síndrome que impregna a produção capitalista é por ele denominada fetichismo, e sua forma elementar é o fetichismo da mercadoria enquanto depositário ou portador de valor (BOTTOMORE, 1988, p.149). 10 Reificação é o ato (ou resultado do ato) de transformação das propriedades, relações e ações humanas em propriedades, relações e ações de coisas produzidas pelo homem, que se tornam independentes (e que são imaginadas como originalmente independentes) do homem e governa sua vida. Significa igualmente a transformação dos seres humanos em seres semelhantes a coisas, que não se comportam de forma mais radical e generalizada (OUTHWAITE, 1996, p.652). 11 A extração da mais-valia é a forma específica que assume a exploração sob o capitalismo, em que o excedente toma forma de lucro, e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquido que pode ser vendido por mais do que ele recebe como salário (BOTTOMORE, 1998, p.227). 12 As formas que a luta de classes adquire são diversas: econômica, política, ideológica, teórica. Mas todas estas formas de luta estão submetidas à luta política. A luta entre exploradores e explorados. Com o estabelecimento da ditadura do proletariado, a luta de classes não termina, mas adquire novas formas, os interesses de classe são irreconciliáveis (DEL RIO, p.153).

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19

A desigualdade social estabelecida entre trabalhadores e capitalistas, a qual

conseqüentemente viola direitos, constitui, portanto, a Questão Social. Entretanto,

neste terreno contraditório, entre a lógica do capital e a lógica do trabalho, ela não

somente é representada pelas desigualdades, mas, também, pelo processo de

resistência e luta dos trabalhadores, da população excluída e subalternizada pelos

seus direitos econômicos, sociais, políticos e culturais.

Já no século XX, com a política neoliberal13, o desacordo entre capital e

trabalho ocorre entre a defesa da flexibilização das leis trabalhistas e a manutenção

das conquistas. A partir de então, a Questão Social passa a se configurar, segundo

Castel:

Através dos desfiliados que surgem na sociedade contemporânea pelo enfraquecimento das formas de política social, pelo crescimento do desemprego e da precarização, pela impossibilidade de acesso livre aos postos assalariados de trabalho. Sua personificação se faz não pelo vagabundo, mas pelo desemprego e pelos desempregados. Os novos desfiliados sem lugar são categorias que se construíram como contraponto e reverso da situação configurada a partir do trabalho como imperativo (1988, p.14).

Tendo em vista que as mercadorias passaram a ter um valor superior ao

homem, ele assume uma posição semelhante às coisas, ou seja, ocorre a

coisificação da figura humana.

O neoliberalismo, então, surge após a Segunda Guerra Mundial como uma

reação contraria a construção do Welfare States14. Para Arruda (1999),

neoliberalismo é o nome dado à forma atual do capitalismo, que prega que objetos,

relações e pessoas devam ser todos transformados em mercadorias, com valor a ser

determinado pelo “mercado”. O Estado deve reduzir ao mínimo seu papel na

economia e esta deve abrir-se para o capital estrangeiro, eliminando todo o

13 A política neoliberal é um modelo que vem sendo adotado a partir dos anos 1180, nos países ocidentais, e que tem como característica primordial o afastamento do Estado em relação à gestão de diversos setores da economia. Dentre as funções do neoliberalismo, podem-se destacar: a de restringir o papel do Estado na garantia dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e a de privatizar empresas públicas para favorecer o mercado. O tripé da plataforma política neoliberal é composto pelo aprofundamento da abertura da economia nacional ao capital imperialista, pela privatização de empresas e de serviços públicos e pela desregulamentação das relações de trabalho (BOITO JUNIOR, 1996). 14 Estado de bem-estar social (SILVA, Mario César da.http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acessado em 13/06/07 às 13:15 ).

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mecanismo de controle, regulação e normatização desse capital, e toda proteção a

produtos ou mercadorias nacionais, daí, as crises na saúde, educação e empregos.

A proposta neoliberal é a conjunção em um “Estado” forte, para quebrar e

controlar os sindicatos para que estes se tornem ausentes nas intervenções

econômicas e nos gastos sociais, com combinação da estabilidade monetária, da

disciplina orçamentária estatal de amplas reformas fiscais a favor do capital, e a

manutenção de uma taxa natural de desemprego, como forma de anular o “inimigo”,

os sindicatos.

No neoliberalismo estão incluídas a informalidade no trabalho, o desemprego,

a desproteção trabalhista e, conseqüentemente, uma nova pobreza. As

desigualdades sociais passam a ser vistas de uma forma natural, ocorre todo um

incentivo à competição e ao individualismo que promove a fragmentação da

sociedade, onde os sujeitos coletivos perdem sua força e identidade. O indivíduo

passa, então, a ter mais importância do que o Estado, sob a argumentação de que,

quanto menor a participação do Estado na economia, maior é o poder dos indivíduos

e mais rapidamente a sociedade pode se desenvolver e progredir para o bem dos

cidadãos. Tal concepção se caracteriza pela valorização da competição entre as

pessoas, deixando de se pensar na coletividade, na permissão de todos para

venderem o que produzem, um mercado mais amplo possível. A sociedade deve,

então, decidir o seu nível de consumo ou quando poupa para sua velhice; a família

que se preocupe com sua saúde, escolhendo os seus próprios médicos ou

professores dos seus filhos.

A consolidação do projeto neoliberal no Brasil teve seu marco no governo de

Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1994, com a implementação dos dogmas

neoliberais; tais como ajuste fiscal com a redução do Estado, a privatização de todo

o patrimônio nacional, corte de crédito e a elevação dos juros. O sucateamento das

políticas sociais também compôs a estratégia do desmonte dos direitos sociais no

Brasil. As políticas sociais dentro da lógica neoliberal estão subordinadas à política

macroeconômica. Estas são dispensadas de acordo com a renda do usuário, ou

seja, deixam de ser universais, para serem contributivas. A Saúde e a Previdência

passam a ter um caráter mercantilista, isto é, estão disponível no mercado para

quem puder comprá-las. Aos totalmente despossuídos, cabe a ação focal e residual

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do Estado na área social e a refilantropização da sociedade civil, como o carro-chefe

da cidadania empresarial15.

A filosofia neoliberal acredita que a desigualdade é uma conseqüência da

falta de liberdade que o Estado impõe, ao retirar uma percentagem considerável do

vencimento sob forma de impostos para custeio, pregando, também, o estímulo da

economia por meio da criação de empresas privadas, apoiando a redução da

tributação sobre a renda.

Já a Constituição Brasileira (1988) vigente dita “Cidadã” e promulgada após

intensa participação popular, estabelece:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da república Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CONSTITUIÇÂO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2000).

Como fundamentos do Estado democrático de direito, o texto constitucional

afirma a soberania, a cidadania, à dignidade da pessoa humana, os valores sociais

do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (CONSTITUIÇÂO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2000).

Mas, infelizmente, a realidade brasileira não está cumprindo com os ideais

proclamados. Ainda hoje se sofre um processo de negação dos direitos sociais

arduamente conquistados, na medida em que prospera a defesa de um “Estado

mínimo”, que abandona o povo à sua sorte e que reduz a cidadania às liberdades

civis e políticas, mantendo, em contrapartida, os privilégios dos “de cima” e a brutal

15 O conceito de cidadania empresarial é a contribuição que uma empresa dá à sociedade através das suas principais atividades comerciais, do seu investimento social e de programas filantrópicos, e ao seu compromisso com as políticas públicas. O modo como uma empresa gere as suas relações econômicas, sociais e ambientais e o modo como se compromete com os seus parceiros (tais como acionistas, patrões, clientes, parceiros de negócio, governos e comunidades) tem impacto no sucesso da empresa a longo prazo (Autor desconhecido www.apsiot.pt/ProjectoPoefds/CEmpresarial.html. Acessado em 13d/06/07 às 13:35).

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carência de direitos dos “de baixo”. A pobreza tem crescido muito devido à

globalização econômica16 e o preconceito, punido severamente suas vítimas.

A Carta Magna brasileira, como resultado de uma longa história de lutas

sociais e de reconhecimento ético e político, garante direitos humanos e sociais,

mas, para assegurar a cidadania democrática e enfrentar a Questão Social no Brasil,

tem-se que continuar lutando para que se façam valer.

Para conseguir, então, garantir os objetivos promulgados na Constituição

Brasileira, numa sociedade como a posta é preciso organização e fortalecimento dos

movimentos sociais, pois só através do coletivo é que se pode assegurar mudanças

que tornem a sociedade mais justa, livre e solidária.

O preconceito que é germinado na sociedade capitalista encontra, então, na

família, as condições necessárias para se reproduzir e fortalecer nesse contexto

todo.

16 A globalização econômica faz com que os Estados, em geral, percam o controle de sua economia, atingindo seu poder de gestão, imprimindo ações diretivas a favorecer ou desfavorecer, a depender da ocasião, os direitos sociais. O que tem acontecido é uma tendência de retrocesso na proteção e efetividade destes direitos, por vários fatores, dentre eles a diminuição da máquina estatal, notadamente a assistencial e o desmantelo dos direitos trabalhistas mediante a flexibilização (RIZINNI, Irene. www.ibict.br/revistainclusaosocial/include/getdoc.php?id=301&article=55&mode=pdf Acessado em 16/06/07 às 15:22).

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2 PRECONCEITO E FAMÍLIA

Como foi visto, se está inserido numa sociedade capitalista que perpetua, ao

longo da sua história, uma realidade encharcada de preconceito. Em princípio,

parece insignificante, mas, no cotidiano das pessoas que são vítimas desse vilão, é

algo desastroso, que pode transformar suas vidas num tormento estarrecedor.

Para se compreender, então, o que isso significa, é preciso definir o que é o

preconceito. Segundo Michaelis, é o conceito ou opinião formados antes de se ter os

conhecimentos adequados, antipatia ou aversão a outras raças, religiões, classes

sociais (2001, p.693).

Para o senso comum, preconceito é uma atitude discriminatória que se baseia

na idéia pré-concebida sobre pessoas ou lugares determinados. Normalmente, é

causado pela ignorância, ou seja, pelo desconhecimento da verdade do outro. A

tendência do preconceito é a de levar as pessoas que sofrem com ele à

discriminação, à marginalização e à violência.

Ao se procurar identificar o surgimento do preconceito, se irá nos deparar com

o início da vida humana. Isso não significa dizer que seja inerente ao ser humano,

mas que, desde os primórdios, frente às diferenças e à necessidade de se manter

um controle social, existe o preconceito. Assim, é um fenômeno histórico e difuso, o

qual, normalmente, se vê nos outros, mas, raramente em si mesmo. Parece que a

raça humana tem uma grande dificuldade em aceitar tudo aquilo que foge do padrão

estabelecido.

Como é uma atitude negativa que um indivíduo está predisposto a sentir,

pensar e se conduzir em relação a determinado grupo ou pessoa, significa dizer que

esta verdade só será refutada no momento em que este indivíduo se permitir

conhecer a verdade do outro. Pode-se, então, sugerir que a melhor forma de se

superar ou reduzir o preconceito é com a convivência, através de uma atitude

comunitária.

Mas por que o preconceito existe? Talvez, se possa dizer que existe em

função das condições culturais, políticas, econômicas e sociais. Muitos são os

fatores que podem gerá-lo, entretanto, sem sombra de dúvidas, se estabelece a

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partir do modo de produção da sociedade, ou seja, por se viver numa sociedade

capitalista que, para se manter, necessita de uma base econômica que garanta

controle social e a manutenção da propriedade privada nas mãos dos donos dos

meios de produção, criam-se regras e valores para assegurarem a dinâmica social.

E é na superestrutura dessa sociedade que o preconceito encontra um

terreno fértil para se reproduzir, é ela que lhe dá legitimidade. Portanto, a falta de

conhecimento, a formação ideológica, a criação, o meio em que se vive e os

princípios morais e religiosos são determinantes para a formação do preconceito.

Existem muitos tipos de preconceito, os mais comuns são:

• Preconceito à cor - é denominado de racismo e existe principalmente em

relação a negros. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão, em 13 de maio de

1888, mas, até hoje, existe o racismo contra negros, além dos contra amarelos,

vermelhos, pardos e até mesmo, brancos.

Não gostaria que Luana namorasse com Adônis, não que eu seja racista, mas acho que, por ele ser negro, será difícil ser aceito pela minha família (fragmentos de falas, 2006).

• Preconceito à outra religião - hoje em dia, o maior exemplo deste

preconceito são os conflitos entre povos de religião diferente. A luta entre judeus e

islâmicos custa dezenas de vidas diariamente. Grupos extremistas de ambos os

lados matam inocentes cruelmente somente porque são de outra religião.

Acredito que nosso casamento tenha chego ao fim porque, como eu sigo princípios bíblicos, que não permitem algumas coisas, ele preferiu ficar com a Janaína, que é da umbanda e aceita realizar suas fantasias sexuais (fragmentos de falas, 2006).

• Preconceito contra gênero – é a discriminação contra homens e mulheres,

na qual existe a idéia de que um é superior ao outro.

Meu pai me condena por ter me separado do meu marido, pois ele acha que mulher tem que aturar tudo num casamento (fragmentos de falas, 2006).

• Preconceito quanto à classe social – discriminação a pessoas de classe

social diferente.

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Eu tinha certeza que o casamento do Mauro com a Carolina não ia durar muito, ela ficou com ele só por causa da nossa situação financeira, ela não tinha nada e quis se encostar, estava na cara que ia arrumar um amante (fragmentos de falas, 2006).

• Preconceito contra pessoas de outra orientação sexual – atitudes

negativas contra homossexuais, bissexuais e transexuais, que, por vezes, podem

ser agredidos moral e fisicamente só por não serem "iguais", por isso muitos

preferem esconder sua orientação sexual.

• Preconceito contra pessoas de outra nacionalidade – é a discriminação a

estrangeiros.

• Preconceito contra diferenças políticas e ideológicas.

• Preconceito contra pessoas portadoras de necessidades especiais.

Quando a minha distrofia muscular se agravou e tive que usar andador, não consegui mais arranjar emprego, as pessoas me consideram uma inútil (fragmentos de falas, 2006).

Ao se perguntar como o preconceito passa a fazer parte da vida das pessoas,

se irá deparar com um triste cenário, pois é justamente no seio da família que as

atitudes preconceituosas encontram forças para germinarem, é ela que alimenta e

reproduz o preconceito como será visto a seguir.

2.1 A FAMÍLIA COMO LÓCUS DO PRECONCEITO

A família é o berço da formação humana e é nela ou a partir dela que se

apreendem os conhecimentos e obtêm-se os recursos necessários para o

desenvolvimento humano.

Mas quem é a família?

[...] a família pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consangüíneos. Tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membro, e se encontra dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está inserida (MIOTO, 1997, p.120).

Sendo assim, é na família que se adquirem os primeiros preconceitos, é ela

que diz como se deve agir com as pessoas, a quem se dedicar apreço ou desprezo.

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A família mostra o diferente e induz ao sentimento que se deve ter por ele.

Quanto mais conservadora e autoritária a família, maior serão as possibilidades de

se criarem pessoas preconceituosas, pois a tendência é rejeitar tudo aquilo que é

diferente ou desconhecido. Assim, famílias que não têm entre seus membros um

deficiente físico ou mental, poderá ser preconceituosa com as que têm.

E quando surge a família?

Falar sobre as suas origens é um tanto complicado, tendo em vista a

complexidade do assunto. Entretanto, para se poder entender o papel fundamental

desta instituição na vida dos sujeitos, faz-se necessário buscar no passado sua

formação e suas transformações.

De acordo com Engels (1991), a palavra família vem de “famulius” que quer

dizer escravo doméstico - conjunto de escravos pertencentes a um mesmo homem,

que mantém sob seu poder a mulher, os filhos e certo número de escravos, tendo

direito total sobre suas vidas.

Conforme Engels (2000), Morgan definiu que a origem da família passou por

três períodos, subdivididos em três fases17, sendo:

O elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco, pelo contrário, são passivos; só depois de longos intervalos, registram os progressos feitos pela família, e não sofrem uma modificação radical senão quando a família já se modificou radicalmente.

17 Estado Selvagem - período que predomina a apropriação de produtos da natureza, prontos para serem utilizados. Fase inferior: viviam em grandes tribos, nos bosques e florestas, a alimentação era à base de frutas, nozes e raízes. Foi o período de formação da linguagem articulada. Fase média: passam a consumir animais aquáticos e usar fogo e começam a inventar as primeiras armas – a clave e a lança, e com elas passam a caçar. Fase superior: invenção do arco e flecha e desenvolvimento de outras habilidades como a arte em cerâmica, criação de utensílios de madeira, tecido à mão, instrumentos de pedra polida. Barbárie - período em que aparecem a criação de gado e a agricultura por meio do trabalho humano. Apesar de viverem em grandes grupos, as famílias passam a ser constituídas conforme o modelo patriarcal. Fase inferior: domesticação e criação de animais, cultivo de plantas. Fase média: criação de gado e formação de grandes rebanhos, utilização da carne e do leite. Fase superior: fundição do minério de ferro, invenção da escrita alfabética, criação do arado de terra que permitiu a agricultura. Civilização - período em que o homem continua aprendendo a elaborar produtos naturais, período da indústria e da arte (ENGELS, 2000).

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Durante as primeiras fases da origem da família, as uniões ocorriam por

grupos, nas quais todos os homens podiam pertencer a todas as mulheres.

Conseqüentemente, todos os bens produzidos também eram compartilhados por

todos.

As mulheres recebiam grande consideração e respeito, por serem as únicas

reconhecidas como geradoras da prole. Diante disto, Engels (2000) diz que, durante

as fases do Estado Selvagem e da Barbárie, a mulher não só foi livre, como também

muito considerada e que, somente após o desmoronamento do direito materno, é

que se iniciou a derrota histórica do sexo feminino, na qual ela passava a ser

escrava da luxúria do homem e transformada num instrumento de reprodução,

situação que só começou a ser revertida após 1789 com o Feminismo18.

Ao se adotar a monogamia, ocorreram transformações na economia das

tribos. A princípio, a riqueza pertencia a gens19, logo passou a pertencer aos chefes

de família e, por isso, as leis tiveram que ser modificadas, para que o pai pudesse

assegurar sua herança aos seus descendentes. Para que isso ocorresse, foi preciso

abolir a filiação feminina e o direito hereditário materno, que foram substituídos pela

filiação masculina e o direito hereditário paterno.

Ainda segundo Engels (2000), a monogamia teria sido "a primeira forma de

família que não se baseava em condições naturais, mas econômicas”, o que fez com

que a propriedade privada triunfasse.

Portanto, pode-se identificar que, após o período da barbárie, a família - que

outrora vivia em grandes grupos, tendo o direito de propriedade com base no bem

18 Feminismo é o movimento social que defende igualdade de direitos e status entre homens e mulheres em todos os campos. O movimento feminista brasileiro teve como sua principal líder a bióloga e zoóloga Berta Lutz, que fundou, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Essa organização tinha entre suas reivindicações o direito de voto, o de escolha de domicílio e o de trabalho, independentemente da autorização do marido. Outra líder feminina, Nuta Bartlett James, participou das lutas políticas do país na década de 1930 e foi uma das fundadoras da União Democrática Nacional (Autor desconhecido, extraído de enciclopédias Projeto Renasce Brasil. www.renascebrasil.com.br/f_feminismo2.htm Acessado em 10/06/07 às 10:12). 19 O conjunto de famílias que se encontram ligadas e submetidas politicamente a uma autoridade comum, o pater gentis. Usam um nome comum por se julgarem descendentes de um antepassado comum. Dá origem à expressão gentílico, aquilo que provém de uma mesma raiz, aquilo que tem a mesma origem (MALTEZ, José Adelino.http://maltez.info Acessado em 14/06/07 às 09:30).

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comum - a partir do século XIX, com o apoio do Código Napoleônico20, passou-se a

valorizar a propriedade privada, houve o favorecimento da concentração da

propriedade nas mãos de um número reduzido de indivíduos, que, para mantê-la,

introduziram o modelo patriarcal21.

A partir, então, do período da Civilização, a família permanece sendo

constituída de formas variáveis, que sofreram influências de fatores ambientais,

sociais, econômicos, culturais, políticos, religiosos. Estes determinavam as distintas

composições das famílias ao longo do tempo. Segundo Osório (1996), “o simples

cogitar abarcá-las num enunciado integrador já nos paralisa o ânimo e tolhe o

propósito”. Para ele, a família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos

de relações pessoais:

- A aliança que é a formação do casal;

- A filiação constituída por pais e filhos;

- A consangüinidade constituída pelos irmãos.

Ainda de acordo com (Osório), 1996, os três formatos no qual a família se

apresenta são:

• Nuclear – pai, mãe e filhos.

• Extensa - composta também por outras pessoas com grau de parentesco.

• Abrangente - inclui as pessoas que coabitem mesmo sem grau de

parentesco.

Para Nazareth (2005), todos seres humanos nascem em famílias tende-se um

pai, uma mãe e, talvez, irmãos. Segundo a autora, não existe outra forma de se

conceber seres humanos e propiciar seu desenvolvimento, pois é na família que se

aprende, vivencia e exercitam-se os modelos que servirão de protótipo para todas as

relações que se estabelecerão ao longo da vida.

20 O Código Napoleônico garantia a liberdade individual, a igualdade perante a lei, o direito à propriedade privada, o divórcio e incorporava o primeiro código comercial, foi promulgado em 1804 por Napoleão Bonaparte (Autor desconhecido. www.unificado.com.br/calendario/06/napoleao.htm Acessado em 11/06/07 às 08:36). 21 Segundo Ferreira, o modelo patriarcal refere-se ao regime social em que o pai é a autoridade máxima (1977, p. 355).

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Entendendo, então, que cada família é um grupo social delimitado que está

inserido numa comunidade e na sociedade, ocorre inevitavelmente uma interação

que, apesar da família ser a principal referência e, muitas vezes, determinante na

vida dos sujeitos singulares, o contexto social exerce significativa influência no estilo

de vida das pessoas, na maioria das vezes é a sociedade que dita as regras, normas

e estilos a serem seguidos e aqueles que não acompanham seus valores tornam-se

estigmatizadas22.

Apesar da família nuclear ter predominado nos países ocidentais, atualmente

surgem outras combinações que também a configuram, como por exemplo, mães e

pais solteiros, produções independentes, uniões homoafetivas23, pessoas casadas

que não coabitam o mesmo lar, entre outras.

As separações e as novas uniões efetuadas ao longo da vida dos adultos foram formando, aos poucos, um novo tipo de família que vou chamar de família tentacular, diferente da família extensa pré-moderna e da família nuclear que aos poucos vai perdendo a hegemonia. São famílias em que as crianças convivem com novos parceiros da mãe e do pai, com irmãos frutos de novas uniões de seus pais e mesmo com irmãos ‘postiços’, filhos dos casamentos anteriores da nova mulher do pai ou do novo marido da mãe (KEHL, 2006, p. 2).

Para a autora, essas novas configurações da família têm o poder distribuído

de forma mais igualitária entre o homem e a mulher e entre pais e filhos, sendo

mantidas as relações mais em função do afeto e das responsabilidades

compartilhadas do que em nome da conservação da ordem.

[...] a convivência entre os meus, teus, nossos filhos não surpreende como outrora. Casais separados, coabitando por questões econômicas ou mesmo casais que retornam à casa paterna, conformando famílias extensas; mães provedoras; famílias uniparentais; casais homossexuais lutando pela guarda de uma criança; padrastos lutando na justiça pelo direito de ver o enteado, depois da separação, são uma amostra das diferentes formas de convivência, que seguem sendo denominadas famílias (GIONGO, 2003, p.12).

Diante das concepções citadas anteriormente, pode-se, então, compreender

que, desde sua origem, a família sofreu e permanecerá sofrendo alterações

conforme a história for se modificando. O que, outrora, era inadmissível, hoje é

22 De acordo com Dicionário On-line, estigmatizado é aquele marcado com estigma. Estigma é censura, condenação. 23Neologismo criado pela Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, Maria Berenice Dias, com o objetivo de afastar a carga de preconceito que a expressão “homossexualidade” contém (DIAS, 2004, p.72).

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aceito ou tolerável, e, certamente, ainda irão surgir transformações as quais se quer

se imagina.

A família é uma instituição social historicamente condicionada e dialeticamente articulada com a sociedade na qual está inserida. Isto pressupõe compreender as diferentes formas de famílias em diferentes espaços de tempo, em diferentes lugares, além de percebê-las como diferentes dentro de um mesmo espaço social e num mesmo espaço de tempo. Esta percepção leva a pensar as famílias sempre numa perspectiva de mudanças, dentro da qual se descarta a idéia dos modelos cristalizados para se refletir as possibilidades em relação ao futuro (MIOTO, 1997, p.128).

A família sofre a influência de uma história que compreende várias gerações.

Na base do núcleo familiar, está o casal que dá início a esta formação, trazendo

expectativas, crenças, valores, ritos e mitos, que precisam ser compartilhados e

organizados. Sendo assim, com a união do casal é necessário fazer a fusão desta

bagagem e os ajustes necessários para obter uma convivência equilibrada e

emocionalmente madura.

Depois de um espaço de tempo, a tendência da família é de se passar por

mudanças que correspondam ao seu ciclo de vida. Conforme Mcgoldrick (1995),

etapas como o casamento, o nascimento dos filhos, o ingresso dos filhos na vida

escolar, a adolescência, a saída dos jovens de casa ou seu casamento, a

aposentadoria e a morte - podem ser fonte de desgaste que desestabilizam seus

membros até que consigam se adaptar às novas situações e superar as dificuldades.

Além disso, as famílias ainda enfrentam “sérios desafios advindos tanto das suas

demandas internas como do seu meio social” (MIOTO, 1997, p.128), que também

constituem momentos críticos.

Com o papel, então, de garantir a pertença e, ao mesmo tempo, promover a

individualização dos filhos, a família impõe, desde o nascimento, expectativas,

valores e sonhos sobre como eles devem ser, se comportar e agir no seio familiar e

no mundo em que vivem. Essas atitudes podem marcar profundamente o

desenvolvimento de seus membros à medida que impõem tarefas que podem não

ser condizentes com capacidades, aptidões ou desejos.

A adolescência, nesse sentido, é um momento complexo no qual os jovens

passam por um período de transição, em que buscam a separação dos pais, pelo

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menos em parte, para que possam elaborar sua própria identidade; este momento

pode ser vivido de forma harmoniosa ou conflitiva, dependendo da compreensão dos

pais.

Não é raro que as famílias se deparem com dificuldades, tais como: o

desemprego, as separações, a prisão de algum de seus membros, as doenças e

fatalidades, a não aceitação a um de seus membros em função do preconceito

imposto por uma sociedade cruel, que procura medir suas relações através do

capital, entre outras. Estas situações podem definitivamente alterar o modo de vida

das famílias ou fragilizar suas relações.

2.2 O PRECONCEITO E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES

Como já referido, a família é constituída de formas variáveis que vão se

configurando conforme as transformações histórico-sociais.

Houve uma época em que mulheres apaixonadas se entregavam ao seu

“príncipe encantado” e, tempos depois, se viam grávidas e abandonadas, tendo que

conviver com o duro preconceito de serem “mães solteiras”.

Depois, se depara com “as separadas”, “a amante”, “os filhos de pais

separados”, “os mongolóides” e, também, “os viados e as sapatonas”, todos sujeitos

que constituíam famílias e que sofreram e sofrem severamente o preconceito de

uma sociedade hegemonicamente judaico-cristã, heterossexual, branca e

excludente.

Mas estas famílias existem e buscam respeito e reconhecimento. Atualmente,

as minorias, que muitas vezes são a maioria, negam-se a permanecer no anonimato

e buscam seus direitos enquanto cidadãos.

Então, pode-se identificar que a realidade familiar está permeada de muitas

configurações que, quanto mais distantes do padrão dito “normal”, mais predispostas

estão a sofrerem preconceito e discriminação. Poder-se-ia escolher qualquer uma

dessas múltiplas configurações familiares para reconhecer o preconceito sofrido por

elas, entretanto, para discorrer sobre esta categoria, se irá limitar o tema às famílias

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homoafetivas, que violentamente sofrem o preconceito e tem constantemente seus

direitos violados.

2.3 FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS E A DOR DO PRECONCEITO

[...] a hegemonia é homossexual, a minha libido, o meu desejo. Sempre senti alguma coisa que vive dentro de mim, desde criança, desde que me lembro, a atração física, libidinosa, por corpos masculinos, por masculinidade, por testosterona... É algo que já nem me lembro quando começou, sempre existiu em mim. Então, não posso colocar isso como escolha, como opção. É óbvio que passei na adolescência e parte da juventude por períodos de culpabilização, porque faço parte dessa nossa cultura judaico-cristã. Então, me senti atormentado, errado, rejeitado. Fui rejeitado por muitos grupos sociais nos quais tentava me inserir, principalmente na adolescência (JOSÉ, apud MODESTO, 2006, p.50).

Normalmente as famílias homoafetivas experienciam sentimentos de rejeição,

discriminação, exclusão e violência. São vítimas do preconceito da sociedade que

ainda procura mantê-las na invisibilidade, fazendo de conta que não existem ou que

não sofrem nenhum tipo de discriminação.

Logo, falar em família homoafetiva é algo bastante novo. Não que essas

famílias existam há pouco tempo, pelo contrário, a união homoafetiva está presente

na sociedade desde os mais remotos tempos. Entretanto, sua visibilidade e

discussão em torno da temática são algo contemporâneo.

A homoafetividade é, portanto, uma realidade envolta em preconceitos e

dogmas que devem ser ultrapassados através da sensibilização para mudança de

valores, de acesso à informação, da luta por justiça e igualdade. Não aquela

igualdade que diz que todos têm que ser iguais, mas a igualdade que garante a

todos os mesmos direitos, respeitando as diversidades. Uma luta que almeja como

vitória o cumprimento da obrigação do Estado em auxiliar na condução do cidadão à

felicidade.

[...] o amor não tem sexo, não tem idade, não tem cor, não tem fronteiras, não tem limites O amor não tem nada disso, mas tem tudo. Corresponde ao sonho de felicidade de todos, tanto que existe uma parcela de felicidade que só se realiza no outro (DIAS, 2004, p.39).

Para poder se entender melhor o que são as famílias homoafetivas, acredita-

se ser importante resgatar um pouco da origem da homossexualidade.

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Segundo Suplicy (1985), a homossexualidade tem a haver com orientação

sexual. O homossexual é um indivíduo, homem ou mulher, que tem uma preferência

erótica por membros do mesmo sexo.

Quando se fala em orientação sexual, se está referindo à expressão sexual

de cada indivíduo por um membro de outro sexo, do mesmo sexo ou ambos os

sexos, ou seja, a orientação sexual de uma pessoa é que vai diferenciar as relações

sexuais e/ou amorosas que irá estabelecer. De acordo com o Relatório Azul

2000/2001, as relações podem ser:

• Heterossexual: quando a pessoa mantém relações sexuais e/ou amorosa

com um indivíduo do sexo oposto;

• Homossexual: quando a pessoa mantém relações sexuais e/ou amorosa

com um indivíduo do mesmo sexo;

• Bissexual: quando a pessoa mantém relações sexuais e/ou amorosa com

um indivíduo de ambos os sexos.

As relações homossexuais perpassam, então, a história desde as mais

remotas épocas, sendo aceitas desde que mantivessem sua invisibilidade. Ou seja,

a prática homossexual sempre existiu e não incomodou a sociedade de origem

cristã-ocidental até o momento em que resolveu se externalizar. De acordo com a

moral cristã, as relações sexuais só podem gerar filhos, não proporcionar o prazer.

Já o Código de Napoleão, em 1804, considerou o homossexualismo uma livre

escolha entre adultos.

A palavra homossexualidade foi criada pela médica húngara Karoly Benkert e,

em 1869, foi introduzida na literatura técnica. O prefixo “homo” vem de hómos ou

homoe, que é de origem grega e revela a idéia de semelhança, de igual, significa o

mesmo, isto é, homólogo24 ao sexo que a pessoa almeja ter; “sexual” vem do latim

sexualis e diz respeito ao sexo, à diferença biológica.

Em 1897, nascia a primeira organização gay, em Berlim, na Alemanha,

concebida pelo doutor Magnus Hirschfeld.

24 Homólogo significa correspondente, equivalente, similar (MICHALES, 2001 p. 448).

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Em 1951, surgiu, nos Estados Unidos, a primeira entidade estadunidense,

organizada juridicamente, com a finalidade de defender os direitos gays – a

Mattachine Society –, que foi liderada por Henry Hay.

Uma das primeiras grandes manifestações públicas contra a pressão e

discriminação aos homossexuais ocorreu em 1969, em Nova Iorque, quando, após

uma invasão da polícia a um bar homossexual, seus freqüentadores reagiram

causando grande impacto na imprensa.

Desde de então, as minorias que mantêm relações homossexuais resolveram

ocupar os espaços de resistência e, através da coletividade, lutar por seus direitos.

A partir de 1970, então,

[...] os homossexuais passaram a ser encarados de forma diferente, não mais aceitando a idéia de que ser homossexual é ser inferior ao heterossexual, diminuindo o sentimento de culpa pela sua orientação sexual e assumindo a necessidade de organizar-se politicamente para ter seus direitos de cidadão respeitados (SUPLICY, 1985, p. 282).

Conforme Suplicy (1985), apenas em 1973, a Associação Psiquiátrica

Americana retirou a homossexualidade da classe das doenças mentais.

Segundo Dias (2004), em 1985 a homossexualidade deixou de constar no

artigo 302 do Código Internacional de Doenças (CID) como uma doença mental. A

autora refere, ainda, que, na 10ª revisão do CID, em 1995, o sufixo “ismo”, que

significava doença, foi substituído pelo sufixo “dade”, que quer dizer modo de ser,

sendo denominada de “Transtornos da Preferência Sexual” (F65).

Com a ocupação dos espaços de resistência e a pressão dos movimentos

contra a discriminação aos homossexuais, tramita no Congresso Nacional Brasileiro,

desde 1995, uma proposta de emenda constitucional para proibir a discriminação

por orientação sexual. Nesse mesmo ano, o país realizou, no Rio de Janeiro, a 1ª

Conferência da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis. Desde então,

cada vez mais o movimento em defesa à livre orientação sexual tem se fortalecido e

conquistado algumas garantias de direitos. Porém, isto ainda não é motivo de vitória,

pois o preconceito e a invisibilidade ainda punem perversamente esse grupo.

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Em 1998, a Holanda, que já admitia o registro da união homossexual, passou

a ser o primeiro país a autorizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo,

permitindo, inclusive, a adoção de crianças por casais homossexuais.

No Brasil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 06 de julho de 1999,

confirmou a decisão do Juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Siro Darlan, que

autorizou a adoção de uma criança de nove anos por um professor homossexual

assumido. Segundo o Juiz, "o que interessa é que a pessoa seja idônea e que a

criança esteja bem em sua companhia. O resto é preconceito” (DARLAN apud

JORNAL DO BRASIL, 20 nov. 2002).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi pioneiro ao reconhecer o

relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, em 14

de março de 2001.

Em 19 de dezembro de 2002, o então governador do Rio Grande do Sul,

Olívio Dutra, sancionou a lei n. º 11.872/02, que dispõe a proteção, o

reconhecimento da liberdade de orientação, a prática, a manifestação, a identidade,

a preferência sexual e outras providências.

Como se vê, as famílias homoafetivas têm conseguido garantir, ao menos na

instância jurídica, alguns direitos. Entretanto, a família que deveria servir de mola

propulsora para enfrentar o preconceito, muitas vezes, é a instituição que mais

severamente culpabiliza seu membro, estigmatizando-o e impedindo-o de romper a

barreira da invisibilidade, levando o sujeito singular a entrar num processo de auto-

exclusão, ou seja, muitas vezes é mais difícil assumir uma orientação sexual

diferente da considerada majoritariamente normal do que ser negro, deficiente físico,

mulher, criança, idoso, indígena ou qualquer outro grupo que componha as minorias

que vivem em situações de vulnerabilidade social25.

No começo, eu achava assim: não posso ser homossexual, isso vai ser muito ruim para mim e minha família... Com o tempo, aceitei isso e comecei a pensar assim: ok, vou ter relações com homens, porém vou casar, ter filhos e, esporadicamente, saio com homens! Achei que tinha

25 Vulnerabilidade Social é o conjunto de situações decorrentes de múltiplos e diversos fatores (sociais, culturais, econômicos, físicos, psicológicos, etc) que caracterizam os sujeitos que se encontram em alguma desvantagem e demandam algum tipo de intervenção particular que viabilize o enfrentamento de tais situações (TÜRCK, 2003, p. 32).

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achado a solução. Mas, no decorrer da vida, achei que isso também não era correto. Então, pensei: vou ser gay, mas ninguém vai saber (OTÁVIO apud MODESTO, 2006, p. 85).

Assim, muitas pessoas acabam omitindo a seus familiares sua orientação

sexual. Nos anos de 1998/99, o Relatório Azul mencionava que os únicos lugares

onde os homossexuais expressavam sua sexualidade eram nos guetos, em função

do preconceito. As pessoas modificavam suas vidas de modo a aparentar o que não

eram, ou seja, eram homossexuais em poucos momentos, quando estavam nos

guetos ou na intimidade com seus companheiros e amigos. Eles preferiam, então,

esconder sua orientação sexual para evitar uma maior discriminação.

Entretanto, a família tem um papel de extrema importância na vida dos

sujeitos singulares que mantém relações homoafetivas, pois:

[...] quando você tem uma família que te apóia, você pode tudo. De um modo geral, as pessoas que contaram pras famílias, essas pessoas são fortalecidas, elas conseguem lidar com qualquer coisa que venha, com qualquer tipo de preconceito, qualquer tipo de dificuldade ( ROBERTA apud MODESTO, 2006, p.257).

Para que as uniões homoafetivas que despontam no horizonte e reclamam

visibilidade e reconhecimento sejam atendidas, é necessário que as pessoas deixem

de temer ao preconceito e se mostrem dignamente como são.

À medida que escondemos o que somos, ajudamos a manter o preconceito, não por omissão, mas por ação. Ao omitirmos nossa orientação sexual, reforçamos o preconceito social, pois não existimos como homossexuais, mas como heterossexuais. Os que desconhecem nossa orientação, não nos valorizam pelo que somos de fato, mas pelo que pensam que somos (RELATÓRIO AZUL, 1998/99, p. 161).

Os movimentos, as organizações, as ligas e as entidades criadas com o

objetivo de dar visibilidade à homossexualidade e às pessoas que mantêm uma

relação homoafetiva, buscam a garantia dos direitos para, assim, poderem superar

as múltiplas expressões da Questão Social.

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3 A QUESTÃO SOCIAL SE CONFIGURANDO NAS FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS

A heterossexualidade é a expressão da sexualidade humana que serve de

parâmetro na sociedade judaico-cristã, assim, as demais manifestações são

percebidas com uma carga de preconceito que faz com que sujeitos que mantêm

relações homoafetivas sejam alvos de discriminação, se expressando na posição de

rejeição assumida pela família, nos ambientes de trabalho, nos espaços de lazer, de

amizade e em praticamente todas as dimensões da existência humana. O

preconceito e a discriminação são a negação da diversidade humana, que

encontram sustentação em função da desinformação, da ignorância, do moralismo,

do conservadorismo e do conformismo.

Segundo Mário Pecheny (2003), os indivíduos que vivenciam relações

homoafetivas são coagidos a assumir nos espaços públicos e nos espaços privados

“uma identidade discreta”. São obrigados a levar uma “vida dupla”, para alguns

revelam “seu segredo” e para outros escondem. Em alguns casos, não se aceitam,

negando para si a sua orientação sexual.

[...]eu sempre soube o que eu queria, mas eu sempre negava. Eu não conseguia ver dois homens juntos, achava horroroso. Mas ao mesmo tempo, era uma coisa contraditória, eu sentia atração, mas não gostava de ver (Fragmentos de Falas, 2007).

Esta realidade leva-se a questionar quais as conseqüências para estes

sujeitos que ocultam uma dimensão tão relevante da existência humana que é a

expressão do afeto e do amor.

Os casais que mantêm uma relação homoafetiva vivem na dimensão privada

e na pública, onde as expressões de afeto normalmente ocorrem no âmbito privado,

no qual cada sujeito escolhe como vai expressar, sentir, orientar e responder seus

desejos e necessidades sexuais. Este mesmo indivíduo possui o direito de conviver

na esfera pública, e não deveriam existir justificativas admitindo a discriminação de

cunho moralista e conservador, que violam direitos considerados fundamentais.

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Muitas pessoas sentem verdadeira fobia pelas que mantém uma relação

homoafetiva, o que é considerado homofobia26 ou lesbofobia: que se manifesta pelo

preconceito e pela discriminação, marcada pela violência física, psicológica e

simbólica. Estas práticas de violência são presenciadas nas ruas, nas casas, nas

religiões, nas profissões e no Estado, que não assegura direitos iguais a estes

sujeitos singulares. Sociedades homofóbicas insistem em rejeitar o amor ao mesmo

sexo, criando denominações pejorativas das mais variadas: bichas, viados, travecas,

sapatões – o que fere, menospreza, traumatiza e exclui estes sujeitos.

O preconceito pode fazer muitos danos na vida de sujeitos que, enquanto

cidadãos, deveriam ter seus direitos assegurados, mas, por não manterem o padrão

estabelecido pela superestrutura, isto é, a concepção ideológica, cultural, religiosa,

sofrem a discriminação e a violação das garantias expressas na Carta Magna

brasileira.

Por isso, de acordo com Calandra27, “não pode a Justiça seguir dando

respostas mortas a perguntas vivas, ignorando a realidade social subjacente,

encastelando-se no conformismo, para deixar de dizer o direito” (CALANDRA apud

DIAS, 2001, p.98).

Assim, também, o Serviço Social não pode se omitir e deixar de intervir para

garantir os direitos e a superação do preconceito às famílias homoafetivas.

Comprometido com um Projeto Ético-Político, o Assistente Social busca a

construção de um modelo de sociedade que assegure a justiça e a eqüidade social,

tendo a liberdade como valor ético central, reconhecendo a autonomia, a

emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais e de seus direitos. Defende,

intransigentemente, os direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo,

buscando a eliminação de todas as formas de preconceito, a garantia do pluralismo

e o compromisso com a qualidade dos serviços.

Tendo a Questão Social, então, como matéria-prima do exercício profissional,

um dos maiores desafios aos Assistentes Sociais é assumir uma posição ética e 26 Homofobia significa medo ou aversão individual e coletiva de pessoas que escolheram amar e relacionar-se com outras do mesmo sexo. Ela se manifesta sob a forma de insultos, discriminações de todos os tipos e, quase sempre, seu resultado final é a violência física e/ou emocional que pode levar à morte (Relatório Azul 2000/2001, p. 199). 27 Henrique Nelson Calandra, magistrado paulista (DIAS, 2001, p. 98).

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política contra os processos de exclusão, opressão, violência e alienação, vinculadas

à lógica contemporânea. Este profissional tem que atuar, dessa forma, no espaço

contra-hegemônico para a garantia intransigente de direitos.

3.1 O PROCESSO DE CONHECIMENTO NO DESVENDAMENTO DO OBJETO

Para realizar o processo de trabalho do Assistente Social foi operacionalizado

o Método Dialético Materialista, através da metodologia que utiliza o Quadro de

Prática Relacional do Processo de Conhecimento28, onde é desvendada a Questão

Social, que se expressa na desigualdade social, e na violação de direitos

fundamentais que invade a vida do usuário.

A partir do que emerge na subjetividade do usuário e da compreensão dos

processos particulares e sociais é possível, portanto, desvendar o que ocorre em

sua vida.

[...] nem tudo que parece ser é... E é nesse movimento de desvendar o aparente que o Processo de Trabalho do Assistente Social vai se instituindo para a superação da explicação dos fenômenos que se explicitam pela desigualdade social (TÜRCK, 2006, http//:graturck.blogspot.com).

Assim, de acordo com Türck, a Questão Social, enquanto objeto genérico do

Serviço Social, que constitui a base geradora das desigualdades e da exclusão

social, vai ser explicitada no cotidiano profissional através do usuário que vai

contextualizá-la no concreto a partir do trinômio:

28 Metodologia criada pela professora, Assistente Social, Maria da Graça Maurer Gomes Türck (TÜRCK, 2006, p.11).

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Fonte: Assistente Social Profª. Maria da Graça Maurer Gomes Türck.

O Processo de Conhecimento é, portanto, o momento de conhecer o usuário

para posteriormente, no Processo de Intervenção, se poder propor a superação do

objeto desvendado. É realizado com base no quadro abaixo:

QUADRO DE PRÁTICA RELACIONAL: 1. PROCESSO DE CONHECIMENTO

PROCESSO DE TRABALHO

FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS:

LEITURAS AGREGADAS: ATENDIMENTOS: SEMANAL ( ) QUINZENAL ( ) MENSAL ( )

Expressão que dá

visibilidade a Questão Social

Estratégias metodológicas/ Instrumentais operativos

Subjetividade do Sujeito

Processos Particulares

Processos Sociais

Pontos Nodais Elencados

Objeto Objetivos Produto Final

Forma de manifestação da desigualdade social através do comportamento do sujeito.

Abordagens técnicas e instrumentos necessários à execução do Processo de Conhecimento.

Identificação da resiliência da resistência do sujeito, contextualizada nas formas de enfrentamento utilizadas para responder, através do comportamento, aos processos de exclusão e desigualdade social cotidiana.

Contextualização dos processos relacionais no espaço afetivo do sujeito, e no contexto familiar, que produzem interações de violência agravando as desigualdades sociais.

Identificação das formas de resistência e das estruturas sociais e institucionais que “alimentam” as formas de exclusão e desigualdade social, que se expressam nas interações afetivas e sociais dos sujeitos.

Análise da situação com os pontos nodais de vulnerabilidade que impedem a superação das formas de desigualdades sociais.

Desvendamento do objeto Questão Social, na vida do sujeito, a ser superado.

Identificação dos objetivos a serem atingidos para o encaminhamento a outros espaços institucionais, ou a implementação do Processo de Intervenção.

Resultado do Processo de Conhecimento: documentação para circular no espaço público, encaminhamento ou Processo de Intervenção.

Fonte: Professora, Assistente Social, Maria da Graça Maurer Gomes Türck.

[...] eu, com oito anos de idade, já tinha depressão de ver o pôr-do-sol e chorar. Tinha consciência do que eu sentia e não aceitava, eu via que

Se

Relações Sociais

S o c i e d a d e

C a p i t a l i s t a

Acontecem na comunidade cálida na qual o sujeito pertence: família.

Nós

Processos Sociais

Acontecem na comunidade fria na qual o sujeito constrói sua vida: espaço social amplo e específico.

Sociedade internacional – sociedade brasileira, estado e município.

Sujeito individual Subjetividade.

No comportamento do sujeito emerge a expressão que dá visibilidade à

Questão Social, portanto, “aquilo que é sentido por experiência” (Bueno,

1986, p.467)

Países do Terceiro Mundo

Relações de produção

Eu

Processos Particulares

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era diferente. Aquela depressão, sempre com aquela angústia, e me dava prazo: se eu não melhorar até tal idade, eu vou me matar. E chegava a época e eu não me matava. Aí, eu fui crescendo, eu me isolei. Aí, chegou à adolescência e eu não tinha amigos. Não me entrosava com os guris, no colégio, nas aulas de educação física. Eu não brincava nem com os guris nem com as gurias, eu simplesmente ficava num canto e não me entrosava. No futebol eu tinha medo que fossem me chamar de bicha, aquela coisa toda. Eu usei a tática de me isolar. Aí, foi passando a adolescência assim bem traumática, bem sofrida. Eu sou encucado, tinha uma autopiedade muito grande (Fragmentos de Fala, 2007).

Sabe-se que a vida humana é extremamente complexa, que se vivem tramas

que, em algumas vezes, não podem ser desamarradas, mas o que pensar de uma

criança que, aos oito anos de idade, já pensa em se matar só porque sabe que é

“diferente”? O que significa isso para um ser ainda tão inocente? Atreve-se, então,

em, dizer que desde a mais tenra idade, a família, a comunidade, a sociedade, já

iniciam o processo de “preenchimento” do novo ser. E o fazem baseados em

padrões, normas e valores pré-estabelecidos. Certamente, esta criança, ainda bem

pequena, já ouvia que o certo é homem gostar e casar com mulher, ter filhos, ser

trabalhador e cumpridor das regras e leis. Então, o que fazer dos sentimentos e

desejos que emanam do mais profundo do seu ser e que fazem parte da sua

essência?

[...] eu temia o preconceito dos outros. Eu venho de uma família italiana, eu tenho 43 anos e, quanto mais tempo, a coisa era mais sigilosa. Se sabia o que é certo, até na televisão o certo é homem e mulher e eu me sentia diferente. Tenho uma família, tenho irmãos, irmãs, aquela coisa tradicional me exigindo que eu fosse aquilo que eu não era e eu querendo ser e não podendo, aquilo me causava um sofrimento tremendo (Fragmentos de Fala, 2007).

Por mais difícil que as coisas se pareçam é preciso se tomar uma atitude, pois

como dizia o poeta William Shakespear, um dia se aprende que...

[...] Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo.

Aprende que, com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.

Aprende que, não importa em quantos pedaços o seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.

E você aprende que realmente pode suportar... Que realmente é forte e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.

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E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!

Não se sabe se o sujeito em questão teve esta inspiração, mas,

analogicamente, deve ter encontrado forças para continuar sua trajetória. Vindo de

uma família italiana extremamente tradicional, buscou nas terapias alternativas

subsídios para conviver da melhor forma possível com suas diferenças, através do

isolamento social e, de acordo com Mário Pecheny (2003), uma identidade discreta,

conseguindo ultrapassar a adolescência sem dar cabo à vida. E a vida, como um rio,

segue seu percurso, em nenhum momento estanque - e o adolescente cresce, torna-

se um homem com obrigações e direitos, um funcionário público federal que, apesar

de toda dignidade, esconde-se mantendo uma “vida dupla” com medo do

preconceito.

[...] sou reservado por natureza. Para estranhos eu tento me reservar ao máximo tanto no que se refere à homossexualidade quanto a outras coisas. Eu consigo conversar com as pessoas sendo eu mesmo, mas trocando as posições, não me aprofundo. É ruim, se eu fosse escolher, eu preferia ser hetero. Acho que a vida para o hetero é mais fácil, mas não acho que eu seja inferior por ser homo. É uma questão de sociedade, é mais fácil... No serviço ninguém sabe. Sabem que eu adotei, mas como solteiro, o Nelson não existe. Tanto é que, no plano de saúde da empresa, agora é possível colocá-lo como meu dependente, mas eu não consigo abrir, assumir, porque eu percebo um preconceito muito grande. Tem colegas que são e é aberto e eu vejo uma situação de deboche. Eu percebo que está se abrindo, está melhorando, mas ainda tem muito preconceito. Parece que aquele que é homossexual é menosprezado, uma criatura inferior, eu não sofro porque não abro, tento manter uma linha discreta (Fragmentos de Fala, 2007).

“Manter uma linha discreta” ao se ouvir esta fala não se faz idéia da dor e do

inconformismo que ela carrega, o quanto ainda existem vítimas de uma sociedade

cruel, que escraviza e oprime. O preconceito afeta não somente a vida pública do

usuário, mas também deixa cicatrizes na vida privada, a partir do momento que não

há uma superação e uma auto-aceitação, a relação conjugal mantém-se firmada

num pacto velado, onde todos os sentimentos que envolvem sexualidade e

orientação sexual são mantidos em silêncio, e o casal convive com limites que

causam insatisfação, mágoas e implenitude. Não conseguir assumir o companheiro

publicamente tem um significado não só para o usuário, mas também para o

companheiro que tem de lidar com uma série de sentimentos que vão do amor à

omissão da relação.

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Essa sociedade homofóbica, lesbofóbica, racista, machista, sexista, classista,

fundamentalista é tão perversa que, para se sentir menos culpados por não se estar

respondendo ao exigido hegemonicamente, procura-se heteronormatizar até mesmo

as relações homoafetivas. Isto significa dizer que, também nas relações

homoafetivas, os casais incorporam papéis iguais aos assumidos nas relações

heterossexuais.

[...] agora, no dia das mães, eu fui, estava cheio de mães... Comigo ela é mais medonha, com o Nelson ela não “tira farinha”, ele a leva a “rédeas curtas”. Eu sou coração mole, como trabalho o dia todo, acabo cedendo às manhas (Fragmentos de Fala, 2007).

Como se vê em quase nada ou em nada difere uma família homoafetiva de

uma família heterossexual. Também está baseada no afeto e tem como objetivo

essencial o cuidado e a proteção de seus membros, assim, discriminá-la pelo fato do

casal ser do mesmo sexo é, sem dúvida, uma violência: violência social – pré-

conceitos, isolamento social; violência simbólica – cotidiana, sutil, reforçada na

invisibilidade; violência psicológica – ameaças e ruptura da família de origem, de ex-

marido/ex-esposa, ex-companheiro (a); violência doméstica – reprodução do modelo

heterossexual, dependência econômica; violência institucional – instituição que

controla comportamentos, guardiã das normas e valores.

É comum numa família homoafetiva seus membros assumirem papéis pré-

estabelecidos. Normalmente um incorpora mais o papel da maternagem, enquanto o

outro assume a postura característica da figura do pai.

Tanto este usuário em questão, como aqueles que conseguem superar a dor

do preconceito e da discriminação e mostram-se como são, contrariando o exigido

pela sociedade, rompendo com o controle que desestabiliza as relações de poder,

enfrentam outro grande obstáculo: a violação de direitos.

3.2 O OBJETO DESVENDADO E A NEGAÇÃO DO DIREITO

Discriminações e preconceitos afrontam os direitos humanos e o exercício pleno da cidadania. Tais posturas acabam por desrespeitar o mais elementar dos direitos: o de viver a vida com o colorido que só a felicidade pode pintar (DIAS, 2004, p. 22).

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A Igreja Católica é uma das principais instituições que oprime e condena a

liberdade sexual. Busca manter a norma na qual o exercício da sexualidade deve se

dar somente com o objetivo da procriação. Entretanto, nos dias atuais, fica cada vez

mais desmistificado este padrão, pois, conforme Dias (2004), em função da profunda

transformação dos paradigmas da família, a aceitação do sexo, a queda do tabu da

virgindade, o surgimento dos métodos contraceptivos; a evolução da engenharia

genética, tornaram-se possíveis: sexo sem casamento e procriação sem sexo.

Seguindo a ótica da autora, pode-se dizer que para que, para que se

reconheça a existência de uma família, basta identificar a presença de um vínculo

amoroso e o enlaçamento de vidas, e isto não depende do sexo do casal, não

interessando se a família é formada por um ou dois pais, por uma ou duas mães o

importante são os laços afetivos. Assim, não só a Biologia estabelece os laços de

parentalidade, mas os laços sócio-afetivos reconhecem a filiação.

Ser diferente é difícil, pois há uma tendência “quase natural” a discriminar e

excluir o que foge do padrão da “dita normalidade”. Frente a isso, a Justiça muitas

vezes é injusta e cruel, pois, à medida que nega a realidade e, intencionalmente,

não percebe que as diferenças existem, descumpre a missão de garantir o respeito à

liberdade e à igualdade.

A justiça não é cega nem surda. Precisa ter os olhos abertos para ver a realidade social e os ouvidos atentos para ouvir o clamor dos que por ela esperam. Mister que os juízes deixem de fazer suas togas de escudos para não enxergar a realidade, pois os que buscam a justiça merecem ser julgados, e não punidos (DIAS, 2004, p.64).

O Brasil por ser um país predominantemente católico, com a influência

religiosa muito marcante, mantém, ao longo da história uma acentuada

discriminação ao que se refere à homossexualidade. Não é por acaso que é

considerado o campeão mundial de assassinato de gays, lésbicas e travestis. O

mais grave de tudo é que a quantificação do índice de vítimas da homofobia não é

seguramente precisa, pois um grande número de ocorrências deste gênero nem

chegam ao conhecimento dos órgãos oficiais.

Fato que se dá em virtude da dificuldade que as pessoas, que vivem uma

relação homoafetiva têm de assumir suas relações e sua orientação sexual. E por

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que isto ocorre? Unicamente pelo preconceito e pela pressão da sociedade perversa

em que se vive.

A omissão legal e o temor judicial acabam sendo fontes de grande injustiças e ensejam o enriquecimento sem causa, além de fomentar a discriminação e a exacerbação do preconceito. Mas fechar os olhos não faz desaparecer a realidade (DIAS, 2004, p.106).

Como se vê, é a superestrutura que sustenta o preconceito dentro da

sociedade capitalista. A Justiça, ao negar direito às relações homoafetivas que

constituem uma unidade familiar, que em nada se diferencia da união estável, de

acordo com Dias, é inadmissível que:

Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode, em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essas novas realidades, tornando-se agentes de grandes injustiças (DIAS, 2001, p.102).

A Igreja, então, prega com sua falsa moral, usando indevidamente o nome de

Deus, que o sexo deve ser praticado somente com o objetivo de procriar, enquanto

dentro da comunidade eclesiática religiosos mantêm práticas homossexuais para

satisfazerem seus desejos carnais. Os políticos, por sua vez, negam ser agentes de

mudanças capazes de alterar as legislações vigentes. As ideologias que se recusam

respeitar a diversidade. Enfim, chega do silêncio da Lei em negar direitos a quem

vive fora do modelo imposto pela moral conservadora, mas que não agridem a

ordem social nem trazem prejuízo a ninguém.

A violação de direitos a casais homoafetivos, às vezes, é tão mascarada que,

aos olhos de algumas pessoas, podem ser imperceptíveis.

[...] lá em São Luiz Gonzaga, já tínhamos até agendado a viagem para ir. E nos ligaram dizendo que não era pra irmos, porque Júlia não poderia ser adotada por um homem solteiro. Ali, foi um preconceito visível (Fragmentos de Falas, 2007).

Ainda hoje, no Brasil, não é permitido o processo de adoção por um casal

homoafetivo. As famílias que têm filhos adotivos, estes filhos estão registrados no

nome de somente um integrante do casal, fazendo com que o companheiro(a) não

tenha obrigações e direitos legais. Em 2006, no entanto, o juiz José Antônio Daltoé

Cezar, da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, autorizou a adoção

de uma menina de quatro anos por duas mulheres que vivem uma relação

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homoafetiva. A criança passou, dessa forma, a ser filha de duas mães, tendo este

registro no novo documento de certidão. Foi, portanto, uma decisão ainda incomum

no país, mas, segundo o juiz, espera-se que esta sentença influencie outros

magistrados em processos semelhantes.

Os tempos são outros, assim como outras devem ser nossas idéias sobre a convivência social. A tolerância com a divergência deve ser permanentemente exercida, como meio de inclusão de todos os integrantes de uma sociedade que se submetem a suas regras (CEZAR, 2006, p.41).

Não é uma questão de capricho ter o nome do casal como pais ou mães de

uma criança, é direito. Pois, quando a criança está registrada somente no nome de

um dos pais ou mães, terá somente direitos legais por parte do adotante, deixando

de ter qualquer direito com relação ao outro pai ou mãe em caso de separação: pelo

fim da relação ou morte de um deles. Isso causa prejuízos à criança, pois é

impossibilitada de usufruir direitos como alimentação, benefício de cunho

previdenciário ou sucessório, guarda e visitação, entre outros.

Quando o usuário se refere que “a lei não permite, está tudo no nome do

Fábio” (Fragmentos de Falas, 2007), além dos entraves burocráticos, existe um

sentimento de exclusão ao qual deve se submeter por medo do preconceito e da

discriminação:

A gente fica com medo, a gente pretende depois de sair a adoção no nome do Fábio, entrar com o pedido para inserir o meu nome para eu também adotá-la. Eu adoraria se saísse no nosso nome” (Fragmentos de Falas, 2007).

A partir do Processo de Conhecimento da Família Nunes, foi possível, então,

desvendar o objeto Questão Social que imobiliza os usuários, ou seja, a fragilidade

da relação conjugal pela dificuldade da manutenção de diálogo entre o casal, que

faz com que os sentimentos não verbalizados e a negação da identidade

relacionada à orientação sexual impossibilitem a superação do preconceito.

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QUADRO DE PRÁTICA RELACIONAL: 1. Processo de Conhecimento29. Acadêmica de Serviço Social: Andréa Eliane Charão de Mattos Início: 10/04/2007. Usuários: Nelson dos Santos30 e Fabio Nunes Fundamentos Teórico-metodológicos: Método Dialético Materialista e Paradigma de Correlação de Forças Leituras agregadas: relação conjugal, sexualidade – gênero, relações homoafetivas, preconceito.

Origem

Expressão que dá visibilidade à questão social

Estratégias metodológicas e instrumentais

operativos

Subjetividade do sujeito

Processos particulares

Processos sociais

Pontos nodais

Objeto desvendado Objetivos Produto final

Necessidade da aluna acadêmica em ter acesso ao Processo de Conhecimento a uma família homoafetiva.

Necessidade da aluna.

Visita domiciliar, Abordagens individuais e conjuntas. Observação, acolhimento, ouvir, entrevista individual reflexiva, entrevista conjunta reflexiva, vinculação.

Nelson: sentimento de desvalorização enquanto companheiro, ausência de visibilidade da relação homoafetiva, sofrimento frente o preconceito social. Fabio: negação da relação homoafetiva, sofrimento frente o preconceito familiar e social, falta de auto-aceitação.

Omissão da relação conjugal, falta de comunicação entre o casal abordando sentimentos de menos valia do senhor Nelson em função da negação da relação homoafetiva por parte do senhor Fabio, rompimento de vínculos afetivos com a família extensa do senhor Fabio.

Invisibilidade da relação conjugal em função do preconceito. Negação de direitos quanto ao reconhecimento da relação homoafetiva e da adoção por dois pais.

Dificuldades de auto-aceitação, isolamento social, falta de diálogo, fragilidade dos laços familiares.

Fragilidade da relação conjugal pela dificuldade da qualificação do diálogo entre o casal.

Oportunizar a auto-aceitação para afirmar a identidade dos usuários, qualificar a comunicação entre o casal para superar os sentimentos de negação e menos valia, fortalecer o casal para superarem o preconceito familiar e social.

Continuidade do processo de intervenção pelo Serviço Social através de abordagens conjuntas.

3.3 ESTRATÉGIAS PARA A SUPERAÇÃO DO PRECONCEITO NA GARANTIA DE DIREITOS

Segundo Faleiros, as estratégias são processos de articulação e mediação de

poderes e mudanças de relações de interesses, referências e patrimônios pelo

remanejo de recursos, efetivação de direitos, novas relações ou uso de informações

(2001, p. 76).

O profissional de Serviço Social pode ser um facilitador na interlocução de

direitos na vida de um usuário fragilizado, discriminado, excluído, descapitalizado.

Para tanto, o Assistente Social terá que manter um esforço diário para superar seus

próprios preconceitos e se permitir ver e ouvir o outro na sua essência. Através do

acolhimento, que é muito mais do que receber cordialmente um usuário, o Assistente

Social estabelece, então, um espaço marcado pelo respeito onde, a partir de um

29 Fonte: Assistente Social Professora Maria da Graça Maurer Gomes Türck. 30 Os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade do usuário.

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ouvir com eficácia31, da empatia e do vínculo, se institui uma confiabilidade que

permitirá ao usuário descortinar suas dores e angústias.

No momento em que o Assistente Social se propõe a ouvir o seu usuário,

torna-se seu aliado, permitindo que ele vá revelando seus dissabores.

Segundo Mackay “quando ouvimos ajudamos a estimular a auto-estima do

outro” (2000, p. 12). Assim, ao se dar ao usuário a certeza de que será ouvido e que

é um sujeito único, protagonista de sua história e capaz de superar seus obstáculos,

inicia-se a intervenção profissional.

Através do Processo de Conhecimento, então, o Assistente Social irá traçar

estratégias, fazendo uso de seus conhecimentos, habilidades e atitudes para propor

a superação do objeto desvendado.

Falar das suas dificuldades e dores faz com que o usuário se perceba e se

reconheça na sua história. A partir das estratégias metodológicas e dos

instrumentais-operativos, o Assistente Social vai, dessa forma, superando o objeto e

fortalecendo o usuário. Esta superação vai se dar através do resgate de suas

habilidades, da construção de uma capacidade de compreensão mais crítica da sua

concepção de mundo e do estímulo e informação de como acessar recursos e

direitos, ou seja, o Assistente Social vai fortalecer e recapitalizar32 seu usuário.

Em relação às famílias homoafetivas, representadas nesse momento pela

Família Nunes, pode-se dizer que a superação do preconceito será uma garantia a

partir do momento em que o casal conseguir fortalecer sua relação conjugal através

do diálogo reflexivo quanto à auto-aceitação de cada um, referente a sua orientação

sexual, que irá afirmar sua identidade. E, ao conseguirem dar visibilidade à relação

homoafetiva a partir da consciência de algo que é uma realidade, esta não pode

mais ser negada.

31 Ouvir com eficácia implica dar àquele que fala sua completa atenção somada à sua capacidade de compreensão (MACKAY, 2000 p. 09). 32 Para Pierre Bourdieu, o capital é definido como um conjunto de recursos e de poderes efetivamente utilizáveis, cuja distribuição social é necessariamente desigual e dependente da capacidade de apropriação de diferentes grupos (ABRAMOVAY, Ricardo. www.econ.fea.usp.br/abramovay/artigos_cientificos/2000/O capital_social.pdf Acessado em 10/06/07 às 10:12).

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Indispensável que se passe a aceitar que os vínculos homoafetivos configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito. Está na hora de o Estado, que se quer democrático e consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana, reconhecer que todos os cidadãos dispõem do direito individual à liberdade, do direito social de escolha e do direito humano à felicidade (DIAS, 2004, p. 120).

Ao se conseguir fortalecer os usuários, cria-se a possibilidade deles

estabelecerem uma autonomia para buscarem sua cidadania através do ingresso em

movimentos de defesa de direitos ou, até mesmo, individualmente. No caso

específico da defesa dos direitos dos homossexuais, destacam-se, em anexo,

alguns Acórdãos referente a reclamatórias de casais homoafetivos.

Ao se conseguir fortalecer os usuários, cria-se a possibilidade deles

estabelecerem uma autonomia para buscarem sua cidadania através do ingresso em

movimentos de defesa de direitos ou, até mesmo, individualmente.

Nesse sentido, já se tem a coletividade dos homossexuais garantidos alguns

direitos como:

• o direito de ter as ações judiciais decorrentes de relacionamentos

homoafetivos julgadas nas varas de família;

• reconhecimento da união estável;

• direito sucessório e previdenciário;

• adoção.

Assim, no momento em que o Assistente Social ocupa seus espaços de

resistência, comprometido com seu Projeto Ético-Político, torna-se um profissional

capaz de facilitar a superação da Questão Social que se contextualiza na vida do

sujeito singular, e de garantir o acesso aos Direitos Humanos Fundamentais,

promovendo a autonomia e a cidadania a seus usuários.

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CONSIDERAÇOES FINAIS

Trabalhar a partir do Projeto Ético-Político, dos Fundamentos Teóricos e

Metodológicos e do Instrumental Operativo do Serviço Social permitiu fazer um

resgate de toda a trajetória acadêmica, com a possibilidade da articulação da teoria

com a prática.

Ao se debruçar sobre a categoria preconceito e se conhecer um pouco da

realidade das famílias homoafetivas, aguçou-se ainda mais o desejo de estar

trabalhando com esta temática e buscando-se fortalecer os laços que envolvem

estas pessoas. Não é justo que a família discrimine um de seus membros em função

da sua orientação sexual, só porque uma sociedade legitima tais posturas. É a

família a primeira instituição capaz de facilitar a vida do sujeito que tem uma

orientação sexual diferente da dita “normal”, seu apoio é imprescindível. Então,

acredita-se que o primeiro passo é o fortalecimento destes membros para se dar

sustentação aos filhos homossexuais.

A sistematização das informações obtidas e dos conhecimentos adquiridos

resultou este trabalho, em que se buscou refletir em torno da temática e mostrar a

necessidade de mudança no que se refere ao preconceito.

A construção deste trabalho foi, então, além de instigante, prazerosa. Pois,

fazer a abordagem a uma categoria pouco explorada até o momento, foi desafiador.

Acredita-se que as informações sistematizadas serão bastante relevantes, tendo em

vista que a partir das bibliografias utilizadas e da construção deste estudo, se possa,

agora, contribuir a futuras reflexões sobre o tema no mundo acadêmico.

Ver as famílias homoafetivas, leva a questionar porque a sociedade tem

tamanha necessidade de fragmentar e separar em nichos a realidade social, criar

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rótulos que, além de identificar, estigmatizam e discriminam as pessoas. Talvez seja

a forma de se manter um controle social ou simplesmente por ser uma sociedade

perversa e cruel que busca transformar tudo em mercadorias que possam alimentar

o capital. Seria tão simples poder ver os sujeitos na sua concretude como os são,

sem ter que definir-los como heterossexual ou homossexual, mas, simplesmente

como pessoas que, além de uma genitália, têm sentimentos que podem ser dirigidos

não somente ao corpo, mas ao todo que o sujeito representa.

Concluí-se, assim, uma etapa, mas fica a certeza de que, para o exercício

competente da profissão de Assistente Social é imprescindível a busca constante de

novos saberes, o aperfeiçoamento profissional e a caminhada incessante em busca

da felicidade e da garantia intransigente de direitos.

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ANEXOS

Acórdãos:

UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA........................................ 056

AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHI-MENTO DOS REQUISITOS. CABIMENTO.......

067

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. .....................................................................

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